A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO À VIDA
Desde a entrada em vigor da chamada "lei seca" (Lei 11.705/2008) – que
alterou, entre outros, diversos artigos do Código de Trânsito Brasileiro
(Lei 9.503/1997) – muito se tem discutido a respeito da forma pela qual
se pode provar a ocorrência de uma das elementares do delito de
condução de veículo automotor sob efeito de álcool (CTB, art. 306), ou
seja, "(...) a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior
a 6 (seis) decigramas (...)".
A leitura do dispositivo legal estabelece de forma muito clara que
apenas estará evidenciado o crime – no tocante à dirigir alcoolizado – se
restar devidamente comprovada a referida quantidade alcoólica, sendo
que o Decreto 6.488/2008, que o regulamenta, assim estabelece as
maneiras pelas quais tal valor deve ser obtido:
"Regulamenta os arts. 276 e 306 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de
1997 - Código de Trânsito Brasileiro, disciplinando a margem de
tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes
de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito. "(...).
Art. 2º Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei nº 9.503, de
1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos
testes de alcoolemia é a seguinte:
I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de
álcool por litro de sangue; ou
II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro):
concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por
litro de ar expelido dos pulmões. (...)".
Neste ponto começa a discussão a respeito de como se comprovar o
referido valor montante estabelecido na Lei para fins de tipificação do
delito. Sendo assim, resta saber qual é mais correta.
Verifica-se de maneira muito clara, que a legislação estabeleceu, de
maneira taxativa, apenas e tão somente, duas únicas maneiras de se
atestar a ocorrência da concentração de álcool no sangue para fins do
tipo penal: (a) exame de sangue e (b) teste em aparelho de ar alveolar,
conhecido popularmente como "bafômetro".
O Superior Tribunal de Justiça em decisão recente confirmou, que
somente os referidos meios de prova, seriam admitidos para a
tipificação do delito de trânsito. (CTB Art. 306)
Deveria a administração pública e os poderes constituídos como
representantes do povo, com mandato outorgado para esse fim,
destinarem todas as suas forças e empenho, para diminuírem o
crescente aumento de vítimas e mortes causadas por condutores sob
efeito de álcool e drogas afins. Atualmente, após a Lei 11.705/2008 essa
conduta criminosa passou a ser configurada como crime de perigo
abstrato.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), aprovou em
caráter terminativo, ou seja, sem necessidade de ir a plenário, um
projeto de lei que tornaria mais rigoroso o CTB para os motoristas que
dirigissem sob influência alcoólica.
Entre as medidas que estão sendo discutidas visando tornar a legislação
mais efetiva quanto aos meios de prova, estão a possibilidade da
autoridade policial lavrar um termo aos que se recusarem a realizar o
teste do bafômetro, a utilização de prova testemunhal, filmagens,
perícias ou outros meios que, técnica e cientificamente, certifiquem o
estado do condutor. A proposta mais importante é a de se eliminar o
limite mínimo de álcool no sangue ( 6 decigrama por litro) no sangue
para caracterizar crime de trânsito. (tolerância zero).
Medidas como a alteração do valor da multa aplicada aos condutores
flagrados sob efeito de álcool atualmente no valor de R$ 957,65, devem
ser elevadas para R$ 1.915,30 e em caso de reincidência o valor poderá
chegar a R$ 3.380,00, e ainda a alteração da suspensão do direito de
dirigir de um ano para dois, bem como a detenção de seis anos.
A sensação de impunidade acabará somente, quando as punições para
as pessoas que cometerem homicídio, lesões graves e mutilações ao
dirigir alcoolizadas forem mais severas.
Quanto ao direito de não se autoincriminar (ninguém está obrigado a
produzir provas contra si – Art. 5º,II CF/88), é sabido que em nenhum
outro lugar este ganhou contornos tão rígidos como no sistema nacional.
A interpretação de tal garantia tem sido feita de maneira ampliada e
demasiadamente exagerada. Nem mesmo em países de sistemas
jurídicos avançados e com tradição de respeito aos direitos humanos e
ao devido processo legal, a submissão do condutor ao exame de
alcoolemia é considerada ofensa ao princípio da não incriminação.
Assim como o exame realizado através do etilômetro, o exame clínico é
medida idônea para obter indícios de materialidade para instaurar ação
penal.
É necessário uma abordagem multidisciplinar do assunto embriaguez ao
conduzir veículos automotores, pois com o advento da Lei
nº11705/2008, além da importância da definição do termo
“embriaguez”, os juristas e doutrinadores tiveram que incluir a palavra
alcoolemia ao comentarem acerca do CTB, pois antes o exame clínico
realizado pelo perito médico-legista era suficiente, mas agora, ao
determinar que seja comprovada certa quantidade de álcool no
organismo do condutor, fez-se com que a materialidade do tipo penal se
tornasse mais difícil de ser constatado.
