COLETÂNEA DE TEXTOS INFORMATIVOS
"Senhorita Christina"
PROFESSOR: Lucas Rocha
Nº 04
DISCIPLINA: Redação
DATA: 12/02/2012
(LUIZ FELIPE PONDÉ)
HÁ ALGUMAS SEMANAS, eu escrevia sobre "exus" e sua "ciência das mulheres". Muitos leitores estranharam a
conversa entre o niilista e uma entidade sobrenatural. Lamento dizer que também já conversei com (supostos)
"extraterrestres". Sempre nutri um interesse específico por almas penadas. Não por acaso, tornei-me, entre outras coisas,
um estudioso de religião.
Para alguém como eu, dado a uma sensibilidade monotonamente cética, espanta como há 300 mil anos (desde o
Paleolítico), mais ou menos, a humanidade crê em e vive cercada de seres sobrenaturais atormentados que nos
atormentam. As almas que padecem como se fossem vivas me encantam. Uma amiga minha costuma dizer que o mundo do
além é pior do que este em que vivemos. Esta forma de crença em espíritos me apetece.
A forma segundo a qual, como apresenta o horroroso filme "Nosso Lar", espíritos desfilam seus modelitos batas
hippies à la Roma antiga e suspiram ares de amor por toda a humanidade me entendia profundamente. Portanto foi a
agonia do sobrenatural, o possível desespero sem fim da alma humana nas suas variadas formas, desde o pecado original
judaico-cristão até o abismo sem fundo de espíritos condenados às paixões humanas mais baixas e eternas (enfim, o mal na
sua forma encarnada) o que me levou ao estudo das religiões, e não qualquer forma de fé em divindades ou ódio ideológico
(comum em especialistas em religiões) contra as religiões.
Sou imune à dependência ou necessidade psicológica que caracterizam a maioria dos crentes. Tampouco partilho da
falsa virtude intelectual que alimenta o orgulho infantil de muitos ateus. Parece ter sido algo semelhante que levou o
romeno Mircea Eliade (1907-1986) a se tornar um dos maiores historiadores da religião. Eliade começou sua carreira
escrevendo, junto com seu doutorado, sobre mística hindu, ficções de terror, e o título desta coluna tem a ver com uma boa
notícia para quem aprecia a obra desse grande intelectual romeno.
A editora Tordesilhas acaba de publicar entre nós, numa edição muito bem-acabada, o romance gótico "Senhorita
Christina", de 1936, de Mircea Eliade ("Domnisoara Christina", em romeno). A edição traz um excelente posfácio analítico
assinado por Sorin Alexandrescu (especialista em literatura romena e sobrinho de Mircea Eliade). Para Alexandrescu, Eliade
descreve um mundo entre a carne, a morte e o diabo. E seu romance nos leva para esse mundo.
Senhorita Christina, a personagem principal do romance que carrega seu nome, é uma "strigoi". "Strigoi", em
romeno, significa um ser sobrenatural maldito, meio humano, meio monstro, um morto-vivo. O famoso vampiro é uma
forma de "strigoi". A cultura ancestral romena é saturada de narrativas de "strigoi".
O pessimismo na Romênia brota do solo dos Cárpatos e da Transilvânia. Vem junto com o leite materno. Basta
lermos outros romenos ilustres da mesma geração de Eliade, como o filósofo Cioran e o dramaturgo Ionesco. "Strigoi" são
sedentos de sangue humano, assim como da vida dos mortais, que são consumidos por esses infelizes atormentados para
quem o fardo maior é saber que a morte pode não ser um descanso.
Christina, uma mulher linda, sensual e rica, morta aos 20 anos por um amante, depois de uma vida devassa,
atormenta a propriedade onde vivia e que, agora (quase 30 anos após sua morte), é habitada por sua irmã e duas filhas.
Igor, um pintor famoso, apaixonado por uma das sobrinhas da vampira Christina, se hospedará na propriedade. A infeliz
vampira se apaixonará por ele e tentará desesperadamente seduzi-lo. A obra foi considerada por muitos um livro
pornográfico, devido às cenas eróticas entre a morta Christina e o pintor Igor.
Ao contrário do que se espera, Christina sofrerá como qualquer mulher apaixonada devorada pelo desejo erótico
negado. Suas habilidades monstruosas emudecem diante do amor impossível pelo mortal Igor. O livro é uma história de
amor e desejo como maldição eterna, por isso é uma obra romântica que fala da alma sempre presa entre o corpo e o mal.
Sem a esperança da morte, Christina sofrerá.
[email protected] – Folha de São Paulo, Fevereiro de 2012.
Pesquisa 4.0 (NIZAN GUANAES)
NÃO SEI quando começou, mas o mundo da pesquisa está perdendo sua natureza exploratória, construtivista,
voltada para a identificação de possibilidades e está abraçando, cada vez mais, uma visão racionalista. O resultado está aí
para quem quiser ver. É só ligar a televisão e descobrir o quanto as decisões baseadas em pesquisas que eliminam riscos e
conflitos estão gerando campanhas que refletem agendas já estabelecidas e mantêm o consumidor dentro da zona de
conforto.
Só preciso de alguns minutos na frente da TV para me sentir na frente da esteira de bagagens de um aeroporto:
paralisado pela mesmice de modelos de malas que se repetem continuamente e me impedem de acertar o momento de dar
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um passo à frente e pegar o que é meu. Tudo parece ter a mesma cara. Todos nós temos enfrentado a necessidade de
rever conceitos e abandonar modelos. Todos nós temos aprendido a mudar. Acho que agora é a vez de quem compra, de
quem faz e de quem usa pesquisas.
Importa pouco se essa mudança significa rever a forma de fazer a pergunta ou de compreender a resposta. Também
pouco importa se isso significa recuperar metodologias e técnicas ou desenvolver outras totalmente novas. A pesquisa
precisa estar a serviço da geração de ideias e estratégias, e não no controle delas. Como diz aquela frase atribuída a Henry
Ford: "Se eu tivesse perguntado ao consumidor o que ele queria, ele teria respondido -um cavalo mais rápido".
As pesquisas, que foram uma extraordinária alavanca, que fazem tanta diferença até hoje, estão, a meu ver,
patinando e pasteurizando a publicidade e o marketing. E jogando centenas de milhões de dólares no ralo pelo mundo
inteiro. Colocar a pesquisa no controle significa menosprezar a importância e a contribuição positiva que decisões tomadas
fora da curva, contrariando a média, têm sobre nossos negócios.
Quando resultados de pesquisa são usados como álibis dentro de nossas corporações, todo mundo perde tempo e
dinheiro e tudo fica igual, morno, bege. O ser humano é cheio de camadas e não é só racional. O ser humano mente,
inclusive para si mesmo. O ser humano fala uma coisa com a boca e outra com os olhos. Um não pode ser um NÃO. Ou um
naaaão! Ou não?
Não estou defendendo em absoluto que pura e simplesmente não se testem os comerciais. Isso é uma conversa
infantil. Mas acredito que hoje a maioria das pesquisas como são feitas e analisadas já não basta para um mundo tão
complexo. A porca ruiu. Precisamos de novos olhares, novos métodos, novas matrizes. Precisamos buscar uma pesquisa 4.0.
Afinal, tem coisas que o raio-X detecta, tem outras que só a ressonância magnética detecta e tem outras coisas que só o
psicanalista detecta. As perguntas mudaram, as respostas mudaram. Então é natural que mudemos o jeito de investigar.
Eu não preciso fazer pesquisa sobre este artigo para saber que ele vai suscitar debate. Tenho tanta certeza disso que
não vejo a hora de publicá-lo. A função maior da comunicação é provocar. Isso é o que os intervalos comerciais deveriam
estar fazendo.
Sou redator e sou empresário. O homem de criação em mim sente o que sentem milhões de profissionais de
publicidade e de marketing, nas agências e nos clientes. As práticas de pesquisa, que foram usadas de maneira tão brilhante
e inovadora por David Ogilvy e Leo Burnett, estão ficando cada vez mais a serviço da administração, quando deviam se
colocar a serviço de grandes ideias.
Por outro lado, o meu lado empresário sabe que não dá para construir marcas usando apenas "feeling". Isso também
não comportaria a complexidade do mundo atual. Só dá para provocar, comover, ser memorável, com talento criativo, com
sexto sentido combinado a repertório, conhecimento, aprendizado. É por isso que precisamos de novos instrumentos, novas
ciências que juntem alopatia e homeopatia. Corpo e alma. Afinal, a publicidade não vive sem alma. Afinal, ela é a alma do
negócio.
NIZAN GUANAES, publicitário e presidente do Grupo ABC e escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna. Folha de São
Paulo, Fevereiro de 2012.
O gênero que muda a linguagem (LUIZA NAGIB ELUF)
HÁ POUCOS DIAS, recebi uma mensagem via internet contendo um comentário assinado por uma pessoa que eu
desconheço. Ela criticava as feministas e o governo em geral. A razão era o fato de Dilma Rousseff preferir ser chamada de
presidenta.
Dizia o e-mail que a palavra presidenta não existe, assim como não existem estudanta, adolescenta, pacienta e
sorridenta. Por essa razão, Dilma não teria o direito de "violentar o nosso pobre português apenas para ficar contenta" (sic).
Esse comentário infeliz vem sendo secundado por alguns incautos, que, por não conhecerem o vernáculo ou acharem
engraçado o texto, repassam o seu conteúdo aos seus amigos e amigas.
Mas é bom deixar claro que nada há de errado no termo presidenta, assim como são corretas as palavras governanta
e parenta, dentre outras que fazem o feminino de substantivos com o sufixo "ente‖ ou "ante" usando "a". O Aurélio define
presidenta como "a mulher que preside". Além desse, outros dicionários da língua portuguesa consignam o verbete,
acrescentando que também pode significar "a mulher do presidente".
Dicionários à parte, é preciso lembrar que os postos de poder sempre primaram pela nomenclatura no masculino. É
claro. Se mulheres não podiam assumir cargos de comando por imposição patriarcal, a linguagem secundava essa exclusão,
eliminando as designações desses postos no feminino.
Não faz muito tempo, as magistradas pioneiras em suas carreiras assinavam seus nomes e acrescentavam embaixo
"juiz de direito". Da mesma forma, algumas pioneiras do Ministério Público também registravam seus cargos apenas no
masculino. Embora o nome fosse de mulher, abaixo dele constava "promotor de Justiça". A justificativa, que não mais se
sustenta, era que esses cargos haviam sido criados por lei apenas no masculino.
É incrível a dificuldade que certas pessoas têm para perceber o sistema de dominação embutido na linguagem. As
regras gramaticais não brotaram do nada, elas têm um histórico secular que pretendeu tornar a mulher irrelevante, a ponto
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de deixá-la invisível. Assim, em português e em outras línguas europeias, o masculino é sempre dominante. Por exemplo: "o
leitor", representando todos os leitores e leitoras; e "o homem", representando toda a humanidade.
Mas o mundo mudou, e a linguagem precisa acompanhar essa mudança. É nesse particular que Dilma incomoda os
conservadores: ela torna evidente que seu cargo é ocupado por uma mulher. O linguajar se presta a definir quem é superior
e quem é subalterno, quem é importante e quem é irrelevante, quem deve ser ouvido e quem merece ser ignorado, quem
tem autonomia e quem precisa obedecer. Dessa forma, ele molda a nossa maneira de ser e de pensar.
