ISSN 1807-779X
Edição 107 - Junho de 2009
R$ 16,90
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2 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
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s umário
Edição 107 - Junho de 2009
ISSN 1807-779X
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EDIÇÃO 107 • JunhO DE 2009
ORPHEU SANTOS SALLES
EDITOR
TIAGO SANTOS SALLES
DIRETOR EXECUTIVO
ERIkA BRANCO
DIRETORA DE REDAÇÃO
DAVID SANTOS SALLES
EDITOR ASSISTENTE
DIOGO TOMAZ
DIAGRAMAÇÃO
GISELLE SOUZA
JORNAlISTA COlAbORADORA
EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA
AV. NIlO PEÇANHA, 50/GR.501, ED. DE PAOlI
RIO DE JANEIRO – RJ CEP: 20020-906
TEl./FAX (21) 2240-0429
SUCURSAIS
SÃO PAULO
RAPHAEL SANTOS SALLES
AV. PAUlISTA, 1765 / 13°ANDAR
SÃO PAUlO – SP CEP: 01311-200
TEl. (11) 3266-6611
PORTO ALEGRE
DARCI NORTE REBELO
RUA RIACHUElO, 1038 / Sl.1102
ED. PlAZA FREITAS DE CASTRO
CENTRO – PORTO AlEGRE – RS
CEP: 90010-272
TEl. (51) 3211-5344
BRASÍLIA
ARNALDO GOMES
SCN, Q.1 – bl. E / Sl. 715
EDIFÍCIO CENTRAl PARK
bRASÍlIA – DF CEP: 70711-903
TEl. (61) 3327-1228/29
CORRESPONDENTE
ARMANDO CARDOSO
TEl. (61) 9674-7569
XVIII Troféu Dom Quixote no Supremo Tribunal Federal
COnsElhO EDItOrIal
AlvAro MAirink dA CostA
AndrÉ FontEs
Antonio CArlos MArtins soArEs
Antônio souzA prudEntE
ArnAldo EstEvEs liMA
ArnAldo lopEs süssEkind
AurÉlio wAndEr bAstos
bErnArdo CAbrAl
CArlos Antônio nAvEgA
CArlos AyrEs britto
CArlos Mário vElloso
CEsAr AsFor roCHA
dAlMo dE AbrEu dAllAri
dArCi nortE rEbElo
Edson CArvAlHo vidigAl
Ellis HErMydio FiguEirA
EnriquE riCArdo lEwAndowski
Eros robErto grAu
Fábio dE sAllEs MEirEllEs
FErnAndo nEvEs
FrAnCisCo pEçAnHA MArtins
FrEdEriCo JosÉ guEiros
gilMAr FErrEirA MEndEs
HuMbErto goMEs dE bArros
ivEs gAndrA MArtins
JErson kElMAn
JoAquiM AlvEs brito
JosÉ Augusto dElgAdo
JosÉ CArlos MurtA ribEiro
JosÉ EduArdo CArrEirA AlviM
luis FElipE sAloMão
MAnoEl CArpEnA AMoriM
MArCo AurÉlio MEllo
MAssAMi uyEdA
MAuriCio dinEpi
MAxiMino gonçAlvEs FontEs
nEy prAdo
pAulo FrEitAs bArAtA
sErgio CAvAliEri FilHo
siro dArlAn
sylvio CApAnEMA dE souzA
tHiAgo ribAs FilHo
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4 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
CArtA do dirEtor
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EditoriAl
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doM quixotE: Conceição Mousnier 12
prorrogAção dE pErMissÕEs 38
EM FoCo: stJ agora é digital 46
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revista “Justiça &
dissolução da
Cidadania”: uma
sociedade conjugal no
década de realização
Código Civil de 2002
26
A lEi MAriA dA pEnHA 48
intErvEnção rEgulAtóriA 54
E FEdErAção
o HoMEM do CAMpo, sEus 60
dEsEnCAntos E suA FÉ,
HistóriA, risCos E dEsAFios
Acesse o novo portal
Justiça & Cidadania
www.revistajc.com.br
CoMproMEtiMEnto do EstAdo 64
CoM o sistEMA intErAMEriCAno
dE protEção dos dirEitos
HuMAnos
[email protected]
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CTP, IMPRESSÃO E ACABAMENTO
ZIT GRÁFICA E EDITORA lTDA
xviii troféu dom
quixote
34
A lei 11.672/08 e
o julgamento dos
recursos repetitivos
o habeas
corpus e o stJ:
comentários
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2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 5
C arta do Diretor
Foto: Arquivo JC
RuMo aos
PRÓXiMos 10 anos
10 anos de Justiça, Cidadania, dedicação e muito trabalho. Nossa alegria não é apenas pela data,
mas principalmente pelo prestígio alcançado. Ultrapassando a marca de 1500 artigos publicados dos
mais importantes pensadores do cenário jurídico e político brasileiro conquistamos um grande papel
na defesa do Poder Judiciário e suas instituições.
Sempre muito tradicionais, tanto na diagramação do conteúdo como em relação aos artigos
publicados, buscamos ao máximo trazer diferentes opiniões sobre os temas desenvolvidos tentando
assim a isenção e o distanciamento da editoria nas discussões. Com 10 anos já era tempo de inovar.
Modernizamos então a diagramação na tentativa de deixar a leitura mais agradável.
As novidades não ficam apenas na estética; inauguramos duas novas seções. A primeira, chamada
“Em foco”, trará novidades e tendências, não apenas jurisprudenciais como também administrativas,
e projetos de lei de interesse da Magistratura e dos jurisdicionados. A segunda, assinada por mim e
nominada de Seção Dom Quixote, trará uma entrevista com personalidades que, no exercício de suas
funções, imbuídos dos mesmos ideais do personagem cervantino, dedicam mais que seus trabalhos na
tentativa de levar justiça aos mais precisam.
Neste mês estará “Em foco” a tão almejada informatização processual, iniciada no Superior
Tribunal de Justiça, que desde o dia 8 de junho deste ano, através de seu sistema eletrônico, eliminou
toda a necessidade do uso do papel. Com essa iniciativa o STJ sai na frente como uma das primeiras
cortes do mundo a implementar o sistema.
Na Seção Dom Quixote homenageamos a Desembargadora Conceição Mousnier, idealizadora do
Plano Mater, que visa a garantir a convivência familiar e comunitária a todas as crianças abandonadas
em abrigos. Coordenadora da Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA, a Desembargadora
Mousnier é merecedora desta e de muitas outras homenagens pela perseverança com que, desde a
época que atuava como Juíza da Infância e Adolescência, se dedica na luta para melhorar a vida dos
menores abandonados.
Nesses 10 anos temos muito a agradecer ao leitores, aos patrocinadores e acima de tudo aos que,
lembrando a parábola bíblica dos talentos, usam de nossa publicação para dividir os conhecimentos
adquiridos ao longo de suas vidas dedicadas ao desenvolvimento da nação.
Seguimos, então, rumo aos próximos 10 anos.
Tiago Santos Salles
Diretor
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2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 7
E ditorial
DE lUTA A FAVOR DA
justiça e Da ciDaDania
A
primeira edição da revista “Justiça &
Cidadania” ocorreu em maio de 1999; e lá
se vai uma década de publicações mensais,
tendo como princípio básico a pregação
da defesa intransigente do Poder Judiciário e da
Magistratura, o que temos cumprido com denodo,
coragem, ética, sacrifício e muito trabalho. Os louros
que temos colhido com as publicações justificam o
grato reconhecimento que concedemos aos nossos
colaboradores.
Somos penhorados aos primeiros incentivadores,
os Ministros Carlos Mário Velloso e Marco Aurélio
Mello, na ocasião Presidente e Vice-Presidente do
Supremo Tribunal Federal; ao Ministro Antônio Pádua
Ribeiro, na época Presidente do Superior Tribunal de
Justiça; aos Desembargadores Paulo Barata, Paulo
Espirito Santo, Alberto Nogueira, Tania Heine, Luiz
Fernando Ribeiro de Carvalho, na ocasião Presidente
da AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros,
ao Procurador da República João Pedro de Sabóia
Bandeira de Mello Filho; e, especialmente aos ilustres
e dignos membros do Conselho Editorial da Revista,
que propiciaram, com seus magníficos artigos e
substanciosas matérias, que galgássemos o prestígio
e o conceito alcançados.
A primeira luta ocorreu quando alguns desafo8 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Depois, e sempre, temos mantido
o mesmo rumo, demonstrando
com atos e fatos que o Poder
Judiciário e a Magistratura
representam perante a sociedade
o marco principal em defesa dos
interesses da nação, da cidadania
e dos direitos assegurados na
Constituição Federal.
Foto: Arquivo JC
10 anos
rados congressistas intentaram, com a instauração
de uma CPI, amesquinhar o Poder Judiciário com
acusações pueris e inconsistentes, o que mereceu a
publicação de veemente repulsa do Ministro Antônio
Pádua Ribeiro, como Presidente do Superior Tribunal
de Justiça.
Depois e sempre temos mantido o mesmo
rumo, demonstrando com atos e fatos que o Poder
Judiciário e a Magistratura representam perante a
sociedade o marco principal em defesa dos interesses
da Nação, da cidadania e dos direitos assegurados na
Constituição Federal.
E, baseados nos pronunciamentos dos Ministros
Carlos Velloso e Marco Aurélio Mello, criamos
a Confraria Dom Quixote e instituímos como
retribuição aos ilustres e dignos colaboradores da
Revista os troféus Dom Quixote de La Mancha e
Sancho Pança, por representarem essas duas figuras
criadas pelo universal escritor espanhol Miguel
Cervantes de Saavedra, face o espírito que emanam
de suas ações descritas na imortal obra, a mesma
dedicação à justiça que lhe dedicam os operadores
do Direito, especialmente os magistrados, cuja
postura se coaduna com as lições de amor, coragem,
luta, fidelidade, renúncia, abnegação e determinação
nas lutas cotidianas em favor dos desassistidos e
injustiçados.
No decorrer dos 10 anos de atividade jornalística, com 107 edições mensais publicadas, foram
divulgados cerca de 500 artigos e matérias de
autoria de ministros do Supremo Tribunal Federal,
Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior
do Trabalho, Superior Tribunal Militar e Tribunal
Superior Eleitoral; mais de 300 matérias colhidas
junto aos desembargadores dos Tribunais de Justiça
Estaduais, dos Tribunais Regionais Federais e dos
Tribunais Regionais do Trabalho; quase 300 artigos
de juízes de primeira instância; além de cerca de 400
colaborações de inúmeros professores de Direito,
juristas renomados e advogados de alto conceito e
cultura jurídica.
E foi graças aos magníficos colaboradores,
magistrados dos tribunais superiores, juízes
monocráticos, membros do Ministério Público, juristas,
jornalistas, professores, empresários, representantes
do Congresso Nacional e da Administração Pública
e Privada — que possibilitaram com a publicação
de excelentes matérias, recheadas de saber jurídico
e humanista —, que fosse alcançado o prestígio
e conceito cultural e jurídico da Revista, cujo
reconhecimento é de plena e permanente gratidão da
sua Direção e Editoria.
Cabe acrescer que, a par das manifestações
decorrentes da defesa permanente do Poder
Judiciário e da Magistratura, os propósitos adotados
pela Direção e Editoria da Revista também se inserem
fundamentalmente nos princípios arraigados pela
obstinação extrema, pela ação verberante — que se
opõe às falácias e patranhas que tentam denegrir as
instituições do Poder Judiciário.
E é com a confiante esperança de manter
indeléveis as mesmas intenções adotadas já há
10 anos que nos propomos a continuar na mesma
trincheira, defendendo normas éticas, morais, dignas
e exemplares como as sonhadas pelo Cavaleiro de
Triste Figura, defendendo a verdade e a aplicação do
Direito a favor dos desassistidos e injustiçados.
Orpheu Santos Salles
Editor
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 9
Dez anos Da Revista
“justiça & ciDaDania”:
UMA DéCADA DE REAlIZAÇÃO
Massami Uyeda
Ministro do STJ
Membro do Conselho Editorial
A
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Foto: Sandra Fado / STJ
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As páginas e as colunas
da revista “Justiça &
Cidadania” têm sido a
tribuna de advogados,
magistrados, empresários
e pesquisadores que dela
se utilizam para elevar suas
vozes e pensamentos.
Pode-se dizer, portanto, que a revista “Justiça & Cidadania”
comemoração de datas significativas, como nascimentos,
por seus leitores, pois refletem posicionamentos de profissionais
Salles, moderno Cavaleiro Andante, que tem a mesma
e a Confraria Dom Quixote completam-se. Ambas são frutos
jubileus, conquistas e vitórias, transcende a observação
que estão engajados com os mesmos propósitos de participar
têmpera do herói manchego, referida por San Tiago Dantas,
dos sonhos e ideais concretizados de um jovem idealista que
da transição temporal para tornar-se momento especial
de uma sociedade mais justa e equânime.
para quem “ a aspiração de D. Quixote à aventura, o seu
faz jus ao repto lançado por Saint-Exupery: ”l’homme se
de regozijo e de oportunidade para reflexões.
As páginas e as colunas da revista “Justiça & Cidadania”
desejo de renovar, no mundo povoado de injustiças, do seu
Ao rememorar aspectos e nuances desta passagem temporal,
têm sido a tribuna de advogados, magistrados, empresários e
tempo, a ação purificadora da andante cavalaria, e de operar
mesure devant l’obstacle”.
pode-se dimensionar seus efeitos, seus impactos e suas
pesquisadores que dela se utilizam para elevar suas vozes e
essa ação pelo dom de si mesmo, é, em si, um dos anseios
“Este mundo reclama a volta de Dom Quixote, pelo sentido
de pureza, fidelidade, amor, coragem, renúncia, dignidade
consequências e, assim, projetar lineamentos para o futuro.
pensamentos.
a que tendeu o espírito humano” (in “D. Quixote – Uma
Está-se, agora, em 2009, a comemorar-se os 10 anos de
Nesta década de existência da revista “Justiça & Cidadania”,
apologia da alma ocidental”, Ed. Universidade de Brasília,
e determinação — por sentir que sem eles a vida não teria
existência da revista “Justiça & Cidadania”, que nasceu sob a
as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais
1997, p.27).
sentido. De todos os lados, sob os mais variados e diversos
inspiração e transpiração de Orpheu Santos Salles, abnegado,
ocorreram quase na mesma velocidade das transformações
E, por isso mesmo, ao dar início à sua cavalgada rumo ao
nomes e as mais contraditórias aparências, o que o homem de
dedicado e incansável jornalista, que, como nas primeiras
técnico-tecnológicas. A sociedade brasileira não passou
ideal de bem servir, Orpheu Santos Salles instituiu também
nossos dias pede e reclama, o que ansiosamente espera, é o
edições, até hoje mantém sempre acesa a chama de seu ideal
ao largo dessas transformações. A aplicação do Direito e a
a Confraria Dom Quixote, agremiação não governamental,
retorno de Dom Quixote”, no dizer de Orpheu Santos Salles.
de bem servir, dando sua valiosa contribuição para que a
interpretação da lei, trabalho complexo e sutil a ser realizado
na sua mais pura acepção, pois não recebe qualquer auxílio,
Esta década de realização da revista “Justiça & Cidadania”
Justiça e a Cidadania se fortaleçam.
por advogados e juízes, há de levar em consideração o binômio
subvenção ou patrocínio oficial, constituída por homens e
é prova viva da sabedoria popular contida no dito “quem tem
A criação de uma revista mensal especializada em temas
temporal e espacial e os valores vigentes na sociedade para
mulheres que se destacam na defesa dos valores da ética, da
um bom começo, tem meio caminho andado” e que a jornada
relacionados à Justiça e à Cidadania, com a publicação de
que o primado do sum cuique tribuere possa ser alcançado.
justiça, da cidadania, do amor, da fidelidade, da coragem, da
para Cocagne tem início com o primeiro passo.
artigos de renomados juristas e profissionais de diversas áreas
renúncia, da determinação e no respeito à dignidade humana.
Há de ser promissora e um bom lugar de se viver a nação que
A publicação de artigos especializados, sem deixar de abordar
da atividade humana, pelo nível dos artigos publicados, presta
assuntos políticos na essência, porém isentos de viés partidário,
A sede social da Confraria Dom Quixote localiza-se onde
possui entre os seus filhos homens e mulheres que defendem o
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relevante serviço para a difusão de ideias e para a disseminação
se congreguem pessoas imbuídas do mesmo ideal e propósito
estado democrático de direito e valorizam os ideais de liberdade,
como os da revista “Justiça & Cidadania”, tem contribuído para
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de conhecimentos.
e suas assembleias realizam-se em foros previamente
igualdade e fraternidade, e os veículos de comunicação, a
trazer o fermento para fundamentar decisões.
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Os artigos publicados ao longo de uma década, todos os
anunciados. Ou seja, ela está sediada em todo lugar onde se
exemplo da revista “Justiça & Cidadania”, são instrumentos
Esta linha de orientação imprimida desde o início da
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meses, sem interrupção, têm sido aguardados com ansiedade
reúnam pessoas que vibram nesta mesma sintonia.
valorosos na defesa e divulgação destes ideais.
publicação da Revista tem sido a tônica de Orpheu Santos
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Foto: TJ/RJ
‘um plano que
DEU CERTO’
Entrevista: Conceição Mousnier, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Desembargadora Conceição Mousnier, Coordenadora da Comissão Estadual Judiciária de Adoção
D
internacionais. A Convenção de Haia conferiu a ela a função
de apoiar a execução da política do abrigado. Então, a
primeira providência que tomei ao assumir a coordenação da
Ceja foi alterar o regimento interno, adequando a comissão a
seu papel institucional.
Justiça & Cidadania – Qual é o objetivo do Plano Mater?
Conceição Mousnier – O Plano Mater foi criado enquanto
Coordenadora da Ceja e visa a garantir a convivência
familiar e comunitária a todas as crianças abrigadas. Esse
é o seu grande diferencial: a inserção do Poder Judiciário.
O comprometimento é total já que é gestado pelo Tribunal
fluminense. Tem como meta final a inserção dessas crianças
quer na família de origem, quer na família substituta, através
da adoção nacional e, em última instância, internacional.
JC – Em que fase está agora o Plano Mater?
CM – O Plano Mater tem várias ações para atingir a sua
meta. A primeira delas foi a alocação de recursos humanos,
junto às prefeituras, para mapear os abrigos. Não tínhamos
contingente especializado suficiente para isso. Então, fizemos
um convênio com os prefeitos, que nos forneceram assistentes
sociais, psicólogos e educadores que, somados ao contingente
do Tribunal de Justiça, resultou na reunião de 414 mapeadores.
A segunda ação foi o mapeamento, que terminou dia 5 de
junho. Agora estamos na fase de inserir os dados no sistema de
informática. O programa vai responder a tudo o que desejamos
saber. Por exemplo: quantas crianças recebem visitas? Quais
são os abrigos que não possuem equipe especializada? É
imprescindível que o abrigo tenha pelo menos uma Assistente
Social e uma Psicóloga. Ao saber que determinado abrigo não
tem esses profissionais, poderemos dialogar com as prefeituras
para obter a dotação qualificada.
JC – O foco da Ceja era a adoção internacional. A que se
deve essa mudança?
CM – A Ceja não tem só o papel de tratar de adoções
JC – Qual é a previsão para divulgação desses dados?
CM – Eles não serão divulgados imediatamente. Primeiramente estão sendo inseridos no programa de informática,
otar o Estado do Rio de Janeiro de uma política
própria para as crianças que vivem em abrigos foi
o que motivou a Desembargadora do Tribunal de
Justiça fluminense (TJ/RJ), Conceição Mousnier,
a idealizar o Plano Mater. A Magistrada assumiu há pouco
a coordenação da Comissão Estadual Judiciária de Adoção
(Ceja), e essa é a mais importante iniciativa que desenvolve.
O projeto ainda está em andamento, mas já obteve
reconhecimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
que recomendou a prática a todos os tribunais. “É um plano
antigo que estou conseguindo realizar duas décadas depois”,
disse a Desembargadora, que já foi Juíza da Vara da Infância
e Juventude.
12 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
que será capaz de produzir relatórios. O mapeamento se
voltou não só para dados cadastrais, permitindo atualizálos, mas deu ênfase a dados metodológicos, que permitirão
colóquio técnico entre diversos setores do TJ/RJ, com
formação de comissões. Aliás, as comissões já estão formadas
e trabalhando em cima dos resultados parciais que temos. Os
estudos realizados pelas comissões visam à elaboração de
um ato normativo a ser prolatado pelo Presidente do Tribunal,
Desembargador Luiz Zveiter, traçando a política institucional
do Poder Judiciário fluminense para a criança abrigada. Esse
ato terá vários capítulos, incluindo o processo de destituição
do pátrio poder e adoção, capacitação dos abrigos, parceria
com órgãos públicos e privados visando à formação de rede e
utilização de recursos já existentes voltados para a família e
fomentando a criação de outros.
JC – O CNJ também elegeu as questões envolvendo a
infância e juventude como prioridade. O TJ/RJ trabalhará
integrado com o órgão nacional?
CM – Em maio estive em Brasília sustentando o Plano
Mater. O CNJ recomendou a adoção da iniciativa por todos
os tribunais de Justiça do País. A interação com o Conselho
Nacional de Justiça é muito importante.
JC – Já é possível identificar, preliminarmente, qual é a
situação dos abrigos do Rio hoje?
CM – Os abrigos do Rio não são ruins. O que ocorre
é que muitos não têm profissionais especializados, nem
desenvolvem ações conjuntas que possibilitem a verdadeira
reinserção da criança à família de origem. Para isso, eles serão
capacitados pelo TJ/RJ. Vamos montar uma grade curricular
para passar conhecimento aos abrigos. Começaremos com
noções do Estatuto da Criança e do Adolescente. A propósito,
por ocasião do mapeamento foram descobertas crianças
e adolescentes que não constavam do cadastro “Módulo
Criança e Adolescente”, além de abrigos não cadastrados.
Os dados apurados pelo TJ/RJ, no desenvolvimento do
Plano Mater alimentarão o sistema cadastral desenvolvido
pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, dotando-os de
informações atualizadas.
JC – Como surgiu a ideia do Plano Mater?
CM – Fui Juíza da infância e juventude. Na época já tinha
a noção de que algo haveria de ser feito em prol das crianças e
adolescentes abrigados. Quando fui convidada para assumir a
Ceja, a primeira ideia que surgiu foi de realizar o sonho antigo
de formatar um plano. Não posso dizer que me sentei à frente
do computador e pensei: agora vou criar o Plano Mater. As
ideias foram fluindo, fui aperfeiçoando e quando vi o plano
estava pronto. A genialidade do poeta Gilberto Gil recomenda
em uma de suas mais belas canções: “amarre o seu arado a
uma estrela”. O Plano Mater é um sonho, mas sonho com os
pés no chão, dotado de linhas de ações claras, objetivas, e,
embora trabalhosas, perfeitamente exequíveis.
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Foto: SCO/STF
Da esquerda: Sr. Orpheu Salles, editor da Revista “Justiça & Cidadania”; o Procurador Geral da República, Dr. Antonio Fernando de Souza; o Ministro da Justiça, Sr. Tarso Genro; o Ministro
Supremo Tribunal Federal; o Sr. Bernardo Cabral, chanceller da Confraria Dom Quixote; o Ministro Milton de Moura França, presidente do Tribunal Superior do Trabalho; o Ministro José
Carlos Alberto Marques Soares, presidente do Superior Tribunal Militar; o Ministro Cesar Asfor Rocha, presidente do Superior Tribunal de Justiça; o Ministro Gilmar Mendes, presidente do
Antonio DiasToffoli, Advogado-Geral da União; e o Presidente da Transpetro, Sr. Sergio Machado.
PRêMiO à CidAdANiA
Reconhecer quem faz a diferença em prol do Judiciário. Com esse objetivo, a revista “Justiça & Cidadania”
homenageou personalidades do mundo jurídico, da iniciativa privada e da sociedade civil com a entrega dos
troféus Dom Quixote de La Mancha e Sancho Pança, em solenidade realizada no último dia 17 de junho,
na Sala de Sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. O primeiro prêmio
foi concedido àqueles que se destacaram na defesa da ética, da moralidade, da dignidade, da justiça e dos
14 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
direitos da cidadania. O segundo se destinou às pessoas que já receberam o Dom Quixote e mantiveram-se
fieis aos mesmos princípios.
O troféu e a Confraria Dom Quixote, do qual fazem parte os homenageados, foram criados por Orpheu
Salles, em 1999 — mesmo ano do lançamento da revista “Justiça & Cidadania”. O prêmio e a publicação,
portanto, comemoram 10 anos de existência agora em 2009. Nesse tempo, o jornalista acompanhou de
perto as mudanças pelas quais o Judiciário passou. Segundo afirmou, elas não foram poucas. “A maioria dos
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 15
A Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, recebe o troféu Dom Quixote das
mão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso
Foto: SCO/STF
Foto: SCO/STF
O Ministro da Justiça, Tarso Genro, recebe o troféu Dom Quixote das mãos da
Desembargadora do TRF 3ª Região, Marli Ferreira
O Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, recebendo o troféu
Sancho Pança das mãos do Sr. Bernardo Cabral, chanceller da Confraria Dom Quixote
16 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Agraciados
magistrados tem agido no sentido de fazer da Justiça algo que
o povo realmente espera. Ou seja, uma Justiça rápida. Estamos
vendo isso aqui”, disse.
