ENCONTRO LATINOAMERICANO DE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS ESTUDO DE CASO DO RESIDENCIAL SÃO JOSÉ, VITÓRIA/ES: BUSCANDO DIRETRIZES DE PROJETO PARA ENTORNO DE HIS MULTIFAMILIARES André G. Tauffer (1) Vitor C. Fraga (2) Karla do C. Caser (3) (1) Graduando em Arquitetura e Urbanismo, Bolsista FAPES. E-mail: [email protected] (2) Graduando em Arquitetura e Urbanismo, Bolsista PIBIC-UFES. E-mail: [email protected] (3) PhD, Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. E-mail: [email protected] Resumo: Uma das principais funções dos entornos habitacionais é prover espaços onde se possam desenvolver relações de vizinhança e de trocas entre os habitantes de uma mesma comunidade, o que gera qualidade de vida social e urbana. Entretanto, muito ainda precisa ser feito para qualificar estes espaços, de forma que eles possam ser efetivamente funcionais, dotados de equipamentos e ambiências confortáveis para seus diversos usuários. O objetivo geral deste artigo é apresentar os resultados de Avaliação Pós-ocupação (APOs) do entorno de residencial de HIS São José, do projeto Moradia da Prefeitura Municipal de Vitória, ES, visando obter diretrizes de projeto para entorno de Habitação de Interesse Social (HIS) multifamiliares adaptadas à realidade local. Primeiramente foi feita revisão da bibliografia para identificar diretrizes de projeto para HIS multifamiliares em literatura nacional e internacional. A APO utilizou entrevistas semiestruturadas, observação dos espaços e respectivos usos, e pesquisa de preferência visual. O artigo descreve as percepções dos moradores, suas preferências, os usos dos espaços, e estabelece relações com as diretrizes encontradas na literatura, de forma a ver sua aplicabilidade à realidade local. Espera-se que este estudo possa fornecer subsídios para projetos futuros de HIS da cidade de Vitória, contribuindo assim para a melhoria da vivência das cidades. Palavras-chave: Avaliação Pós-ocupação; Diretrizes de projeto; Entorno de HIS. CASE STUDY OF SÃO JOSÉ HOUSING PROJECT IN VITÓRIA/ES: TOWARDS PROJECT GUIDELINES FOR OPEN SPACES OF MULTIFAMILY SOCIAL HOUSING DEVELOPMENTS Abstract: One of the principal functions of open spaces is to provide room for interactions between members of a community, generating urban and social quality of life. However, much yet has to be done in order to qualify and make them really functional to its various users, with comfortable ambiances and equipments. The objective of this paper is to present the results of Post-occupancy Evaluations of the open spaces of a multifamily social housing project, Residencial São José, promoted by the Projeto Moradia of the municipality of Vitória, ES, in order to present design guidelines adapted to the local reality. First, a literature review was conducted to find design guidelines in international and national literature. The Postoccupancy Evaluation involved semi-structured interviews, observations and visual preference survey. This paper describes the interviewees` preferences and uses of open spaces and at last establishes relationships with guidelines found in the literature, in order to see its applicability to the locality. Post-occupancy Evaluations can generate and confirm project guidelines that can be used to inform new social housing projects, thus contributing to the overall urban quality of life. Key-words: Post-occupancy evaluation; project guidelines; open spaces in Social Housing. 1 INTRODUÇÃO A urbanização acelerada nas últimas décadas do século XX, desencadeou problemas urbanos de difícil resolução (Rolnik e Saule Junior 1996), dentre eles o déficit de moradia para a parcela de trabalhadores urbanos não incorporados no processo de “industrialização tardia” (Azevedo e Andrade 2007). Assim, a falência da política pública de habitação na década de 80 e as deficiências geradas pelo desenvolvimento desregulado estimularam o surgimento de planos e projetos locais objetivando diminuição do déficit habitacional e regularização das áreas de invasões de mangues e encostas. Em Vitória (ES), onde a maior porção do município está situada em uma ilha acidentada geograficamente, o déficit habitacional é evidente nas áreas de habitações irregulares que surgiram sobrepostas a mangues e regiões de encosta (Bissoli, Calmon e Caser, 2007). O Projeto Moradia (Programa Integrado de Desenvolvimento Social, Urbano e de Preservação Ambiental em Áreas Ocupadas por População de Baixa Renda) foi lançado em 1999 pela Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) e dentre outros âmbitos de atuação, atua no reassentamento de famílias que habitam áreas de risco ou de preservação ambiental (Prefeitura Municipal de Vitória, 2013). As áreas atendidas são agrupadas em 15 poligonais e têm em comum o fato de serem áreas ambientalmente