Estudo fenomenográfico sobre o futuro do comércio electrónico no Second Life Martine Bernardo1, Leonel Morgado2, Carlos Rabadão3 [email protected], [email protected], [email protected] Dep. Engenharias, UTAD – Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5001-801 Vila Real, Portugal. 1 GECAD-Grupo de Engenharia do Conhecimento e Apoio à Decisão, UTAD – Universidade de Trás-osMontes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5001-801, Vila Real, Portugal. 2 Escola Superior de Tecnologia e Gestão, IPLeiria – Instituto Politécnico de Leiria, Morro do Lena - Alto do Vieiro , 2411-901, Leiria, Portugal. 3 Resumo: Este artigo faz uma breve abordagem da actual situação do comércio electrónico no mundo virtual Second Life e o problema de falta de noções claras quanto à evolução futura deste meio para o desenvolvimento do comércio electrónico. Apresenta uma investigação fenomenográfica em curso que visa contribuir para a clarificação das potencialidades e direcções possíveis. São descritos, o processo de recolha de dados, os procedimentos de análise e os resultados a alcançar. Finalmente, efectua-se uma breve reflexão sobre os potenciais contributos desta investigação para a compreensão do fenómeno do comércio electrónico no Second Life e possível generalização a outras plataformas virtuais. Palavras chave: e-commerce; comércio electrónico; ambientes virtuais; ambientes tridimensionais; mundos virtuais; Second Life 1. Introdução O Second Life (SL) é um caso particular de mundo virtual tridimensional que tem revelado um particular dinamismo em iniciativas de comércio electrónico. O seu aparecimento deu-se em 2003 tendo desde então muitas empresas investido numa presença virtual, instalando lojas e representações on-line. Estas presenças têm custos significativos associados. Uma presença passa pelo arrendamento ou aquisição de um “terreno” virtual, bem como pela edificação de espaços de acolhimento do público e, por vezes, programação de interacções automáticas ou de interligações a sistemas de gestão. Comprar ou arrendar terreno no SL significa comprar espaço em servidor, situação idêntica à que se verifica no alojamento de um site na Internet e produção das componentes gráficas e automáticas desse site. Se o terreno for comprado (não arrendado), para além do custo de aquisição do espaço em servidor é necessário pagar uma taxa de manutenção mensal chamada tier. O arrendamento consiste em obter direitos de utilização de parcelas de terrenos privados (geralmente com aspecto de “ilha”), fazendo pagamentos regulares ao dono do terreno. Este é o responsável perante a Linden1 pelo pagamento do tier geral do terreno, beneficiando de efeitos de escala. Muitos utilizadores têm tirado partido desta possibilidade de transacção de terrenos virtuais, área de negócio imobiliário virtual que tem visto os lucros a aumentar. O caso relatado pela revista BusinessWeek, cuja capa de 26 de Novembro de 2006 destaca a personagem virtual (“avatar”) Anshe Chung criado pela alemã de origem chinesa Ailin Graef, que adquiriu terrenos virtuais cujo valor de mercado atingiu à altura cerca de 1 milhão de dólares, entre terrenos vazios e terrenos já edificados, é outro caso num leque de exemplos com sucesso neste tipo de comércio2. 1 2 Linden Lab – empresa criadora do Second Life http://images.businessweek.com/ss/06/04/avatar/source/2.htm Empresas como a Dell3 e a IBM4, marcam igualmente presença neste mundo digital. O banco Espírito Santo foi o primeiro banco português que aderiu ao SL, em Agosto 2007, com vista a divulgar os seus valores e com fortes perspectivas de criar produtos SL5. São já várias as lojas instaladas no Second Life, umas direccionadas para vendas de produtos ditos “reais”, ou seja, com aplicabilidade fora deste mundo virtual (ex.: personalização de produto e posterior encomenda do modelo “real”) e outras para venda de produtos “virtuais”, ou seja, com aplicabilidade apenas dentro do Second Life (ex.: vestuário e cabelos para avatares). Como exemplo do segundo caso temos a Adidas, que tem à venda na sua loja em SL, ténis para avatares que os fazem pular mais alto; como exemplo do primeiro caso, temos a Reebok, que na sua loja em SL disponibiliza a possibilidade de personalização de ténis e encomenda do modelo “real” (com existência