Dom Quixote de La Mancha é um personagem criado pelo
escritor Miguel de Cervantes y Saavedra, que viveu entre
1547-1616. A obra faz paródia dos romances de cavalaria que
gozaram de imensa popularidade na época, mas que, naquela
altura, já se encontravam em declínio. A história gira em torno de
um ingênuo fidalgo, que depois de tanto ler essas publicações,
passa a acreditar nos efeitos heroicos dos cavaleiros medievais
e decide se tornar, ele também, um cavaleiro andante.
No desejo de combater as injustiças do mundo e homenagear
sua dama, Dulcinéia, o nobre personagem segue viagem
enfrentando situações perigosas. Entre as quais, moinhos de
vento que confunde com gigantes ou rebanhos de carneiros,
os quais acredita serem exércitos de inimigos. Isso, sempre
acompanhado de seu fiel escudeiro Sancho Pança: um ingênuo
lavrador, que aceita seguir o fidalgo pela promessa de uma ilha
para governar.
De acordo com Orpheu Salles, a fidelidade aos princípios
éticos e morais são as principais marcas do personagem,
assim também como das pessoas homenageadas com os
troféus. “Vivemos um momento difícil, em que a corrupção
grassa à administração pública. Queremos trazer a presença
de Dom Quixote, justamente pelos dogmas de ética, moral e
dignidade, que são de grande relevância para o momento. E,
se repararmos, veremos que há uma identificação muito grande
entre os princípios de Dom Quixote e o posicionamento dos juízes
brasileiros. Queremos, então, aflorar isso, para que todos olhem
e procurem seguir aquilo o que pregou Cervantes”, afirmou.
A revista “Justiça & Cidadania” homenageou, com o Prêmio
Dom Quixote, a ministra do STF, Cármen Lúcia; o ministro
da Justiça Tarso Genro; os ministros do Tribunal Superior do
Trabalho (TST) Aloysio Corrêa da Veiga e Rider Nogueira de
Brito; o presidente e o ministro do Superior Tribunal Militar,
respectivamente, Carlos Alberto Marques Soares e Francisco
José da Silva Fernandes; e os ministros do Superior Tribunal
de Justiça, Herman Benjamin, Paulo Furtado, Sidnei Beneti e
Teori Zavascki.
Também receberam o troféu Dom Quixote o AdvogadoGeral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli; o
diretor-presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi;
o presidente do TJ/RJ, desembargador Luiz Zveiter; o
presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício
Azêdo; o presidente da Harvard Law School Association of
Brazil, Max Fontes; o presidente da Comissão de Anistia,
Paulo Abrão Pires Júnior; o diretor jurídico da Oi, Eurico Teles;
o presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de
O Vice-Presidente do TRF 1ª Região, Desembargador Antônio Souza Prudente, entregando
o troféu Dom Quixote ao Advogado-Geral da União, Ministro José Antonio Dias Toffoli
Foto: SCO/STF
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O editor da revista “Justiça & Cidadania”, Orpheu Salles, entregando ao Ministro Eros Grau,
do Supremo Tribunal Federal, o troféu Sancho Pança
Foto: SCO/STF
Foto: SCO/STF
O Ministro Milton de Moura França, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, entregando
o troféu Dom Quixote ao Ministro Carlos Alberto Marques Soares, Presidente do Superior
Tribunal Militar
Foto: SCO/STF
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O chanceller da Confraria Dom Quixote, Sr. Bernardo Cabral, entregando o troféu Sancho
Pança ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes
O Ministro Teori Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, recebe o troféu Dom Quixote
das mãos do Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia, Professor
Ney Prado
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 17
A Nação precisa continuar empenhada
em reencontrar os caminhos de sua
grandeza. E para isso se faz necessário
que nos voltemos todos para a sua
reconstrução política, fincando raízes
no subsolo da nossa nacionalidade,
alcançando a sua estrutura
econômica e política, pois um país
só se mantém erguido nos braços da
soberania de seu povo.
Bernardo Cabral
significativa honraria”, afirmou.
Bernardo Cabral destacou os projetos, desenvolvidos por
muitos dos homenageados, que podem contribuir significativamente para a celeridade do Judiciário. Nesse sentido, ele
citou o projeto do STJ que tornou realidade o processo virtual
na Justiça brasileira. “A cada dia verifica-se, tanto por meio
do STJ como também do STF, uma pressa para que o povo
tenha um Judiciário nem trôpego nem atrasado. Uma grande
reclamação é a de que a Justiça é lenta. É preciso que se
dê a ela ferramentas e mecanismos necessários para acabar
com essa quantidade de recursos, que vão emperrando o
Judiciário”, afirmou.
E acrescentou: “Espero que, com essas medidas, possamos
acelerar não apenas a decisão, mas manter a sua precisão.
Espero também que os tribunais possam levar isso até o fim,
pois há muita gente interessada que tudo continue como está”.
No que diz respeito à informatização, o diretor-presidente
do Bradesco, também afirmou que esse é o caminho para a
revolução da Justiça. “Essa é uma causa comum: permitir
decisões mais céleres, mais rápidas”, disse Luiz Carlos
Trabuco Cappi.
O ministro Sidnei Beneti, do STJ, afirmou que a digitalização
dos processos, efetivada pela corte superior, se constitui em
um desafio que poucos países se atreveram a tentar. De acordo
com ele, essa nova realidade demandará mudanças, em vários
Janeiro, Thiers Montebello; e o Presidente da Transpetro,
Sergio Machado.
O troféu Sancho Pança foi concedido ao Presidente e
ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, respectivamente,
Gilmar Mendes e Eros Grau, assim como ao Presidente do
Superior Tribunal de Justiça, Cesar Asfor Rocha.
O ministro Gilmar Mendes destacou a importância da
premiação. “Gostaria de felicitar o Dr. Orpheu por essa iniciativa que conseguiu atrair tantas pessoas da vida pública brasileira, do mundo jurídico e do mundo empresarial”, elogiou.
Sergio Machado, da Transpetro, que discursou em nome
dos homenageados, também destacou a importância de dar
reconhecimento às iniciativas para fomentar a cidadania.
O presidente da Harvard Law School Association of Brazil,
Dr. Max Fontes, afirmou que as boas práticas desenvolvidas
pelos tribunais precisam ser identificadas para que sejam
reproduzidas e estimuladas. “Existem diversos talentos
que estão dispersos pelo Brasil e o prêmio serve como
catalisador disso. Acho extremamente válida a celebração
de instituições e pessoas que fazem a diferença”, disse.
O ex-ministro da Justiça e chanceller da Confraria Dom
Quixote, Bernardo Cabral, afirmou, durante a solenidade
de entrega dos troféus, que todos os agraciados, sem
exceção, expõem os predicados que marcaram a história
do personagem Dom Quixote. “Por isso, merecem essa
Foto: SCO/STF
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O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Milton de Moura França, entregando
o troféu Dom Quixote ao Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Rider Nogueira de Brito
Foto: SCO/STF
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O Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Cesar Asfor Rocha, entregando o
troféu Dom Quixote ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo Furtado
Foto: SCO/STF
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O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, recebe o troféu Dom Quixote
das mãos do Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Souza
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O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Sidnei Beneti, recebe o troféu Dom Quixote das
mãos do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau
18 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
O Ministro do Superior Tribunal Militar, Francisco José da Silva Fernandes, recebendo o
troféu das mãos do Presidente da Faesp/Senar, Fábio Meirelles
O Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Aloysio Corrêa da Veiga, recebe o troféu Dom
Quixote do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Milton de Moura França
setores, inclusive para atacar os pontos mortos do processo. “O
processo digital é acessível a todos. Com ele, irá desaparecer
a consulta aos autos, que faz com que os demais fiquem
esperando, quando alguém os retira para consulta. Entre tantos
aspectos positivos, esse, a meu ver, é um dos mais importantes
neste momento”, disse.
Segundo afirmou, essa nova realidade irá produzir uma
revolução na Justiça brasileira, principalmente no tocante
aos prazos. “Pode ser por meio de reforma na legislação ou
naturalmente por meio da interpretação do sistema processual.
Pode ser regimento, como pelas decisões dos tribunais, fazendo
as correções necessárias”, afirmou.
Sidnei Beneti também elogiou a iniciativa da revista “Justiça
& Cidadania” de reconhecer as práticas implantadas, tais como
a que possibilitou a instituição do processo virtual na Justiça
brasileira. “Tudo isso como incentivo nos impõem o dever de
renovar aquele ideal. Essa iniciativa significa um incentivo para
coisas melhores, para a sociedade brasileira”, afirmou.
No início da solenidade, Orpheu Salles agradeceu ao
ministro aposentado do STF, Carlos Mário Velloso, por ter
sido o grande incentivador da Revista “Justiça & Cidadania”,
e, principalmente, do troféu Dom Quixote. Atualmente na 18ª
edição. “Vossa Excelência, certa ocasião foi homenageado no
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e eu lhe ofereci o troféu
Dom Quixote. Para minha grande surpresa V. Exa. disse que
Dom Quixote sempre foi seu herói, pondo em destaque a
similitude das ações desse bravo personagem com as ações dos
magistrados do Brasil. Por isso resolvi que o troféu Dom Quixote
seria a retribuição da Revista a todos aqueles que colaborassem
para o seu crescimento. Já passaram-se dez anos, Ministro. E
eu tributo a V. Exa. grande parte do sucesso da revista e da
Confraria Dom Quixote”, disse o jornalista.
O jornalista elogiou o trabalho desenvolvido pelos ministros
Gilmar Mendes e Cesar Asfor Rocha, homenageados com o
troféu Sancho Pança, à frente dos mais importantes tribunais
superiores. Orpheu Salles afirmou que “os ministros Gilmar
Mendes e Cesar Asfor Rocha são credores da gratidão dos
jurisdicionados do Brasil pela presteza que têm imprimido
na distribuição da justiça brasileira, e principalmente, na
transparência das ações administrativas e modernização dos
tribunais, que têm sido fartamente divulgadas pela mídia”.
Referindo-se individualmente a cada um dos
homenageados, Orpheu Salles iniciou sua homenagem
pelo Desembargador Luiz Zveiter, elogiando sua gestão à
frente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, exaltando a
importância desse órgão que conquistou a primazia nacional
no atendimento célere ao público ávido de justiça. Mencionou
ainda as providências administrativas que o Desembargador
vem adotando, desde a sua posse no Tribunal, na reforma
estrutural e no planejamento de pessoal; medidas que estão
levando ao aperfeiçoamento funcional de todos os fóruns das
comarcas do Estado. Ressaltou ainda em seu discurso, por
oportuno, os propósitos do Desembargador, assumidos em
sua primeira fala depois da posse: “A Justiça tem o dever de
atender bem a todos que a procuram e atender ao máximo
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 19
Foto: SCO/STF
que ele lutou pelos jornalistas brasileiros ao pregar em defesa
da liberdade de imprensa e da livre manifestação de opinião
contra a ditadura militar — que além de prender, torturar e
matar, asfixiou os meios de comunicação — Maurício Azêdo é
merecedor do troféu Dom Quixote. Do mesmo troféu é digno
homenageado o presidente da Comissão de Anistia, Paulo
Abrão, que como um eficiente e incansável auxiliar do Ministro
da Justiça, recebe a justa retribuição pelo exaustivo trabalho
que executa no cumprimento do reparo constitucional, e no
atendimento àqueles cidadãos que buscam na Comissão da
Anistia os benefícios a que têm direito.
Saúdo ainda o presidente do Superior Tribunal Militar,
ministro togado Carlos Alberto Marques Soares, ilustre
colaborador da Revista, pelo merecimento ao troféu Dom
Foto: SCO/STF
O Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador Luiz Zveiter, recebe o troféu Dom Quixote do Procurador-Geral da República, Antonio Fernando de Souza
Agraciados
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O Ministro da Justiça, Tarso Genro, entregando o troféu Dom Quixote ao Presidente da Comissão
de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior
O Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, recebendo o troféu
Dom Quixote das mãos do Sr. Bernardo Cabral, chanceller da Confraria Dom Quixote
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em benefício do erário nacional nas controvertidas ações
judiciais, foi homenageado com o troféu Dom Quixote. Segundo
Orpheu Salles: “O ministro Toffoli é merecedor dos maiores
encômios pelo impedimento de recursos protelatórios, o que
tem proporcionado a drástica redução nos questionamentos da
União em pleitos inúteis”.
Ao então Procurador Geral da República, Antonio Fernando
Barros e Silva de Souza, que deixou o cargo, depois de 4 anos e
dois mandatos à frente da Procuradoria Geral da República, no
último dia 28 de junho, Orpheu Salles prestou homenagens pela
corajosa atuação no Ministério Público Federal, ao processar
aqueles que, no exercício das suas atividades públicas,
praticaram crimes de lesa-pátria.
Dando seguimento ao seu pronunciamento, o jornalista
cumprimentou o ex-senador Sergio Machado, presidente da
Transpetro, pelo recebimento do troféu Sancho Pança, símbolo
da fidelidade e representatividade dos que cumprem e promovem
a grandeza e defesa dos interesses nacionais. “Por sua atuação
à frente da Transpetro, que possibilitou o incremento do aumento
da tonelagem da marinha mercante brasileira a fim de alcançar
a primazia no mundo, seguindo as pegadas do Imperador Pedro
II, dedico-lhe nesta ocasião o troféu Sancho Pança”, discursou
o Editor.
“Cumprimento ainda o presidente da ABI, o bravo jornalista
Maurício Azêdo, que arrostou no passado os grandes perigos da
Ditadura vivida nesse país. Por tudo que ele sofreu e pelo tanto
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no mínimo tempo, pois a efetividade e a eficiência são seus
objetivos primordiais”.
À ministra Cármen Lúcia foi entregue o troféu Dom Quixote
pelas mãos de seu conterrâneo, ministro Carlos Velloso, tendo o
orador manifestado imensa satisfação e júbilo em homenageála, em virtude das excelsas qualidades éticas, morais e jurídicas
que a Ministra dedica à sua honrada e dignificante missão no
Supremo Tribunal Federal. Seguindo a linha, Orpheu enalteceu
o também ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau:
“Pela figura exponencial e renomado jurista, cuja figura
imponente lembra o velho bandeirante paulista Domingos Jorge
Velho, que desbravou o interior do Brasil, de 1628 até 1670,
Sua Excelência é merecedor da homenagem e dos aplausos
pela atuação firme que dedica à apreciação dos pleitos dos
jurisdicionados”.
Prosseguindo, o Editor afirmou que “a outorga do troféu
Dom Quixote de La Mancha ao Ministro Tarso Genro, significa,
além da retribuição aos artigos e entrevistas publicadas na
Revista, as homenagens e considerações a esse digno cidadão
do Rio Grande do Sul, renomado e conceituado professor de
Direito, natural da cidade de São Borja, berço de estadistas e
presidentes da República, como Getúlio Vargas e João Goulart,
pela postura adotada na condução da pasta da Justiça, com
trabalho, dignidade e determinação”.
O ministro José Antonio Toffoli, responsável pela
Advocacia-Geral da União, que tantos resultados tem trazido
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
O Presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, Thiers Montebello, recebendo
o troféu Dom Quixote das mãos do Sr. Bernardo Cabral, chanceller da Confraria Dom Quixote
A Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, entregando o troféu Dom Quixote ao
Diretor Jurídico da Oi, Eurico Teles
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O Presidente da Transpetro, Sergio Machado, recebendo o troféu Sancho Pança das mãos do Sr. Bernardo Cabral, chanceller da Confraria Dom Quixote
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O Presidente do Banco Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, recebendo o troféu Dom Quixote das mãos do Sr. Bernardo Cabral, chanceller da Confraria Dom Quixote
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Quixote de La Mancha, juntamente com o seu colega, Ministro
General do Exército Francisco José da Silva Fernandes,
ressaltando, que, além das qualidades morais e intelectuais
dos ilustres membros da alta corte castrense, também estendo
as homenagens aos ministros togados do Tribunal Militar do
passado, especialmente do período da ditadura, os quais na
maioria de seus julgamentos se portaram com independência,
votando vencidos, reconhecendo ainda os posicionamentos
corajosos do Almirante Júlio Bierrenbach e do General Peri
Bevilaqua, cujos votos e absolvições tanto desagradaram aos
potentados da ditadura.
Ressalto também a presença do ilustre jurista Eurico Teles,
diretor jurídico da Oi, homenageado com o troféu Dom Quixote
pelas suas qualidades éticas, alto conceito profissional e por
seu trabalho na criação da maior empresa de telecomunicações
do Brasil.
Ao Sr. Thiers Montebello, presidente do Tribunal de Contas
do Município do Rio de Janeiro, que tem agido com extrema
correção e fiscalização no exercício de seu cargo, servindo de
exemplo aos homens públicos, para mostrar-lhes que devem
seguir íntegros e honestos, exalto a merecida homenagem
concedida com a outorga do troféu Dom Quixote.
Igualmente, é com satisfação que outorgamos ao ilustre
Professor da FGV e Presidente da Harvard Law School
Association of Brazil, Dr. Max Fontes, o troféu do cavaleiro
da triste figura destacando o trabalho que tem realizado no
entrosamento do ensino jurídico brasileiro com a Universidade
de Harvard.
É com satisfação e júbilo que cumprimento os novos
membros da Confraria Dom Quixote, os ilustres membros do
Superior Tribunal de Justiça: Ministro Sidnei Beneti, paulista,
oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, que honrou com
sua inteligência e cultura jurídica e hoje dignifica com o seu
saber o STJ; Ministro Paulo Furtado, magistrado conceituado
do Tribunal de Justiça da Bahia, onde presidiu essa Corte,
e foi interinamente governador do Estado, cujo passado de lutas
e profícua ação judicante no STJ tanto o engrandece; Ministro
Teori Zavascki, natural de Santa Catarina, que por sua invulgar
competência dedicada à Magistratura se tornou merecedor dos
maiores encômios e homenagens; e o ministro Antonio Herman
Benjamin, oriundo do Ministério Público do Estado de São Paulo,
professor de Direito em universidades do Brasil e do exterior,
autor de farta e judiciosa matéria jurídica”.
Dando continuidade, Orpheu saudou os ministros do
Tribunal Superior do Trabalho, Rider Nogueira de Brito e
Aloysio Corrêa da Veiga, colaboradores da Revista, pela
outorga dos troféus Dom Quixote de La Mancha, que lhes
foram entregues pelo Ministro Milton de Moura França,
presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Cumprimetou
ainda o ilustre colaborador da revista, desembargador Nelson
Tomaz Braga, recém-eleito como representante da Justiça do
Trabalho no Conselho Nacional de Justiça, que veio do Rio de
Janeiro especialmente para prestigiar os ilustres ministros do
Tribunal Superior do Trabalho, agora seus companheiros da
Confraria Dom Quixote.
“Ressalto a presença do estimado Ministro Massami Uyeda,
professor de Direito, primeiro nissei a alcançar a honraria e
distinção da Magistratura no Superior Tribunal de Justiça,
distinto membro da Confraria Dom Quixote e do Conselho
Editorial da revista ‘Justiça & Cidadania’, da qual é contumaz e
brilhante colaborador.
Com grande satisfação registro a presença do prezado
Ministro Luis Felipe Salomão prestigiando a solenidade. Exdesembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
onde por sua ação se tornou um dos mais atuantes membros
da Justiça fluminense, alcançou por sua competência e
saber jurídico o Superior Tribunal de Justiça, onde é um dos
mais jovens membros. Faz parte da Confraria Dom Quixote
e para nosso orgulho também do Conselho Editorial de
nossa Revista.
Também constato a solene presença do Ministro Humberto
Martins; da presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
Desembargadora Marli Marques Ferreira; do Desembargador
Federal Paulo Batista Pereira, do Tribunal Regional Federal da
3ª Região; do Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da
1ª Região, Antonio Prudente; do Vice-Presidente da ABI, Tarcisio
Holanda; do Desembargador Joaquim Alves Brito; do ilustre
Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia,
Professor Ney Prado; e, do Presidente da Federação da Agricultura
do Estado de São Paulo, Dr. Fabio de Salles Meirelles”, prosseguiu
Orpheu Salles.
O jornalista cumprimentou o Ministro Francisco Peçanha
Martins, ex-presidente da Confraria Dom Quixote, pela presença
e o agradeceu pelo apoio e pelo estímulo costumeiros que muito
ajudaram a Revista e a Confraria a obter e manter o prestígio
de que hoje desfrutam.
E concluiu: “Acercando-me do final, encerro meu
pronunciamento prestando significativa homenagem post
mortem ao saudoso banqueiro Amador Aguiar, fundador do
Banco Brasileiro de Descontos, hoje Bradesco, cidadão de
alto tirocínio e capacidade de trabalho, que conseguiu elevar a
pequena Casa Bancária Almeida & Irmãos, da cidade de Marília,
interior de São Paulo, a um dos maiores estabelecimentos
bancários nacionais. Amador Aguiar reuniu uma equipe de
trabalho extraordinária, responsável também pela criação da
Fundação Bradesco, que é a maior entidade privada brasileira
na área de educação, tendo disponibilizado cursos técnicos
para mais de 500.000 jovens em todo o país.
Concomitantemente às referências saudosas a Amador
Aguiar, cumprimento pelo troféu Sancho Pança, o atual
presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, que,
com sua eficiência e capacidade, certamente alçará o Banco
Bradesco novamente à categoria de maior estabelecimento
bancário nacional. Registro e agradeço, finalmente, a presença
dos ilustres diretores do Bradesco, Carlos Alberto Rodrigues
Guilherme, membro do Conselho de Administração; Milton
Matsumoto, diretor executivo do Banco Bradesco; e Ivan Luiz
Gontijo Júnior, diretor jurídico da Bradesco Seguros, além, é
claro, de todos os outros convidados que prestigiaram mais
uma edição do troféu Dom Quixote. Obrigado!”
O Presidente da Harvard Law School Association, Dr. Max Fontes, com o seu troféu Dom Quixote ao lado do Ministro Carlo Mário Velloso e do Dr. Marcus Fontes
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disCURsO EM NOME dOs HOMENAgEAdOs
sergio Machado, presidente da Transpetro
“
Nessa ocasião saúdo, em nome dos homenageados, a
figura de Orpheu Salles que, como Dom Quixote, levou a
revista “Justiça & Cidadania” a alcançar a posição atual.
Eu talvez seja o único não togado daqui, o único que
vem da atividade política, e tenho uma satisfação muito grande
em estar saudando o Dr. Orpheu nesse momento. Porque
estamos vivendo um momento extremamente especial para o
Brasil e para o mundo, inspirados pela figura de Dom Quixote.
Esse herói teimoso, mas, sobretudo, um visionário que acreditava
no futuro e que defendeu a seu tempo valores essenciais para o
homem: direito, ética e cidadania.
À nossa geração foi legada uma oportunidade única.
O ideograma chinês para “crise” é sinônimo de perigo e
oportunidade. Hoje nós vivemos no mundo da crise, no mundo
do perigo e no mundo da oportunidade. Perigo para aqueles que
não fizeram o dever de casa e oportunidade para aqueles que
fizeram. O Brasil vem fazendo seu dever de casa.
É a hora de nós perdermos a visão
da crítica e buscarmos os visionários
para que o Brasil não perca esta
grande oportunidade. Porque o país que
construiu a democracia, que fez
as reformas institucionais e que é
dotado de riquezas naturais de
suma importância não é um
moinho de vento.
Foto: SCO/STF
Presentes entoando o Hino Nacional
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Agraciados
É a hora de nós perdermos a visão da crítica e buscarmos
os visionários para que o Brasil não perca esta grande
oportunidade. Porque o país que construiu a democracia,
que fez as reformas institucionais e que é dotado de riquezas
naturais de suma importância não é um moinho de vento.
Um país que possui todos os tipos de energia, que tem 10%
da água doce do mundo e que é a grande alternativa para a
produção de alimentos no mundo — porque só nós e a África
temos terras disponíveis — é a grande oportunidade da
nossa geração.
Uma geração que precisa se unir em torno do futuro, porque
o futuro depende de nós. É muito mais fácil criticar, visto que
pra criticar é necessário apenas falar de coisas que já existem,
coisas do passado. O futuro não vai esperar pela crítica. O
futuro não vai esperar pelo passado e a oportunidade do Brasil
é aqui e agora. Quem ousaria dizer que com a crise surgiriam
oportunidades para os países emergentes? Quem falasse isso há
um ano atrás seria considerado Quixotesco. Mas é exatamente
isso que estamos vivendo. O mundo do G7 não prepondera.
Hoje nós temos cada vez mais o mundo dos BRICs, o mundo dos
emergentes, e por quê isso está acontecendo? Porque há uma
mudança geral na riqueza do mundo. Hoje o G7 detém apenas
42% do PIB do mundo. A América Latina, a Índia e a China têm
um PIB igual ao dos Estados Unidos, e essa nova correlação de
forças, essa nova geopolítica, é que está diante de nós. E este é
o caminho que nos cabe avançar. Deixando de lado as questões
menores e pensando grande.