É intrigante a resistência em atender à vontade de Dilma de ser chamada de presidenta, sabendo-se que o termo no
feminino já se encontra reconhecido nos dicionários da língua portuguesa há longos anos, portanto muito antes de termos a
primeira mulher a comandar o Brasil. Para nós, é da maior importância termos a presidenta que temos. Ela não é apenas
mulher, ela valoriza a condição feminina.
LUIZA NAGIB ELUF, 56, é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Foi secretária nacional de Cidadania e é
autora de livros como "A Paixão no Banco dos Réus" e "Matar ou Morrer - O Caso Euclides da Cunha" (ambos pela editora Saraiva).
Folha de São Paulo, Fevereiro de 2012.
O Partido da Imprensa Golpista (PIG) Tornou-se Aliado (MALU FONTES)
O JORNAL NACIONAL acabou com a liderança de Marco Prisco sobre a paralisação da Polícia Militar da Bahia
em seu 9º dia de greve e redefiniu radicalmente os rumos do movimento. Imediatamente após o telejornal de maior
audiência do país, em sua edição da noite de quarta-feira, veicular gravações de ligações grampeadas, obtidas com
exclusividade via governo, ressalte-se, entre o líder da greve, Marco Prisco, e outras lideranças do interior do Estado
articulando o fechamento de rodovias baianas, e de policiais do Rio de Janeiro com lideranças políticas cariocas sobre
a estratégia de usar a greve da Bahia como mecanismo de deflagração de uma paralisação nacional, a greve, o
motim, a paralisação, ou seja lá que nome seja dado ao impasse que escancarou a violência em toda a Bahia, mudou
completamente de feições. Diante do movimento em si, das suas consequências políticas (para o Governo do Estado e
para a imagem da Polícia Militar da Bahia), e, sobretudo das consequências sociais, com cerca de 140 homicídios em
pouco mais de uma semana, saltava aos olhos algumas avaliações de autoridades sobre o começo do desfecho na
quinta-feira. Não foram nem dois nem três parlamentares e autoridades públicas a elogiar o desfecho do imbróglio e a
afirmar em bom som diante dos microfones dos telejornais o quanto todas as negociações foram conduzidas com
sensatez, fazendo com que tudo terminasse bem e sem derramamento de sangue (sic).
OS ‘BAIRROS MAIS...’ - Como assim, ‗sem derramamento de sangue‘? Ou estão todos completamente
imbuídos de um esforço político cínico de negar o que se assemelha a tons de uma chacina de grandes proporções e
estão banalizando índices de violência inaceitáveis, ou a expressão derramamento de sangue só teria sido digna desse
nome se o sangue fosse dos militares, dos mais favorecidos ou se desse-se em bairros de classe média? O que houve
senão um oceano de sangue quando uma cidade matou em menos de uma semana mais de 14 dezenas de pessoas?
Embora os telejornais tenham veiculado e atualizado cotidianamente essa contabilidade macabra durante a
greve, poucas dessas vítimas parecem ter nome, endereço, profissão. São os sempre PPPs assassinados de sempre,
só que em escala aumentada durante a greve: os pretos, pobres, da periferia. Nesse contexto, também foram
ilustrativas as entrevistas publicadas na Folha de S. Paulo quinta-feira, no mesmo espaço, de Fátima Mendonça, a
primeira dama do estado, e de Cláudia Leitte. Não é que a sensatez estava mais presente nas falas da segunda? Para
Fátima, os assassinatos foram todos nos bairros ‗mais...‘. Assim mesmo, com reticências. Para o resto, ou os bairros
‗menos...‘ a palavra usada foi ‗tranquilo‘.
LABORATÓRIO - Diante desses números, custa a crer, mas houve uma parcela da classe média que se
considera do bem, amiga da pobreza, que, sentada, abancou-se nas redes sociais e protestou contra o
sensacionalismo da imprensa por divulgar números tão alarmantes, como se estes fossem inventados nas redações.
Achando pouco, anunciaram que fizeram uma espécie de antropologia participativa na periferia, um laboratório, digase. Pegaram seus carros e anunciaram superiores que fizeram rondas, da orla ao subúrbio ferroviário, da Graça à
Suburbana, e nada de anormal viram, além de muita tranquilidade, é claro.
Ô, mas para essa observação participativa ser crível, já que para essas pessoas a TV não é crível por preferir
sensacionalizar, não seria mais honesto pegar um buzu na Estação da Lapa, na Estação Pirajá ou um trem no
Terminal da Calçada? Sim, pois as pessoas intranquilas, assustadas, assassinadas, primeiro, não ‗passam‘ de carro por
esses lugares onde os antenados fizeram seus laboratórios de observação: ficam lá, moram lá; segundo, suas casas
não estão assentadas sobre os trechos de fluxo do trânsito onde trafegam os carros. A população amedrontada não
mora na faixa de tráfego da Suburbana, mas em ruas internas onde os observadores não entraram, em becos, vielas,
casas e barracos sem muro ou proteção, a maioria com portas frágeis e não raro têm na vizinhança pequenos mas
ferozes exércitos armados em guerra uns contra os outros por pontos de drogas.
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PIG - O outro aspecto ilustrativo da greve foi a observação dos modos como giram as engrenagens do poder e
da política partidária antes e depois de conquistarem o poder. Todo e qualquer brasileiro sabe que o Partido dos
Trabalhadores construiu boa parte de sua história atuando com estardalhaço nos bastidores de greves. Na Bahia, essa
foi a primeira que o partido experimentou um movimento de grandes proporções e consequências estando no lugar
de vidraça. Todo e qualquer leitor bem informado também sabe que, desde que chegou ao poder, o PT e seus
seguidores que pensam e agem com o fígado e transformam toda e qualquer notícia envolvendo alguém do partido
em coisa pessoal, em corpo a corpo desqualificador de quem fala ou escreve, dividiram a imprensa brasileira em duas
categorias separadas por um grand canyon moral, ético e ideológico: a imprensa progressista, santa, ética, de um
lado e o PIG, o partido da imprensa golpista, do outro, com os diabos que manipulam informações e só publicam
mentiras para desestabilizar as lideranças petistas. Sim, os bastiões do PIG para quem divide a imprensa sob essa
clivagem são a revista Veja e a Rede Globo de Televisão e, nesse contexto, o Jornal Nacional é tido como o legítimo
filho do diabo.
É ou não é ironia que, tendo em mãos a nitroglicerina que eram as gravações feitas via grampos autorizados pela
Justiça nas quais as lideranças da paralisação da Polícia na Bahia articulam o fechamento de rodovias, a inteligência
dos órgãos de segurança de um governo do PT tenha preferido entregar de bandeja o furo nacional justamente para
o mais autêntico dos produtos, tido como o filho legítimo do PIG? Nos bastidores das notícias, a emissora do bispo, e
mais ainda os blogueiros bem abençoados chamados de progressistas, devem ter se sentido feridos n‘alma com essa
traição. Ou seja, audiência é audiência e desde que o PIG possa ser transformado em um baita aliado para tirar
governos ditos de esquerda do desconfortabilíssimo lugar de vidraça, nos unamos a ele. Mas que a pergunta é válida,
ah é: se a Globo é tão amaldiçoada pela esquerda, que chega à patetice de viver pregando ‗Um dia sem Globo‘ nas
redes sociais, por que justo a ela foi dada a primazia e o privilégio do furo das conversas grampeadas de Marco
Prisco? Democratização da informação, entrevista coletiva, mesmo sob embargo de algumas horas que fosse... Para
quê, se o que se quer mesmo é a audiência segura?
MALU FONTES é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. Jornal A Tarde, Fevereiro de
2012. [email protected]
Mercadante diz que vai alterar correção da redação do Enem
ANTÔNIO GOIS - ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA e RENATO MACHADO - DE BRASÍLIA
ALOIZIO MERCADANTE completou ontem, DIA 10/02, 18 dias a frente do Ministério da Educação prometendo dar
continuidade ao trabalho de seu antecessor, Fernando Haddad, mas com um discurso com forte ênfase no uso de
tecnologias para melhorar a qualidade do ensino. Antes de pensar em grandes projetos, no entanto, ele precisará resolver
problemas imediatos, como uma melhor gestão do Enem. Em entrevista à Folha, ele disse que a metodologia de correção
das redações - alvo de contestações na Justiça - vai mudar a favor dos alunos. Mas não garantiu a realização de duas
provas em 2013. O ministro, que quando candidato ao governo de São Paulo criticou duramente o que classificava como
"aprovação automática", diz que não alterará a orientação - em vigor hoje no MEC - de não reprovar alunos dos ciclos
iniciais.
Aloizio Mercadante discursa na cerimônia em que tomou posse como ministro da Educação
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Leia a íntegra da entrevista:
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Folha - No que o senhor vai se diferenciar do ex-ministro Fernando Haddad?
Mercadante - Primeiro eu quero continuar, porque educação é continuidade. Se tivermos que ajustar alguns programas,
nós ajustaremos. Eu espero poder continuar ampliando o acesso, melhorando a qualidade do ensino, a formação dos
professores, colocando a educação como a política pública mais importante do Brasil. Mais importante de como eu vou
sair, é como os alunos vão sair da escola. E o tempo dessas crianças que estão na escola é hoje, é agora, e é a isso que vou
me dedicar. Somos a sexta economia do mundo e temos condições de avançar. Mas temos de olhar mais além, que é
construir um país desenvolvido e só seremos desenvolvidos se tivermos uma educação universal de qualidade. O que eu
sinto na presidenta Dilma é esse mesmo compromisso com a educação e também um olhar muito especial para a
articulação entre educação e a ciência, tecnologia e inovação.
O senhor se mostrou favorável a levar o ensino superior para o Ministério da Ciência e Tecnologia, quando era
titular dessa pasta, e até citou que alguns países tinham feito isso. Qual a sua posição agora?
É a mesma. Eu disse que esse era um debate do Congresso Nacional e, como ministro de Estado, não me cabia nenhum
posicionamento. Mas de fato esse modelo existe em alguns países com a educação superior articulada ao sistema de
ciência, tecnologia e inovação. No entanto, há um outro lado dessa discussão, que é o papel indispensável das universidades
para melhorar a qualidade de ensino básico, do fundamental, do ensino médio, em uma maior integração orgânica com a
formação continuada, com a profissionalização dos professores, com a reflexão pedagógica.
Então o senhor defende que o ensino superior continue no MEC?
Para consolidar esse processo que é o maior desafio que temos hoje, que é dar qualidade ao ensino, criar uma escola mais
atraente, mais acolhedora, para articular profissionalização e educação regular.
Neste início de gestão, ficou a impressão de que o senhor acredita que a tecnologia, que ainda não provou ser
eficaz na sala de aula, salvará a educação. É uma impressão errada?
A tecnologia não é um objetivo em si mesma no processo educacional e sim um instrumento que pode contribuir para um
salto de qualidade. Cada vez mais a tecnologia da informação está presente. Essa é a sociedade do futuro, uma sociedade
do conhecimento, da informação.
