PARA ESCAPAR DO PIBINHO, O CAMINHO É A ABERTURA
EDMAR BACHA
No atual debate político econômico brasileiro, poucos têm posição tão clara como o economista Edmar
Bacha. "Não é segredo para ninguém que sou tucano", diz ele. Um dos pais do Plano Real e hoje diretor
da Casa das Garças, ponto de encontro carioca reservado às discussões de temas de interesse nacional,
Bacha defende que o novo governo vai precisar impor um "desafazimento" da atual política
macroeconômica e lançar as bases para uma abertura comercial de longo prazo.
Segundo Bacha, os "pibinhos" são frutos do isolamento nacional. "Estou convencido que para o Brasil
crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional", disse na entrevista que se segue.
No evento que marcou os 20 anos do Plano Real, na semana passada, o senhor disse que no primeiro
dia do novo governo seria necessário retomar a reforma tributária. A agenda se resume à reforma?
Edmar Bacha: Não. Com certeza é mais ampla. Eu parto de um diagnóstico, com uma sequência de pontos.
O primeiro ponto é a constatação que estamos presos na chamada armadilha da renda média. Desde
1981, o Brasil vem tendo um crescimento medíocre. Esse processo parecia ter se alterado a partir de 2004.
Porém, fica muito claro hoje que o impulso adicional que a economia teve entre 2004 e 2011 foi fruto
único e exclusivo da bonança externa. A alta dos preços das commodities (matérias-primas com cotação
internacional) e a enorme entrada de capital nesse período propiciaram e financiaram um extraordinário
aumento da demanda interna. Como havia no começo do período uma capacidade ociosa acentuada e
um desemprego alto, isso permitiu, durante esse período da bonança até 2011, que o País crescesse mais
do que vinha crescendo no período anterior. Com a reversão da bonança, os preços das commodities
começaram a cair e o fluxo de capital, por circunstâncias diversas, se reverteu, e voltamos aos pibinhos.
Associado a esses pibinhos vem algo peculiar. Se temos pibinhos, deveríamos ter inflação baixa. No
entanto, ao contrário, estamos com inflação elevada para os padrões dos nossos vizinhos - com exceção
de Argentina e de Venezuela, que ninguém mais leva em conta. Há também déficit externo, quando
pibinhos são associados a superávits comerciais. Esse conjunto denota que a economia brasileira tem uma
enfermidade. Estamos diante de uma doença brasileira, que se forma pela associação de baixo
crescimento, alta inflação, déficit externo e, para compor o quadro, desindustrialização. O que se constata
é que o pibinho não é produto do atual governo, não é cíclico. É uma característica da economia brasileira
há 30 anos. Uma característica quase secular - o País tem limitações para fazer a transição para o primeiro
mundo.
Qual o segundo ponto do diagnóstico?
Edmar Bacha: O segundo ponto é o que se vê quando listamos os países que, no pós-guerra, conseguiram
fazer a transição da renda media para a renda elevada. Não foram muitos. Na minha conta, foram uns
dez. Os Tigres Asiáticos e Israel fizeram a transição com base na indústria exportadora. Os países da
periferia europeia - Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda - fizeram a transição com base em prestação de
serviços, inclusive com a concessão de mão de obra para a comunidade europeia. O terceiro conjunto de
países inclui Austrália, Nova Zelândia e eu também colocaria no grupo a Noruega. Até o final dos anos
1960, a Noruega era o mais pobre entre os nórdicos e agora é o mais rico. Esses três países fizeram a
transição na base de produtos naturais. Cada um fez a transição a sua maneira, mas com uma
característica comum: todos se integraram a um mercado maior e encontraram nichos a partir dos quais
conseguiram se desenvolver. Isso é empírico. A transição ocorreu por meio da integração internacional.
Analiticamente, parece claro - para transitar da renda média para a alta renda, o nome do jogo é
produtividade. Para todos esses países havia acabado a fase fácil em que se conseguia aumentar a
produtividade trazendo gente da cidade para o campo - a fase em que a China e a Índia ainda se
encontram. Como o ambiente urbano é mais produtivo que o campo, a mera transição do campo para a
cidade, num contexto frequentemente de substituição de importações, permite que se faça a transição
da pobreza para a renda média.
