DESIGUALDADE SOCIAL E POBREZA COMO CONSEQUÊNCIAS DO DESENVOLVIMETO DA SOCIEDADE Regiane Wlodarski Mestranda em Ciências Sociais Aplicadas (UEPG) Luiz Alexandre Cunha Professor (UEPG) Resumo O processo civilizatório decorre em profundas mudanças, que levaram a sociedade ao desenrolar de um processo de modernização, a partir do qual tivemos uma exacerbação do individualismo, na busca pelo bem estar e pela ampliação do desenvolvimento rumo a novas conquistas, onde os conceitos que tinham como objetivo principal nortear ações que garantissem a melhoria na qualidade de vida, acabaram transformando-se em ações que provocaram o aumento dos índices de desigualdade social, onde muitos não têm acesso aos bens mais essenciais a vida. A pobreza, entendida como principal conseqüência da desigualdade social é uma problemática histórica que acompanha as formas de relações sociais. Palavras chave: Processo Civilizatório; Modernidade e Pobreza 1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS Nosso objetivo neste texto é realizar uma reflexão sobre o processo de mudanças na forma de agir e pensar que a sociedade sofreu e vem sofrendo, discutindo o processo civilizador e as conseqüências deste processo delimitando-se para a modernidade, que vem provocando profundas mudanças na sociedade e na forma de sua organização social. O processo civilizador, entendido aqui, como uma transformação ocorrida na sociedade e que traz novas configurações nas relações sociais, processo que não se dá pela ação de indivíduos isolados, mas é resultado das relações entre os homens na construção da história, afirmando o pensamento de ELIAS (1993), sobre a forma que se realiza o processo civilizador: ...planos e ações, impulsos emocionais e racionais de pessoas isoladas constantemente se entrelaçam de modo amistoso ou hostil. Esse tecido básico, resultante de muitos planos e ações isolados, pode dar origem a mudanças e modelos que nenhuma pessoa isolada planejou ou criou. Dessa interdependência de pessoas surge uma ordem sui generis, uma ordem mais irresistível e mais forte do que a vontade e a razão das pessoas isoladas que a compõem. É essa ordem de impulsos e anelos humanos entrelaçados, essa ordem social, que determina o curso da mudança histórica, e que subjaz ao processo civilizador (p. 194). 2 – O PROCESSO DE CIVILIZAÇÃO E DE MODERNIZAÇÃO DA SOCIEDADE O homem no decorrer do seu processo histórico vem procurando compreender e interpretar sua própria história, que nada mais é, do que resultado da ação do homem, enquanto ser histórico e social. Para isto, necessita observar as relações sociais estabelecidas. Rosseau apud Nascimento 2001, no século XVII e XVIII, ao apresentar reflexões sobre a evolução do homem e suas relações na sociedade, diz: que o homem se torna ser social através do processo de trabalho. Pois, na medida em que se desenvolve e expande suas atividades e instrumentos de trabalho, as dificuldades se multiplicam, o que exige que crie condições necessárias para sua sobrevivência. Neste processo o homem toma consciência de si mesmo e individualiza-se, percebendo a necessidade de sobrepor-se a outros e de desenvolver cada vez mais suas habilidades, ou seja, passa por um processo de civilização1. De acordo com ELIAS (1993): “Toda essa reorganização dos relacionamentos humanos se fez acompanhar de correspondentes mudanças nas maneiras, na estrutura da personalidade do homem, cujo resultado provisório é nossa forma de conduta e de sentimentos ‘civilizados’” (p.195). Esse processo de tomada de consciência, de compreender a importância da relação entre os homens e a importância de sua ação enquanto ser histórico e social é entendida como práxis. De acordo Marx, práxis é o agir consciente, onde o homem diferente de outro animal realiza suas ações traçando um objetivo e buscando um resultado, e desta forma auxilia no processo de construção da história coletiva. A práxis é ativa, é atividade que se produz historicamente – quer dizer, que se renova continuamente e se constitui praticamente -, unidade do homem e do mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto, do produto e da produtividade. Como a realidade humano-social é criada pela práxis, a história se apresenta como um processo prático no curso do qual o humano se distingue do não-humano: o que é humano e o que não é humano não são já predeterminados; são determinados na historia mediante uma diferenciação prática (KOSIK, 1976, p. 202). Analisando as reflexões de Kosik 1976, compreendemos que a práxis determina o homem na sua totalidade, na medida em que se manifesta em todas as relações