A escola tem de ser um agente que contribua para esse processo da inclusão digital. E mais: não só preparar a juventude
para utilizar essa ferramenta no mundo do trabalho e no mundo da ciência, como utilizar essa ferramenta no processo de
aprendizagem. O que é que estamos definindo no MEC? Primeiro que esse processo vai começar pelo professor, porque por
ele você tem muito mais segurança do processo pedagógico. E porque o arranjo social da sala de aula e o quadro negro são
do século 18, os professores são do século 20 e os alunos são do século 21. Os professores, nós todos somos analógicos e
imigrantes digitais. Os alunos são nativos digitais. E vamos começar pelo ensino médio, que é onde está o maior índice de
evasão escolar, onde a pesquisa mostra que os alunos estão buscando mais o trabalho porque acham a escola
desinteressante. Começaremos com um tablet, que é um instrumento muito amigável de pesquisa e distribuição de
informações, com o respaldo de um material pedagógico digital que nós já temos para disponibilizar. Nós vamos ter a partir
de abril o Khan Academy, que é reconhecidamente um portal de excelência em termos de didática e conteúdo, traduzido
para o português e oferecido gratuitamente para todos os professores da rede. O tablet vai estar dialogando com um
projetor digital, que estamos distribuindo para as escolas. Então toda a pesquisa que o professor fez no tablet, ele pode
jogar no projetor digital e colocar diretamente para o aluno na sala de aula, com um custo muito pequeno.
A experiência com o UCA (Programa Um Computador Por Aluno), por exemplo, teve o relatório feito pela
UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) foi bastante crítico.
Sobre o Uca, é uma prova de conceito, está sendo implantada entre outras experiências digitais em andamento em cinco
escolas por estado e cinco municípios com UCA total, totalmente integral. Tem 27 grupos de pesquisa analisando essa
experiência, sobre todas as possibilidades, exatamente para a gente ter uma reflexão pedagógica prévia, porque nós só
compramos 150 mil laptops, em um universo de 56 milhões de alunos. Então é uma experiência localizada, é um
observatório pedagógico. E também pesquisamos a experiência digital em 18 países. A pesquisa da professora Lena Lavinas
(da UFRJ) tem conclusões nas quais ela diz coisas assim [começa a ler o relatório]: "resultado notável dessa análise de
painel é descobrir que dar um laptop para uma criança de seis anos, logo no início do seu processo de alfabetização, tem
um impacto muito positivo pois aumenta a sua propensão a aprender a ler e a escrever nessa faixa etária". Ela diz que o
ideal é que possa levar para casa, que é o que estamos fazendo com o tablet para o professor. Ela diz que "sem o UCA,
alunos extremamente pobres, dificilmente poderiam dispor de um computador e ter acesso regular à informática". Ou seja,
você teria um apartheid digital no país, se a escola não enfrentar essa questão."A autoestima dos alunos aumentou com a
aquisição do computador. Muitos professores tiveram a sua autoestima abalada, alguns se sentiram humilhados frente a
essa novidade a qual ainda não conseguem se apropriar". Isso reforça a nossa estratégia de começar pelo professor. Será
que tudo isso que aconteceu com a tecnologia, com a evolução, não ajudará a gente a fazer uma escola muito mais criativa,
mais interativa, que desperte mais inovação, curiosidade nos alunos? Eu acho que vai ter, mas tem de ter cuidado
pedagógico.
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Como atacar o problema no ensino médio que o senhor próprio descreveu como o "nó da educação"?
O primeiro instrumento é o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). Nós precisamos romper
a dualidade estrutural entre ensino regular e ensino técnico profissionalizante. Isso porque uma parte dessa juventude não
vai para a escola porque diz que ela não é interessante. Então temos de fazer uma escola criativa e inovadora, daí a ideia
dos tablets e do portal digital começar pelo ensino médio, para motivar os alunos e os professores. E também buscar
articular a formação técnico profissionalizante com o ensino regular. Com isso nós esperamos aumentar a demanda de
opções e a oferta de matrícula. Segundo nós temos o programa Ensino Médio Inovador, que é buscar novos currículos,
reformar a grade de ensino, para tentar atender as novas demandas, os novos interesses, fazer uma escola mais criativa,
mais inovadora, inclusive com parcerias com entidades que têm tido uma boa experiência na nossa avaliação. O outro ponto
é continuar fortalecendo e expandindo a rede de institutos federais, porque elas são o eixo estruturante em termos de
qualidade nesse processo. Ali você tem um roteiro pedagógico integrado.
Mas o ensino técnico é uma agenda antiga. Qual a abordagem inovadora?
O que tem de novo primeiro são as parcerias que nós não tivemos na história recente entre o MEC e o sistema S. É um
espaço muito qualificado e que pode dar uma resposta muito importante. Vamos ter a bolsa formação, que se divide entre
bolsa formação do estudante e bolsa formação profissional. Por exemplo, quase 2 milhões de trabalhadores na indústria não
têm ensino fundamental ou são analfabetos. Essa é uma estrutura que estamos propondo agora uma parceria com a bolsa
formação do trabalhador. Nós vamos dar financiamento do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) para a empresa formar
esses trabalhadores. Acho que é uma parceria inteligente que pode dar certo.
O Enem vai parar de ter tanto problema?
Existe algum país desenvolvido que não tenha um exame semelhante ao Enem? Não, o Enem está ancorado numa estrutura
de avaliação que todos os países desenvolvidos construíram. É um caminho republicando, democrático de acesso, que é a
meritocracia. O crescimento do Enem no Brasil é uma coisa espetacular, são 5 milhões de alunos. É muito mais complexo
fazer um exame desse tamanho num país continental e que não tem a tradição. Temos que melhorar a gestão?
Evidentemente que temos que melhorar. Tem havido um esforço muito grande do MEC e melhorou muito a logística. Houve
um avanço importante do ponto de vista logístico de aprimoramento.
Na TRI (Teoria de Resposta ao Item), que é indispensável ao Enem, precisamos aumentar o banco de itens e já estamos
trabalhando fortemente nessa direção. Nos Estados Unidos, eles construíram um sistema com mais de 100 mil questões. Se
tivéssemos algo como 50 mil questões (hoje são 6 mil), não teríamos mais dificuldades para fazer o exame, pois quanto
mais itens, menos riscos.
A meta é chegar a quantos itens?
Posso dizer que estamos trabalhando fortemente para aumentar de forma expressiva ao longo deste ano o nosso banco de
itens, mas vamos aguardar. Tudo o que diz respeito ao Enem, quanto mais cuidado a gente tiver na divulgação, melhor para
o sistema. Além de ampliar o banco de itens, uma segunda providência que já tomamos foi constituir uma comissão técnica
de alto nível para discutir a metodologia da prova. E vamos melhorar a correção da redação a favor dos alunos. Vamos
mudar a metodologia de correção e criar procedimentos mais rigorosos e que deem mais segurança na avaliação final. No
momento adequado, vamos anunciar. O importante é que os jovens continuem estudando.
Haverá dois exames no ano que vem?
Estamos trabalhando nessa possibilidade. Se aumentarmos o banco de itens, teremos essa possibilidade. Primeiro vamos
resolver o banco de itens porque sem isso não temos as condições de fazer com segurança dois exames ao ano.
Muitos educadores criticam o MEC por divulgar notas por escola do Enem e na Prova Brasil. O senhor
pretende mudar isso?
Os pais não podem saber o que está acontecendo com os alunos se não houver um ranqueamento. Quando você compara,
você permite uma discussão de metas e qualidade. As metas são fundamentais para que o sistema possa evoluir. Como
posso projetar uma meta de qualidade se eu não tenho um ponto de referência de avaliação? Como posso construir metas
consistentes se não sei como o conjunto de sistema está se movendo?
O senhor bateu muito no que chamou de aprovação automática quando foi candidato ao governo de São
Paulo. O MEC, no entanto, orienta os municípios a não repetirem os anos iniciais do ensino fundamental.
Manterá essa política?
O que nós vamos trabalhar no primeiro ciclo, dos seis aos oito anos de idade, é apresentar um programa de alfabetização
na idade certa. É indispensável que nesse primeiro ciclo a criança saiba ler e escrever. É uma questão central do sistema.
Precisamos criar uma consciência na rede de que os melhores professores, nos melhores horários e nas melhores salas de
aula, com material pedagógico estruturado, devem ser ofertados para os alunos nesse primeiro ciclo.
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Quando o senhor diz material estruturado, quer dizer apostilas de alfabetização?
Material estruturado não é material padronizado, como apostilas. Do ponto de vista pedagógico, temos muitos caminhos e
muitas opções, e vamos respeitar a pluralidade. Será um material de qualidade, diversificado, e em quantidade suficiente
para todos os alunos. Temos nessa questão dois caminhos a superar. Um é a indústria da repetência, que é o
reconhecimento do fracasso pedagógico. Mas igualmente temos que superar a aprovação automática, em que o aluno não
domina as habilidades e condições necessárias para aquela etapa do processo. Precisamos ter acompanhamento pedagógico
mais consistente. Estamos trabalhando também com a ideia de ter algo semelhante a uma residência médica para os
professores, com tutoria, inclusive com visita a casa dos alunos que tenham maior dificuldade de aprendizagem, como um
médico de família.
Folha de São Paulo, Fevereiro de 2012.
O problema do conhecimento (in)útil
Nietzsche critica o eruditismo exagerado que, segundo o filósofo, pode ser uma desvantagem para a existência, pois é um
saber desvinculado da vida
O FILÓSOFO Friedrich Nietzsche (1844-1900), enquanto
professor de Filologia Clássica da Universidade de Basileia (1869-1879),
manifestava em suas atividades intelectuais um importante compromisso
pedagógico de contribuir para o desenvolvimento saudável da Cultura
alemã que, segundo sua perspectiva, se encontrava em uma marcha de
decadência valorativa. Tal declínio ocorria, grandemente, devido à
"cultura erudita", tendência intelectual caracterizada por valorizar apenas
a razão em detrimento do instinto. Esse problema se inscreverá em algo
muito caro a Nietzsche: a oposição entre Arte (vida, instinto) e razão.
Quando a vida - que é um poder "obscuro, insaciavelmente sedento de si
mesmo" - é subjugada, e quando a racionalidade é posta no pedestal, é
porque a barbárie está à porta. Diante disso, é possível perceber que
quando Nietzsche desenvolve suas críticas ao problema do eruditismo, reflete, por conseguinte, a própria Cultura moderna e de que forma esta
constrói seu ideal de ser humano: tal problema torna-se uma "lente de
contato" para que o filósofo analise a espinhosa e "tão urgente" temática
da formação do humano. Viver adequadamente o presente, criar valores,
utilizar-se do conhecimento em prol da vida: nesses aspectos se sintetiza
o combate de Nietzsche contra a razão a todo custo incentivada pela
modernidade.
O eruditismo exagerado pode, segundo Nietzsche, tornar o
conhecimento petrificado, uma imobilização do presente em nome de
um passado sempre revisitado
Em sua III Consideração Intempestiva - Schopenhauer como
educador, Nietzsche compreende treze características que norteiam a tipologia do erudito, sendo possível sintetizá-las desta
maneira: "(...) o erudito consiste numa rede misturada de impulsos e excitações muito variadas, é um material impuro por
excelência"1.
Uma boa metáfora para o erudito é compará-lo ao verniz, pois este autonomiza o objeto em relação ao sujeito, algo
que torna o conhecimento petrificado, numa prática contínua de deixar o passado, ou o conhecimento de outros povos,
sempre válido para o presente; ou seja, a prática erudita tende a uma covardia e a uma preguiça que podem imobilizar o
presente em nome de um passado incessantemente revisitado. O eruditismo, não respondendo adequadamente às questões
da vida, cujo conhecimento é sempre contingente, torna-se o senhor do excesso e do supérfluo, pois a decompõe em prol
de seus vários interesses unilaterais (especializados), preconizando o desprezo pela grandeza da existência, que exige uma
visão orgânica e não uma restrição por parte do erudito. Segundo Nietzsche, o erudito "decompõe uma imagem em simples
manchas, do mesmo modo como, na ópera, se usa um binóculo para ver a cena e examinar um rosto ou um detalhe da
vestimenta, nada inteiro"2.