O Brasil já fez essa transição no mercado de trabalho, não? Hoje, nem a demografia ajuda mais.
Edmar Bacha: Com certeza. É fato que acabou o excesso de mão de obra. Somos todos urbanos e não há
mais crescimento da mão de obra. Mas nesse contexto temos que nos perguntar o que é produtividade.
Em parte, é tecnologia. É preciso utilizar bens de capitais e insumos modernos. Produtividade também é
escala. É preciso ter um mercado amplo para ter acesso aos benefícios da escala. Isso é uma característica
da produção moderna. Terceiro, é preciso especialização. As empresas devem estar focadas naquilo em
que são boas. Quarto, é preciso ter concorrência. Esse conjunto de fatores só se encontra quando um país
se integra ao comércio internacional. Nisso está nosso problema. Quando comparamos o Brasil ao resto
do mundo, para surpresa de muita gente, o País está em outra direção. Entre os 176 países para os quais
os Banco Mundial tem dados, o Brasil é o que tem menor participação das importações no PIB - 13%.
Contei isso para dois colegas da PUC-Rio num almoço e eles perguntaram: mas você tem certeza disso?
Sim. O Brasil é o País mais fechado do mundo, sem considerar a Coreia do Norte, para a qual não há dados.
E isso ocorre dos dois lados da balança. É assim tanto para importações quanto para exportações. O Brasil
é um gigantinho em termos de PIB - é o sétimo do mundo. Mas é um anão em termos de exportações - o
vigésimo quarto. Todos os outros seis que vêm antes do Brasil têm grandes PIBs e são grandes
exportadores. A União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão. Todos têm essas características. O
Brasil é um grande que não exporta. Se ainda há alguma dúvida sobre a situação em que se encontra o
Brasil, podemos fazer mais uma comparação. Nos anos 1960 e 70, a Coreia do Sul também crescia com
base na substituição de importações, mas a partir do choque do petróleo, em 1974, houve uma total
inversão na sua estratégia. O país passou a praticar uma forte política de promoção às exportações. Hoje,
a Coreia exporta 58% do PIB. O Brasil exporta 12% do PIB. Há 40 anos, o PIB per capita da Coreia do Sul
era praticamente igual ao do Brasil. Hoje, é três vezes maior do que o brasileiro. A Coreia tem grandes
grupos empresariais exportadores, com tecnologia de ponta, educação de primeira. Se começarmos a
fazer uma lista de requisitos para o desenvolvimento, não vamos parar mais. Volta e meia tem gente que
faz uma lista de tudo que precisa ser consertado no Brasil e na hora que você vê a lista fica desesperado.
Se é preciso consertar tantas coisas, não vamos chegar lá. Mas como Hirschman (Albert Hirschman,
economista americano) nos ensinou: temos de pensar em termos de estratégia. Quais são os fatores
críticos que, uma vez alterados, forçam o realinhamento do resto? Estou convencido, por todas as razões
que acabo de falar, que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional.
Pela sua exposição, foi feito tudo ao contrário do que se deveria, então.
