CAPÍTULO VI O processo de validação dos instrumentos Dados Psicométricos O processo de validação dos instrumentos INTRODUÇÃO Este capítulo é dedicado exclusivamente à validação de três escalas de autorelato, a utilizar nesta investigação, que tem como foco privilegiado as crianças e a sua experiência de exposição à violência na família. Analisaremos as características destes instrumentos de forma a concluir se estes possuem ou não as qualidades psicométricas recomendadas para poderem ser usados no nossos estudos. As variáveis avaliadas por estas escalas (e.g., crenças, percepções) são referenciadas como factores mediadores do impacto da exposição à violência, o que situa estas medidas numa linha de abordagem cognitivocomportamental. Tratam-se de escalas cujos itens estão organizados de forma a traduzir diferentes graus de intensidade, duas delas (E.C.C.V. e S.A.N.I.) com cinco posicionamentos distintos e uma outra (C.P.I.C.) de três pontos. A escala S.A.N.I. apresenta ainda outra possibilidade de resposta, e que consiste na identificação de um dado aspecto relativo à violência, nomeadamente a sinalização da(s) vítima(s). Seguir-se-á um procedimento de análise uniforme, que inclui o estudo sobre a validade dos itens através do uso de medidas de tendência central, o exame da fidelidade (precisão) através da análise da consistência interna dos itens e da validade de constructo mediante o verificação da estrutura factorial. Para a escala E.C.C.V. e para a S.A.N.I. usámos o método tradicional de extracção de factores que consistiu na análise dos componentes principais, seguida de rotação varimax, enquanto que na C.P.I.C. foram usados os procedimentos dos autores da escala, os quais optaram pelo uso do método dos quadrados mínimos generalizados e pela rotação oblíqua. À medida que formos apresentando os resultados iremos discutindo o seu significado e explicando as nossas opções metodológicas. CAPÍTULO VI 205 O processo de validação dos instrumentos 1. VALIDAÇÃO DA ESCALA DE CRENÇAS DA CRIANÇA SOBRE A VIOLÊNCIA (E.C.C.V.) Iniciando pela análise descritiva dos resultados da E.C.C.V. verificámos pelo quadro 6.1, que o grupo I apresenta, para a maioria dos itens da escala, valores que rondam os 2 pontos (na escala de 1 a 4). Esta pontuação pode ser confirmada se atendermos à média obtida para o total que foi de 75,92 (com um desvio-padrão de 12,99) e que dividida pelos 36 itens que compõem a escala, traduz-se num resultado médio de 2,11. QUADRO 6.1 - Estatística descritiva para os vários itens da escala (E.C.C.V.) no Grupo I E.C.C.V Item 1 Média 3,15 Des. Pd. ,95 E.C.C.V Item 19 Média 2,45 Des. Pd. 1,11 Item 2 2,60 1,01 Item 20 2,58 1,09 Item 3 3,06 1,06 Item 21 1,97 1,03 Item 4 1,86 1,08 Item 22 1,74 ,96 Item 5 2,36 1,03 Item 23 1,47 ,88 Item 6 3,28 1,02 Item 24 1,64 ,98 Item 7 1,94 1,01 Item 25 1,34 ,71 Item 8 2,18 1,08 Item 26 1,47 ,83 Item 9 3,46 ,73 Item 27 2,61 1,15 Item 10 2,15 1,00 Item 28 1,51 ,82 Item 11 1,43 ,73 Item 29 1,43 ,83 Item 12 1,45 ,75 Item 30 2,34 ,95 Item 13 2,06 ,91 Item 31 2,23 1,02 Item 14 1,63 ,96 Item 32 2,37 1,04 Item 15 2,91 1,04 Item 33 2,12 ,97 Item 16 2,18 ,89 Item 34 2,17 ,96 Item 17 1,46 ,77 Item 35 1,59 ,93 Item 18 1,67 ,83 Item 36 2,03 1,14 CAPÍTULO VI 206 O processo de validação dos instrumentos A obtenção de um valor médio perto de dois (correspondente a concordo pouco), permite-nos dizer que, no que respeita às crenças sobre a violência, este grupo de 605 crianças não apresenta, no geral, crenças distorcidas ou ideias erradas sobre o fenómeno. Há, no entanto, algumas excepções (e.g., o item 1 “Para uma pessoa magoar outra tem de haver um motivo”; o item 3 “Não ajudar alguém que está a ser maltratado é como estarmos também a maltratar essa pessoa”; o item 6 “As pessoas desconhecidas não têm direito de bater ou tratar mal”; item 9 “O álcool é responsável pela violência de algumas pessoas”), itens cujas médias rondam os 3 valores e que apontam para ideias algo erróneas sobre a violência. Assim, nesta amostra constituída por sujeitos sem história de exposição a situações interpessoais violentas na família, alguns aspectos surgem com alguma convicção relacionados com o problema da violência, como sejam a motivação do ofensor (item 1), a percepção sobre a capacidade de confronto com as situações (item 3), a familiaridade ofensor – vítima (item 6) ou o consumo de álcool (item 9). Aquando da reflexão falada da escala denotou- se, de facto, que havia algumas ideias que com uma certa regularidade eram partilhadas pelas crianças deste grupo (e.g., associação álcool e violência) e que, no fundo, traduzem algumas das ideias do senso comum acerca violência interpessoal, tal como refere alguma da literatura (cf. Leonard, 1999). Estas crenças específicas (e.g., cf. itens acima) são algumas vezes desmontadas pela experiência de exposição à violência, enquanto muitas outras, pelo contrário, emergem depois de uma experiência pessoal desses incidentes (cf. item 23, 26, 28, 29). Esta reflexão parece-nos importante para percebermos, aquando do estudo comparativo, que a experiência de violência pode contribuir com um duplo efeito, construtivo e desconstrutivo. Neste aspecto, os estudos qualitativos (e.g., Sani & Gonçalves, 2000; Sani, 2002) são, com certeza, os que mais informação nos poderão dar a esse respeito. CAPÍTULO VI 207 O processo de validação dos instrumentos Validade dos itens A análise da matriz de correlações entre os itens e o total da escala (cf. em anexo), permite-nos afirmar que foram obtidos índices altamente significativos (p< .001), à excepção do item 3 (r=-.047, p=.254). Este item, para além de não mostrar correlação significativa com o total da escala (valor não corrigido), revela na análise das correlações dos vários itens da E.C.C.V. coeficientes bastante baixos e em alguns casos, valores que sendo significativos para p<.01 e p<.05, correlacionam-se negativamente com outros itens deste instrumento. Assim sendo, propõe-se a retirada do item 3. Os restantes itens apresentam correlações significativas entre si e com o total da escala. As valores indiciam, na generalidade, correlações que embora não muito altas são positivas e significativas, muitas delas, para p<.001 (cf. anexo). Estudos relativos à fidelidade Para análise da precisão da E.C.C.V. procedemos ao cálculo da consistência interna, mais concretamente o coeficiente alpha de Cronbach. Os resultados obtidos revelaram que alguns itens não contribuíam para consistência do próprio instrumento. Nesta situação específica encontrava-se o item 3, que efectivamente decidimos retirar por apresentar um valor negativo de -.05. Outros itens que apresentam correlações inferiores a .20 (e.g., 6, 9, 15) ou cujo conteúdo se afasta do objectivo da escala (e.g., 21) foram também convenientemente analisados, no que concerne ao seu valor estatístico e teórico para a globalidade da escala. Qualquer um dos itens acima exemplificados, apresenta uma correlação corrigida item – total que CAPÍTULO VI 208 O processo de validação dos instrumentos apoia a exclusão do respectivo item, por forma a aumentar a consistência interna da escala. Assim, do ponto de vista estatístico valeria a pena eliminar os quatro itens, contudo um deles (item 9) é teoricamente relevante na análise das crenças de crianças sobre a violência, não surgindo representado em nenhum outro item. Perante estes factos, procedemos à análise da consistência dos itens, testada com a ausência ou presença, individual ou conjunta, de cada um dos itens supracitados, chegando a conclusão de que, em qualquer dos casos, o valor de alpha sobe para .84. Se excepcionalmente mantivermos o item 9, que teoricamente parece-nos importante, o valor de alpha mantém-se. Voltando um pouco atrás, note-se que a observação atenta do quadro 6.1 referente à análise descritiva dos itens da escala, revela-nos que o item 9 apresenta uma média de 3,46, um valor alto atendendo à pontuação máxima da escala que é 4 e um desvio-padrão de 0,73, um valor baixo e que reforça a ideia de que a generalidade das crianças da amostra, evidenciam respostas de concordância com a ideia formulada nesse item. Na busca de razões para tal distribuição, deparamo-nos com um aspecto na formulação do item, que pode ter influenciado os valores obtidos. O termo “algumas” presente na afirmação do item 9 (“O álcool é responsável pela violência de algumas pessoas”), relativiza o problema da associação do álcool e a violência, o que favorece a aceitabilidade da ideia. Pensamos assim, que a simples eliminação dessa palavra originaria resultados diferentes, o que nos faz afirmar que é sobretudo a formulação do item e não tanto a ideia em discussão nessa afirmação, que terá gerado alguma dissonância pelo que, dada a importância teórica do mesmo, propomos mantê-lo. CAPÍTULO VI 209 O processo de validação dos instrumentos Portanto, após todas estas apreciações e atendendo à importância teórica dos itens, decidimos que avançamos para a validação da escala, excluindo o itens 3, 6, 15, e 21. No quadro 6.2 indicamos os principais valores obtidos item a item a propósito da validade e precisão, sendo que o coeficiente alpha é de .84 QUADRO 6.2 - Correlações item – total e valores do alpha de Cronbach para a E.C.C.V. no Grupo I E.C.C.V r Item – Total ALPHA corrigida (s/ item) E.C.C.V r Item – Total ALPHA corrigida (s/ item) Item 1 ,27 ,84 Item 20 ,38 ,83 Item 2 ,36 ,84 Item 22 ,42 ,83 Item 4 ,23 ,84 Item 23 ,39 ,83 Item 5 ,24 ,84 Item 24 ,26 ,84 Item 7 ,38 ,83 Item 25 ,44 ,83 Item 8 ,25 ,83 Item 26 ,55 ,83 Item 9 ,14 ,84 Item 27 ,28 ,84 Item 10 ,30 ,84 Item 28 ,31 ,84 Item 11 ,43 ,83 Item 29 ,46 ,83 Item 12 ,27 ,84 Item 30 ,44 ,83 Item 13 ,38 ,83 Item 31 ,44 ,83 Item 14 ,34 ,84 Item 32 ,28 ,84 Item 16 ,29 ,84 Item 33 ,27 ,84 Item 17 ,39 ,84 Item 34 ,24 ,84 Item 18 ,45 ,83 Item 35 ,39 ,83 Item 19 ,40 ,83 Item 36 ,49 ,83 No quadro 6.3 são apresentados os coeficientes de consistência interna para a globalidade da respectiva escala, considerando a idade, nível de escolaridade e o sexo, assim como os agrupamentos considerados por idade e ano de escolaridade. CAPÍTULO VI 210 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.3 - Coeficientes alpha de Cronbach para a globalidade da escala (E.C.C.V.) e algumas variáveis demográficas dos sujeitos no Grupo I IDADE ALFA DE CRONBACH TOTAL 10 11 12 13 14 15 16 17 18 .84 .82 .79 .79 .80 .84 .87 .84 .81 .86 ESCOLARIDADE ALFA DE CRONBACH 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º M S .79 .84 .65 .86 .83 .83 .84 .68 .83 .83 GRUPOS ETÁRIOS ALFA DE CRONBACH SEXO 5º GRUPOS POR ANO ESCOLAR 10 - 12 13-15 16-18 5º - 6º 7º - 9º 10º - 12º .80 .83 .86 .82 .87 .85 Para a E.C.C.V., o valor da consistência interna é alto (.84), sendo superior a .70, valor que segundo Kline (1986, cit. Simões, 1994) é considerado como mínimo aceitável. O alpha de Cronbach para as variáveis demográficas anteriormente referidas apresenta, na sua generalidade, valores francamente aceitáveis, à excepção do alpha para o 8º e 12º anos de escolaridade, que mostra valores razoáveis, de .65 e .68 respectivamente. Note-se, ainda, no que respeita à organização por grupos etários que o valor de alpha é ligeira e sistematicamente mais elevado com a idade. No entanto, o mesmo não parece suceder com o nível de escolaridade. Relativamente à variável sexo, os valores são semelhantes. Parece-nos importante frisar que na apreciação das crenças dos sujeitos, a variável escolaridade seja menos pertinente, enquanto que a variável idade (mais associada à maturidade física e cognitiva e ao CAPÍTULO VI 211 O processo de validação dos instrumentos desenvolvimento psicológico em geral) possa ter um papel relevante na compreensão dessas mesmas crenças. A distribuição por idade nem sempre acompanha a da escolaridade devido às retenções de ano que podem suceder no