Não se deve pressupor, obviamente, que o conhecimento seja algo prejudicial para a vida e que a erudição seja
sinônimo de prejuízo (e filisteísmo) para o ser humano. O que está em questão é o excesso, que pode tornar o
conhecimento uma desvantagem para a existência. É necessário esclarecer que o homem erudito não é necessariamente um
filisteu, pois este prospera financeiramente mediante a especulação da Cultura enquanto que o erudito, em essência, cria
um tipo.
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7
INFLUÊNCIA DE NIETZSCHE, Arthur Schopenhauer (1788-1860)
introduziu o pensamento indiano na Filosofia Alemã. Suas ideias não foram
encaixadas em nenhum sistema da época de saber que fica preso a uma falta
de experiência com a imanência da vida.
É neste contexto que as críticas de Arthur Schopenhauer (1788-1860) a
Hegel (1770-1831) - e sua respectiva influência sobre o desenvolvimento da
Filosofia a acadêmica alemã do Oitocentismo - ecoaram de modo excepcional
em Nietzsche. É necessário destacar que Schopenhauer considera que,
mediante a influência de Hegel, a Filosofia universitária (acadêmica) torna-se
a Filosofia por excelência, enquanto que a Filosofia que não se enquadrasse
nesse modelo, tornava- -se intelectualmente e valorativamente excluída.
Para Schopenhauer, quando Hegel, Fichte e Schelling (expoentes do
Idealismo alemão) conseguiram grande inserção nos meios culturais alemães,
estruturaram um estilo de escrita truncado, pautado na obscuridade, e isso
porque "para ocultar a falta de pensamentos verdadeiros, muitos constroem
um imponente aparato de longas palavras compostas, intricadas ores de
retórica, períodos a perder de vista, expressões novas que, no conjunto,
resultam num jargão que soa o mais erudito possível"3. Schopenhauer critica
a noção de que quanto maior a dificuldade de se interpretar o sentido
fundamental de um texto, maior seria a "aura" de genialidade de seu autor4,
pois, em razão disso, o leitor, no seu íntimo, poderia vir a acreditar que, caso
não fosse capaz de compreender as teses desenvolvidas nestas obras
estilisticamente obscuras, ele próprio deveria se autorresponsabilizar por essa
deficiência intelectual, sob a pena de ser marginalizado.
Segundo Nietzsche, o problema não é a
valorização do conhecimento, mas que esse
conhecimento seja apenas uma face da
existência e que não seja útil para a vida
O eruditismo contra nossos autores
No Brasil cada vez mais se cria e se estimula a figura do erudito, que também permite ser representada pela do pesquisador.
No entanto, ainda é muito pouco o estudo sobre nossos próprios pensadores, como Mathias Aires, Tobias Barreto e Sílvio
Romero, por exemplo. E aqui, cabe ressaltar que não se trata de uma apologia etnocêntrica, mas pelo contrário, justamente
valorizar os nossos tipos geniais. Portando, a Universidade não deve tolher o pensamento, mas dar espaço àqueles que se
destacam. Se isso não ocorre, todavia, é possível dizer que os "intelectuais" emanados pelo Estado são os que mais se opõe "à
produção e à perpetuação dos que são grandes filósofos por natureza" (NIETZSCHE, 2003, p. 208). A Universidade, é digno de
nota, é constituída pelo tripé: ensino, pesquisa e extensão. Se o ensino vai mal, a formação vai mal; se a pesquisa é capenga,
o ensino torna-se frágil; se a extensão é ínfima, a comunidade é prejudicada. Assim, há uma relação entre esses três
elementos que não deve ser quebrada, pois quando isso ocorre, a conseqüência pode ser uma dramática acomodação, algo
que vai contra uma formação genuína.
Nessa esteira acontece uma surpreendente inversão de valores: o filósofo que não faz parte do ambiente universitário
e da sua burocracia (trâmites institucionais) torna-se apenas um "livre-pensador", desvinculado da "autêntica Filosofia".
Contudo, a atividade elementar do filósofo acadêmico, segundo Schopenhauer, seria a de legitimar, por meio de sua
produção intelectual, a estrutura sociopolítica vigente, submetendo a atitude filosófica aos interesses obtusos do Estado.
Nietzsche compartilha esta ideia, ao afirmar que: "O Estado jamais se importa com a verdade, salvo com aquela que lhe é
útil - mais exatamente, ele se ocupa em geral com tudo o que lhe é útil, seja isso verdade, meia-verdade ou erro"5.
Schopenhauer, por sua vez, faz valer a tese de que a sabedoria é essencialmente atemporal e apolítica, ainda que trate de
questões políticas e do tempo presente que estão fundamentalmente relacionadas ao desenvolvimento humano.
A crítica de Schopenhauer ao projeto civilizatório e moralista do Estado, à Filosofia a universitária e ao projeto de
ensino universitário de Filosofia - que se baseava, sobretudo, na interpretação historiográfica dos conceitos do filósofo
analisado, enquanto que sua proposta seria a de um ensino com caráter propedêutico, que tomasse sistemas de Filosofia a
partir de uma seleção de textos reunidos em vista do que já se pensou originalmente, e na qual o próprio estudante deveria
esforçar-se para compreender o sistema de pensamento desse filósofo, trilhando seu próprio caminho -, demonstra o
caráter extemporâneo do filósofo. Na direção deste, Nietzsche diz que a Filosofia excluída da universidade que, com isso,
readquire autonomia, poderia se estruturar em um tribunal superior da Cultura, que faz tanta falta a uma sociedade: "(...) é
uma necessidade de a Cultura privar a Filosofia de qualquer reconhecimento do Estado e da Universidade"6.
A ERUDIÇÃO NÃO É SINÔNIMO DE PREJUÍZO. O QUE ESTÁ EM QUESTÃO É O EXCESSO, QUE PODE TORNAR O
CONHECIMENTO UMA DESVANTAGEM PARA A EXISTÊNCIA
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8
Para Hegel, a Filosofia universitária era o único caminho para tornar a disciplina valoraticamente aceita.
Qualquer modelo que fugisse da academia se tornaria intelectualmente excluído
DEFESA DO AUTÊNTICO
Nietzsche, em sua defesa do autêntico ideal filosófico, demonstra a sua
filiação ao projeto intelectual de Schopenhauer, considerando-o seu
"educador", pelo fato de ter se colocado contra os valores de sua época, não
admitindo que os objetivos essenciais da Cultura fossem determinados por
valores contrários a ela, sejam os interesses utilitários do mercado ou os do
Estado e a de "confundir" a formação do filósofo com a do "homem da
Ciência" e a do "operário da Filosofia"7. Nessas condições, a imagem de
Schopenhauer se estrutura como modelo de educador que luta contra as
limitações que sua época colocava ao genuíno ideal filosófico, à "verdadeira"
Filosofia. "Enquanto continue a existir este pseudo-pensamento reconhecido
pelo Estado, a ação grandiosa de uma verdadeira Filosofia será malograda...
Por isso, digo que é uma necessidade da Cultura privar a Filosofia de qualquer
reconhecimento do Estado e da Universidade e dispensar absolutamente o
Estado e a Universidade da tarefa insolúvel para ambos de distinguir entre a
verdadeira Filosofia e a Filosofia aparente"8.
Para Nietzsche, Schopenhauer seria o modelo de educador, já que a
função deste é instituir novamente o valor da existência e "elevar alguém
acima da insuficiência da atualidade e de ensinar novamente a ser simples e
honesto no pensamento e na vida"9. Com Schopenhauer, Nietzsche pôde
Nietzsche,
alguns
filósofos
compreender-se melhor em relação a si mesmo e é esse o sentido de sua Segundo
estruturaram um estilo de escrita truncado e
gratidão. O gênio, de acordo com Nietzsche, utilizaria o conhecimento advindo
obscuro para assim esconder a falta de ideias
da sua formação para cultivar os valores da vida, subjugando, por
consequência, os saberes desvinculados desta.
A Universidade é um dos lugares onde a busca sistemática pelo conhecimento mais acontece. Da corrida pré-vestibular ao
doutorado: tudo expressa essa busca, que não se encerra, contudo, nessa "fronteira". É objetivo de todos os cursos de
graduação, sem dúvida, formar da maneira mais adequada possível seus estudantes. Para tanto, cursos de ensino e de
extensão são constantemente ofertados para complemento da grade curricular. A lógica saudável é que quanto mais
conhecimento, mais autenticidade, autonomia. Avaliações, como o ENADE, são feitas para se verificar o desempenho
estudantil e, assim, buscar progredi-lo. Diante disso, o ambiente universitário (e não apenas ele, obviamente) deve ser
espaço cativo para que o pensamento autêntico, crítico, se efetive. O contrário, todavia, não pode acontecer, ou seja, da
universidade não deve vir a barbárie, a destruição da natureza e da comunidade humana. Pesquisas saudáveis,
preocupadas com a vida e com os problemas da existência devem ser constantes em seu meio. Essa preocupação faz com
que abordagens mesquinhas sejam rejeitadas, e pesquisas sérias incentivadas. As pessoas mais preocupadas com o
egoísmo da política e da economia, porém, são as que mais vêem questões acerca da existência como "uma brincadeira de
filosofia, uma pseudofilosofia" (NIETZSCHE, 2003, p. 165). O progresso econômico, é válido lembrar, não garante por
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9
tabela o progresso educacional: um deve estar atrelado ao outro. Contra essas pessoas, por sua vez, é que Nietzsche
cunhou suas críticas, e por causa dessas é que enxergava o ambiente universitário como perigoso e mesmo impossível para
o pensamento autêntico se efetivar. No entanto, as críticas de Nietzsche são permeadas pelo seu meio, por mais que vários
elementos também possam ser encontrados na realidade brasileira. A erudição não deve se converter, assim, em "razão
instrumental", termo desenvolvido por Max Horkheimer para se referir a uma razão manipuladora, egoísta. Antes, deve
estar a favor da autonomia, da "libertação": deve favorecer a Educação, a Saúde da comunidade humana. Se a
Universidade não se posiciona contra o egoísmo, ela mesma pode se tornar uma servidora deste e, com essa submissão, é
possível afirmar de forma derradeira junto a Arthur Schopenhauer: "Ai do tempo em que o atrevimento e o disparate
repeliram a inteligência e o entendimento" (SCHOPENHAUER, 2001, p. 56).
HOMEM TEÓRICO
A relação entre saber desvinculado da vida, por sua vez, é semelhante ao que aconteceu a Nietzsche quando,
durante seus três primeiros anos no internato de Pforta, estudou sem descanso, chegando depois à reflexão: "o que havia
lucrado com ela?", e à sua crítica ao sistema educacional que se deparou enquanto professor, que visava promover o
"homem teórico", que separava a vida do pensamento: "Nietzsche sonha com um ideal de Educação que o estudo dos
gregos pré-platônicos lhe revelara, uma Educação ancorada nas experiências da vida de cada indivíduo"10. Dessa maneira,
Nietzsche não despreza o indivíduo que valoriza o conhecimento, mas critica de forma intempestiva o ideário de educador
da Alemanha do século XIX, cujo protótipo era de um sujeito (erudito) que conhecia demais o passado e, em decorrência
negativa disso, acabava por não viver adequadamente o presente, não criando novos valores.
