SARA DE ARAÚJO FEITOSA A CONTRIBUIÇÃO FREIRIANA PARA UMA PRÁTICA EMANCIPATÓRIA NO ENSINO DE FILOSOFIA NO CENTRO DE ENSINO MÉDIO 417 – SANTA MARIA DF Monografia apresentada ao curso de graduação em Filosofia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Licenciatura em Filosofia. Orientador: Msc. Luiz Cláudio Batista de Oliveira Brasília 2011 Monografia de autoria de Sara de Araújo Feitosa, intitulada A CONTRIBUIÇÃO FREIRIANA PARA UMA PRÁTICA EMANCIPATÓRIA NO ENSINO DE FILOSOFIA NO CENTRO DE ENSINO MÉDIO 417 – SANTA MARIA DF, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Filosofia da Universidade Católica de Brasília, em 24 de novembro de 2011, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: _________________________________________________________ Prof. Msc. Luiz Cláudio Batista de Oliveira Orientador Curso de Filosofia - UCB _________________________________________________________ Profa. Msc. Juliana de Orione Arraes Fagundes Leitora Curso de Filosofia - UCB Brasília 2011 Dedico ao professor Evandir Antônio Pettenon, o maior motivador para esse estudo, e que muito contribuiu e se dedicou para a minha formação, como estudante e especialmente como um ser capaz de atuar para transformar a realidade. A sua prática docente sempre será o meu referencial. AGRADECIMENTO: Agradeço a Deus por mais essa bênção que Ele me proporcionou, revelando a Sua glória na minha vida; aos meus pais, Melquisedec Feitosa e Vilma Feitosa, ao meu irmão Lucas Araújo e a minha avó, Célia Boaventura, que me deram força para essa longa jornada e acreditaram no meu potencial. Aos meus amigos, Aline Barbosa, Rhildson Vieira, Stella Araújo, Angélica Marques, Alan Malta, Karen Cristina, Thiago Mendes, Kelly Araújo e ao meu namorado Eduardo Bruno, assim como aos meus familiares que me apoiaram e me incentivaram a concretizar mais esse sonho. Aos professores que fizeram parte da minha vida, que serviram de inspiração para a escolha da docência como profissão, reconhecendo o seu valor e sua contribuição para a existência humana; agradeço a eles pela mudança de paradigma que me proporcionaram e por me mostrarem exemplos de compromisso e amor a serem seguidos. Ao professor msc. Luiz Cláudio Batista de Oliveira por ser um exemplo de profissional, e pela dedicação e paciência a mim prestadas durante a graduação e a elaboração desse trabalho. Agradeço a todos que diretamente ou indiretamente contribuíram para a conclusão dessa monografia. Não basta saber ler que Eva viu a Uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho. (Paulo Freire) RESUMO: Referência: FEITOSA, Sara de Araújo. A contribuição freiriana para uma prática emancipatória no ensino de filosofia no Centro de Ensino Médio 417. 2011. Curso de Filosofia – Universidade Católica de Brasília/DF,2011. Este trabalho tem o objetivo de analisar a contribuição do ensino de filosofia para o processo da educação libertadora segundo a perspectiva de Paulo Freire, em uma escola pública de Ensino Médio, localizada na cidade de Santa Maria, Distrito Federal. Os autores pesquisados para o embasamento teórico relatam a necessidade da educação transformadora como prática amancipatória, que contribui para a passagem da consciência ingênua à consciência critica; da transformação de homens objetos em homens sujeitos, capazes de ser autores do seu processo de ensino-aprendizagem, para assim escrever a sua própria história e modificar a sociedade, resgatando a humanidade e a dignidade dos oprimidos. A metodologia adotada foi baseada em princípios da abordagem qualitativa da pesquisa. Foi constatado que os professores acreditam na eficiência da educação como instrumento para a liberdade; desde que a mediação do conhecimento seja favorável a autonomia do ser educando e aconteça mutuamente com a conscientização, pois assim o educador não se perceberá como detentor de todo conhecimento, mas reconhecerá que os estudantes já trazem saberes da sociedade, que serão desconstruídos e construídos através do diálogo com o professor; esse diálogo propicia que ambos aprendam um com o outro e implica na percepção do homem enquanto oprimido para assim buscar sua libertação. Palavras – Chave: Libertação. Filosofia. Educação transformadora. Conscientização. Autonomia. RESUMEN Este trabajo pretende analizar la contribución de la enseñanza de la filosofía en el proceso de educación liberadora desde la perspectiva de Paulo Freire, en una escuela secundaria pública ubicada en Santa María, Distrito Federal. Los autores investigaron los antecedentes teóricos para describir la necesidad de la educación como una práctica transformadora amancipatória, lo que contribuye a la transición de la conciencia ingenua a la conciencia crítica, la transformación de los hombres a los hombres objetos de los sujetos, capaces de ser autores de su propio proceso de enseñanza aprendizaje, con el fin de escribir su propia historia y la sociedad cambia, el rescate de la humanidad y la dignidad de los oprimidos. La metodología adoptada se basa en los principios de la investigación cualitativa. Se encontró que los profesores creen en la eficacia de la educación como una herramienta para la libertad, ya que la mediación del conocimiento en favor de la autonomía y pasa a ser la educación de unos a otros con la conciencia, por lo que el profesor no se da cuenta de que el titular de todos los conocimientos, pero reconocer que los estudiantes ya tienen conocimiento de la sociedad, que será deconstruido y construido a través del diálogo con el profesor, este diálogo ofrece tanto a aprender unos de otros y consiste en la percepción del hombre y aplastó a buscar su liberación. Palabras - llave: Educación transformación. Conciencia. Autonomía. Liberación. Filosofía. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................09 1 A EDUCAÇÃO POLIIZADORA.......................................................................................13 1.1 Leitura da realidade,leitura e escrita da palavra...............................................................15 1.2 A educação como processo de ruptura com a cultura do silêncio...................................19 1.3 Pedagogia a favor dos direitos humanos dos sujeitos sociais .........................................23 1.4 A educação conscientizadora como meta........................................................................26 2. A PRÁXIS A FAVOR DA AUTONOMIA DO ESTUDANTE.......................................31 3.1 A PRÁXIS EMANCIPATÓRIA NO ENSINO DE FILOSOFIA.................................45 3.1 A docência em filosofia sob a concepção freiriana........................................................51 3.2 O ensino emancipatório de filosofia no Centro de Ensino Médio 417 – Santa MariaDF..............................................................................................................................................59 CONCLUSÃO.........................................................................................................................64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................67 ANEXOS..................................................................................................................................69 9 INTRODUÇÃO A presente monografia tem a finalidade de discutir as ideias de Paulo Freire sobre a educação como um instrumento de emancipação e a sua concretização no ensino de filosofia no Centro de Ensino Médio 417 – Santa Maria - DF. A educação transformadora acontece quando o educando se percebe como um ser no mundo e com o mundo, ou seja, como alguém que está na sociedade e pode modificá-la. A interação do aluno com o mundo e com o educador é a base do processo ensino - aprendizagem, já que através dela o estudante tem a possibilidade de despertar para a consciência crítica e perceber a sua situação de oprimido, para assim lutar por sua liberdade. Esse processo educativo deve formar cidadãos conscientes e profissionais qualificados. Porém, alguns espaços educativos favorecem a opressão sofrida pela classe popular; pois transmitem ideologias e não se preocupam em contribuir para a transição do saber ingênuo ao elaborado. Os professores que legitimam essa espécie de escola praticam a educação bancária; não estão comprometidos com a formação de um sujeito ativo, autônomo, capaz de escrever a sua história e contribuir para a sua emancipação e de outros oprimidos. [...]O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária. O educando receber passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que deposita. Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde assim seu poder de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e transformar o mundo, sendo sujeito de sua ação. (FREIRE, 1979, p. 38) É necessária a prática emancipatória do professor para que o educando resgate a sua dignidade, deixando de ser homem – objeto, para tornar-se homem- sujeito. Muitos pedagogos e pensadores refletiram sobre essa situação, entre eles pode ser incluído Paulo Freire. Freire, foi pedagogo, pensador, professor de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da 10 Universidade do Recife, foi militante da educação atuando no âmbito político e cultural do Brasil. Ele conheceu com propriedade a realidade dos espaços educacionais brasileiros; conheceu a realidade da população brasileira, tão desigual e repleta de injustiças, assim como trabalhou com a formação de professores; foi militante em organizações sociais mostrando compromisso com as pessoas oprimidas, vendo a educação como uma solução para transformar a sociedade, fazendo-a de sujeitos iguais, ou seja, ele debruçou-se sobre a realidade que todos os professores enfrentam. Diante do contexto educacional do Brasil, percebe-se que o pensamento de Paulo Freire é cabível para nortear o processo educacional, pois há a necessidade de uma práxis por parte do professor que vise a conscientização que implicará na educação transformadora, que emancipa cultural e politicamente o educando. Freire ressalta que o educador, ao mediar conhecimento, deve conscientizar os oprimidos da sua condição, levá-los a justa ira diante da sociedade em que uma classe é favorecida em detrimento da exploração da outra. A revolta com a sociedade vigente deve desdobrar em ações que resgatem a humanidade dos membros da classe popular, visto que a opressão faz do homem um objeto, um instrumento de trabalho; legitima a violência da subordinação e da exploração ao aprisionar os oprimidos em situações de desigualdade social e desrespeito aos direitos humanos. Sendo assim, educador e educando, ao construirem conhecimentos juntos, aprendendo um com o outro, se libertam mutuamente. A educação, segundo Freire, é um dos elementos que contribuem para a liberdade, que é uma ação coletiva. Sendo assim a educação não pode ser museológica, ou seja, não pode se limitar apenas à história, como se ela nada acrescentasse para a existência humana; pelo contrário, a educação deve ser problematizadora; deve objetivar a transformação do mundo. Dessa forma percebese a educação como ato político; e Paulo Freire(1978) propõe que o processo educativo seja emancipatório, ou seja, que implique para a libertação do educando e do educador; que lute pela humanização, pela desalienação, pela consolidação do homem como sujeito ativo. Essa perspectiva de Freire sobre a educação politizadora é discutida no primeiro capítulo desse trabalho. Freire (1996) salienta que a educação não é neutra nem indiferente; por isso o educador deve ser um ser de escolha, capaz de decidir, de escolher ações que 11 contribuam para mudar as condições precárias que os oprimidos enfrentam, sendo assim, ele deve ser um sujeito que fale das suas decisões aos estudantes; não as impondo, mas apresentando-as em forma de diálogo. Dessa forma a prática docente deve ser a favor da autonomia do estudante, como é abordado no segundo capítulo desse trabalho; e para que isso aconteça o professor deve desmascarar ideologias, apresentar elementos para ampliar o conhecimento, para refletir sobre a realidade, repensar o modo de produção e o papel que cada indivíduo cumpre nele. O professor, através do diálogo, deve mostrar ao estudante que a mudança da sociedade é possível, como também pode contribuir para que o estudante seja mais crítico, revolucionário, que não seja indiferente às mazelas do mundo, mas se ire diante delas. Nesse aspecto, o professor de filosofia tem papel primordial, pois esta disciplina tem como um dos seus objetivos formar homens sujeitos, que tomem posição e sejam contra toda forma de opressão. Esta é uma disciplina que questiona a realidade, que contribui para a consciência crítica, que busca um conhecimento legítimo; ajudando os estudantes a analisar, a buscar as raízes das questões que fazem parte da existência humana e questionar tudo que o provoca, que faz parte da realidade. O professor de filosofia deve preparar os estudantes para a vida e para o mercado de trabalho; preparar cidadãos capazes de atuar de forma positiva no mundo e assim transformar a sua sociedade. O terceiro capítulo desse trabalho apresenta as aulas de filosofia como um espaço propício para reflexões e diálogos; propõe a filosofia como emancipatória, contra a opressão, e como um elemento que combate as ideologias que favorecem as elites. Já é insuficiente mostrar a desigualdade social, como também a distância entre opressores e oprimidos. O professor de filosofia deve, juntamente com os estudantes, pensar ações que mudem a sociedade, almejando assim a libertação cultural dos estudantes. Sendo assim, objetiva-se aqui analisar a contribuição do ensino de filosofia para o processo da educação libertadora segundo a perspectiva de Paulo Freire. Para compreender com mais clareza a educação emancipatória, é de extrema importância a leitura das obras de Paulo Freire, especialmente Educação como Prática da Liberdade e Pedagogia da Autonomia. Como o propósito é analisar os fundamentos filosóficos do pensamento de Paulo Freire sobre a educação como uma prática para a liberdade; e 12 conseqüentemente pensar ações que cooperem para a autonomia do estudante no processo em ensino-aprendizagem em relação ao estudo da filosofia; analisando – o como um instrumento de libertação, é imprescindível apontar os instrumentos que contribuem para o esclarecimento do problema. Este estudo utiliza como abordagem de pesquisa, aspectos da metodologia qualitativa. A monografia utiliza-se de pesquisa bibliográfica relacionada ao tema, entrevistas e a observação de aulas no Centro de Ensino Médio 417 – Santa Maria. Pretende-se discutir a contribuição do pensamento de Paulo Freire para o ensino de filosofia, já que este pensador discute a importância de os educadores trazerem uma nova visão de mundo que seja transformadora, visto que a seu ver a emancipação é um processo dialético, pois professores e alunos aprendem e se libertam mutuamente. Freire outorgou o dever para com uma educação progressista, crítica, filosoficamente aberta, sem regras fixas, que busca a liberdade e o resgate do ser humano, no seu contexto, na sua realidade, objetivando melhorias sociais. O pensador afirma que, como presença no mundo, o educador deve contribuir para a assunção crítica do estranhamento contra a passividade, para que se tenham atitudes que mostrem indignação diante de todos os problemas que a classe menos favorecida tem sofrido. O ser humano é inacabado, por isso precisa inserir-se num processo que é permanente, processo de busca na vocação de ser mais cidadão, mais justo e mais humano. Sendo assim, compreende-se que a abordagem sobre este tema contribui para a percepção da educação relacionada a tais aspectos. 13 - CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO POLITIZADORA Para Paulo Freire a educação como prática para a liberdade contribui para o aprendizado do estudante. Na sua obra denominada Pedagogia do Oprimido Paulo Freire alerta para a opressão vivida pela classe menos favorecida, em detrimento dos privilégios da classe dominante. Afirma que se deve usar como ponto de partida a experiência e a visão do oprimido para superar essa situação de opressão. Alerta que ninguém educa ninguém e ninguém educa a si mesmo, pois a educação é um diálogo constante entre os homens e mulheres que vivem na sociedade. Não,mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador- educando com educando. Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado, também educa. (FREIRE, 1978, p. 78,79 apud DUARTE, 2009). Freire se preocupa com essa sociedade injusta e especialmente com essa classe desfavorecida, o que propicia que suas ideias impliquem uma reflexão e uma prática norteada sobre o movimento popular, em busca de uma autêntica política popular, em busca de liberdade, compreendida por ele (1981, p.27) como “ o modo de ser o destino do homem, mas por isto mesmo só pode ter sentido na histórias que os homens vivem”; essa liberdade só pode ocorrer se a prática pedagógica promover a interação entre educador e educando, de forma que o educando contribua para a sua formação de forma crítica, pois só assim a educação será eficiente. Sendo assim Freire volta o seu trabalho para estes, principal motivo para se preocupar com um processo de educação a favor da libertação do educando e propor um método de alfabetização que não pode acontecer separado da conscientização, um é inerente ao outro; é com esse trabalho de conscientização e cultura que Freire começa a pensar uma mudança de ideias e uma mudança da organização social; isso era a força mobilizadora do desejo, da necessidade de alfabetizar; o que mostra responsabilidade social e política a favor da mudança dessa sociedade injusta, e propõe outra forma de democracia a não ser essa que 14 parece privilégio apenas da elite. Freire propõe que as classes populares não aceitem as desigualdades, principalmente na década de 40 do século passado. É importante saber que quando esse método foi proposto os analfabetos não tinham o direito de votar nem de ser votados, sendo que muitos estavam nessas condições, porque os políticos não construíam escolas, e depois vinham com um discurso que marginalizava os menos favorecidos. Assim apenas as elites, os “cultos” tinham o privilégio de participar dessa “democracia”, que era concreta apenas para os dominadores, pois os dominados não tinham oportunidade de participar democraticamente. Esses analfabetos se tornavam presa fácil para a subordinação, por se sentirem inferiorizados; e como a maioria das pessoas que faziam parte desse grupo era da classe popular, essa era prejudicada, pois consolidava-se o poder das elites, já que essa governava em seu próprio beneficio; discriminando ao excluir do processo democrático essas pessoas alfabetizandas; e oprimindo-as, já que na sociedade elas eram esquecidas, diminuídas a coisas, por não terem o direito de decidir, por serem silenciadas. E isso fica bem claro na carta que Freire escreve em 1965, ainda exilado, ao dizer o porquê ele escolheu falar sobre educação e escrever um livro que fala sobre a educação como prática para a liberdade: Opção por esse ontem, que significava uma sociedade sem povo, comandada por uma “elite” superposta a seu mundo, alienada, em que o homem simples, minimizado e sem consciência desta minimização, era mais coisa que homem mesmo , ou opção pelo amanhã. Por uma sociedade que, sendo sujeito de si mesma, tivesse no homem e no povo sujeitos da sua História. [...]Opção por uma sociedade que cada vez mais cortasse as correntes que a faziam e fazem permanecer como objetos de outras, que lhe são sujeitos [...] A educação das massas se faz , assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e libertação. (FREIRE, 1981, p. 37) A prática educativa de Freire busca garantir a participação do oprimido na democracia, visto que as implicações de sua prática são políticas e a favor do povo. Essa educação como afirmação da liberdade contribui para uma política popular, já que o educando, ao tomar consciência da realidade e da sua condição de oprimido, percebe que ela é advinda dos modos de dominação, pois essa manipulação elitista é possível graças à consciência ingênua, à falta de reflexão sobre a realidade, à falta de objetivos claros; enquanto a conscientização, apesar de não se direcionar a 15 objetivos políticos pré-estabelecidos, implica na crítica prática da opressão vivida pelas massas. Um dos objetivos desse método de alfabetização, quando foi aplicado pela primeira vez, era proporcionar uma mudança de paradigma em relação à política, rompendo com alguns governos tradicionais e legitimadores da desigualdade. Isso porque os que antes eram analfabetos e não tinham o direito de votar, depois de alfabetizados poderiam exercer sua cidadania através do ato de votar. Como grande parte desse grupo de recém-alfabetizados era da classe popular, essa situação desagradou à elite que até então estava sendo favorecida com o eleitorado reduzido e composto por seus próprios membros. A necessidade de conscientização ficou bem clara na época do governo Goulart, quando alguns setores populistas queriam a ampliação do eleitorado, mas para os oprimidos, agora eleitores, servirem como massa de manobra, pois esses manipuladores que faziam parte da elite serviam como intermediários entre a classe opressora e as classes populares. A subordinação dos explorados aos exploradores legitimou o Estado que causa a opressão, mesmo com alguns subordinados sendo beneficiados ao fazer aliança com os populistas, porém esse benefício era menor que os conquistados por estes. E parece está aí a raiz da ambigüidade característica do comportamento populista: intermediário entre as elites e as massas, oscilam entre a manipulação e a mobilização democrática, entre a defesa das reivindicações e a mobilização democrática, entre a defesa das reivindicações populares e a manutenção de um status quo onde é decisiva a ponderação dos interesses dominantes (WEFFORT, 1981, p. 22) Esse antagonismo entre mobilização e manipulação é o risco da atividade prática; que por vezes pode acontecer diferente do planejado, porém isso não pode fazer o homem se omitir e acomodar-se; até mesmo porque esse movimento de alfabetização serviu mais para a mobilização do que para a manipulação 1.1 LEITURA DA REALIDADE, LEITURA E ESCRITA DA PALAVRA Anita Freire, em uma palestra no primeiro Encontro Sobre Paulo Freire do Distrito Federal, alerta que não dar oportunidade para os homens e mulheres serem letrados é afastá-los da possibilidade de resgatar a sua humanidade, pois segundo essa escritora, um dos aspectos que diferencia o ser humano dos animais é 16 exatamente a capacidade de pensar, codificar e decodificar uma palavra. Por isso Freire, ao trabalhar a alfabetização, propõe um cÍrculo de cultura, onde há uma escola sem paredes, e não há a figura de um professor, visto que essa é substituída pela imagem de um coordenador, que está ali mediando conhecimento (a sua tarefa é mediar e não impor), que não se sente detentor de todo saber, mas reconhece que aprende com o estudante, que os dois se educam mutuamente, e que valoriza as aprendizagens que esses estudantes trazem da sociedade, por saber que eles não são uma tábua rasa. Isso acontece através do diálogo, onde o conteúdo não é visto como um dado acabado, como no caso dos círculos de cultura a palavra não é um dado, nem mesmo uma herança do educador para o educando, mas o resultado do compromisso de ambos os agentes do processo de ensino e aprendizagem. É uma proposta de reflexão e debate para todos os que participam, já que se trata de uma situação desafiadora. Ao debater sobre essas palavras, norteados por uma prática crítica que não objetiva falar apenas de conceito, os participantes do círculo de cultura percebem-se enquanto sujeitos singulares, mas participantes de um grupo, que são criadores de cultura. Esse trabalho que abre o círculo de cultura é o ponto inicial para a conscientização, como afirma Francisco Weffort. Não se trata propriamente de que a alfabetização suceda à conscientização ou de que esta se apresente como condição daquela. Segundo essa pedagogia o apredizado já é um modo de tomar consciência do real e como tal só pode dar-se dentro desta tomada de consciência[...] E assim a visão educacional não pode deixar de ser ao mesmo tempo uma crítica da opressão real em que vivem os homens e uma expressão de luta por libertar-se. (WEFFORT, 1981, p. 8) Freire, ao falar do processo de alfabetização nos círculos de cultura, esclarece que o processo educativo deve estar voltado à consciência dos contextos, das condições reais da vida do educando, para realmente a educação ser afirmação da liberdade, o que não é apenas um aspecto pedagógico, mas um desafio da atualidade, e essa liberdade não aparece meramente como um conceito ou anseio humano, mas como algo a ser construído durante a história. Assim, a educação que parte do conhecimento dos educandos, fala sobre a sua realidade, que valoriza o saber desse estudante, mesmo que no início seja um saber ingênuo para depois ir apresentar-se como elaborado, implicará numa reflexão libertadora. Isso acontece 17 nos círculos de cultura, pois as imagens que iniciam esse momento de aprendizagem trazem elementos do contexto desse aprendiz, e através delas se inicia uma discussão que implica em outras reflexões; o que propicia a conscientização; após isso os educandos aprendem escrever as palavras geradoras. [...]Enfim, todo aprendizado deve encontrar-se intimamente associados à tomada de consciência da situação real vivida pelo educando[...]A educação como prática da liberdade trata-se menos de um axiomapedagógico que de um desafio da história presente. Quando se diz que a educação é a afirmação da liberdade e toma as palavras a sério – isto é, quando as toma por sua significação real – se obriga neste mesmo momento, a reconhecer o fato da opressão, do mesmo modo que a luta pela libertação (WEFFORT, 1981, p.07) Se essas discussões implicarem reflexões acerca do contexto social e político, provavelmente elas gerarão a indignação, a justa ira, e isso promoverá uma ação, então nesse sentido é válido o pensamento de Paulo Freire sobre a Educação como prática para a liberdade; como esclarece Marcos Guerra , professor da Universidade de Brasília - UNB e membro da Comissão Justiça e Paz da CNBB, em uma palestra no primeiro Encontro sobre Paulo Freire do Distrito Federal. Guerra relata sobre sua experiência acompanhado de Paulo Freire em Angicos, que foi um laboratório, pois possibilitou pesquisa, produção de material, formação de professores; e tinha como objetivo a ampliação do ensino básico, a alfabetização de jovens e adultos, a construção de escolas e a formação de professores. A experiência de Angicos foi significativa, durante 40 dias foram alfabetizados 300 pessoas; e essa alfabetização aconteceu juntamente com a conscientização, já que para Freire uma é inerente a outra. Entre essas 300 pessoas, estavam trabalhadores de uma fazenda que colocaram em prática o que aprenderam no círculo de cultura, mostrando que a leitura do mundo precedia a leitura da palavra; como continua dizendo Marcos Guerra, ao relatar que os educandos depois de terem acesso a Consolidação das Leis de Trabalho - CLT; perceberam que estavam sendo lesados, e assim reivindicaram seus direitos, não aceitando mais as suas condições de trabalho e afirmando que se essas não mudassem, elas não voltariam a trabalhar. Através da experiência de Angicos, os agora alfabetizados mudaram de paradigma, despertaram para uma consciência crítica e perceberam as violências veladas que sofriam; tanto que o professor Marcos Guerra no mesmo evento conta 18 outra experiência: Guerra disse que no inicio desse processo de alfabetização, quando questionados os alfabetizados sobre a morte dos seus filhos, que era um fato comum entre eles, esses afirmavam que era a vontade de Deus, até o momento que nos círculos de cultura, em todas as turmas tinha um que percebia que não era uma vontade divina, mas o falecimento dos seus familiares era fruto da exploração e das condições precárias de trabalho e de vida, e atribuíam a culpa aos verdadeiros culpados, aos seus patrões. Dessa forma eles concretizavam um dos objetivos de Freire, ao propor a educação como práxis emancipatória, que é a superação das consciências mágica e ingênua pela consciência crítica, como fica claro no seguinte trecho do livro Educação como Prática para a Liberdade. A consciência mágica, por outro lado, não chega a acreditar-se “ superior aos fatos, dominando-os de fora, nem se julga livre para entendê-los como melhor lhe agradar”. Simplesmente os capta, emprestando-lhe um poder superior, que a domina de fora e a que tem, por isso mesmo, de submeterse com docilidade. É próprio dessa consciência o fatalismo, que leva ao cruzamento dos braços, à impossibilidade de fazer algo diante do poder dos fatos, sob os quais fica vencido o homem. [...] Sentíamos que era urgente uma educação que fosse capaz de contribuir para aquela inserção a que tanto temos no referido. Inserção que [...] fosse capaz de promovê-lo da transitividade ingênua à crítica. Somente assim evitaríamos a sua massificação. (FREIRE, 1981, p. 106,107) Esses exemplos são possíveis porque a consciência crítica se integra à realidade; e essa compreensão da realidade corresponde a uma ação, como fica claro em outro exemplo dado por Guerra na mesma ocasião. Ele dizia que os camponeses, após receberem uma espécie de cartilha do governo do programa denominado na época de Extensão e depois de aprenderem a ler e a escrever, e acima de tudo, pensar a realidade que o cercam, eles questionavam o que ali estava escrito, discordando até mesmo dos alimentos que eles plantaram. Esses exemplos revelam que a educação popular promove a ascensão democrática das massas, a ampliação da participação popular, pois preocupando-se com os oprimidos, que após a educação questiona a legitimidade dos privilégios dos opressores, Freire trazia a semente da revolta, apesar desse não ser seu ideal. Sendo assim a educação trouxe àquele povo silenciado de Angicos, a possibilidade de ser ouvido; trouxe voz a quem foi induzido calar-se e aceitar tudo, anulando as suas vontades, as suas escolhas, e sua possibilidade de atuar ativamente no meio em que então vivia. 19 Conscientizar não significa, de nenhum modo, ideologizar ou propor palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma situação de opressão; se muitos dos trabalhadores recém-alfabetizados aderiram ao movimento de organização dos sindicatos é porque eles próprios perceberam um caminho legítimo para a defesa de seus interesses e de seus companheiros de trabalho; finalmente se a conscientização das classes populares significam radicalização política é simplesmente porque as classes populares são radicais, ainda mesmo quando não o saibam (WEFFORT, 1981, p. 12) Esses exemplos de mobilização, de reivindicação, de conscientização que legitimam a teoria de Freire se juntam a muitos outros, pois os homens objetos se tornaram homens sujeitos, capazes de interferir em sua realidade; tiveram a possibilidade de pensar na construção de uma nova história. E outros exemplos disso são os homens e mulheres que fizeram as suas greves, paralisações, participaram de sindicatos e de marchas. As marchas eram valorizadas por Freire, tanto que alguns dias antes de falecer, ao fazer um programa para a Universidade Pontifícia Católica do Rio de Janeiro, Freire diz que sonhava uma sociedade que tivesse várias marchas, a marcha dos Sem Terra, dos sem escolas, do sem liberdade e principalmente dos sem amor. A amorosidade era enfatizada por Freire, para ele deve-se amar a todos, pois quando se ama o próximo, a pessoa se preocupa com ele, quer o seu bem, quer devolvê-lo a si mesmo; e ao fazer isso promove o que Freire chama de ética da solidariedade, sendo o principio desta valorizar os homens e mulheres enquanto seres humanos, e não como homens que estão sujeitos à coisificação; e ao se resguardar a humanização desses homens, busca-se meios que os favoreçam. 1.2 A EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE RUPTURA COM A CULTURA DO SILÊNCIO Paulo Freire critica a sociedade que, dividida em classes sociais é dominada por uma elite, ou seja, por uma minoria que faz parte de uma classe privilegiada por ter poder econômico. Essa classe é favorecida em detrimento da exploração dos oprimidos, da classe popular que é alienada, minimizada, vista como objeto. A classe “inferior”, ao ser coisificada, vista como um instrumento de trabalho, como alguém que proporciona lucro a essa elite, e legitima o poder dos seus opressores, 20 vai consolidando uma situação subumana onde os explorados a cada dia vão perdendo mais e mais a sua dignidade e a sua humanidade. Dessa forma os opressores roubam a subjetividade das massas, por não primarem pelos valores dos oprimidos enquanto seres humanos e por não se preocuparem com a qualidade de vida que a classe popular deveria ter. Esta classe que por vezes não é enxergada e nem escutada. A população oprimida fica muda, e esse mutismo não significa somente uma ausência de respostas, mas também uma resposta sem criticidade, e isso perpetua a cultura do silêncio, que aparece como uma censura, o que favorece a exploração e desigualdade vivida pela classe popular. O mutismo é um dos motivos da renúncia ao ato de decidir, de fazer as suas próprias escolhas, de pensar de forma autônoma, já que o silêncio dos oprimidos é consequência da massificação e da publicidade, e estas objetivam a alienação. A classe dominante impõe a forma de ser, de pensar e agir ao homem simples e se esse oprimido aceita, ele se reduz a objeto, sendo domesticado, fazendo parte da massa que não reflete, daqueles que não se preocupam em existir e interagir com o mundo, em estar na realidade e com a realidade, pois o homem – objeto se limita apenas ao nível dos contatos; como afirma Freire (1981) ao dizer que essa postura do homem coisificado implica na acomodação, já que a realidade é reflexa e não refletida; e por isso mesmo não contribui para a libertação do oprimido, como esclarece Froom ao dizer sobre o homem que se reduz a objeto. “Libertou-se - diz Fromm – dos vínculos exteriores que o impediam de trabalhar e pensar de acordo com o que havia considerado adequado. Agora – continua- seria livre para atuar segundo sua própria vontade, se soubesse o que quer, o que pensa e sente. Mas não sabe. Ajusta-se ao mandado de autoridades anônimas e adota um eu que não lhe pertence. Quanto mais procede deste modo , tanto mais se sente forçado a conformar sua conduta à expectativa alheia[...]” (FROOM, p. 27,276 apud FREIRE, 1981, p. 44) Froom esclarece que para alcançar a liberdade é necessário atitude crítica, pois esta possibilita que o homem integre-se com o mundo e com as pessoas, e rompa com a sua impotência diante da realidade, dos temas que fazem parte da sua existência, e implique na humanização, na legitimidade do homem como sujeito. Sendo assim a consciência crítica implica na superação da condição do homem acomodado, mero espectador, guiado pelas ideologias impostas a eles e que o impossibilitam de conquistar sua emancipação. 