percurso escolar de um aluno (cf. quadro 5.6). Os valores obtidos foram altos, todavia há quem considere (e.g., Green, Lissitz & Mulaik, 1977, cit. Simões, 1994) que o índice elevado de consistência interna unidimensionalidade não dos constitui itens do um teste. indicador A preciso de homogeneidade da unidimensionalidade é diferente da consistência interna. Os dados relativos à análise factorial poderão esclarecer-nos a este respeito. Depois de termos decidido pela eliminação de quatro itens, quisemos, ainda, ver como se correlacionavam as variáveis demográficas, idade e escolaridade, com a pontuação total da E.C.C.V. (cf. Quadro 6.4), concluindo que há correlações significativas (p<.001) e negativas, que mostram que à medida que a idade e escolaridade aumentam, diminui o total. Assim, a evolução em termos maturacionais e escolares associam-se a uma menor tendência das crianças e jovens para cognições distorcidas sobre a violência, o que serve a validade do próprio instrumento. QUADRO 6.4 - Coeficientes de Correlação de Pearson para a totalidade da amostra relativas às variáveis idade, escolaridade e total no Grupo I Coef. Corr. Pearson IDADE ESCOLARIDADE ESCOLARIDADE .905*** _ TOTAL -.239*** -.265*** *** p < .001 CAPÍTULO VI 212 O processo de validação dos instrumentos A nossa curiosidade em saber como se apresentariam os valores, atendendo somente ao sexo masculino ou ao sexo feminino da amostra, permitiu que verificássemos, também, a existência de correlações significativas (p<0.01) e negativas, sendo estas particularmente relevantes na população feminina (cf. Quadro 6.5). QUADRO 6.5 - Coeficientes de Correlação de Pearson para a população masculina e para a feminina da amostra relativas às variáveis idade, escolaridade e total no Grupo I Coef. Corr. Pearson ESCOLARIDADE TOTAL Sexo IDADE ESCOLARIDADE Masculino .906*** _ Feminino .906*** _ Masculino -.229*** -.235*** Feminino -.286*** -.315*** ** *p < .001 N = 289 rapazes N = 316 raparigas Realizámos ainda, um teste de T Student para amostras independentes para análise de eventuais diferenças nas médias obtidas pelos rapazes (média=67,07 e desvio-padrão=12,63) e raparigas (média=61,50 e desviopadrão=11,23) desta amostra, o qual revelou a existência de diferenças significativas (t=5,71; p<.001). Os resultados revelam que os rapazes tendem a apresentar níveis mais elevados de crenças disfuncionais sobre a violência. Assim, é importante que em análises posteriores, nomeadamente aquando da realização do estudo comparativo com grupos distintos (cf. capítulo VIII), tomemos em consideração a variável género. CAPÍTULO VI 213 O processo de validação dos instrumentos Validade de construto No que diz respeito à validade de construto utilizámos a análise factorial (análise em componentes principais das correlações entre variáveis), dado tratar-se de uma das técnicas mais usadas na identificação de construtos subjacentes aos resultados. A validade de construto permite-nos saber, a partir dos resultados num instrumento, se é possível encontrarmos um ou mais construtos teóricos das variáveis que a escala pretende avaliar (Anastasi, 1988). Esta técnica parte do pressuposto de que as intercorrelações entre os itens podem ser explicadas por um conjunto menor de factores, que interrelacionadas. representam relações entre conjuntos de variáveis Através da análise factorial procurar-se-á verificar a validade interna do instrumento, tentando encontrar uma explicação para a variância dos resultados, recorrendo-se para tal à ajuda de componentes independentes36 (obtidos a partir das variáveis originais). Um dos critérios de adequação para a realização da análise em componentes principais foi dado pelo teste de esfericidade de Bartlett, que nos permite saber se o conjunto das correlações na matriz eram diferentes de zero (Pestana & Gageiro, 1998). O teste de Bartlett tem associado um nível de significância de inferior a p<.05, o que leva à rejeição da hipótese da matriz das correlações na população ser a matriz identidade (com determinante igual a 1), mostrando que existem correlações entre as variáveis. O valor do teste de qui-quadrado é 3278,68 para p<.001. O Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que compara correlações simples com correlações parciais observadas nas variáveis, apresenta um valor de 0,84 que segundo a 36 Os componentes constituem assim um conjunto de variáveis não correlacionadas que surgem da transformação de variáveis correlacionadas. CAPÍTULO VI 214 O processo de validação dos instrumentos tabela respectiva é um valor bom e indica-nos que a análise em componentes principais pode ser feita (Pereira, 1999). O KMO perto de 1 indica coeficientes parciais pequenos, enquanto valores próximos de zero indicam que a análise factorial pode não ser uma boa ideia, dado que a correlação entre variáveis é baixa (Pestana & Gageiro, 1998). Por último, a análise factorial atendendo ao critério de decisão de Guttman-Kaiser (valores próprios >1.0) revelou a existência de 10 factores. A análise em componentes principais foi seguida de rotação varimax, um método usado quando se pretende obter uma estrutura simples, uma vez que se trata de uma técnica que maximiza as saturações mais elevadas e reduz a saturações mais baixas. Desta forma, ao minimizar o número de variáveis que apresentam saturações num factor, esta técnica vai facilitar sua interpretação. No quadro 6.6 são apresentados os resultados da análise em componentes principais, seguida de rotação varimax, com a descrição da saturação factorial de cada item nos vários factores, valores próprios, percentagem da variância total e percentagem de variância acumulada explicadas para cada factor, assim como as comunalidades (h2), i. é, a proporção da variância de cada variável explicada pelas componentes principais. Os 10 factores retidos explicam 56% da variância total. Embora o valor esteja um pouco abaixo do critério teórico por vezes sugerido (70 – 75%), e que é todavia difícil de atingir, a percentagem que obtivemos é perfeitamente satisfatória. Quanto ao critério de decisão de Kaiser, este tem por vezes um senão, que advém, por exemplo, da sobrestimação do número CAPÍTULO VI 215 O processo de validação dos instrumentos de factores (Simões, 1994), o qual pode resultar do tamanho elevado da amostra o que, de certa forma, pudemos constatar no nosso estudo. QUADRO 6.6 - Matriz de componentes extraídos a partir da análise de componentes principais seguida de rotação varimax (E.C.C.V.) no Grupo I E.C.C.V. Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item 25 26 35 11 23 30 31 36 12 28 14 13 29 5 33 32 27 2 1 7 16 8 22 4 17 18 10 9 19 24 20 34 Valor - próprio % Variância % Acumula. CAPÍTULO VI FACTORES 1 ,72 ,64 ,56 ,56 ,54 2 3 4 5 6 7 8 ,33 ,75 ,69 ,56 ,50 ,32 ,68 ,54 ,48 ,46 ,42 ,44 9 10 ,51 ,44 ,77 ,77 ,52 ,80 ,76 ,65 ,62 ,53 ,38 ,31 ,42 -,33 ,69 ,58 ,55 ,33 ,79 ,42 ,41 -,38 ,33 2,84 8,89 8,89 ,38 ,33 ,71 ,40 ,69 h2 ,59 ,57 ,44 ,59 ,56 ,67 ,58 ,58 ,59 ,65 ,54 ,48 ,53 ,39 ,67 ,65 ,44 ,67 ,61 ,52 ,54 ,59 ,49 ,54 ,57 ,58 ,71 ,55 ,40 ,55 ,47 ,57 2,11 1,75 1,73 1,72 1,72 1,71 1,54 1,52 1,21 6,60 5,48 5,39 5,39 5,39 5,34 4,81 4,76 3,79 15,48 20,96 26,35 31,74 37,13 42,47 47,28 52,04 55,83 216 O processo de validação dos instrumentos No que toca à decisão dos factores ou componentes a reter Simões (1994), citando alguns autores, refere que quando um factor explica pelo menos 3% (e.g., Harman, 1977) ou 5% da variância (e.g., Stevens, 1986) não deve ser eliminado. Atendendo a estes critérios, note-se que no nosso estudo da E.C.C.V., o último componente ou factor explica 3,8%. Todavia, note-se pelo quadro 6.6, a grande dispersão dos itens pelos 10 factores encontrados após a tentativa de maximização das saturações (>.30) através da rotação varimax. O primeiro componente explica 8,9% da variância, o segundo componente 6,6%, sendo que os quatro que se seguem apresentam valores iguais a 5,4%. Verificámos que a rotação não reduz a dispersão, existindo vários itens que apresentam índices de saturação próximos, em pelo menos dois componentes (e.g., item 9, 12, 20, 22, 23, 29, etc.). Atendendo a esta distribuição, teoricamente é-nos difícil apoiar a interpretação dos mesmos, talvez porque estejamos a trabalhar crenças, o que pressupõe estarem envolvidos processos cognitivos comuns (e.g., percepções, atribuições, etc.). Ainda que de acordo com a scree plot (cf. gráfico 6A) pudesse ser plausível uma análise a partir de cinco ou somente três componentes, a nossa decisão de reter determinado número de factores, não obedeceu forçosamente ao critério estatístico. CAPÍTULO VI 217 O processo de validação dos instrumentos GRÁFICO 6A - Scree Plot para a E.C.C.V. no Grupo I 7 6 5 4 Valores 3 Próprios 2 1 0 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 Número de itens Verificámos que a opção por três factores era estatística e teoricamente mais satisfatória que a decisão por cinco componentes. Porém, analisando o conteúdo dos itens de cada um dos três agrupamentos, denotase que o terceiro componente acaba por reunir itens que teoricamente não se enquadram numa definição clara desse factor. Observámos, ainda, que forçando a análise factorial à obtenção de quatro factores (cf. quadro 6.7), esses itens desenquadrados e formulados de maneira algo diferente dos restantes, ficam reunidos separadamente no quarto componente. Estatisticamente esta opção é igualmente satisfatória e teoricamente parece uma melhor solução, como podemos constatar de seguida. CAPÍTULO VI 218 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.7- Matriz de componentes retidos seguida de rotação varimax (E.C.C.V.) no Grupo I FACTORES E.C.C.V. 1 2 26 25 29 23 35 11 28 14 22 13 7 24 2 9 1 8 19 5 36 16 20 10 34 18 12 30 4 31 17 33 32 27 ,67 ,65 ,63 ,59 ,59 ,55 ,52 ,44 ,43 ,42 ,39 ,35 Valor - próprio 4,02 12,55 12,55 Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item h2 3 4 ,33 ,34 ,57 ,54 ,52 ,50 ,47 ,44 ,41 ,40 ,40 ,39 ,31 ,33 ,67 ,65 ,64 ,48 ,45 ,42 ,41 ,78 ,68 ,50 % Variância % Acumulada 2,84 8,84 21,39 2,32 7,26 28,64 ,53 ,45 ,44 ,37 ,39 ,37 ,29 ,29 ,30 ,23 ,27 ,14 ,36 ,37 ,28 ,31 ,31 ,20 ,34 ,19 ,31 ,13 ,13 ,54 ,47 ,52 ,26 ,35 ,38 ,63 ,49 ,31 1,83 5,70 34,34 A análise do quadro 6.7 revela que os quatro factores retidos explicam 34% da variância total (o primeiro factor explica 13%). Na organização dos itens por factores optámos pela sua colocação exclusiva num só componente (valores de saturação a escuro), todavia alguns destes apresentam saturações próximas noutro factor (cf. valores de saturação mais claros). Refira-se ainda, que a distribuição factorial tem em conta um critério estatístico, mas é fortemente orientada por critérios teóricos. CAPÍTULO VI 219 O processo de validação dos instrumentos O factor 1 engloba 11 itens no total (7, 11, 13, 14, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 35) e explica 12,6% da variância dos resultados. A este factor atribuímos a designação de Determinantes Socioculturais, na medida em que o conteúdo dos itens, remetem-nos no geral para as assimetrias históricas e culturais que numa sociedade podem servir de fundamento para o exercício da violência (Bowker, Arbitell & McFerron, 1990; Summer, 1997). Summer (1997) refere que a violência é um sinal cultural e histórico, sujeito aos usuais filtros de interesses, prejuízos e princípios. Segundo Straus (1999) existem algumas normas culturais implícitas (e.g., infidelidade, correção da criança) que permitem à pessoa ‘perder o controlo’ ou que sugerem que sob estas circunstâncias a violência é culturalmente esperada. Factor 1 – Determinantes socioculturais Item 7 Conteúdo do item Só controla a violência quem a exerce, os outros nada podem fazer. 11 A violência entre dois adultos é normal e aceitável. 13 A violência entre crianças não passa de brincadeira. 