Para mim, que não sou bacharel e que não sou togado, é
uma oportunidade muito grande falar com uma plateia tão seleta
em um momento tão importante e tão difícil, em que as pessoas
estão escolhendo o caminho mais fácil. E qual o caminho mais
fácil? É criticar. Olhar o passado. Só que o passado vai fazer
com que percamos uma chance e a história não perdoará a
nossa omissão.
É uma imensa satisfação receber esse troféu e falo em
nome de todos os homenageados. Falo com o coração, com
confiança e com esperança nesse país no futuro. Nós vivemos a
era da esperança; e ela tem duas filhas lindas: a indignação e a
coragem. A indignação é não aceitar as coisas como estão. E a
coragem é a força para mudá-las. Por isso estamos construindo
um país com justiça social. Para podermos olhar o futuro com
bastante esperança. Muito obrigado a todos!“
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 25
DissoluçÃo Da socieDaDe
conjuGal no cÓDiGo civil De 2002:
SEPARAÇÃO CONSENSUAl JUDICIAl
E EXTRAJUDICIAl
Em termos rigorosos, a anulação do casamento, o que o pressupõe inválido,
retroage à celebração. Logo, não seria propriamente uma dissolução, mas uma
declaração de invalidez, que atingiria o plano da eficácia.
Humberto Martins
Ministro do STJ
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26 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
O
conjugal é uma figura parcelar do casamento. Ela nasce
concomitantemente com o matrimônio, embora possa ser
desfeita antes da extinção do vínculo conjugal. A sociedade
conjugal, portanto, define-se como a comunhão patrimonial
(regime de bens) e pessoal (coabitação e fidelidade recíproca)
entre marido e mulher.
2. sociedade conjugal e casamento
É interessante, do ponto de vista técnico-jurídico, definir o
que seja sociedade conjugal e casamento, conceito equiparado
a vínculo conjugal, cuja distinção é conservada pelo Código de
2002.
O casamento é a relação jurídica de comunhão plena de
vida entre homem e mulher, que abrange a própria sociedade
conjugal e elementos outros, como o devedor de assistência
mútua, respeito e consideração, sustento, guarda e educação
dos filhos. Equivale ao chamado vínculo conjugal. A sociedade
3. O rol de causas extintivas da sociedade e do vínculo
conjugal (casamento) do art. 1.571 do CCB/2002
A Constituição Federal de 1988, após um intenso processo
de constitucionalização formal e material das regras de Direito
de Família, fez menção expressa ao divórcio e à separação
judicial em seu art. 226, § 6º, quando afirmou: “O casamento
civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação
judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou
comprovada separação de fato por mais de dois anos.”
O Código Civil concentra, no art. 1.571, o rol de causas
extintivas da sociedade conjugal e do casamento, da forma
seguinte: a) sociedade conjugal: morte de um dos cônjuges;
nulidade ou anulação do casamento; separação judicial; divórcio;
b) casamento: morte de um dos cônjuges; c) divórcio; d) morte
presumida.
A leitura apressada do art. 1.571 pode conduzir a alguns
equívocos.
Primeiro, a morte de um dos cônjuges, nela incluída a
morte presumida por ausência, e o divórcio extinguem tanto a
sociedade conjugal quanto o casamento. Na verdade, dissolver
o casamento implica extinguir a sociedade conjugal, quando o
inverso não é necessariamente verdadeiro.
1. introdução
Direito de Família no Brasil atravessa uma fase
de intensas mudanças. A própria nomenclatura da
disciplina jurídica tem sido objeto de discussão, com
algumas obras recentes cuidando de um “Direito das
Famílias”, como a significar a existência de não mais um único
modelo familiar, a dita família clássica, e sim uma pluralidade
de situações fáticas, merecedoras de reconhecimento jurídico
(família monoparental, família reconstituída, família decorrente
de uniões livres).1 A jurisprudência, e nisso o Superior Tribunal
de Justiça tem papel essencial, deve exercer o necessário ofício
de adequar certos pontos defendidos na dogmática ou em
grupos de pressão ao equilíbrio de posturas que a sociedade
brasileira espera, conforme seus valores e suas convicções.
Um dos capítulos do Direito de Família, mais propício à
análise, é o campo da dissolução da sociedade conjugal no
Código Civil de 2002, que emprestou novas feições ao tema. É
precisamente esse o objeto do presente estudo.
Segundo, a anulação do casamento, indicada como causa
extintiva da sociedade conjugal, é, também, causa de dissolução
do casamento. Só que atua como elemento solvente do
casamento inválido. Daí a razão de o § 1º do art. 1.571 reservar
ao casamento válido as causas específicas da morte e do
divórcio. A forma confusa com que a matéria foi tratada, porém,
conduz a essa aparente antinomia.
Terceiro, em termos rigorosos, a anulação do casamento,
o que o pressupõe inválido, retroage à celebração. Logo,
não seria propriamente uma dissolução, mas uma declaração
de invalidez, que atingiria o plano da eficácia. Como efeitos
residuais do nulo, porém, ter-se-iam situações reconhecidas
juridicamente como casamento putativo.2
Dessa forma, ter-se-ia como apresentar o seguinte quadro
dogmático sobre a dissolução da sociedade conjugal e do
casamento:
a) Casamento válido: divórcio, morte (equiparada a essa a
morte presumida);
b) Casamento inválido: nulidade ou anulação (tecnicamente
não ocorria dissolução, mas extinção por invalidade);
c) Sociedade conjugal: morte de um dos cônjuges; nulidade
ou anulação do casamento; separação judicial; divórcio.
4. Morte presumida
A inclusão da morte presumida, que se dá na ausência
(arts. 6o e 22 do CCB/2002), como causa de dissolução do
vínculo conjugal, representa um interessante acréscimo do novo
Código.
Com isso, resolveu-se o problema da qualificação do
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 27
Foto: sxc.hu
Rigorosamente, a separação de
fato não extingue a sociedade
conjugal e, com isso, em tese,
permanecem válidas as regras
atinentes ao regime de bens.
cônjuge do ausente, que, no direito anterior, poderia ser
caracterizado como viúvo, semiviúvo ou ainda casado, o
que, neste último caso, implicaria a necessidade de propor
ação de divórcio contra o ausente. Era esse o entendimento
dogmático majoritário.3 Recorde-se que o art. 315, parágrafo
único, do Código de 1916, expressamente excluía a morte
presumida como causa de dissolução do matrimônio. Por mais
duradouro que fosse o estado de ausência, ele não dissolvia
o vínculo conjugal.
5. separação de fato
5.1. Separação de fato: conceito e abrangência
Antes de examinar as duas principais hipóteses de extinção
da sociedade conjugal e do casamento, a saber, a separação e
o divórcio, é conveniente analisar o problema da separação de
fato.
Ela pode ser definida como um fato jurídico eficaz,
caracterizado pela interrupção efetiva e estável da convivência
conjugal não declarada judicialmente, como leciona Massimo
Bianca.4
A separação de fato apresenta três caracteres dignos de
apreciação: 5
a) Sua ocorrência não se confunde com situações episódicas
(viagens, ausências temporárias para tratamento de saúde ou
de interesses profissionais) ou temporárias, ainda que dilatadas
no tempo, ao estilo de serviço militar ou civil no exterior;
b) A separação pode-se dar por mútuo consentimento dos
cônjuges, o que não gera qualquer eficácia negativa, ao exemplo
do art. 1.573, inciso IV, do CCB/2002, que considera como
causa de impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de
28 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
“abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo”;
c) Se unilateral e durável por mais de um ano, como já exposto,
pode servir de fundamento para qualificar a impossibilidade de
comunhão de vida (art. 1.573, inciso IV, do CCB/2002). Como
consequência, poderá o cônjuge requerer a separação judicial,
com fundamento no § 1o do art. 1.572 do CCB/2002.6
5.2. Separação de fato e regime de bens
Rigorosamente, a separação de fato não extingue a
sociedade conjugal e, com isso, em tese, permanecem válidas as
regras atinentes ao regime de bens. O Código Civil, no entanto,
abre algumas exceções. Por exemplo, o indivíduo separado de
fato pode constituir união estável, nos termos do art. 1.723,
§ 1o, do CCB/2002. Dito de outro modo, a circunstância de
se encontrar casado, mas faticamente separado, não é mais
considerada como impedimento jurídico ao reconhecimento da
validade e da eficácia da união estável.
Afirmou-se que a extinção do regime de bens não é afetada
em tese pela separação de fato, porque na tópica jurisprudencial
do Superior Tribunal de Justiça há fissuras nessa tese.
A Corte, por exemplo, entende que “os bens adquiridos
por um dos cônjuges após a separação de fato não integram o
acervo a ser partilhado pelo casal.”7
Outro tema interessante é a interpretação dada ao art. 12 da
Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato), que admite a separação
de fato como causa suficiente à prorrogação automática
do contrato de locação com o cônjuge ou companheiro que
permanecer no imóvel. Para o STJ, exige-se mera comunicação
do interesse em prosseguir no vínculo, baseado na existência da
separação. 8
5.3. Separação de fato e deveres conjugais
A separação de fato, conquanto não extinga a sociedade
conjugal, ameniza os deveres entre os cônjuges, especialmente
quando duradoura e pública. Assim, é socialmente aceito
que alguém separado de fato mantenha relações com outras
pessoas, de modo discreto e respeitoso. No entanto, o STJ tem
decisões que mantêm algum tipo de vinculação entre os cônjuges
separados de fato, característicos da mútua assistência.
5.4. Separação de fato e reconstituição do vínculo afetivo
Se os cônjuges separados de fato pretenderem voltar
à plena comunhão de vida, não se fará necessária qualquer
outra formalidade. Basta o retorno ao status quo ante, com o
restabelecimento dos vínculos afetivos e demais efeitos fáticos
do casamento.9
6. separação judicial
A separação judicial, antigo desquite, poderia ocorrer de
modo consensual ou litigioso.
Após o advento da Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007,
criou-se a possibilidade de realizar a separação consensual
sem o recurso ao Poder Judiciário. Com isso, faz-se necessário
estabelecer o tertius em relação à antiga dicotomia separação
judicial-consensual e separação judicial-litigiosa. Agora, existe a
separação extrajudicial-consensual.
A presente seção cuidará dessas três modalidades de separação e, por conseguinte, de extinção da sociedade conjugal.
6.1. Separação judicial consensual ou por mútuo consentimento
A separação judicial por mútuo consentimento, dita
consensual, é o modo de extinção da sociedade conjugal,
admitido para cônjuges casados por mais de 1 ano que
requerem ao juiz a homologação de seu acordo de vontades
orientado a dissolver os laços. O papel do magistrado é o de
apor um requisito de eficácia a um negócio jurídico privado, que
os cônjuges celebraram previamente, estabelecendo como será
extinta a sociedade que os prendia. Caberá ao juiz examinar os
aspectos formais. No entanto, admite-se que avance sobre a
vontade manifestada quando “se apurar que a convenção não
preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos
cônjuges” (art. 1.574, parágrafo único, do CCB/2002).
A separação é personalíssima. Admite-se, porém, que o
cônjuge incapaz seja representado pelo curador, pelo ascendente
ou pelo irmão.10
6.2. Procedimento de separação judicial consensual
A separação judicial consensual encontra no Código de
Processo Civil seu procedimento, que tem natureza especial e
voluntária.
O pedido inicial é obrigatoriamente formulado por ambos
os cônjuges. Na verdade, devem os cônjuges assinar a petição
inicial, devidamente subscrita pelo advogado, detentor da
capacidade postulatória. A falta de assinatura pode ser suprida,
caso os separandos não possam ou não saibam escrever, por
meio de terceiro que o faça a rogo. Se a firma dos peticionantes
não houver sido lançada perante o juiz, deve ser reconhecida em
notas de tabelião.
Os documentos obrigatórios que devem acompanhar a inicial
encontram-se no art. 1.121 do CPC: a) certidão de casamento;
b) contrato antenupcial, se houver; c) o acordo de separação
judicial consensual. Esse termo de acordo terá o conteúdo
seguinte, também informado pela referida norma do CPC: a)
descrição dos bens do casal e respectiva partilha; b) o acordo
relativo à guarda dos filhos menores e ao regime de visitas; c)
valor da contribuição para criar e educar os filhos; d) pensão
alimentícia, se um dos cônjuges não possuir bens suficientes
para se manter.
Excepcionalmente, pode-se deixar a partilha dos bens
para outro momento, seguindo-se o procedimento especial de
partilha, também previsto na legislação processual civil.
A nova sistemática introduzida pela Lei nº 11.112, de
13.5.2005, relativamente ao regime de visitas, deve compreender
“encontros periódicos regularmente estabelecidos, repartição
das férias escolares e dias festivos”.11
Como já salientado, o papel do juiz, nesses procedimentos,
é restrito à observação dos requisitos formais previstos na
legislação processual e no Código Civil. O controle do mérito do
acordo, como dito no art. 1.574, parágrafo único, do CCB/2002,
que diz com a preservação dos interesses dos filhos ou de um
dos cônjuges, é excepcional. Em relação aos filhos, justifica-se
plenamente. O acordo não pode violar o interesse de menores,
sob o fundamento da proteção aos incapazes, ou os deveres
advindos do chamado poder-parental. No que concerne ao
cônjuge, há posições na doutrina que repudiam essa prerrogativa
jurisdicional, como invasiva da autonomia privada dos cônjuges
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 29
e, por, assim, criar óbices à dissolução da sociedade conjugal.12
Na verdade, a crítica serve para colocar em evidência a
necessidade de baixa interferência judicial em um negócio
tipicamente privado e que, agora, com a criação da separação
consensual extrajudicial, se torna ainda mais restrita.
Recebida a petição e observada sua regularidade, o juiz ouvirá
os separandos, indagando-lhes sobre os motivos que assim
os conduziram e advertindo-lhes dos efeitos dessa iniciativa.
Essa disposição normativa, que figura no art. 1.122 do CPC,
só se justifica em razão de uma única finalidade: permitir que
os cônjuges reflitam sobre seu ato, porquanto haverá sempre
a possibilidade de retratação, antes do ato homologatório.
Fora disso, é inócua a previsão normativa. A uma, pois orientar
e aconselhar os interessados é função específica de seus
advogados. Cuida-se de atividade profissional do patrono, e
ao juiz não se pode dar a prerrogativa de agir como síndico de
interesses particulares. A duas, a eventual existência de coação,
dolo ou erro poderá ser provada por meio de ação própria,
seguindo-se a boa técnica do controle dos defeitos do negócio
jurídico.
Ultrapassada a fase de investigação da firmeza da vontade
dos separandos, reduzidas a termo as declarações, deverá o juiz
ouvir o Ministério Público, no prazo de cinco dias.13
No STJ, há acórdãos reconhecendo a nulidade da sentença
na ausência de manifestação do MP: “Sem a oitiva do Ministério
Público, a sentença que homologa a separação consensual é
nula.” (REsp 134.776/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira
Turma, julgado em 11.11.2002, DJ 16.12.2002, p. 308.)14
Se houver dúvida sobre a firmeza da intenção dos cônjuges
em se separar, o juiz marcará audiência, com intervalo entre 15
e 30 dias, para que ratifiquem o pedido de separação judicial
consensual. A ausência de qualquer dos cônjuges ou sua não
ratificação implicam a expedição de decisório pelo arquivamento
do processo.
Os interessados podem, desse modo, não comparecer
à audiência ou não ratificarem a intenção primitiva. O juiz
deixará de homologar o acordo sob o fundamento da ausência
de vontade. Essa negativa não se confunde com a causa que
lhe determinou e pode-se dar, ainda, sob fundamento diverso,
como a observação de que o acordo não preserva o interesse de
menores ou de um dos cônjuges.15
A sentença de homologação da separação será averbada no
Registro Civil, dada a mudança do estado civil dos separandos
e, eventual, a alteração em seu nome. Quanto aos bens
imóveis partilhados, faz-se necessária a averbação no Registro
Imobiliário competente.16
30 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
7.2. Procedimento da separação extrajudicial consensual
Os interessados que não possuam filhos menores ou
incapazes nascidos de sua união, encontrando-se em pleno
gozo de suas faculdades mentais, poderão elaborar escritura
pública, lavradas em notas de tabelião, para fins de separação
consensual.
aqui escritura pública, no Registro Civil das Pessoas Naturais e,
se houver bens imóveis, também no Registro de Imóveis.
A gratuidade dos atos do tabelião é definida em lei para
os pobres, reconhecidos como tais. Ela estende-se também
aos atos decorrentes da escritura, ao exemplo das aludidas
averbações nos Registros Civil e Imobiliário.20
7.3. Intervenção do Ministério Público
A separação extrajudicial consensual, provavelmente em
razão da forma excessivamente sintética com que foi tratada
no art. 1.124-A, omitiu-se quanto à intervenção do Ministério
Público. Recorde-se que essa atuação ministerial é considerada
como obrigatória na separação judicial consensual.21 Se o juiz
foi dispensado, nada mais natural que assim também o seja o
Parquet.
7.4. Filhos menores ou incapazes
A redação do art. 1.124-A do CPC refere-se à inexistência
de “filhos menores ou incapazes” dos cônjuges como requisito
para que postulem a separação pelo rito extrajudicial.
Há aqui outro lapso do legislador. É evidente que não
cabe esse procedimento quando houver filhos menores e, por
isso, sejam incapazes. De outro modo, poderá haver filhos
menores, mas, excepcionalmente, capazes, como na situação
dos menores emancipados. A obtenção da capacidade civil
plena, antes de atingida a idade de 18 anos, não retira
Foto: stockxpert
6.3. Conversão de separação judicial litigiosa em separação judicial
consensual
Os sucessos ocorridos em uma ação de separação judicial
litigiosa podem conduzir a um pedido de conversão de rito. É
por esse motivo que o art. 1.123 do CPC, expressamente afirma
que essa postulação é de ser formulada pelas partes a qualquer
tempo, no curso da separação judicial.
Essa conversão dá-se nos mesmos autos.17
Os cônjuges devem estar separados há, pelo menos, um ano.
Os interessados devem estar acordes quanto: a) à descrição
e à partilha dos bens comuns; b) à pensão alimentícia; c) à
retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção
do nome adotado quando se deu o casamento.
É possível ampliar o objeto do acordo, em relação ao
detalhamento do que contém o art. 1.124-A, § 1o, do CPC, desde
que se circunscreva aos três pontos essenciais ali delineados: a)
partilha dos bens; b) pensão alimentícia; c) nome dos cônjuges.
Entende-se que, se na separação judicial por mútuo
consentimento, é possível diferir a partilha, não seria de se
exigir na separação extrajudicial a prévia partilha dos bens. Em
situações normalmente esperáveis, os separandos necessitam
dilatar o exame da divisão do acervo comum de bens, em nome
da própria conservação da harmonia entre eles. Daí ser possível
escriturar o acordo sem prévia partilha, o que atrai, por analogia,
a regra do art. 1.221, § 1o, do CPC.19
A escritura, que pode ser previamente elaborada pelos
interessados, somente poderá ser tornada pública, a saber,
lavrada pelo notário, se as partes houverem sido assistidas
pelo advogado comum ou pelo de cada um deles. O advogado
obrigatoriamente deverá ter seu nome e sua qualificação no ato,
ao qual concorrerá com sua firma no ato notarial.
Após a lavratura pelo tabelião, embora a lei não o diga
expressamente, entende-se que se deve aplicar analogicamente
o art. 1.124 do CPC, que determina a averbação da sentença,
7. separação extrajudicial consensual
7.1. Fundamento jurídico-político e problemas constitucionais da
nova espécie de separação
A Lei nº 11.441, de 4.1.2007, alterou o Código de Processo
Civil e permitiu a realização de inventário, partilha, separação
consensual e divórcio consensual por via administrativa.
Inspirada no direito português, essa norma retirou dos negócios
jurídicos privados que dissolviam a sociedade conjugal ou o
casamento, bem assim arrolavam bens para partição entre
herdeiros ou cônjuges, a necessidade de um fato eficacial — a
sentença do juiz.
Compreendeu o legislador que pessoas maiores e capazes
em perfeito acordo sobre seus vínculos conjugais e patrimoniais,
sem que seus atos interfiram na esfera de incapazes, podem
dissolver as relações que os unem da mesma forma como as
fizeram nascer, ou seja, sem a participação do Poder Judiciário.
Operou-se a simplificação de procedimentos em nome da
perda de relevância para o Estado desses negócios. É a etapa
derradeira do processo de ruptura do Estado com aspectos
morais historicamente ligados ao casamento.
Surge, porém, um problema constitucional. O art. 226, § 6º,
da CF/1988 cuida que o casamento civil pode ser dissolvido
pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano,
nos casos expressos em lei, ou se comprovada separação de
fato por mais de dois anos. O art. 1.124-A do CPC, introduzido
pela Lei nº 11.441/2007, criou a figura da separação consensual
e do divórcio consensual, realizados por escritura pública, sem
necessidade de homologação judicial.
Não há referência no texto magno à figura da separação
puramente extrajudicial. É de ser cogitada a constitucionalidade
dessa nova espécie, mormente quando se nota que o
mencionado art. 226, § 6º, da CF/1988 limite o divórcio a uma
prévia separação judicial e não a uma separação extrajudicial.
Com isso, os separados judicialmente poderão convertê-la em
divórcio, enquanto que os separados extrajudicialmente não o
poderiam, em face da leitura estrita do art. 226. Remanesceria
aos últimos a hipótese de um divórcio direto, após dois anos de
separação de fato.
O problema da constitucionalidade, portanto, liga-se a dois
postulados: a) legitimidade da norma infraconstitucional criar
espécie de separação diversa da judicial; b) discriminação entre
os separados judiciais com os separados extrajudiciais.
Ao meu viso, a forma encontrada pelo legislador ordinário
para tornar extrajudicial a separação é compatível com a
Constituição. Assim, deve-se admitir sob o seguinte fundamento:
a terminologia “separação judicial”, usada no art. 226 da
CF/1988, é apenas um nomen iuris, da mesma forma como já
se cuidou dessa figura sob o antigo nome de desquite.18
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 31
A separação extrajudicial, por conseguinte, é cabível quando
houver filhos capazes, independentemente de serem maiores
ou menores. Por óbvio, se forem menores e não tiverem sido
emancipados, recairão na regra geral da incapacidade.
desses filhos a condição de menores, conquanto se tenham
convertido em capazes.
A separação extrajudicial, por conseguinte, é cabível quando
houver filhos capazes, independentemente de serem maiores
ou menores. Por óbvio, se forem menores e não tiverem sido
emancipados, recairão na regra geral da incapacidade.
deixando para outro momento a difícil tarefa de departir o
acervo patrimonial.
Em relação ao pensionamento, é lógico que os cônjuges
sobre isso dispuseram em seu acordo ou em sua escritura.
Se houve renúncia aos alimentos, já entendeu o STJ que não
é possível sua superveniente exigência entre os separados.22
7.5. Caráter opcional da separação extrajudicial por mútuo
consentimento
A coexistência das duas espécies de separação por mútuo
consentimento implica ser uma opção das partes seguir o rito
judicial ou a forma extrajudicial.
9. Restabelecimento da sociedade conjugal
A separação por mútuo consenso, na medida em que
interfere apenas na sociedade conjugal e não no casamento,
é suscetível de reversão por meio de um simples expediente:
o pedido de restabelecimento. Reconciliados os cônjuges,
por mera petição dirigida ao juiz de família, podem requerer
seja restaurada a sociedade conjugal. Com isso, recuperam
o estado de casados e deixam o estado de separados.
Não há mais vinculação do juiz da separação ao pedido de
restabelecimento.
Os deveres anexos, que foram dissolvidos, renascem,
ao exemplo da coabitação e da fidelidade, conquanto alguns
outros jamais hajam sido molestados, ao exemplo do respeito
mútuo e das obrigações para com os filhos.
A sentença de restabelecimento será também averbada
nos cartórios competentes. Os terceiros que hajam mantido
relações com os separados, antes e durante o estado de
separação, independentemente do regime de bens, terão suas
prerrogativas jurídicas respeitadas. Com isso, ficam imunes à
anulação as vendas e compras operadas sem vênia conjugal,
e são válidas as doações feitas pelos cônjuges no acordo de
separação, seja aos filhos, seja a terceiros.
Uma vez mais o tratamento aligeirado da separação
extrajudicial reflete-se no problema do restabelecimento
da sociedade conjugal. Se a separação judicial permite o
restabelecimento por mera petição ao juiz de família, o que
dizer da separação extrajudicial? Não há regra legal explícita.
Deve-se colmatar essa lacuna por meio do raciocínio analógico:
se os separandos assim se tornaram por meio de escritura,
basta celebrar nova escritura pública de restabelecimento da
sociedade, a qual, depois de lavrada, deverá ser averbada nos
cartórios competentes. Em relação aos ofícios imobiliários, a
nova situação deverá sempre e sempre respeitar os direitos
adquiridos por terceiros.
8. Efeitos da dissolução da sociedade conjugal por meio
da separação judicial por mútuo consentimento ou pela
separação extrajudicial
O efeito principal da separação por mútuo consentimento,
na espécie judicial ou extrajudicial, é a dissolução da sociedade
formada pelos cônjuges, o que, como exposto, nada diz com o
próprio casamento. Os cônjuges separam-se, mas permanecem
casados.
A sentença, ao extinguir a sociedade conjugal, resolverá
a separação de corpos (art. 1.575, caput, do CCB/2002). É
decorrência lógica que o efeito da separação entre os cônjuges
é o fim da intimidade entre eles.