física) resultante. O SL é um ambiente centrado na socialização entre pessoas, com muita interactividade e os objectivos das empresas, ao apostar numa presença virtual no SL, podem ser os mais variados. Muitas empresas tentam lidar com esta nova tecnologia sem alterar demasiado os seus modelos de negócio e investem muitas vezes sem saber o retorno que poderão vir a ter. 2. Objectivo Torna-se necessário perceber como podem as empresas aderir a este mundo virtual enquanto nova forma de contacto com clientes, fornecedores e parceiros, mas integrando-o nos modelos de negócio em que já actua. A comunidade de utilizadores do SL, conhecedora profunda deste ambiente, pode fornecer soluções, novas ideias e levar à criação de negócios inovadores. O projecto que aqui apresentamos tem por objectivo identificar como os actuais intervenientes, presentes nesta comunidade e/ou ligados aos processos de comércio electrónico em ambientes virtuais tridimensionais, compreendem e vêem as actividades de comércio electrónico que estão actualmente activas no Second Life. Pretende-se, ainda e a partir desses intervenientes, descobrir novos caminhos, potencialidades e oportunidades de negócio com vista a facilitar a entrada e o planeamento estratégico das empresas na utilização deste meio. 3. Relevância da investigação Pretendemos mostrar novos horizontes e permitir às empresas planear de forma mais clara a entrada neste mundo, respondendo não só às necessidades dos residentes deste ambiente virtual mas também fortalecendo as estratégias empresariais, investindo de forma segura, confiante e ainda contribuir para o desenvolvimento e crescimento deste ou de outros ambientes virtuais. 4. Investigação em curso 4.1 Método de investigação Optámos por seguir uma metodologia de investigação fenomenográfica. A fenomenografia é o estudo empírico das distintas formas em que as pessoas experienciam, percebem, apreendem, compreendem ou conceituam vários fenómenos ou aspectos do mundo que as rodeia (Marton & Fai, 1999). A opção pelo método fenomenográfico prende-se essencialmente com o facto de não sabermos à partida o que nos espera. A fenomenografia é precisamente um processo científico de “descoberta”, no sentido de que o conjunto de categorias ou significados resultantes da análise não podem ser conhecidos antecipadamente, mas sim emergem dos dados sobre os quais o investigador se relaciona (Hasselgren & Beach, 1997, seg. Åkerlind, 2002). Divide-se em cinco 3 http://www.dell.com/secondlife http://domino.watson.ibm.com/comm/pr.nsf/pages/news.20070416_virtualworlds.html 5 http://www.jornaldenegocios.pt/default.asp?CpContentId=301585 4 vertentes: hermenêutica, discursiva, experimental, naturalista e fenomenológica. Estas vertentes podem apresentar variações quer de recolha de dados, quer de práticas ou até mesmo de análise dos resultados. A escolha das vertentes fenomenográficas a utilizar nesta investigação derivou da natureza da mesma. Pretendendo-se recolher a forma como os intervenientes deste ambiente tridimensional compreendem e vêem aí as actividades de comércio electrónico bem como as potencialidades futuras destes ambientes, optou-se por uma centragem nas vertentes naturalista e fenomenológica, descritas de seguida. A vertente naturalista caracteriza-se pela centragem na recolha de dados empíricos para análise fenomenográfica de situações autênticas. Não se trata de extrair dados num contexto especificamente organizado para a análise fenomenográfica (situação da fenomenografia experimental). O objectivo é, sim, recolher dados de situações particulares o que, normalmente, torna o investigador, um observador sem envolvimento directo. A vertente fenomenológica pretende obter descrições dos pensamentos das pessoas sobre o que realmente está a acontecer. Inicialmente os estudos que deram vida à fenomenografia apenas davam relevância ao estudo propriamente dito e esqueciam o meio envolvente, tendo apenas entre 1980 e 1990 sido dada mais ênfase a esta abordagem fenomenológica. Assim, esta vertente pretende enfatizar os aspectos do comportamento humano, o mundo do sujeito, as suas experiências quotidianas, as suas interacções sociais e os significados que dá a essas experiências e interacções (Biorn Hasselgren, consultado em 10/01/2008). A metodologia seguirá à partida, os seguintes