Bittar, OJNV, Saúde Pública 1977 a 2012: evolução e atualização multiprofissional em saúde. In: Sousa, Amanda GMR (ed.) Ciências da Saúde no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo; Atheneu, 2013.p.1-20. Ciências da Saúde no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia Volume – Biologia Molecular 1 Saúde Pública 1977 a 2012 Evolução e Atuação Multiprofissional em Saúde Olímpio J. Nogueira V. Bittar Bittar, OJNV, Saúde Pública 1977 a 2012: evolução e atualização multiprofissional em saúde. In: Sousa, Amanda GMR (ed.) Ciências da Saúde no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo; Atheneu, 2013.p.1-20. INTRODUÇÃO O período indicado no título abrange 35 anos na transição do sécu- lo XX ao XXI, período em que a evolução da Saúde Pública ocorreu de maneira estupenda, enfrentando novas questões e pro- blemas que trouxeram necessidades de ajustes técnicos e administrativos no número de profissões de saúde (multi), nas relações entre elas (inter) e dentro delas (intra). O universo da Saúde Pública até a primeira metade do Século XX era simples, de baixo custo, porém de alto risco. Suas ações eram limitadas, conhecia-se pouco da promoção da saúde e da prevenção das doenças: a primeira, com alguns estereótipos, como considerar indivíduos “fortes ou saudáveis” quando apresentavam camada de gordura evidente (hoje considerada sobrepeso) e a segunda representada pelas vacinas, que embora administradas durante todo o século XX em situações específicas (varíola, por exemplo) foram institucionalizadas de forma geral no Brasil mais recentemente, sendo que a Primeira Norma de Vacinação da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo data de 1968. Técnicas importantes como a revascularização cirúrgica do miocárdio já eram utilizadas desde a década de 60. Estudo interessante sobre a evolução da Saúde Pública no Estado de São Paulo pode ser visto no trabalho de Mendes e Oliveira. No Brasil, e em especial, no Estado de São Paulo, no final da década de 70, os serviços de saúde públicos eram os centros ou postos de saú- de, os postos de puericultura, os hospitais gerais na sua maioria, privados filantrópicos sem fins lucrativos (rede de Santas Casas e hospitais beneficentes) e hospitais especializados em tuberculose, hanseníase e doença mental, geralmente públicos estaduais. As estruturas administrativas destas unidades eram de uma simplicidade absoluta, tendo, geralmente, na infraestrutura, profissionais como cozinheiro, reparador geral que fazia papel de eletricista, pedreiro, enfim, um faz tudo. Havia a figura dos responsáveis pela contabilidade, secretárias e nada mais. Profissional de saúde com nível universitário era o médico, nesta época praticando uma medicina geral, 2 com pouquíssimos especialistas, a não ser nos grandes centros, e o enfermeiro, também generalista, a não ser as parteiras um pouco mais especializadas, que se dedicavam à obstetrícia. Laboratório de análises clínicas e serviços de radiologia com poucos tipos de exames eram realizados por técnicos e avaliados pelo médico solicitante. Os equipamentos, além do aparelho de pressão, do estetoscópio tradicional e o de Pinard, incluíam o eletrocardiógrafo, o aparelho de raios-X simples e contrastado e alguns de equipamentos de laboratório. A farmacologia da época, com poucos medicamentos industrializados ainda usava fórmulas feitas em farmácias, os laboratórios iniciando alguma produção de fármacos específicos, além da penicilina, aspirina e outros. Os procedimentos, tanto clínicos como cirúrgicos, não tinham grande diversidade e boa parte das vezes a conduta era expectante, até a morte do paciente. O financiamento das ações de saúde era “do próprio bolso” do cliente ou paciente, ou dos órgãos previdenciários, inicialmente de alguns dos “Institutos ou Caixas de Pensão” que cobriam algumas categorias profissionais, como os bancários ou os ferroviários, integrados na década de 60 do século passado, ao Ministério da Previdência, por meio do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, que