Existem ainda efeitos anexos da separação judicial: a)
extinguir os deveres de coabitação e de fidelidade recíproca;
b) dissolver o regime de bens; c) resolver a questão da pensão
alimentícia.
Quanto ao regime de bens, em tese, a separação haverá
de resolvê-lo por meio da partilha. É objetivo da separação
operar essa divisão patrimonial, como afirma também o art.
1.575, caput, do CCB/2002. Tanto no acordo judicial quanto
no extrajudicial os separandos podem dispor sobre o acervo
decorrente de sua união. Os quinhões conjugais devem ser
objeto de detalhamento no acordo ou na escritura, conforme
o caso.
Não obsta a ocorrência da separação a ausência de partilha
prévia, como assinala o art. 1.121 do CPC. Essa foi uma
técnica legislativa das mais úteis, porque dá aos separandos a
oportunidade de resolverem questões pessoais imediatamente,
32 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
BiBLiOgRAFiA
CAHALI, Yussef Said. “Divórcio e separação”. 8 ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.
DIAS, Maria Berenice. “Manual de direito das famílias”. 4 ed., rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIAS, Maria Berenice. “Da separação e do divórcio”. In. DIAS, Maria
Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Orgs.) “Direito de família e o novo
Código Civil”. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. “Direito das
famílias”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
FRANÇA, Antonio de S. Limongi. Separação judicial: instituto ou nomen
juris? O estado civil do separado extrajudicial. COLTRO, Antônio Carlos
Mathias; DELGADO, Mário Luiz (Coords). In: “Separação, divórcio, partilhas
e inventários extrajudiciais”. São Paulo: Método, 2007.
LOBO, Paulo Luiz Neto. “Famílias”. São Paulo : Saraiva, 2008.
NADER, Paulo. “Curso de direito civil: Direito de família”. 2 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. v. 5.
PEREIRA, Áurea Pimentel. “Divórcio e separação judicial”. 3 ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 1989.
TARTUCE, Fernanda. Cabe pedido de Assistência Judiciária gratuita
nos procedimentos extrajudiciais previstos na Lei 11.441/2007? Qual o
alcance do benefício de gratuidade estabelecido no § 3º do art. 1.124A do CPC?. COLTRO, Antônio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz
(Coords). In: “Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais”.
São Paulo: Método, 2007.
NOTAs
1
As duas obras mais recentes com esse enfoque são: FARIAS, Cristiano
Chaves de; ROSENVALD, Nelson. “Direito das famílias”. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008; DIAS, Maria Berenice. “Manual de direito das famílias”.
4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; LOBO,
Paulo Luiz Neto. “Famílias”. São Paulo: Saraiva, 2008.
2
“Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boafé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos
filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento,
os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.”
3
PEREIRA, Áurea Pimentel. “Divórcio e separação judicial”. 3 ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 1989. p. 22; CAHALI, Yussef Said. “Divórcio e
separação”. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. pp. 69-70.
4
Citado por: NADER, Paulo. “Curso de direito civil: Direito de família”. 2
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v. 5. p. 199.
5
NADER, Paulo. Op. cit. p.199.
6
“A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges
provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade
de sua reconstituição.”
7
STJ. AgRg no Ag 961.871/GO, Rel. Ministro Ari Pargendler, Terceira
Turma, julgado em 11.3.2008, DJe 15.8.2008.
8
STJ. REsp 660.076/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 17.8.2006, DJ 18.9.2006, p. 351.
9
NADER, Paulo. Op. cit. p. 201.
10
Art. 1.576, parágrafo único, do CCB/2002.
11
Art. 1.121, § 2º, do CPC.
12
DIAS, Maria Berenice. Da separação e do divórcio. In. DIAS, Maria
Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Orgs.) “Direito de família e o novo
Código Civil”. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 68.
13
Art. 1.122, § 1º, do CPC.
14
Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL – MINISTÉRIO PÚBLICO –
CPC, ART. 1122, § 1º. SUBVERSÃO DO PROCEDIMENTO. OFENSA
AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE. RECURSO PROVIDO.
I – O processo, como instrumento da jurisdição, orienta-se, sobretudo
por princípios, dentre os quais os da finalidade e da ausência de prejuízo.
Em nome da segurança jurídica, porém, o princípio maior do due process
of law reclama observância do procedimento regulado em lei, não sendo
dado ao Judiciário tomar liberdades com ele inadmissíveis. II – Subverte
o sistema processual e sujeita-se à invalidade o procedimento judicial que
não enseja ao Parquet manifestar-se no momento previsto no § 1º do art.
1.122 do Código de Processo Civil, especialmente quando há interesses
de incapazes. III – Recurso conhecido e provido.” (STJ. REsp 95.933/DF,
Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 24.5.1999, DJ
11.10.1999, p. 68.)
15
STJ. REsp 1.116/RJ, Rel. Min. Athos Carneiro, Quarta Turma, julgado
em 7.11.1989, DJ 18.12.1989, p. 18476.
16
Art. 1.124 do CPC.
17
RT 500/65.
18
Nesse sentido: FRANÇA, Antonio de S. Limongi. Separação judicial:
instituto ou nomen juris? O estado civil do separado extrajudicial. COLTRO,
Antônio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz (Coords). In: “Separação,
divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais”. São Paulo: Método, 2007,
pp. 111-114.
19
“se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens,
far-se-á esta, depois de homologada a separação consensual, na
forma estabelecida neste Livro, Título i, Capítulo iX.”
20
Nesse sentido: TARTUCE, Fernanda. Cabe pedido de Assistência
Judiciária gratuita nos procedimentos extrajudicias previstos na Lei
no 11.441/2007? Qual o alcance do benefício de gratuidade estabelecido
no § 3º do Art. 1.124-A do CPC? COLTRO, Antônio Carlos Mathias;
DELGADO, Mário Luiz. Op. cit. p. 105.
21
Art. 1.122, § 1o, do CPC.
22
“Direito civil e processual civil. Família. Recurso especial. Separação
judicial. Acordo homologado. Cláusula de renúncia a alimentos. Posterior ajuizamento de ação de alimentos por ex-cônjuge. Carência de ação.
Ilegitimidade ativa. – A cláusula de renúncia a alimentos, constante em
acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não
permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado
ou voltar a pleitear o encargo. – Deve ser reconhecida a carência da
ação, por ilegitimidade ativa do ex-cônjuge para postular em juízo o que
anteriormente renunciara expressamente. Recurso especial conhecido
e provido.” (STJ. REsp 701.902/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 15.9.2005, DJ 3.10.2005 p. 249)
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 33
Foto: SCO/STJ
O Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição da República de
1988 para ser o guardião do direito federal, uniformizando a interpretação
da legislação infraconstitucional, busca, desde sua instalação, otimizar o
julgamento dos recursos de sua competência.
a lei 11.672/2008 e o
pRoceDimento De julGamento
DOS RECURSOS REPETITIVOS
Luis Felipe Salomão
Ministro do STJ
Membro do Conselho Editorial
S
e um grupo de casos envolve o mesmo ponto,
as partes esperam a mesma decisão. Grande
injustiça seria decidir casos alternados
tomando como base princípios opostos. Se um
caso foi decidido contra mim ontem, quando eu era o
réu, esperarei o mesmo julgamento hoje, se for o autor.
Decidir de modo diferente levantaria um sentimento
de injustiça e de ressentimento em meu íntimo; seria
uma infração material e moral de meus direitos’. Todos
sentem a força desse sentimento, quando dois casos
são semelhantes. A adesão ao precedente deve, pois,
34 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
ser a regra e não a exceção, se se quer que os litigantes
tenham fé na igualdade de condições na distribuição
de justiça pelos tribunais. Sentimento igual em espécie,
embora diferente em grau, está na fonte da tendência
demonstrada pelo precedente, de estender-se ao longo
das linhas de desenvolvimento lógico. (“A natureza
do Processo e a Evolução do Direito”, Benjamim N.
Cardozo, Ed. Nacional de Direito, pg. 15).
1. O Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição
da República de 1988 para ser o guardião do direito federal,
uniformizando a interpretação da legislação infraconstitucional,
busca, desde sua instalação, otimizar o julgamento dos recursos
de sua competência.
Os números, extraídos do sítio eletrônico www.stj.gov.br,
demonstram a evolução de recursos distribuídos e julgados,
numa sequência de cinco em cinco anos: Em 1989, foram
distribuídos 6.103 processos e julgados 3.550; em 1994,
a distribuição subiu para 38.670 e o número de processos
julgados para 39.034; em 1999, para 118.977 e 116.024,
respectivamente; em 2004, para 215.411 e 203.041. Por
fim, no ano passado, foram distribuídos 313.364 processos e
julgados 330.257.
2. A exposição de motivos da Lei 11.672/08 deixa bem
clara a intenção do legislador:
(...)
De há muito surgem propostas e sugestões, nos mais
variados âmbitos e setores, de reforma do processo
civil. Manifestações de entidades representativas,
como o Instituto Brasileiro de Direito Processual, a
Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação
dos Juízes Federais do Brasil, de órgãos do Poder
Judiciário, do Poder Legislativo e do próprio Poder
Executivo são acordes em afirmar a necessidade de
alteração de dispositivos do Código de Processo Civil
e da Lei de Juizados Especiais, para conferir eficiência
à tramitação de feitos e evitar a morosidade que
atualmente caracteriza a atividade em questão.
O presente projeto de lei é baseado em sugestão do exmembro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Athos
Gusmão Carneiro, com o objetivo de criar mecanismo
que amenize o problema representado pelo excesso
de demanda daquele Tribunal. Submetido ao crivo do
Presidente da Corte Superior, a proposta foi aceita
e recebeu alguns ajustes, que passaram a integrar
a presente redação. Após, sofreu ainda pequenas
alterações ao ser analisada pelos órgãos jurídicos do
Poder Executivo.
Somente em 2005 foram remetidos mais de 210.000
processos ao Superior Tribunal de Justiça, grande
parte deles fundados em matérias idênticas, com
entendimento já pacificado naquela Corte. Já em 2006,
esse número subiu para 251.020, o que demonstra
preocupante tendência de crescimento.
Com o intuito de amenizar esse problema, o presente
anteprojeto inspira-se no procedimento previsto na
Lei nº 11.418/06 que criou mecanismo simplificando o
julgamento de recursos múltiplos, fundados em idêntica
matéria, no Supremo Tribunal Federal.
Conforme a redação inserida no diploma processual
pela norma mencionada, em caso de multiplicidade de
recursos fundados na mesma matéria, a Corte Suprema
poderá julgar um ou mais recursos representativos da
controvérsia, sobrestando a tramitação dos demais.
Proferida decisão pela inadmissibilidade dos recursos
selecionados, será negado seguimento aos demais
processos idênticos. Caso a decisão seja de mérito, os
tribunais de origem poderão retratar-se ou considerar
prejudicados os recursos. Mantida a decisão contrária
ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal,
o recurso seguirá para aquela Corte, que poderá cassar
a decisão atacada.
Na proposta que submeto a Vossa Excelência, buscase disponibilizar mecanismo semelhante ao Superior
Tribunal de Justiça para o julgamento do recurso
especial.
De acordo com a regulamentação proposta, verificando
a multiplicidade de recursos especiais fundados na
mesma matéria, o Presidente do Tribunal de origem
poderá selecionar um ou mais processos representativos
da controvérsia e encaminhá-los ao Superior Tribunal
de Justiça, suspendendo os demais recursos idênticos
até o pronunciamento definitivo dessa Corte.
Sobrevindo a decisão da Corte Superior, serão
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 35
denegados os recursos que atacarem decisões
proferidas no mesmo sentido. Caso a decisão recorrida
contrarie o entendimento firmado no Superior Tribunal
de Justiça, será dada oportunidade de retratação aos
tribunais de origem, devendo ser retomado o trâmite do
recurso, caso a decisão recorrida seja mantida.
Para assegurar que todos os argumentos sejam levados
em conta no julgamento dos recursos selecionados,
a presente proposta permite que o relator solicite
informações sobre a controvérsia aos tribunais
estaduais e admita a manifestação de pessoas, órgãos
ou entidades, inclusive daqueles que figurarem como
parte nos processos suspensos. Além disso, prevê a
oitiva do Ministério Público nas hipóteses em que o
processo envolva matéria pertinente às finalidades
institucionais daquele órgão.
3. Em verdade, é bem de ver que a Lei 11.672/08 não
criou propriamente um requisito específico de admissibilidade
do apelo nobre — e nesse ponto distancia-se do instituto da
“repercussão geral” para o recurso extraordinário (artigos
102, § 3º, da CF e 543-A do CPC) —, mas tratou apenas do
processamento a ser observado quando interposto determinado
recurso especial na situação particular de ser uma entre tantas
causas repetitivas.
4. Em outras palavras, valendo-me de uma estrutura
pouco mais esquemática, esclareço que o relator, ao examinar
recurso especial em que percebe a multiplicidade de recursos
36 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Foto: sxc.hu
Em 1989, foram distribuídos
6.103 processos e julgados
3.550; em 1994, a distribuição
subiu para 38.670 e o número
de processos julgados para
39.034; em 1999, para 118.977
e 116.024, respectivamente; em
2004, para 215.411 e 203.041.
Por fim, no ano passado, foram
distribuídos 313.364 processos
e julgados 330.257.
com fundamento em idêntica questão de direito:
1º) procederá ao exame dos requisitos (pressupostos)
genéricos e específicos do recurso nobre;
2º) afetará à Seção as questões de direito que serão
julgadas, de modo a serem conferidos ao acórdão os
efeitos do art. 543-C, § 7º, do CPC;
3º) expedirá ordem para a suspensão de todos os demais
recursos repetidos;
4º) procederá, na sequência, conforme dispõe o art. 543-C,
§§ 3º a 6º, do CPC.
5. No julgamento do recurso repetitivo, caberá à Seção
competente estabelecer corretamente as questões de direito
do caso concreto, na medida em que estas é que estão
relacionadas à matéria de fundo do recurso especial, ou seja,
ao mérito da questão.
Esse é o elemento identificador da controvérsia, que irá
determinar a existência ou não de multiplicidade de recursos
acerca do tema.
A ausência de qualquer dos pressupostos de admissibilidade
do recurso especial impõe óbice intransponível à apreciação do
mérito, de maneira que, em relação aos temas não conhecidos,
não se há de falar nos efeitos “externos” do recurso (§ 7º do
art. 543-C do CPC).
6. Ademais, a análise dos pressupostos de admissibilidade
do recurso especial não é realizada em abstrato, mas
singularmente, no caso concreto, contrariando a lógica de
objetivação imposta pelo art. 543-C.
A esse respeito, importante comentário de Teresa Arruda
Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina contida na
Revista de Processo n. 159:
Assim, por exemplo, em relação ao sobrestamento de
recursos extraordinários, o § 2º do art. 543-C estabelece
que, decidindo o STF no sentido da inexistência de
repercussão geral, os recursos cuja tramitação ficou
suspensa, “considerar-se-ão automaticamente não
admitidos”. Vê-se que a decisão do STF tem caráter
absolutamente vinculante, quanto à inadmissibilidade
do recurso em razão da ausência de repercussão
geral. Deverá o órgão a quo, portanto, ater-se ao que
tiver deliberado o STF a respeito. O mesmo, porém,
não ocorre em relação aos recursos especiais: o não
conhecimento dos recursos especiais selecionados não
importará, necessariamente, na inadmissibilidade dos
recursos especiais sobrestados.
No mesmo ponto, extrai-se das notas de rodapé:
4. A solução prevista no § 7º do art. 543-C refere-se, a
nosso ver, apenas e tão-somente ao julgamento do mérito
do recurso especial, e não à sua inadmissibilidade.
(Wambier, Teresa Arruda Alvim e Medina, José
Miguel Garcia. “Sobre o novo art. 543-C do CPC:
sobrestamento de recursos especiais ‘com fundamento
em idêntica questão de direito’” in “Revista de
Processo”, ano 33. n. 159. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. pp. 216-217).
Dessa forma, as matérias que esbarrarem em óbices de
conhecimento deverão ser expressamente excluídas dos
efeitos determinados pelo § 7º do art. 543-C.
7. De outra parte, deve-se tratar ainda das demais matérias
que, embora constantes do recurso especial, não forem
afetadas ao procedimento dos recursos repetitivos.
Em tese, é competência da Turma a apreciação de pontos
que não foram afetados pelo Ministro Relator, ou seja, sobre os
quais não repousa multiplicidade de recursos com fundamento
em idêntica questão de direito. Contudo, vislumbram-se as
dificuldades práticas do julgamento fragmentado do recurso,
com parte sendo apreciado pela Seção e o restante pela Turma
originária.
Por todas, acredito que o recurso deva ser julgado em sua
totalidade pela Seção, nos termos do art. 34, XII, do RISTJ,
porquanto não haverá prejuízo ao recorrente em ver sua
controvérsia apreciada pelo colegiado maior.
Art. 34. São atribuições do relator:
(...)
XII – Propor à Seção ou à Turma seja o processo submetido à Corte Especial ou à Seção, conforme o caso.
8. Por fim, a inclusão do art. 543-C no Código de Processo
Civil, preceito cujo processamento foi regulado pela Resolução
8/08 do Superior Tribunal de Justiça, permitirá a objetivação
no julgamento dos recursos especiais, com a análise, em
abstrato, de questões reiteradamente conduzidas à apreciação
desta Corte, assentando seu entendimento e orientando a
atuação das instâncias ordinárias.
SantoS SalleS
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2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 37
Foto: Arquivo JC
pRoRRoGaçÃo De
PERMISSÕES
Maximino Gonçalves Fontes Neto
Advogado
N
o debate acirrado que tem sido travado acerca da
prorrogação das permissões dos serviços de transporte
coletivo de passageiros por ônibus, em especial dos
serviços do Município do Rio de Janeiro, verifica-se que
há defensores da chamada prorrogação por motivos plausíveis,
enquanto outros sustentam que deve haver licitação da execução
de aproximadamente 420 linhas daquele município.
Há bons argumentos nas duas posições, havendo ponto
comum entre elas: a licitação.
Nesse caso, não se pode olvidar que raras são as situações
em que boas razões que militam a favor de uma solução não
sejam contrabalançadas por razões mais ou menos boas, em
favor de solução diferente. Aqui também ocorre tal fato.
A apreciação do valor dessas razões — que muito raramente
pode ser reduzida a um cálculo, um peso ou uma medida — é
que pode variar de um indivíduo para outro e sublinha o cunho
pessoal da decisão tomada.
Daí reconhecer-se o caráter de relatividade do raciocínio
jurídico e mesmo do conhecimento.
É preciso, contudo, conhecer essas razões para emitir-se
juízo de valor, começando, porém, pela definição dos termos do
presente tema.
Assim, a denominação “prorrogação” tem sido utilizada, na
hipótese de execução indireta de serviços de transporte coletivo
de passageiros, por meio de antigas permissões, por prazo
indeterminado, modalidade preferida pelas administrações
federal, estaduais e municipais, para delegação desses serviços,
nas respectivas áreas de atuação de cada um desses entes
federativos.
38 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Nesse sentido, cumpre observar que, até a Constituição
de 1988 e mesmo até o advento da Lei Federal nº 8.987/95
(“Lei das Concessões e Permissões”) — que regulamentou o
seu art. 175 —, todas essas permissões vigoravam por prazo
indeterminado, com a cláusula enquanto bem servir.
Dentre as normas da Lei nº 8.987/95, há previsão de
licitação prévia para outorga de permissão para execução
indireta de serviços públicos, inclusive os operados, nos planos
federal, estadual e municipal, pelas empresas que se dedicam
ao transporte remunerado de pessoas.
No entanto, nesse mesmo diploma legal federal, também há
regras de transição para disciplinar situações preexistentes à
sua criação.
É a partir daí que surge a controvérsia acerca da validade ou
não dessas permissões, outorgadas por prazo indeterminado a
empresas operadoras de linhas interestaduais, intermunicipais
e municipais.
No Município do Rio de Janeiro, v.g., amparado na regra
do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.987/95, e nas
peculiaridades típicas dos serviços públicos de transporte
coletivo de passageiros, o legislador municipal resolveu manter
as permissões municipais preexistentes a esse diploma legal
federal, adaptando-as às normas gerais da referida Lei Federal e
conferindo-lhes prazo de 10 (dez) anos para que os investimentos
realizados pelas transportadoras fossem amortizados.
Tudo isso ocorreu à semelhança do que havia acontecido
com as permissões interestaduais, que foram mantidas pelo
prazo de 15 anos, conforme os Decretos federais nº 952/93 e
nº 2.521/98, sendo esse o seu paradigma.
Ressalte-se, a propósito, que a Lei Complementar
nº 37/98 — a dispor sobre a delegação da prestação de
serviços públicos, prevista no art. 175 da Constituição de
1988, e a tratar no seu art. 5º da manutenção e prorrogação
das permissões municipais — cumpre, na essência, a regra
contida no parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 8.987, de 13
de fevereiro de 1995, preconizando que “a União, os estados,
o Distrito Federal e os municípios promoverão a revisão e
as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições
desta Lei, buscando atender as peculiaridades das diversas
modalidades dos seus serviços”.
Insista-se nesse ponto: foi, em atendimento a esse parágrafo
único, do art. 1º, que o referido Município resolveu manter — e
não prorrogar, porque não se podia prorrogar delegações por
prazo indeterminado pela singela razão de que não havia prazo
— as permissões preexistentes à Lei nº 8.987/95, por força
da regra contida no art. 5º, da Lei Complementar nº 37/98,
atendendo as peculiaridades dos serviços de transporte coletivo
de passageiros por ônibus.
Tratava-se de antigas permissões, por prazo indeterminado,
de linhas de ônibus (com mais de cinquenta anos), originadas
da Lei nº 775, de 27 de agosto de 1953, e de normas oriundas
do Decreto de execução nº 13.965/58, operadas no território
do antigo Distrito Federal sob a égide da Constituição de 1946,
que não contemplava qualquer regra acerca da obrigatoriedade
da licitação, para delegação da execução indireta de serviços a
particulares, através de permissão.
Essa afirmativa de clareza meridiana lastreia-se no princípio
do tempus regit actum, segundo o qual é a lei vigente ao tempo
em que foi praticado o ato que irá reger e fundamentar toda a sua
existência, enquanto produzir efeitos, enquanto detiver eficácia.
Como não se exigia antes da Constituição de 1988 a
licitação prévia para a outorga de permissão, nenhum óbice
existe, por esse fato, para que continuem a produzir efeitos
as mesmas permissões, que continuam a existir, são válidas
e eficazes.
Por conseguinte, tais delegações, cujas origens datam de
1953, da Lei nº 775, conforme se ressaltou, não padeciam,
até 1988, de qualquer mácula a eivá-las do vício de nulidade,
ou mesmo de ilicitude, sendo absolutamente incogitável
o argumento de que, com a manutenção e a prorrogação,
pretendia-se convalidá-las, como se tem afirmado, sem qualquer
respaldo fático ou jurídico.
Aliás, por premissa, se eram válidas, como de fato são,
assim, silogisticamente, permaneceram com o advento da Lei
Municipal nº 37/98, alterando-se apenas o prazo — que de
indeterminado passou a ser determinado —, conforme o seu
artigo 5º, em atendimento à regra contida no § 3º, do art. 57, da
Lei nº 8.666/93 (“Lei das Licitações”), que veda contrato com
prazo de vigência indeterminado.
Noutras palavras, foram as antigas permissões que foram
mantidas, não se outorgando nova permissão, como se tenta
inculcar.
Não há dois contratos, existe apenas, e tão-somente, um
único contrato, que se protraiu no tempo por prazo determinado
durante dez anos, com cláusula de recondução para novo período
de dez anos, por força da regra contida no art. 5º, da referida Lei
Complementar nº 37/98.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 39
Foto: sxc.hu
Aliás, também é oportuno salientar, a propósito, que a
licitação instaurada no ano passado, para delegar a novas
empresas a execução indireta dos serviços de transporte coletivo
de passageiros por ônibus desta cidade, em substituição às
atuais delegatárias, foi lançada de modo intempestivo.
Com efeito, há processos — através dos quais foram
ajuizadas ações civis públicas em face das atuais permissionárias
na comarca da capital do Rio de Janeiro — em que o Ministério
Público questiona a validade dos títulos dessas transportadoras
sob diversos fundamentos, dentre os quais a ausência de prévia
licitação.
Não sendo concedida a liminar propugnada pelo MP,
conclui-se que as referidas permissões permanecem válidas
e eficazes, havendo-se de cumprir o preceito do art. 5º, do
mencionado diploma legal municipal, mesmo nos casos em que
há sentença, posto que há igualmente inconformismo dotado de
efeito suspensivo.
E aí reside a intempestividade da licitação, porquanto,
inexistindo decisão judicial definitiva, como de fato ainda
inexiste, não há razão para cogitar-se de novas delegações que
substituiriam as existentes, que continuam válidas e plenamente
eficazes, até que venham a ser desconstituídas.
Todas e tais considerações evidenciam que, indubitavelmente,
há boas e sólidas razões a respaldar não somente a manutenção
das permissões preexistentes à Lei nº 8.987/95, como também
a sua prorrogação, figura contemplada no art. 175 da Lei
Fundamental.