Com efeito, a Educação formal, ministrada nas instituições de ensino da Alemanha Oitocentista, muitas vezes
motivava o aniquilamento simbólico dos tipos geniais, pois a estrutura pedagógica dessas instituições de ensino não se
encontrava preparada para receber adequadamente as exceções - as figuras singulares -, estabelecendo um parâmetro de
Educação padronizado, massificado, envelhecido. Nietzsche esclarece essa característica sobre a singularidade ao fazer
analogia às espécies do reino animal e vegetal, onde apenas o "exemplar individual superior" lhes importa e não aquele que
se encontra nivelado em erros ou em preconceitos enraizados pela Educação: "A humanidade deve constantemente
trabalhar para engendrar grandes homens - eis aí a sua tarefa, e nenhuma outra. Como gostaríamos de aplicar à sociedade
e a seus - ns um ensinamento que pudesse ser extraído da consideração de todas as espécies do reino animal e vegetal para elas, somente o exemplar superior, o mais incomum, o mais poderoso, o mais complexo, o mais fecundo -, que prazer
não haveria aí se os preconceitos enraizados pela Educação quanto à finalidade da sociedade não oferecessem uma pertinaz
resistência!"11.
Nietzsche sonha com um ideal de Educação pautado nas experiências de vida dos indivíduos,
assim como se dava com os pré-platônicos
NIETZSCHE NÃO DESPREZA QUEM VALORIZA O CONHECIMENTO, MAS CRITICA O ERUDITO, QUE CONHECIA
DEMAIS O PASSADO E ACABAVA POR NÃO VIVER O PRESENTE
O "abortamento do impulso crítico" - que visa suprimir a singularidade do indivíduo - constitui, para Nietzsche12,
justamente o oposto do sentido da verdadeira Educação: a frágil semente, que servia de metáfora para o processo
formativo, acaba sendo sufocada por entulhos desprovidos de organicidade e esse é justamente o melhor caminho para o
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10
conformismo político. "E agora, que se imagine uma mente juvenil, sem muita experiência de vida, em que são encerrados
confusamente cinquenta sistemas - que desordem, que barbárie, que escárnio quando se trata da Educação para a
Filosofia!. De fato, todos concordam em dizer que não se é preparado para a Filosofia, mas somente para uma prova de
Filosofia, cujo resultado, já se sabe, é normalmente que aquele que sai desta prova - eis que é mesmo uma provação confessa para si com um profundo suspiro de alívio: Graças a Deus, não sou um filósofo, mas um cristão e um cidadão do
meu país!"13.
O tipo de educação formal da Alemanha Oitocentista acabava por aniquilar simbolicamente as exceções, ou os tipos geniais
É necessário, por fim, destacar que "formar" não é "informar" e entre os dois conceitos há uma grande diferença de
valores. O ato de "informar" não é "formar" intelectualmente (culturalmente) um indivíduo. O ato de "formar" está
relacionado à transmissão de conteúdos pedagógicos que proporcionam o desenvolvimento intelectual do indivíduo,
possibilitando- -lhe adquirir uma consciência crítica em relação ao contexto social no qual ele está inserido, favorecendo
assim a sua inserção na vida prática de transformação e esforço por mudanças na realidade circundante. "Informar", no
âmbito da ação pedagógica, consiste no ato de se transmitir conteúdos didáticos, sem que neles necessariamente exista
uma efetiva relevância orgânica para o estudante, que recebe continuamente uma grande quantidade de conteúdos que se
tornam meros meios para a realização de fins (a aprovação no vestibular, por exemplo). A "informação" desprovida de
reflexão motiva a passividade do estudante, que cria uma espécie de dependência simbólica em face do sistema pedagógico
que lhe transmite tais informações. Para Nietzsche, a Educação deve engendrar a vida, pois, do contrário, torna-se mera
mantenedora do status quo, cujo resultado é a criticidade.
1.NIETZSCHE, 2003, p. 191.
2.NIETZSCHE, 2003, p. 193.
3.SCHOPENHAUER, 2001, p. 34-35.
4.BITTENCOURT, 2009, p. 6.
5.NIETZSCHE, 2003, p. 217.
6.NIETZSCHE, 2003, p. 217.
7.GIACÓIA, 2005, p. 88.
8.NIETZSCHE, 2003, p. 217.
9.NIETZSCHE, 2003, p. 146
10.DIAS, 1991, p. 32-33.
11.NIETZSCHE, 2003, p. 182.
12.GIACÓIA, 2005, p. 88.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Renato Nunes. Convergências entre Schopenhauer e Nietzsche na crítica da filosofia acadêmica. Intuitio, v.2, n. 3, 2009, p.
257-278. DIAS, Rosa Maria. Nietzsche educador. São Paulo: Scipione, 1991. GIACÓIA, Oswaldo. Sobre o filósofo como educador em Kant e
Nietzsche. Dois Pontos, Curitiba, São Carlos, vol. 2, n. 2, outubro, 2005, p. 77-96. LARROSA, Jorge. Nietzsche e a educação. Trad. de
Semiramis Gorini da Veiga. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. NIETZSCHE, Friedrich. III Consideração Intempestiva - Schopenhauer como
educador. Trad. de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre
a filosofia universitária. Trad. de Maria Lúcia de Mello Oliveira Cacciola e Márcio Suzuki. São Paulo: Martins Fontes, 2001. WEBER, José
Fernandes. Formação (Bildung), educação e experimentação: sobre as tipologias pedagógicas em Nietzsche. Tese (Doutorado). Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008.
BIBLIOTECA: FRANCISCO EMOLO / JORNAL DA USP
FELIPE FIGUEIRA é mestre em Educação (Filosofia da Educação) pela Universidade de Londrina e Docente do Colégio Nobel de
Paranaí. Revista FILOSOFIA, Fevereiro de 2012.
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11
Confiamos em você
(MARCELO COELHO)
PAGAR R$ 0,19 por um saquinho plástico biodegradável? A ideia foi mal recebida. Compreendo a revolta do
consumidor. Se os supermercados quisessem mesmo ser amigos da ecologia, poderiam oferecer de graça, durante algum
tempo, sacolas permanentes aos fregueses.
Registrariam o brinde no seu cartão de fidelidade, e pronto, será responsabilidade sua se você o esquecer em casa da
próxima vez. Em todo caso, não fiquei especialmente chocado quando me pediram mais alguns centavos pelos tais
saquinhos. Em 1986, passei um tempo na Alemanha, e a prática já era essa por lá: uma moedinha de cobre, justo de 20
centavos, era cobrada por cada saco plástico que você levasse. Bem mais resistente, é verdade, que o equivalente
brasileiro.
Não, o velho saquinho gratuito não deixa saudades. Quantas vezes não se rompeu, esparramando molho de tomate e
xampu no chão do elevador? Uma fissura mínima naquela pele esbranquiçada se alargava em menos de um minuto;
desventrava-se o conteúdo. Pior se o saco plástico estivesse carregando o lixo da cozinha.
Vale lembrar uma diferença com o sistema alemão. Da primeira vez em que fui ao mercado, agi como brasileiro, isto
é, com inocência. Ainda assim a inocência me favorecia, o que também é comum com os brasileiros. Ou seja, não sabia que
cobravam pelos saquinhos. Estavam espalhados, como aqui, no balcão, e peguei os de que precisava.
Ninguém reclamou. Ninguém me disse que era preciso pagar. O preço não vinha incluído no papelzinho do caixa. Do
mesmo modo, nos Estados Unidos, costuma-se pegar o jornal numa caixa de plástico e deixar o pagamento ali mesmo, sem
ninguém para verificar se o consumidor é ladrão ou não é.
Na biblioteca do Instituto Goethe, onde eu fazia um curso, também não havia funcionário para ver que livro eu tinha
retirado, e quando iria devolvê-lo. O professor, um jovem alemão politicamente correto, explicou o sistema para a classe
heterogênea em que eu estava matriculado. "Confiamos em vocês", disse para aquele grupo de turcos, gregos,
paquistaneses, brasileiros, italianos e filipinos. "Peguem os livros que quiserem e devolvam depois de uma semana."
Ele não tinha lido, provavelmente, os últimos artigos sobre a essência canalha, animal, egoísta e cruel do ser
humano. Naquela época não estavam tão em moda. De qualquer maneira, o sistema dava certo; ou porque os mais
desonestos não se interessavam pelos livros, ou porque a tão vilipendiada "natureza humana" costuma reagir bem quando é
bem tratada. Só depois de algumas semanas na Alemanha percebi que os saquinhos do supermercado custavam 20
centavos. Havia, de fato, um cartaz informando o preço. Já com boas disposições, por ter sido respeitado na biblioteca,
paguei pelas sacolas alegremente.
Tirei da experiência, todavia, uma conclusão menos otimista. Na minha opinião, vale para todas as iniciativas em
favor do meio ambiente. Implico bastante, por exemplo, quando me pedem para economizar o papel da impressora.
Florestas são derrubadas para fazer papel, logo devemos economizar... Certo. Mas se devemos economizar papel, por que é
tão barato?
Em última análise, a consciência de cada um pela preservação do meio ambiente pode ajudar muita coisa. Mas
enquanto um produto reciclado custar mais do que o produto antiecológico, acho óbvio que o meio ambiente vai sair
perdendo. Cobrar pelos sacos plásticos não é absurdo desse ponto de vista. Claro que, em termos de relações públicas, tudo
deu errado. O supermercado poderia oferecer desconto para quem trouxesse as próprias sacolas, por exemplo.
Economicamente daria no mesmo. Enquanto isso, basta ir a qualquer prateleira (detesto o termo "gôndola") para ver o
enorme, o ultrajante desperdício de plástico na maioria dos produtos.
Veja-se o caso das lâminas de barbear descartáveis. O produto vem embutido numa grande e duríssima armadura de
plástico: preciso de uma navalha para abrir. A razão é que, se a embalagem fosse menor, o consumidor, esse ladrão,
enfiaria as lâminas no bolso e sairia sem pagar. Um jogo cínico assim se estabelece. Nós, do supermercado, sabemos de sua
boa vontade com a ecologia, mas sabemos também que você é um bandido em potencial. Temos, aliás, certeza disso: você
é como nós. Com a diferença de que paga a conta.
[email protected] – Folha de São Paulo, Fevereiro de 2012.
Os diferentes são todos doentes? (CONTARDO CALLIGARIS)
ACONTECEU NO MESMO DIA. Primeiro, houve uma mãe falando da homossexualidade do filho, que ela, em tese,
acabava de descobrir: "É uma doença, não é?", perguntou. Ela queria encontrar, na minha confirmação, uma razão de
perdoar o filho por ele ser como é. Mais tarde, alguém, falando de um parente próximo que é toxicômano, afirmou mais do
que perguntou: "Ele é doente" - no tom de quem procura uma confirmação que permita perdoar o inelutável.
Nos dois casos, respondi com cautela, mais ou menos desta forma: "Certo, deve haver razões para ele ser assim, mas
ele não é doente como alguém que pega um vírus ou uma bactéria, nem como alguém que seja invadido por um câncer".