atendia a todos os que possuíam registro formal de trabalho e contribuíam com a previdência. A sociedade por meio de doações e entidades filantrópicas atendia da forma possível, às necessidades de saúde e aqueles desprovidos de recursos financeiros e sem registro trabalhista, chamados de indigentes pelos órgãos de Saúde da época. O predomínio de doenças infecciosas e agudas tornava a saúde de bai xo custo e alto risco, em face da morbidade que levava à cura ou à morte de forma mais célere. A partir desta metade da década de setenta começa um desenvolvimento rápido e com grande componente tecnológico, este último conceito em todas as suas nuances, equipamentos, instrumentos, drogas, técnicas e informação. 3 As ciências básicas e as aplicadas contribuem para os avanços em várias áreas, incluindo na área da saúde e entre os avanços podem ser citados os seguintes: · Ciência: genética (DNA), biologia molecular; · Bioengenharia: órteses e próteses, materiais descartáveis, nano tecnologia, computação vestível, robótica; · Tecnologia: fibra ótica, informática, telessaúde, procedimentos não invasivos, videolaparoscopia, inseminação artificial, tele ECG, teleimagem, drogas; · Administração: logística, governança corporativa, sustentabilidade, gestão do conhecimento, turismo de saúde, análise do intangível. Nestes 35 anos foram criadas, por lei, 14 profissões de saúde que se desdobram em mais de 341 áreas de atuação ou especialidades, sem con tar a necessidade do apoio de outras profissões universitárias. As formas de contratação destes profissionais variam do contrato direto via CLT ao indireto, contrato de pessoas jurídicas, a terceirização, a quarteirização que foi incorporada, com vantagens e desvantagens inerentes aos processos, mais complexos e cercados de procedimentos jurídicos do que o relacionamento com os profissionais até a metade da década de 70. A melhor organização e resolubilidade dos serviços dependem de redes como as de cardiologia, ortopedia, terapia renal substitutiva, cegonha, auditiva, urgência/emergência, pessoa portadora de deficiência, saúde mental, oncologia. Mas, a sua implementação necessita de informação que permita administrá-las com efetividade, eficácia e eficiência. A partir de 1988, a Constituição cria o Sistema Único de Saúde (SUS) – sustentado por receitas públicas – e permite o desenvolvimento do Sistema Suplementar de Saúde (SS), para aqueles que podem pagar – empre sas e famílias – empreendimento cada vez mais difícil de ser sustentado a contento, face aos altos custos de produzir saúde. Acabou-se também a figura do indigente para a saúde, pois todos os cidadãos passaram a ter direito ao SUS (universalidade da assistência), independentemente de contribuições prévias. O SS conta com a Medicina de Grupo, o Seguro Saúde, a Cooperativa Médica e a Autogestão, modalidades de cobertura individual ou coletiva. 4 A organização das estruturas internas das unidades de saúde passa a ser composta por grandes áreas que vinculam subáreas responsáveis pela direção/coordenação de recursos. Contando com conselho administrativo, infraestrutura (área com várias subáreas de suporte que não relacio nadas diretamente com os pacientes), ambulatório/emergência (as portas de entrada do paciente no hospital), a área complementar de diagnóstico/terapêutica (uma linha de montagem, onde além de complementação diagnóstica a terapia está cada vez mais incorporada) e a internação clíni co/cirúrgica (internação, terapia intensiva, centro cirúrgico, centro obstétrico) na qual pacientes com maior gravidade são admitidos. Cada vez mais, as atividades extra-hospitalares são incentivadas, como o programa de saúde da família, a assistência domiciliar e porque não, atividades industriais, como as ligadas a bioengenharia produzindo equi pamentos, instrumentais, órteses e prótese em cardiologia, ortopedia e outras especialidades médicas, em instituições públicas como o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. As formas jurídicas, públicas e privadas