Edmar Bacha: Sim. Hoje temos uma economia improdutiva, de alto custo, que sobrevive com enormes
níveis de proteção. Nossos altos preços são frutos de uma economia fechada. A resposta do governo para
toda essa problemática, principalmente depois de 2007, foi fechar mais. Quando o governo viu a
desindustrialização e a incapacidade de concorrência das nossas empresas, ele aumentou as tarifas de
importação e reduziu o IPI para produtos como automóveis produzidos localmente. Houve uma
generalização da política de conteúdo local, da ideia de adensamento produtivo e da percepção de que é
preciso criar mais proteção. Vou usar uma analogia. Vocês são muito jovens e não vão lembrar, mas tudo
bem. Nos bondes de Belo Horizonte, nos anos 1950, havia anúncios do Regulador Xavier, O Grande Amigo
da Mulher. Número 1: excesso. Número 2: escassez. Nós temos escassez de exportação e, portanto,
precisamos de Regulador Xavier número 2. Abertura. Mas o governo está usando como remédio o
Regulador número 1, que é para excesso. Faz isso porque vê excesso de importações. E ainda tenta corrigir
o problema setorialmente. Vai setor por setor, olhando qual é o déficit comercial. Na indústria da saúde esse eu sei - o déficit é de US$ 11 bilhões. Na indústria de eletrônicos - esse eu também sei - US$ 16
bilhões. Em função dos déficits setoriais, o governo cria estratégias de proteção, via subsídios creditícios
do BNDES e via requisitos de conteúdo local, exagerados. São excrescências. E há ainda uma terceira
excrescência: os PPBs, Processos Produtivos Básicos. Se você quer se beneficiar dos subsídios e da
proteção para produzir a tomada de três pontas - esse grande avanço tecnológico brasileiro (risos) - basta
submeter um projeto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apresentando
especificações das diversas etapas do processo produtivo, e um burocrata do ministério vai dizer quanto
você tem que comprar de produto local para produzir aquele bem. É a mesma coisa por todos os lados:
para dar uma resposta à baixa produtividade o governo aumenta a improdutividade, criando e ampliando
toda essa parafernalha. Vou dar um exemplo bem pequenininho. A Unesco está lançando um concurso
de projetos, voltado a pesquisadores de universidades interessados em fazer um estudo analítico sobre
como aprofundar a política de adensamento produtivo, de maneira a beneficiar os setores mais atingidos
pela onda das importações. Veja você: é um projeto realmente encomendado e financiado por alguém do
Brasil para a Unesco e a gente sabe que vai ter só uma proposta, de uma universidade do interior paulista.
A gente precisa romper com essa combinação desastrosa que existe no Brasil de hoje.
O argumento usado em favor da proteção é de que o País precisa preservar empregos e setores mais
frágeis da economia. A abertura será necessariamente traumática?
Edmar Bacha: Primeiro eu vou ter de convencer que a abertura é o caminho. Feito o convencimento,
teremos de definir a estratégia - e essa estratégia precisa passar por dois testes. O teste de política
econômica, que cumpra com requisitos básicos como eficiência, geração de emprego, desenvolvimento
de tecnologias, e o teste do setor, porque é preciso levar em conta que a estratégia pretérita criou grupos
de interesse e realidades subjetivas. As multinacionais vieram para o Brasil com o compromisso implícito
do governo de que o nível de proteção não iria abaixar. Eu mesmo vi isso. Conversando com
representantes de indústrias químicas interessadas em se expandir, eles só diziam uma coisa: "mas vocês
garantem que não haverá redução das tarifas depois de a gente entrar? Daqui a gente não consegue
exportar. Se houver redução das tarifas a seco, vamos à falência porque nossos concorrentes, que
produzem lá fora a preços bem mais baixos, vão conseguir vender aqui com muito mais facilidade." Como
fazer a transição é um problema e, para superá-lo, eu tenho uma proposta baseada em três pilares. O
primeiro pilar é reduzir o Custo Brasil. Os empresários têm toda razão de reclamar do peso e da
complexidade da carga tributária brasileira. Têm toda razão de reclamar da falta de logística, da
precariedade de nossos portos, estradas e aeroportos. Portanto, o primeiro pilar é atender a esse reclamo.
Por isso, eu disse que no primeiro ano do novo governo é importante dar uma limpada de área e fazer
uma reforma tributária que ao menos simplifique o sistema. O Dornelles (Francisco Dornelles, senador)
tem a proposta do VAT (termo em inglês para Imposto de Valor Adicionado, ou IVA) nacional, que teria
impacto sobre toda a estrutura. O resultado seria extraordinário em termos de redução da complicação e
do aparato de pessoas e processos administrativos e judiciários, contadores e advogados, que as
empresas precisam manter para atender e muitas vezes se contraporem as exigências do fisco. Uma coisa
que só aumenta a improdutividade da economia. Uma simplificação é essencial. Assim como é essencial
entrar de corpo e alma no processo de concessões para termos portos, aeroportos e estradas com a
mínima condição de escoar nossa produção. É um programa para sete anos - os três anos do primeiro,
mais os quatro do segundo mandato...
É o que o sr. já chamou de Plano Real para a indústria?
Edmar Bacha: Dei esse nome lá atrás para chamar a atenção.
O sr. rebatizou?