14 Só conseguimos lidar com a violência se formos violentos também. 23 É mais grave uma mulher bater num homem do que um homem bater numa mulher. 24 É mais grave uma criança bater num adulto do que um adulto bater numa criança. 25 As mulheres têm direitos diferentes dos homens e por isso mais vale aguentar a violência. 26 As crianças têm direitos diferentes dos adultos e por isso mais vale não contar que são maltratadas. 28 A violência é um dos métodos para tentar resolver um problema. 29 Os homens têm mais direito de bater nos outros do que as mulheres. 35 A violência não pode ser controlada. CAPÍTULO VI 220 O processo de validação dos instrumentos Alguns desses determinantes podem ligar-se a processos de discriminação, relacionados com a idade (cf. 11, 13, 24, 26) ou o género (cf. itens 23, 25, 29), os quais apoiam, por vezes, o exercer de violência de certos indivíduos sobre outros. A aceitação de tais diferenças pode modelar uma tolerância diferenciada da pessoa à violência, mesmo que a violência seja um acto intolerável. Este primeiro factor integra, ainda, outras crenças relacionadas com o coping com a violência e que se destacam quer pela aceitação da impossibilidade de confronto com esta (cf. 7 e 35) quer pela assunção da própria violência como uma estratégia em si mesma para resolver um problema, inclusive o da própria violência (cf. 14 e 28). Digamos que a valoração de uma ou outra ideia podem delinear comportamentos e atitudes passivas ou mesmo agressivas, em vez de um posicionamento sensato e intermédio de respeito por si e pelos outros. O factor 2 é, porventura, o mais complexo, pois engloba 12 itens (1, 2, 5, 8, 9, 10, 16, 19, 20, 22, 34 e 36), reunindo uma variedade de razões pessoais para a ocorrência de violência entre os indivíduos, pelo que designámos este factor de Determinantes Individuais. Alguns dos aspectos presentes nestas afirmações são frequentemente apontados como causas próximas para a violência entre as pessoas, como é o caso da patologia (cf. item 8) ou os comportamentos aditivos (cf. itens 9 e 10) do ofensor. A aceitação destes aspectos pode pressupor uma desculpabilização da conduta violenta e/ou do ofensor. A existência de um motivo indefinido (cf. item 1) ou específico como o cometimento de erros (cf. item 2), a proximidade afectiva (cf. itens 5, 16, 34) são razões, por vezes, evocadas para justificar a violência, aspectos cuja concordância CAPÍTULO VI extrema pode fazer supor a culpabilização da vítima. 221 O processo de validação dos instrumentos Factor 2 – Determinantes Individuais Item Conteúdo do item 1 Para uma pessoa magoar outra tem que haver um motivo. 2 Quando se bate em alguém é porque essa pessoa fez algo errado. 5 É porque se confia nas pessoas que algumas abusam ou magoam outras. 8 As pessoas violentas são doentes da cabeça e por isso não sabem o que fazem. 9 O álcool é responsável pela violência de algumas pessoas. 10 Quem se droga não tem culpa de ser violento. 16 A violência sobre as pessoas é sobretudo cometida por estranhos. 19 Quando a violência ocorre em casa é dentro de casa que tem que ser resolvida. Ninguém deve meter-se. 20 Só quando a violência ocorre na rua ou noutros sítios públicos devemos metermo-nos para acabar com a situação. 22 As pessoas que são maltratadas e não pedem ajuda é porque não se importam de apanhar. 34 A violência está sobretudo ligada com relacionamentos pobres entre as pessoas. 36 A violência deve ser uma preocupação somente para quem é violento. A definição do problema como mais ou menos particular (cf. itens 22 e 36), por vezes, atendendo ao contexto de ocorrência (cf. itens 19 e 20) da violência, pode igualmente orientar um maior ou menor posicionamento pessoal no confronto com o mesmo. A crença na violência como problema privado conduz geralmente a adopção de uma posição distanciada daquilo que é um problema social. O factor 3 é composto por 6 itens (4, 12, 17, 18, 30, 31) e explica 7,3% da variância dos resultados. Este factor foi designado de Determinantes Educativos, uma vez que o conteúdo destes itens faz subentender que a violência seria justificada quando usada como estratégia punitiva para educar CAPÍTULO VI 222 O processo de validação dos instrumentos uma pessoa. A violência física pode enquadrar-se em algumas famílias e outros contextos educativos (e.g., escola) como estratégia privilegiada de educação, fazendo com que a criança desenvolva ideias que legitimam a violência se esta tiver como objectivo disciplinar e educar. Factor 3 – Determinantes Educativos Item 4 Conteúdo do item Só as pessoas da família (ex: pais) têm direito de bater ou tratar mal. 12 Um adulto (ex: pai, professor) tem direito a magoar uma criança para a educar. 17 Um pai ou uma mãe tem direito a tratar mal o seu filho, porque eles é que mandam em casa. 18 Quem cuida (ex: pais) tem todo o direito de bater. 30 Quando os pais batem nos filhos é para eles se corrigirem. 31 Algumas pessoas merecem apanhar para aprenderem. O factor 4 é constituído por 3 itens (27, 32 e 33) e explica 5,7% do total da variância. Nomeámos este factor de Etiologia da violência, querendo este reunir crenças centrais sobre a origem da violência, considerando-se basicamente duas posições: i) uma com argumento biológico: de que a violência não é aprendida, logo é inata (cf. 27); ii) outra com argumento psicossocial: de que a violência não emerge das diferenças criadas pelos e entre os indivíduos, logo há igualdade psicológica e social (cf. 32, 33). De certa forma, os itens contidos neste agrupamento, reflectem a ideia geral subjacente aos itens do factor 3 (reveja-se o conteúdo do item 27) e mesmo do factor 1 (cf. conteúdos dos itens 32 e 33). CAPÍTULO VI 223 O processo de validação dos instrumentos Factor 4 – Etiologia da violência Item Conteúdo do item 27 A violência não é algo que se aprende. 32 A violência nada tem a ver com poder ou desigualdade. 33 A violência nada tem a ver com o querer exercer controlo. A formulação na negativa destes itens, obriga a uma maior reflexão sobre o problema em causa, mas pode igualmente dificultar a interpretação e consequentemente a decisão de resposta, pelo que pode ser desejável a reformulação final destes itens pela positiva. Atendendo aos resultados das análises estatísticas, concluímos igualmente que é insuficiente, a representação de um construto referente à etiologia da violência, baseados em apenas três itens. Num estudo posterior com esta escala, uma das tarefas deverá passar necessariamente pelo desenvolvimento de mais alguns itens ou, em último caso, prescindir destes itens, eliminando o quarto factor. Em conclusão, com base nos resultados do nosso estudo podemos afirmar que a E.C.C.V. é uma escala que apresenta um estrutura diferenciada (heterogénea), que originou a emergência de quatro factores. Tendo em consideração isoladamente cada um dos factores obtidos na E.C.C.V. verificámos que esta apresenta uma estrutura consistente (cf. quadro 6.8). O alpha para os quatro componentes oscila entre .54 e .77, sendo este valor satisfatório, permitindo-nos dizer que esta escala, pelo menos ao nível dos três primeiros factores, aproxima-se dos critérios de fidelidade exigidos. CAPÍTULO VI 224 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.8 - Coeficientes alpha de Cronbach para cada um dos factores da escala (E.C.C.V.) no Grupo I Factores Itens da S.A.N.I. ALPHA Factor 1 7, 11, 13, 14, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 35 .77 Factor 2 1, 2, 5, 8, 9, 10, 16, 19, 20, 22, 34, 36 .68 Factor 3 4, 12, 17, 18, 30, 31 .66 Factor 4 27, 32, 33 .54 Somos da opinião de que a análise factorial foi sobretudo útil na explicitação de agrupamentos de itens, permitindo-nos reconhecer alguns factores subjacentes a um conjunto operacionalizadas sob a forma de afirmações. menor concordância com determinada determinado de crenças, Julgamos que uma maior ou crença não nos remete necessariamente para um resultado algo similar do sujeito num outro item do mesmo agrupamento (e.g., não é porque o sujeito acha que o álcool é responsável pela violência das pessoas, que vai achar que a droga também o é). Por outro lado, o sujeito pode assumir um grau de concordância semelhante por ideias agrupadas em factores distintos (e.g. achar que a violência não é algo que se aprende e aceitar também que as pessoas violentas são doentes da cabeça), como possível seria também posicionar-se de forma antagónica. Do ponto de vista clínico, consideramos que este instrumento pode ter contributos importantes quer para a avaliação quer para a intervenção, na medida em que da análise de algumas das crenças do sujeito, podemos favorecer com o debate lógico, a desconstrução e reconstrução de ideias mais racionais sobre a violência. CAPÍTULO VI 225 O processo de validação dos instrumentos 2. VALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO: SINALIZAÇÃO DO AMBIENTE NATURAL INFANTIL (S.A.N.I.) A análise descritiva dos resultados da S.A.N.I. revela que nesta escala o grupo específico das 605 crianças (grupo I) se caracteriza pela quase ausência de situações, mormente, passíveis de tipificar condições de violência diversa. Como podemos apreciar pelo quadro 6.9, as médias para os vários itens da escala situam-se com valores abaixo de 1 (que correspondia na escala a poucas vezes, i. é, registo de determinado episódio 1 ou 2 vezes no último ano) e muito próximo de 0 (que equivalia a nunca ou não observância da situação referenciada). QUADRO 6.9 - Estatística descritiva para os vários itens da escala (S.A.N.I.) no Grupo I S.A.N.I. Item 1 Média ,67 Des. Pd. 1,05 Item 2 ,88 1,09 Item 3 ,30 Item 4 Média ,39 Des. Pd. ,83 Item 17 ,47 ,95 ,83 Item 18 ,71 1,06 ,22 ,67 Item 19 ,26 ,71 Item 5 ,13 ,52 Item 20 ,38 ,80 Item 6 ,21 ,75 Item 21 ,05 ,34 Item 7 ,26 ,73 Item 22 ,14 ,60 Item 8 ,28 ,79 Item 23 ,11 ,50 Item 9 ,39 ,85 Item 24 ,15 ,57 Item 10 ,27 ,70 Item 25 ,07 ,45 Item 11 ,21 ,65 Item 26 ,06 ,34 Item 12 ,18 ,61 Item 27 ,21 ,64 Item 13 ,20 ,63 Item 28 ,14 ,50 Item 14 ,07 ,35 Item 29 ,09 ,45 Item 15 ,19 ,64 Item 30 ,20 ,65 CAPÍTULO VI S.A.N.I. Item 16 226 O processo de validação dos instrumentos Apenas quatro itens, designadamente o item 1 (“Insultar ou chamar nomes feios a uma pessoa”), o item 2 (“Gritar muito ou muito alto com alguém”), o item 17 (“Estar sempre a controlar tudo”) e o item 18 (“Não deixar sair uma pessoa de casa para alguns sítios”) apresentam, tomando os valores arredondados, médias mais próximas de 1, que embora com significado ligeiramente diferente se referem a situações passíveis de ocorrer mesmo em famílias não violentas. Quase que poderíamos correr o risco de afirmar, que a ausência de um registo diferente de 0, em pelo menos um destes itens, traduziria alguma dissimulação ou desejabilidade social por parte da criança. Estes poderiam ser, talvez, itens concorrentes para uma subescala de mentira. No que respeita, à média total da S.A.N.I. obteve-se um valor de 7,86 (desvio-padrão = 11,6), o qual por referência ao máximo possível (120) é extremamente baixo. Recorde-se que o instrumento pretende identificar comportamentos problemáticos relacionados com a violência interpessoal, constatando-se que o grupo I é, na sua generalidade, composto por crianças que caracterizam o seu ambiente familiar como um contexto sem violência. O instrumento após as primeiras análises estatísticas de validado será aplicado a um grupo de crianças com história de exposição à violência familiar (cf. capítulo VIII), testando-se o poder discriminativo deste instrumento. Neste escala, uma segunda coluna permitia à criança qualificar o tipo de interações conflituosas que possa ter observado, atendendo às figuras envolvidas (cf. 6.10). Os vários itens representam diferentes situações de conflito, que se sinalizadas poderiam retratar interações conflituosas entre adultos ou adulto – criança, sendo possível identificar-se a co-ocorrência de ambas as situações. CAPÍTULO VI 227 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.10 - Estatística descritiva para as situações de vitimação detectadas no Grupo I Percentagem válida em cada categoria S.A.N.I. Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item Item 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Violência sb. cônjuge 20,2 22,0 5,4 5,5 1,3 8,4 6,5 5,2 8,1 7,4 4,2 3,8 2,7 1,2 2,8 7,1 12,8 11,0 4,6 12,7 2,0 5,7 2,8 3,8 1,7 1,2 6,8 3,0 1,3 3,2 Violência sb. a criança 16,5 23,7 9,4 6,9 6,5 1,3 7,2 8,8 13,1 7,9 11,9 7,1 8,8 3,2 7,2 14,7 8,4 25,9 1,2 9,2 1,0 1,0 1,7 4,0 1,5 1,8 5,7 4,3 3,7 7,0 Violência sb. ambos 2,5 4,5 0,8 0,7 0,2 0,7 0,3 0,2 1,9 1,0 0,5 0,3 0,5 0 0,3 1,4 2,5 1,2 1,2 1,7 0,2 0,2 0,5 0,3 0,2 0,3 0,3 0,7 0,2 1,2 Sem registo de violência 60,8 49,7 84,4 86,9 92,0 89,6 85,9 85,9 76,9 83,7 87,6 88,7 88,0 95,7 89,7 76,9 76,2 61,9 87,2 76,4 96,8 93,2 95,0 91,8 96,7 96,7 87,1 92,0 94,8 88,7 É muito provável que as situações de conflito referenciadas sobre a criança (e.g., item 18) possam retratar apenas episódios de disciplina, eventualmente física, mas que não transcendem os limites do tolerável ou que consubstanciem episódios violentos. A fronteira é obviamente ténue, mas mais uma vez o que importa é recolher as percepções da criança sobre o seu ambiente familiar. CAPÍTULO VI 228 O processo de validação dos instrumentos Assim sendo, e ainda sem suporte em novos empíricos, parece-nos que esta escala avalia satisfatoriamente o grupo constituído, pela análise que cada sujeito fez individualmente do seu sistema familiar. Validade dos itens A análise da matriz de correlações entre os itens e o total da escala (cf. em anexo) revela correlações positivas e significativas para p<.001. Os valores obtidos sugerem que a sinalização de determinados comportamentos violentos implica que outros possam ser também identificados. A confirmação da relação entre itens permitem-nos avançar para a procura de componentes principais através da análise factorial. Estudos relativos à fidelidade Uma vez mais, para análise da coerência existente nas respostas dos sujeitos a cada um dos itens da S.A.N.I., foi usado o coeficiente alfa de Cronbach (cf. quadro 6.11), que evidenciou bons níveis de consistência interna (Alpha = .92), apresentado todos os itens desta escala valores superiores a .20. Esta escala garante, assim, uma das propriedades psicométricas exigíveis, mais concretamente a fidelidade dos seus resultados. CAPÍTULO VI 229 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.11- Correlações item – total e valores do alpha de Cronbach para escala a S.A.N.I. no Grupo I S.A.N.I. r Item – Total ALPHA corrigida (s/ item) S.A.N.I. r Item – Total ALPHA corrigida (s/ item) Item 1 ,58 ,92 Item 16 ,59 ,92 Item 2 ,60 ,92 Item 17 ,40 ,92 Item 3 ,72 ,91 Item 18 ,38 ,92 Item 4 ,55 ,92 Item 19 ,50 ,92 Item 5 ,32 ,92 Item 20 ,42 ,92 Item 6 ,30 ,92 Item 21 ,39 ,92 Item 7 ,41 ,92 Item 22 ,51 ,92 Item 8 ,57 ,92 Item 23 ,53 ,92 Item 9 ,69 ,92 Item 24 ,60 ,92 Item 10 ,60 ,92 Item 25 ,42 ,92 Item 11 ,72 ,92 Item 26 ,50 ,92 Item 12 ,67 ,92 Item 27 ,57 ,92 Item 13 ,65 ,92 Item 28 ,49 ,92 Item 14 ,48 ,92 Item 29 ,54 ,92 Item 15 ,54 ,92 Item 30 ,62 ,92 Igualmente para esta escala analisamos os coeficientes de consistência interna, considerando a nota total e variáveis demográficas como a idade, o nível de escolaridade e o sexo, bem como os agrupamentos criados a partir da idade e da escolaridade. Ao olharmos o quadro 6.12 verificamos que o alpha de Cronbach obtido para qualquer das variáveis referidas é alto (entre .86 e .97), confirmando o bom índice de fidelidade desta escala. CAPÍTULO VI 230 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.12 - Coeficientes alpha de Cronbach para a globalidade da escala (S.A.N.I.) e algumas variáveis demográficas dos sujeitos no Grupo I IDADE ALFA DE CRONBACH TOTAL 10 11 12 13 14 15 16 17 18 .92 .91 .97 .86 .96 .90 .89 .93 .95 .90 ESCOLARIDADE ALFA DE CRONBACH 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º M S .91 .96 .91 .92 .88 .92 .96 .89 .90 .93 GRUPOS ETÁRIOS ALFA DE CRONBACH SEXO 5º GRUPOS POR ANO ESCOLAR 10 - 12 13-15 16-18 5º - 6º 7º - 8º 10º - 12º .93 .91 .93 .94 .90 .93 Validade de construto A análise da validade de construto para a S.A.N.I. segue as mesmas etapas das adoptadas no instrumento anterior. Prévio à análise factorial dos itens, procedemos à aplicação do teste de esfericidade de Bartlett e ao coeficiente KMO. O teste de Bartlett tem associado um nível de significância inferior a p<.05. O valor do teste de Qui-quadrado é de 8118,98 para p<.001 e o valor do KMO é de 0,91. Portanto, os valores referidos são adequados à realização da análise factorial dos itens. A análise factorial atendendo ao critério de decisão de Guttman-Kaiser (valores próprios >1.0) revelou a existência de 7 factores que explicam 62% da variância total (cf. quadro 6.13 à frente), percentagem perfeitamente satisfatória. CAPÍTULO VI 231 O processo de validação dos instrumentos A análise em componentes principais foi seguida de rotação varimax, cujos resultados são apresentados no quadro 6.13, com a descrição da saturação factorial de cada item nos vários factores, valores próprios, percentagem da variância total e percentagem de variância acumulada explicadas para cada factor, bem como as comunalidades (h2). QUADRO 6.13 - Matriz de componentes extraídos a partir da análise de componentes principais seguida de rotação varimax (S.A.N.I.) no Grupo I S.A.N.I. Item 14 Item 25 Item 12 Item 13 Item 11 Item 15 Item 26 Item 23 Item 1 Item 2 Item 3 Item 9 Item 10 Item 16 Item 21 Item 22 Item 29 Item 18 Item 17 Item 19 Item 27 Item 30 Item 28 Item 5 Item 4 Item 8 Item 24 Item 6 Item 7 Item 20 Valor - próprio % Variância % Acumulada CAPÍTULO VI 1 ,76 ,75 ,71 ,64 ,61 ,56 ,49 ,41 2 FACTORES 4 ,39 ,46 ,36 ,36 ,83 ,72 ,48 ,36 6 7 ,73 ,70 ,54 ,42 ,55 ,39 ,41 ,36 3,98 13,28 27,35 ,48 ,43 ,52 ,46 4,22 14,07 14,07 5 ,35 ,41 ,74 ,73 ,65 ,60 ,59 ,59 ,44 3 ,41 ,37 ,35 ,67 ,51 ,45 ,42 2,48 8,25 35,60 2,28 7,60 43,20 2,02 6,73 49,93 1,84 6,13 56,05 ,83 ,56 ,40 1,73 5,77 61,83 h2 ,65 ,64 ,70 ,69 ,68 ,56 ,75 ,51 ,62 ,64 ,68 ,64 ,60 ,67 ,74 ,68 ,58 ,60 ,68 ,59 ,48 ,65 ,44 ,56 ,56 ,59 ,67 ,71 ,50 ,51 232 O processo de validação dos instrumentos A análise revela-nos que os vários itens da escala surgem distribuídos nestes sete componentes de um modo disperso, existindo saturações nos factores, por vezes, pouco diferenciadas, mesmo depois de tentarmos maximizá-las através da rotação varimax (e.g., itens 8, 16, 24, 26, 29, etc.). O primeiro componente explica 14,1% e o segundo componente 13,3% da variância. Nesta análise exploratória à totalidade dos itens, assumimos um valor de saturação superior a .35 (valor mínimo encontrado atendendo ao quadro 6.13), no entanto achamos que se usarmos valores um pouco superiores podemos reduzir essa dispersão. Por outro lado, não há uma distribuição satisfatória dos itens pelos sete componentes, que apoie com alguma facilidade e lógica a interpretação dos factores, quer do ponto de vista estatístico quer do ponto de vista teórico. Assim, tomando como referência a percentagem de variância explicada pelos factores (a partir do quarto componente o valor inicial era superior a 4,5%) e atendendo a uma possível organização teórica dos itens optámos por reter quatro componentes (cf. Gráfico 6B), que explicam 50% da variância total. GRÁFICO 6B - Grupo I – Scree Plot para a totalidade itens da S.A.N.I. 12 10 8 6 Valores Próprios 4 2 0 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 Número de itens CAPÍTULO VI 233 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.14 - Matriz de componentes retidos seguida de rotação varimax (S.A.N.I.) no Grupo I S.A.N.I. Item25 Item12 Item14 Item13 Item15 Item11 Item26 Item30 Item9 Item2 Item3 Item1 Item10 Item16 Item5 Item22 Item24 Item21 Item4 Item8 Item29 Item28 Item19 Item20 Item18 Item23 Item17 Item27 Item7 Item6 Total extraído % Variância % Acumulada 1 ,77 ,73 ,71 ,69 ,62 ,60 ,60 ,58 FACTORES 2 3 ,37 ,68 ,68 ,67 ,67 ,65 ,62 ,45 ,46 ,42 ,38 ,41 ,69 ,68 ,56 ,53 ,45 ,43 ,41 ,36 4,67 15,56 15,56 4,51 15,03 30,59 4 3,08 10,28 40,86 ,65 ,60 ,56 ,50 ,47 ,46 ,43 ,34 2,83 9,41 50,27 h2 ,62 ,70 ,54 ,67 ,50 ,64 ,53 ,53 ,62 ,55 ,66 ,54 ,52 ,49 ,31 ,59 ,62 ,43 ,52 ,43 ,43 ,39 ,56 ,46 ,43 ,48 ,31 ,44 ,33 ,26 A análise do quadro 6.14 permite-nos verificar a saturação de cada item nos quatro factores isolados. Assumindo agora um valor de saturação superior a .40, reduzimos a dispersão dos itens pelos factores. Somente o item 6 (“Não dar dinheiro para as despesas da casa”) apresenta um valor de saturação inferior a .40 (especificamente .34), mas que por ter um valor aceitável (>.30) decidimos manter. CAPÍTULO VI 234 O processo de validação dos instrumentos No quadro 6.14 são apresentados em duas tonalidades os valores de saturação dos itens nos factores. Os tons a escuro indicam a organização factorial que assumimos para os itens, atendendo não somente ao resultado estatístico, mas obedecendo a uma coerência teórica baseada no conhecimento cientifico sobre as diversas tipologias e formas de maus tratos infantis (e.g., cf. Almeida, André & Almeida, 1999 a, b; Briere, 1992; Wilson, 1997). Os tons mais claros revelam que certos itens possuem saturações próximas ou significativas noutros factores, o que pode ter interesse para um posterior estudo com esta mesma escala. De acordo com a estrutura factorial, os componentes principais encontrados cobrem, em termos globais, situações de violência física e violência psicológica. O factor 1 é constituído por 6 itens (11, 12, 13, 14, 15 e 25) e explica 15,5% da variância, podendo ser designado de Abuso Físico, uma vez que reúne um conjunto de dimensões claramente associadas a acções que podem resultar em dano físico para a vítima. Tais itens referem-se a actos como bater, atirar coisas, puxar ou empurrar, prender, dar pontapés ou murros e o uso de objectos perigosos (e.g., facas, armas) como meio para violentar uma pessoa. Factor 1 – Abuso Físico Item Conteúdo do item 11 Bater ou tentar bater com coisas em alguém. 12 Atirar com coisas contra uma pessoa de propósito. 13 Puxar ou empurrar alguém com força até essa pessoa cair. 14 Prender alguém para não se poder mexer do sítio. 15 Dar pontapés ou murros numa pessoa. 25 Meter medo a uma pessoa com armas ou outros objectos perigosos. CAPÍTULO VI 235 O processo de validação dos instrumentos Note-se pelo quadro 6.14 que existem outros itens que saturam, ainda, neste primeiro componente, mas que optámos por não incluir aqui, seja porque têm valores superiores noutro factor (e.g., 23, 28, 29), seja porque teoricamente ficam melhor agrupados noutro componente, no qual também saturam (e.g., 26, 30). Alguma da sobreposição que possamos encontrar entre os vários factores desta escala são a prova de que as dimensões avaliadas se intercruzam, reflectindo a realidade do fenómeno da violência, cujas diversas tipologias de actos surgem muitas vezes associadas (e.g., violência física associada à violência psicológica). Os factores que iremos explicar de seguida, demonstram bem a associação supracitada, na medida em que representam diversas subdimensões de uma mesma categoria mais abrangente que é a violência psicológica. Assim, definimos o factor 2 como Abuso Emocional, uma forma de mau trato, à qual alguns autores (e.g., Iwaniec, 1995; Iwaniec & Herbert, 1999) dedicam especial atenção. Este factor reúne 9 itens (1, 2, 3, 4, 5, 9, 10, 16, 30) explicando 15% da variância dos resultados desta escala. Factor 2 – Abuso Emocional Item Conteúdo do item 1 Insultar ou chamar nomes feios a uma pessoa. 2 Gritar muito e muito alto com alguém. 3 Ameaçar que vai magoar seriamente alguém. 