da existência do homem, tanto em suas atividades objetivas como através de sua subjetividade. A história do homem é construída através de um processo dialético, onde passa por processos de mudanças e transformações, interagindo com os homens, com a realidade e consigo mesmo. Neste sentido, como Marx, já colocava, não faz a história como quer, e sim é influenciado por questões presentes no momento histórico (conjuntura) e na realidade social (relações estabelecidas pelo próprio homem). Com as mudanças e transformações ocorridas os homens passaram cada vez mais a depender da realização de ações conjuntas, para tornar possível a convivência em sociedade, Norbert Elias chama estas relações de cadeias de interdependência: 1 “A civilização não é ‘razoável’, nem ‘racional’, como também não é ‘irracional’. É posta em movimento cegamente e mantida em movimento pela dinâmica autônoma de uma rede de relacionamentos, por mudanças especificas na maneira como as pessoas se vêem obrigadas a conviver” (ELIAS, 19993, p. 195). Mas fosse consciente ou inconscientemente, a direção dessa transformação da conduta, sob a forma de uma regulação crescentemente diferenciada de impulsos, era determinada pela direção do processo de diferenciação social, pela progressiva divisão de funções e pelo crescimento de cadeias de interdependência nas quais, direta ou indiretamente, cada impulso, cada ação do indivíduo tornavam-se integrados (ELIAS, 1993, p. 196). A sociedade passa a tornar-se mais complexa e necessita de formas de organização entre os homens, que passam a dividir-se em diferentes grupos sociais, necessitando da regulação de suas ações, através de regras e normas, que impedem os homens a transgredilas. ELIAS (1993) analisa esta questão e chama as regras de formas de autocontrole: A teia de ações tornou-se tão complexa e extensa, o esforço necessário para comportar-se ‘corretamente’ dentro dela ficou tão grande que, além do autocontrole consciente do indivíduo, um cego aparelho automático de autocontrole foi firmamente estabelecido (p. 196). Neste processo, os vários filósofos e sociólogos que estudaram a história do homem, compreendem dois processos que são determinantes nas relações estabelecidas entre os homens que é a necessidade e liberdade. O homem nas suas primeiras relações com a natureza e com os outros homens buscava suprir suas necessidades mais essenciais, e a partir desta garantia, busca também a liberdade. A partir do momento em que as relações tornam-se mais complexas, com as relações capitalistas e com a busca pela modernização2 da sociedade, muitos destes homens não conseguem suprir as suas necessidades mais básicas, nem alcançar sua liberdade, reduzindo-se a simples lealdade ao Estado. A ordem social emergente da modernidade é capitalista tanto em seu sistema econômico como em suas outras instituições. O caráter móvel, inquieto da modernidade é explicado como um resultado do ciclo investimento-lucroinvestimento que, combinado com a tendência geral da taxa de lucro a declinar, ocasiona uma disposição constante para o sistema expandir (GIDDENS, 1991, p.20). O sistema de organização moderno não resulta apenas do sistema capitalista, mas das mudanças que ocorrem para garantir seu desenvolvimento, o processo de industrialização e divisão social do trabalho. BLACKBURN 1992, estuda este processo e considera o homem e a natureza como vampiros da razão, na medida em que dificultam e impedem a satisfação das necessidades e da liberdade. Refere-se também ao processo de relação das necessidades com a busca pela liberdade, onde na medida em que se busca a liberdade, se criam novas necessidades, e o mesmo acontece inversamente. Para BLACKBURN 1992, a natureza não é apenas o palco onde acontece a história do homem, mas ela influencia nos acontecimentos, bem como determina a história do homem. A natureza interage com este homem. “A modernidade, por conseguinte, não apenas envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condições históricas precedentes, como é caracterizado por um 2 ‘“modernidade’ refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em suas influência” (GIDDENS, 1991, p. 11). interminável processo de rupturas e fragmentações internas e inerentes” (HARVEY,1992, p. 22). Neste processo de construção da história, que se dá pela civilização do homem, torna-se necessário a busca pela igualdade e pela justiça social, onde todos possam suprir suas necessidades. 