passos: selecção da amostra, selecção de ferramentas a utilizar, procedimentos a adoptar, recolha de dados, análise dos dados recolhidos e conclusões. Relativamente à recolha e dados esta terá início com um processo de selecção inicial de pessoas essencialmente conhecedoras deste ambiente ou residentes no mesmo, com o objectivo de obter referências e opiniões genéricas sobre o comércio electrónico numa primeira fase. Com base nos resultados obtidos nesta fase seguir-se-á um processo de selecção específico de personalidades de forma a obter uma perspectiva mais definida na fase final. A primeira etapa de investigação, ainda em curso consiste na selecção das personalidades a entrevistar. Interessam-nos pessoas que conheçam e interajam diariamente com o SL, não necessariamente ligadas ao comércio electrónico. Estão contempladas, à partida: Especialistas; Produtores de conteúdo; Prestadores de serviço; Comerciantes; Clientes; Figuras mediáticas (da sociedade SL). O facto do SL ser visitado por 13 milhões de utilizadores apenas uma pequena parte efectua grandes transacões comerciais6 o que significa que muitos residentes são apenas exploradores e/ou têm uma função específica no SL como as supra citadas. O tempo de residência do utilizador, bem como a sua função, têm um peso preponderante na escolha do entrevistado por considerarmos serem factores influenciadores de aquisição de conhecimento e de experiência in-world. Quanto às ferramentas a utilizar irá proceder-se a uma pesquisa de locais com maior afluência, mais visitados ou com maior actividade comercial. Serão utilizadas algumas funcionalidades disponibilizadas pelo SL de forma a realizar esse tipo de pesquisa. A selecção de personalidades passa por pesquisas na Internet com os diversos motores de busca ou por recomendação de personalidades já entrevistadas. A forma de recolha de dados será, essencialmente, através do SL e o meio de comunicação preferencialmente o chat textual. Contemplam-se situações de entrevistas por e-mail sempre que o meio anterior não for possível. 6 http://secondlife.com/whatis/economy_stats.php Esta investigação fenomenográfica tem como base o método de entrevistas. Os entrevistados sêlo-ão inicialmente de forma informal, com o objectivo de nos permitir atingir uma concepção inicial mais rica e abrangente. O questionário contempla iniciar com uma simples questão de focagem geral para exploração ampla e obter uma visão abrangente. Com base nas respostas, será feita uma análise e seleccionadas personalidades com relevância na área. As questões estender-se-ão a níveis mais específicos relacionadas com o comércio electrónico. Posteriormente proceder-se-á à definição sustentada de entrevistas formais, planeadas com, eventualmente, recurso a um fluxograma de questões devidamente seleccionadas, como forma de guião. Em ambos os casos, efectua-se o registo escrito da entrevista. Finda esta etapa, será feita uma análise dos dados recolhidos que se esperam empíricos podendo, no entanto, levar a uma análise quantitativa, caso se identifiquem concepções mais referidas no conjunto da amostra. Durante a análise pretende-se identificar categorias de descrição de opiniões cuja origem derivem de fontes sólidas. 5. Resultados a alcançar A expansão das redes de comunicação globais acelerou e complementa o universo real num novo conceito de mundo virtual. A integração das tecnologias de informação com as comunicações está a provocar profundas alterações na sociedade em geral e nos negócios em particular. Segundo Michael Porter7, uma das estratégias competitivas passa pela diferenciação e uma das formas de diferenciação contempla a tecnologia. É importante que a empresa conheça a tecnologia para não investir desnecessariamente mas tirar o melhor proveito dela. A Eurostat demonstra a utilização das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) com a compra e venda de produtos via electrónica onde se verifica um aumento dos mesmos entre 2003 e 2005. Figura nº 1 - Percentagem de empresas que adoptaram as tecnologias e realizaram comércio electrónico Fonte: Eurostat8 O acesso às novas tecnologias torna mais acessível o comércio electrónico com consequentes benefícios para o consumidor: aumento do leque de escolha, aumento da concorrência, supressão de intermediários, produtos além