Edmar Bacha: Com esse nome, ficava banalizado. O Real foi o que foi. Usei esse nome como uma maneira
de chamar a atenção para o projeto - e funcionou. Fui chamado para falar na Fiesp (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo), no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, no Itamaraty, no
Senado. As pessoas já estão atentas à substância do projeto.
Quais os outros pilares do plano?
Edmar Bacha: O segundo ponto, como dizia, é trocar todo o aparato protecionista - tarifas, preferência
por compras governamentais, política de conteúdo nacional, o crédito subsidiado e outros - por câmbio.
O câmbio não é de graça. Se fosse de graça, seria inflacionário. Mas no contexto em que você está
reduzindo o custo dos importados, pode se dar ao luxo de elevar o preço das exportações. Ao substituir a
proteção tarifária pela proteção cambial, já se faz seleção natural. Quem se beneficia da proteção cambial
são as empresas e setores mais eficientes, com maior capacidade exportadora. Não será preciso manter
um aparato de microgerenciamento, como há hoje. É claro que será preciso ter mecanismos indutores. O
governo vai precisar ficar atento a quais são as vantagens naturais existentes, aos rumos da tecnologia
mundial, a como se defender de concorrentes comerciais, onde é possível entrar mais facilmente. Esse é
um enorme papel para o Estado dentro de uma política industrial voltada à integração da economia
brasileira às cadeias internacionais de valor. Isso vai substituir a atual política de adensamento produtivo.
A terceira perna são os acordos comerciais. Vamos abrir, sim, mas não vamos entrar no jogo de graça. A
decisão de abrir é unilateral e progressiva. Precisa ficar claro para as multinacionais que estão aqui que o
jogo mudou, mas que elas terão tempo de se adaptar. Poderão deixar de produzir tudo localmente e se
integrar às suas filiais e subsidiárias internacionais. O comércio internacional de hoje não é igual ao que
existia no tempo de David Ricardo (economista inglês, um dos pais da escola clássica no século XIX),
quando Portugal exportava vinhos e importava tecidos da Inglaterra. Hoje o comercio é intrasetores e
intrafirmas, dentro das indústrias, como a automobilística. Mais recentemente, ele se tornou
intraprodutos. Onde o iPad é produzido? Depende de que nível estamos falando. Ele é concluído na China
por uma empresa de Taiwan. O comércio internacional é feito por essas cadeias globais de valor - das
quais o Brasil se isolou totalmente. Há um problema de fato geográfico - mas aí vou entrar no detalhe.
Posso?
Claro. Mas aproveitamos para perguntar: como fica o Mercosul?
Edmar Bacha: A questão é justamente essa. As cadeias globais têm uma localização geográfica. Há uma
na União Europeia. Outra na América do Norte, no entorno dos Estados Unidos. Há uma terceira Ásia. Nós
ficamos isolados, mas podemos começar nossa cadeiazinha aqui. O fato é que com a atual política
distorcida do Mercosul, como bem notou José Roberto (José Roberto Mendonça de Barros tratou do tema
no evento sobre o Plano Real, na última quarta-feira), o projeto original da integração automobilística
pretendia aproveitar a expansão regional, produzir tipos específicos de automóveis, que depois seriam
exportados para o mundo. No entanto, virou esse meleiro geral. Como ele disse: vão entrar não sei mais
quantas montadoras aqui no Brasil e vai sair carro pelos tubos, porque esse carro produzido aqui não
pode ser exportado. Não tem preço. Então, temos que voltar ao projeto original de integração econômica,
e física também, da América do Sul. Mas é uma integração regional com visão globalizada. Não é para
fazer, o que era o projeto original da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das
Nações Unidas), a substituição de importações a nível regional. Não se trata disso. Temos que aproveitar
a proximidade regional e as diferentes vocações dos países para fazer uma complementação produtiva,
de tal forma que facilite, numa segunda etapa, a integração com o resto do mundo.
Em algum momento o sr. fez uma estimativa do quanto o País poderia crescer com esse processo de
abertura?
Edmar Bacha: Dá para chegar em 2030, aonde Portugal está, e ter US$ 24 mil (de renda per capita). Esse
é que é nosso objetivo para um horizonte de longo prazo. Isso envolve, basicamente, uma trajetória de
crescimento de em torno de 5% ao ano.
Foram preciso décadas para implantar um plano de combate a inflação que funcionasse. Há espaço
político para a implantação de um plano de abertura como esse?