4 Dizer que destrói ou destruir mesmo qualquer coisa de valor (ex: roupas, objectos, etc.). 5 Prender alguém numa parte da casa (ex: quarto). 9 Dizer coisas que envergonhem muito uma pessoa. 10 Fazer acusações que não são verdadeiras só para magoar uma pessoa. 16 Gozar ou rir de alguém para a fazer sentir-se mal. 30 Dizer coisas que assustem muito a pessoa. CAPÍTULO VI 236 O processo de validação dos instrumentos Os itens descritos representam um conjunto de actos intencionais orientados, basicamente, para o infligir (acção) de dano psicológico na vítima, afectando-a sobretudo a nível afectivo. Nesta categoria estão presentes acções de ameaça, que visam especialmente amedrontar a pessoa (cf. item 2, 3, 4, 30), assim como actos de violência verbal, em que o objectivo é magoar alguém pela desvalorização dessa pessoa (cf. item 1, 9, 10, 16). Para além destes comportamentos, inclui-se ainda neste factor, condutas que visam pela privação, impedir a pessoa de qualquer tipo de estimulação (cf. item 5), pressupondo uma intencionalidade de causar dano psicológico. À semelhança do factor 1, existem outros itens que saturam também neste segundo factor, mas que teórica e estatisticamente estão melhor agrupados noutro componente. O terceiro e quarto factores representam, em graus diferentes, uma dimensão mais cognitiva da violência psicológica. Entendemos que a violência interpessoal pode ser traçada ao longo de um contínuo invisível, desde imperceptíveis (e mesmo não relatados) actos de coerção, a acções extremas e agressões de ameaça à própria vida. Concordamos com Wolfe, Wekerle e Scott (1997) quando definem que a violência é qualquer tentativa de controlo e domínio de outra pessoa. De acordo com esta definição considera-se que a violência não se limita ao abuso físico (retratado no factor 1), mas engloba formas de violência psicológica explícita (cf. factor 2) e outras menos declaradas que podem ocorrer através do isolamento, do limitar ou controlar o exercício de certas tarefas ou papéis, do domínio sob ameaça de dano a si próprio ou a outros, intimidação, ciúme, etc.. CAPÍTULO VI 237 O processo de validação dos instrumentos Assim, o factor 3 que explica 10,2 % da variância, caracteriza-se pela existência de 7 itens (8, 21, 22, 24, 26, 28, 29) e pode ser definido como Coerção. Os itens que compõem este factor referem-se a comportamentos de obrigação (e.g., 8, 24, 26, 28, 29) que visam exercer, com algum imediatismo, poder sobre a vítima. Os actos desta categoria caracterizam-se como acções marcadas de repressão (cf. item 21, 22) constituindo violações graves dos direitos dos outros. Factor 3 – Coerção Item Conteúdo do item 8 Obrigar uma pessoa a trabalhar muito. 21 Pôr uma pessoa fora de casa. 22 Ameaçar com separações de pessoas da família. 24 Obrigar uma pessoa a fazer tudo o que se quer como se fosse um(a) criado(a). 26 Obrigar uma pessoa a fazer coisas feias ou que a envergonham. 28 Obrigar a guardar segredo de coisas feias ou más. 29 Levar à força uma pessoa para certos sítios. Em relação ao conjunto de comportamentos que iremos descrever a seguir, neste factor agrupam-se itens que destacam o autoritarismo ou o forte poder exercido pelo ofensor, em geral, modos imediatamente reconhecidos pela vítima como violência. Verificámos que três dos itens deste factor (26, 28 e 29) apresentam também saturação no factor 1. Pensamos que a inclusão de tais itens neste último componente poderia não ser totalmente ajustada, mesmo os de forte saturação (e.g., item 26), dado não ser claro que retratem ‘acções que podem resultar em dano físico para a vítima’, enquanto como comportamentos coercivos é mais evidente. CAPÍTULO VI 238 O processo de validação dos instrumentos Por fim, o quarto factor é composto por 8 itens (6, 7, 17, 18, 19, 20, 23, 27) e explica 9,4% da variância dos resultados. Este componente principal foi definido como Controlo, na medida em que o objectivo das acções relatadas visam exercer influência sobre a pessoa, porém com menor grau de coacção, comparativamente aos comportamentos descritos anteriormente no factor 3. Factor 4 – Controlo Item Conteúdo do item 6 Não dar dinheiro para as despesas da casa 7 Não deixar fazer tarefas que têm de ser feitas (ex: trabalhos de casa, arrumações, compras). 17 Estar sempre a controlar tudo (ex: o que se compra, o que se come ou bebe). 18 Não deixar sair uma pessoa de casa para alguns sítios. 19 Não deixar conversar com certas pessoas (ex: amigos, familiares). 20 Deixar de falar com uma pessoa durante algum tempo. 23 Perseguir ou seguir uma pessoa para onde quer que esta pessoa vá. 27 Mostrar ter ciúmes ou desconfiar muito de alguém. Assim, neste factor incluímos itens que descrevem comportamentos de controlo em geral (e.g., item 17), mas igualmente controlo especifico, por exemplo, a nível financeiro (e.g., item 6), das tarefas (e.g., item 7), das saídas (e.g., item 18) ou dos relacionamentos (e.g., item 19). Incluem–se ainda itens referentes a outro tipo de acções que visam também o exercer autoridade sobre a vítima, as quais podem não ser imediatamente percebidas como formas de violência (cf. itens 20, 23 e 27). CAPÍTULO VI 239 O processo de validação dos instrumentos Podemos concluir que a S.A.N.I. é uma escala que apresenta um estrutura diferenciada (heterogénea), composta por 4 factores, que agregam de um modo bem distribuído os 30 itens que compõem esta escala. A análise da consistência interna da escala, tomando agora somente os factores retidos revela valores satisfatórios, como podemos observar no quadro 6.15. Os dados comprovam, uma vez mais, a estrutura consistente da escala, que nos permite afirmar que a S.A.N.I. responde ao critério da fidelidade como propriedade exigida na validação de escalas de avaliação. QUADRO 6.15- Coeficientes alpha de Cronbach para os 4 factores da escala (S.A.N.I.) no Grupo I Factores Itens da S.A.N.I. ALPHA Factor 1 11, 12, 13, 14, 15, 25 .86 Factor 2 1, 2, 3, 4, 5, 9, 10, 16, 30 .86 Factor 3 8, 21, 22, 24, 26, 28, 29 .79 Factor 4 6, 7, 17, 18, 19, 20, 23, 27 .73 Na apresentação da versão final desta escala proporemos uma reorganização dos itens (cf. anexo), de modo que estes se encontrem melhor misturados, dado que se olharmos para as várias composições dos factores, verificamos que existe uma sequência numérica de itens, cuja especificidade do seu conteúdo se encerra numa mesma categoria. CAPÍTULO VI 240 O processo de validação dos instrumentos 3. ADAPTAÇÃO DA ESCALA CHILDREN PERCEPTION OF INTERPARENTAL CONFLICT (C.P.I.C.) A C.P.I.C. apresenta um total de 48 itens, cujas opções de resposta variam 0, 1 e 2, existindo itens de cotação invertida. No quadro 6.16 podemos observar que as médias obtidas para cada item apresentam valores que se situam maioritariamente entre 0 e 1. QUADRO 6.16 - Estatística descritiva para os vários itens da escala (C.P.I.C.) no Grupo I C.P.I.C. Item 1 Item 2 Item 3 Item 4 Item 5 Item 6 Item 7 Item 8 Item 9 Item 10 Item 11 Item 12 Item 13 Item 14 Item 15 Item 16 Item 17 Item 18 Item 19 Item 20 Item 21 Item 22 Item 23 Item 24 Média ,96 ,17 ,30 ,34 ,62 ,76 ,91 ,50 ,84 ,44 ,44 1,16 ,52 ,84 ,27 1,01 1,03 ,29 ,54 ,42 ,31 ,44 ,79 ,87 Des. Pd. ,70 ,50 ,57 ,61 ,72 ,81 ,84 ,71 ,83 ,68 ,64 ,86 ,70 ,85 ,58 ,88 ,84 ,55 ,72 ,67 ,54 ,67 ,75 ,88 C.P.I.C. Item 25 Item 26 Item 27 Item 28 Item 29 Item 30 Item 31 Item 32 Item 33 Item 34 Item 35 Item 36 Item 37 Item 38 Item 39 Item 40 Item 41 Item 42 Item 43 Item 44 Item 45 Item 46 Item 47 Item 48 Média ,36 ,31 ,64 ,44 ,45 ,60 ,58 ,62 1,01 ,65 ,32 ,72 ,39 ,13 ,42 ,65 ,19 ,25 ,15 ,67 ,78 ,33 ,69 ,61 Des. Pd. ,66 ,57 ,76 ,66 ,66 ,75 ,73 ,73 ,89 ,78 ,60 ,79 ,60 ,43 ,68 ,77 ,49 ,56 ,43 ,73 ,86 ,59 ,83 ,70 Todavia, a análise destes valores só tem significado, quando se consideram os itens organizados nas várias escalas, que por sua vez se agrupam em diversas dimensões ou subescalas: Propriedades do conflito (intensidade, frequência, resolução), Ameaça (ameaça percebida, eficácia no CAPÍTULO VI 241 O processo de validação dos instrumentos coping) e Culpa (conteúdo, culpa) (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992). Os itens são somados para criar essas subescalas, dependendo assim o valor máximo da escala do número de itens que a compõem (e.g., 7 itens x 2 = 14 nota máxima). QUADRO 6.17 – Apresentação das subescalas da C.P.I.C. e respectivos itens Escalas globais Propriedades do conflito Ameaça Culpa Subescalas da C.P.I.C. Intensidade 5, 13, 22, 31, 36, 38, 43 Frequência 1, 10, 15, 19, 27, 35 Resolução 2, 11, 20, 28, 39, 46 Ameaça percebida 7, 16, 24, 33, 40, 45 Eficácia no coping 6, 14, 23, 32, 44, 48 Culpa Conteúdo - Itens Triangulação* 9, 18, 26, 41, 47 3, 21, 29, 37 4, 8, 12, 17, 25, 30, 34, 42 * A escala Triangulação tem sido expandida após as análises à fidelidade. Neste momento, é importante referir que esta organização dos itens nas várias subescalas não coincide, na numeração, com a apresentada pelos autores no seu artigo (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992), no entanto o conteúdo dos itens mantém-se o mesmo. A partir de um documento pessoal que nos foi enviado pelos autores (cf. anexo), foi-nos dada a conhecer a nova composição da escala (agora com 48 itens) e respectiva distribuição dos itens pelas várias subescalas, a qual pode ser observada no quadro acima apresentado. A única subescala que mudou substancialmente a partir da versão publicada em 1992 foi a da Triangulação, que é passível de ser analisada, como podemos constatar no documento pessoal, muito embora não integre as escalas gerais (propriedades do conflito, ameaça e culpa). A esta CAPÍTULO VI 242 O processo de validação dos instrumentos subescala foram adicionados novos itens, especificamente três (itens 4 , 12 e 30) cujo conteúdo não surgia em nenhum item da primeira versão. Outros itens (e subescalas) foram retirados após o estudo, como teremos oportunidade de constatar mais adiante. É com base nesse documento pessoal que realizámos a nossa investigação de validação da C.P.I.C. para Portugal, muito embora a base de discussão sejam os resultados obtidos no estudo original apresentado no artigo publicado pelos autores (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992)37. Validade dos itens e subescalas Primeiramente, foi nosso intuito conhecer como é que se relacionavam estatisticamente os vários itens que compõem esta escala. A análise da matriz de correlações entre os itens e o total da escala (cf. anexo) revelou correlações positivas e significativas para p<.001, à excepção dos itens 17 cujo valor de correlação item – total (r=.046), embora positivo, não é estatisticamente significativo e o item 23 que apresenta uma correlação (r=.118) significativa para p<.01. Após uma avaliação cuidada do item 17 pensámos que é possível que a expressão ‘tomar partido’ não tenha sido facilmente percebida por todas as crianças, influenciando as suas respostas, muita embora essa expressão tenha sido usado no item 34. De qualquer modo achámos melhor propor uma alteração da expressão por outra mais perceptível (e.g., ‘tomar uma posição’; ‘posicionar-me’; ‘ficar do lado de’) numa versão definitiva para esta escala. Em relação ao item 23, não detectámos nada que pudesse explicar a menor significância estatística. 