com e sem fins lucrativos, se multiplicam. Nas públicas, administração direta, autarquia, fundação de direito público, empresa pública, consórcio de direito público e privado. Nas entidades privadas, fundações de direito privado, associações, serviço social autônomo, fundação de apoio, as organizações sociais, regidas pelo direito público e pelo privado. Somente o Estado de São Paulo possuía 26 tipos diferentes de unidades de saúde totalizando 55.514 instituições em 2011. É aqui que se justifica a menção da data, 1977, quando é publicada no Brasil, as Normas de Construção e Edificação de Unidades de Saúde, a Portaria 400, normalizando critérios que passam a dar maior ênfase a tecnologia voltada à arquitetura hospitalar, acompanhada de conceitos e indicadores de saúde. Neste mesmo ano é regulamentada a Residência Médica, pelo Decreto 80.281, um marco na implementação de outras regulamentações do setor no que diz respeito a profissões de saúde. No decorrer entre 1977 até o presente, o Sistema de Saúde se tornou complicado, complexo, de alto custo e alto risco. Isto leva a toda sorte de dificuldades, desde a quantidade de infor mações necessárias aos processos decisórios, aos meios informatizados 5 para manipular o volume produzido, bem como a qualificação de recursos humanos e a diversidade de recursos materiais para produzir programas e serviços de saúde. Todo este aparato leva à necessidade de avaliações da qualidade, da produtividade e dos custos. Quanto aos dois primeiros conceitos algumas iniciativas vêm sendo tomadas. Embora a contabilidade de custos não seja algo difícil, mas sim trabalhoso, as unidades não conseguem estruturá-la e negociar com os gestores, em bases técnicas, o valor a ser pago pelos serviços prestados em decorrência dos custos de cada procedimento ou grupos deles. Isto tem acarretado danos à condução dos Sistemas. AS TRANSIÇÕES E SUAS CONSE QUÊNCIAS O período em questão também foi farto em transições como a demográfica, a epidemiológica, a tecnológica e as socioculturais com reflexos importantes na saúde. Claro que existe a ocorrência de outras variáveis, como econômicas e as de mercado, com interferências na saúde que po derão ser descritas em outra oportunidade. Com dados do Estado de São Paulo, serão mostradas as mudanças na saúde dos indivíduos e das comunidades e na provisão de serviços por unidades de saúde. TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Estado de São Paulo o crescimento demográfico de 1998 a 2011 foi de 18,2% atingindo 41.692.668. Até 2020, esse ritmo de crescimento cairá 7,7% prevendo-se 44.890.501 de habitantes. O número de nascidos vivos também declina nos dois períodos e a população com 60 anos ou mais, que na época representava 11,5% (4.817.074) atingirá 6.956.971, e serão 15,5% da população em 2020. A distribuição percentual desta população, em 2011, em três faixas etárias, de zero a 15 anos, de 15 a 59 anos (onde se encontram as mulheres em idade fértil e consequentemente ocorrência de partos, a primeira 6 causa de internação no SUS) e acima de 60 anos era respectivamente de 21,5%, 67,0% e 11,5%. Esta última faixa etária interna três vezes mais que a primeira e 2,3 vezes mais que a segunda. Além do número maior de internações, acima dos 60 anos de idade a presença de comorbidades é maior, sendo frequente duas ou mais, principalmente diabetes, hipertensão arterial, acidente vascular cerebral, constituindo internações de maiores custos e cuidados intensivos. TRANSIÇÃO EPIDEMIOLÓGICA A incidência e prevalência das doenças crônicas suplantam as infecciosas, mas ambas ainda tem participação importante no quadro epidemio lógico do País. Dez fatores – dieta inadequada, tabagismo, alcoolismo, uso de drogas, causas externas (segurança no trabalho, violência, acidentes e riscos psicossociais), sexo sem proteção, insustentabilidade ambiental(inundações, vendavais, deslizamentos, lixo, esgoto e água tratada), tratamento descontinuado (doenças crônicas), sedentarismo e automedicação – são responsáveis por sete