fronteiras. Destes benefícios resultam consumidores mais exigentes e obrigam as empresas a tornarem-se mais competitivas e inovadoras. Este estudo irá permitir que as empresas tenham conhecimento, entendam as necessidades que envolvem o comércio electrónico no SL e invistam com condições para viabilizar o contacto virtual com os seus clientes de forma inovadora9 e confiante. Para tal, pretende-se que a 7 http://www.simonsays.com/content/book.cfm?tab=1&pid=408152&agid=2 http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-NP-06-028/EN/KS-NP-06-028-EN.PDF 9 http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_OFFPUB/KS-SF-08-015/EN/KS-SF-08-015-EN.PDF 8 primeira fase de entrevistas abarque o maior número de pessoas cujas opiniões diferem relativamente ao futuro do comércio electrónico. Prevê-se atingir um ponto de saturação de respostas possíveis divergentes devidamente fundamentadas e obter, no final, uma panóplia de opiniões e ideias propiciadoras de negócios inovadores. 6. Reflexões O SL é uma nova tecnologia em ambiente virtual tridimensional que pode ou não vir a ser a nova interface-padrão entre clientes, comerciantes ou colaboradores mas pelo menos distingue-se dos outros ambientes por ser o único que actualmente, para além do comércio electrónico, conjuga uma diversidade de funcionalidades, nomeadamente mecanismos sociais, ferramentas de criação e desenvolvimento e interligação a sistemas empresariais. Não se sabe ainda qual o rumo que o Second Life virá a ter, quer como plataforma de interacção, quer como meio de suporte ao comércio electrónico. Como nova tecnologia, o seu destino tanto pode ser o êxito como o fracasso total. Das pesquisas efectuadas em bases referenciais de publicações científicas10, não foi encontrado qualquer estudo sobre comércio electrónico em Second Life. Contudo, as referências mediáticas são reveladoras do interesse suscitado pelo tema: uma busca com a expressão «”e-commerce” “second life”», efectuada no Google, produz nada menos do que 1.220.000 resultados (22 de Abril de 2008). Os primeiros de entre estes são 11 bem exemplificativos . Compreender este fenómeno com base em metodologias cientificamente testadas, ajuda-nos a ter a percepção do mesmo. Essa percepção, independentemente de ser ou não favorável, permite, pelo menos, fundamentar novas opiniões e facilitar que pessoas ou empresas, no momento da sua adesão ao SL possam tomar decisões mais acertadas, em termos económicos ou estratégicos. Referências Gerlese S. Åkerlind. (2002). Principles and Practice in phenomenographic research. Proceedings of the international symposium on Current Issues in Phenomenography. Canberra Australia. http://www.anu.edu.au/CEDAM/ilearn/symposium/Akerlind%202%20.doc consultado em 11/01/2008 Marton, F. & Fai, P. M.(1999).Two Faces of Variation. Paper presented at 8th European Conference for Learning and Instruction August 24–28. http://www.ped.gu.se/biorn/phgraph/civil/graphica/fmpmf.pdf consulta do em 10/01/2008. Biorn Hasselgren. Land of Phenomenografy. Universidade de Gotemburgo http://www.ped.gu.se/biorn/phgraph/welcome.html consulta em 10/01/2008 10 A pesquisa foi feita na Internet a partir dos seguintes motores de busca: http://www.sciencedirect.com/ , http://www.flazx.com/, http://gigapedia.org/, http://anwarica.com/books/ , http://www.elsevier.com/wps/find/homepage.cws_home, http://scholar.google.com/ e nas seguintes revistas on-line: http://laboreal.up.pt/start.php, http://www.scielo.oces.mctes.pt/, http://www.blackwell-synergy.com/, http://www.b-on.pt/, http://journals.cambridge.org/action/login, http://www.emeraldinsight.com/, http://www.ieeexplore.ieee.org/Xplore/guesthome.jsp, http://www.oxfordjournals.org/, http://www.springerlink.com/home/main.mpx 11 Micro Persuasion: V-tail: Where Virtual Words Meet E-Commerce http://www.micropersuasion.com/2007/01/vtail_where_vir.html Virtual Worlds News: Stonfield Experiments with Second Life eCommerce http://www.virtualworldsnews.com/2007/11/stonfield-exper.html Awaiting Real Sales From Virtual Shoppers - New York Times http://www.nytimes.com/2007/06/11/business/11ecom.html Ecommerce Consulting.com | Experts in Online Retail: A Second Look at Second Life...A New Practicality Emerging For Virtual Reality Technologies? http://www.ecommerceconsulting.com/2007/10/