37 No texto não publicado que nos foi fornecido pelos autores e que anexamos, os mesmos apelam à consulta desse artigo de 1992 para obtenção de informação mais detalhada sobre a C.P.I.C.. CAPÍTULO VI 243 O processo de validação dos instrumentos A análise das correlações item – total constituiu uma primeira tentativa de verificarmos as características deste instrumento junto da nossa amostra. Porém, os autores procedem às várias análises estatísticas usando as subescalas, que agrupam os diversos itens por categorias, daí não termos proposto, anteriormente, a exclusão de nenhum item. Assim, a análise das intercorrelações das subescalas (cf. quadro 6.18) mostra que estas surgem associadas entre si, sendo que algumas delas (e.g., frequência e intensidade) estão fortemente correlacionadas. Segundo os autores tal pode indicar que estas não representam dimensões diferentes ou que certas dimensões reflectem um constructo subjacente comum (Grych, Seid & Fincham, 1992). Esta possibilidade de redução da escala a um número mais pequeno de dimensões será examinada com a análise factorial, a partir da qual iremos verificar se, no nosso estudo, obtemos ou não idêntico número de factores. Os valores mais baixos obtidos com a nossa amostra situam-se igualmente nas subescalas Conteúdo e Culpa, sendo estes resultados, em geral, inferiores aos do estudo original. Em contrapartida, encontrámos valores altos nas mesmas subescalas, apresentando em alguns casos (e.g., resolução – frequência; resolução – intensidade) correlações superiores às encontradas no estudo original (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992). QUADRO 6.18- Matriz de Correlações das subescalas da C.P.I.C. no Grupo I Freq. Inten. Resol. Cont. Amea. Coping Intensidade ,75*** Resolução ,63*** ,69*** Conteúdo ,21*** ,20*** ,11** Ameaça percebida ,42*** ,43*** ,23*** ,23*** Eficácia coping ,42*** ,45*** ,42*** ,14*** ,33*** Culpa ,25*** ,24*** ,24*** ,50*** ,13** ,12** Triangulação ,43*** ,41*** ,31*** ,41*** ,49*** ,09* *** p < .001 CAPÍTULO VI ** p < .01 Culpa ,36*** * p < .05 244 O processo de validação dos instrumentos Estudos relativos à fidelidade A análise da consistência interna da C.P.I.C. através coeficiente alfa de Cronbach revelou tomando os vários itens da escala um valor de .90. Todavia, adoptando os procedimentos de análise dos autores fizemos o cálculo do alpha para as várias subescalas, verificando-se que estas apresentam valores aceitáveis e que se aproximam dos obtidos no estudo original de Grych, Seid e Fincham (1992), feito com duas amostras (cf. quadro 6.19). QUADRO 6.19- Coeficientes alpha de Cronbach para as subescalas da C.P.I.C. no Grupo I ESTUDO PORTUGUÊS Grupo I Amostra 1 Amostra 2 Intensidade .78 .82 .80 Frequência .73 .70 .68 Resolução .77 .83 .82 Ameaça percebida .80 .82 .83 Eficácia no coping .55 .69 .65 Culpa .52 .61 .69 Conteúdo .68 .74 .82 Triangulação .55 .71 .62 Subescalas da C.P.I.C. ESTUDO ORIGINAL Em relação ao estudo original, os valores obtidos no nosso estudo situam-se entre .52 e .80. Os valores de alpha apurados no estudo português são ligeiramente mais baixos do que os do estudo original, à excepção da subescala Frequência. No entanto, há concordância entre os estudos quando comparamos as subescalas que obtiveram valores mais altos e as que tiveram valores mais baixos. CAPÍTULO VI 245 O processo de validação dos instrumentos Validade construto Para testarmos a validade de construto deste instrumento na nossa amostra, primeiramente, decidimos fazer algumas análises especificas e só depois seguimos os procedimentos de análise estatística usados pelos autores. Assim, partindo do conjunto dos itens da escala quisemos saber que tipo de estrutura factorial caracterizava a C.P.I.C., e verificar se era possível obter-se uma aproximação de certos itens à organização por dimensões ou subescalas na versão original apresentada pelos autores. Prévio à análise factorial, analisámos as correlações entre os itens a considerar. O teste de Bartlett tem associado um nível de significância inferior a p<.05. O valor do teste do Qui-quadrado foi de 7820,15 (g.l. =1128; p<.001) e o coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) revelou um valor de .90, permitindo-nos avançar para a análise factorial. Assim, partimos para esta análise usando o método de extracção escolhido pelos autores - método dos quadrados mínimos generalizados (generalized least squares, GLS). Os autores explicam a sua opção, dizendo que este método à semelhança do método da máxima verosimilhança permite um teste de significância para encaixe na solução factorial, mas ao contrário do método da máxima verosimilhança não requer que os dados apresentem uma distribuição normal multivariada (Grych, Seid & Fincham, 1992). Numa primeira análise exploratória com a totalidade dos itens verificamos que a estrutura factorial obtida era constituída por 10 componentes, surgindo os itens agrupados de modo algo disperso. A variância total explicada equivalia inicialmente a 54,4% (valor-próprio >1) (cf. quadro 6.20). CAPÍTULO VI 246 O processo de validação dos instrumentos Após a extração factorial utilizou-se a rotação oblíqua, método seleccionado pelos autores por considerarem que os factores, que representam diferentes aspectos do conflito marital, estão relacionados (Grych, Seid & Fincham, 1992). De facto, os métodos oblíquos (não ortogonais) são usados quando se parte do pressuposto que não há independência dos componentes, ou seja, que os factores estão correlacionados (Pereira, 1999; Pestana & Gageiro, 1998). QUADRO 6.20 - Componentes extraídos a partir do método dos quadrados mínimos generalizados (C.P.I.C.) no Grupo I FACTOR VALORES – PRÓPRIO INICIAIS Total % Variância % Acumul. 1 10,15 21,14 21,14 2 3,75 7,81 28,95 3 2,94 6,13 35,08 4 1,78 3,71 38,79 5 1,68 3,51 42,29 6 1,39 2,89 45,18 7 1,19 2,48 47,65 8 1,15 2,40 50,05 9 1,07 2,23 52,29 10 1,02 2,12 54,40 Verificámos que as oito dimensões referenciadas pelos autores não emergiam nesta estrutura. Daí que, apoiados na organização teórica dos itens por dimensões pelos autores, forçamos a análise factorial à obtenção de oito factores (cf. quadro 6.21). CAPÍTULO VI 247 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.21- Componentes retidos a partir do método dos quadrados mínimos generalizados seguida de rotação Oblíqua (C.P.I.C.) no Grupo I Itens C.P.I.C. Resolução 28 Frequência 27 Intensidade 5 Intensidade 36 Intensidade 31 Resolução 11 Intensidade 13 Resolução 39 Resolução 46 Frequência 1 Intensidade 22 Resolução 20 Frequência 15 Resolução 2 Frequência 19 Frequência 35 Triangulação 42 Triangulação 25 Conteúdo 21 Conteúdo 29 Culpa 18 Conteúdo 37 Culpa 26 Culpa 41 Conteúdo 3 Percepção ameaça 24 Percepção ameaça 45 Percepção ameaça 7 Percepção ameaça 16 Eficácia coping 14 Percepção ameaça 40 Percepção ameaça 33 Triangulação 34 Eficácia coping 44 Triangulação 12 Eficácia coping 23 Eficácia coping 6 Eficácia coping 32 Eficácia coping 48 Triangulação 17 Culpa 47 Culpa 9 Triangulação 30 Triangulação 8 Triangulação 4 Frequência 10 Intensidade 38 Intensidade 43 CAPÍTULO VI FACTORES 1 ,69 ,61 ,59 ,58 ,58 ,57 ,52 ,52 ,47 ,47 ,40 ,35 ,35 ,33 ,33 ,32 2 3 4 5 6 7 8 ,33 ,31 ,30 -1,03 -,51 ,82 ,71 ,65 ,54 ,39 ,39 ,37 -,80 -,65 -,64 -,62 -,50 -,49 -,48 -,34 -,22 -,71 ,65 ,36 ,30 ,23 ,49 ,45 ,43 ,39 ,30 -,68 -,64 -,32 ,71 ,64 248 O processo de validação dos instrumentos Após esta análise é possível reconhecer-se alguma aproximação entre os componentes da escala (e.g., itens relativos à frequência, à intensidade e à resolução maioritariamente reunidos num factor comum), mas de modo algum se confirma a organização proposta pelos autores. A representação gráfica dos resultados (cf. Gráfico 6C) mostra claramente três componentes que se diferenciam dos restantes, estes últimos pouco afastados entre si em termos de variância. GRÁFICO 6C- Scree Plot para a totalidade itens da C.P.I.C. no Grupo I 12 10 Valores Próprios 8 6 4 2 0 1 4 7 10 1 3 Número 1 6 1 9 de 2 2 itens 25 28 31 34 37 40 43 46 Concentrando-nos nesses três factores, achamos que este instrumento pode funcionar na nossa amostra de uma forma similar à da população onde este instrumento foi construído e validado. CAPÍTULO VI O pedido de redução para três 249 O processo de validação dos instrumentos factores (cf. quadro 6.22) faz supor uma estrutura não muito diferente à que os autores obtiveram. CAPÍTULO VI 250 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.22- Componentes retidos a partir do método dos quadrados mínimos generalizados seguida de rotação Oblíqua (C.P.I.C.) no Grupo I Itens C.P.I.C. Resolução 28 Resolução 46 Intensidade 13 Resolução 39 Frequência 27 Intensidade 31 Resolução 11 Intensidade 36 Intensidade 22 Intensidade 5 Frequência 15 Resolução 2 Frequência 35 Frequência 10 Resolução 20 Frequência 19 Frequência 1 Intensidade 43 Eficácia coping 48 Eficácia coping 23 Eficácia coping 32 Intensidade 38 Triangulação 25 Eficácia coping 44 Eficácia coping 6 Conteúdo 21 Conteúdo 29 Culpa 18 Culpa 26 Culpa 41 Conteúdo 37 Conteúdo 3 Triangulação 4 Triangulação 30 Culpa 47 Triangulação 42 Culpa 9 Percepção ameaça 24 Percepção ameaça 7 Percepção ameaça 16 Percepção ameaça 45 Percepção ameaça 33 Eficácia coping 14 Percepção ameaça 40 Triangulação 34 Triangulação 12 Triangulação 8 Triangulação 17 CAPÍTULO VI FACTORES 1 ,75 ,68 ,65 ,64 ,63 ,63 ,62 ,59 ,57 ,56 ,50 ,50 ,47 ,46 ,46 ,45 ,41 ,40 ,38 ,38 ,37 ,34 ,31 ,19 ,19 2 3 -,31 -,31 ,79 ,73 ,70 ,59 ,53 ,50 ,49 ,41 ,35 ,31 ,29 ,21 -,70 -,65 -,57 -,54 -,51 -,49 -,47 -,44 -,42 -,40 ,19 251 O processo de validação dos instrumentos Os itens das subescalas Frequência, Intensidade e Resolução associam-se num factor e os das subescalas Culpa e Conteúdo aparecem juntos num outro componente. Os itens da subescala Percepção de ameaça diferenciam-se claramente num terceiro factor. Existem depois outros itens referentes a outras subescalas que se dispersam por vários factores. É o caso dos itens da subescala Triangulação que aparecem nos três componentes e os itens da subescala Eficácia no coping, que não aparecem claramente definidos num dos factores (tendo inclusive itens com saturações inferiores a .30 – cf. valores a cinzento), mas que a agrupá-los resultariam melhor no primeiro factor. Os resultados obtidos tomando os itens para a realização das análises estatísticas são similares ao que obtivemos, quando procedemos à validação destes instrumentos seguindo os passos adoptados pelos autores no estudo original (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992). Neste estudo, as análises estatísticas foram realizadas com as subescalas, não sendo referido pelos autores, os procedimentos que deram origem às mesmas. Uma das razões que Grych, Seid e Fincham (1992) apontam para trabalhar com as subescalas, resulta do facto do tamanho das suas amostras não ser suficientemente grande para proporcionar uma boa apreciação do modelo proposto (cf. Grych & Fincham, 1990), se os itens individuais fossem usados. O estudo original, apresenta duas amostras independentes, tendo uma sido sujeita a uma análise factorial exploratória e a outra, citando o autor, a uma análise factorial confirmatória (Grych, Seid & Fincham, 1992). No entanto, o que constatámos foi que com a segunda amostra, fizeram as mesmas análises estatísticas na tentativa de replicar a estrutura factorial obtida com a primeira. A nossa amostra é bastante superior em número, que a duas juntas apresentadas pelos autores, daí termos testado as características do instrumento, primeiramente, com os itens todos e, somente agora, adoptarmos os procedimentos exactos do autores no estudo original. CAPÍTULO VI 252 O processo de validação dos instrumentos No estudo americano, as decisões respeitantes ao número de factores a extrair, a partir da análise factorial, tiveram por base considerações teóricas e estatísticas. Referem os autores (Grych, Seid & Fincham, 1992) que, dada a ausência de um critério estatístico definitivo para a selecção do modelo, o significado teórico dos factores teve um papel predominante na determinação da melhor solução. Assim, de acordo com o estudo original obtiveram-se três factores (com saturações >.30), em resultado da retenção de um componente com valor próprio inferior a 1.0., garantindo esta opção uma boa percentagem de variância explicada (72,6% para a amostra 1 e 72,7% na amostra 2) (cf. quadro 6.23). Por outro lado, os autores explicam que a