3 - IGUALDADE CONCRETA E DESIGUALDADE ABSTRATA Tanto a igualdade como a desigualdade são criadas e direcionadas por regras e normas, estas normas e regras que direcionam as ações podem ser concretas ou abstratas. Heller 1998, conceitua as normas concretas como regras a serem seguidas, direcionando as ações em situações especiais; sendo que as normas abstratas variam de acordo com sentimentos e necessidades, podendo ser diferente a cada situação, permite agir sempre de forma diferente. As normas concretas são entendidas desta forma, como um conceito formal de justiça. “Minha redefinição de conceito formal de justiça é o seguinte: o conceito formal de justiça significa a aplicação consistente e contínua das mesmas normas e regras a cada um dos membros de um agrupamento social aos quais elas se aplicam” (HELLER, 1998, p. 20). Neste sentido, entende-se que o conceito formal de justiça está ligado ao que realmente pode ser considerado justo, ou seja, a ações que são determinadas por regras direcionadas a situações que apresentam as mesmas características. De acordo com Heller, deixar de aplicar as regras de forma igual aos membros de um grupo, que exige este procedimento, é entendido como uma forma de injustiça e desigualdade. Como as regras e normas são construídas socialmente, da mesma forma podem ser questionadas e até mesmo desativadas, quando consideradas uma forma de injustiça, porém, o conceito formal de justiça não pode ser questionado. A aplicação de normas e regras, também pode ser tendenciosa tratando casos iguais de forma diferenciada, o que é realizado de forma intencional e ideológica, sendo considerado uma injustiça. Norbert Elias, nos chama a atenção para a forma como estas regras são aceitas pelos diversos segmentos da sociedade: no presente contexto, talvez seja suficiente chamar a atenção para o fato de que, de modo geral, os estratos inferiores, os grupos marginais e mais pobres, num dado estágio do desenvolvimento, tendem a seguir suas paixões e sentimentos de forma mais direta e espontânea, regulando-se sua conduta menos rigorosamente que a dos respectivos estratos superiores (ELIAS, 1993, p. 210). Na sociedade moderna temos muitas situações onde as normas e regras acabam direcionando suas posições em busca de defender o desenvolvimento do capital e dos interesses da classe que encontra-se no “poder”, perdem seu caráter de impessoalidade. As regras não são construída de acordo com o interesse de todos e sim de grupos restritos, por isso, a dificuldade da aceitação por todos. Na sociedade capitalista temos os valores liberais como princípio norteador das ações dos homens, onde existe uma busca constante pela universalidade3, individualidade3e 3 “A universalidade significa que ele vise todos os seres humanos, independentemente de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A individualidade significa que esses seres humanos são considerados como pessoas concretas e não como integrantes de uma coletividade autonomia3do homem, procurando cada vez mais o desenvolvimento da razão individual e priorizando o mercado e a propriedade individual. Segundo Rouanet 1993, estes conceitos de universalidade, individualidade e autonomia, estão sendo tratados com novas interpretações, onde o universalismo está sendo substituído pelo nacionalismo, proliferando em muitos casos o racismo e a xenofobia; o individualismo se expressa no conformismo e busca somente pelo benefício próprio; a autonomia transformou-se em uma desresponsabilização pelo ser humano, onde cada um é responsável por si mesmo e muitos vivem em condições sub-humanas. Ocorre que simultaneamente com a racionalização do mundo vivido, que permitiu esse aumento de autonomia, a modernidade gerou outro processo de racionalização, abrangendo a esfera do Estado e da economia, que acabou se autonomizando do mundo vivido e se incorporou numa esfera ‘sistêmica’, regida pela razão instrumental (ROUNET, 1987, p.14). O Estado aparece como defensor da propriedade privada, da liberdade do mercado, subordinado a lógica e desenvolvimento do capital. Torna-se um Estado máximo para o capital e mínimo para o social. A crítica de Marx ao “indivíduo egoísta” das Declarações dos Direitos Humanos não envolve nenhuma crítica aos conceito de indivíduo em si. Ela é a crítica de uma concepção que vê o indivíduo como simples mônada que se agrega mecanicamente a outras mônodas para compor a sociedade, ignorando o fato de que o indivíduo está sempre inserido no conjunto definido de relações sociais. Na sociedade capitalista, essas relações levam ao declínio do indivíduo e à atrofia de suas potencialidades. Mudar essas relações é libertar o indivíduo. Não se trata, portanto, de dissolver o indivíduo na sociedade, mas de dissolver uma certa