A observação convidava meus interlocutores a questionar o que eles entendiam por "doente". A mãe do primeiro exemplo
acrescentou que, de fato, não devia se tratar tanto de uma doença quanto de uma disposição genética.
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12
Meu segundo interlocutor poderia ter dito a mesma coisa. Afinal, logo na sexta passada, a revista "Science" publicou
uma pesquisa de Karen Ersche, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), defendendo a tese de que existe uma
predisposição genética à toxicomania (veja-se o caderno "Saúde" da Folha de 3 de fevereiro e o texto original
por www.migre.me/7OLiy -de fato, sem entrar em detalhes, a pesquisa de Ersche mostra que deve haver uma
predisposição genética à toxicomania, embora essa predisposição não sele o destino de ninguém).
Desde quinta-feira passada, também recebi vários comentários à minha última coluna: muitos diziam que, claro,
"cross-dressers", travestis e transexuais devem ser tratados com respeito por uma razão simples: "eles são doentes".
Parece que a possibilidade de respeitar a diferença passa pelo reconhecimento de que essa diferença constitui uma
patologia ou uma espécie de malformação congênita (no fundo, a exceção genética é isso).
Alguns perguntarão: "não é melhor assim?". Sem essa "injeção" de patologia (ou de teratologia), os diferentes seriam
apenas julgados em nome de um moralismo qualquer: os drogados seriam vagabundos, os homossexuais, sem-vergonhas,
e, quanto aos "cross-dressers" e etc., nem se fala. Em outras palavras, a substituição da moral tradicional ou religiosa pela
medicina, em geral, produz uma nova tolerância das diferenças: elas não são punidas, são diagnosticadas.
Mais um exemplo. Obviamente, para nossa proteção, não deixamos de prender os criminosos, mas já "sabemos" que
muitos deles não são "ruins", eles só têm um problema de córtex pré-frontal -por causa dessa malformação, continuam
impulsivos que nem adolescentes.
O neurocientista David Eagleman ("Incógnito", ed. Rocco) chegou a propor que a gente treine nossos criminosos de
modo que eles gozem de uma "normalidade" cerebral parecida com a da gente. Aí, sim, poderíamos condená-los com toda
justiça. Sem isso, puniríamos "doentes", não é? Perdoamos facilmente, mas não é por misericórdia ou compreensão, é
porque respeitamos e desculpamos doentes e vítimas de anomalias genéticas. É um progresso?
Acima de seu sistema jurídico, cada sociedade produz e alimenta um sistema de crenças, regras e expectativas que
facilita a coexistência mais ou menos harmoniosa de seus cidadãos. Para essa função, a modernidade escolheu a medicina
(do corpo e das almas). Com isso, o controle sobre nossas vidas seria aparentemente mais suave, mais "liberal". Mas é só
uma aparência.
Pense bem. Certo, se toda exceção ou anormalidade for doença ou malformação, os diferentes não serão
propriamente punidos. No entanto, a sociedade esperará que eles sejam "curados". Outro "problema": se os desvios da
norma forem tolerados por serem efeitos de doença ou malformação, o que aconteceria com quem pratica desvios, mas não
apresenta as "malformações" que o desculpariam?
O que acontece se eu quero me drogar, ser "cross-dresser" ou, mais geralmente, infrator só porque estou a fim de
uma "farra" e sem poder alegar nenhuma das predisposições genéticas para essas "condições"? Aí vai ser o quê? Voltamos
às punições corporais? Em suma, gostaria que fosse possível ser anormal sem ser "doente". E, se fosse o caso, me sentiria
mais livre sendo punido do que sendo "curado".
[email protected] – Folha de São Paulo, Fevereiro de 2012.
Barraco no Anhangabaú
(MARÍLIA KODIC)
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13
Em um canto, cerca de dez pessoas sentadas em roda entoam a canção ―Pescador de Ilusões‖, de O Rappa. Noutro,
sob a placa ―Aula de História: R$ 0‖, um professor universitário ensina a um pequeno grupo noções básicas de democracia.
Ao lado, quatro crianças pintam desenhos usando as mãos, enquanto dois ou três índios usam as suas para batucar
tambores. Na ordem do dia, há ainda exibição de filmes, palestra sobre sociologia, numeração de barracas e a organização
de uma patrulha de limpeza.
O cenário é o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, nas últimas semanas. Estão acampadas
aproximadamente 150 pessoas em 60 barracas, com reivindicações que vão da legalização do aborto à revisão do Código
Florestal Brasileiro. Ali, se organizam em comissões – cultura e arte, limpeza, cozinha, segurança, comunicação, etc.
Chamado de ―Acampa Sampa‖ – embora haja membros que prefiram a sigla ―15-O‖, referência à data em que o
movimento teve início (em 15/10) –, a ocupação mimetiza o movimento que começou na Espanha, em 15 de maio, e
chegou aos Estados Unidos em 17 de setembro. Foi justamente em Nova York, especialmente em torno de Wall Street –
centro financeiro mundial –, que ganhou repercussão mundial.
―O ano de 2011 está pipocando
com uma série de mobilizações, e o
que as une é o anti-capitalismo e a
insatisfação com o sistema como um
todo. A população é refém de um
sistema representativo que, na
verdade, não a representa. Então a
ideia internacional é de ocupar
coletivamente espaços públicos – que,
na verdade, são nossos –, para
pensar alternativas para um outro
funcionamento desse sistema‖, diz a
jornalista Gabriela Moncau, que
acompanha o ―15-O‖ desde o início.
Além disso, segundo ela, há
entre os manifestantes uma série de
reivindicações específicas que ―não
têm hierarquia‖, como os protestos
contra o aumento da tarifa dos ônibus em São Paulo, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte (PA) e o uso de
armas letais durante manifestações populares. Defendem também a legalização do aborto e o uso de 10% do PIB para a
educação.
―Minha pauta original são as emendas do Código Florestal, que tem erros perigosos, mas estamos todos aqui por
muitas causas. É uma tentativa de pensar horizontalmente. O dinheiro não é privado, é público. Se o povo não pode
manifestar suas necessidades, que democracia é essa?‖, diz a astróloga Carmen Sampaio, depois de abraçar a repórter e
desejar-lhe paz.
Segundo ela, todos os grupos sociais estão
representados, desde moradores de rua – que, diz,
somam 30% dos ocupantes – a cidadãos das classes A
e B e de todas as idades. Além de São Paulo, o
movimento se alastrou a outras cidades brasileiras –
como o Rio de Janeiro, sob a alcunha ―OcupaRio‖, na
Cinelândia (centro). Iniciado em 22 de outubro, uma
semana depois da capital paulista, já conta com 130
barracas, segundo o curador e crítico de arte Bernardo
Mosqueira.
―Lá, estamos focando também em questões
locais urgentes, ligadas à moradia, às Olimpíadas e à
Copa do Mundo‖, diz.
Para Bernardo, que veio visitar a ocupação paulista, a
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14
carioca é mais ―afetiva e sedutora‖: ―Tem algo de diferente no posicionamento coletivo. Aqui, as pessoas estão muito
desconfiadas, dizem ‗ah, eles estão fazendo leitura labial em nós‘, por conta da proximidade da sede da Prefeitura. No Rio,
estamos mais tranquilos, rodeados de bares e teatros. Mas o movimento é o mesmo‖.
O editor de vídeos Alexandre Palo, que também participa do ―OcupaRio‖, concorda: ―Tenho vontade de ir para a Cinelândia
e ficar lá. Tem um monte de artista, acadêmico, é uma grande parceria. E tem o papo –que não é mais hippie– de que
somos todos irmãos, sim, e de que, juntos, temos força para fazer coisas positivas‖.
Ainda sem grandes confrontos com a polícia,
tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, os
manifestantes não pretendem sair tão cedo. ―Se
quiserem explodir o Viaduto do Chá, cai em cima da
minha cabeça, mas eu morro feliz‖, diz um anônimo
que se identifica como ―Kuca‖.
Curioso: os manifestantes conseguiram se unir
em torno do capitalismo como grande inimigo a
combater, mas ainda não pacificaram a rivalidade
entre as duas maiores cidades brasileiras.
MARÍLIA KODIC é jornalista e escreve para esta publicação. Revista CULT, Fevereiro de 2012.
A saúde pública e o controle social
(SUCENA SHKRADA RESK)
A área da saúde é uma das mais complexas da gestão pública e ainda apresenta desafios de grandes proporções para garantir a
universalidade de atendimento com qualidade
TODOS OS DIAS vivenciamos ou somos ―bombardeados‖
com notícias de falta de leitos hospitalares, de especialistas em
áreas médicas nas unidades básicas de saúde, de equipamentos em
boas condições de uso, além de filas que podem perdurar meses
para que usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) consigam
passar por uma consulta. Os problemas atingem indistintamente os
5.565 municípios brasileiros e ocorrem tanto em megacidades
metropolitanas como em municípios pobres nos rincões do Brasil.
Apesar de haver também melhorias relativas pontuais na rede
pública de saúde, o atendimento ainda está longe de ser
considerado ideal. Uma relação mais humanizada e melhor
infraestrutura são esperadas neste processo.
Durante a 14ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em
dezembro de 2011, em Brasília, mais de 3 mil participantes de todo
o país apoiaram uma Carta Aberta à Sociedade Brasileira, em que priorizam um SUS descentralizado e estruturado no
controle social. A diretriz de participação mais efetiva da população começa a ganhar representatividade nos fóruns de
discussão.
Um dos pontos principais que fazem parte da pauta de reivindicações é que as políticas de promoção da saúde sejam
organizadas com base no território, de forma regionalizada e tenham participação intersetorial, ou seja, articulem a
vigilância em saúde com a Política Nacional de Atenção Básica e as mesmas sejam financiadas pelas três esferas do
governo. Trocando em miúdos, há uma mobilização contra a possibilidade de privatização do sistema.
A sociedade civil defende uma gestão totalmente pública e que a participação dos cidadãos seja ampliada,
principalmente no que tange aos segmentos mais excluídos – que são as populações indígenas, do campo e da floresta, a
população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais (LGBT), para que se combatam racismos e discriminações e
exclusão da cidadania.
Rita de Cássia da Costa Rodrigues, pesquisadora do Grupo de Direitos Humanos e Saúde Helena Bersseman, da
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação
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Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) » Conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que
abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a
manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas
e utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de
saúde. Oswaldo Cruz (DIHS/ENSP/Fiocruz), explica que esses movimentos sociais têm se mobilizado com relação aos
direitos da saúde, entre eles os das mulheres, de LGBT e da população negra. Esse último, por exemplo, com relação ao
tratamento da anemia falciforme.
"Apesar de haver melhorias pontuais na rede pública de saúde, o atendimento ainda
está longe de ser considerado ideal"
A luta nada mais é do que exigir o que está determinado em lei: acesso à saúde e garantia de conseguir todos os
serviços. Na lista de reivindicações, segundo Rita de Cássia, está a inclusão da violência doméstica e de gênero, que tem
pouca visibilidade na saúde pública. ―Além da delegacia, a mulher precisa ter assistência quanto à violência sexual, que
inclui teste para detecção do HIV, a pílula do dia seguinte, entre outros serviços. Onde está essa rede de apoio permanente,
que precisa de psicólogos, assistentes sociais, entre outros?‖, questiona.