21 Freire enfatiza a importância da educação para esse processo de conscientização e de humanização, ressaltando que a origem para essa transição da consciência ingênua à consciência crítica é a indignação perante a sociedade fechada, reflexa, alienada; visto que esta faz o homem optar, e o faz radical na sua opção. O homem radical cria, recria e decide porque ama, porque quer o bem para todos aqueles que com ele sofrem a opressão; e por isso, como esclarece Freire (1981), ele sempre submete sua ação à reflexão, e assim não se contenta em ser espectador da história, mas fazedor dela; tendo plena consciência da importância de companheiros que comungam do mesmo ideal para as transformações, visto que ele debruça-se sobre a realidade para interferir nela. O oprimido, ao indignar-se e conscientizar-se, rompe com o otimismo ingênuo, com o pessimismo e com a falta de esperança; pois o homem começa a ter esperança e começa a se enxergar através da sua própria lente e idealizar um futuro; já que o modelo imposto é substituído por projeções de estudo sobre a sociedade; que juntamente com a esperança que inquieta leva à responsabilidade. Isso porque o homem indignado não impõe a sua opção, mas tenta convencer os outros oprimidos para que tenham comunhão na hora de se opor a violência dos seus opressores, daqueles que o silenciavam, que mataram a liberdade da classe popular. O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta convencer e converter, e não esmagar seu oponente. Tem o dever, contudo, por uma questão mesma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio. Dos que em nome da liberdade, matam, em si e neles, a própria liberdade. (FREIRE, 1981, p. 50,51) Como Freire alerta no trecho acima, é negada à boa parte da população a possibilidade de ter voz, de se expressar, e isso é uma violência por parte dos opressores que querem perpetuar a cultura do silêncio, que como já explicado, não é apenas aquela que a classe popular não diz, mas também aquela em que mesmo dizendo, falta criticidade; e assim favorece os opressores. A elite distante do povo, apresentada como superior, contribui para que a classe popular não tenha consciência crítica, aceite tudo passivamente, e assim não decida, não sinta a justa ira; não dialogue com seus opressores, apenas os sigam e obedeçam. 22 A cultura do silêncio é perpetuada entre outros elementos, pela mídia, visto que alguns temas são omitidos, o que impede o debate público e seu conhecimento. Quem deveria responder, dialogar, não é ouvido, o que faz das mídias um fim em si mesmas, pois a massa se torna excluída desse processo de comunicação. Entretanto, essa cultura do silêncio pode ser superada, mas para isso necessita que a sociedade acredite no poder transformador e criativo do ser humano, e a forma que Freire percebeu para fazer mostrar isso para a classe popular que vivia no silêncio, eram as discussões do conceito antropológico de cultura; pois este fazia o homem perceber a possibilidade de mudar sua natureza, evidenciando a criatividade possível do ser humano, e ressaltando que ele é capaz de mudar também a sua história. Essa dialética entre o conceito antropológico de cultura, cultura da libertação e cultura do silêncio se constrói na permanente busca pela transformação, pela polissemia da comunicação, ou seja, que as pessoas recebam a informação e entrem em contato com ela, podendo dar um feedback. Porém isso só é possível depois da conscientização, depois de levar o oprimido a perceber sua capacidade de mudar, ao mostrar que a classe popular está imersa na cultura do silêncio por internalizar o opressor, pois a conscientização é a construção da liberdade, pois esta é justamente a luta cotidiana da descoberta do oprimido como sujeito histórico, capaz de transformar. A conscientização de Freire mostra positividade para os direitos humanos universais, para o direito à comunicação, pois a comunicação por vezes tem se limitado apenas a ouvir, e não a ser informada e debater; quando na verdade deveria acontecer um diálogo e não um monólogo. Isso é bem exemplificado quando Freire fala que a comunicação é diferente de extensão. Extensão era um plano de plantação para os camponeses que ensinavam as práticas e o que deveria ser plantado; Freire dizia que essa extensão era uma forma equivocada, pois para ele o certo era conversar com os camponeses, perguntar o que queriam plantar, quais as metodologias de plantação já usadas por eles; pois assim se estabeleceria um diálogo entre iguais; e é esse diálogo onde todos se escutam e têm o direito de falar e ser escutados que Freire chama de comunicação. Sendo assim, romper com a cultura de silêncio é lutar pelo direito da comunicação, é contribuir para que a classe popular não aceite as violências 23 sofridas, a exploração, as injustiças; é fazê-la gritar rompendo com os grilhões que prendem os seus direitos, a sua humanidade. 1.3 PEDAGOGIA A FAVOR DOS DIREITOS HUMANOS DOS SUJEITOS SOCIAIS Ninguém melhor que os oprimidos para entender o sentido de uma sociedade opressora, e ao entender o que ela significa os membros da classe popular precisam formular as suas próprias questões, as suas formas de lutar contra a opressão; e nesse aspecto a educação é uma arma muito poderosa para romper com as ações que limitam o saber a apenas uma pequena elite, visto que a educação não é neutra, porque a sociedade também não é neutra; e esse pensamento deve gerar desconfiança de muitas instituições, que a favor do capitalismo, impõem ideias de cima para baixo, estando entre elas as escolas. Os oprimidos, ao se conscientizarem, rompem com aquele movimento de internalizar as ideias dos seus opressores, e assim reivindicam seus direitos; pois nas concepção de Freire o acesso à educação se apresenta como respeito à dignidade e aos direitos humanos, como afirmou o professor Doutor da Faculdade de Educação da UNB, Erasto Fortes, em uma palestra no primeiro Encontro sobre Paulo Freire do Distrito Federal, ao ressaltar a importância da alfabetização interligada à conscientização, para que o educando perceba que os seus direitos são violados, aqueles mesmos princípios encontrados na Revolução Francesa e encontrados na Constituição, de liberdade, igualdade e fraternidade são ideológicos, já que esses direitos não se concretizam na realidade; e continuarão sendo violados enquanto não houver mobilização, não acontecer uma luta a favor da validação dos direitos humanos. Paulo Freire, ao pensar no círculo de cultura, enquanto formado por pessoas portadoras e produtoras de cultura, que podem ler o mundo criticamente, partindo de uma consciência ingênua para uma consciência crítica, percebe os direitos humanos como pano de fundo, pois o cenário da sociedade é de direitos violados; e mostra que a educação é um mecanismo de superação revolucionária para esse mundo de injustiças, mas é necessário que as pessoas se indignem, e essa indignação seja propulsora de uma ação pedagógica em busca da educação libertadora, do mundo respeitador dos direitos humanos, da dignidade humana. O ato educativo é uma prática política, eminentemente social, de um paradigma centrado na pessoa, que ao 24 ler o mundo consegue mudá-lo, sendo a educação um dos instrumentos de mudança social, como diz Freire ao afirmar que a educação sozinha não muda o mundo, mas tampouco sem ela a sociedade muda. Esta mobilização através da alfabetização não se propõe objetivos políticos determinados, mas sem nenhuma dúvida resulta uma crítica prática da tradicional situação de marginalidade em que se encontram as massas. Os homens do povo que tomaram parte nos círculos de cultura fazem-se cidadãos politicamente ativos ou, pelo menos, politicamente disponíveis para a participação democrática. Esta atualização política da cidadania social e econômica real destes homens excluídos pelas elites tradicionais contém implicações de amplo alcance. (WEFFORT, 1981, p. 18) A educação é indispensável para a mudança social, pois esta é uma das mediações da prática transformadora da sociedade que não pode ser muda; e sim inerente à prática posicionada de homens e mulheres que se mobilizam para serem mais críticos e valorizados; para os esfarrapados do mundo terem seus direitos assegurados. A luta pelos direitos humanos se dá em todos os espaços que a educação ocorre, Freire alarga o âmbito educativo para além da escola, às comunidades, aos movimentos sociais, aos grupos de cultura popular, aos partidos políticos, a todos os movimentos que se associam os seres humanos; pois estes são espaços educativos, principalmente porque implicam na dialética entre educando e educador. Os programas de direitos humanos devem adotar uma posição elaborada a partir do discurso e da prática, que realmente sejam voltados aos princípios de indivisibilidade dos direitos humanos, no sentido de não assegurar um e anular o outro, pois há uma interdependência entre eles; visto que os direitos civis e políticos só acontecem se tiverem os direitos no âmbito social, ecológico, econômico, relativos à paz, à escolha sexual, à felicidade humana. A educação que implica na legitimação dos direitos humanos tem que ser problematizadora, tem que partir da realidade concreta para o combate à violação dos direitos; para assim denunciar as situações precárias, trabalhando a contínua dialética entre denúncia e anúncio, pois ao ser desvelada essa realidade repleta de sofrimento e subordinação, é necessária a indignação, a justa ira, para assim lutar pelos direitos humanos. Diante do contexto neo-liberal é preciso rejeitar a ideia do pensamento único, que o mundo será sempre assim, que a realidade é imutável; pois a afirmação da exclusão significa o fim da história; quando na verdade Freire 25 diz que a sociedade muda com mobilizações indignadas dos cidadãos, buscando o sonho impossível, a utopia. Para a educação transformadora é necessária a ruptura com o pensamento dado, como verdade absoluta; pois a educação por vezes apresenta-se como reprodutora de ideologias, o que consolida a opressão, já que limita o pensamento a uma determinada visão, que tem a possibilidade de não ser a mais adequada. É necessário que haja professores que contribuam para a emancipação do estudante, para que ele não seja manipulado, alienado; mas para que isso aconteça, a população brasileira necessita de uma nova educação, diferente dessa tradicional, colonizadora. A utopia deve ser da sociedade do bem viver, no âmbito ambiental, político, cultural e social, que promova o respeito e a valorização dos que são diferentes dos padrões pré-estabelecidos. Porém, para se chegar a alcançar esse objetivo, é necessária uma luta para a participação social e cidadã, que é o exercício de uma cidadania, que se põe em luta pelos direitos humanos, que busque que cada indivíduo se torne sujeito de história, e isso não acontece sem dificuldades, sem conflito; é preciso acreditar que mudar é possível, e essa mudança necessita da decisão do povo, que diferentemente do que dizem as elites, sabe decidir; e mesmo aos que não sabem Freire diz que só se aprende decidir, decidindo; e por isso mesmo propõe uma educação onde o educando faz opções, e essas estão comprometidas de forma responsável com o âmbito social e político, pois para Freire (1981) toda a separação entre os que sabem e os que não sabem, do mesmo modo que a separação entre os opressores e os oprimidos, é apenas fruto das circunstâncias históricas que podem e devem ser mudadas. Essa ideia rompe com a ideologia colonizadora que leva a conclusão de que o povo não sabe decidir porque não sabe escolher. Vistos os argumentos acima faz-se necessário que a escola colabore com a formação da cidadania; assim o currículo da escola precisa atender os aspectos que Freire percebia como fundamentais, sendo eles a prática dialógica, ou seja, o diálogo com respeito a cada um e cada uma; a ideia de amorosidade que inclui o afeto a todos que compõem o espaço comum; e a gestão democrática. Alcançados esses três objetivos, se terá uma escola viva, e essa será opositora à transgressão dos direitos humanos, promovendo o respeito a todos; e nesse sentido Freire transcende a ideia de uma escola cidadã, porque cidadania é concebida como 26 respeito às normas de um estado, e a visão de Freire é referente aos direitos universais, ao sonhar com uma sociedade mais igualitária, Freire pensa no âmbito mundial. Esse pedagogo propõe uma escola a favor do respeito à dignidade humana, e nesse sentido os ideais de solidariedade e principalmente o de fraternidade que são primordiais. Solidariedade é compartilhar das mesmas ideias e apoiar a causa do outro, o que traz a compreensão sobre a condição do outro, mas essa só é sentida parcialmente; assim a fraternidade é mais necessária, pois está a favor da pessoa, visto que todos são seres humanos. Ao se pensar assim prepara-se para a tolerância, para a aceitação irrestrita da diferença, e isso perpassa a educação e os direitos humanos. 1.4 A EDUCAÇÃO CONSCIENTIZADORA COMO META Para que essa conscientização aconteça é imperativo que o educador seja comprometido com a sua profissão, que se perceba como agente social, não podendo exercer sua profissão como passatempo, ou com a mera intenção de sua remuneração. O professor deve, no seu ato pedagógico, contribuir para a autonomia do ser educando, e para isso é necessário perceber o estudante como um ser no mundo, capaz de fazer escolhas que mudem a sociedade, que não cruze os braços diante das mazelas humanas, como afirma Freire. Na verdade, já é quase um lugar – comum afirmar-se que a posição normal do homem no mundo, visto como não está apenas nele mas com ele, não se esgota em mera passividade. Não se reduzindo tão-somente a uma das dimensões de que participa – a natural e a cultural – da primeira, pelo seu aspecto biológico, da segunda pelo seu aspectos criador, o homem pode ser eminentemente interferidor. Sua ingerência, senão quando distorcida e acidentalmente, não lhe permite ser um simples expectador, a quem não fosse lícito agir sobre a realidade para modificá-la. (FREIRE, 1981, p. 41) Como fica claro no trecho do livro Educação como Prática para a Liberdade, Paulo Freire fala de uma pedagogia dos sonhos possíveis, pois essa é uma capacidade, uma virtude que os seres humanos têm de projetar o amanhã percebendo o hoje, e acreditando numa sociedade mais igualitária. Os sonhos possíveis são uma utopia, não no sentido de delírio, de impossibilidades, mas de algo que mobiliza e enriquece o projeto de um ser humano mais ético, que objetiva fazer o que até então não era possível. Freire acredita veementemente que é 27 possível concretizar o sonho da mudança, pois ele diz que se é possível mudar o mundo que o ser humano não criou, então se pode mudar o mundo da cultura que é criação dele. Freire mostra o respeito pela mudança de atitude que pode acontecer ao perceber o conceito antropológico de cultura, e como esse conceito pode contribuir para o enriquecimento do mundo, para a sua mudança. Entretanto isso só acontece se as pessoas acreditarem na ética, crer nos homens e mulheres indistintamente da etnia, gênero, classe social. Ele ficou reconhecido pelo seu método de alfabetização, por compreender que a educação deve estar a serviço da transformação social; e por isso mesmo a proposta de fazer um círculo, onde cada um olha o rosto do outro, enxergando não apenas de forma literal o outro, mas o percebendo como um ser que tem muito a falar, falar das suas dores, falar sobre tudo que faz dele uma pessoa sofrida; e nesse aspecto Freire faz um processo de maiêutica, tendo algumas características daquela proposta por Sócrates, pois o educando há de parir as suas próprias ideias, formular as suas próprias concepções sobre um objeto determinado, ou uma situação. Para tanto ele parte da sua vivência, da sua situação social, econômica, cultural e ambiental. Porém a maiêutica proposta por Freire se difere da socrática, pois as pessoas que participam do círculo de cultura são oprimidas, e falam das palavras que fazem parte da repressão vivida por elas, como afirma Freire: No método de ensino seria possível, por exemplo, encontrar algo da maiêutica socrática, pois como em Sócrates a conquista do saber se realiza através do exercício livre das consciências. Contudo será preciso reconhecer que a maiêutica tem aqui uma significação particular. Os participantes do diálogo no círculo de cultura não são uma minoria de aristocratas dedicada à especulação, mas homens do povo. Homens para os quais as palavras têm vida porque dizem respeito ao seu trabalho , à sua dor, à sua fome. Atualmente não apenas os alfabetizadores, mas professores de todas as áreas precisam dedicar-se para a conscientização dos estudantes enquanto sujeitos históricos, que necessitam participar efetivamente do processo político, votando em representantes que não favoreçam uma classe em detrimento da outra; e sim que de forma ética e responsável estejam preocupados com a população como um todo. Nesse aspecto percebe-se na filosofia um campo fértil, pois é objetivo desta contribuir para a superação da consciência ingênua pela consciência crítica; essa 28 área de conhecimento tem no seu currículo temas primordiais para Paulo Freire, como política, que incentiva romper com a de servidão, que mostra as estratégias que os políticos usam para enganar os eleitores; assim como cidadania e ética trabalhada como conteúdo e aprofundada nas obras lidas pelos estudantes do ensino médio. Vistos esses conteúdos, acredita-se que o estudante, ao debruçar-se