doenças – câncer, diabetes, cardiopatias, nefropatias, neuropatias, psicopatias e traumas – todas de alto custo que, juntas, geram sérios problemas na provisão dos cuidados (Figura 1.1). As 40 primeiras causas de internações no SUS (parto e outros 39 diagnósticos ou procedimentos), de um total de procedimentos igual a 4.394 (em 2011), representam 50% do volume total das internações no SUS. Estes 39 diagnósticos estão intimamente ligados aos fatores assinalados acima, passíveis de prevenção por programas e serviços de promoção da saúde e prevenção da doença que parecem não estar sendo aplicados efetivamente e/ou eficazmente. Ainda não se encontrou tecnologia adequada para mudança do comportamento que pudesse ser utilizada pelos profissionais de saúde para interferir neste padrão. Estes fatores e doenças levam a internações que seriam evitáveis por ações ou condições sensíveis a atenção primária, no entanto representam em média 13% das internações nos hospitais de ensino do Estado. 7 Figura 1.1: Fatores agravantes das condições de saúde. Em compensação o aumento do número de internações em oncologia foi de 85.492 para 139.258, 62,9% a mais. Isto se reflete fortemente no planejamento de saúde, onde, inclusive, os leitos devem ser planejados para outras doenças em detrimento dos partos. Os custos da falta de promoção ou prevenção não se referem somente as internações, mas também aos atendimentos ambulatoriais, a cessão de medicamentos, além dos sociais representados por perda de dias de trabalho e necessidade de acompanhamento pelos familiares ou cuidadores. TRANSIÇÃO SOCIOCULTURAL Entre os fatores que mais chama a atenção, encontra-se a queda da fecundidade e consequentemente da natalidade. No período de 1998 a 2011, o número de internações por parto no SUS caiu de 532.962 para 410.047, menos 23,1%. As mudanças socioculturais trazem para parte da comunidade a perda de vínculos familiares, desemprego juvenil que se traduzem em uso de drogas, violência urbana, depressão, cujas consequências ainda são pouco 8 conhecidas e requerem medidas e atuação de várias áreas, sociais, econô micas e de saúde, públicas e privadas. TRANSIÇÃO TECNOL ÓGICA Foi na década de 70, ou próximo dela, que apareceram os primeiros aparelhos de tomografia e ultrassonografia. Um pouco mais a frente, a ressonância magnética, o equipamento de hemodinâmica e sucessivamente outros equipamentos, instrumentais, drogas, manobras clínicas, processos técnicos e administrativos que implementaram o parque tec nológico na saúde e fora dela (logística, governança corporativa), trazendo modificações na maneira de prestar cuidados e nos seus resultados. O crescimento da população de São Paulo entre 1998 e 2011 foi de 18,0%. Nesse mesmo período, o número de internações registradas no SUS, considerando que muitas delas foram desnecessárias (internações susceptíveis a ações da atenção básica), passou de 2,19 milhões para 2,35 milhões, com crescimento de apenas 7,8%. Já, o número de procedimentos realizados por habitante nos ambulatórios no ano de 2000 salta de 9,2 para 16,6 em 2011, registrando um aumento de 103,9%. É preciso lembrar que estes cálculos estão sendo feitos sem considerar que no Estado, 44% da população é coberta pelo SS (e, uma parte dela se utiliza dos serviços públicos terciários de saúde), logo os valores relacionais para a população SUS devem ser maiores. Em 2008, a Tabela de Procedimentos SUS trazia 27 procedimentos cirúrgicos que podiam ser realizados utilizando-se videolaparoscopia e naquela época somente 5,8% (7.087) eram feitos dessa maneira no Estado. Passados quatro anos o número de procedimentos foi ampliado para 31 e 12,2% (14.353) deles utilizaram-se da videolaparoscopia. A evolução da tecnologia veio acompanhada de maior possibilidade de fazer diagnósticos, a Classificação Internacional de Doenças – CID 10 permite 12.423 diagnósticos (quatro dígitos) e permite também a multiplicidade de procedimentos encontrados na Tabela SUS, igual a 4.394. Não há indústria que tenha capacidade de tanta variedade na produção. 