A violência institucionalizada, baseada em falta de condições adequadas nas unidades públicas de atendimento à
mulher, também deve ser priorizada, de acordo com a especialista. ―A taxa de mortalidade materna é altíssima no Brasil e
estão aí os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), que reforçam esta questão, com diretriz de redução mundial
(hoje, o Brasil registra 68 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. A meta da ONU é cerca de 35 para cada 100 mil até
2015). A questão do parto e do aborto legal tem grande déficit também de rede de apoio no SUS. Por exemplo, a gestante
faz o pré-natal, mas não tem garantia da vaga para fazer o parto natural.‖
―Entre as lacunas, ainda está a saúde do homem (urologia). Existe um grande problema com relação à incidência de
câncer de próstata. Outras áreas que precisam de melhor retaguarda são a saúde mental e a estratégia da saúde de família.
Não adianta ter só o médico e a enfermeira disponíveis, se há chance de existir um problema mais grave que exigirá uma
referência para onde encaminhar o paciente‖, explica a especialista.
Para Oswaldo Yoshimi Tanaka, professor doutor do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), ao mesmo tempo, o panorama brasileiro da saúde pública tem
melhorado em muitos aspectos, que precisam ser destacados, apesar da série de desafios a superar. ―A relação de saúde
sempre foi muita autoritária e se baseava num dito popular: ‗Minha vida está em suas mãos‘.‖ Segundo ele, a própria
puericultura era de um padrão de classe média para a classe baixa, e isso foi mudando com o passar dos anos.
Rita de Cássia reforça que há serviços que funcionam bem, como
a vacinação, a vigilância sanitária de alimentos, e explica que o SUS
não é restrito somente ao campo de atendimento médico. ―A gente
precisa pensar num escopo mais amplo, e esquece ainda que existe
o conjunto da seguridade social, que, além da saúde, incorpora a
previdência e assistência social‖, diz.
Ela questiona, no entanto, outros aspectos que envolvem o
segmento, como o modelo vigente hoje, em que políticos e o
próprio funcionalismo público têm planos privados de saúde. ―O
exemplo deveria partir deles, sendo usuários comuns do SUS‖,
afirma a especialista.
Incentivo no controle social
Apesar da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e
de gênero tem pouca visibilidade na saúde pública.
Como promover o controle social? O incentivo, segundo Rita de
Além da delegacia, a mulher violentada precisa de Cássia, se dá por meio do fortalecimento dos Conselhos da Mulher,
assistência para detecção do HIV, psicólogo e
da Criança e do Adolescente, Tutelares, dos Idosos, do âmbito
assistente social
municipal ao federal, entre outros. ―É um meio de promover o
empoderamento. A sociedade volta a se organizar. Para incentivar essa mobilização, temos de rever ética e valores na
própria formação educacional. Quem forma, como questiona o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, está
trazendo um conhecimento emancipatório ou regulatório, para manter as coisas como estão? Essa é uma pergunta que deve
ser feita.‖
Na avaliação da especialista em saúde pública do DIHS/ENSP/Fiocruz, os técnicos da academia devem levar esses
conhecimentos de pesquisa para as sociedades organizadas, para que elas possam se articular, para fazer um movimento
político. ―Não foi assim com o direito do Consumidor, com a Lei Maria da Penha?‖, aponta. Para isso, segundo ela, um
elemento essencial é a comunicação. ―É importante que as informações sejam passadas com uma linguagem acessível, de
forma que qualquer pessoa possa compreender. Essa é a tradução social‖.
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"A sociedade civil defende uma gestão totalmente pública e que
a participação dos cidadãos seja ampliada"
Para Tanaka, o que prejudica a evolução do SUS na atualidade
é a ausência de mais investimentos. Ele lembra que a partir da
Constituição de 1988 houve a inclusão de cerca de 90 milhões de
pessoas que eram excluídas, o que não pode ser menosprezado.
―Isso trouxe um universo muito maior à assistência médica. Mas hoje
são cerca de 400 dólares/ano per capita para o sistema público de
saúde brasileiro. Com esse valor, não dá para fazer milagres. Paga-se
mal os médicos, os enfermeiros...‖
Segundo o docente da FSM/USP, a política social brasileira é
justa, mas não tem desenvolvimento econômico para dar conta. ―Nos
EUA, de acordo com o médico, o investimento per capita chega a 4,8
mil dólares. Isso também não quer dizer que estão melhores. Já o
valor per capita dos nórdicos e dos japoneses está na faixa de 4,5 mil
dólares‖, compara.
Alguns paradigmas equivocados, como o investimento
na construção de hospitais, contratação de médicos e
compra de ambulâncias precisam ser quebrados. Essa
tríade, sozinha, não funciona
Comportamento e a saúde
Canalizar esforços da gestão pública em campanhas e programas que sejam úteis para as mudanças de hábitos da
população, com o objetivo de melhorar as condições de saúde, é uma postura estratégica a ser adotada, segundo Rita de
Cássia, da ENSP/Fiocruz, e Tanaka, da FSP/ USP. Os especialistas apontam que entre os problemas de saúde que
começam a aumentar drasticamente está a obesidade, que leva a outras patologias.
―Se houvesse a melhoria das condições de prevenção, isso resultaria consequentemente na qualidade da saúde de
todos. Só que a possibilidade de eficácia é muito lenta, em alguns casos, como em relação a mudanças de hábitos
alimentares (excesso de consumo de fast food, alimentos industrializados e ausência de dietas balanceadas, que
influenciam significativamente na ocorrência de doenças). É necessário empenho redobrado, pois se refere também a
alterações culturais. Por outro lado, por exemplo, as vacinas têm uma eficácia e assimilação mais rápida pela população‖,
diz Tanaka. Por isso, um dos focos importantes de investimentos, segundo o médico, deve ser o mecanismo de
campanha. ―É preciso haver a multiplicação de informações nas escolas para que os filhos possam influenciar os pais, nos
ambientes de trabalho e de lazer. Para mudar o comportamento humano, é útil usar todos os mecanismos. A quantidade
de diabéticos e hipertensos, por exemplo, é maior do que os que fazem a prevenção. Essas doenças continuam sendo as
primeiras causas de óbitos. Mas sou otimista quanto a mudar esse quadro, pois somos mais de 191 milhões de
habitantes‖, aponta Tanaka. Rita de Cássia alerta que recomendações centralizadas e hierarquizadas não resolverão o
problema. ―É importante que se respeitem os valores culturais e hábitos alimentares nas diferentes regiões do país. ―Os
programas precisam, nesse caso, levar isso em conta na hora de formular programas‖.
O entrave principal é não haver o equilíbrio para fechar a conta entre serviços e demanda, em sua avaliação. ―São cada vez
mais pessoas para atender, o que significa maiores índices de diagnósticos e necessidade de tratamento. É preciso também
treinar os profissionais na humanização.‖
De acordo com Rita de Cássia, pesquisadora do
DIHS/ENSP/Fiocruz, a remuneração dos profissionais da saúde em
muitas localidades poderia ser muito melhor. ―Mas também já há a
percepção de que, onde se paga muito bem (valores na casa de R$
15 mil), muitas vezes, a saúde é tratada como mercadoria. O bom
profissional precisa ter um vínculo com o usuário e com o trabalho‖,
alerta. ―Em todas essas circunstâncias, muitas vezes, existe um
problema de gestão. Até concordamos que precisa de mais dinheiro.
Ocorrem desvios, há problemas que envolvem questões de valor e
ética. Como combater? A sociedade pode fazer alguma coisa por
meio dos movimentos sociais. Enquanto o problema não aparece,
ele é ‗só seu‘ e ‗meu‘. Por isso, também é muito importante o papel
da mídia. Quando dá visibilidade ao problema para a garantia de
A humanização da saúde é outra necessidade do setor.
direitos, propicia o acesso para todos. Você não pode apelar para o
Ao serem tratados com atenção, os pacientes registram
jeitinho, como ligar a ‗um político‘, ou por meio de cartuchos‖, diz a
importante melhora
pesquisadora.
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"Movimentos sociais têm se mobilizado com relação aos direitos da saúde, entre eles, os das mulheres, de
LGBT, da população negra"
Internacionalização da discussão
A preocupação com a qualidade da saúde pública extrapola hoje o âmbito nacional e ganha força na agenda dos 12 países
da América do Sul que compõem a Conselho de Saúde da União das Nações Sul-Americanas (Unasul-Saúde). Segundo a
atual presidente pro-tempore do Conselho, Esperanza Martínezos, os problemas de saúde transcendem as fronteiras e é
na escala regional que estão as condições mais propícias para enfrentar e superar muitos dos desafios do setor. Avanços,
nesse sentido, são esperados até 2015, período que compreende a primeira etapa de trabalhos do grupo. Durante a
Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais de Saúde, organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no
Brasil, em outubro de 2011, a discussão principal exposta pelos 140 países e 60 ministros presentes ao evento é que
justamente se reforce a capacidade de governo dos Ministérios da Saúde e se capacitem os quadros. As cinco áreas
estratégicas de atuação estão concentradas em: adoção e manutenção de sistemas universais; determinação social da
saúde e promoção; acesso a medicamentos e tecnologias; vigilância em saúde e trabalhadores da saúde. O encontro
resultou na Declaração Política do Rio Sobre os Determinantes Sociais da Saúde. A diretora-geral de Inovação,
Informação, Evidências e Pesquisa da OMS, Marie-Paule Kieny, reiterou a importância de se integrar governos e
sociedades no esforço internacional para a melhoria das condições de vida e saúde das populações. Entre as principais
diretrizes do documento, estão: - Destinar 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para ações de desenvolvimento social até
2015; - Promover a equidade em saúde em todos os países, por meio do compartilhamento de conhecimento; Desenvolver políticas públicas de saúde para populações que vivem em áreas vulneráveis; - Atenção especial às questões
de gênero, raça e etnia; - Ampliar os mecanismos de controle social para os gastos de saúde pública; experiências e
expertises e de parcerias estratégicas.
Para Rita, é necessário se quebrar alguns paradigmas equivocados. ―Você cria mais hospitais, mais ambulâncias e
contrata mais médicos e verifica que o problema não é resolvido. Vemos que essa tríade se repete num discurso comum,
inclusive, em outros setores. Mas é um argumento não-válido.‖ Segundo Rita de Cássia, é preciso haver políticas públicas e
não partidárias para a condução do atendimento à saúde do cidadão. ―Esse atendimento deve ser regionalizado, porque
cada cultura e realidade são diferentes. Por exemplo, com relação a hábitos alimentares, não funciona a imposição, mas a
adequação. Essa adoção cabe à gestão municipal (que atende na
ponta), que precisa ter a fiscalização federal‖, afirma.
Ela reforça, como Tanaka, que esses procedimentos passam
pelo campo da humanização. Segundo a especialista, a saúde não
tem só o aspecto naturalizado biológico. Apresenta um aspecto
sociocultural e mental, que vai influenciar no encaminhamento do
tratamento, do diagnóstico e da recuperação dos pacientes. ―Quando
as pessoas são tratadas com carinho e atenção, há redução do nível
de ansiedade. Qualquer profissional da área da saúde nesse
atendimento ao usuário necessita dessa sensibilidade para a ‗escuta‘.