40 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Tal, com o devido respeito de quem assim pensa, inocorre
em relação à realização de licitação da execução indireta das
mencionadas linhas municipais, pois seu principal argumento
reside na pretensa ausência de licitação, não somente das
antigas permissões como das novas delegações.
Aqui, incorre-se em petição de princípio, pois parte-se
de premissa falsa que consiste em sustentar que as antigas
permissões deveriam ter sido delegadas através de prévia
licitação.
Ora, basta exame nas Constituições anteriores (1946,
1967 e Emenda nº 1/69) para verificar-se que inexiste essa
condição para a delegação através de permissão.
Portanto, a conclusão do raciocínio dos que sustentam
a necessidade de licitação prévia é inválida, mesmo porque,
à época que houve a delegação (a maioria com cerca de 50
anos), sequer havia possibilidade de competição, porquanto
eram poucos os que se interessavam ou se dedicavam à
operação dessas linhas.
A propósito da prorrogação, há de se aduzir ainda que,
conforme já se destacou, no art. 5º há previsão de cláusula
de prorrogação da permissão por igual período, tituladas pelas
transportadoras municipais.
Como se percebe, essa cláusula de prorrogação seria,
obviamente, parte constante do contrato administrativo de
permissão, que, contudo, não chegou a ser firmado entre o
Município do Rio de Janeiro e as transportadoras.
No entanto, ainda que não haja sido formalizado o contrato
administrativo, não pereceu o direito de cada permissionária
municipal à manutenção da sua permissão — pelo período de
dez anos — de 24 de agosto de 1998 a 24 de agosto de 2008 —
assim como da sua prorrogação, porque esse direito tem como
fonte formal a regra do art. 5º, da Lei Complementar nº 37/98.
Registre-se, por oportuno, que essa cláusula de
prorrogação é também condicionante de um bom desempenho
da delegatária, no sentido de bom atendimento ao interesse
público, aqui materializado pela prestação de um serviço
adequado aos usuários, pois essa pode ser, numa interpretação
lógica, a razão relevante para a não-prorrogação.
Sem dúvida, a relevância da razão há de ser aquela sem a
qual a permissão não será prorrogada, não sendo outra senão
a que está ligada à boa execução dos serviços sob o ponto de
vista qualitativo e quantitativo.
Naturalmente, a não-prorrogação funciona aqui como uma
sanção pela má qualidade dos serviços, indissociável à sua
prestação.
Pois bem, essas permissões municipais, portanto, possuem
uma norma de conduta e uma norma punitiva, ambas as partes
integrantes das permissões mantidas, na Lei Complementar nº
37, em seu art. 5º, das cláusulas geradoras de obrigações para
o poder concedente municipal e para as transportadoras.
Ora, se a prorrogação é parte da permissão, integra suas
cláusulas, compõe as condições pactuadas, o prazo da permissão
é aquele dele constante mais o da prorrogação; o que vale dizer,
prazo corrente mais prazo de prorrogação são os prazos fixados
na Lei Complementar nº 37/98 (art. 5º), observados por este
Município e as transportadoras municipais.
Há, neste caso, como afirma o saudoso Orlando Gomes,
a recondução expressa, onde a cláusula de prorrogação é
anterior à extinção do contrato, para que continue a vigorar
pelo tempo nela expresso. Os efeitos dessa prorrogação são
previstos pela lei no sentido de que o contrato continue por
tempo determinado. É o mesmo contrato, apenas dilatado no
tempo.
Ora, se tais prazos (corrente + prorrogação) são prazos
fixados na lei, à evidência, o art. 5º, da Lei Complementar nº
37/98, cuidou deles para garantir a aplicabilidade.
O direito à prorrogação, se bem prestado o serviço público a
que se dispôs a permissionária, tornou-se não uma expectativa
de direito, um nada jurídico, mas um direito adquirido — pelo
menos enquanto perdurar a regra do art. 5º já referido — só
afastável por um outro direito deste Município, que seria o de
não prorrogar, se de má qualidade os serviços prestados pela
requerente.
Sendo de boa qualidade e em quantidade que atendesse o
usuário municipal, somente caberia a este Município homologar
a prorrogação, ou seja, concordar com o pedido de prorrogação,
que foi formulado pelas transportadoras municipais, e aguardar
o desfecho das demandas ajuizadas pelo MP.
Invoque-se, ainda como boa e relevante razão em prol da
prorrogação, a Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007,
que, por força do seu art. 58, incluiu novos parágrafos ao art.
42, da Lei nº 8.987/95, dentre os quais o que prorroga até
2010 as concessões em caráter precário, regra igualmente
aplicável às permissões, ante o preceito do parágrafo único,
do art. 40, deste último diploma legal.
Conquanto se trate de norma transitória, aplicável
tão-somente aos serviços públicos de transporte coletivo
interestadual, sendo inaplicável aos estados e municípios,
nada impede que esse paradigma seja adotado pelo legislador
municipal.
Afinal, como adverte Geraldo Ataliba, “efetivamente, ao
legislador é que verdadeiramente incumbe fazer justiça: ele é
justo ou injusto ao fazer a lei. Na ordem social, a justiça é
virtude do legislador e só subsidiariamente — e na medida em
que ele o permita — dos outros órgãos ou pessoas”.
Outro ponto a se destacar no debate judicial das
“prorrogações” reside na inadequação das aludidas ações
civis públicas, sistematicamente, ajuizadas pelo MP nos
diversos municípios deste Estado, a questionar a manutenção
das permissões no plano municipal e igualmente no âmbito
estadual.
Nesse sentido, tem-se observado, na inicial de cada um
dos processos então formados, que os fundamentos jurídicos
do pedido de prestação jurisdicional formulado pelo MP de
“declaração de nulidade de todos os instrumentos delegatórios,
outorgados em cada âmbito”, têm sede, exclusivamente
constitucional, mais precisamente nos artigos 37, inciso XXI,
e 175 da Constituição de 1988, que exigem a observância de
certame licitatório para concessão ou permissão da execução
de serviços públicos de um modo geral.
Nota-se que, assim, a causa petendi é única, pois o MP não
invoca o contraste de dispositivo de lei municipal, ou mesmo
estadual, com qualquer lei infraconstitucional que impusesse
ao ente federativo que promoveu a prorrogação normas gerais
nessa matéria.
Outra observação é a de que, inexistindo qualquer
fundamento jurídico na ação civil pública desfechada pelo MP,
a não ser com sede na Constituição da República, verifica-se
que não há questão prejudicada ou principal a ser dirimida,
somente remanescendo questão prejudicial que, desse modo,
se transforma em pedido principal da demanda.
Pode-se, então, concluir que há usurpação de competência
do Órgão Especial do Tribunal de Justiça deste Estado, no
exercício de controle concentrado de constitucionalidade,
previsto no art. 125, § 2º, da Lei Fundamental, com o julgamento
pelo Juízo de 1º grau, em sede de declaratória incidental
de questão somente aparentemente prejudicial, quando na
verdade é a única questão a ser deslindada.
Por via de consequência, neste caso, sendo, como de fato
é, a única questão resolvida, a sentença, se for mantida, fará
coisa julgada com efeitos erga omnes, à luz da regra contida
no art. 16, da Lei nº 7.347/85, possuindo assim efeitos
semelhantes ao da ação direta de inconstitucionalidade, ou
mesmo representação de inconstitucionalidade, com eficácia
geral e irrestrita.
Daí a inadequação, nesta hipótese, da ação civil pública
para controle de constitucionalidade.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 41
Foto: stockxpert
o Habeas coRpus e o stj:
COMENTÁRIOS
Arnaldo Esteves Lima
Ministro do STJ
Membro do Conselho Editorial
A
tendendo a honroso convite da revista “Justiça &
Cidadania”, farei breves observações sobre o tema,
preponderantemente práticas.
A importância da ação de pedir habeas corpus
recomenda, no entanto, se rememore o seu histórico em nosso
Direito. Para isso, pedimos licença ao reproduzir fidedigna síntese
traçada pelo Prof. João Gualberto Garcez Ramos, da Faculdade
de Direito da UFPR, em artigo publicado nas págs. 51/59 do vol.
31 da Revista daquela Faculdade, sob o título: “Habeas corpus:
Histórico e Perfil no Ordenamento Jurídico Brasileiro”, a saber:
A Constituição brasileira de 25 de março de 1824 não
se referia ao habeas corpus. Apenas determinava que
ninguém haveria de ser preso sem culpa formada, exceto
no caso de flagrante; que após prisão em flagrante
haveria de dar-se ao preso nota de culpa no prazo de 24
horas desde a entrada no cárcere; que, mesmo no caso de
prisão com culpa formada, a prisão poderia ser substituída
por fiança idônea, nos casos autorizados por lei.
O primeiro diploma que, no Brasil, afirmou o habeas corpus
foi a Lei de 29 de novembro de 1832, que promulgou o
“Código de Processo Criminal de Primeira Instância”.
Tratou do assunto em dezesseis artigos e instituiu o writ
no Brasil — no seu art. 340 — que dispunha:
Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma
prisão ou constrangimento ilegal, em sua liberdade, tem
42 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu
favor.
Percebam que o habeas corpus nasceu vocacionado à
proteção à liberdade de locomoção violada por uma prisão
ou por um constrangimento ilegal.
Muitos anos após a entrada em vigor desse diploma legal,
a Constituição brasileira de 24 de fevereiro de 1891 —
intencionalmente ou não — viria trazer uma modificação
de suma importância à utilização prática do habeas
corpus.
Isso porque o § 22 do art. 72 da dita Constituição incluiu o
habeas corpus como um dos direitos e garantias individuais
e tratou-o da seguinte forma:
Dar-se-á o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer,
ou se achar em iminente perigo de sofrer, violência ou
coação, por ilegalidade ou abuso de poder.
Conforme se nota, esse dispositivo, por motivos
desconhecidos, não limitava — ou, por outra, não era claro
em limitar — o habeas corpus às violações da liberdade
ambulatória.
Esse fato não passou despercebido ao gênio jurídico de
RUI BARBOSA, que, já em quinze de agosto de 1893,
em editorial publicado no “Jornal do Brasil”, escreveu a
respeito do tema, sustentando o cabimento do habeas
corpus para, por exemplo, assegurar a publicação de
uma gazeta.
O Brasil passava, então, por tempos bicudos; a República
— sob o comando de militares de ferro — consolidava-se
política e territorialmente. Havia severa repressão policial,
principalmente contra os que se opunham à nova ordem.
Um dos primeiros habeas corpus utilizados para proteger
direito que não o de locomoção foi impetrado, no segundo
semestre de 1896, por JOÃO MENDES DE ALMEIDA
(pai do processualista João Mendes de Almeida Júnior)
em favor dos integrantes do “Centro Monarquista de
São Paulo” e do “Centro dos Estudantes Monarquistas
de São Paulo”, proibidos pela polícia de realizarem
suas reuniões — então altamente subversivas, já que a
República buscava firmar-se contra os que consideravam
melhores os tempos dos imperadores. Esse writ não
foi conhecido ao argumento de que o habeas corpus se
limitava à proteção do direito à liberdade de locomoção e
não se aplicava ao direito de reunião.
Posteriormente, por obra do mesmo Supremo Tribunal
Federal, que relutou em conhecer os pedidos de habeas
corpus fundados em direitos outros, de RUI BARBOSA,
e dos mais diversos e hoje desconhecidos advogados de
antanho, nasceu e durou mais de vinte anos a chamada
“Doutrina Brasileira do habeas corpus”, uma solução de
compromisso entre os que advogavam uma limitação do
habeas corpus à proteção da liberdade ambulatória e os
que entendiam ser ele cabível para proteger todos os
direitos individuais.
Essa doutrina consistiu em ampliar a concepção do
habeas corpus para a defesa de quaisquer direitos desde
que tivessem alguma conexão com o direito de ir e vir.
ENEAS GALVÃO, Ministro do Supremo Tribunal Federal
no início deste século — e apontado por LEDA BOECHAT
RODRIGUES como um dos principais entusiastas da
utilização do habeas corpus para proteger quaisquer
direitos —, respondeu o seguinte aos que viam excesso
na sua ampliação:
Se o conceito do habeas corpus evoluiu por esse modo
é porque as necessidades da nossa organização social
e política o exigiram, como resultado de repetidos
ataques à liberdade individual, determinando,
assinalando função maior, mais lata, ao instituto
do habeas corpus. (...) No nosso meio político, os
repetidos ataques à liberdade individual impuseram a
necessidade de alargar a concepção do habeas corpus
(...). O Tribunal está cumprindo a sua missão tutelar
dos direitos, está evoluindo com as necessidades
da Justiça; se há excesso, é o excesso que leva ao
caminho da defesa das liberdades constitucionais.
Essa doutrina durou até setembro de 1926, quando uma
reforma constitucional alterou a redação do § 22 do art.
72, deixando clara a aplicabilidade do habeas corpus
apenas como instrumento de proteção da liberdade
de ir e vir.
Estava, porém, lançada uma importante semente. Os vinte
anos de aplicação do habeas corpus para toda sorte de
violações de direitos serviram para consolidar, no Brasil, a
ideia da necessidade de uma ação sumária e documental
predisposta à sua proteção. E, juntamente com a limitação
do habeas corpus à liberdade de ir e vir, nasceu a ideia de
um instrumento que o substituísse nesse mister.
Foi assim que, durante as discussões da Assembleia
Constituinte eleita em 1933, surgiu pela primeira vez o
mandado de segurança, fruto de sugestão de JOÃO
MANGABEIRA. O mandado de segurança descende
do habeas corpus; tanto que a primeira disposição
constitucional a seu respeito — o item 33 do art. 113
da Constituição brasileira de dezesseis de julho de
1934 — estabelecia que o procedimento do mandado
de segurança haveria de ser o mesmo do habeas corpus.
Seria perfeitamente possível e até estimulante falar do
mandado de segurança juntamente com o habeas corpus,
mas o tempo que me foi concedido é inclemente e não me
permitiria semelhante imprudência.
Como se nota, o habeas corpus possui tamanha significância
que gerou, pode-se dizer, descendente de tão ou quase igual
envergadura jurídico-constitucional, qual seja, o mandado de
segurança. O inciso LXVIII do art. 5º da Carta Magna prescreve:
Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer
ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de
poder;
Observa-se, entretanto, que, pelo seu art. 142, § 2º, nas
punições disciplinares militares, excetua-se tal garantia.
No plano infraconstitucional é disciplinado pelo CPP, em seus
arts. 647 a 667 e pelo RISTJ, nos arts. 201 a 210.
Quanto à competência do STJ, dispõe o art. 105 da CF:
Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do
Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas
dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais
e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais
de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da
União que oficiem perante tribunais;
c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for
qualquer das pessoas mencionadas na alínea “a”, ou
quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição,
Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do
Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência
da Justiça Eleitoral; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 23, de 1999)
Nesses comandos estão as hipóteses que encerram a sua
competência originária para conhecer e julgar referida ação.
Por sua vez, o inciso II do mesmo artigo prescreve:
II – julgar, em recurso ordinário:
a) os habeas corpus decididos em única ou última instância
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 43
Foto: SCO/STJ
Ministro do STJ, Arnaldo Esteves Lima
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais
dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a
decisão for denegatória;
Como se verifica, temos aí os casos que configuram a sua
competência recursal — ROHC ou, como mais comumente
chamado RHC, que pressupõe decisão de única (logo, casos
de competência originária do Tribunal de origem) ou última
instância (hipótese de competência recursal), que resulta, no
comum dos casos, do julgamento de recurso em sentido estrito
(CPP, 581, X) ou mesmo do ex-officio (CPP, 574, I), dele não
conhecendo ou negando-lhe provimento.
O prazo para a interposição do RHC, conforme art. 30 da
Lei 8.038/90, é de cinco dias. Lembre-se que a decisão a que
se refere a alínea “a”, supra, a desafiar o RHC, não é apenas
aquela que o denega pelo mérito, ou nega provimento ao
recurso estrito ou provê o ex-officio, se for o caso, também
pelo mérito. Não. No seu âmbito compreendem-se as decisões
pelo não-conhecimento do recurso de habeas corpus originário
ou mesmo aquelas que o julgam prejudicado. Em tal sentido:
STF, RT 572/433, 640/385.
Destarte, a expressão denegatória inserida na alínea “a” do
inciso II do art. 105 tem sentido amplo, abrangendo as hipóteses
em que, por razão, digamos, não-devida e de forma nãocongruente ou justificada, o Tribunal “descarta” o respectivo
habeas corpus ou o recurso em julgamento.
44 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Pelo RISTJ, compete à sua Terceira Seção, que é composta
pela 5ª e 6ª Turmas (§ 3º do art. 9º), a matéria penal em geral,
além de outras que enumera. Assim, salvo casos de competência
originária da Corte Especial, perante a qual devem ser ajuizados
os respectivos habeas corpus, via de regra, é das referidas
Turmas a competência para processar e julgar os HCs e RHCs.
Cumpre registrar que as 1ª e 2ª Seções também possuem
competência para o seu julgamento, embora restrita.
A ação de pedir HC, que é gratuita (CF, 5º, LXXVII),
destina-se, primordialmente, a proteger a liberdade de ir, vir e
ficar, podendo ser liberatória ou repressiva e preventiva, tendo
legitimidade para ajuizá-la qualquer pessoa, natural ou jurídica,
em seu favor ou de outrem (art. 654 do CPP).
A estatística revela, por si, a grande utilização da garantia
perante essa Corte.
Com efeito, de 7.4.89, quando o STJ foi instalado, até
3.2.09, portanto, em aproximadamente 20 anos de existência,
foram autuados, perante o Tribunal, 127.611 HCs, além de
25.295 RHCs.
Em 2008, 26.973 HCs, além de 2.347 RHCs, sendo julgados,
naquele ano, 23.504 HCs, além de 2.120 RHCs.
A cada relator integrante da 3ª Seção foram distribuídos, no
referido ano, aproximadamente 3.000 HCs e RHCs.
De 1º.1.09 até 20.4.09, foram distribuídos, a cada ministro
componente da 3ª Seção, aproximadamente 950 feitos da
espécie, totalizando 9.500 em tal período.
Apesar da magnitude numérica, é oportuno registrar que,
certamente pelo afã defensivo à liberdade — já atingida ou
prestes a sê-lo — aliado à facilidade da postulação, que pode ser
feita independentemente de custas, por qualquer pessoa, sem
exigência formalística, há certa demasia na utilização do writ,
seja por sua inadequação, ilegitimidade, ausência, em suma, de
pressupostos. É preferível, no entanto, para a cidadania, que
assim ocorra ao oposto, fiel à garantia segundo a qual a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito.
Os habeas corpus são impetrados perante o STJ por diversas
razões. Cabe elencar aquelas mais comuns, como por exemplo
o trancamento de ação penal ou mesmo de procedimento na
fase investigativa, ainda, por ausência de justa causa (CPP,
648, I). Nesse caso a denúncia não atenderia, por exemplo, aos
requisitos do art. 41 do referido código. É de se registrar, aliás,
que foi revogado o seu art. 43 pelo art. 395 da Lei 11.719, de
20.6.08.
Além disso, nos demais casos arrolados no art. 648,
destaca-se o de excesso de prazo para encerramento da
instrução. No ponto, é oportuno lembrar os seguintes verbetes
sumulares do STJ:
Súmula 21: Pronunciado o réu, fica superada a alegação
do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo
na instrução.
Súmula 52: Encerrada a instrução criminal, fica superada
a alegação de constrangimento por excesso de prazo.
Súmula 64: Não constitui constrangimento ilegal o excesso
de prazo na instrução, provocado pela defesa.
Habitual também a sua utilização para impugnação a
prisões processuais. A Constituição, no inciso LVII do seu art.
5º, consagra a garantia da não-culpabilidade ou o princípio da
inocência, segundo o qual, enquanto não ocorrer o trânsito
em julgado da condenação, não se pode falar em culpa e,
consequentemente, em cumprimento de pena.
A jurisprudência, contudo, mantém a subsistência das
denominadas prisões processuais, em face de sua natureza
cautelar, preservativa da utilidade e eficácia do processo.
Em tal sentido, o próprio enunciado 9 da Súmula/STJ, a
saber: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende
a garantia constitucional da presunção de inocência”, necessária,
no entanto, motivação.
São frequentes também os casos relativos à prisão em
flagrante (arts. 301 e segs., do CPP), prisão preventiva (art. 312)
e prisão temporária.
Da mesma forma o são aqueles decorrentes de sentença
de pronúncia (art. 408, com nova disciplina resultante da Lei
11.689/08, arts. 413 e segs.) ou de sentença condenatória
recorrível (art. 594), na qual não se admite o recurso em
liberdade.
Igualmente costumeiras são as impetrações impugnando:
ação ou mesmo inquérito, em eventual crime tributário, antes do
encerramento da instância administrativo-fiscal (Lei 8.137/90);
quebra de sigilo das comunicações, indevidamente (Lei 9.296/96
e art. 5º, XII, da CF); procedimento penal instaurado com base em
denúncia anônima (5º, IV, da CF).
Ademais, com relação ao seu cabimento, cumpre trazer à lume
o enunciado sumular 691/STF, segundo o qual: “Não compete ao
Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado
contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido
a Tribunal Superior, indefere a liminar”. Daí resulta o seu nãoconhecimento, quando ainda não julgado, havendo apenas
indeferimento da liminar.
Essa diretriz evita, a um só tempo, invasão da competência
do órgão julgador de origem e supressão indevida daquela
instância ou grau de jurisdição, salvo, conforme mitigação da
jurisprudência, em casos excepcionais, em que a ilegalidade ou
abuso contrastados se revelem presentes, ostensivamente, a
justificar que se afaste a tese sumulada, perfilhada, naturalmente,
também pelo STJ.
Cabível ainda sua impetração quando ocorre inobservância
das regras que disciplinam a chamada dosimetria da pena (arts.59
e segs., do CPP).
Também comum seu aforamento quando, na sentença
condenatória, foi assegurado o direito de recorrer em liberdade
(art. 594) e, ante recurso exclusivo da defesa, o Tribunal
competente, ao negar-lhe provimento, determina o cumprimento
da sentença (art. 669), tendo em vista, inclusive, o verbete 267 da
Súmula/STJ (“A interposição de recurso, sem efeito suspensivo,
contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado
de prisão”).
Essa diretriz se apoiava substancialmente na inexistência
de efeito suspensivo tanto do recurso especial quanto do
extraordinário, nos quais, além disso, só se devolve ao STJ ou
ao STF exame de matéria legal ou constitucional, sendo vedado
apreciar os fatos da causa no seu julgamento.
Tal questão, que já era polêmica, restou superada pelo
entendimento recente do STF, cujo Plenário, por maioria, firmou
compreensão segundo a qual, ante a garantia inscrita no art.
5º, LVII, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”, só sendo admissível
a prisão antes de consolidada a coisa julgada quando ela for
de natureza cautelar (art. 312 do CPP), embasada em idôneas
razões (Informativo 534, de fevereiro de 2009).
Logo, esvaziou-se o alcance de tal verbete, cuja subsistência,
se assim o for, exige que se subentenda acréscimo, exemplificadamente — salvo se por idônea fundamentação cautelar.
Têm sido usuais, igualmente, habeas corpus impugnando
condenações, trancamento de ações ou inquéritos, nos apelidados
crimes de bagatela ou de pequeno valor.
A dificuldade no ponto reside na definição do objeto material,
já que inexiste, em regra, parâmetro legal que o determine. A
Quinta Turma do STJ, da qual tenho a honra de participar, tem
se preocupado muito com tal matéria e tem sido parcimoniosa
na concessão de pedidos do tipo. Procura dirimi-los fazendo
justiça caso a caso, levando-se em conta o nosso contexto
socioeconômico e, naturalmente, a ordem jurídica específica.
De fato, torna-se difícil afirmar qual valor ou bem é de pequena
monta para tal objetivo, sabendo-se que o salário mínimo é de
R$ 465,00 e que expressiva parcela de nossa população não
aufere sequer tal valor.
Não se pode olvidar, na aplicação das normas penais, de seu
escopo preventivo (art. 59 do CP). Imprescindível lembrar ainda
do fim teleológico na aplicação do Direito, uma das normas mais
importantes no nosso arcabouço legal, lapidarmente inscrita no
art. 5º da LICC.
Quando, por exemplo, um consumidor adquire produtos em
uma padaria, no valor de R$ 10,00, ele normalmente não dispensa
o troco ao pagá-los com uma nota de R$ 50,00!
Assim, no instante vem à tona, ainda, a norma contida no art.
335 do CPC, que trata da experiência comum, a qual, em certa
medida, poderia ser tomada de empréstimo, tendo em vista o
disposto no art. 3º do CPP, como mais um vetor na análise da
sensível questão.
Sobreleva notar a vedação ao exame analítico da prova,
que deve ser pré-constituída, sendo vetada qualquer dilação
probatória, bem como o seu exame aprofundado — logicamente,
é cabível a sua avaliação superficial, observado o contexto dos
autos.
Existem, como se sabe, outras hipóteses levadas, cotidianamente, não só ao STJ, mas ao Judiciário em geral, pela garantia
em apreço, cuja história, conforme assinalou o Professor João
Gualberto “... tem sido de libertação de suas amarras formalistas,
tudo em homenagem ao direito de liberdade de locomoção”.