retenção de três factores têm conceptualmente mais significado, do que se optasse por um ou dois componentes. O objectivo principal do estudo era distinguir vários aspectos do conflito e a solução apresentada de três factores permite separar as características do conflito (e.g., intensidade, frequência) das apreciações da criança (e.g., ameaça percebida). Referem os autores do estudo, que se se optasse por dois factores, todas as dimensões, excepto a referentes à Culpa e ao Conteúdo, seriam colocadas num único factor, cuja interpretação seria menos clara (Grych, Seid & Fincham, 1992). QUADRO 6.23 – Componentes extraídos a partir do método dos quadrados mínimos generalizados para a C.P.I.C. no Estudo Original C.P.I.C. Intensidade Frequência Resolução Ameaça percebida Eficácia no coping Culpa Conteúdo Triangulação Estabilidade Valor próprio % Variância Variância acumulada CAPÍTULO VI 1 ,54 1,04 4,54 50,40 50,40 Amostra 1 2 3 ,83 ,68 ,85 ,94 ,56 ,50 ,56 1,17 ,83 13,00 9,20 63,40 72,60 1 1,03 ,48 4,30 47,80 47,80 Amostra 2 2 3 ,91 ,68 ,70 ,93 ,79 ,53 ,49 1,27 ,97 14,20 10,70 62,00 72,70 253 O processo de validação dos instrumentos Os dados do quadro 6.23, referente ao estudo original, revelam que os resultados da análise factorial para as duas amostras são muito semelhantes, mas não idênticas (Grych, Seid & Fincham, 1992). As saturações nos três factores obtidos são algo variáveis numa e noutra amostra, sendo que sete das subescalas mostram valores claros e consistentes nas duas amostras, enquanto a subescala Triangulação e a subescala Estabilidade não apresentam valores constantes. Nas duas amostras, as subescalas Intensidade, Frequência e Resolução saturam com valores elevados no mesmo factor, sustentando a proposta teórica de que essas dimensões quando juntas, definiriam um tipo de conflito marital destrutivo (Grych, Seid & Fincham, 1992). As subescalas Ameaça percebida e Eficácia no coping, surgem também no mesmo factor numa e noutra amostra, sugerindo segundo os autores, que o grau em que a criança se sente ameaçada pelos conflitos está associado à sua capacidade percebida para se confrontar com o conflito. A subescala Conteúdo do conflito (relacionado ou não com aspectos da criança) apresenta valores que saturam no mesmo factor que a subescala Culpa, isto nas duas amostras. Assim, sugere-se que a tendência da criança para se culpabilizar pelo conflito marital, associa-se ao grau em que o assunto do conflito está relacionado com a criança (Grych, Seid & Fincham, 1992). A subescala Triangulação aparece na amostra 1 juntamente com as subescalas Ameaça e o Coping, mas na amostra 2 surge no mesmo factor das subescalas Culpa e Conteúdo. A subescala Estabilidade revela variações semelhantes, surgindo na amostra 1 no factor que agrupa as subescalas Frequência, Intensidade e Resolução, todavia na amostra 2 saturam no componente que reúne as subescalas Conteúdo e Culpa. Assim, estas subescalas foram, neste estudo e após a análise factorial, eliminadas por não saturarem consistentemente num componente específico. Após terem sido CAPÍTULO VI 254 O processo de validação dos instrumentos eliminadas, as restantes subescalas foram sujeitas a nova análise factorial, mantendo-se os factores e a organização das dimensões nos mesmos (Grych, Seid & Fincham, 1992). No nosso estudo, o valor de qui-quadrado foi de 54,18, com 7 graus de liberdade e p<.001. Operando à semelhança do estudo original, obtivemos igualmente 3 factores (com saturações > .30), apresentando o terceiro componente, também, um valor próprio inferior a 1.0 (especificamente de ,91). A percentagem de variância total explicada mostrou-se bastante satisfatória (72,8%), como podemos observar no quadro 6.24. O factor 1 explica a maior percentagem de variância (43,9%), o factor 2 (17,5%) e finalmente do factor 3 (11,4%). QUADRO 6.24 - Componentes extraídos a partir do método dos quadrados mínimos generalizados para a C.P.I.C. no Estudo Português (G I) C.P.I.C. Intensidade Frequência Resolução Ameaça percebida Eficácia no coping Culpa Conteúdo Triangulação Valor próprio % Variância Variância acumulada 1 ,98 ,44 3,52 43,94 43,94 FACTORES 2 3 ,86 ,78 ,85 ,49 ,65 ,80 1,40 ,91 17,51 11,37 61,45 72,83 h2 .79 .70 .65 .99 .39 .44 .62 .53 A análise do quadro 6.24 revela que a distribuição factorial apurada no nosso estudo é algo diferente da encontrada no estudo original. Note-se que as subescalas Intensidade, Frequência e Resolução surgem num único factor, no qual aparece também a subescala Eficácia no coping, sugerindo que o grau CAPÍTULO VI 255 O processo de validação dos instrumentos de destruição percebido no conflito marital estará associado à capacidade da criança para se confrontar com este. Contrariamente ao que sucedia no estudo original, a subescala Ameaça percebida surge sem outra subescala associada no factor 1. O factor 3 associa as subescalas Culpa e Conteúdo, sugerindo uma relação entre o sentimento de culpa experienciado pela criança e o conteúdo do conflito marital. Inclui-se, também, neste terceiro factor, a Subescala Triangulação, que como referido pelos autores pode ser ponderada para o cômputo geral deste instrumento, muito embora estes não ao incluam especificamente em nenhum dos factores por não obter valores consistentes entre os estudos (Grych, Seid & Fincham, 1992). Assim, características no estudo do conflito português, não (intensidade, é possível frequência e separar-se resolução) as das apreciações relativas à própria criança, como é a eficácia percebida no confronto com essa situação de conflito. O confronto inesperado com uma estrutura estudo factorial diferente à do original levou a que reconfirmássemos tal organização por factores, tomando como critério alguns aspectos. Deste modo, partindo da nossa amostra de 605 sujeitos, criámos uma outra, composta somente por crianças com idades compreendidas entre os 10 e os 12 anos, por forma a aproximar-nos o mais possível da faixa etária (9-12 anos) das amostras 1 e 2 usadas pelos autores, no seu estudo com este instrumento. Com esta nova amostra (grupo I A) que perfez 188 crianças (85 rapazes e 103 raparigas), voltámos a tentar a redução dos dados, pedindo igual número de factores e o resultado obtido em termos de distribuição foi bastante idêntico. Por curiosidade científica, quisemos saber o que ocorreria se a população em estudo não fosse a normativa, mas o grupo II (grupo de risco) que participará no nosso estudo comparativo, apresentado mais à frente. As análises estatísticas uma vez mais repetiram a organização factorial anteriormente discutida (cf. quadro 6.25). CAPÍTULO VI 256 O processo de validação dos instrumentos QUADRO 6.25 – Análise factorial para os grupos I, IA e II (método dos quadrados mínimos generalizados com rotação oblíqua) SUBESCALAS C.P.I.C. Intensidade Frequência Resolução Ameaça percebida Eficácia no coping Culpa Conteúdo Triangulação Valor próprio % Variância Variância acum. GRUPO I GRUPO IA Factores 1 ,98 3,52 43,9 43,9 2 ,86 ,79 ,81 ,48 1,40 17,5 61,5 GRUPO II Factores 3 ,65 ,80 ,44 ,91 11,4 72,8 1 ,71 ,80 ,53 3,87 48,4 48,4 2 ,96 1,09 13,6 62,0 Factores 3 ,88 ,60 ,75 ,53 ,97 12,2 74,2 1 ,54 1,00 3,18 39,7 39,7 2 ,90 ,70 ,45 ,63 1,49 18,7 58,4 3 ,93 ,40 1,05 13,1 71,4 A associação entre as características de intensidade, frequência e resolução do conflito e a eficácia no coping, parece-nos bastante coerente, uma vez que baseados na nossa experiência clínica com crianças é muito comum que a percepção que cada uma tem sobre a sua capacidade e eficácia no confronto com situações de stress, dependa muito das representações construídas sobre a severidade dos eventos (Sani, 2002). Num estudo qualitativo concluído em 2000, identificámos um construto teórico que definimos como ‘gravidade’, o qual pretendeu definir a percepção da seriedade para a criança da situação experienciada. Esta representação de gravidade era construída tendo por referência, entre outros, aspectos como a frequência, a continuidade e escalada dos episódios de stress / violência, os quais interagiam com outras dimensões como a intensidade, algumas vezes constatada pelas descrições que estas faziam sobre o tipo de violência infligida às vítimas e consequências desta (Sani, 2002). Tais representações têm influência ao nível do impacto, do investimento da criança na resolução do problema (estratégias de coping), bem como na percepção de controlo e de competência da própria criança. CAPÍTULO VI 257 O processo de validação dos instrumentos O facto da subescala Eficácia no coping não aparecer associada à subescala Ameaça percebida, tal qual surge no estudo original, é como vimos perfeitamente justificável. Aliás, se a análise factorial não fosse orientada por um critério teórico, segundo o qual os autores justificam o pedido de redução a três factores, os resultados obtidos, atendendo ao critério dos valores próprios superiores a 1, corresponderiam a dois únicos factores. Haveria um factor que associava a subescala Culpa e Conteúdo, tal como acontece com a actual alternativa factorial, e um outro factor que agrupava as restantes subescalas, ou seja, Intensidade, Frequência, Resolução, Eficácia no coping e ainda a da Ameaça percebida38. A inclusão da última subescala nesse último factor, não nos pareceria difícil de compreender, uma vez que consideramos que, à semelhança do que se passa com a percepção sobre a eficácia no coping, a percepção de ameaça depende muito de pistas externas à pessoa, geralmente associadas às características do conflito. Por exemplo, é provável que a criança se sinta mais ameaçada quanto maior for a severidade percepcionada sobre o conflito interparental (Sani, 2002). Relativamente às subescalas Culpa e Conteúdo, a solução factorial encontrada, seja qual for o critério de extração, parece-nos perfeitamente justificada teoricamente. É bastante comum a percepção de culpa das pessoas ser modelada pelo conteúdo das discussões, tanto mais se tais conflitos fazem subentender algum grau de participação ou envolvimento no problema (Cummings & Davies, 1994). Assim, achamos que são, sobretudo, aspectos pessoais (pistas internas à pessoa) que orientam a percepção de Culpa e os julgamentos sobre o Conteúdo do conflito, pelo que é de todo 38 Tal como referem os autores (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992), esta organização factorial foi também obtida, todavia não se apresentou como significativa do ponto de vista conceptual, pelo que foi abandonada, optando pela solução factorial com três factores. CAPÍTULO VI 258 O processo de validação dos instrumentos aceitável que esta duas subescalas se apresentam num solução factorial comum e distinta das restantes. Posto isto, importa justificar a nossa opção por uma organização das várias dimensões em três factores ou escalas de nível superior. A retenção de apenas dois factores foi imediatamente desconsiderada, quando verificamos que, após a rotação oblíqua, a subescala Ameaça percebida apresentava valores de saturação, que além de baixos, eram pouco diferenciados num e noutro factores encontrados (.30 e .38). A opção por três factores é teoricamente sustentável e dá origem a que a subescala Ameaça percebida surja num único factor, com níveis de saturação bastante altos e uma boa percentagem de variância explicada (melhor que a do factor 3 com duas subescalas e que a do factor 2 com 4 subescalas). Quanto à designação dos factores propõem-se, por adequação ao estudo português, uma pequena alteração na designação das escalas gerais. Partindo da proposta dos autores (cf. Grych, Seid & Fincham, 1992) achamos que o factor que reúne as subescalas Intensidade, Frequência, Resolução e Eficácia no coping deverá chamar-se Propriedades do conflito e Eficácia no coping, dada a inclusão da última dimensão. Quanto aos outros dois factores decidimos manter as designações: para uma Ameaça, porque representa univocamente a dimensão que a compõe e; Culpa, pois a associação encontrada é a mesma que a do estudo original. Achámos que este agrupamento das dimensões ou subescalas em categorias mais gerais tem, sobretudo, interesse para nos ajudar a compreender teoricamente como é que determinadas variáveis, identificadas como mediadoras do impacto da violência interparental, se relacionam ajustamento psicológico da criança. e contribuem para explicar o As três categorias gerais encontradas não são proporcionais, pelo que tivemos alguma dificuldade em denominá-las de factores. CAPÍTULO VI Assumimos esta organização global, porque tal é apoiada 259 O processo de validação dos instrumentos estatisticamente, embora consideremos que a análise por subescalas nos possa fornecer pistas importantes para a compreensão das percepções e a sua relação com o ajustamento da criança. A seguir fazemos uma apresentação das três escalas gerais encontradas, com as respectivas dimensões e descrição dos itens que compõem cada uma delas, pela ordem com que as nomeamos atrás. a) PROPRIEDADES DO CONFLITO E EFICÁCIA NO COPING Item 5 Conteúdo do item 13 Quando os meus pais têm um desentendimento eles discutem isto calmamente. 