A oportunidade da pessoa falar sobre o sofrimento, a sua angústia,
que passou antes de chegar até o serviço de saúde, é tão importante
quanto o aspecto biológico‖, informa Rita de Cássia. Para que haja o
encaminhamento para a universalidade, ela acredita que tem de O Senado aprovou a regulamentação da Emenda 29 em
haver empenho cada vez maior no pleno funcionamento dezembro de 2011, que prevê que o mínimo por parte
da União permanecerá no montante do ano anterior
do Programa Saúde da Família (PSF).
mais a variação nominal do Produto Interno Bruto
"Outras áreas que precisam de melhor retaguarda são a saúde mental e a estratégia da saúde da família"
Cobertura universalizada
Tanaka explica que o Banco Mundial (BIRD) questiona se o Brasil tem condições de dar cobertura universalizada.
―Carecemos de oferta e temos muito a fazer com relação à atenção básica, às primeiras atividades de promoção, vigilância e
ao atendimento médico em todos os municípios‖, diz Tanaka. O problema, na avaliação dele, é que as pessoas são
atendidas, obtêm um diagnóstico e se elas precisarem de outros equipamentos e atendimentos, ainda há uma atenção
parcial na rede.
Programa Saúde da Família (PSF) » Programa do governo federal em que a saúde da família é entendida como uma
estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais
em unidades básicas de saúde. Essas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias,
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localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção,
recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde desta comunidade.
Para otimizar a qualidade do SUS, o controle social na gestão da saúde pública é fundamental, na avaliação de
ambos. ―Hoje o paciente tem mais informação do que antes, basta entrar na internet. Os sujeitos sociais são mais atuantes,
consequentemente, isso deve estimular o oferecimento de melhor atendimento e favorece a priorização de políticas
públicas‖, diz Tanaka.
Além disso, a relação entre profissional de saúde e paciente se tornou mais transparente, em sua opinião. ―Existe
maior compromisso de ambas as partes. Mas haverá sempre interesses contraditórios. Será difícil atender a todas as
expectativas do usuário‖, conclui.
SUCENA SHKRADA RESK é jornalista e escreve nesta publicação. Revista SOCIOLOGIA, Fevereiro de 2012.
Torresmo à pururuca (DRAUZIO VARELLA)
NINGUÉM MAIS sabe o que comer. São tantas informações contraditórias sobre o valor e os malefícios dos
alimentos que até nós, médicos, ficamos confusos. Houve um tempo em que as famílias cozinhavam com banha de porco e
fritavam bifes, ovos, batatas e bolinhos sem a menor preocupação com o teor lipídico das refeições.
Nessa época, em que não contávamos com os confortos da vida moderna, todos faziam as refeições em casa,
andavam bem mais e engordavam muito menos. Na década de 1920, o número de mortes por ataque cardíaco nos Estados
Unidos estava abaixo de 10%; 30 anos mais tarde, atingia 30%. Como era preciso encontrar justificativa para esse
fenômeno, o colesterol entrou em campo. A explicação parecia lógica: com o progresso, houve aumento do acesso à carne
vermelha, alimento que eleva os níveis de colesterol; colesterol mais alto, mais ataque cardíaco.
A partir dessas ideias preconcebidas, os serviços de saúde americanos passaram a recomendar que a população
comesse menos carne e reduzisse ao mínimo o consumo de gordura animal, ideologia que se espalhou pelo mundo. Digo
ideologia, porque jamais houve comprovação científica de que a ingestão de carne vermelha teria relação direta com
infartos do miocárdio ou derrames cerebrais. Todos os estudos que sugeriram isso apresentam vieses estatísticos que
comprometem as conclusões finais.
Walter Willet, um dos mais respeitados epidemiologistas, calcula que um estudo rigoroso para esclarecer em
definitivo essa questão deveria envolver pelo menos 100 mil participantes, acompanhados durante 20 anos, a um custo total
de pelo menos US$ 1 bilhão. Quem estaria disposto a financiá-lo? Agora, vejamos a questão das frituras. Os espanhóis
acabam de publicar um inquérito populacional conduzido com 40.757 homens e mulheres entre 29 a 69 anos, seguidos por
média de 11 anos, com a finalidade de avaliar a possível relação entre consumo de frituras, ataques cardíacos e mortalidade
geral.
Para que essa população representasse melhor a variedade das dietas do país, escolheram habitantes de duas
cidades no norte (Gipuzkoa e Navarra) e duas no sul (Granada e Murcia). No período estudado, ocorreram 606 ataques
cardíacos e o total de 1.135 mortes, somadas todas as causas.
Conforme a quantidade de fritura na dieta, os participantes foram divididos em grupos de consumo alto, médio-alto, médiobaixo e baixo.
A análise multivariada mostrou que, na comparação entre os quatro grupos, não surgiram diferenças estatisticamente
significantes quanto ao número de ataques cardíacos ou à mortalidade por qualquer causa. Os resultados também não
variaram entre aqueles que preparavam frituras com óleo de oliva ou de girassol -as duas formas mais frequentes na
Espanha- ou com outros óleos vegetais. Também não fez diferença o tipo de alimento frito: carne vermelha, peixe, batatas
ou ovos.
Os autores consideram os resultados válidos para os países mediterrâneos, nos quais as frituras são feitas
principalmente com óleo de oliva e de girassol, em vez de banha ou manteiga. Além dessa ressalva, insistem que os
espanhóis não são consumidores contumazes de fast-food, comida geralmente preparada com óleo reutilizado diversas
vezes - método que ainda não foi estudado no âmbito das doenças cardiovasculares. Podemos aplicar em nosso dia a dia as
conclusões acima?
Frituras têm alta densidade energética, pois, durante o frigir, os alimentos perdem água e absorvem gordura. Estudos
anteriores mostram que as ingerir em quantidades maiores está associado ao excesso de peso, à hipertensão e ao acúmulo
de gordura abdominal, condições sabidamente ligadas ao aumento do risco de doenças cardiovasculares.
Se é assim, não seria de esperar que no estudo espanhol dietas ricas em frituras também constituíssem fator de
risco? Seria, caro leitor, mas em ciência nem tudo que parece lógico resiste ao crivo da análise experimental. Estudos
populacionais são feitos justamente para comprovar ou jogar por terra afirmações dogmáticas. Então posso comer fritura à
vontade? Se não quiser ganhar peso, acumular gordura no abdômen e ficar hipertenso, coma com parcimônia, mas sem
remorso.
DRÁUZIO VARELA escreve quinzenalmente para esta publicação.Folha de São Paulo, Fevereiro de 2012.
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Os militares e a polícia (MAURO SANTAYANA)
UMA DAS MAIS graves conseqüências do regime de 1964 foi a militarização do policiamento ostensivo e repressivo
nos grandes centros urbanos do país. Admitia-se, no passado, que o policiamento em municípios do interior se fizesse com
soldados da Polícia Militar, sempre subordinados às autoridades policiais civis – mas nas grandes cidades, outra era a
situação. Nelas, e com eficiência que os mais velhos lembram, atuava a antiga Guarda Civil, que nada tinha a ver com as
atuais guardas civis metropolitanas. Os guardas-civis andavam normalmente armados de cassetetes. Patrulhavam as ruas, a
pé, eram sempre solícitos no atendimento das pessoas. A Polícia Militar, fora os oficiais e soldados destacados no interior,
permanecia nos quartéis e só era acionada em momentos de grave perturbação da ordem pública, embora muitas vezes
cometesse violência brutal contra manifestações de natureza política. No Rio de Janeiro, registre-se, havia a famosa Polícia
Especial, notável pela sua brutalidade a serviço da ―ordem pública‖, quando sob as ordens de Felinto Muller.
O governo militar dissolveu os corpos civis de policiamento ostensivo, entre eles, a Guarda Civil, extinguiu as
chamadas inspetorias de trânsito, formadas por servidores civis, especializados no assunto. Tratou-se de ruptura ditatorial
do Pacto Federativo de 1891, que a Constituição de 1946, embora com perdas para os Estados, restaurara, depois da
centralização do Estado Novo. Mas, até então – e durante todo o período republicano, incluído o período arbitrário de Vargas
– a responsabilidade pelo policiamento era dos Estados, que o administravam conforme a sua autonomia federativa.
Ao militarizar o policiamento, o que convinha a uma ditadura de caráter militar, o regime de 1964 possibilitou duas
coisas graves. Uma delas foi o aumento da corrupção de parcelas das antigas forças públicas estaduais que, tendo pouco
contato com a população urbana, e estando sob estrito comando civil, eram disso resguardadas. O resultado está aí, com
policiais militares envolvidos com o tráfico de drogas e outras formas do crime organizado, assassinando juizes, criando
milícias de pistoleiros e ameaçando o Estado de Direito. A segunda foi a de dar à polícia a falsa idéia de que a repressão ao
crime e a manutenção da ordem pública são atos de guerra.A Assembléia Nacional Constituinte de 1988 não teve a devida
acuidade para restaurar o sistema anterior ao regime militar.
O caso nos obriga a refletir sobre a questão mais grave, que é a da Federação. O Congresso Nacional, se é que ainda
somos uma república federativa, não pode legislar sobre a remuneração dos corpos policiais dos estados. Cada unidade da
federação tem o direito e o dever de pagar a todos os seus servidores, incluídos os policiais militares e civis, de acordo com
a realidade local. Para estabelecer seus vencimentos são ponderados muitos fatores, entre eles, o custo de vida, que difere
de região para região em nosso país e, sobretudo, as receitas orçamentárias.
Enquanto o desenvolvimento do país permanecer desigual, desigual terá de ser a remuneração dos servidores
estaduais. Podem argumentar que há corrupção nos governos estaduais e municipais – como, de resto, e infelizmente, há
na União. Mas isso nada tem a ver com o princípio federativo.
A insurreição, iniciada na Bahia, começa a estender-se pelo país, com o movimento dos policiais do Rio de Janeiro. A
opinião pública e o governo federal repudiam a greve, proibida pela Constituição em vigor. A PEC, que pretende equiparar
os vencimentos dos policiais de todo o Brasil aos do Distrito Federal, contraria a cláusula pétrea da autonomia federativa.
Ainda que não a contrariasse, não pode ser votada sob a ameaça dos grevistas. Os altos vencimentos dos policiais do
Distrito Federal resultam de erro brutal dos constituintes de 1988, que deram plena autonomia política e administrativa à
capital da República, transformando-a, de fato e de direito, em um estado como os outros - em agressão inominável à
Federação. Sendo capital da União, a cidade deve estar a ela subordinada, e ser administrada pelo governo federal, como
ocorre em qualquer federação.
Como, no desenho dessa autonomia, cabe ao governo federal assumir os gastos com a segurança do Distrito Federal,
os governadores – que não passam de prefeitos municipais – e os mal chamados ―deputados distritais‖, que não deveriam
ter prerrogativas maiores do que têm os vereadores de qualquer cidade brasileira – fazem cortesia com o chapéu alheio.
Pagam os altos vencimentos que pagam, porque o dinheiro vem do Tesouro Nacional, e esses recursos procedem dos
brasileiros de todos os Estados, por meio dos impostos que recolhem. Trata-se de uma espoliação institucionalizada.
Enfim, o que está em jogo é muito mais do que a reivindicação dos corpos policiais - que pode ser justa, ou não –
mas a própria estrutura do Estado Nacional, republicano e, de acordo com seus primeiros constituintes, federativo.
MAURO SANTAYANA é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi
redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82),
de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte. Site CARTA MAIOR,
http://www.cartamaior.com.br, Fevereiro de 2012.
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Nº 04 - Portal do Colégio Gregor Mendel