Encerrando, agradeço gentil convite e cumprimento a
revista “Justiça & Cidadania” pelo primeiro decênio de
importante contribuição à sociedade, difundindo nossa cultura
jurídica e fortalecendo, sempre mais, o nosso Estado Democrático de Direito.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 45
Foto: sxc.hu
E m foco
Campbell (duas). As determinações decorrem da apreciação
de cinco agravos de instrumento e um recurso especial —
todos sobre temas com entendimentos já consolidados nos
tribunais superiores.
stj: tRibunal aGoRa
é DiGital
A
tão esperada modernização do Judiciário brasileiro
começa a se tornar realidade a partir de uma iniciativa
inédita do Superior Tribunal de Justiça. A corte é
uma das primeiras do mundo a efetivar projeto para
completa eliminação do processo em papel. Em 8 de junho
último, Cesar Asfor Rocha, Presidente deste que é o segundo
mais importante Tribunal do País, iniciou a distribuição das
ações por meio eletrônico. Com um único clique, encaminhou
para os ministros que compõem a corte o primeiro lote dos
70 mil recursos especiais e agravos de instrumentos já
digitalizados.
O sistema eletrônico existe para as demandas que foram
protocoladas no STJ a partir de 2 de janeiro deste ano. Ou
seja, destina-se apenas, neste primeiro momento, aos novos
processos. O próximo passo é digitalizar o acervo existente,
que não é pouco. Resta ainda o considerável volume de mais de
250 mil ações, cuja tramitação ocorre inteiramente em papel.
Estima-se que, juntas, elas somem cerca de 200 milhões de
folhas. Apesar da quantidade, o Presidente da corte espera
digitalizar tudo até o final do ano. Para isso, ele pretende
terceirizar o serviço.
O caminho trilhado até o momento, no entanto, pode
ser considerado um marco para o início da modernização da
Justiça. Asfor Rocha lembrou que hoje, ao se afirmar que
determinado Tribunal está informatizado, está apenas a se
dizer que o andamento ou uma decisão correm por meio digital.
Para concretizar o projeto de informatização, foram muitos os
desafios que o Ministro precisou enfrentar. É que a preparação
para tramitação dos processos no sistema requisitou mudanças
de estrutura e, principalmente, de pensamento.
A mudança estrutural foi possível com a realocação de
funcionários e espaços. Dessa forma, 10 salas do subsolo
46 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
do Edifício dos Plenários, que antes viviam abarrotadas com
milhares de pastas arquivadas em prateleiras e carrinhos,
passaram a ser o coração do projeto de virtualização. É lá
que os processos que chegam em papel são digitalizados.
Isso envolve a certificação, para saber se todas as folhas que
integram os autos foram escaneadas, assim como a indexação,
a autuação e a classificação das peças processuais.
A mudança de pensamento, no entanto, é o que mais chama
a atenção. O início não foi fácil, lembrou Asfor Rocha. “Quebrar
paradigmas é algo muito difícil. Tem que haver a decisão
política de querer fazer. Depois, vem mudar rotinas. No início,
os ministros acharam que poderiam ocorrer incômodos. E os
servidores tinham medo de tornarem-se desnecessários. Eles
estão vendo que isso não ocorrerá e que terão qualificação
profissional e qualidade no ambiente de trabalho bem maiores”,
contou o Presidente do STJ.
“Vou dizer algo: é preciso empolgação para isso dar certo,
porque são muitas as barreiras a serem quebradas”, desabafou
o Ministro.
Apesar de certa resistência, a iniciativa acabou envolvendo
a todos. Os dois sábados anteriores ao início da distribuição
eletrônica exemplificam de que forma. Sem ganhar hora
extra, 120 servidores da Presidência do STJ e da Secretaria
Judiciária trabalharam das 7h às 19h na análise, indexação e
baixa de 4.060 processos, que passaram a tramitar apenas
pelos computadores da corte.
Os ministros também mostraram interesse e aderiram
ao sistema de pronto. Menos de duas horas após o início da
distribuição eletrônica, alguns já haviam utilizado a ferramenta
para decisões monocráticas. Foram seis naquele dia, proferidas
pelos ministros Castro Meira, Herman Benjamin, Luis Felipe
Salomão, Humberto Martins (uma de cada um) e Mauro
Meta é reduzir distribuição
Com o sistema eletrônico, o STJ espera diminuir o tempo
de distribuição dos processos, que atualmente pode chegar
a oito meses. A meta é que o espaço entre a saída da ação
da segunda instância até o ingresso na corte superior seja de
apenas sete dias. Essa redução, apesar de substancial, não é
um objetivo impossível. O programa confere mais agilidade e
eficiência à tramitação dos feitos, pois elimina rotinas que, em
muitos casos, só burocratizam o Tribunal.
Um exemplo disso está relacionado ao horário para
protocolo de petições, que deixou de ser limitado apenas ao
funcionamento dos cartórios da corte. Agora, quem atua junto
ao Tribunal Superior conta com uma sala virtual inaugurada
no portal deste na Internet. Chamado de e-STJ, o espaço
disponibiliza alguns dos principais serviços oferecidos pelo
Tribunal, de forma online. Entre os quais, o peticionamento
eletrônico, por meio do qual as partes podem encaminhar
petições até às 23h59min.
No e-STJ, destaca-se também o Sistema Push de
Acompanhamento Processual, que permite aos interessados
o acesso aos autos 24 horas por dia, sete dias por semana,
a partir de qualquer terminal com acesso à rede mundial de
computadores. Isso, simultaneamente. Esse, sem dúvida, é
o ponto mais revolucionário do sistema. É que, atualmente, o
advogado precisa ir ao Tribunal para retirar o processo para
análise e, após um período estipulado, retornar à corte para
devolvê-lo. Nesse tempo, a outra parte fica impedida de verificar
as peças processuais. O processo eletrônico põe fim a isso.
Apesar dessa possibilidade que o sistema confere, Asfor
Rocha explicou que o prazo para as partes verificarem a
ação continuará existindo. “Ainda continuaremos a fazer
intimações para as partes, elas apenas não vão mais precisar
tirar o processo do Tribunal. No entanto, vamos admitir que o
advogado queira o processo porque goste de tê-lo em papel.
Ele poderá imprimir. Agora, se ele disser ‘eu só acredito se for
ao STJ’; no Tribunal, há várias possibilidades, uma é a de ele
receber o processo gravado, em CD ou pendrive. E se, mesmo
assim, ele quiser o processo impresso, simples: hoje ele não
paga por uma cópia? Então, nós imprimiremos e ele pagará
pela folha. O objetivo é eliminar o papel, dar mais velocidade,
diminuir os custos e proporcionar mais qualidade de trabalho a
todos”, afirmou Asfor Rocha.
O sistema eletrônico também motivará a informatização
de todas as rotinas do Tribunal. “Tudo será virtualizado e
certos procedimentos internos serão suprimidos. Por exemplo,
quando o processo chega ao STJ, até chegar ao gabinete do
Ministro, há muitas remessas de uma seção para a outra. Isso
será suprimido”, explicou Asfor Rocha.
Além de celeridade, outro benefício proporcionado pelo
novo sistema está relacionado a uma economia maior. Para
as partes, o custo será inegavelmente menor, pois seus
advogados não terão mais que se deslocar até Brasília sempre
que necessitarem verificar os autos. E para o STJ, a estimativa
é de redução ou mesmo supressão dos cerca de R$ 200 milhões
pagos anualmente aos Correios com a remessa e retorno dos
processos. “Com isso, também teremos mais segurança, uma
vez que, no transporte, os papéis podem se perder e prejudicar
o recorrente”, afirmou Asfor Rocha.
O Presidente do STJ não revelou números, mas contou
que o investimento realizado no projeto de informatização
foi menor que o esperado. Todo o sistema foi desenvolvido
por técnicos do Tribunal, a partir de softwares livres. E está
disponível para quem quiser adotá-lo: tribunais brasileiros ou
mesmo de outros países.
incentivo ao processo digital
Incentivar as cortes do País a adotar o processo eletrônico,
aliás, é outra meta do projeto de informatização desenvolvido
pelo STJ. De acordo com Asfor Rocha, o processo será mais
ágil à medida que os tribunais forem implantando a tecnologia.
Em relação à distribuição, por exemplo, a estimativa é de que
caia para 72 horas o tempo até a disponibilização dos autos
aos ministros, a partir do momento em que esses começarem
a subir à instância superior em meio digital.
O Presidente do STJ conta que está dialogando com
os tribunais do País sobre a importância do projeto e da
concretização do processo de modernização. Mas não tem feito
só isso. Para, por assim dizer, apressar a adoção do processo
eletrônico, a corte superior tomou uma decisão: devolver às
cortes de origem todos os processos que subiram em papel e
foram digitalizados pelo Tribunal Superior.
Dos 4.060 processos digitalizados nos mutirões realizados
antes do início da distribuição eletrônica, por exemplo, 3.380
foram devolvidos aos tribunais de origem. A medida não deixa
de ser uma forma de pressionar as demais instâncias para que
ingressem na era digital.
Segundo Asfor Rocha, a resposta das cortes tem sido
positiva. “Temos a crença de que os tribunais de justiça e os
tribunais regionais federais irão, em pouco tempo, remeter
seus processos para o STJ de maneira eletrônica”, afirmou
o Ministro. “E, mais dia, menos dia, isso terá que ocorrer”,
acrescentou o Presidente do STJ, sobre a integração deste
com os demais tribunais do País.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 47
Foto: tj.ba.gov
a lei
MARIA DA PENHA
Eliana Calmon
Ministra do STJ
A
i. introdução
desigualdade formal, conquistada com a Revolução
Francesa de 1789, foi o paradigma da legislação do
mundo civilizado no curso do século XIX e por quase
todo o século XX.
Ao final da Segunda Guerra, o Mundo Ocidental despertou
para uma nova realidade: de nada valia a outorga de direitos
pelo Estado se não tinham os titulares formais desses direitos
condições de acesso a eles. Para a real aquisição dos direitos
outorgados pelo Estado era preciso criar condições de acesso,
tarefa que não poderia ser deixada para solução ao Estado do
laissez-faire, laissez-passer. Era preciso criar mecanismos que
levassem à igualdade substancial de direitos.
Assim, despertou-se ao final do século XX para a
identificação de grupos fragilizados em razão de fatos adversos
por questão de gênero, raça, nacionalidade, credo, etc., ao
tempo em que se deu início às políticas públicas identificadas
como ações afirmativas, que são, em verdade, a discriminação
protetiva de grupos sociais com dificuldade de acesso aos
direitos constitucionalmente estabelecidos.
Dentre os grupos minoritários de maior expressão social
está o discriminado por gênero, não se ignorando que a história
da mulher é marcada por uma condição de inferioridade em
todos os povos e civilizações, minorada após a Revolução
Francesa, mas ainda gritante no século XX.
A desigualdade feminina fez nascer na sociedade brasileira,
48 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
o que não se apresenta como peculiaridade única, sendo
uma constante em diversos países, com maior ou menor
intensidade, uma cultura de violência oriunda da própria posição
de superioridade social do homem, incentivada por razões de
poder na divisão do mercado de trabalho e de predominância
política e, por fim, pelo silencioso consentimento social, seja
das vítimas, seja de terceiros pela cultura de inferioridade
da mulher.
A violência contra a mulher tornou-se, então, invisível aos
olhos da sociedade, tolerante e, por isso mesmo, no exercício
de um surdo pacto de silêncio, traduzido em ditados populares
que bem expressam o comportamento social: “Em briga de
marido e mulher ninguém mete a colher”; “roupa suja se lava
em casa”; “a mulher casada está em seu posto de honra e da
rua para fora nada lhe diz respeito”.
Graças aos movimentos feministas, a partir de 1910,
tornaram-se públicas as discussões sobre a independência da
mulher, para superação da sua pseudoinferioridade, anotandose, a partir dos diversos embates, a gravidade da violência
doméstica.
A discussão pública sobre o tema ficou mais evidente na
década de 70 e, nos anos 90, com mais veemência, veio à
baila o tema, quando os movimentos feministas incipientes
mais atuantes fizeram nascer as ONGs e as associações,
com militância constante e competente, direcionando-se para
Graças aos movimentos
feministas, a partir de
1910, tornaram-se públicas
as discussões sobre a
independência da mulher,
para superação da sua
pseudoinferioridade, anotando-se,
a partir dos diversos
embates, a gravidade da
violência doméstica.
um objetivo comum: envolver o Estado por via de políticas
públicas e sociais no sentido de acabar com a violência contra
a mulher.
Ao final do século XX, podemos dizer que houve uma quebra
de paradigma, refletida nas chamadas ações afirmativas em
favor da mulher, a partir do objetivo de eliminar a violência
doméstica ou social contra a mulher.
No decorrer dos estudos em direção ao objetivo da
igualdade, chegou-se à conclusão que o ponto de partida
para a construção de uma política eficiente seria a coleta de
dados estatísticos, possibilitando tais números ao traçado de
um diagnóstico e, depois, à implantação de um sistema de
prevenção eficiente, afastando-se as verdades e mentiras que
sempre povoaram o imaginário social.
Quando o Brasil foi convidado para participar do
Congresso Internacional de Mulheres, realizado em Beijing,
em 1995, despertou para a dificuldade em traçar as metas
a serem discutidas pela ausência de dados estatísticos
sobre a atuação da mulher brasileira. Ainda hoje ressentese a Nação de precisão numérica de dados. Dispomos
apenas dos dados obtidos do IBGE, dos recenseamentos de
1988 e 2001, de pesquisas isoladas procedidas pelas
Secretarias de Segurança Pública dos Estados e de uma
única pesquisa direcionada, realizada pela Fundação Perseu
Abramo, em 2001.
A partir daí, passou a ser a meta prioritária dos movimentos
feministas a produção de dados e indicadores atualizados.
Graças a esta consciência, veio a lume a Lei 10.778/03, diploma
que torna obrigatório aos hospitais e clínicas médicas preencher
questionário específico de informação sobre atendimento
médico à mulher que chega aos hospitais e clínicas com sinais
de agressão física ou psíquica. Lamentavelmente, passados
quatro anos, a lei mencionada ainda não foi regulamentada,
nem sequer implantada.
ii. A legislação
A Constituição Federal de 1988 instituiu como um dos
princípios fundamentais do Estado a “dignidade da pessoa
humana”, dentro da garantia de que todos são iguais, sem
distinção alguma, proibindo, inclusive, diferença salarial,
diferença de critérios de admissão por motivo de sexo,
dispositivos que deixam clara a posição de combate à
discriminação.
A conquista maior veio com a Lei 9.099/95, diploma que
instituiu os Juizados Especiais, possibilitando maior celeridade
e eficácia às punições de delitos de baixo potencial ofensivo,
classificando-se como tais os casos mais comuns de violência
doméstica contra a mulher.
Lamentavelmente, a realidade mostrou-se inteiramente
diferente da ideia conceitual dos que lutaram pela aprovação
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 49
Foto: stockxpert
Muito mais do que um diploma repressivo, a
Lei Maria da Penha é um conjunto sistêmico
de medidas protetivas, daí a prescrição
de medidas acautelatórias, tais como:
suspensão do porte de arma, afastamento do
lar, proibição de contato do agressor com a
vítima, alimentos provisionais, etc..
50 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
da Lei dos Juizados. Em pouco tempo, chegou-se
à conclusão de que o diploma legal serviu para a
legalização da “surra doméstica”. Sem flagrante, sem
fiança e com a possibilidade de acordo, ainda na fase
policial, impunha como condenação o pagamento de
uma multa, a entrega de cestas básicas ou a prestação
de serviço à comunidade, apagando por completo a
acessão perpetrada.
A suavidade da pena e o desaparecimento da
culpa do agressor pelas tratativas procedimentais
levavam à reincidência, ou seja, outra surra, outra
agressão, acompanhada de coação, para que a vítima
não usasse o suporte legal nos próximos embates.
iii. Peculiaridades
A Lei 11.340/06, chamada de Lei Maria da Penha,
inaugurou uma nova fase na história das ações
afirmativas em favor da mulher brasileira.
Não se pode deixar de registrar o motivo que
levou o legislador a nominar o novo instituto. Sim,
porque a Lei Maria da Penha é mais do que um
diploma legislativo. Trata-se de uma lei que congrega
um conjunto de regras penais e extrapenais, contendo
princípios, objetivos, diretrizes, programa, etc., com o
propósito precípuo de reduzir a morosidade judicial, introduzir
medidas despenalizadoras, diminuir a impunidade e, na ponta,
como desiderato maior, proteger a mulher e a entidade
familiar.
Maria da Penha é uma professora universitária de classe
média, casada com um também professor universitário, que
protagonizou um simbólico caso de violência doméstica contra
a mulher. Em 1983, foi vítima, por duas vezes, do marido, que
tentou assassiná-la. A primeira vez com um tiro, que a deixou
paraplégica, e a segunda, por eletrocussão e afogamento. A
punição pela Justiça só veio vinte anos depois, por interferência
de organismos internacionais. Maria da Penha transformou dor
em luta, tragédia em solidariedade, merecendo a homenagem
de todos dando nome à lei que é, sem dúvida, um microssistema
de proteção à família e à mulher.
Como principais inovações temos a admissibilidade das
prisões em flagrante e preventiva, obrigatoriedade do inquérito
policial e a só possibilidade de desistência, por parte da vítima,
em juízo, acompanhada de advogada e ouvido o Ministério
Público. Pelos tópicos, verifica-se a absoluta alteração da
sistemática procedimental, impondo-se dificuldades para
arquivamento de uma denúncia de agressão, a fim de evitar a
coação. Daí a necessidade de participação de todos os atores
processuais: juiz, advogado e Ministério Público.
A autoridade policial também fica mais fortalecida na
fase repressiva, podendo efetuar a prisão em flagrante ou
representar pela prisão preventiva.
Têm os doutrinadores questionado o seguinte: aplicava-se
ao crime de violência doméstica, com ou sem lesões corporais,
a Lei 9.099/95 — Lei dos Juizados Especiais —, diploma que
exigia a representação para o procedimento do crime de lesões
corporais dolosa de natureza leve. Revogada a aplicação da Lei
9.099/95 pela Lei Maria da Penha, fica a indagação: continuase a exigir a representação ou passa-se à categoria dos crimes
de ação pública? Sem referência jurisprudencial ainda tem-se
a voz autorizada do Professor Damásio de Jesus, entendendo
que continua a se exigir, para a espécie, a representação.
É interessante anotar que a lei em comento se refere à
violência contra a mulher, perpetrada no âmbito da unidade
doméstica, entendendo-se como tal o espaço de convivência
permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar,
abrangendo, inclusive, os esporadicamente agregados.
Uma grande inovação do diploma aqui analisado é a
explicitação das formas de violência, discriminadas no art.
7º (violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral),
sendo definidas cada uma delas.
Mantidas as penas constantes do Código Penal, e que vão
de um a três anos de detenção, afastaram-se a pena pecuniária,
a transação penal e a competência dos juizados especiais.
Há na lei um ponto que está a causar perplexidade por
destoar inteiramente do foco de maior repressão: o parágrafo
9º do art. 121, depois de ter o acréscimo da qualificação,
pela Lei 11.340/06, sofreu diminuição da pena máxima
cominada, passando de seis para três meses de detenção. Para
uns, houve equívoco do legislador; para outros, diferentemente,
a intenção foi sistematizar a pena para as hipóteses de
lesões leves.
Muito mais do que um diploma repressivo, a Lei Maria da
Penha é um conjunto sistêmico de medidas protetivas, daí a
prescrição de medidas acautelatórias, tais como: suspensão
do porte de arma, afastamento do lar, proibição de contato do
agressor com a vítima, alimentos provisionais, etc..
A Lei 11.340/06, para funcionar e produzir os efeitos
desejados, está a exigir do aparelho estatal, especialmente
do Poder Judiciário, um esforço concentrado, a partir da
implantação imediata dos Juizados de Violência Doméstica,
os quais deverão ter funcionamento diferenciado. A previsão
de uma equipe multidisciplinar de atendimento de nada servirá
se aos processos judiciais não se der diferenciado tratamento
no sentido de dinamizar, descomplicar e, sobretudo, entenderse o drama familiar que se esconde atrás de cada um dos
processos. O desafio maior, portanto, é o de treinamento
adequado.
iV. Questionamentos
Como não poderia deixar de ser, doutrinariamente, não
são poucos os questionamentos em torno do novo diploma.
Primeiro, pela novidade; segundo, pela ousadia legislativa; e,
terceiro, pela falta de hábito, ainda, no trato com as ações
afirmativas. Daí a adjetivação à lei, tida por alguns como
preconceituosa por partir da ideia de desigualdade, o que é de
absoluta intolerância para as feministas.
A lei, efetivamente, reconhece a desigualdade de gênero
e vem, por isso mesmo, com o intuito de proteger não apenas
a mulher, mas também a família. Trata-se de um instrumento
identificado como de ação afirmativa.
Para outros, a lei em análise deforma o sistema prisional e
traz, em consequência, um grave problema social, na medida
em que, sem a possibilidade de livrar-se solto do processo,
como ocorria antecedentemente, colocar-se-á na prisão,
durante o curso do processo, um pai de família, um homem
com baixa agressividade, no meio de marginais perigosos e
praticantes de delitos de alto potencial ofensivo.
Entendo que o sistema prisional brasileiro já está
inteiramente deformado e não será a Lei Maria da Penha
mais um instrumento de aprofundamento do caos reinante. A
avaliação não é por esse prisma, e sim pela constatação de que
talvez tenhamos uma lei avançada demais para um país que
iguala os segregados pelo Estado, colocando todos no mesmo
patamar, sem estabelecer gradações, ou discriminação, pelo
tipo do crime perpetrado. Não temos sistema prisional, e
sim depósito de presos, o que precisa de correção urgente,
urgentíssima.
Alega-se também que a Lei Maria da Penha está na
contramão da história, porque defasada da nova orientação do
Direito Penal, de caráter eminentemente preventivo, enquanto
o grau de repressão da Lei 11.340/06 é a tônica. A alegação
é inteiramente leviana, na medida em que o conteúdo penal
do diploma analisado é mínimo. Como já afirmado, trata-se
de instrumento legislativo que alberga um microssistema de
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 51
A mais radical crítica à lei é no sentido de taxá-la de inconstitucional,
pela quebra do princípio da igualdade. Ora, se levarmos em conta,
em termos absolutos, o princípio da igualdade formal, todas as ações
afirmativas padeceriam de inconstitucionalidade.
proteção à família e, por via de consequência, à mulher, com
alguns dispositivos de forte repressão.
A mais radical crítica à lei é no sentido de taxá-la de
inconstitucional, pela quebra do princípio da igualdade. Ora,
se levarmos em conta, em termos absolutos, o princípio da
igualdade formal, todas as ações afirmativas padeceriam de
inconstitucionalidade.
Afinal, ninguém ignora o grave quadro de inferioridade do
gênero, conforme demonstram os poucos dados estatísticos
existentes. A título exemplificativo, com números de maio
de 2006, temos que a cada quinze segundos uma mulher é
espancada ou violentada; a cada vinte e quatro horas nove
ocorrências policiais são registradas; uma em cada cinco
mulheres já foi agredida; mais de cinquenta por cento das
agredidas não procuram ajuda; trinta e três por cento das
mulheres já sofreram algum tipo de agressão física; setenta
por cento dos incidentes acontecem dentro da unidade familiar
e o agressor é o próprio marido; mais de quarenta por cento
das agressões resultam em lesões corporais graves; o Brasil
perde dez por cento do seu PIB em decorrência da violência
contra a mulher, considerando-se os gastos da rede de saúde,
a interrupção do mercado de trabalho pela paralisação da
atividade da mulher agredida e o gasto com a mobilização do
aparelho estatal repressivo, polícia e Justiça
V. Conclusões
Independentemente da valorização da mulher, em política
que tenha por escopo a igualdade do gênero, não se pode deixar
de reconhecer que no Brasil, como em quase todos os países
do mundo ocidental, a mulher continua sendo alvo de uma
sociedade machista e desigual, em preconceito muitas vezes
52 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
silencioso, velado e, lamentavelmente, socialmente consentido.
O silêncio da vítima e a indiferença da sociedade são, sem
dúvida, o combustível mais poderoso para a continuidade da
violência.
Não se pretende aqui fazer uma apologia à mulher, mas
é preciso, ao falar de uma específica forma de violência, a
doméstica, lembrar do que ocorre fora do âmbito familiar,
nos empregos, e que hoje merece a reprimenda penal com o
tipo do artigo 216-A do Código Penal; do que faz a sociedade
de consumo com as mulheres, que hoje vivem submetidas
aos ditames da ditadura da beleza, que exige juventude,
corpo esquálido e hábitos que sustentem a rica indústria de
cosméticos, de cirurgias plásticas e da moda prêt-à-porter, sem
preocupação alguma com o destino existencial da mulher.
Ao falar-se da Lei Maria da Penha, estar-se-á restringindo
a análise a uma espécie, a mais drástica e grave sob o ângulo
pessoal da vítima e da sociedade: a violência doméstica.
A Lei 11.340/06 só pode ser interpretada como diploma
que pretende resgatar de forma principiológica a política
pública de proteção à família e de combate à desigualdade,
sem espaço para alegação de inconstitucionalidade.