9 A diversidade e a qualidade de insumos, órteses e próteses, elaboradas com materiais flexíveis e menos agressivos ao corpo humano, permite explorações diagnósticas e terapêuticas também menos agressivas, além de outras vantagens. Avanços na telessaúde permitem atualmente que eletrocardiogramas realizados em 123 pontos distribuídos pelo Estado tenham laudos elaborados por profissionais do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (projeto desenvolvido pelo Centro Técnico de Experimentos do Instituto e apoiado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo) e que diagnósticos por imagem, realizados em três Serviços de Diagnóstico por Imagem, geridos pela Coordenadoria de Contratos e Gestão de Serviços de Saúde atendam, à distância, 33 unidades da própria Secretaria. Estes avanços tecnológicos absorvidos pelo sistema permitem suprir a falta de profissionais em determinadas unidades e evitam internações ou o prolongamento das mesmas, quando ocorrem. Permitem também, por meio da telessaúde ou telemedicina a formação de redes de ensino à distância. A análise do conjunto dos resultados das transições fará com que a formação de profissionais, a administração de saúde, o desenvolvimento de tecnologias tomem novos rumos. OUTROS FATORES INTERVENIENTES NA SAÚDE DOS CID ADÃOS E NOS SISTEMAS DE SAÚDE Poder-se-ia acrescentar outros fatores que intervém nas condições de saúde da população, bem como na provisão de cuidados, entre eles os geográficos, políticos, educacionais, jurídicos, legais e de mercado de saúde. A proliferação de faculdades, principalmente de Medicina, Enferma gem e Odontologia também repercutem no número ideal de profissionais colocados anualmente no mercado, não só pela qualidade da formação como pelo equilíbrio entre oferta e demanda, com implicações na produtividade, qualidade, custos para os sistemas, remuneração e satisfação profissional, com implicações motivacionais. 10 O número de vagas menor que o número de formandos em Medicina coloca, diretamente no mercado, profissionais sem a devida prática com danos à qualidade, produtividade e custos da assistência. As mudanças nos sistemas exigem novas formas de gestão, regulação dos sistemas, redes e assistência, gestão de pacientes crônicos (quer seja utilizando leito de retaguarda específico, quer seja utilizando-se sistema de monitoramento informatizado para este tipo de paciente), utilização efetiva das funções da administração (planejamento, organização, direção e avaliação) combinada e atualizadas com ferramentas como PDCA, SWOT, LEAN, por exemplo. Isto exige pessoal capacitado. A avaliação do sistema tem que ser utilizada na sua forma plena: con trole, fiscalização, auditoria, monitoração. RISCOS A complexidade dos sistemas e os altos custos são facilmente demonstráveis, porém a variável alto risco precisa ser mais explicitada, conforme retrata a Figura 1.2. Figura 1.2: Riscos Institucionais & Sistêmicos (prevenção). 11 Prevenir riscos institucionais e sistêmicos, baseado didaticamente em duas metades, uma técnica outra administrativa (que também é feita com técnicas), demonstrando uma base situada sobre informações levando no seu norte a uma cultura distinta de cada unidade de saúde. Se, pela esquerda pode ser vista à fragmentação da assistência, a iatrogenia, as não conformidades e a ausência de regulação tanto interna como exter na, a prevenção está no monitoramento constante e na formulação de diretrizes em longo prazo (plano diretor). Visto pelo outro lado, a injeção de recursos que permite a assistência (e também a pesquisa e o ensino), merece avaliação periódica, controle de custos e preços (principalmente de procedimentos), repetindo-se a visão de longo prazo. A quantidade e variedade de recursos materiais ofertadas, recursos de utilidade pública utilizados sem controles, sem instalações adequadas, falta ou má gestão de recursos financeiros culminam em desperdícios. Mas, neste item, o maior desperdício é aquele que envolvem recursos humanos, principalmente