Embriaguez define-se de acordo com o Dicionário Digital Aulete como:
“estado, condição de quem se embriagou, perturbação dos sentidos
causadas pela ingestão excessiva de bebida alcoólica.
Verifica-se que se trata do estado físico, conceito diverso de alcoolemia.
Diante da exigência legal imposta, as técnicas laboratoriais ganharam
importância para a qualificação e caracterização do delito.
Desta forma, exige-se a aferição da concentração de álcool no sangue,
ou seja, a alcoolemia.
De acordo com Passagli, (2008), " o álcool é uma droga que no ser
humano produz, ao lado do efeito depressor, uma não menos óbvia ação
euforizante,
traduzida
predominantemente
por
desinibição
comportamental".
Rang (2003) cita que o desempenho motor e sensorial mostram
diminuição uniforme pelo uso do etanol, mas os usuários geralmente são
incapazes de julgar isto.
A relação entre concentração plasmática de etanol (alcoolemia) e os
efeitos apresentados pelo condutor são variados, devido a fatores
genéticos, gênero, sexo, idade, compleição física. Como exemplo,
estudos científicos evidenciam que mulheres são mais suscetíveis aos
efeitos do álcool do que os homens, isto é, desenvolvem concentrações
sanguíneas mais elevadas de álcool. Essa sensibilidade baseia-se na
maior proporção de gordura e menor concentração de água no corpo
feminino, além da menor atividade da enzima álcool desidrogenase no
estômago da mulher (PASSAGLI, 2008).
Nas análises forenses para determinação do etanol, as amostras de
escolha são sangue, urina e ar exalado, geralmente.
O nível de etanol sanguíneo e exalado pelo ar dependem basicamente da
dose ingerida, da velocidade de absorção no trato digestivo e da
capacidade do organismo de eliminá-lo por meio dos processos de
biotransformação e excreção', (CORRÊA, 2008).
Pelo ar alveolar pode-se ter uma avaliação real da alcoolemia. É
importante que a amostra de ar não seja coletada assim que o indivíduo
tenha ingerido seu último gole, pois a concentração obtida no exame
seria muito alta devido ao álcool residual remanescente na mucosa bucal
(PASSAGLI, 2008).
Os sistemas de amostragem da maioria dos etilômetros são projetados
para aceitar o ar alveolar, quer dizer, a primeira porção de ar coletada do
indivíduo é desprezada e apenas analisa a parte seguinte, oriunda dos
alvéolos pulmonares.
Um simples exame de ar alveolar realizado pelo agente de trânsito
envolve pesquisa, padronização, validação de procedimentos analíticos.
O método de coleta é ativa, ou seja, depende da cooperação da pessoa a
ser analisada.
O condutor que ingere bebidas alcoólicas e dirige assume o risco
potencial de envolver-se em acidentes causando lesões e mortes nas vias
públicas.
É possível entender o interesse público como proteção da coletividade,
prevalecendo sempre o interesse privado das pessoas, não sendo,
portanto, o destinatário do ato da administração apenas uma pessoa, e
sim, toda a sociedade.
Ainda, na concepção de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “é o
interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos
pessoalmente têm quando considerado em sua qualidade de membros
da Sociedade e pelo simples fato de o serem”.
Essa noção de interesse público é importante, pois impede que se
entenda erroneamente que o interesse público é de interesse exclusivo
do Estado. Não se pode confundir interesse público com interesse
individual do Estado ou com interesse do agente público. O interesse
individual do Estado como pessoa jurídica, é quando o Estado possui
interesses que lhe são particulares, e que são concebidas em suas meras
individualidades. Não se confunde também com interesse do agente
público, pois o agente não pode se prevalecer de uma conduta que
satisfaça seu próprio interesse. Segundo MARÇAL JUSTEN FILHO, “a
supremacia do interesse público significa sua superioridade sobre os
demais interesses existentes na sociedade. Os interesses privados não
podem prevalecer sobre o interesse público. A indisponibilidade indica a
impossibilidade de sacrifício ou transigência quanto ao interesse público,
e é em decorrência de sua supremacia”. Ou seja, sempre que houver
conflito entre um interesse individual e um interesse coletivo deve
prevalecer o interesse público. A tutela dos interesses públicos fica a
cargo da Administração Pública, e seus interesses estão previstos no
artigo 37 da Constituição Federal.
O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular tem
surgimento no século XIX, pois o direito deixa de ser apenas um
instrumento de
garantia dos direitos dos indivíduos e passa a objetivar a consecução da
justiça social e do bem comum.
Contudo deixo a denominação de interesse público digno de supremacia
de Aristóteles que o chamava de sumo do bem comum: “digno, de ser
amado também por um único indivíduo, porém mais belo e mais divino
quando referente a povos e cidades”.