Constituindo-se a Lei Maria da Penha em uma quebra de
paradigma, só funcionará, efetivamente, se pelo Estado houver
a implementação dos serviços multidisciplinares previstos
no microssistema criado. Por parte dos atores do processo,
dentre os quais juízes e membros do Ministério Público,
espera-se que vençam a tradicional morosidade do Judiciário,
mediante a aplicação da norma de maneira inteiramente nova,
sem burocracias e sem formalismo.
Enfim, no combate à desigualdade é preciso que cada um
cumpra o seu papel.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 53
A forma arcaica e imperfeita
foi oposta ao sentido de que
se reconhece mais consistente
e preciso para regularizar os
fenômenos determinantes da
economia, de modo a descortinar
toda a desordem encoberta por
aparências de certeza, que chegava
mesmo a firmar verdadeiros
paradoxos, incompatíveis com a
mais idealizada economia.
inteRvençÃo ReGulatÓRia
E FEDERAÇÃO
André R. C. Fontes
Desembargador do TRF 2ª Região
Membro do Conselho Editorial
54 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
Foto: ASCOM/TRF2l
A
intervenção do Estado na economia, como um todo
único e interconexo, tal como chegam a aclarar os
estudiosos, é, atualmente, definida com certo grau
de precisão e tomada como ponto de partida para a
fisiologia da moldura estatal contemporânea. O tema ocupa o
lugar central das categorias da Economia Política e pode-se,
sem dúvida, afirmar que é o centro de gravidade da explicação
da riqueza no Estado moderno. Reduzida ao mais consequente
dos espíritos e resultante de uma magnitude sensível, a
perspectiva intervencionista não tolera arbitrariedades nas
formas de produção e serve como marco entre a miséria e a
riqueza de um povo.
Está preparado o terreno para uma nova concepção de
mundo. É uma necessidade amadurecida, como testemunha da
riqueza de uma nação, mas não sem amargar um prolongado
e difícil desenvolvimento, que percorre toda história humana.
Ao seu próprio tempo, o peso da atividade econômica no
destino de um país permitiu sistematizar todo o conjunto
de conhecimentos acumulados pela humanidade, durante
anos, e dar perfeita conta da necessidade de abandonar os
pensamentos e opiniões, os apetites e a paixões mutáveis
dos indivíduos e de examinar as causas que têm fundamentos
visíveis na natureza econômica. De conformidade com cada
espírito de época, brotaram correntes, variadas e muitas vezes
opostas, no pensamento econômico e na Economia Política.
Para se determinar o conteúdo da atividade estatal, fez-se
necessário ter presente que, de acordo com o desenvolvimento
da civilização e concomitantemente com a mudança das
necessidades sociais, que exigem uma satisfação disseminada
e adequada, coube ao Estado determinados fins, que variam no
espaço e no tempo.
O pensamento da liberdade não se limitou a impulsionar a
economia. Em verdade, ele realizou uma revolução em todas
as esferas do conhecimento. O estudo de pensadores sobre os
países e o bem-estar dos povos serviu-lhes de método de análise
integral das relações sociais, e sobre essa base retiraram as
devidas conclusões políticas. Importa assinalar se, realmente,
dessas teorias se demonstraria certa ordem no completo caos,
no espaço e no tempo, antes das medidas estatais. Foi no estudo
profundo da Economia e da Política que se ofereceu novo e
abundante material para o movimento intervencionista.
Por outro lado, não bastava apenas conhecer as leis gerais,
esmiuçadas em análises teóricas, para compreender-se porque
um regime econômico devia ser substituído por outro. De todas
as relações travadas em um país, as relações econômicas ocupam
o primeiro lugar. Seja porque as relações da sociedade em geral
e as relações econômicas são inseparáveis e indissociáveis, seja
porque, sem estudá-las, não é possível encontrar a resposta para
a questão de como chegar ao optimum da ação intervencionista
estatal, em prol do bem comum.
O desejo de tornar o mundo melhor exigiu a substituição de
uma economia antiquada e desordenada, por uma nova ordem
econômica que, por amor à verdade, resultasse no impulso
científico de toda a organização. A forma arcaica e imperfeita foi
oposta ao sentido de que se reconhece mais consistente e preciso
para regularizar os fenômenos determinantes da economia, de
modo a descortinar toda a desordem encoberta por aparências
de certeza, que chegava mesmo a firmar verdadeiros paradoxos,
incompatíveis com a mais idealizada economia.
A possibilidade de se estabelecer o princípio da participação
coercitiva do Estado na circulação mercantil, na produção industrial,
no fluxo do transporte, na condução das comunicações, na ideia de
quantidade e qualidade da produção nacional fica distante do acaso
e passa a estar sujeita aos influxos da ação estatal. A liberdade da
empresa e a economia de mercado estariam, de forma consciente,
orientadas para a correção de distorções que atentassem contra
a soberania nacional, a função social da propriedade e a defesa
do consumo, mediante imposições administrativas (art. 170
da Constituição da República). A ideia de um instrumento de
intervenção que desnudasse qualquer visão ingênua da ordem
da produção e penetrasse nos inacessíveis espaços internos da
estrutura econômica e dos agentes econômicos é que conduziu à
perspectiva regulatória da economia.
Os atributos da regulação e seu mecanismo de interferência
junto aos agentes econômicos fazem com que ela se separe das
demais formas de intervenção do Estado na economia e preserve
seu caráter essencial e universal. Houve, nas intervenções estatais
na economia, a redução das formas existentes a espécies próprias,
que conservam seus traços e peculiaridades, essenciais para
compreensão de cada uma. No quadro de existência das formas
de intervenção do Estado na economia encontramos, ao lado da
(i) intervenção regulatória, (ii) a intervenção concorrencial, (iii) a
que traduz um monopólio do próprio Estado — as intervenções
monopolistas, como é o caso da indústria nuclear no Brasil —
e (iv) aquele grupo de intervenções destinado a punir abusos
econômicos, praticados contra a ordem econômica e financeira
e contra a economia popular (art. 173, § 5º, da Constituição da
República) ou na aplicação do imposto sobre propriedade urbana
não-edificada ou subutilizada (art. 182, § 4º, da Constituição),
que consubstancia a intervenção sancionatória.
Somente em meados do Século XX, amadureceram as
premissas para o surgimento de uma concepção básica e unificada
de regulação. A liberdade econômica provocou o aparecimento
de economias fortes, o que levou ao surgimento daquilo que se
cunhou de grandes potências, como a Inglaterra, a França, a
Alemanha e, em especial, os Estados Unidos da América.
Todas as tentativas de criar uma teoria universal acabada
estavam de antemão condenadas ao fracasso. Com o passar dos
anos, as teorias extinguiram-se com o término das épocas que
lhes deram vida, passando à história juntamente com os agentes
econômicos, cujos interesses expressavam. Só as ideias que
refletiam mais profundamente a realidade de cada povo, de cada
país, é que permaneceram na memória do pensamento social
da humanidade. E são essas que foram assimiladas pelas novas
teorias, que expressam os imperativos da prática.
Os dados obtidos pela experiência dos povos confirmam e
autorizam a assertiva, apoiada nos fatos mais visíveis das mais
diversificadas nações, que a regulação é inerente à economia de
cada país, de modo que ela não constitui uma forma de infirmála ou limitá-la. A regulação não é estranha a nenhuma economia
livre e concretamente identificada. A palavra “intervenção” para
a locução “intervenção regulatória” deve ser entendida como
forma de realizar a própria economia. Em nenhum momento,
a intervenção regulatória pode residir na ideia de que seria
estranha ou um obstáculo ao normal funcionamento da economia,
como seriam, por exemplo, o planejamento econômico ou mesmo
o retorno a uma ideia de Estado-patrimonial, no qual tudo que
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 55
56 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
é a exata medida dessa dificuldade. No desejo de relatar os
acontecimentos, mas sem a necessária ordem cronológica de
exposição, abandonamos, neste texto, a exatidão dos casos, para
explanar a evolução do fenômeno que se pretende destacar.
Os melhores representantes das muitas gerações de nosso
país consagraram a vida na luta pelo ideal democrático. Mas a
só aparição da democracia como consenso da vontade do povo
não foi suficiente. Desde o princípio, amadurecemos a ideia de
que toda premissa objetiva de democracia só merecia triunfar
se ela se traduzisse em descentralização. A descentralização
democrática no Brasil significa descentralização política. No vasto
território da nossa República, é a Federação, historicamente, a
mais basilar forma de democratização por descentralização, a
descentralização política.
Toda essa questão nos leva a afirmar que a estrutura federativa
é norteada pela democracia. E tal dedução prescinde de uma
teoria sutil. Outra forma de assinalar esse papel desempenhado
pela democracia na federação é a de que essa combinação
também não existe como uma peculiaridade de nosso país. Todo
governo enfrenta um dilema entre, de um lado, a necessidade
de concentrar atividades e recursos na realização de objetivos
considerados importantes para nação e, de outro, a necessidade
de atender a interesses mais específicos, de caráter regional
ou local. A compatibilidade, sempre relativa, entre essas duas
funções depende, basicamente, do grau do desenvolvimento do
país e do amadurecimento político do seu povo.
A experiência federativa não é tão difundida como se sabe.
A coesão do povo, integrado por leis comuns a todo território
nacional e por leis peculiares a certas áreas geográficas, de
forma a encontrar um edifício de muitos andares, cada um
com direção própria, pressupõe a presença de particularidades
socioculturais e sociopolíticas que refletem o grau de consciência
social e política de um povo, um povo de vida democrática. E se
o número de nações determinadas pela precisa demarcação de
função, forma, método e trabalho que a federação assinala é
bem menor do que se poderia imaginar, em termos abstratos,
é porque a vida democrática é pouco diversificada. Ao mesmo
tempo, a própria formação política e a estrutura real do
poder dependem da distribuição da população e dos recursos
econômicos, que transformam, com frequência, as estruturas
federais em estados unitários. A concentração de poderes no
executivo moderno, na prática, acaba por fortalecer o caráter
unitário do país. Esse é, certamente, o caso das federações
existentes nas Américas abaixo do Rio Grande. Verifica-se,
contudo, que a permanência do equilíbrio federal não depende
apenas de equilíbrios econômicos regionais, mas também de
características ligadas à formação política de cada nação.
Se o esquema de Estado federativo constituiu algo sem
paralelo em nosso país, é porque as forças descentralizadoras,
diferenciadas e fragmentadas de poder, existentes desde a
colonização do Brasil, projetavam-se no novo país e fizeram
prevalecer seus espíritos mais enraizados na história e na
geografia. No imenso território do Brasil, os poderes autônomos
locais se firmaram na vida política brasileira, se não pelo seu
processo histórico, talvez pela sua geografia invulgar, já que, no
Ilustração: Editora J&C
tivesse expressão econômica seria titularizado pela própria
entidade estatal, como a atividade agrícola, a pecuária, a indústria
e tudo mais.
A dinâmica dos fenômenos regulatórios e o seu reflexo nos
conceitos e categorias da ciência econômica exigem uma certa
distinção, que a prática evidencia: o Estado moderno, que, tão
cioso de tutelar os direitos fundamentais, não permite retirar
conclusões ou mesmo recomendações que se adiantem à
realidade econômica e ao sistema de liberdade de empreender e
competir. A fase que se reputaria mais clássica do Estado voltase ao antagonismo entre a democracia e as formas de limitação
da liberdade humana. Coube ao Estado estruturar-se para
avançar em direção aos mais comezinhos influxos democráticos
e na formação dos ideais que cada instituição democrática
pudesse gerar. Dessa forma, desdobrou-se o Estado, por meio
de sua ordenação, para a realização do homem e de seus ideais.
O desenrolar dessa nova modalidade de condução do Estado
amputou dele a capacidade de extrair do contexto vivo e da vasta
escala de fenômenos de raiz econômica a aptidão para lidar com
o movimento econômico e suas exigências.
Se alguém se propuser a interpretar e estudar os mais díspares
objetos econômicos, com discernimento, ficaria esmagado
perante a infinita diversidade de fatos isolados e casuais que em
nada ou muito pouco auxiliam a compreensão do panorama geral.
A importância de descobrir, dentre todo o conjunto de relações
gerais, aquelas que são essenciais e necessárias, só se faz
possível por meio da análise técnica de instituições reguladoras.
Quando se estuda a fundo qualquer esfera de conhecimento
do mundo que nos rodeia, constata-se no seu desenvolvimento
uma certa ordenação, uma sequência, uma sistematização, uma
regularidade. Esse fenômeno também se apresenta no estudo do
Estado moderno, que necessita de específicas instituições para
que se conheça qualquer esfera da realidade, em estreita ligação
objetiva com a economia. Um Estado, como um todo único, que
determine e regule a tendência do desenvolvimento da economia,
estaria fadado ao insucesso. Ao se decomporem, os estados
formam as instituições, com autoridade e independência, que
melhor conduzirão as profundas e complexas interligações que
existam entre a economia e a administração pública: as entidades
reguladoras independentes.
Nenhuma teoria poderia dar respostas a todas as questões
e prever antecipadamente a multiplicidade de incidência
da vida. Nenhuma ideia se transforma em força material,
sem ser compreendida e assimilada. Nenhuma teoria pode
surgir e tornar-se realidade sem refletir o surgimento e o
desenvolvimento de objetos e fenômenos. Nenhuma soma
simples das partes chegará a um objeto acabado, sem as rodas
e espirais de seu funcionamento. Não advirão as condições
para o desenvolvimento sem a iniciativa de pessoas, sem a sua
atividade, sem a sua capacidade de compreender e escolher a
mais favorável a realizar.
O Estado brasileiro formou-se com abundância de tensos e
complexos acontecimentos, em volume tal que põe em situação
difícil qualquer historiador que intente escrever um ensaio
histórico relativamente breve. A experiência deste trabalho
tempo da sua independência, era o maior Estado do Ocidente. Se
há uma hierarquia de conceitos e de ideias a conduzir pesquisas
empíricas e teorias particulares, é de se considerar que toda ciência
se assenta sempre em determinados valores fundamentais, que
constituem a pedra angular de cada ramo concreto do saber.
A Federação brasileira brotou da práxis e da realidade e
seguiu estritamente ligada à consciência habitual, para que o
processo de autocrescimento do país se tornasse um verdadeiro
enigma. As capitanias gerais, em que o Brasil foi dividido para
efeitos de administração, governavam-se com ampla autonomia,
correspondendo-se, cada uma delas, diretamente com a Corte de
Lisboa. Um sentimento local acentuado formou-se e fortaleceuse, ao ponto dessas antigas capitanias se transformarem em
províncias, com as mesmas divisas da Colônia. A convocação
de Dom Pedro I pela Corte de Lisboa, que provocou a enérgica
reação do Príncipe que optou por ficar no Brasil, foi precedida
pela fragmentação da Administração do Estado do Brasil, que
deveria, por meio de cada capitania, relacionar-se diretamente
com Portugal. O fortalecimento político de D. Pedro I foi
duramente combatido pelas Cortes de Lisboa que, em 24 de
abril de 1821, declararam independentes do Rio de Janeiro os
governos provinciais do Brasil, os quais ficariam sujeitos, única e
imediatamente, à administração portuguesa. Essa determinação
de Portugal desorganizava, por completo, a administração do
país, transformando-o em um grupo de governos desvinculados
da capital, de modo a enfraquecer a autoridade de D. Pedro I.
Seria ele reduzido a um simples governador do Rio de Janeiro
e das províncias do Sul, e não receberia das demais unidades
as rendas que passariam a seguir diretamente para Lisboa. A
unidade expressa na atitude do Príncipe Regente nem por isso
deixou arrefecer o sentimento local das províncias e de nelas se
sentir necessidade de governos subalternos, dotados de poderes
suficientes para resolver os mais variados problemas locais.
A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de
março de 1824, declarava, em seu art. 2º, que o território do
Império seria dividido em províncias, que nada mais eram do
que reproduções das capitanias então existentes. As províncias
foram subordinadas ao poder central, por meio do seu presidente,
escolhido e nomeado pelo Imperador, pondo fim a uma liberdade
que respondia às condições econômicas, sociais e políticas que
era realidade desde a colonização do país. Sob as ruínas de uma
relação centralizada de um Estado fadado à extinção, o Império não
logrou êxito em desalojar as diferentes estruturas estamentais e
sociais assentadas nas províncias. Os historiadores retratam um
império unitário, mas, na verdade, a fiel reprodução da realidade
administrativa da época evidencia o que se poderia chamar de um
império de províncias.
O principal programa republicano era a Federação. O
paradigma era o exemplo dos Estados Unidos da América. Com a
ressalva de que a Constituição do Império dava caráter federativo
à incorporação da Província Cisplatina (art. 2ª da Constituição
imperial), o fato é que estava centralizada a administração do
país, de modo que a simples nomeação de um professor de
uma faculdade dependia da Corte. Uma especial referência aos
municípios se faz necessária: desde os primórdios da colonização,
os municípios tiveram administração própria, suprimida por
ocasião do Império.
A glorificação e idealização de Federação centrípeda, na
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 57
O conhecimento científico da Federação é inseparável da evolução
histórica do regime ao qual se deve sua formação e denominação nos
tempos atuais: a Federação dos Estados Unidos da América.
qual estados separados buscam a união e a integração, tornouse lugar-comum do ideal federativo. A Federação é reputada
perfeita se se apresentasse mediante a união de estados
soberanos. São exemplos os Estados Unidos da América
e a Suíça. Os esforços dos que tentam fazer da Federação
brasileira um reflexo do que se passa na grande República do
Norte passam por uma negação da história originária para a
forma centrífuga, na qual os estados gozam de autonomia antes
centralizada, e distribuída para as novas unidades internas. Esse
fato contribui para a falsa ideia de que os problemas federativos
encontrariam sua razão de ser na junção de estados soberanos,
que se tornaram autônomos. Os problemas da Federação
estão concentrados fundamentalmente na: (a) repartição de
atribuições entre a União e os estados; (b) na discriminação das
rendas tributárias; (c) nos conflitos entre estados ou entre eles
e a União; e (d) na intervenção federal nos estados.
Países se aglutinaram e se formaram como Federações,
mas nem por isso deixaram de suprimir a autonomia das
divisões internas. Assim ocorreu com a extinta Iugoslávia, que
se formou voluntariamente, ou também na extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, que reuniu, por via militar,
antigas repúblicas. O argumento de que o Socialismo impediria
a exata formação da estrutura federal é contraditado pelo
fato de que os Países Baixos se juntaram em um só Estado, e
esse acontecimento não impediu que o país fosse um Estado
unitário. A Itália, de um grupo de países, firmou-se como Estado
unitário, embora sob a forma regional. Por outro lado, a Bélgica,
a Áustria, o Canadá, a Austrália, com suas histórias peculiares,
puderam ser agrupados como o Brasil, na forma centrípoda, e
mesmo assim tornaram-se modelos de federações.
Outros exemplos históricos podem ser acolhidos. A Argentina,
que se formou federação, era, por ocasião da Guerra do Paraguai,
uma confederação, conquanto tenha se formado a partir da
unidade do Vice-Reino do Prata, que era uma unidade. Seria
o exemplo de movimento centrípodo-centrípedo-centrípodo?
Tanganica e Zanzibar uniram-se para formar a Tanzânia, mas o
novo Estado não incorporou a ideia de Federação.
O território da Luisiana, adquirido pelos Estados Unidos
da América, foi fracionado em vários estados; o Texas, por
sua vez, foi separado do México e incorporado aos Estados
Unidos da América, que se formou através da reunião de vários
estados. Também os territórios adquiridos do México, mais a
oeste dos Estados Unidos, foram divididos formalmente, como
58 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
um tabuleiro de xadrez. Seriam eles mais autônomos do que
as partes da Federação belga, na qual, língua, costumes e
tradições pouco se misturam, ao lado da capacidade de editar
leis, apenas porque é o Reino da Bélgica uma Federação
centrípoda? Os departamentos bolivianos que lutam pela
autonomia seriam menos federados que os estados da grande
democracia do Norte, onde a crescente ampliação dos poderes
implícitos federais consome as autonomias estaduais? A recente
divisão política da República da África do Sul torna centrípoda
a federação que um dia foi centrípeda, pela união dos estados
racistas de Orange, Transvaal, Natal e Província do Cabo?
As mentes mais iluminadas da humanidade sempre
compreenderam a realidade de um país segundo um quadro
de ordem ideal. É reflexo dessa assertiva a insuficiência dos
fatores centrípodo-centrípedos nas relações e conhecimentos
das concepções federativas. Não obstante essas conclusões,
o terreno para a concepção de Estado federativo é vasto. E é
uma necessidade que bem expressa os imperativos da vida em
sociedade enunciar as grandes questões a serem respondidas
pelos estudiosos.
O conhecimento científico da Federação é inseparável da
evolução histórica do regime ao qual se deve sua formação e
denominação nos tempos atuais: a Federação dos Estados Unidos
da América. Qualquer formação diversa daquela desenvolvida
pela República norte-americana pareceria primitiva ao ideal
clássico, mesmo que estejam os Estados Unidos repletos de
exemplos de inexplicáveis contradições, ante aos que se viam
impotentes de contemplação direta. Como se as variações, com
todos os acontecimentos inspirados pelas exigências locais de
territórios afeitos à vida independente, de origem variada (inglesa,
nas treze colônias originais, espanhola na Flórida, francesa na
Luisiana, russa no Alasca, mexicana no Texas), pudessem dar a
informação exata do que é uma verdadeira federação.
É na Constituição de cada país que deságua a base para
as soluções de problemas tão complexos e espinhosos. Em um
Estado genuinamente federal, é necessário o equilíbrio político
entre as partes, ou seja, descentralizações políticas entre os
estados e entre eles e a União. O mecanismo fundamental
dessa estrutura é a Constituição da República. Introduzida
como mecanismo fundamental da engenharia federativa, a
Constituição, na sua forma rígida, inibe a União de tolher as
competências dos estados, como exigência de preservação da
mais elementar concepção federativa. A Federação brasileira, em
seu aperfeiçoamento, regula as relações entre as partes de sua
estrutura e assegura a unidade nacional, ao fixar, rigidamente,
as competências das entidades políticas que a compõem. Tendo
em conta a vocação regulatória do projeto econômico do país
como força motora do desenvolvimento, foram melhoradas por
diversas emendas constitucionais as formas de atitudes que
o Estado brasileiro haveria de tomar, diante das mudanças
e dos conflitos, especialmente ligados ao afastamento da
Administração Pública da atividade econômica.
Foi com a oposição à ideia de que a economia nacional seria
coisa pública e que o Estado seria agente econômico que a res
publica econômica deixa de existir. Procedeu-se à alienação
das empresas paraestatais e ergueu-se a ideia de que o
Estado passaria a ser intervencionista. A passagem do Estadoagente econômico para o Estado-intervencionista obedeceu
a uma radical mudança na economia, pela venda dos ativos
empresariais, que, sinteticamente, chama-se despublicatio.
Porém, foi com o vocábulo “privatização” que o povo brasileiro
conheceu e testemunhou a mais extraordinária mudança da
economia nacional em tempos atuais.
A Constituição, escrita e rígida, é fundamental para que
o projeto federativo tenha êxito no Brasil, e foi por meio da
edição de emendas ao seu texto que se deu a introdução de
todo o sistema interventivo regulatório. Está na Constituição
a resposta aos conceitos e a generalização da intervenção
regulatória. É que as partes e o todo da Federação brasileira
estão vinculados à Constituição, e somente ela poderia ampliar
a competência da União Federal, dos estados e municípios,
na delimitação de competências normativas, que redundam
na intervenção da economia e na mais exata determinação de
uma estrutura federativa. Sem uma resposta constitucional,
não teríamos como vincular todos os agentes econômicos às
competências normativas dos entes federados, de modo a que
todos, na complexidade de uma estrutura interna de instituições
independentes, pudessem implementar a intervenção regulatória
por autoridades independentes.
A necessária constitucionalização da intervenção regulatória
e de seus órgãos em nosso país é resultante de um sistema rígido
de órgãos de competência normativa, de estrutura federal. É
que não socorreria aos agentes uma cláusula geral de liberdade
econômica, pois ela, sabidamente, sempre foi limitada pela
lei. Apesar do aparente contraste entre liberdade econômica
na Constituição e possibilidade de lei para a restrição dessa
liberdade, encontramos na própria Constituição da República a
conciliação entre os dois temas: a ideia de que o exercício da
atividade econômica é dependente de lei.
A definição confirmada de que a regulação encontra previsão
constitucional para a afirmação federativa e não para criar uma
nova espécie de relação entre a liberdade econômica e a lei está
assentada na tendência objetiva de o Estado ter sempre criado
formas de restrição da atividade econômica, sem necessidade de
alteração do texto constitucional.
A formação do regime regulatório, no Brasil, na fase ascendente
do ciclo privatista, a fim de assegurar o desenvolvimento
coordenado do capital privado, não encontraria óbice em uma
legislação ordinária. O concurso de leis para assegurar a ordem
na economia do país tradicionalmente serviu, mesmo nas leis
mais restritivas, ao estímulo e ao fomento da produção e do
desenvolvimento. O Estado brasileiro, invariavelmente, procurou
intensificar a atividade econômica, envolvida quase sempre na
espontaneidade do mercado e na sua competitividade, de modo
a que a regulação seria apenas uma forma de aproveitamento
das potencialidades industriais, agrícolas e da movimentação
comercial, de modo a assegurar um ritmo estável de aumento da
produção. Ao eliminar os antagonismos que o desenvolvimento
e a produção intensa provocam, a regulação econômica
consubstancia uma maneira de afirmar a ordem econômica, de
realizá-la, de cumprir as necessidades dos agentes econômicos, de
fazer avançar a sociedade, de promover a expansão do consumo
e o bem-estar geral da população. Se se propõe assegurar o
bem-estar e o atendimento do consumo esperado por todos, a
regulação está dando crédito a uma sociedade ordinariamente
ávida por leis que a regulem e que assegurem o benefício máximo
que possam obter com a ação das entidades reguladoras.