sobre a filosofia, vai, durante os anos, se formando um cidadão, pois essa é uma disciplina que se preocupa com a formação integral do educando; e como Paulo Freire alerta, os alunos que passarem por um processo de educação que vise a emancipação do ser humano, serão mais exigentes em relação aos seus líderes, vão buscar alguém que tenha coerência entre o discurso e a prática. Porém para que esse processo seja eficaz, é indispensável a conscientização, pois esta revelará a necessidade de votar com responsabilidade, precisar de um líder que se comprometa com as massas, um político decente, que mereça esse voto. Freire fala do exemplo dos populistas que para ele não compreendiam a mobilização que estimulavam, preocupados apenas com o aumento do eleitorado, o que fez o Estado apoiar a proposta de Freire em Angico, que já foi citada nesse trabalho anteriormente, pois cada uma das 300 pessoas alfabetizadas durantes os 40 dias da esperança significariam um voto. E em alguns casos isso aconteceu, porque os populistas com seus discursos cheios de lacunas, de meia verdades, fizeram os integrantes da classe popular acreditarem que lhes dariam muito mais que podiam; eram os marqueteiros da Revolução Brasileira. Sendo assim faz-se necessário que a educação rompa com a ideologia, ao invés de transmití-la; que ao possibilitar o resgate da humanidade, da dignidade do educando os proteja dos políticos manipuladores, patrões exploradores; que promova essa ruptura com todos que subordinam os oprimidos, esquecendo o seu valor enquanto um ser no mundo; que tem seus direitos e que deve ser valorizado. A educação aparece como um dos mecanismos para a emancipação do educando, porque é um processo que acontece através da interação deste com o mundo e com o docente, e implica diretamente na formação do ser humano enquanto um ser que está na sociedade e nela atua, podendo proporcionar um despertar para a consciência crítica nos estudantes, para que estes não permaneçam na alienação que consolida a opressão por eles vivida. Esse processo educativo deve formar 29 cidadãos conscientes e profissionais qualificados, ou seja, preparar para a vida e para o mercado de trabalho. Entretanto, vários espaços pedagógicos tornam-se instituições que favorecem a ordem social vigente, pois transmitem ideologias e não despertam a consciência crítica. Os profissionais da educação que aceitam e reforçam essa espécie de escola, não estão comprometidos com a emancipação e autonomia do estudante, pois não informam, não educam, não têm compromisso com a formação de um sujeito ativo, capaz de escrever a sua própria história e através das suas ações modificarem as das outras pessoas, como afirma Freire (1996): “Minha presença no mundo não é a de quem nele se insere, é a posição de quem luta para não ser apenas sujeito, mas sujeito também da história”. O problema nem sempre é dos professores, mas também da estrutura física da escola, pois dificulta a aprendizagem, a formação intelectual e política. Isso acontece, pois é do interesse de muitos governantes que a população mais pobre continue sem conhecimento, sendo manipulada através das ideologias que a classe dominante impõe para os oprimidos, pois como já pensava Freire, o conhecimento é um instrumento de emancipação, que faz com que o homem perceba a sua condição de oprimido e lute pela sua libertação. A história da educação no Brasil tem sido uma história de perdas, de exclusão e de manutenção dos privilégios de minorias. A herança que as crianças e os jovens, hoje a maioria da população, recebem dessa história caracteriza-se pela carência, pelo descrédito e ausência de perspectiva, pela grande crise que a educação atinge chega a níveis intoleráveis. Temos uma política de desobrigação, onde o Estado juntamente com a Educação Pública não apóia a educação e cada vez mais há exclusão de crianças, jovens e adultos, ocorrendo uma desigualdade social. O movimento popular no Brasil há muito vem denunciando essas condições da educação e o caráter economista que os governos têm atribuído a ela. A educação brasileira limitou-se, ao longo de sua história a atender aos interesses das elites, visando formar, entre elas, os dirigentes e tendo- se voltado para o povo nos limites da formação de mão- de- obra e de inculcação ideológica para direcionar a escolha dos governantes” (SAVIANI, 1997, p 56). É fundamental a ação emancipatória do professor para que o educando, enquanto oprimido, resgate a sua dignidade; é necessário que esse se perceba como um agente social. Paulo Freire alerta que o professor deve conscientizar o oprimido da sua condição, logo, levá-lo a se opor ao seu opressor; e dessa forma restaurar a humanidade do oprimido e do opressor, tornando-se ambos homens que valorizam a dignidade humana. Os opressores também precisam se conscientizar 30 dos malefícios que eles têm causado através das exploração e desvalorização dos oprimidos e também lutar pela sua liberdade. A liberdade é uma ação coletiva, e para Freire os oprimidos só a alcançarão através do caráter pedagógico, através de uma práxis emancipatória no ensino, pois este pensador acredita que através do diálogo pode-se conquistar mais e caminhar para a revolução. Dessa forma o professor, segundo a concepção freiriana, deve propor uma educação problematizadora, que objetive a transformação do mundo, e para isso o professor precisa contribuir para que o estudante se torne um ser autônomo capaz de construir conhecimento, escrever e mudar sua história. Sendo assim, a docência é uma práxis para a transformação do mundo, para a libertação. E para isso, é necessário o diálogo entre educador e educando, pois é necessário partir do outro e contar com a presença dele para essa luta. Freire (1978, p.30) justifica a pedagogia do oprimido como “a luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas...”. Dessa forma, Paulo Freire acredita que é necessário que educador e educando tenham uma visão crítica, conseqüência de uma educação crítica objetiva; a qual o individuo analisa os fatos da sua sociedade; posteriormente passa pela escola, lá pensa sobre a sua sociedade e elabora problematizações e conseqüentemente a resposta desse processo é a militância. Logo, Paulo Freire propõe uma educação onde a questão política é fundamental, visto que não se educa se não se perceber que o sujeito está inserido numa situação de conflitos com poderes e interesse divergente; pois a educação politizadora só acontece no contexto desses conflitos. Assim, o método de Paulo Freire pode ser aplicado em outras áreas de conhecimento, pois ele não ensina só a ler e escrever, ou conteúdos específicos, mas leva as pessoas a se posicionarem socialmente se os interesses delas forem afetados, pois elas terão uma clareza maior em relação ao contexto social. 31 - CAPÍTULO 2 – A PRÁXIS A FAVOR DA AUTONOMIA DO ESTUDANTE Paulo Freire (1996), em seu livro denominado Pedagogia da Autonomia, escreve sobre a formação dos professores, sendo esta paralela à reflexão referente à prática educativo – progressista que privilegia a autonomia do estudante, ressaltando a importância da análise de conhecimentos e ações necessárias para essa prática, como fica claro no seguinte trecho “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria / Prática sem a qual a teoria pode ir virando blá blá blá e a prática, ativismo.”(FREIRE, 1996,p. 16) , ou seja, ele ressalta a contribuição de se pensar e repensar essa relação, para a teoria ser significativa para os estudantes, e servir como embasamento para a prática, elaborando assim uma práxis que instigue o estudante e que evidencie sua capacidade crítica. Porém para que o ensino aconteça dessa forma, é necessário que o docente perceba que mesmo as suas certezas podem ser questionadas, que elas não devem ser vistas como uma verdade acabada, absoluta. Essa ação de perceber que há outras possibilidades de conceber algo, é um requisito para o professor “pensar certo” e ensinar o mesmo para os discentes, visto que pensar certo é fazer certo, dessa forma, é necessário buscar uma prática que consolide o que é dito no pensar certo, que rediga ao invés de desdizer. Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que às vezes pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo e uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas[...] Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o rediz em lugar de desdizê-lo[...] Ensinar a pensar certo não é uma experiência em que ele – o pensar certo- é tomado em si mesmo e dele se fala ou uma prática que puramente se descreve, mas algo que se faz e que se vive enquanto dele se falar com a força do testemunho [...]Não é transferido, mas coparticipando o pensar certo é dialógica. (FREIRE, 1996. p. 28 ,34, 37) Entretanto, para assim pensar, é necessário pesquisar, pois pesquisa e ensino, para esse pedagogo, não existem uma sem o outro; sendo que ambos interligados contribuem para que o professor respeite o senso comum do estudante, o usando como ponto de partida, e depois incentivando a sua superação, ou seja, 32 que através da mediação do professor que desperta a curiosidade do aluno, esse ser curioso seja sujeito do seu processo em ensino-aprendizagem, indo do saber ingênuo ao saber elaborado. Dessa forma Paulo Freire fala nessa obra sobre a importância dos dois agentes do processo educativo, educando e educador, afirmando que não existe um sem o outro; e que entre eles há uma interação onde ambos formam-se, reformam-se e formam o outro, pois aprendem ao se relacionarem, e assim juntos vão construindo, desconstruindo e reconstruindo conhecimento, já que para Freire não se transfere conhecimento. O professor deve assim buscar estratégias que possibilitem a sua produção. Esta produção de conteúdos deve acontecer juntamente com a formação moral do aluno, como Freire(1996) afirma ao dizer que “Educar é substantivamente formar”, visto que o docente deve, ao formar e formar-se, ater-se a um ensino que implique na curiosidade epistemológica, ao mesmo tempo em que se valorizem as emoções, a afetividade, as intuições ou adivinhações, porém ultrapassando as intuições ao analisá-las com rigor metódico, através da curiosidade epistemológica; que proporcionará a percepção que os espaços não escolares, e as ações fora desse ambiente educativo, também são cheios de significados; pois a cultura, a linguagem, a comunicação fazem parte da existência; e tanto educador como educando precisam compreender que eles estão inseridos na sociedade, e dessa forma internalizam aspectos culturais, vivendo assim num conflito, pois ao ser- no – mundo eles não podem se apartar do que acontece nele. E é exatamente por esse motivo, de estar na realidade e com a realidade, que é inerente ao educando e educador fazer escolhas, fazer história, fazer política; para assim contribuir para uma sociedade mais justa. Já não foi possível existir sem assumir o direito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. E tudo isso nos traz de novo às imperiosidades da prática formadora, de natureza eminentemente ética. E tudo isso nos traz de novo à radicalidade da esperança. Sei que as coisas podem até piorar, mas sei também que é possível intervir para melhorá-las (FREIRE, 1996, p. 52) Entretanto, para intervir na sociedade objetivando uma mudança, é necessário ser esperançoso, pois muitas dificuldades sociais, políticas, ideológicas são encontradas. Por isso Freire fala da importância de perceber a condição do homem como ser inacabado, inconcluso, pois esse processo constante de vir-a-ser, 33 segundo ele, que gera a possibilidade de educação; que faz da esperança na superação de barreiras uma exigência ontológica. Essa condição de inacabado também consolida a educação como processo permanente, que ressalta a importância do estudante ser sujeito do processo em ensino aprendizagem; do professor pensar criticamente sobre a sua prática, notar como está a sua postura diante da sua profissão, e o porquê ela está assim, pois ao assumir-se ele tem condições de mudar. Quanto mais ético, mais comprometido for o educador; ele será um referencial para os seus estudantes, pois os gestos desses professores, por mais simples que pareçam, significam muito para os seus alunos. Essa relação entre educando e educador acontece respeitando as diferenças entre eles, e valorizando um ao outro. A percepção de ser inacabado implica na ética, no respeito ao próximo, ao outro, que apesar de diferente; deve ser visto com amor, deve-se olhá-lo e desejar para este as mesmas condições dignas de vida, que anseia para si; como Freire(1996) ressalta ao dizer que “Como ser professor [...] sem aprender a convier com os diferentes [...] se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade”. Dessa forma o docente deve ter consciência que a sala de aula não é um espaço que possui um grupo homogêneo, pelo contrário, esse espaço educativo reflete claramente a nossa sociedade; pois predomina em ambos a heterogeneidade, que Freire(1996) propõe que deve ser transcendida pela autonomia , mas para isso é necessário a escola estar ciente do contexto dos estudantes, dos seus familiares; perceber o “nível de cultura”, as condições econômicas, as histórias familiares, pois quando sabe-se das circunstâncias do estudante é mais fácil compreendê-lo e logo perceber como ajudá-lo nessa caminhada do saber ingênuo ao saber elaborado. O educador que se compromete em exercer a prática pedagógica com tamanha dedicação mostra-se esperançoso em relação ao progresso da sociedade; pois não exerce sua profissão como “bico”, não cruza os braços diante das mazelas que existem na sociedade, apesar do poder público induzir por vezes a indiferença; a exercer mal a profissão. Isso fica claro ao se perceber que em várias escolas as condições são precárias, tanto em relação ao espaço físico, aos materiais e recursos necessários para as aulas; aos salários dos profissionais da educação e até mesmo à sua formação; mostrando falta de respeito por parte das autoridades das instituições públicas e privadas da educação. 34 Um dos piores males que o poder público vem fazendo a nós, no Brasil, historicamente, desde que a sociedade brasileira foi criada, é o de fazer muitos de nós correr o risco de, a custo de tanto descaso, cair no indiferentismo fatalistamente cínico que leva ao cruzamento dos braços [...]Uma das formas de luta contra o desrespeito aos poderes públicos pela educação, de um lado, é a nossa recusa a transformar nossa atividade docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a entendê-la e exercê-la como prática afetiva de 'tias e de tios'. (FREIRE, 1996, p. 67 e 68). Em algumas regiões do país professores ministram aulas de disciplinas bem diferentes das suas áreas de formação, escolas feitas de maderites, faltam materiais básicos como papel. Outra situação alarmante é que professores chegam a ganhar um salário mínimo quando o teto salarial nacional é de R$ 1.187, 77, o que ainda é baixo, se comparado com outras profissões de nível superior. Isto tem afastado muitos adolescentes e adultos dos cursos de licenciatura. Pesquisas como a feita pela revista Nova Escola, em março de 2010, já comprovam que apenas 2% dos estudantes desejam ser professores. A ideia de Freire, sobre a educação ser fundamental para a mudança da sociedade, é repetida pelos políticos, que em suas ações mostram-se bem diferentes dos seus discursos. Muitos deles falam que a educação é uma das ferramentas que pode fazer a realidade ser transformada, trazer mais igualdade para a população brasileira. Porém, tem se investido muito pouco. Fica demonstrado que talvez não seja do interesse de alguns líderes políticos que a situação das pessoas mude de fato. Paulo Freire salienta que para a prática educativa é necessário acreditar na mudança, pois os seres humanos não podem apenas observar o mundo e nada fazer diante dos fatos que nele ocorrem. Devem sim, agir de forma a colaborar com essa mudança. A neutralidade diante dos problemas, apenas consolidaria as desigualdades sociais, o sofrimento; pois impede de optar, de escolher por si mesmo e pelos outros que também são injustiçados pela sociedade opressora, ou seja, é necessário, como diz esse pensador, que anunciem as situações desumanas, que alertem os oprimidos das suas condições explicando-lhes que a sua situação é assim por causa daquelas frases ideológicas, transmitidas pelos aparatos legitimadores dos dominadores, que normalmente eles escutam durante toda a sua vida. Alguns exemplos dessas frases são utilizadas com muita freqüência, como “é a vontade de Deus”, ou aquelas frases que além de ideológicas ainda são preconceituosos, racistas, tais como: “índio é preguiçoso”, que trabalho mal feito é trabalho de preto, referindo-se aos negros, culpando a miscigenação pelos 35 sofrimentos dos oprimidos. Em vez de levá-los a concluir que sua situação é produto da desigualdade social, da exploração do homem pelo homem, que gera a pobreza, a miséria de alguns, diante da riqueza de outros. Essa denúncia deve ser superada por uma postura revolucionária; que é justamente a do anúncio de uma nova situação, a da possibilidade de uma sociedade igualitária. Pois, faz-se necessário mudar: mudar de paradigma, mudar a situação que milhões de pessoas vivem em todo mundo, que é a de exploradas, de “escravos assalariados”. Quando o educador consegue mostrar para oprimidos que a culpa de sua condição não é deles, o educando consegue rejeitar o seqüestro de subjetividade vivido até então, troca o espaço do cativeiro que prendia sua dignidade pela autonomia e responsabilidade necessária para escrever a sua história, sendo protagonista do processo ensino-aprendizagem; pois esse processo conscientizador deve aconteçer juntamente com o ensino do conteúdo. Uma das questões centrais com que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo. A rebeldia é o ponto de partida indispensável, é deflagração da justa ira, mas não é suficiente. A rebeldia enquanto denúncia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, fundamentalmente anunciadora. A mudança do mundo implica a dialetização entre a denúncia da situação desumanizante o anúncio da sua superação, no fundo o nosso sonho. [..] É possível e é preciso mudar (FREIRE, 1996, p. 79) Freire afirma que para o professor incentivar a autonomia, e para exercer sua profissão de maneira coerente é necessária uma série de fatores, entre eles a curiosidade, “Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino.” (FREIRE, 1996, p 83). Dessa forma deve-se valorizar todas as curiosidades, pois a negação de uma implica na negação da outra; e é essa fundamental já que é através dela que o estudante busca o conhecimento. É através de perguntas, pesquisas, diálogo que se constrói o conhecimento. É necessário que o professor a perceba como primordial, se dispondo a responder os estudantes, a pesquisar com eles, e promover discussões sobre o assunto, o que fará com que este se sintam mais valorizado. A curiosidade é uma ferramenta pedagógica eficaz, pois desperta as intuições, as emoções, a imaginação; e sendo ela crítica, o estudante buscará de forma intensa e metódica a sua resposta, fazendo o que no início era espontâneo tornar-se cada vez 36 mais epistemológico. Antes de qualquer tentativa de técnicas, de materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache “repousado” no saber de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-conhecer.