sociedade para emancipar o indivíduo (ROUANET, 1993, p. 28 e 29). Para que se tenha uma ação voltada para a maioria da população, para que se busque o bem estar de todos, sente-se a necessidade da construção de um novo pacto social, voltado para o social e não para o capital. Rawls 2002, realiza um estudo sobre a teoria da justiça, onde a justiça é entendida como eqüidade, buscando a liberdade do indivíduo. A sociedade que passou por um processo de civilização e modernidade através da formulação de um contrato, pautado na democracia e eqüidade, terá condições para alcançar os direitos básicos. A justiça só será eqüitativa, quando for construída uma sociedade democrática, através da redistribuição de renda e do impedimento da concentração de bens e riquezas hereditárias. Neste sentido, torna-se necessário que se firme um novo pacto, como parâmetro das relações sociais, onde o Estado deve servir ao cidadão, defendendo o que é justo, o que é legal. 4 – DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL O Brasil é um país que foi colonizado com o objetivo de explorar os recursos naturais (minerais e vegetais) que estavam disponíveis em nosso território. e que se atribui valores éticos positivo à sua crescente individualização. A autonomia significa que esses seres humanos individualizados são aptos a pensarem por si mesmos, sem a tutela da religião ou da ideologia, a agirem no espaço público e a adquirirem pelo seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material” (ROUANET, 1993, p. 9). Desde o início do desenvolvimento e exploração do território, o planejamento não se voltava para os interesses de melhorar o país e as condições dos que aqui viviam. Como nos afirma PRADO JUNIOR (2004) : “A idéia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por este território primitivo e vazio que é a América...”( p. 23). Ainda de acordo com PRADO JUNIOR 2004, até mesmo o processo de ocupação do território acontecia para suprir os interesses do mercado externo. Produzia-se de acordo com a necessidade do mercado, explorando cada vez mais o território desconhecido, em busca de terras férteis. A mão de obra aqui existente migrava de acordo com este planejamento que lhes era, num primeiro momento, estranho. “A concentração fundiária foi decorrente da estrutura produtiva baseada na exploração de cana-de-açúcar voltada para a demanda externa” (COSTA, 2005, p. 180). A forma de desenvolvimento adotado, precário e desigual, proporcionava o enriquecimento apenas dos que estavam no comando. A desigualdade e consequentemente a pobreza, sempre presentes no decorrer da história, agravam-se e apresentam-se com novas características a partir do processo de industrialização e com o surgimento do capitalismo. Dentre os fatores estruturais que interferem nessa situação, podemos citar: a ausência de mecanismos de distribuição de rendas através de uma estrutura tributária progressiva, falta de um amplo processo de reforma agrária, investimento em políticas sociais básicas e democratização do acesso ao poder político... (COSTA, 2005, p. 179 e 180). Entendemos desta forma, que a pobreza é decorrente das ações realizadas pelos próprios homens. O que temos hoje é resultado de ações cotidianas em situações concretas. O destino não estava traçado e o caminho não era único, ainda que o passado tenha o seu peso no presente. O Brasil foi fundado sobre o signo da desigualdade, da injustiça, da exclusão: capitanias hereditárias, sesmarias, latifúndio, Lei de Terras de 1850 (proibia o acesso à terra por aqueles que não detinham grandes quantias de dinheiro), escravidão, genocídio de índios, importação subsidiada de trabalhadores europeus miseráveis, autoritarismo e ideologia antipopular e racista das elites nacionais. Nenhuma preocupação com a democracia social, econômica e política. Toda resistência ao reconhecimento de direitos individuais e coletivos (GARCIA, 2003, p. 9). O resultado do que se apresenta hoje é um reflexo da forma como os homens pensavam e pensam o Brasil, ou seja, de acordo com suas representações4 e vontades. De acordo com Berger e Luckmann 1976, a realidade é construída socialmente e cabe a sociologia analisar este processo. As representações derivam da significação e da conduta humana, a realidade é interpretada pelos homens e reproduzida através de sua ação. 5 - POBREZA - CONSEQÜÊNCIA DA DESIGUALDADE NO BRASIL A pobreza é entendida como fruto da ação dos homens, sendo resultado das formas como estes pensam, interpretam e direcionam a construção da história, da forma como aceitam os padrões mínimos de sobrevivência de cada indivíduo presente na sociedade. No Brasil, a existência da pobreza não ocorre devido à falta de recursos e sim da desigual distribuição destes. Entendendo, que o Brasil é um país rico, porém, com maiores índices de desigualdade do mundo. 