O direito à vida, as garantias fundamentais, os direitos individuais e
coletivos, cláusulas pétreas de nossa CF e a busca da felicidade, já
invocada pelo Supremo Tribunal Federal para inúmeras decisões,
reconhecendo, inclusive, como direito fundamental é de vital
importância para atingirmos a maturidade moral e jurídica na
preservação dos interesses de toda a comunidade. Assim, a busca da
felicidade não configura uma norma (regra ou princípio), diante da
ausência de autonomia e de densidade normativa, mas isso não impede
sua invocação para justificar a proteção a um direito, a um bem único “A
VIDA” ou a um princípio já previstos no sistema jurídico
Visando está busca podemos citar o pensamento de Singer que é
pautado em seu engajamento filosófico, e é extremamente necessário
compreender a doutrina que rege o pensamento do autor antes de
esmiuçar o trabalho do mesmo. Peter Singer pertence à escola
utilitarista, de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, ambos ingleses, que
deixaram trabalhos entre os séculos XVIII e XIX. O utilitarismo de
Bentham, na essência do pensamento, é bem definido pelo jurista
brasileiro Juarez Freitas, em obra acerca da filosofia do direito:
Utilitarismo define-se de acordo com o Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa Michaelis: U.ti.li.ta.ris.mo sm (Utilitario+ismo) Filos 1.
Doutrina que vê no útil o valor supremo da vida. 2. Espírito caráter ou
qualidade utilitários. 3.Tendência das ações que procuram o útil.
A primeira lei de natureza, para Bentham, consistiria em buscar o prazer
e evitar a dor, sendo necessário para alcançar tal escopo que a felicidade
pessoal fosse alcançada pela felicidade alheia. (...) A solução para
encontrar a
cooperação entre os homens, ele a aponta na identificação de
interesses, factível através da atividade legislativa do governo.
(BENTHAM apud BRYCH, 2005, p.01)
O pensamento de Mill, em O Utilitarismo, vem ao encontro da idéia
supracitada:
A utilidade ou o princípio da maior felicidade, como fundamento da
moral, sustenta que as ações são certas na medida em que elas tendem
a promover a felicidade e erradas quando tendem a produzir o contrário
da felicidade. Por felicidade entende-se prazer e ausência de dor, por
infelicidade, dor e privação do prazer. (MILL apud BRYCH, 2005, p.02)
Por isso, precisamos do envolvimento de todos os segmentos:
Sociedade, comunidades, entidades públicas e privadas, forças políticas
e o Poder Judiciário em todos os seus níveis, para colocarmos acima de
tudo e de todos a supremacia do interesse a proteção do bem mais
precioso e único que é a vida e a felicidade será apenas uma
recompensa.
“O homem deve criar as oportunidades, e não somente encontrá-las.”
(Francis Bacon, Novo Orgão)
Referências:
BRASIL. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. D.O.U de 20.06.2008.
Disponível
em
<
http//WWW.planalto.gov.br
/cpenal_03/
Constituição/Constitui%C3%A7.htm> Acesso em 17 mat. 2012
BRASIL. Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008. D.O.U de 20 06.2008
BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro. Brasília, DF, Lei nº 9.503, de 23 de
setembro de 1997. D.O.U. de 24.9.1997. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao
.htm>. Acesso em 17 mar. 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,
1988.
Disponível
em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao
.htm>. Acesso em 17 mar. 2012.
BRASIL.
Supremo
Tribunal
Federal.
Disponível
em:
<
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=1
90300&caixaBusca=N > Acesso em 17 mar. 2012.
MOREAU, Regina Lúcia de Moraes e DE SIQUEIRA, Maria Elisa Pereira
Bastos. Toxicologia Analítica, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2008.
PASSAGLI, Marcos. Toxicologia forense : teoria e prática. Millenium. pp.
70 a 92. 2008.
RANG, H.P.; DALE, M.M.; RITTER, J.M.; MOORE, P.K.. Farmacologia.5.ed.
Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Saraiva, 2005.
SCHULZES, Clenio Jair. Direiro e felicidade Jus Navigandi, Teresina.
Ano
17,
n.3201,
06
Abr
2012,
Disponível
em:
http://jus.com.br/revista/texto/21464 > Acesso em 19 abr 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13.
ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
BRYCH, Fabio. Ética utilitarista de Jeremy Bentham. Âmbito Jurídico. Nov
2005.
Disponível
em
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_
Autorizo a devida publicação do artigo sob o título “A Supremacia do
Interesse Público à Vida”, assumindo a responsabilidade pela
autenticidade e autoria do mesmo.
Norival Souza Tavares Filho – Bacharel em Direito, formado pela
Universidade Estácio de Sá, nos áureos anos de 1991 (2º semestre) –
Turma Nelson Mandela, atualmente morador do município de Rio
Bonito e aspirante à inscrição de Advogado principal nos quadros da
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional /Rj através da 35ª
Subseção OABRj.
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