Edmar Bacha: Você se lembrará que, em 1993, a equipe econômica foi muito relutantemente convocada
a serviço do Plano Real, porque achava que não havia condições políticas para tal. Portanto, as condições
políticas propícias para o Real foram após ele ter tido sucesso. Vistas "ex ante", as condições eram
péssimas. Você tinha um governo de um vice-presidente (Itamar Franco, empossado após o impeachment
do ex-presidente Fernando Collor de Mello), que não tinha legitimidade, não tinha maioria no Congresso,
só tinha mais dois anos pela frente e havia demitido três ministros da Fazenda em sete meses. Que
condições políticas eram essas? Era uma desgraça! Um plano desse tipo você implanta no primeiro ano
de um governo recentemente eleito, com poder político e com capacidade de implementar todas as
medidas que o plano exige. Por que a gente fez tanta ênfase em votar o Fundo Social de Emergência antes
de introduzir a URV (Unidade Real de Valor, indexador que precedeu o lançamento do real)? Como você
gera um processo de expectativas que se volte a seu favor? O Fernando Henrique anunciou o plano em
três etapas. A primeira era mandar uma emenda constitucional para o Congresso. Se o Congresso aprovar,
vamos implementar a unificação do sistema de indexação. Feita a indexação, vamos introduzir a nova
moeda. Ou seja, estou dizendo para os políticos: "lá na frente, eu vou eleger vocês. Mas só vou eleger
vocês se antes disso me derem o ajuste fiscal". Havia essa sequência. Era época de reforma constitucional,
prevista na Constituição de 1988, e você sabe que outra reforma constitucional nós passamos em 1993?
Além dessa, acabamos com a proibição para que professores estrangeiros lecionassem nas universidades
públicas brasileiras. Eu fiz um pacote de reformas constitucionais para acompanhar o plano, junto com o
Serra (José Serra, ex-ministro da Saúde) e com o Jobim (Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça). Era um
pacote desse tamanho de reformas. Alguma coisa foi aprovada? Não. Zero. Isso virou o programa do
Fernando Henrique no primeiro mandato.
Como a proposta de abertura comercial tem sido recebida?
Edmar Bacha: Na verdade, me surpreendo com o quão favorável é a resposta. Os empresários raciocinam
o seguinte: "eu jogo a regra do jogo". Se a regra do jogo é a proteção e o subsídio dentro desse contexto
de manutenção do elevado Custo Brasil, o empresário passa boa parte do seu tempo em Brasília e na
Avenida Chile (onde fica a sede do BNDES, no Rio), em vez de ficar trabalhando na fábrica. O empresário
sabe que se ele não for, o concorrente vai. Ele tem que jogar o jogo que o governo está jogando. E ele
joga insatisfeito. É clara a insatisfação dos empresários. Os bons empresários, que têm capacidade e
eficiência, sabem que dentro dessas regras não há como sobreviver. Agora, ao anunciar que as regras
serão alteradas, que tudo será transparente, que vai dar tempo para se ajustar, que as regras serão iguais
para todos e ao mostrar que o governo tem poder político para fazer, o empresário topa a mudança.
E como fica o BNDES?
Edmar Bacha: O BNDES, depois da crise, foi totalmente desvirtuado. O mercado de capitais estava se
desenvolvendo e o BNDES se voltando para duas grandes linhas - de complementação do financiamento
privado e de especialização em nichos muito críticos, mas que o setor privado não vai atacar, como
infraestrutura e alta tecnologia. Mas, de repente, o BNDES virou a mãe do todos os empresários
brasileiros. Abriram o Tesouro para ele fazer tudo o que queria e o BNDES se tornou esse Golias - não,
Golias não, isso seria uma homenagem. Tornou-se esse gigante balofo que está aí, que, na verdade, em
vez de complementar, está substituindo o mercado financeiro, inibindo o desenvolvimento financeiro do
País, distorcendo a alocação de recursos, criando um orçamento paralelo que não é votado pelo
Congresso, que não é incluído nas contas públicas, tornando ainda menos transparentes as contas
públicas brasileiras. O BNDES virou uma desgraça e certamente ele tem que voltar aos trilhos de antes
dessa expansão extraordinária, propiciada por uma percepção equivocada das consequências da crise
econômica financeira internacional de 2008 e 2009.