A essência da regulação constitucionalizada é a de alcançar
as competências das entidades federadas. Pois a atividade das
autoridades de regulação adquire particular envergadura no
curso da sua atuação, de modo que a competência dos estados
e municípios, Distrito Federal e da própria União Federal deixa
de existir, na sua feição originária, e passa a ser mais flexível e
variada, pela ação das entidades reguladoras.
A experiência de mais de uma década de regulação
econômica gera, em nosso país, uma pressão crescente na
competência das unidades da Federação e dos municípios.
A variedade de assuntos objeto de regulação permite que as
entidades reguladoras acentuem, cada vez mais, uma tendência
unificadora da atividade econômica nacional, em detrimento
dos entes federativos e das suas competências rigidamente
estabelecidas na Constituição. A ampliação dos temas
regulados propugna o afiançamento da ordenação econômica,
mas desbasta a projeção das competências das entidades
políticas e agride a sua penosa situação, especialmente os
estados e municípios, já depauperados no exercício do pouco
de competência que, de fato, podem exercer.
A experiência tem mostrado que as decisões dos Tribunais
Superiores têm preterido a competência dos municípios em
matéria urbanística, sob o argumento de se tratar de matéria
regulada, como é o caso do uso de postes de eletricidades em áreas
urbanas, ou mesmo a disciplina do gás pelos estados, por conta
da edição de normas editadas pelas entidades reguladoras.
Seria ingênuo supor que a criação das entidades reguladoras
não afetaria as competências dos estados e municípios. Por outro
lado, a regulação, de fato, atinge e transforma todos os aspectos
da vida econômica do país. A possibilidade de um caminho pacífico
não deve ser considerada como algo absoluto, nem como renúncia
à conquista federativa das competências. Deve-se ter presente,
entretanto, que só dispondo de mecanismos constitucionais o
exercício das atividades das entidades reguladoras seria possível,
já que é esse o único meio de restringir, de modo dinâmico e flexível,
as competências das entidades políticas de nosso país.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 59
Fábio de Salles Meirelles
Presidente da Federação da Agricultura
e Pecuária do Estado de São Paulo – FAESP
Membro do Conselho Editorial
Alertamos as autoridades públicas
que a segurança nacional, os
objetivos de nação e a tranquilidade
da nossa gente dependem do
estabelecimento imediato e definitivo
de uma verdadeira e permanente
política agrícola lembrando que a
população mundial atual já ultrapassa
a casa dos seis bilhões de pessoas,
o que nos leva a indagar: como
abastecê-la daqui a dez anos?
60 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
A
o longo dos anos, nunca, em tempo algum, o real poder
político, econômico e social da agropecuária brasileira foi
devidamente reconhecido pelos poderes públicos, quer seja em
âmbito federal, estadual ou municipal. Em decorrência dessa
lamentável insensibilidade, o produtor e o trabalhador rural, nos últimos
100 anos, vêm lutando bravamente para se manter com dignidade nas
suas atividades no campo, em meio às sucessivas crises, com políticas
macroeconômicas inadequadas, planos de safra falhos, gerando falta de
decisões e de celeridade na implantação de políticas agrícolas, o que têm
afetado seriamente sua renda, desajustando a sua consolidação, com
reflexos à economia nacional.
Neste contexto, é pertinente recordarmos algumas das principais
crises atravessadas pelo Brasil, a começar pela de 1929, iniciada na grande
nação americana, que assolou a economia do mundo e deixou de joelhos
o nosso país. Surgia, então, um dos mais perversos efeitos: o êxodo rural,
provocando sérios problemas sociais, estruturais e econômicos para os
locais onde os “retirantes” se deslocavam. Naquele dificílimo período, no
qual o país praticamente quebrou, os poucos produtores e trabalhadores
que puderam se manter em suas atividades ficaram desamparados e a
mercê de sua própria sorte, situação essa retratada na triste frase do
então Presidente da Republica Washington Luís, “Salve-se quem puder”.
Na iminência de enfrentar a crise fez-se ressurgir a figura do colonato como
Foto: Arquivo JC
o Homem Do campo, seus
Desencantos e sua
Fé, HISTóRIA, RISCOS E DESAFIOS
uma das formas encontradas para atrair e
manter o trabalhador rural e sua família
nas valiosas terras brasileiras. Mesmo sob
críticas de setores representativos não
conhecedores dos benefícios desse sistema
de trabalho, este foi imprescindível para a
sobrevivência das famílias que, guiadas
por sua fé, persistiram acreditando em seu
trabalho no campo. Nas décadas seguintes
surgiram incentivos ao plantio, como
aquele traduzido pela frase: “Plante que
o governo garante”. Todavia, não davam
garantias adequadas, seguras ou recursos
de financiamento (valores irreais).
Nas décadas de 50 e 60 do século XX,
as políticas adotadas de substituição de
importações impulsionaram a industrialização do país e consequentemente
acentuaram a crise do setor rural. Nessa
época, os grandes fazendeiros, em
detrimento de suas atividades agrícolas,
passaram a investir na indústria.
Destaque-se, então, o pesado ônus
suportado pelo setor rural em fornecer
capital, divisas e mão-de-obra, as mais
qualificadas, para o desenvolvimento
industrial. Vale lembrar, nesse contexto,
que o então presidente Juscelino
Kubitschek já acenava com a promessa
de que faria para a agricultura, em seu
próximo governo, o mesmo que fez com a
indústria: “desenvolver 50 anos em 5”.
Passado um breve período de
crescimento econômico do país, uma nova
sucessão de crises solapou a economia
brasileira. A inflação e a estagnação da
economia marcaram a década de 80. O
Estado brasileiro tornou-se insolvente,
acarretando a conhecida moratória. A
agropecuária não passou imune a esse
período e, no final dos anos 80, intensificouse o êxodo rural e a exclusão social.
Outro exemplo foi a enorme dificuldade
enfrentada pela cotonicultura brasileira,
fazendo-a quase desaparecer e, com ela,
a força de uma indústria têxtil responsável
por inúmeros postos de trabalho.
Nos anos seguintes, com o
enfraquecimento generalizado da economia brasileira, sucederam-se planos
econômicos para tentar recuperá-la. Mas,
como muitos desses foram heterodoxos,
tiveram efeito contrário alimentando crises
com elevadíssimo custo social, até o início
dos anos 90. Em relação a agropecuária,
a década de 90 foi marcante, pois
expôs o setor rural a novas e profundas
transformações. Uma das principais foi o
esvaziamento do modelo de intervenção
(regulamentação) do Estado, caracterizado
pelo controle e garantia de preços,
manutenção de estoques reguladores
e maior disponibilidade de crédito rural.
Concomitantemente, a economia atravessou período de alta inflação, seguido pela
estabilização econômica e intensificação
do processo de abertura comercial. A
partir desse novo panorama, foi imposto à
agricultura um novo modelo de mercado,
com intervenção mínima do Estado. Essa
transição elevou os riscos dos produtores
rurais, criou problemas e distorções ainda
presentes no setor agropecuário, determinando ciclos alternados de expansão
e retração. E mais. A alternância de
um modelo de grande intervenção do
Estado para um de livre mercado não foi
acompanhada da necessária adequação de
instrumentos, por falta de política agrícola
permanente, real e consistente, agravando
dolorosa e perversamente esse processo
para muitos produtores rurais.
Desde então, incansavelmente, o setor
produtivo pleiteia a implantação no país
de uma política agrícola de médio e longo
prazos, com fortalecimento das cadeias
produtivas, como forma de amortecer os
efeitos danosos das políticas macroeconômicas sobre o setor. Precisamos de
um projeto que atenda às expectativas
de expansão de áreas como agricultura
energética, alem dos segmentos de
grãos e pecuária, em consonância com
o desenvolvimento sustentável. Essa é
uma das principais necessidades para
a agropecuária brasileira aumentar sua
produção, tanto em volume quanta em
qualidade, cumprindo seu compromisso
com o abastecimento e a segurança
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 61
alimentar, gerando divisas, emprego e renda para o país.
O crescimento do setor esbarra na sustentabilidade das
propriedades rurais, de suas atividades e na falta de garantia
de renda real dos produtores. Os instrumentos, os recursos
alocados e suas liberações pelo governo não têm sido suficientes
para atender, de forma criteriosa, as necessidades do setor,
cujos preços ficam em patamares que não cobrem os custos de
produção. Os juros elevados e a excessiva burocracia praticada,
tanto por bancos públicos quanto privados, com garantias que
vão desde a produção, maquinário, à hipoteca da terra, são
fatores que também inibem o acesso ao crédito. O “spread”
e as demais exigências bancárias no país são um verdadeiro
abuso e visam garantir o lucro dos bancos, diminuindo os riscos
das operações, com detrimento da expansão do setor produtivo
rural, afetando a segurança das atividades agrícolas. Além disso,
os produtores carecem de um seguro rural amplo e eficiente,
capaz de assegurar renda. Por meio deste poder-se-á estancar
os ciclos de endividamento e garantir renda aos produtores,
mesmo diante de catástrofes climáticas.
É menos oneroso para o governo investir na proteção da
renda dos produtores do que lhes socorrer nas constantes
renegociações de dívidas. Não por acaso, inúmeros países
produtores de alimentos contam com abrangentes instrumentos
de política agrícola e, curiosamente, as nações desenvolvidas
mantém a prática de uso de subsídios para garantir a
competitividade de seus produtos e dos próprios produtores.
Por essas razões e pelo fato de as atividades agropecuárias
garantirem o abastecimento de mais de 190 milhões de brasileiros,
além de exportar para todos os continentes os mais diversos
produtos da alimentação básica e seus derivados, garantindo a
essas populações qualidade e frequência no abastecimento, é
imprescindível que se plante políticas agrícolas e instrumentos
específicos que promovam a estabilidade da produção e da renda
agrícola, assegurando o crescimento equitativo e sustentável
das cadeias produtivas.
Relevante ainda citarmos os principais gargalos do setor
agropecuário que estão assentados nas nossas deficiências
da infraestrutura (transporte, armazenagem e logística) e nos
altos custos de produção que também são majorados pela
ineficiência da cadeia logística e tributária. Agravando ainda a
situação do setor, têm-se o impacto da legislação ambiental que
é inadequada ao meio rural, pois transfere todo ônus da defesa e
conservação do meio ambiente aos proprietários rurais. Somamse a isso, a necessidade de flexibilização da legislação trabalhista,
adequando-a à realidade do campo, e as dificuldades do sistema
tributário brasileiro que, além de sua complexidade operacional,
impõe uma pesada carga fiscal aos produtores, onerando os
investimentos e a produção.
Não bastasse a ausência de uma visão clara e realista do
setor público para os legítimos pleitos da categoria, fomos
mais uma vez surpreendidos por uma conjuntura adversa,
novamente oriunda da grande nação americana e resultante,
particularmente, da crise dos papéis podres, das operações
especulativas e do crédito sem garantias adequadas. Muitas
são as incertezas, mas a atual crise financeira global já
desencadeou a redução da atividade econômica mundial;
diminuição das exportações brasileiras; dos preços dos
produtos agropecuários e a escassez de crédito para o
custeio, o investimento e a comercialização da produção.
Nessa esteira, enfatizamos a necessidade de que o governo
federal recomponha o volume de recursos para o crédito rural,
disponibilizando-os, em tempo e hora, com juros acessíveis,
condizentes com a real necessidade dos produtores e com
maiores facilidades de acesso. Outra medida importante,
no curto prazo, é baratear o custo de produção e diminuir a
dependência nacional das importações de insumos, que no caso
de fertilizantes chega a 70%. Enquanto não houver expansão da
produção interna, a partir de incentivos a eficiente exploração
de nossas jazidas, o mercado interno de fertilizantes e demais
insumos estará propenso às oscilações de preço do mercado
internacional e às estratégias das empresas. Será preciso
também atuar de forma cirúrgica em questões importantes
para o crescimento das exportações brasileiras, tais como:
melhorar os programas de defesa sanitária, garantir crédito
aos segmentos exportadores, realizar acordos de equivalência
e normatização sanitária, incentivo à agregação de valor e à
diversificação da pauta de exportações.
Em que pesem todas essas carências do setor, graças ao
bom Deus, criador de todas as coisas, mesmo diante dessas
dificuldades, o homem do campo, vocacionado por natureza,
continua em sua lida diária, plantando e colhendo para abastecer
a população brasileira e exportando alimentos para o elevado
número de nações com as quais mantém relações comerciais.
Este é o momento, portanto, de reflexão, responsabilidade e de
tomada de providências. É preciso os governos reconhecerem
que a economia agrícola é fonte geradora de emprego e grande
força auxiliar no combate da inflação. O agronegócio brasileiro
é capacitado pela sua produtividade, qualidade e é onde estão
as cadeias produtivas de todos os segmentos da indústria,
comércio, serviços, máquinas, transporte, etc.. Todo um sistema
se agrega na estrutura básica do produto primário. Não basta
apenas acreditar nesse imenso potencial da agropecuária
brasileira, corrigindo as distorções existentes, mas também
é fundamental consolidar o crescimento das suas atividades
agropecuárias, revertendo o contínuo ciclo do endividamento,
investindo em assistência técnica, pesquisa e tecnologia, bem
como na profissionalização, no resgate da cidadania e na fixação
do homem no campo, evitando o êxodo rural e sua marginalização
nos grandes centros urbanos.
Cabe lembrar, ainda, que a Congresso Constituinte de 1988
e seus membros ilustres criaram o novo SENAR, passando a sua
execução à responsabilidade das Federações de Agricultura do
País e seus Sindicatos. Nesse sentido, oportuno ressaltar que
a missão de educar, capacitar e promover a inclusão social do
homem do campo vem sendo cumprida de forma eficiente e eficaz
ao longo dos últimos 15 anos, por meio do desenvolvimento de
ações de Formação Profissional Rural e atividades de Promoção
Social, pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR,
contribuindo para o grande avanço da agropecuária no que
concerne ao aprimoramento dos conhecimentos e condições
de aplicabilidade nas atividades agrícolas das mais avançadas
técnicas do setor. Em São Paulo, ao longo de sua história, o
SENAR-AR/SP realizou 55 mil treinamentos de capacitação
profissional, com quase 1,5 milhão de participantes devidamente
certificados.
Apesar das afirmações realistas ora mencionadas,
permanecemos confiantes de que o governo finalmente venha,
de forma precisa, adotar as medidas necessárias já amplamente
identificadas em documentos e pleiteadas pelo setor produtivo,
reconhecendo a importância do setor agropecuário como o
verdadeiro sustentáculo da economia nacional. E, mais uma
vez, temos a certeza de que os anais históricos registrarão
que coube à extraordinária força aplicada do homem do campo
o avanço da agricultura brasileira, em que pese o sacrifício de
milhões que já se foram e que lutaram, uma vida inteira, para
manter as atividades agrícolas, deixando o país no caminho do
desenvolvimento sustentável, graças à têmpera, à fé inabalável
e às suas convicções.
Alertamos as autoridades públicas que a segurança nacional,
os objetivos de nação e a tranquilidade da nossa gente dependem
do estabelecimento imediato e definitivo de uma verdadeira e
permanente política agrícola, lembrando que a população mundial
atual já ultrapassa a casa dos seis bilhões de pessoas, o que nos
leva a indagar: como abastecê-la daqui a dez anos? Todavia,
continuamos acreditando em nossos governantes, no avanço de
nosso desenvolvimento, especialmente nos homens do campo,
agricultores e trabalhadores, que não esmorecem na defesa
e resguardo do legado que Deus nos outorgou: as valorosas e
produtivas Terras de Santa Cruz onde, como já afirmara Pero Vaz
de Caminha “... em se plantando tudo dá”.
Foto: sxc.hu
62 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 63
bReve panoRama Do
compRometimento Do estaDo
DO RIO DE JANEIRO COM O SISTEMA
INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS
Raphael Augusto Sofiati de Queiroz
Procurador do Estado do Rio de Janeiro
Assessor-Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria
de Assistência Social e Direitos Humanos – SEAS-DH
64 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
trazendo a possibilidade do ingresso de litígios individuais no
Sistema Interamericano, tendo caráter judicial e provocando a
formação de um processo propriamente dito, que será resolvido
por sentença na qual a Corte poderá absolver ou condenar os
Estados-membros.
As Medidas Cautelares
Em todos os casos de extrema gravidade e urgência, ou
seja, quando for necessário evitar danos irreparáveis, a Corte
pode ainda adotar medidas cautelares, mediante a provocação
da Comissão, nos moldes das medidas cautelares gerais do
processo civil comum, conforme estabelece a Convenção
Americana em seu art. 63.2.
Cumpre alertar que a Comissão pode solicitar à Corte
a adoção de tais medidas, mesmo nos casos que ainda não
tramitam perante o órgão judicial. Basta que estejam sob exame
da Comissão, ainda que esta não tenha sequer se manifestado
sobre a admissibilidade do pleito. O Direito Internacional busca,
assim, preservar os direitos fundamentais das pessoas, fazendo
valer o ordenamento jurídico convencional e assegurando a
função jurisdicional da Corte Interamericana, garantindo a
eficácia da decisão definitiva.
O citado art. 63.2 da Convenção Americana ressalta que
tais medidas são instrumentos extraordinários, ou seja, a serem
utilizados em situações excepcionais. O caráter provisório das
O Brasil no sistema interamericano
Até hoje a Corte já decidiu 61 casos contenciosos de vários
países, todos com características especiais e de graves violações de direitos humanos. Todos os países que voluntariamente
reconheceram a competência da Corte (o Brasil o fez em
1998) têm o compromisso político e a obrigação jurídica de
cumprir todas as suas decisões.
Foi em 17 de agosto de 2006 que a Corte Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH) proferiu sua primeira sentença
contra o Brasil, em virtude de maus-tratos sofridos por
Damião Ximenes Lopes, portador de transtorno mental, em
clínica psiquiátrica, no Ceará, em caso apresentado pela
É importante ressaltar que a
Corte Interamericana tem adotado
uma postura cada vez mais
progressista nas suas decisões,
principalmente em relação às
medidas cautelares. Porém, a
prática da Comissão tem sido de
inicialmente solicitar a adoção
de medidas cautelares ao Estado
e, somente quando não forem
cumpridas ou a situação se
agravar, recorrer à Corte.
Foto: Rosane Naylor
O
Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos
Humanos é formado basicamente por dois órgãos:
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte DH). Ambos fazem parte da Organização dos
Estados Americanos (OEA).
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
é um dos principais órgãos da OEA, cuja função primordial
é promover o respeito e a defesa dos direitos humanos e
servir como órgão consultivo da Organização nesta matéria.
A CIDH foi criada em 1959, quando ainda não possuía a
capacidade de receber denúncias individuais, servindo apenas
como órgão consultivo. Atualmente a Comissão tem caráter
semi-judicial, significando isto dizer que o órgão não profere
sentenças, mas sim recomendações aos Estados integrantes
da OEA. No caso do não cumprimento dessas recomendações,
existe a possibilidade de encaminhamento do caso à Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Em 22 de novembro de 1969, a Conferência Especializada
Interamericana sobre Direitos Humanos, convocada pelo
Conselho da OEA (San José, Costa Rica), aprovou a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, que entrou em vigor em
18 de julho de 1979. O Brasil ratificou a Convenção em 7 de
setembro de 1992.
Esta Convenção inovou no cenário jurídico internacional
medidas implica na sua curta duração. Podem, inclusive, ser
suspensas ou retiradas por terem perdido sua utilidade, ou
porque não há evidencias que justifiquem a sua continuidade.
O Estado que é demandado perante a Corte poderá
apresentar sua defesa contendo argumentos contra a concessão
de eventual medida cautelar solicitada, havendo a instauração
de contraditório.
É importante ressaltar que a Corte Interamericana tem
adotado uma postura cada vez mais progressista nas suas
decisões, principalmente em relação às medidas cautelares.
Porém, a prática da Comissão tem sido de inicialmente solicitar a
adoção de medidas cautelares ao Estado e, somente quando não
forem cumpridas ou a situação se agravar, recorrer à Corte.
Da esquerda: Dr. Raphael Sofiati de Queiroz, Dra. Letícia
Bravo, Dra. Michele Studart e Dr. Anderson de Faria
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 65
Foto: Rosane Naylor
Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Raphael Augusto Sofiati de Queiroz
Organização Não Governamental “Justiça Global”. A decisão
da Corte condenou o Estado brasileiro pela violação dos
direitos à vida, à integridade física e à proteção judicial, eis
que a vítima, pela violência sofrida, faleceu três dias após
sua internação na clínica. A sentença constitui uma decisão
paradigmática para a defesa dos direitos dos portadores de
deficiência mental e para os avanços na política pública de
saúde mental. Na decisão, a Corte deixou evidente que o Brasil
foi responsável pelo ocorrido, tendo descumprido o seu dever
de cuidar e de prevenir a vulneração da vida e da integridade
pessoal, bem como seu dever de regulamentar e fiscalizar
o atendimento médico de saúde. A Corte também concluiu
que o Estado brasileiro não proporcionou aos familiares de
Ximenes Lopes um recurso efetivo para garantir acesso
à justiça, à busca pela verdade dos fatos, a investigação
e a punição dos responsáveis pela violação dos direitos às
garantias judiciais e à proteção judicial. Por unanimidade,
os juízes da Corte decidiram que o Brasil deve garantir a
celeridade na investigação e punição dos responsáveis pela
tortura e morte de Damião.
Hoje o Brasil é parte em aproximadamente 120 processos
no Sistema Interamericano, sendo que somente dois casos já
chegaram à Corte Interamericana.
Casos envolvendo o Estado do Rio de Janeiro
O Direito Internacional e o Sistema Interamericano
apresentam certas peculiaridades em relação ao Direito
66 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
interno brasileiro. Para uma correta compreensão do Sistema
Interamericano, é fundamental destacar que é o país-membro que
tem legitimidade para figurar como parte perante a Comissão e a
Corte Interamericana, tendo os Estados Federados um papel de
coadjuvante, participando e cooperando com as investigações.
Porém, é de entendimento do Governo Federal, no Brasil,
que será dos Estados Federados a responsabilidade no que tange às recomendações de caráter local e, principalmente, quanto
ao pagamento das indenizações estabelecidas pela Corte. O
intuito do Governo Federal, exigindo que os Estados arquem
financeiramente com as responsabilidades perante o Sistema
de Direitos Humanos, é o de que os Estados tenham um maior
comprometimento com as políticas de proteção aos Direitos Humanos no Brasil.
De acordo com informações prestadas pelo Ministério das
Relações Exteriores (MRE), em 10 de novembro de 2007,
constam do registro da Secretaria Especial de Direitos Humanos
(SEDH), órgão federal responsável pela representação do
Governo Brasileiro na CIDH, cerca de 26 casos envolvendo o
Estado do Rio de Janeiro no Sistema Interamericano de Direitos
Humanos. Esses casos encontram-se em fases diversas perante
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Tendo por objetivo a organização e a agilização das respostas
aos casos do Estado do Rio de Janeiro perante a CIDH, o
Governador do Estado do Rio de Janeiro publicou no dia 5 de
outubro de 2007 o Decreto nº 40.970, no qual determinou ser de
competência específica da Procuradoria Geral do Estado tratar
dos casos que estejam tramitando no Sistema Interamericano
de Proteção aos Direitos Humanos.
Seguindo a mesma orientação e, considerando a competência
de sua Secretaria como órgão do Poder Executivo estadual
responsável pela implementação das políticas públicas na área de
direitos humanos, a Secretaria de Assistência Social e Direitos
Humanos do Estado do Rio de Janeiro nomeou um interlocutor
específico para cuidar desses casos, comprovando assim o
objetivo do atual Governo Estadual de dar a devida relevância à
defesa e à proteção dos direitos humanos no Estado do Rio.
Conclusão
Mesmo conscientes de seu papel de colaboradores com
o Governo Federal, os Governos Estaduais devem buscar
estruturar-se para garantir maior eficiência e agilidade na
elaboração das respostas brasileiras aos casos que tramitam
no Sistema Interamericano. Os Estados Federados são
personagens fundamentais na defesa do Brasil perante a Corte,
até por fazerem parte de sua estrutura organizacional muitos
dos órgãos envolvidos na maioria dos casos de violações de
Direitos Humanos (tais como, por exemplo, as forças policiais
estaduais).
Além disso, os Governos Estaduais têm sido cada vez mais
provocados pelo próprio Governo Federal, na busca de soluções
amistosas nos casos em que é evidente a responsabilidade do
Estado Brasileiro, como, por exemplo, a recente condenação no
Caso Maria da Penha, cuja vítima foi indenizada pelo Governo
do Estado do Ceará.
2009 JUNHO | JUSTIÇA & CIDADANIA 67
68 JUSTIÇA & CIDADANIA | JUNHO 2009
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