4 Compreendemos representação como uma forma de interpretar a vida, através de idéias, conceitos que são refletidas na realidade. A comparação internacional entre o grau de desigualdade de renda no Brasil e o observado em outros países comprova não só que a desigualdade brasileira é das mais elevadas em todo o mundo, mas contribui também para entender como um país com renda per capita relativamente elevada pôde manter, nos últimos 20 anos, em média, cerca de 40% da sua população abaixo da linha de pobreza (FARIA, 2000, p. 21). Neste sentido, a pobreza é vista como decorrente da desigualdade social, acompanhando o processo de agravamento desta. As ações dos homens são determinadas pelas relações de interesse presentes na sociedade, são estes que escolhem a forma de organização da vida social. “Se a memória é plena, o passado é sempre contemporâneo do sujeito (volta a ser presente deslocado para o plano da imagem e do valor) e corresponde à necessidade do juízo, de sua correção e verdade, à convicção absoluta de que se sabe e julga” (VAITSMAN; GIRARDI, 1999, p.123). Quando nos reportamos ao início do processo de desenvolvimento do Brasil, percebemos que as décadas que nos separam, tornam-se dias, quando nos referimos a forma de pensar e os valores que ainda fazem-se presentes nas representações adotadas hoje. Foi possível perceber, que a desigualdade social e a pobreza fizeram parte de todo o processo histórico, estando presentes muitas vezes, nas principais pautas de discussão, porém, não como objetos de efetivas ações que buscassem o enfrentamento da problemática. Ou seja, foram criadas riqueza e renda suficientes para produzir alterações significativas nas condições de vida da grande massa da população brasileira que é carente de tudo. No entanto, a riqueza existente, a produzida e a renda criada sempre foram apropriadas concentradamente por minorias que sofrem de um estado crônico de “ganância infecciosa” (GARCIA, 2003, p. 10). Contraditoriamente, busca-se uma forma de amenizar os problemas decorrentes da pobreza, através da culpa lançada às pessoas que se encontram nesta situação. A representação que a sociedade capitalista adotou do sujeito que está em situação de pobreza, é de “vagabundo”, “analfabeto”, “desqualificado”, entre outros. O que permite culpar uma única pessoa por um problema que é criado pela sociedade e que cabe a esta resolver. A idéia de naturalização da pobreza, ideologicamente difundida pelos setores conservadores da sociedade capitalista, ganha relevância devido à própria complexidade da vida social. As idéias conservadoras sempre recorrem a fatos empíricos isolados para referendar suas assertivas (COSTA, 2005, p. 174). As relações sociais nos mostram que a idéia vigente é realizar ações que garantam o sucesso do capital. É necessário mostrar através da realidade, que apresenta-se diariamente nas ruas, que a pobreza deve ser enfrentada por ações concretas que busquem as causas estruturais deste problema, mudando as formas de pensar a pobreza, os conceitos que foram adotados historicamente com o objetivo de manter a ordem estabelecida. Torna-se necessário que o indivíduo alcance sua autonomia e liberdade através da minimização da desigualdade social e da garantia do acesso aos bens necessários para seu desenvolvimento. Neste sentido o Estado passa a ser o regulador desta situação, onde através das políticas sociais possa proporcionar a diminuição dos índices de desigualdade, procurando desenvolver ações para o social e não para a classe dominante (classe burguesa). Se o Estado é composto por múltiplos aparelhos e, ao mesmo tempo, é influenciado por uma mutável e dinâmica correlação de forças entre classes e frações de classe, disso deriva que, em sua ação efetiva e em momentos históricos diversos, diferentes aparelhos poderão ser mais ou menos influenciados por diferentes classes e muitas políticas específicas do Estado (de qualquer Estado concreto) poderão refletir interesses entre si conflitantes (COUTINHO, 1996, p. 39 e 40). Através de um processo de luta e pressão histórica pelo alcance da democracia, acredita-se na possibilidade de uma intervenção maior no social e no rompimento dos crescentes índices de desigualdade social. “O mito da ‘cultura da pobreza’, segundo a qual os pobres não melhoram suas condições de vida porque não querem, desfaz-se, sempre na dura frieza