A sua proposta de abertura inclui eleger setores ou que sobreviva quem é eficiente apenas?
Edmar Bacha: Não, não é a volta de Joaquim Murtinho (ministro da Fazendo na virada do século XIX para
o XX, que pregou a eliminação dos produtores ineficientes). É preciso, dentro de uma perspectiva de 30
anos, ter em mente vocações básicas. Onde já há promessas interessantes? A política industrial continua
existindo. Mas não é eleição de setores. Os setores, de certa maneira, se auto elegem. O que pode ocorrer
é a localização de nichos promissores, que ainda vão precisar de um tempo. Quando vejo o governo dizer
que está fazendo no pré-sal a mesma coisa que a Noruega fez, é uma maluquice. A Noruega montou uma
indústria ancilar ao petróleo. Tinha conteúdo nacional, tinha proteção, tinha mecanismos de subsídio até
- mas olhava para os setores promissores, sob o a ótica de se construir uma indústria exportadora. Foi isso
que a Noruega fez. Se no Brasil há setores promissores, que precisam de proteção localizada temporal,
será dada, mas dentro dessa perspectiva. Uma hora acaba e o setor protegido vai ter de ser competitivo
internacionalmente. O mercado interno não vai estar disponível para ele a um preço diferente do de seus
competidores internacionais.
Em paralelo a isso, como será a política macroeconômica - a fiscal, a cambial?
Edmar Bacha: O que estou falando aqui é uma política de longo prazo. O projeto de longo prazo se
estrutura em torno desse eixo da integração competitiva. Volta e meia vai bater um pouquinho de frente,
ou de lado, com requisitos da política macroeconômica de curto prazo. Por exemplo: o câmbio. Como se
coaduna a ideia de substituir tarifa de importação por câmbio, com a ideia de que o câmbio tem que
flutuar livremente? Se coaduna mal. Digamos que o governo, no primeiro ano de mandato, anuncia que
vai alterar de maneira fundamental a política industrial deste País. Doravante, todos nossos instrumentos
de ação governamental estão voltados para reindustrializar o País na base da integração competitiva com
o resto do mundo. Para isso, aqui está um programa, que vou implantar ao longo de certo número de
anos. Ele inclui, por exemplo, que, no fim de sete anos, a tarifa média de importação vai ser de 5% e a
máxima, de 10%. E inclui que essa política de conteúdo local, tal qual vem sendo aplicada agora, vai
desaparecer. Não vamos mais determinar onde e quando proteger os setores com base em déficits
comerciais setoriais. Se houver déficits, vamos tratar de resolvê-los por aumento de exportações e não
por redução de importações. Número dois e não número um (referência à propaganda do remédio dos
anos 50). Se houver determinação política e credibilidade, os agentes econômicos vão olhar e vão dizer:
"vai haver uma inundação de importações". Se eu estou lá no mercado financeiro, penso: "caramba, daqui
a dois anos vai começar a aumentar a quantidade de importações. Para importar, você precisa de dólar.
Vai aumentar muito a demanda de dólares. Se a demanda por dólares vai aumentar, no ano que vem, o
dólar, que está hoje R$ 2,30, vai a R$ 2,80. Cara, vou comprar o dólar hoje." O que acontece então? O
dólar vai a R$ 2,80 hoje. Isso se você acredita na perfeita racionalidade dos mercados. Isso se forem
pessoas que sabem o que estão fazendo, que vão fazer e que têm condições políticas para fazer. O que os
agentes econômicos fazem? Antecipam. Por que o Plano Real deu tão certo? As pessoas disseram: "deixa
eu entrar nessa jogada logo".
E a questão da inflação?
Edmar Bacha: Como já disse o Pérsio (Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real), precisamos de
um "desfazimento" de todas as distorções criadas nos últimos anos no contexto dessa "defunta nova
matriz macroeconômica". Como parte da defunta, há um processo de segurar a inflação através do
controle de preços básicos, especialmente energia e petróleo. Obviamente, isso vai ter que ser desfeito.
Mas como faz se esse processo? É melhor fazer de uma vez ou por meio de um de ajuste?
O que o sr. acha mais adequado?