[...] O exercício da curiosidade a faz mais criticamente curiosa, mais metodicamente “perseguidora” do seu objeto. Quanto mais a curiosidade espontânea se intensifica, mas, sobretudo, se “rigoriza”, tanto mais epistemológica ela via se tornando.(FREIRE, 1996, p. 78) Além da curiosidade, que traz desafios para o estudante e os insere no movimento do pensamento autônomo; Freire afirma que é preciso também segurança, generosidade e competência profissional, sendo que a experiência discente do futuro professor implica na sua prática docente, ou seja, os estudantes dos cursos de licenciaturas devem se dedicar aos seus estudos, pois esses conhecimentos são necessários para os seus futuros alunos; que os docentes tenham competência profissional, conseguindo assim dominar o conteúdo, adaptando-o diante da necessidade da pluralidade em sala de aula, e elaborando metodologias que facilitem o ensino e a aprendizagem. A falta dessa competência profissional gera a insegurança, e tira a credibilidade da autoridade do professor, o que dificulta a relação entre educando e educador, pois essa autoridade promove disciplina e ressalta o valor da liberdade do estudante, sendo que este vai apossando-se da sua liberdade na medida em que suas ações vão se tornando cada vez mais éticas e responsáveis, ou seja, essa autoridade assegura a reflexão do homem sobre ele mesmo e sobre as suas ações, e isso só acontece quando o homem começa a conquistar a sua autonomia. Um esforço sempre presente à prática da autoridade coerentemente democrática é o que a torna quase escrava de um sonho fundamental: o de persuadir ou convencer a liberdade de que vá construindo consigo mesma, em si mesma, com materiais que, embora vindo de fora de si, reelaborados por ela, a sua autonomia. É com ela, a autonomia, penosamente construindo-se, que a liberdade ou preenchendo o “espaço'”antes “habitado” por sua dependência. Sua autonomia que se funda na responsabilidade vai sendo assumida. (FREIRE, 1996, p. 94) Essa autonomia acontece quando o professor, ao ensinar, também tem uma postura ética ao respeitar o estudante e respeitar a si mesmo, a sua profissão; pois esse respeito resulta no ensino dos conteúdos, juntamente com a formação de um cidadão, ao formar moralmente também; pois se nesse ponto houver dicotomia, o 37 espaço escolar deixa de ser educativo por excelência. A forma mais adequada para alcançar esse ensino, é o professor mostrar na sua prática, tudo aquilo que faz parte do seu discurso; sempre repensando essa práxis, como Freire(1996, p. 97) afirma ao dizer que “[...]o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente ‘lido’, interpretado, ‘escrito’ e ‘reescrito’”; de forma que o professor veja a sua profissão como um ato político, renegando a omissão, visto que a mesma é uma forma hipócrita de mostrar comodismo e medo de denunciar as injustiças; assim o professor deve mostrar na sua prática a ética, mostrando respeito aos outros; e jamais ser neutro, pois isso seria optar pelo opressor e pela opressão. Freire, no seu livro Pedagogia da Autonomia, deixa isso bem claro quando fala que a educação é uma forma de intervenção no mundo, visto que paralelamente ao ensino dos conteúdos as ideologias são transmitidas e desmascaradas; “Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudanças radicais na sociedade [...] quanto a que[ ...] pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta.”, e isso acontece porque o mundo é humano. As ideologias são transmitidas a favor da classe dominante que pretende ocultar a verdade, imobilizando assim o progresso, que quando é “exigido” pela elite, acontece apenas pela “metade”. É contra - ideológica quando o professor desperta os estudantes para um olhar crítico, refletindo e analisando a realidade, se opondo quando os interesses econômicos se sobrepõem aos humanos. Sendo assim a educação é dialética e contraditória; nunca neutra ou indiferente, por conseqüência o educador deve ser um ser de escolhas, que toma posição diante dos fatos, que decide entre isso ou aquilo, promovendo rupturas quando necessário. Esse posicionamento diante do colapso social implica no resgate da dignidade do ser educando, no respeito e na decência aos seres humanos, na autoridade do professor, na democracia que se opõe contra as ditaduras; na luta contra a miséria, contra o capitalismo selvagem, contra o preconceito, contra uma prática imobilizadora, contra o conformismo, e a favor da liberdade do estudante e da legitimação da importância da postura do educador. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou essa aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o ”desengano que me consome e imobiliza”. Sou professor a favor da 38 boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar. (FREIRE, 1996, p. 115-116) O professor que realmente objetiva a autonomia dos estudantes, percebe na decisão um ato de responsabilidade, e assim incentiva que os educandos vivenciem fatos que exijam atitude, escolha e responsabilidade, o que consolida a liberdade do aluno; o educador luta por um sonho solidário, esperançoso, igualitário, o qual liberdade e autoridade são inerentes uma a outra. Porém, para o exercício da liberdade, é necessário que o professor saiba escutar criticamente, mesmo que inicialmente o estudante só fale sobre suas dúvidas a partir de seus medos; percebendo que escutar não significa auto-anulação, pelo contrário, facilita o processo em ensino-aprendizagem; pois se o educador se apresentar como o detentor de todo conhecimento, se sentindo superior ao estudante, e por isso não o ouvindo; ele rompe um processo riquíssimo que é o da escuta, de aprender um com o outro, e do professor aprender a falar com o educando; sendo que quem fala de cima para baixo, fingindo-se ainda de democrático, está sendo autoritário, e está desconsiderando a formação integral do estudante. Os professores que agem assim ainda estão reduzindo a sua capacidade de dizer, por ter dito muito e pouco escutado, então quem tem muito a dizer tem que incentivar o que está escutando a respondê-lo, a falar também. É necessário lembrar que o silêncio é importante, pois ele não impede de questionar, de se opor, de se posicionar; visto que quando alguém fala e a outra pessoa está em silêncio, apenas ouvindo como sujeito, e não como meramente objeto, acompanha seu pensamento e se torna linguagem; assim, o que participou da comunicação ouvindo, consegue questionar, indagar, tirar conclusões, propiciando um diálogo. Através desse ato comunicativo, o professor pode aclarar o conhecimento, levando o estudante a participar do processo educativo como sujeito em aprendizagem, ao desencadear os conteúdos, desvelando-os, o que implicará numa superação contínua e conquistada pelo esforço de ambos, de superar o saber ingênuo pelo saber elaborado; mostrando ao estudante que ele mesmo ocasionou a sua forma crítica de inteligir o mundo, que ele é o autor da produção da sua inteligência, e não apenas um figurante, que apenas recebe as informações do 39 professor, que apenas o escuta sem questioná-lo, sem posicionar-se. O professor deve “[...]ajudá-lo a reconhecer-se como arquiteto de sua própria cognoscitiva.” como ressalta Freire (1996), mas para isso precisa sempre pensar o que é aprender, e o que fazer para o estudante aprender aqueles conteúdos; entre tantos outros fatores que incentivam essa aprendizagem através de uma prática pedagógica progressista. Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu saber de “experiência feito” que busco superar com ele. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e que faço. [...]É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à justiça, não é possível a prática pedagógica progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica (FREIRE, 1996, p. 108) Nesse trecho Freire fala que a educação está para além do ensino dos conteúdos; visto que o educador precisa agir de forma ética, para servir de testemunho para os seus educandos; mas essa ética precisa ser da solidariedade aberta ao ser humano, buscando resgatar a sua primazia, a sua valorização; pois na atualidade, vive-se a ética do mercado, a favor do lucro, em busca dos privilégios de uma minoria; diante da miséria, da exploração, do sacrifício da classe desfavorecida; visto que ao permitir que a liberdade de mercado esteja se sobrepondo à liberdade do ser humano, essa elite, que é uma minoria dentro da sociedade, vai anulando os direitos humanos, por estarem na Constituição e não se concretizarem na realidade, dificultando até mesmo a sobrevivência; sendo apenas ideológicos. Freire diz que o professor deve ter consciência que ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica, podendo, como já explicado anteriormente, repassar essa ideologia ou desmascará-la, mas para isso necessita perceber a força que a ideologia tem, onde ela se manifesta e como se manifesta; e contribuir para a extinção da crueldade conseqüente do modo de produção; através de um paradigma humanista, da palavra crítica, do discurso para uma ética a favor do ser humano, de 40 um mundo que ressalte os valores humanos; pois no mundo contemporâneo, tem se valorizado muito as máquinas, as ciências, a tecnologia e deixado de lado o que é próprio do ser humano, por vezes não se tem feito com que essas novas “tecnologias” ajudem o ser humano, pelo contrário, a maioria tem o objetivo de gerar lucros e aumentar cada vez mais esse abismo social, ao invés de ser uma resposta aos interesses essenciais da existência humana. Não precisa impedir as pesquisas, nem reduzir os avanços tecnológicos, mas pô-los a favor dos seres humanos, ou seja, romper com essa ideologia que engrandece o poder econômico, e esquece da compaixão pelos oprimidos. A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento do desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder [...]O progresso científico e tecnológico que não responde fundamentalmente aos interesses humanos, às necessidades de nossa existência, perdem, para mim, sua significação. (FREIRE, 1996, p. 147) Uma das condições para se chegar a esse ideal do professor contribuir para a ética é o diálogo. Ensinar exige diálogo, exige perceber que tem coisas que se sabe e algumas que não se sabe, então pode-se aprender mais sobre a que já tem conhecimento e aprender o que ainda não se sabia; ao mesmo tempo compartilhar essa experiência com alguém, porque é justamente isso que o diálogo promove. Ao dialogar o homem se percebe como ser em construção, como “processo constante de vir-a-ser”, e assim se dispõe a interagir com o outro e com o mundo, se compromete na perspectiva de buscar respostas às suas perguntas, soluções aos seus problemas, mesmo sabendo que as respostas podem ser mudadas, que elas não necessitam ser universais, pois dependendo da situação, do paradigma, as respostas mudam. Ao professor cabe abrir-se ao contexto social, econômico, geográfico e cultural dos estudantes; buscando uma aproximação de sua forma de estar no mundo, e uma adaptação a sua forma de ser; pois assim o discurso do professor será cheio de significação para os estudantes; e ele conseguirá manter um diálogo aberto com os mesmos, o que facilitará o ensino dos conteúdos e a reflexão sobre os mesmos. Freire, ao alfabetizar, tinha uma estratégia interessante, pois ele mostrava uma imagem de palavras que faziam parte da realidade dos educandos, para que 41 eles falassem o que era aquela imagem, e que significado tinha para eles. Depois começavam a pensar nas implicações que a “figura” que estava na imagem propunha, para então refletir sobre essas implicações. Assim, a leitura do mundo era anterior à leitura da palavra, e a codificação da palavra era repleta de sentido, pois a palavra que o alfabetizando aprendeu a escrever, fazia parte do seu cotidiano. Ele conseguia assim pensar e repensar sobre ela. Como mostra essa frase de Freire( 1996) “Não basta saber ler mecanicamente ‘Eva viu a uva’. É necessário compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir uvas e quem lucra com esse trabalho”. Ou seja, tão importante quanto codificar e decodificar a palavra, e formar as frases; é o letramento, ou seja, fazer uma relação da palavra com o seu significado no mundo, é pensar sobre essas palavras na sociedade, qual papel elas têm, que inferência se pode fazer através dela. Dessa forma as palavras não devem ser apenas decifradas, mas recriadas, cheias de vida, de significado, de reflexões que podem fazer dos homens seres mais conscientes. “É mais do que um método que alfabetiza, é uma ampla e profunda compreensão da educação que tem como cerne de suas preocupações a natureza política.” (A Voz da Esposa - A Trajetória de Paulo Freire). Essa idéia ainda fica mais clara no seguinte trecho da obra “O Importante Ato de Ler”, publicado em 1982: A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de ‘ler’ o mundo particular em que me movia (...), me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, recrio, e revivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a palavra. (FREIRE, 1982.) Sendo assim, essas palavras, ao serem refletidas, possibilitam a emancipação, pois a mediação do conhecimento feita pelo educador implica em todo trajeto para a emancipação do educando. Para Paulo Freire a educação como prática para a liberdade contribui para o aprendizado do estudante. Na sua obra denominada "Pedagogia do Oprimido", Paulo Freire alerta para a opressão vivida pela classe menos favorecida, em detrimento dos privilégios da classe dominante. Freire afirma que se deve usar como ponto de partida a experiência e a visão do oprimido, para superar essa situação de opressão. Freire alerta que ninguém educa ninguém e ninguém educa a si mesmo, pois a educação é um diálogo constante entre os homens e mulheres que vivem na sociedade. 42 Não, mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador- educando com educando. Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado, também educa. (FREIRE, 1978, p. 78,79 apud DUARTE, 2009). Através desse convívio dialético, educando e educador adquirem valores, pois a experiência e a mediação do conhecimento implicam no desenvolvimento de seres humanos éticos. Os indivíduos desejam uma sociedade onde predomine o respeito pelo próximo, uma sociedade sem oprimidos e consequentemente sem essa indiferença aos excluídos; e para isso a educação tem papel preponderante, pois ajuda o homem repensar sua atitude, sua sociedade, incitando a esperança na humanidade, mas para a educação cumprir seu papel social e ser ela uma prática emancipatória, necessita-se que os pais, a comunidade escolar e o Estado cumpram o seu papel, que é de assegurar condições dignas para o ensino, pois isso facilitará que as ações dos educandos signifiquem momentos de mudanças. Outro ponto fundamental para a escola exercer sua função social é aproximar os conteúdos trabalhados em sala de aula da realidade que os estudantes vivem, com uma visão interdisciplinar, que proporcione ao aluno uma formação integral, na medida em que ele desenvolve raciocínio, senso crítico, reflexão, entre muitas outras competências. A proposta de Paulo Freire é uma proposta de um modelo aberto à mudança, favorável ao desenvolvimento e aprendizagem que medie informação, ação e que ajude na formação, pois alerta para a necessidade do estudante “ler” a globalidade, logo, essa leitura permite dar novo significado a muitos dos problemas do vertiginoso mundo de hoje e com isso, traça novos caminhos para o diálogo entre estudantes e professores, que desdobra-se na formação integral do sujeito. O professor que atua se preocupando na formação integral do educando, exerce sua profissão de maneira sublime, já que se percebe como um agente de transformação, e vê o educando como um ser capaz de agir no mundo, transformálo e melhorá-lo, como afirma Paulo Freire: “Se respeitar a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.” (FREIRE, 1996, p 33.) Educando e educador devem ter uma relação coerente na medida em que facilitam até mesmo a participação em sala de aula; a afetividade é algo a ser valorizado por todos os docentes, como já alertava Paulo Freire (1996, p.102): 43 “Prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança[...]”