das evidências, empíricas e históricas” (ABRANCHES, 1998, p.16). Compreendemos que as representações sociais acompanham o desenvolvimento da história e tendem a modificar-se de acordo com o processo de desenvolvimento e modernização, ou seja, as representações transformam-se e acompanham as relações presentes em um lugar ou em uma situação específica. Porém, foi possível perceber através deste estudo, que a pobreza assume uma forma de representação dominante, que pouco modificou-se durante o processo de desenvolvimento, mesmo que muitas vezes, questionada e estudada com o objetivo de realizar seu enfrentamento, ainda resiste a representação social que prioriza o desenvolvimento do capital e o bem estar dos que estão inseridos nas relações capitalistas. Afirmamos que a pobreza, como fenômeno humano, resulta diretamente da decisões políticas4. Porém, as decisões políticas são tomadas a partir da racionalidade do capital, já que na sociedade moderna as necessidades humanas estão subordinadas a lógica econômica da rentabilidade do capital. Desta forma, é o homem que serve à produção, realizada somente na medida em que recria o capital em escala ampliada...(COSTA, 2005, p. 172 e 173). Para que se realize o enfrentamento da problemática da pobreza é necessário que aconteçam investimentos, mudanças e planejamentos. É necessário fazer um esforço coletivo, não sendo possível, sua superação com ações fragmentadas. “ Os conflitos e problemas da cotidianidade remetem a soluções conflitivas que se sobrepõem às soluções reais, quando estas são ou parecem impossíveis. Assim os problemas e a procura de uma solução transpõem o limiar do imaginário” (LEFEBVRE, 1991, p.98). Desta forma, entende-se a necessidade da formulação de um novo pacto social que vá de encontro com as exigências da maioria da população, promovendo a justiça através da redistribuição de bens e riquezas, uma maior intervenção do Estado na busca pela igualdade e liberdade. 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta reflexão, fica possível perceber que a desigualdade social e como conseqüência desta, a pobreza, refletem as ações direcionadas e determinadas pelas formas de pensar e planejar nossa sociedade. Onde mesmo existindo pensamentos e concepções de mundo, que variam de acordo com cada indivíduo, em cada momento histórico, ainda 4 Decisão política no sentido de capacidade que só os homens possuem de escolha de opção que afetam a vida social. permanece o “pensar”, “planejar”, dominante de comportamentos e atitudes de parte da sociedade que detêm o poder. Neste sentido, não basta avançarmos apenas em instrumentos ditos democráticos, deve-se colocá-los como possibilidade de acesso a grande parte da população, não apenas como instrumentos que servem para mascarar as ações do capital, mas que voltem para as reais necessidades da maioria dos homens, compreendidos como seres capazes de traçar sua história, através daquilo que acreditam. SOCIAL INAQUALITY AND POVERTY AS CONSEQUENCY OF THE DEVELOPMENT OF THE SOCIETY Abstract The civilizing process involves profound changes which led the society to develop a modernization process from which arised an exacerbation of individualism, in the search for welfare and the increase of development towards new conquests, where the concepts which had as principal goal leading actions for the assuring of the improvement of life quality became actions which increased the index of social inequality, where many do not have access to the move essential life goods. Poverty, understood as the principal consequence of social inequality, is a historical problem which follows the social relations pattern. Key words: Civilizing process; poverty; modernity. Referências ABRANCHES, S. H. Política Social e Combate à Pobreza: A teoria da prática, in Política Social e Combate à Pobreza. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A Construção Social da Realidade – tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Editora Vozes, 1976. BLACKBURN, R J. O Vampiro da Razão. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. COSTA, L. C. da. Pobreza, Desigualdade e Exclusão Social, in Sociedade e Cidadania desafios para o século XXI. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2005. COUTINHO, C. N. Marxismo e Política. A dualidade de poderes e outros ensaios. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1996 ELIAS, N. O processo Civilizador. Formação do Estado e Civilização. Apresentação: Renato Janine Ribeiro. V, 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. 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