quando não há avaliação periódica adequada dos profissionais sem o devido retorno dos resultados. É esta prevenção que permitirá a pacientes, clientes, profissionais e instituições de saúde a cobertura contra riscos inerentes à doença, aos processos e à estrutura, responsáveis por programas e serviços. O número de relacionamentos e implicações que interferem nos resultados dos serviços vão muito além dos citados até este ponto do capítulo, podendo ser melhor explorados no texto “Inúmeros números do planejamento de saúde”. RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE A Tabela 1.1 evidencia 14 profissões de saúde regulamentadas com 288 especialidades sem contar com as áreas de atuação médicas, resultantes de inovações na saúde ao longo destes 35 anos, embora não sejam suficientes para compor o quadro completo necessário para atender a programas, serviços e unidades de saúde. Categorias como as de administradores de empre sas, economistas, arquitetos, engenheiros, estatísticos, atuários, demógrafos, 12 geógrafos, sociólogos, antropólogos, físicos, profissionais de marketing, bioengenheiros, são imprescindíveis nas funções de apoio técnico ou de planejamento, organização, direção e avaliação dos sistemas (administração). Tabela 1.1: Categorias profissionais de Saúde CATEGORIAS ESPECIALIDADES REGULAMENTAÇÃO D A PROFISSÃO Medicina 53 1932 Enfermagem 44 1955 Química - 1956 Farmácia 49 1960 Psicologia 11 1962 Odontologia 19 1964 Veterinária 33 1968 Fisioterapia 11 1969 Terapia Ocupacional 5 1969 Biologia 38 1979 Biomedicina 12 1979 Fonoaudiologia 6 1981 Nutrição 7 1991 Serviço Social - 1993 Fonte: CRM/COREN/CFF/CRO/CRMV/CRQ/CRESS/CRP/CRN/CREFITO/CRBio/ CRBM/CREFONO/Portaria interministerial MEC/MS nº1.077, 12/11/2009. O curso mais antigo é o de medicina iniciado em 1808, e a primeira universidade brasileira data de 1920, a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outros cursos universitários vieram a seguir, com a enfermagem iniciando o curso em 1961. A regulamentação das profissões segue conforme datas na Tabela 1.1. É no mínimo prudente questionar se os sistemas de saúde se prepararam para liderar os profissionais de saúde na quantidade e na diversidade de especialidades criadas ao longo das últimas três décadas. Outra questão importante é a formação administrativa, além da técnica específica de cada profissão, para desempenho de atividades administrativas inerentes ao complemento do seu papel, uns mais outros menos dependendo se responde ou não a cargos na hierarquia das unidades de 13 saúde. O fato de preencher o prontuário do paciente com detalhes, letra legível, significa não só atividade técnica, mas administrativa visando a contabilização de recursos utilizados e legais à medida que este documento significa um “contrato” entre o paciente, os profissionais que o atendem e a instituição. Outros ocupando cargos em linha de comando como diretoria clínica, diretoria de unidades têm obrigações administrativas mais explicitas e complexas. Quem cria a necessidades de recursos (humanos, materiais, informacionais, utilidade pública, financeiros) são os profissionais de saúde. A familiaridade com aspectos administrativos também diz respeito à participação destes profissionais nos programas de qualidade e segurança do paciente, na administração de projetos de pesquisas, incluindo o relacionamento com agências de fomento, indústria farmacêutica e de equi pamentos de saúde nos quais o conhecimento de técnicas administrativas, estabelecimento de bases financeiras e a burocracia necessária para obtenção de êxito e segurança nas propostas que se fazem presente. Até no próprio consultório existe a necessidade de um mínimo conhecimento da existência de uma especialidade secular que é a contabilidade. Além das categorias com formação universitária também proliferaram as dos técnicos em saúde, figurando entre eles: radiologia e imagenologia, nutrição e dietética, perfusão, aparelhos ortopédicos, patologia clínica, apoio a bioengenharia, pesquisa, bioterismo, farmácia, laboratório