. Sendo assim, observa-se que para Paulo Freire os estudantes precisam da contribuição do professor, que não deve se perceber como o “dono de todo saber”, objetivando transmitir esses conhecimentos para os alunos sem o menor interesse de despertar nesses educandos reflexões significativas, praticando assim, uma “educação bancária”. O professor deve estar aberto a novas ideias, e estar constantemente pesquisando, se qualificando, e percebendo-se como mediador do conhecimento, como apenas um dos sujeitos do processo educativo, pois assim o educando é valorizado, e este é capaz e deve construir conhecimento, da mesma forma que deve se “formar” no âmbito epistemológico e moral; tornar-se um ser ético que não cruza os braços diante das injustiças do mundo. Essa educação emancipatória não se limita apenas ao processo de alfabetização, mas aplica-se nas outras áreas do conhecimento; entre elas na filosofia; pois o professor dessa disciplina também deve exercer sua profissão de forma que contribua para a autonomia do estudante; para que o conteúdo seja significativo para o mesmo. É fundamental que o estudante instaure um modo próprio de pensar, percebendo na filosofia as questões que lhe são próprias, e que podem propiciar uma forma singular de falar, percebendo que a opressão fez dos alienados seres sem voz; pois esta negou a palavra, a plenitude da própria humanidade. A filosofia, por pensar a existência e problematizá-la, permite um diálogo do estudante com o filósofo, de forma que ele implique na assimilação de forma crítica, para que o educando perceba as suas peculiaridades, as suas questões que são próprias, e assim pensar os temas filosóficos a partir de si mesmos, não sendo apenas um mero receptor, como acontece na educação bancária. Dessa forma o estudante buscará possíveis respostas aos problemas inerentes ao seu contexto, já que as problematizações são posteriores aos problemas concretos; ou seja, o estudante observa a sua realidade e depois pensa de forma crítica sobre ela. Por pensar a sua própria realidade é que a filosofia é um dos instrumentos que o educando tem para fazer valer a sua voz; pois há um processo de conscientização para se desvencilhar, para romper com o processo de subordinação; e assim criar o homem novo, autêntico, que não permita que uma nova forma de dominação se instaure, pois a filosofia permite reinventar a existência humana, o que faz dela 44 possibilidade de emancipação. A educação transformadora é importante, pois se caracteriza por um processo de construção do sujeito enquanto individuo presente no contexto de mundo. Através da concepção que temos sobre educação transformadora, o educador se constrói a partir de seu compromisso, de sua visão ética e democrática de fazer educação. 45 - CAPÍTULO 3 – A PRÁXIS EMANCIPATÓRIA NO ENSINO DE FILOSOFIA Durante muito tempo tem se discutido sobre a inserção da filosofia no ensino médio; sendo que esta foi praticamente abolida das escolas na época do regime militar; o assunto encontrou ideias divergentes, como afirma Gallo (2011) pois alguns defendiam que a filosofia não deveria ser inclusa argumentando que não tinha quantidade suficiente de docentes qualificados para lecionar essa disciplina, enquanto outros apoiavam que ela fizesse parte das disciplinas do currículo do Ensino Médio, pois contribuía para a formação de seres críticos, capazes de perceber a sua realidade e modificá-la; e percebiam na filosofia um caráter interdisciplinar, o que poderia ajudar na interação entre todas as disciplinas; uma vez que ao tratar de vários temas, ressalta o que é fundamental na sua área, mas enfatizando a importância do mesmo assunto nas outras disciplinas. Segundo os PCN’s: A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários (BRASIL, 2002, p. 88-89) Vistos esses argumentos, no ano de 1996, os conhecimentos de filosofia e sociologia são propostos para o ensino médio, através da Lei n° 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação; mas sem a obrigatoriedade de serem disciplinas “autônomas”; aparecendo por vezes como conhecimento interdisciplinar que promovesse a cidadania. Em 2001 foi vetado o projeto de lei que tornava obrigatórias as disciplinas de Filosofia e Sociologia, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2003 fica a critério de cada Estado a obrigatoriedade das duas disciplinas, em 2007 a filosofia e a sociologia se tornam disciplinas 46 obrigatórias. Ou seja, foi através de lutas de pessoas que acreditavam na contribuição da filosofia para despertar os estudantes para a realidade, para fazê-los pensar, refletir sobre o contexto social, e assim agir como cidadãos conscientes e capazes de fazer história, como fica claro no projeto de Lei criado em 2003. [..]pois não há propriamente ofício filosófico (nem sociológico), sem sujeitos democráticos e não há como atuar no político e cultural, consolidar a democracia, quando se perde o direito de pensar, a capacidade de discernimento, o uso autônomo da razão. Quem pensa opõe resistência [...]A presença da filosofia e da sociologia no currículo poderá contribuir para a ressignificação da experiência do aluno, tanto de seu posicionamento e intervenção social, enquanto futuro construtor de processo histórico, como de leitura e olhar mais consistente sobre a realidade. Esses planos se entrelaçam e voltam-se ao sujeito de aprendizagem, podendo ampliar sua visão de mundo,enriquecer sua existência, renovar seus projetos, tecer sua sociabilidade, fazer sentir sua liberdade. ( KOHAN, 2004 p.261-262) Essas linhas da constituição demonstram claramente a importância da filosofia para os estudantes do Ensino Médio, pois como já alertava a concepção merleau-pontyana, a filosofia é olhar o mundo com olhos diferentes, sem se conformar apenas com as aparências, com o superficial, e sim investigá-lo; ou seja, ela é uma forma de reaprender a ver o mundo. E o estudante é um ser no mundo, que é capaz de praticar ações que transformem sua realidade, dessa forma, diante do contexto mundial, a filosofia é primordial, pois com seu papel social visando a reflexão da realidade; tem uma grande quantidade de conteúdos que propiciam essa reflexão, que haverá de se desdobrar nos âmbitos ético, político, estético e epistemológico. Os conteúdos significativos são problemas ou conceitos, que perpassaram toda a história da filosofia, e ao serem trabalhados de forma coerente desdobram em discussões que desencadeiam em ações transformadoras, que mudam a sociedade; mostrando a importância e a contribuição dos conteúdos abordados na filosofia. Dessa forma a disciplina de filosofia objetiva a formação integral do educando, para que ele esteja apto a atuar na sociedade, pois com uma mente aberta, buscará compreender a complexidade do mundo contemporâneo, não para se adaptar, mas para modificá-lo. A filosofia é um conhecimento que se “manifesta” por questionamentos e conceitos que articulam os conteúdos ao contexto sócio-histórico. Essa forma de pensar a realidade como um todo, e mutuamente perceber as suas particularidades, é garantida em grande parte pelo caráter indagador e conceitual da filosofia; pois como afirma Gallo (2006) ao relembrar o conceito de filosofia elaborado por Deleuze 47 e Guattari, a filosofia se distingue das outras matérias, pois para esses dois pensadores a filosofia cria conceitos, porém diferente das outras disciplinas, esses são constantemente repensados, não cessam, pois a filosofia trata de conceitos que envolvem problemas e por isso o conceito não pode ser algo determinado, fechado; pois a resolução desses problemas não acontece de forma direta, como Deleuze e Guattari afirmam que o conceito elaborado pela filosofia não é uma definição. A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos[...], o filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia mais rigorosamente é a disciplina que consiste em criar conceitos. (DELEUZE E GUATTARI, 1992,p. 10-13 apud GALLO, 2006) Sendo assim, a filosofia propõe um pensamento crítico e racional, que visa a realidade como ela é, e não como aparência, visto que ela questiona a realidade e a validade de todo conhecimento. Sendo assim o senso comum vai perdendo o papel que ocupa na sociedade alienada, rompendo com uma realidade de preconceito, intolerância, discriminação, dogmas, até então vistos como verídicos e indiscutíveis. Porém para que isso aconteça, os professores têm que se comprometer, e perceber o seu papel social, o que para muitos ainda é um desafio, pois é comum perceber que as aulas de filosofia em várias escolas têm se limitado apenas à história da filosofia. Os alunos decoram informações sobre determinados filósofos sem refletir sobre elas; o que consolida a “educação bancária”, que, segundo Paulo Freire, acontece quando o professor deposita conhecimentos nos estudantes, que irá guardá-los sem questionar; existindo a possibilidade que esse conhecimento também não tenha sido refletido pelo docente, ou seja, que o professor enquanto era estudante tenha assistido as aulas e feito leituras de textos de forma passiva, sem refletir sobre o conteúdo, sendo ele também um “arquivo”. Em lugar de comunicar –se o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos , meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção”bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem depósitos, guarda-lo e arquivá-los (FREIRE, 1996, P.58) Essa forma de educação consolida a opressão que as classes menos favorecidas têm sofrido, pois assim o espaço pedagógico torna-se uma instituição que favorece a ordem social vigente, já que transmite ideologias e não desperta a consciência crítica; como Paulo Freire afirma (2002, p. 63) que a educação bancária “é uma concepção que, implicando uma prática, somente pode interessar aos opressores, que estarão tão mais em paz, quanto mais adequados estejam ao 48 mundo”. Sendo assim é necessário perceber a educação como um ato político; e passar de uma educação bancária para uma educação crítica; que vise a emancipação e autonomia do estudante e mostre o abismo entre a classe dominante e a classe dominada, entre opressores e oprimidos, e pense ações que beneficiem a sociedade. Sendo assim, a docência é uma práxis para a transformação do mundo e nesse contexto o professor de filosofia tem papel preponderante para a emancipação do educando e do educador, pois os conteúdos são muito significativos e apelam para que o educando se veja como um processo contínuo de vir-a-ser, como um ser pluridimensional que está no mundo e aqui deve agir de forma ética e responsável; fazer escolhas que beneficiem a sociedade em que ele está inserido, e para isso deve desenvolver uma consciência crítica, para qual a filosofia contribui. É na inclusão do ser , que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram como inacabados. Não foi a educação que faz mulheres e homens educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou sua educabilidade. É também na inconclusão que nos tornamos conscientes e que nos inserta no movimento permanente de procura que se alicerça a esperança. “Não sou esperançoso”, disse certa vez, por pura teimosia , mas por exigência ontológica. “ (FREIRE, 2002, p. 64) As aulas de filosofia devem ser um exercício coletivo de pensamento critico entre estudantes e professores, visto que o professor deve iniciar um diálogo tão aberto com seus alunos que, de maneiras diferentes, favoreça e fortaleça o enriquecimento filosófico mútuo; criando as condições para que os alunos possam filosofar e essa deve ser uma espécie de ideia norteadora na atividade docente. Percebe-se que aula de filosofia é, antes de tudo, como um movimento que interroga, interpela e questiona. É também um movimento que provoca e perturba. Uma filosofia crítica que não apenas “administra” o dado, mas (re) pensa sobre ele, como afirma Freire “está convicta que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que os instiga, na esperança que desperta.” (FREIRE, 2002, p. 104) Porém, para que isso aconteça, o professor de filosofia deve considerar o espaço pedagógico como algo a ser repensado; assim, como afirma Paulo Freire (1996), quando alerta que o educador deve tornar-se um ser de escolhas, que toma 49 posição, que é a favor da docência e contra toda forma de opressão. Ser professor é praticar o poder de incentivar a libertação dos educandos, de ajudar-lhes a sair do senso comum, da manipulação, da alienação, para serem seres críticos, conscientes, capazes de fazer história. Encontra-se aí uma das funções do professor de filosofia do Ensino Médio, quando desperta o aluno para a percepção das formas perversas do preconceito, da repetição cômoda do cotidiano, das certezas definitivas e das verdades acabadas, enfim, da ação corrosiva da antifilosofia. A atitude do filosofar supõe a aquisição de instrumentos conceituais para transformar a experiência vivida numa experiência compreendida, seja examinando os pressupostos das ciências, da técnica, das artes, seja avaliando a ação do político, a proposta pedagógica de uma escola, as justificativas de um comportamento, quaisquer que sejam, enfim, os projetos humanos. (ARANHA, 2000, p. 117) Os conteúdos dialogados em sala devem ser direcionados para a formação do estudante como cidadão crítico; para a formação de um sujeito ativo, capaz de atuar no mundo e buscar melhorias para a sociedade. O professor deve mostrar para os estudantes a necessidade de olhar para a realidade de uma forma diferente, percebendo os problemas sociais, as “grandes engrenagens da sociedade”; e pensando propostas para propiciar a liberdade dos oprimidos, e até mesmo um dia superar essa realidade gritante. Para isso, o professor deve propor uma ética da alteridade, pensar no outro como outro, querer bem para o outro e contribuir para isso, não fazendo distinção de classe social, gênero ou etnia, e sim respeitando as diferenças, ouvindo e valorizando todos eles; o que ajuda o oprimido a resgatar a sua dignidade; pois muitos dos adolescentes são egocêntricos e se limitam a pensar apenas no seu bem estar. Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes sem o que a escuta não se pode dar. Se discrimino o menino ou menina pobre, a menino ou o menino negro, o menino índio, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa, a operária, não posso evidentemente escutá-las e não as escuto, não posso falar com eles, mas a eles, de cima para baixo. Sobretudo me proíbo entendê-los. Se me sinto superior ao diferente, não importa quem seja, recuso-me escutá-lo ou escutá-la. (FREIRE, 2002, p.136) Sendo assim, o professor consegue mediar conhecimento; levar os estudantes a fazerem reflexões filosóficas a partir da realidade que eles vivem. Mas para que isso aconteça as aulas de filosofia não podem se limitar ao que a concepção nietzscheana denomina como ensino “enciclopédico” de filosofia, ou seja, aquele ensino no qual os alunos perto da prova aprendiam mecanicamente as correntes filosóficas, suas principais características, e as críticas a essas correntes, 50 e após fazê-lo acabam por esquecê-las. É evidente que é necessário estudar a história da filosofia, mas não se pode limitar apenas a isso, pois se assim for, a filosofia só será mais uma disciplina conteudista. É necessário se pensar nos problemas que a filosofia propõe, nos temas que ela trata, destacando a possibilidade de percebê-los dentro do tempo, da história; pois essa proposta de ensino faz da filosofia uma atividade, já que pensando problemas que são inerentes à existência humana, se aproxima o currículo da disciplina ao cotidiano dos estudantes. É justamente o que Freire propõe, ao dizer que antes de começar os assuntos se deve dialogar com os estudantes, saber quais são as questões que os intrigam; como é o vocabulário deles, a sua realidade, já que na aula o professor pode apresentar filósofos que abordaram os temas que os estudantes problematizaram, para que estes, ao estudar, consigam dialogar com o pensador, concordando ou discordando; mas elaborando um conceito que é próprio do estudante; uma concepção elaborada que para ele faz sentido e é válida. A articulação de problemas tipicamente filosóficos com questões emergentes da experiência ( individual, social, histórica) depende diretamente da maneira como o professor pensa a situação cultural, em especial de sua habilidade para captar o imaginário dos alunos. Os valores, crenças, justificações, teorizações; os “eu sei que”, liberados em conversas, discussões. Redações, podem sempre permitir o acesso a problemas filosóficos, sem imprimir a inabilidade teórica ou a manifestação emocional dos alunos. (FAVARETTO, 1996, p. 78) Essas questões, principalmente em relação ao vocabulário, implicam diretamente em pontos levantados por Schopenhauer (2001) na obra, Sobre a Filosofia Universitária, pois ao falar de Hegel e Schelling, ele critica esse dois pensadores, afirmando que tratam do conhecimento esotérico, um dos motivos que dificultam a compreensão de algumas filosofias, visto que a intenção é que poucos entendam, só alguns iniciados, uma elite do pensamento. Porém quando fala de se libertar das ideologias, do poder exercido pelo Estado, é necessário que se use um conhecimento exotérico, uma linguagem comunal, para que assim mais pessoas tenham acesso ao conhecimento, pois ao ler um texto de filosofia ou participar de uma aula, o estudante perceberá seu rigor conceitual, mas compreenderá as ideias de um determinado filósofo, e isso por conseqüência implicará no gnosticismo, ou seja, que o sujeito terá acesso ao conhecimento, e esse conhecimento emancipará e gerará transformações na realidade, pois o homem já não será manipulado. 