Edmar Bacha: Vai depender. Quem chegar lá terá de avaliar as condições macroeconômicas. Em um de
seus livros, Inflação: gradualismo ou tratamento de choque, de 1970, Simonsen (Mario Henrique
Simonsen, ex-ministro da Fazenda) queria o tratamento de choque. Bulhões (Otávio de Gouveia Bulhões,
também ex- ministro da Fazenda), o gradualismo. Ganhou o gradualismo. Foi por isso que a gente não
conseguiu baixar a inflação. Teria sido melhor fazer um tratamento de choque naquela época? Sim, diria
hoje. Era melhor ter sofrido um ou dois anos, mas ter 20 à frente. É possível, politicamente, fazer isso?
Sabemos que, se for um governo de oposição, o acirramento vai ser extraordinário. Como isso combina
com mecanismos outros que o governo possa acionar para compensar esse agravamento dessa distorção
de preços? O custo de vida vai subir. Como evitar que isso se transforme num ciclo inflacionário? Tudo
isso vai depender um pouco da avaliação concreta de quais são as condições macroeconômicas e as
condições políticas de implementação da uma política. O segredo todo é trazer o público com você. Quer
dizer: "olha, nós vamos fazer isso". Agora, como você faz isso sem que haja antecipações negativas? Esse
que é o problema de uma política econômica transparente. Você não anuncia que vai desvalorizar o
câmbio amanhã, porque hoje o mercado desvaloriza em cima da sua cara. Você tem que entender o
processo de formação de expectativas e tratar de usá-lo a seu favor - e não contra você.
Mas explique melhor como seria feito esse "desfazimento"?
Edmar Bacha: Será preciso colocar o tripé de novo de pé. Mas, ao lado disso, temos que considerar as
questões levantadas pelo Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do BC). Uma vez que você reconstruiu o
que foi abalado, no ponto em que estava, temos que continuar o processo de construção institucional nas
áreas monetária e fiscal. Porque o tripé, como bem apontou o Pérsio, era manco. Ele funcionava com base
numa taxa de juros absurda. E queremos um tripé que funcione com base numa taxa de juros
internacional. Portanto, precisamos continuar construindo as instituições que apoiem a política monetária
para que ela tenha uma maior potência e possa fazer com menos juros o mesmo trabalho sobre a inflação.
Tenho ideias sobre isso, no meu "artiguinho" de 2011: "Além do tripé".
Qual seria a linha?
Edmar Bacha: Estabelecer teto para dívida líquida e bruta, meta inflacionária de longo prazo, com limite
para o crescimento do gasto público. Tudo isso é parte do processo.
O sr. já apresentou essa proposta a algum candidato?
Edmar Bacha: Obviamente eu discuto essas ideias. Vocês devem querer saber sobre a minha relação com
o Aécio (Aécio Neves, senador por Minas Gerais e provável candidato do PSDB à Presidência da República).
Não é segredo para ninguém que sou tucano. Mas não estou na campanha. Quando o Aécio me pergunta
alguma coisa, eu apenas digo o que eu acho.
Vocês têm conversado?
Edmar Bacha: Não. A última vez que conversei com o Aécio foi sobre o discurso dele. Esse discurso que
ele fez sobre o Real.
Que cenário o sr. está vendo para a campanha?
Edmar Bacha: Do nosso lado houve o apaziguamento interno. Desde o Fernando Henrique, esta será a
primeira eleição em que o partido vai estar íntegro, apoiando um candidato. O trabalho do Aécio foi feito
todo em cima disso e foi conseguido. O partido está unificado. Agora, temos que conseguir os palanques
regionais. É isso que o Aécio está falando atualmente. A etapa final é na hora em que a TV se abre, após
o fim da Copa. Aí vamos para o debate público.
A economia vai ter um peso maior nessa eleição?
Edmar Bacha: Do jeito que as coisas estão indo, com certeza. A insatisfação existe. É uma insatisfação
difusa. O emprego ainda está alto, mas, por outro lado, os preços estão saindo do controle. Existe medo
do que o futuro promete. Há muita insatisfação com a qualidade dos serviços públicos. Existe o desejo de
mudança. Isso está nas pesquisas de opinião pública. As pessoas estão insatisfeitas, estão querendo
alguma coisa nova.
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