22 Quando os meus pais têm uma discussão eles dizem coisas más um ao outro 31 Quando os meus pais têm uma discussão eles gritam um ao outro 36 Os meus pais quase nunca gritam quando têm um desentendimento. 38 Os meus pais quebram ou atiram coisas durante uma discussão 43 Os meus pais empurraram-se um ao outro durante uma discussão 1 I N T E N S I D A D E Os meus pais ficam realmente zangados quando discutem Eu nunca vejo os meus pais discutindo ou discordando. 10 Eles podem não pensar que eu sei, mas os meus pais discutem e discordam muito 15 Os meus pais são muitas vezes maus um com o outro mesmo quando estou presente 19 Frequentemente vejo ou ouço os meus pais discutindo 27 Os meus pais quase nunca discutem. 35 Os meus pais frequentemente chateiam e queixam-se um do outro por toda a casa 2 Quando meus pais têm uma discussão normalmente resolvem o assunto. 11 Mesmo depois dos meus pais pararem de discutir eles ficam zangados um com o outro 20 Quando os meus pais discordam sobre algo, eles normalmente propõem uma solução. 28 Quando os meus pais discutem eles normalmente fazem as pazes imediatamente. 39 Depois que os meus pais deixam de discutir, eles são amigáveis um para o outro. 46 Os meus pais continuam a agir mal depois de terem tido uma discussão 6 Quando os meus pais discutem eu consigo fazer algo para sentir-me melhor. 14 Eu não sei o que fazer quando os meus pais têm discussões 23 Quando os meus pais discutem ou discordam posso normalmente ajudar a melhorar as coisas. 32 Quando os meus pais discutem não há nada que eu possa fazer para pará-los 44 Quando os meus pais discutem ou discordam não há nada que possa fazer para sentirme melhor 48 Quando os meus pais discutem eles não ligam a nada do que eu digo CAPÍTULO VI 260 F R E Q U Ê N C I A R E S O L U Ç Ã O E F I C . C O P I N G O processo de validação dos instrumentos Um dos agrupamentos correspondente a uma das escalas globais, é composto por quatro subescalas e um total de 25 itens. Três das subescalas referem-se à percepção pela criança de características inerentes ao conflito marital, designadamente a intensidade das discussões, a frequência da sua ocorrência e a resolução ou não da situação problemática. Uma outra dimensão que integra igualmente este grupo, porque bastante associada às dimensões supracitadas, relaciona-se esta com a percepção da criança sobre a sua eficácia no coping com as situações de conflito interparental. O coping representa, quer esforços comportamentais, quer cognitivos para lidar com exigências internas e externas causadas por um stressor, neste caso a violência interparental. Segundo Prisco e Fontaine (1999), as origens do coping encontram-se tanto na pessoa como no meio, pois ambas determinam a forma como o coping é expresso numa situação particular. Os estilos de coping podem ser focados no problema, sendo o objectivo principal o controlo do stressor com vista a reduzir ou eliminar pressão exercida por este (e.g., item 32) ou focados na emoção, orientados sobretudo para o controlo da resposta emocional associada ao stressor (e.g., item 6). Destes estilos poderão decorrente o uso de estratégias de coping activas (implicam normalmente assertividade, intimidade e auto-revelação) ou passivas (envolvem geralmente uma reavaliação, distorção da realidade e o enganarse a si próprio) (Sani, 2002). Assim, como já afirmamos são basicamente pistas externas, isto é, aspectos relacionados com o conflito marital, que orientam a construção de tais percepções, daí se compreenda que neste factor, para além das propriedades que possam caracterizar o conflito, se inclua também a eficácia no coping, uma vez que a percepção construída pela criança sobre a sua capacidade de confronto pode decorrer em muito da associação que faz a determinados aspectos do conflito, sobretudo se adoptar um estilo de coping mais centrado no problema. CAPÍTULO VI 261 O processo de validação dos instrumentos b) AMEAÇA Item 7 Conteúdo do item Fico assustado/a quando os meus pais discutem 16 Quando os meus pais discutem eu preocupo-me sobre o que me acontecerá 24 Quando os meus pais discutem tenho medo que algo mau possa acontecer 33 Quando os meus pais discutem preocupo-me que um deles saia magoado 40 Quando os meus pais discutem tenho medo que eles também possam gritar comigo 45 Quando os meus pais discutem preocupa-me que eles possam divorciar-se A M E A Ç A A escala global Ameaça, embora assuma neste estudo, a mesma designação da encontrada no estudo original, esta é qualitativamente diferente na sua composição, uma vez que integra apenas a subescala da Ameaça percebida. Compõem-se apenas de seis itens, todos eles relativos ao sentimento de ameaça experienciado pela criança em relação aos conflitos interparentais. A percepção de ameaça embora possa ser construída com base em pistas externas, nota-se pelo conteúdo dos itens ser mais descentrada do problema em si e mais focado nas pessoas e nas consequências que estas poderão ter que suportar. c) CULPA Item 9 Conteúdo do item Não me culpo quando os meus pais têm discussões. 18 É normalmente minha a culpa dos meus pais discutirem 26 Mesmo que não o digam, eu sei que sou culpado quando os meus pais discutem 41 Os meus pais culpam-me quando têm discussões 47 Normalmente não é culpa minha quando os meus pais têm discussões. 3 C U L P A Os meus pais entram frequentemente em discussão sobre coisas que eu faço na escola 21 As discussões dos meus pais são normalmente sobre mim 29 Os meus pais normalmente discutem ou discordam por causa de coisas que eu faço 37 Os meus pais entram frequentemente em discussão quando eu faço algo errado CAPÍTULO VI 262 C O N T E Ú D O O processo de validação dos instrumentos O terceiro factor inclui duas dimensões, uma relacionada com a existência de conflitos cujo conteúdo das discussões versam sobre aspectos da criança e outra o sentimento de culpa que possa advir pela ocorrência de tais conflitos interparentais. A experiência clínica revelou-nos como algumas crianças se culpabilizam, porque entendem ser por vezes um dos motivos das discussões do casal ou do sofrimento da vítima (cf. Sani, 2002). Compreendese, portanto, a associação estatisticamente encontrada entre estas duas dimensões, que conjuntamente apresentam nove itens. Importa ainda referir, uma dimensão designada de triangulação e que agrupa oito itens, que descrevem as relações diádicas e/ou triádicas ocasionadas pelos conflitos interparentais, subentendendo particularmente o posicionamento da criança face ao problema. Os autores admitem a possibilidade de cálculo desta dimensão, muito embora, não a incluam na composição de nenhuma das escalas gerais, dado nos estudos que realizaram, esta dimensão se apresentar como muito instável em termos de saturar um determinado factor. Triangulação Item Conteúdo do item 4 Quando os meus pais discutem eu acabo por ser envolvido de alguma maneira 8 Sinto-me apanhado/a no meio quando os meus pais discutem 12 Quando os meus pais discutem eu tento fazer algo para pará-los 17 Não sinto que tenha que tomar partido quando os meus pais têm um desentendimento. 25 A minha mãe quer que eu esteja do lado dela quando ela e meu pai discutem 30 Eu não sou envolvido quando os meus pais discutem. 34 Sinto como se tivesse que tomar partido quando os meus pais têm um desentendimento 42 O meu pai quer que eu esteja do lado dele quando ele e minha mãe discutem CAPÍTULO VI 263 O processo de validação dos instrumentos No nosso estudo, tivemos apenas uma amostra, mas ao nível da análise factorial realizada para este instrumento detectámos também algumas oscilações. Inicialmente, ao nível da análise factorial exploratória, esta dimensão surge-nos juntamente com a dimensão da Ameaça percebida, depois após a rotação oblíqua, surge com as dimensões Culpa e Conteúdo. A mesma variação foi encontrada com a amostra dos 10 aos 12 anos (N=188), contudo como grupo II, primeiramente surge no grupo das subescalas ligadas às propriedades do conflito e após a rotação, no grupo da ameaça percebida. Em qualquer um dos casos os valores apurados foram sempre mais baixos dos que os encontrados nas outras subescalas. Assim, pareceu-nos sensato analisar esta dimensão à parte, sem inclui-la necessariamente neste ou naquele factor mais específicos. A análise da consistência interna da escala, tomando agora somente os factores retidos revela valores satisfatórios, como podemos observar no quadro 6.26. QUADRO 6.26 - Coeficientes alpha de Cronbach para as componentes globais da escala (C.P.I.C.) no estudo original e no estudo português ESCALAS Propriedades Estudo Original Amostra 1 / Amostra 2 ESCALAS Propriedades do conflito e eficácia no coping Est. Português Amostra (GI) .89 .90 / .89 Ameaça .83 / .83 Ameaça .80 Culpa .78 / .84 Culpa .71 do conflito CAPÍTULO VI 264 O processo de validação dos instrumentos Os dados revelam valores mais baixos um pouco do que os obtidos no estudo original, no entanto, recorde-se que a estrutura factorial é igual em número, mas distinta na composição. Tomando os três factores, o resultado do Alpha de Cronbach para a este instrumento é de .89, um valor bastante satisfatório para se afirmar a estrutura consistente da escala e responder ao critério da fidelidade para a validação de escalas de avaliação. CONCLUSÃO A análises realizadas visaram a validação das três escalas, que constituem os instrumentos privilegiados para procedemos à análise das crenças e percepções de crianças sobre a violência. Os resultados apontam para valores bastante satisfatórios, que garantem aos instrumentos boas qualidades psicométricas, designadamente de validade e de fidelidade. O mesmo grupo (GI) serviu de base a esse estudo das características dos instrumentos e agora um outro grupo (GII) será utilizado para procedermos a um estudo comparativo, que apresentaremos no capítulo seguinte. A partir deste estudo poderemos aperceber-nos, também, de se estes instrumentos têm potencialidades de discriminação de grupos, uma vez que iremos trabalhar com amostras distintas em termos de experienciação da violência. Portanto, a nossa próxima tarefa passa por examinarmos semelhanças e diferenças ao nível das crenças (através da E.C.C.V.) e percepções (através da C.P.I.C.) entre crianças com e sem experiência de exposição à violência na família (distinção através da S.A.N.I.). Apesar das análises estatísticas já realizadas, os instrumentos só terão interesse para a prática de investigação se forem capazes de apreender diferenças individuais nos constructos avaliados (Freire & Almeida, 2001). CAPÍTULO VI 265