51 3.1 A DOCÊNCIA EM FILOSOFIA SOB A CONCEPÇÃO FREIRIANA É imperativo que os professores de filosofia estejam preparados para educar pela pesquisa, e essa deve ser uma educação centrada no aluno, contribuindo para que este questione a realidade, e se transforme em um sujeito ativo, capaz de desenvolver raciocínio, reflexão e senso crítico, que produza conhecimento através da curiosidade, da investigação e da descoberta, pois só assim a escola propiciará o desenvolvimento de habilidades e competências nos educandos de forma a incluílos no mercado de trabalho e prosseguir estudos e prepará-los para a vida, principalmente para que se percebam como cidadãos capazes de atuar no mundo para assim modificar a sua sociedade, como já afirmava Severino (2.000, p.13), se referindo ao ensino de filosofia no Ensino Médio “[...] impõe-se insistir em que o compromisso fundamental é com a construção da cidadania, entendida como uma forma adequada de existência no âmbito da pólis, adequada porque realizando uma necessária qualidade de vida, que o próprio conhecimento lhe permite configurar historicamente." Para isso, o professor precisa aspirar os quatro pilares da educação previstas por Jacques Delors (2001): : De acordo com Delors (2001), a educação deve organizar-se em torno de quatro pilares ou aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada ser humano os pilares do conhecimento, sendo eles - aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. APRENDER A CONHECER: É o tipo de aprendizagem que tem o objetivo de dominar os próprios instrumentos do conhecimento e pode ser considerado um meio e uma finalidade da vida humana. [...] APRENDER A FAZER: Esse tipo de aprendizagem está mais relacionado à formação profissional, à aplicabilidade do conhecimento – ensinar o discente a colocar em prática os seus conhecimentos e a adaptar a educação ao trabalho futuro, independentemente de como será esse trabalho. APRENDER A VIVER JUNTOS, APRENDER A VIVER COM OS OUTROS: Para que esse tipo de aprendizagem se efetive, faz-se necessário utilizar duas vias que se complementam – a descoberta progressiva do outro e a participação em projetos comuns envolvendo docentes e discentes. O desenvolvimento de atividades grupais, de trabalhos seguidos de intervenção e contribuição na comunidade, de observações e reflexões coletivas conduzidas pelos docentes, possibilitam a prática colaborativa, solidária e humanitária. APRENDER A SER: A grande contribuição da educação deverá ser para o desenvolvimento total, pleno da pessoa – espírito, mente, corpo, inteligência, sentido estético, espiritualidade, sensibilidade, responsabilidade pessoal. Todo e qualquer ser humano deve ser preparado para pensar com autonomia e para ser crítico o suficiente, capaz de elaborar seu próprio juízo de valor e poder tomar decisões por si mesmo nas mais diversas circunstâncias da vida. (CERQUEIRA, 2004, p. 1). 52 E nesse aspecto a filosofia é fundamental para a formação desses adolescentes, pois os estudantes precisam ser educados "para a vida"; precisam aprender a pensar, a refletir sobre a realidade. Só teremos seres humanos que propagam a ética da solidariedade, e contribuem para a libertação de outras pessoas, se esses se emanciparem através do conhecimento, se forem autônomos, capazes de construir conhecimento, pensar e agir segundo os seus ideais, se conseguirem desmascarar as meias-verdades nos discursos apresentados pela classe dominante, se tirarem os véus que encobrem a realidade, se perceberem as ideologias predominantes impostas pelas instituições, pois se os estudantes apenas repetirem o que outros falaram, se apenas aceitarem determinadas ideias sem pesquisá-las, sem pensar sobre elas, a nossa realidade permanecerá a mesma, cheia de "sintomas sociais", de injustiças, de pessoas que não reivindicam por melhorias, e viverão os mesmos caos em vários aspectos da sociedade, como se vive hoje. É necessária uma mudança de paradigma que será advinda da educação e principalmente através da filosofia; mas de uma filosofia que permita reflexões acerca da existência humana no contexto social e histórico; que rompa com a filosofia morta que não transcende os livros didáticos, e sim a filosofia em que os alunos conseguem perceber a realidade. O professor tem o desafio de aplicar os conceitos tratados há tantos anos, e mostrar como eles coincidem com aspectos da sociedade, do cotidiano dos estudantes, cumprindo assim, seu dever de emancipar o homem, como afirma Freire (1996, p. 70): “A capacidade de aprender, não apenas para nos adaptar, mas, sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, fala de nossa educabilidade a um nível distinto do nível do adestramento dos outros animais ou do cultivo das plantas.” Sendo assim a grande estratégia do professor de filosofia hoje é agir de forma coerente, contribuindo para que o educando esteja apto a fazer escolhas, decidir, lutar e fazer política de forma consciente, pois atuando assim, poderá ter esperança que a sua realidade mude. O educador deve objetivar que esse educando, apesar de condicionado e influenciado pela cultura, pela mídia e pelos aspectos sociais, possa ir além das aparências da realidade, e agir para que essa realidade seja transformada. ”Minha presença no mundo não é a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história”.( FREIRE 1996, p. 53). Dessa forma, Freire afirma que o professor de filosofia deve 53 ser sujeito do processo educativo, pois assim, ampliará a sua capacidade de aprender e ensinar; e contribuirá para a formação de cidadãos. Cabe, então, especificamente à filosofia a capacidade de análise, de reconstrução racional e crítica, a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos quanto textos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensável para o exercício da cidadania. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006, p.27) Nesse aspecto o professor de filosofia tem papel primordial, pois esta é uma disciplina que questiona a realidade, que busca conhecimento, e pensa e repensa como ser um sujeito crítico, capaz de analisar, de buscar as raízes, de questionar tudo que está ao seu redor e investigar, para assim ter um conhecimento com uma base precisa e sistemática. Dessa forma o docente necessita compreender as aulas de filosofia como um espaço privilegiado para suscitar discussões e reflexões, e se perceber como “fonte” desse processo emancipatório, tornando-se um educador libertador; negando assim a pedagogia da elite nacional. Não é suficiente mostrar o abismo entre a classe dominante e a classe menos favorecida, entre opressores e oprimidos, mas sim pensar ações que amenizem a desigualdade social, e sendo a escola um espaço educativo por excelência, é um lugar ideal para a libertação cultural dos estudantes, como fica claro nos PCN`s (BRASIL, 2OOO, p. 18): “Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizadas de tal forma que ao final do ensino médio o educando e demonstre: [...] domínio dos conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício de cidadania”. Para que se forme cidadãos o professor há de trabalhar os conteúdos de forma contextualizada, para que os estudantes os percebam na sua realidade e promovam uma formação de seres capazes de pensar por si próprios, pois o professor precisa apresentar-se como um co-autor do processo de aprendizagem, valorizando a formação de cidadão. O professor deve atuar se preocupando com a formação integral do educando e exerce sua profissão de maneira sublime, se perceber como um agente de transformação, e ver o educando como um ser capaz de agir no mundo, transformá-lo e melhorá-lo, como afirma Paulo Freire: “Se respeitar a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.” (FREIRE, 1996, p 33.) 54 Para o professor realmente contribuir com o estudante, ele deve reconhecer sua ignorância, perceber que aprende com o estudante e que não é o “dono de todo saber”. O educador não deve mediar conhecimento para os alunos sem o menor interesse de despertar nesses reflexões significativas, praticando assim, uma “educação bancária”. O professor precisa estar aberto a novas ideias, e estar constantemente pesquisando, se qualificando, e se percebendo como mediador do conhecimento, como apenas um dos sujeitos do processo educativo, pois assim o educando é valorizado, e este é capaz e deve construir conhecimento, da mesma forma que deve se “formar” no âmbito epistemológico como no moral; tornar-se um ser ético que não cruza os braços diante das injustiças do mundo. O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente a sua sintaxe e a sua prosódia, o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que o manda “que se ponha no seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de ser dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de está respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência. (FREIRE, 2002, p. 66.) O docente também não deve cruzar os braços diante dos problemas sociais, ele deve lutar pelos direitos dele e do educando. Também é indispensável ao professor a amorosidade. O educador deve fazer bem seu trabalho e, para isso, deve gostar de educar, não deve fazer do seu trabalho um “bico”, nem exercê-lo como prática efetiva de tias e tios. Exercendo seu trabalho com qualidade, deve incentivar a apreensão da realidade, para que a capacidade de aprender não seja apenas para se adaptar à realidade, mas sim para transformá-la, recriando-a. Dessa forma Paulo Freire propõe a educação como uma práxis emancipatória, e esta principalmente no processo em ensino-aprendizagem de filosofia, é relevante e deve ser retomada sempre, para que os estudantes tenham professores que busquem uma educação transformadora; e conscientizem toda a comunidade escolar para interagir com o professor objetivando esse mesmo fim, pois assim todos passarão para os alunos confiança e isso contribuirá para a formação de um sujeito crítico e ativo. A filosofia como uma disciplina que norteie o caráter crítico; que faz pensar e refletir sobre a realidade que o cerca; que faz o estudante se perceber como responsável pelo resgate da sua humanidade e de outros oprimidos e dos opressores; então é viável perceber a aula de filosofia como um terreno fértil para a educação como prática para a liberdade e para a formação 55 de seres críticos; pois professores e alunos aprenderão um com o outro, e assim recusarão a política de servidão [...]o educador já não é mais aquele que educa, mas o que, enquanto educa, é educado. Ambos assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem. E para ser autoridade, funcionalmente, é necessário está a favor da liberdade e não contra a mesma. E ninguém educa ninguém e tão pouco educa a si próprio: os homens educam em comunhão mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognoscíveis que, na prática bancária, são possuídos pelo educador que os descreve e ou os deposita nos educandos passivos. (FREIRE, 1996, p. 68) Sendo assim, se o professor consegue ter uma relação harmônica com os estudantes, mostrando que a educação é um processo de construção e desconstrução de conhecimento, que não é algo dado, mas algo que se vai conquistando na medida que os sujeitos do processo de conhecimentos interagem entre eles e com o mundo; ele e o educando constroem conhecimento juntos, aprendem e se libertam mutuamente. Freire (1981, p. 53) já alertava que “Ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”. Através desse pensamento percebemos o quanto a filosofia, que é uma disciplina complexa, se torna interessante para os estudantes, pois eles se sentem valorizados e percebem que a sua forma de pensar; que o seu ponto de vista, desde que fundamentado, é valorizado. Entre tantas disciplinas com resultados exatos, com aprendizagens baseadas em fórmulas; a filosofia se beneficia, pois leva a refletir e dialogar criticamente, proporcionando assim que educando e educador produzam conhecimento de forma autônoma, já que a filosofia é uma disciplina flexível, pois educando e educador devem saber o que cada filósofo pensava, porém pode manter um diálogo com ele, apresentando os estudantes seus argumentos, posicionando-se criticamente diante do pensamento apresentado nas aulas, ou seja, para esse processo de busca de conhecimento legítimo, é necessária a interação do aluno com o mundo e com o professor, que será um instrumento para o aluno chegar ao conhecimento elaborado, ao filosofar. Para isso ele precisa de uma formação coerente que desperte para a investigação filosófica, que não se limite ao espaço escolar, mas a tudo que implica na existência humana. Se assim for, o professor de filosofia será um filósofo educador que contribui para a humanização dos seus alunos. Isso revela a 56 importância da formação desses profissionais, para que desde a graduação se conscientizem que eles, ao lecionarem estarão participando da formação de um ser humano, pois o lugar de trabalho é um espaço privilegiado, e por isso ele precisa perceber que os estudantes são atores sociais, pois como explica Paulo Freire que se a educação sozinha não muda a sociedade, sem ela tampouco, a sociedade é transformada, ou seja, ao interagir com os estudantes, o professor está lidando com quem representa o futuro da sociedade, os agentes de mudança social. Como ressalta Beninca (1996), ao dizer que é necessário conscientizar os docentes para que estes partindo da filosofia espontânea mostre o "caminho" para os seus alunos, que irão se libertar do senso comum. A filosofia espontânea é compreendida como uma forma de perceber o mundo a partir da própria realidade, visto os fenômenos que acontecem no mundo, o que faz ela não ser ensinada, mas "vivida". Dessa forma é necessária a investigação filosófica por parte do educando e a elaboração de uma metodologia por parte do docente, que leve os estudantes a filosofar; pois o educador tem a possibilidade de contribuir para a formação de senso crítico dessas pessoas , já que, para o "fazer filosófico", um professor de filosofia é a ponte para que os alunos cheguem à filosofia; filosofia que leve à reflexão do todo, ou seja, o professor ensina a filosofar, pois assim se pensa sistematicamente sobre os "saberes" decorrentes da própria vida cotidiana, e sobre os saberes que os alunos apreenderam pelos sentidos. Mas para isso o professor deve despertar no aluno essa vontade de perguntar, de questionar o que já sabe, pois muitos se conformam com esse "conhecimento comum"; rejeitando assim a dor de contemplar somente o conhecimento. Segundo Freire, a educação nem é neutra nem indiferente, pois ela é uma forma de intervenção no mundo, que além dos conteúdos, também reproduz ideologias dominantes ou a desmascara. Schopenhauer(2001) fala do perigo da filosofia que reproduz ideologias, que segundo ele tem vendido mitologia por filosofia, tanto que para esse filósofo alguns professores de filosofia não comprometidos com o ensino - aprendizagem se esforçam para que a “filosofia seja ensinada” da forma que eles desejam e para isso chegam até mesmo a falseá-la, o que implica num processo de descrença da filosofia; quanto na verdade o certo é a filosofia não sofrer influência do Estado. 57 O professor de filosofia deve se preocupar com a verdade, com a honestidade no ensino e no pensar, sendo assim não se pode transmitir as meias verdades que mascaradas de filosofia favorecem a elite; como aconteceu de forma mais clara quando as escolas passavam pela fase da Teoria da Escola como Aparelho Ideológico do Estado, ou seja, quando a escola passava de forma evidente as ideias da classe dominante, e essa classe almejava e ainda almeja reproduzir seus valores para as outras classes, nessa fase a escola passa as ideologias, que é um instrumento que controla, para deixar a população submissa. Muitas escolas ainda passam essas ideologias atualmente, mesmo com o discurso dos teóricos da educação que afirma encontrar-se na fase da Escola Crítica Social dos Conteúdos, porém só se concretizará de fato essa fase quando o professor conseguir mediar conhecimento, motivar a cooperação, a solidariedade, o trabalho em equipe, a valorização do próximo; pois ele é fundamental para o processo em ensino-aprendizagem, principalmente quando se trata de filosofia. [...] de que capacidade se está falando quando se trata de ensinar Filosofia no ensino médio?[...] Trata-se da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento crítico, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição de procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, de saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento. De forma um tanto sumária, pode-se afirmar que se trata tanto de competências comunicativas, que parecem solicitar da filosofia um afinamento do uso argumentativo da linguagem, para o qual podem contribuir conteúdos lógicos próprios da Filosofia, quanto de competência, digamos, cívicas, que podem fixar-se igualmente à luz dos conteúdos filosóficos, (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2006, p. 30) O professor deve esclarecer os alunos fazendo-os refletir sobre a realidade, tendo autonomia, sendo autor do processo em ensino-aprendizagem. Dessa forma o filósofo deve buscar a verdade, buscar soluções de problemas que constituem os seres no mundo. 