de far mácia, métodos gráficos (em cardiologia, eletrográficos em encefalografia), ótica e optometria, saúde bucal, saúde bucal da estratégia de saúde da família, histologia, controle de qualidade de alimentos, enfermagem (enfermagem da estratégia de saúde da família, enfermagem de terapia intensiva, do trabalho, psiquiátrica), tecnólogo (em gestão hospitalar, em processos químicos, em radiologia, em sistemas biomédicos) acupuntura, corporal em medicina tradicional chinesa, entre outras encontradas na Classificação Brasileira de Ocupações. Apesar da quantidade de categorias e especialidades, e do número de faculdades criadas nos últimos anos, o mercado de saúde se ressente da falta de alguns especialistas, principalmente na área médica, como epidemiologista, anestesista, clínico geral, intensivista, pediatra, obstetra, endocrinologista, cirurgiões cardiovasculares, mormente pelo desinteresse devido ao 14 retorno financeiro ou tempo de formação na residência médica. Em relação a esta é hora de os financiadores de bolsas começarem a direcionar para as especialidades faltantes, pensando em longo prazo, como tem feito alguns países, direcionando especialidades e respectivas quantidades para até 30 anos à frente. Aliás, ressalte-se outro problema, que são as vagas em menor número do que os formandos, possivelmente a metade. A variedade de categorias leva à necessidade de medição da qualida de, aqui se incluindo obrigatoriamente aspectos humanitários em face da especificidade da saúde lidar com vidas humanas, da medição da produ tividade (global ou corporativa e setorial ou parcial) e dos custos (prin cipalmente dos procedimentos individual ou agrupado), ensejando para isto a delimitação ideal do número de funcionários das unidades de saúde. Nem mais, nem menos a relação funcionários por leito, funcionários por sala, consultório e por equipamento, deve ser medida e comprovada por economia de escala na produção. Estudos sobre dimensionamento de pessoal são importantes para obter número ideal, evitando-se iatrogenia e assistência fragmentada. A Figura 1.3 descreve em detalhes os componentes de uma efetiva “política de recursos humanos” que deve ser implementada para a vali dação dos sistemas. Figura 1.3: Ambiente interno para o desenvolvimento de pessoas. 15 O conhecimento técnico é insuficiente para o profissional ganhar reconhecimento, sobreviver profissionalmente em um mercado de trabalho competitivo, onde conceitos como sustentabilidade, governança corporativa, ética, bioética se fazem presentes. Competências (conhecimento e habilidade) e atitude principalmente àquelas voltadas à postura profissional e relacionamento interpessoal são condições necessárias à formação e atuação do profissional de saúde para desempenhar suas atividades com seres humanos, inovar ações e atitudes, mantendo o respeito imprescindível no trato com pessoas. Pode ser acrescentado também o empreendedorismo, condição que deve ser inerente ao bom profissional. O profissional com perfil humanístico não adquire esse conhecimento sem embasamento teórico. Não basta pedir que ele promova a humanização. Não se pretende formar, nos cursos da área de saúde, administrado res de empresas ou antropólogos. Porém, conceitos básicos dessas áreas são essenciais para que o médico, o enfermeiro e os outros profissionais de saúde tenham melhor desempenho nas atividades técnicas, organizacionais, comunicativas, sociais e pessoais. Não só a superespecialização traz consequências, mas o desenvolvimento e a inovação tecnológica contribuem com constantes alterações de cenários, desafiando capacidades individuais e coletivas para trabalhar em equipes cada vez mais multiprofissionais ao mesmo tempo em que cada indivíduo, precisa de ousadia, visão estratégica, criatividade, talento, versatilidade e resiliência. Além da multiplicidade de categorias e especialidades existe a diversidade de horários onde a redução da carga horária para determinadas categorias não reverteu em melhor qualidade de vida, mas sim na oportunidade de outro trabalho (duplo emprego) para melhoria financeira pessoal em detrimento ao paciente e para as instituições. Em algum dos empregos a capacidade de produção será prejudicada, e quando um deles é público, certamente será neste. Em relação aos recursos humanos nos serviços públicos de saúde e a situação dos médicos já foram tratados anteriormente por Bittar. As instituições, independente de sua classificação, devem seguir padrões tecnológicos e protocolos de atendimento que assegurem, em primeira instância, a segurança do paciente e a qualidade do atendimento. 