3.2 O ENSINO EMANCIPATÓRIO DE FILOSOFIA NO CENTRO DE ENSINO MÉDIO 417- SANTA MARIA Paulo Freire destaca que o educador deve estar comprometido em guiar a educação como prática da liberdade, do diálogo e ação do indivíduo. E os professores de filosofia se destacam nessa perspectiva, pois estes têm como a motivação da sua disciplina observar a realidade, para questionar, fazer inferências e buscar ações para modificá-la, pois quem se dedica à filosofia não se conforma, não vê apenas as aparências, mas busca enxergar a essência de tudo; pois como 58 disse Merleau-Ponty(1945), o filósofo vê o mundo com olhos diferentes, percebe o mundo de uma forma que pessoas que não se entregaram à aventura da filosofia, jamais veriam. Ideia compreendida por vários pensadores, como Nietzsche(1886) que percebia o filósofo como aquele que enxerga, que imagina, que sente e faz coisas extraordinárias. Porém aqui especialmente podemos destacar o pensamento de Karl Marx, que diz que os filósofos durante muito tempo se limitaram em compreender a realidade, mas é o momento de transformá-la e é isso que Paulo Freire propõe através da prática libertadora, uma transformação da sociedade vigente através da educação. Essa proposta de Freire da educação libertadora, a favor da autonomia do estudante, da libertação dos agentes da educação; foi observada no Centro de Ensino Médio 417 – Santa Maria; que encontra-se em zona urbana, e atende alunos da cidade e setor de chácaras. A pesquisa foi feita através de observações das aulas e questionários aplicados a 100 estudantes dos terceiros anos; sendo eles dos turnos vespertino e noturno. Todos os alunos que responderam às perguntas, têm como professor Sebastião Milhomens que é graduado em filosofia pelo Centro de Ensino Superior do Brasil- CESB, e pós- graduado pela Universidade Católica de Brasília; é professor há dezenove anos e a seis, atua na área de filosofia. No momento, ministra aula para a primeira, segunda e terceira séries do Ensino Médio, em quinze turmas, distribuídas no turno vespertino e noturno, e possui dez horas semanais divididas em três dias dedicadas à coordenação, sendo que em dois dias, coordena todos os professores do turno, e um dia a coordenação é por área de conhecimento. As aulas do professor foram observadas durante duas semanas, totalizando 20 horas; e constatou-se que através dos procedimentos do docente, da sua postura enquanto educador, ele se preocupava com a emancipação dos estudantes; promove o que Paulo Freire chama de educação transformadora, o que fica claro nas respostas dos estudantes ao questionário; e nas palavras do próprio professor, ao falar sobre o ensino público. O professor falou da grande dificuldade de lecionar em escolas públicas, porém, enfatizou que o seu compromisso é com esses alunos de classes populares, pois sabe que através da educação, ele pode contribuir para que aos poucos os problemas sociais enfrentados por eles sejam superados e, ao mesmo tempo, ampliar a possibilidade de buscarem um futuro melhor, dando o seu próprio exemplo. Afirmou que os jovens encontrados ali, são alunos que na sua 59 maioria tem consciência de que só irão conseguir melhorar as suas condições de vida com muito interesse e bom desempenho, e é isso que lhe agrada e lhe dá força para continuar lutando com eles e por eles. O professor se utiliza de textos de apoio nas aulas, principalmente capítulos do livro “Fundamentos da filosofia: História e Grandes temas” redigido por Gilberto Contrim e dos livros sugeridos pelo Programa de avaliação seriada - PAS. O livro didático apresenta os grande temas da filosofia, fazendo os estudantes repensarem e trabalharem problemas mais próximos do seu cotidiano, ao mesmo tempo em que procura apresentar a história da filosofia, valorizando os conceitos, e problematizando os conteúdos. E nesse contexto, os professores inserem o nome dos filósofos que retrataram o seguinte tema, seguindo uma seqüência histórica entre eles. Durante a aula, o professor pede para os estudantes fazerem a leitura dos textos e a partir dessas leituras discutam. O professor utiliza exemplos que facilitam a compreensão, e propicia a participação dos alunos, já que, há momentos que ele pergunta individualmente. A partir da resposta do estudante o professor promove um diálogo entre toda a classe. [..]Não é possível fazer filosofia sem recorrer a sua própria história. Dizer que se pode ensinar filosofia apenas pedindo que os alunos pensem e reflitam sobre os problemas que afligem ou que mais preocupam o homem moderno sem oferecer-lhes a base teórica para o aprofundamento e a compreensão de tais problemas e sem recorrer à base histórica da reflexão em tais questões é o mesmo que numa aula de Física pedir que os alunos descubram por si mesmos a fórmula da lei de gravitação sem estudar Física, esquecendo-se de todas as conquistas anteriores naquele tempo, esquecendo-se do esforço e do trabalho monumental de Newton. (Ministério do Trabalho, 2006, p. 27 apud SILVEIRA, p. 142) O professor, ao dialogar, valoriza os saberes que os estudantes trazem da sociedade, mesmo que seja, para através da reflexão, desconstruí-los; ele não utiliza da metodologia tradicional de ensino, onde o professor aparece como o detentor de todo conhecimento. A filosofia, nas aulas do professor observado, é significativa e agrada os estudantes, tanto que 91% dos alunos que responderam ao questionário, disseram que a filosofia é uma disciplina necessária, exatamente por desenvolver consciência crítica e por abordar temas que são inerentes à existência humana. Durante as observações, ficava claro que essas aulas eram um exercício coletivo de pensamento critico entre estudantes e professor, visto que o este dava inicio a um diálogo tão aberto com seus alunos que, de maneiras diferentes, favorecia e fortalecia o enriquecimento filosófico mútuo. Ele criou as condições para 60 que os alunos pudessem filosofar e isso se constitui no eixo norteador de sua atividade docente. Marilena Chauí afirma que uma das implicações da filosofia é não se conformar, não aceitar tudo que é transmitido sem pesquisar, sem refletir sobre. “A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, os valores de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-las sem antes haver investigado” ( CHAUÍ, 2000 p.75). Esse é um ponto levantado pelos estudantes no questionário, pois eles percebem na conduta do professor Sebastião, uma intenção de formação integral do sujeito, fazendo o seu trabalho de forma planejada, e respeitando a pluralidade cultural, intelectual e financeira apresentada na turma. No questionário aplicado, 91% dos estudantes disseram que a filosofia é uma disciplina necessária, e três deles justificaram da seguinte forma: Aluna do 3° K: “pois com ela (filosofia) revemos os conceitos que na verdade podem até já serem vistos, mas não refletidos” (SIC); aluno do 3° M: “ sim, porque a filosofia nos ensina a ter um pensamento crítico e a formar nossas próprias opiniões”; aluna do 3° M: “sim, pois aprendemos bastante sobre assuntos que nos interessam, apesar de muitos fatos terem ocorrido há muito tempo, são muito parecidos com os de hoje” Dos 100 estudantes, 84% perceberam alguma transformação na vida, nos pensamentos, e nos seus ideais que são inerente as aulas de filosofia. Desses 84% , 81% dos estudantes citaram mudanças relacionadas à política, que também foi escolhido por 83% dos estudantes como o tema mais interessante estudado em filosofia, acompanhado de 7% de existencialismo e 4% de religiosidade, entre outros. Uma aluna do 3° L escreveu: “sim, eu estou com a mente aberta, antes eu praticamente me baseava no senso comum”, e outra escreveu: “ a filosofia abriu meus olhos ao ponto de analisar certas coisas, como o governo de um político”; um garoto do 3° M “sim, principalmente nos modos de falar, agir, observar e principalmente pensar”. Da mesma forma, quando foi questionado se a filosofia tinha aplicabilidade na realidade, 91% responderam que sim. E mais uma vez a porcentagem favorecendo o tema de política foi intensa. Aluna do 3° N: “sim, política foi um importante tema abordado, nele aprendemos que políticos não são apenas “políticos”, e sim pessoas que irão nos representar, representar nosso Estado. Diante dessas repostas, constata-se que a filosofia é fundamental para a formação desses adolescentes, pois os estudantes precisam ser educados para 61 atuar no mercado de trabalho e precisam aprender a pensar, a refletir sobre a realidade; sendo esse um dos objetivos encontrados nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, que cita o Artigo 2° da Lei n° 9.394/96 salienta a tarefa geral da filosofia como “ pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania, e sua qualificação para o trabalho”. Dessa forma o estudante não apenas assimila o conteúdo, mas tem uma relação com o conhecimento, que ocorre através da interação do estudante com o professor, com o mundo, com os outros estudantes; o que faz o conteúdo significativo, pois se torna uma construção onde ambos são sujeitos do seu próprio processo em ensino-aprendizagem. Nesse sentido as aulas de filosofia no Centro de Ensino Médio 417, fornecem instrumentos e apresentam perspectivas que desdobram-se na possibilidade dos estudantes interagirem, correlacionarem os conteúdos com a realidade e se posicionarem diante do que lhe é apresentado, como apontam as Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Há, com isso, uma importante mudança no foco da educação para o aluno, que, tomando como ponto de partida a sua formação ou em termos mais amplos a constituição de si, deve posicionar-se diante dos conhecimentos que lhe são apresentados, estabelecendo uma ativa relação com eles e não somente apreendendo conteúdos. A Filosofia cumpre, afinal, um papel formador, uma vez que articula noções de modo bem mais duradouro que outros saberes [...] Por consequinte, ela não pode ser um conjunto sem sentido de opiniões, um sem número de sistemas desconexos a serem guardados na cabeça do aluno que acabe por desencorajá-lo de ter idéias próprias. Os conhecimentos de Filosofia devem ser para ele vivos e adquiridos como apoio para a vida, pois do contrário dificilmente teriam sentido para um jovem nessa fase de formação. (Ministério da Educação, 2006, p. 28) Sendo assim, fica claro através da pesquisa de campo feita na escola, que as aulas lecionadas pelo professor Sebastião no C.E.M 417, correspondem às ideias de Paulo Freire, pois esse docente se preocupa com o resgate dos valores humanos dos estudantes; incentivando-os a agirem de forma ética, contribuindo para promover a responsabilidade diante do outro. Além disso, as aulas revelam que um dos instrumentos que contribui para a transformação da sociedade é a educação que anseia a libertação; que seja favorável à autonomia do estudante, que o faça perceber como agente social, capaz de modificar a sociedade e escrever sua própria história. 62 CONCLUSÃO Refletir sobre os aspectos filosóficos das obras de Paulo Freire incentiva os educadores a trazer uma visão de mundo que seja transformadora, visto que a emancipação na perspectiva de Paulo Freire é um processo dialético, pois professores e alunos aprendem e se libertam mutuamente. Freire outorgou o dever para com uma educação progressista, crítica, filosoficamente aberta, sem regras fixas, que busca a liberdade e o resgate do ser humano, no seu contexto, na sua realidade, objetivando melhorias sociais. O pensador afirma que como presença no mundo, o educador deve contribuir para a assunção crítica do estranhamento contra a passividade, para que se tenham atitudes que mostrem indignação diante de todos os problemas que a classe menos favorecida tem sofrido. O ser humano é inacabado, por isso precisa inserir-se num processo que é permanente, de busca, na vocação de ser mais cidadão, mais justo, mais humano; como esclarece Freire (2004, p.70) “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também na negação do mundo como uma realidade ausente dos homens”. A visão de Freire, da educação como prática para a liberdade, é completamente coerente e necessária diante do contexto brasileiro; pois o Brasil é um país onde a classe popular sofre pressão da elite que é considerada por ela como desprezível, o que consolida a estrutura social como pirâmide; reafirmando a necessidade da existência de uma classe desfavorecida. A classe dos opressores obviamente querendo que permaneça a ordem social vigente, vai silenciando os membros da classe popular, para impedi-los de juntar forças e lutarem para conquistar os seus direitos. 63 A educação na perspectiva de Freire e observada no C.E.M 417, vem se opondo à consolidação do status quo, à cultura do silêncio, visto que objetiva que a classe oprimida emerja e perceba a forma que as elites a consideram; propiciando assim uma resposta ativa e agressiva para essa situação. Sendo assim os oprimidos necessitam de uma educação que proporcione a mudança da transitividade ingênua à transitividade crítica, como fica claro no seguinte trecho da obra Educação como Prática da Liberdade. Uma educação que possibilite ao homem a discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que, conscientes deles, ganhasse a força e a coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constante revisões. A análise crítica de seus “achados”. A uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e processos científicos. (FREIRE, 1981, p. 89, 90) Os líderes brasileiros falam muito em mudanças, mas é impossível pensar em uma sociedade em fase de mudança em que a educação implique atitudes acomodadas, pelo contrário, a educação deve ser uma tomada de consciência, deve ser usada criticamente; pois assim vem contrapor a massificação, a opressão sofrida pela classe popular; vem romper com a postura ingênua perante a realidade, possibilitar a massa a optar, a desenvolver a democracia. Isso porque a educação desdobra-se na participação dos estudantes nos debates, na problematização da situação que eles vivem, ou seja, implica na verdadeira participação. Uma das bases dessa participação é a teoria, que em nada se identifica com a verbosidade; pois a teoria na perspectiva de Freire promove a ação; que gera a educação como permanente tentativa de mudança de postura; da passagem de homem objeto a homem sujeito; a passagem da comodidade à participação ,cumprindo a educação seu papel social. Sendo assim a função social da escola transcende a educação mecânica; pois é necessária a ruptura com a inexperiência democrática, ou seja, o educador deve mediar conhecimento, mas também conscientizar, levar ao hábito da pesquisa, da verificação do conhecimento; o que favorece a consciência crítica, que é necessária para a libertação, como afirma Freire(1981) “Quanto menos criticidade em nós , tanto mais ingenuamente tratamos os problemas e discutimos superficialmente os assuntos” A educação transformadora se opõe à escola reprodutora de ideologias, que 64 se preocupa apenas com a verbalidade, com as palavras ocas que inculcam cada vez mais atitudes ingênuas. Essa forma de educação bancária mostra descrença no educando, no seu potencial enquanto fazedor de cultura, de trabalhador, de sujeito aberto à discussão dos seus problemas Esta nos parecia uma das grandes características de nossa educação. A de vir enfatizando cada vez mais em nós posições ingênuas, que nos deixam sempre na periferia de tudo que tratamos. Pouco ou quse nada, que nos leve a posições mais indagadoras, mais inquietas, mais criadoras. Tudo ou quase tudo nos levando, desgraçadamente, pelo contrário, à passividade, ao “conhecimento” memorizado apenas, que, não exigindo de nós elaboração ou reelaboração, nos deixa em posição de inautêntica sabedoria. (FREIRE, 1981, p. 95,96) É justamente essa educação transformadora que norteia a prática docente do professor Sebastião no Centro de Ensino Médio 417 – Santa Maria; pois as aulas de filosofia são momentos propícios para a transição da consciência ingênua a crítica; pois que este professor pratica uma educação que promove debates, que leva o estudante compreender os conteúdos para refletir sobre os mesmos, estudar os filósofos para manter um diálogo com eles, a partir da sua realidade, do seu contexto. Assim educando e educador constroem conhecimento juntos e se libertam mutuamente; pois não é uma relação de superior para inferior, mas uma relação de igualdade, onde ambos aprendem um com o outro. O professor que assim agir mostra amor ao seu educando e coragem na sua prática, visto que no debate troca-se ideias, discute-se temas, trabalha-se com o educando, propiciando meios para um pensamento autônomo. Somente assim pode-se pensar na educação como instrumento de libertação, educação na qual o estudante incorpora a idéia, esforça-se para resignificá-la, fazendo da educação um processo de reinvenção; capaz de resgatar a humanidade dos sujeitos objetos; para fazê-los homens que constroem a sua própria história, atuando no mundo de forma ética e buscando resgatar a dignidade de outros, que assim como ele, sabe a força da opressão; que os impede de contemplar os valores humanos na sua plenitude. 65 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. 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