16 Deve-se investir no contato entre gestores de saúde e os formadores de profissionais de saúde, buscando o perfil do profissional necessário agora e no futuro. Os profissionais de saúde atuam de uma maneira nos hospitais e de outra, completamente diferente, na rede básica, possivelmente diminuindo muito a sua resolubilidade e dando evidências da falta de uma política aplicada de recursos humanos. A avaliação profissional precisa de bases teóricas, pedagógicas, técnicas e administrativas que per mitam a maturação das categorias e dos profissionais. Estas e outras posturas precisam ser debatidas e enfrentadas entre os gestores e os formadores, pois serão mais acentuadas de hoje para o futuro. Embora as pesquisas e publicações na área da saúde tenham volume considerável, estando entre as maiores quando comparadas a outras áre as do conhecimento, àquelas relativas políticas e administração de saúde são escassas, o que dificulta a formação de massa crítica a respeito do assunto. Inclui-se neste item a importância dos hospitais de ensino e das faculdades na formação dos profissionais de saúde e consequentemente no fortalecimento dos sistemas de saúde. Aqui, também algumas afirmações são necessárias, como lembrar que a assistência permite a pesquisa que por sua vez é a base para o ensino, logo, é preciso deixar claro a importância da primeira, sendo o SUS um parceiro imprescindível para proporcionar o campo de atuação das entidades ligadas ao ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS As unidades de saúde são empresas, diferentes de outras do setor produtivo. Além da viabilidade econômica financeira, tem que obter produ tividade e custos compatíveis com o mercado devendo contribuir com a sociedade garantindo postos de trabalho e ainda, o atendimento ao maior número de cidadãos, mas principalmente humanizado, tratando o pacien te e seus clientes com cortesia, educação, profissionalismo, nas horas mais críticas para as pessoas que estão fragilizadas pela doença. A composição do quadro profissional deve contar com pessoas equilibradas emocional 17 mente, humanas e principalmente com pessoas atualizadas tecnicamente e com o mínimo de conhecimentos administrativos. A área de ensino tem muito a contribuir. É preciso buscar, para a sala de aula, métodos e técnicas que promovam a integração social e profissio nal fora do ambiente acadêmico. É preciso, enfim, achar formas diferentes de ensinar e aprender para que, possamos iniciar, assim, uma discussão renovada no sentido de: · formar líderes entre os profissionais de saúde; · capacitar técnica e administrativamente para lidar com novas tec nologias; · incorporar conceitos de produtividade, qualidade (incluindo fortemente aspectos humanitários) e custos; · familiarizar os profissionais com programas de qualidade, coibi ção do desperdício, elaboração de planos diretores para o médio e longo prazo; · estimular as equipes quanto à promoção da saúde e prevenção da doença; · estabelecer a ética e bioética como marcos a serem respeitados; · usar a burocracia na medida exata que proteja processos, profis sionais, indivíduos e instituições. Somente investindo em práticas administrativas modernas e no desenvolvimento dos profissionais teremos sistemas de saúde adequados às necessidades da população. 18 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 1. Brasil, Ministério da Educação. 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