frágeis, com ocupação desordenada, população de baixa renda e carência de equipamentos e serviços públicos. A Secretaria de Habitação – SeHab viabiliza a construção dos residenciais de Habitação de Interesse Social – HIS - nessas 15 poligonais. Pesquisas envolvendo o tema da HIS, na busca por analisar e avaliar a qualidade das edificações e dos espaços livres públicos gerados nestas iniciativas pós-BNH começaram a surgir no Brasil, na primeira década deste século. Estes estudos, que utilizam a ferramenta de Avaliação Pós-Ocupação, mostram que os espaços públicos não atendem totalmente aos usuários e não alcançam todo o desenvolvimento do seu potencial (Kowaltowski et al 2004, e 2006). Espaços abertos de residenciais, quando não planejados, se tornam apenas sobras de terreno sem utilização, reforçando para os moradores de HIS suas vivências de abandono e exclusão da sociedade (Abiko e Ornstein 2002; Romero e Ornstein 2003). No caso de Vitória, análise do entorno do Residencial Barreiros em Vitória-ES (Bissoli, Calmon e Caser 2007), apresentou estes mesmos resultados. Entretanto, é consenso a importância do entorno das HIS multifamiliares, que para além de atender necessidades físicas e psicológicas dos usuários e contribuir para a qualidade ambiental do ecossistema urbano, tem função de prover a possibilidade de se desenvolver relações de vizinhança e de trocas entre os habitantes de uma mesma comunidade (Bins Ely et al 2006, Mascaró 2008; Cooper Marcus e Francis 1996; Cooper Marcus e Sarkissian 1986; Gehl 1971, Carpaneda 2008; Building More Livable Communities 2012). Esse estudo é um passo na tentativa de mapear a situação dos espaços livres no entorno de empreendimentos de HIS criados na cidade de Vitória, ES, e de definir diretrizes de projeto adequadas à realidade local, que possibilitem melhorias nestes espaços já construídos e que sirvam para orientar futuros projetos. O presente artigo apresenta os resultados de APO realizada no residencial São José, em Vitória/ES, iniciativa do Projeto Moradia da PMV. O artigo descreve as percepções dos moradores, suas preferências, os usos dos espaços, e estabelece relações com as diretrizes encontradas na literatura, de forma a ver sua aplicabilidade à realidade local. 2 MÉTODOS A pesquisa foi dividida em quatro etapas principais: 1) Revisão de bibliografia para inventariar diretrizes e auxiliar na elaboração do roteiro de entrevistas para entorno de HIS multifamiliares; 2) Entrevistas com técnicos das Secretarias envolvidas (Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano, etc.) para definição dos estudos de caso e coleta de dados sobre os mesmos; 3) Preparação de material: mapa comportamental, roteiro de entrevista e imagens para pesquisa de Preferência visual; 4) Realização de APO. Grande parte das referências são internacionais, e as principais experiências brasileiras se restringem a Abiko e Ornstein (2002), Kowaltowski et al (2004 e 2006), Krebs et al (2011), Mascaró et al (2011), Romero e Ornstein (2003) e Vazquez et al (2011). 2.1 APO A APO foi realizada no Residencial São José, um edifício de quatro pavimentos e 16 apartamentos no bairro São José em Vitória-ES. A APO baseou-se em visitas e observação de atividades registradas em mapa comportamental e entrevistas com moradores apresentando perguntas sobre a utilização de espaços e preferência visual. Buscou-se uma maneira de inserção pouco agressiva e para tanto houve reuniões com a síndica do condomínio apresentado o projeto e pedindo a ela que falasse aos moradores o motivo das nossas visitas para que não houvesse estranhamento. Nesta etapa também foi feita a visita ao residencial para fotografar o local e assim poder gerar fotos para a pesquisa de preferência visual. Os registros nos mapas comportamentais seguiram a metodologia para observação e apreensão do território de Golicnik e Thompson (2010), foi feito apenas um ponto de observação devido ao tamanho do residencial. Houve observação em todos os dias da semana (período letivo, com ausência de feriado e chuvas), nos horários que vão de 7:00 da manhã até as 19:00 da noite, garantindo que a cada duas horas houvesse uma observação de dez minutos em cada ponto. As entrevistas foram realizadas de forma semi estruturada focalizada (Rheingantz et al, 2009), acompanhada da pesquisa de preferência visual e foram aplicadas até o momento em que as respostas começaram a se repetir. A primeira entrevista foi realizada com a síndica e posteriormente os moradores abordados foram escolhidos dentre os que estavam usando os espaços públicos, nos diversos horários do dia. Na pesquisa de Preferência Visual o entrevistado foi convidado a ordenar imagens por ordem de preferência, explicando as razões de fazê-lo. Pretendeu-se com esta técnica encontrar novos elementos de preferência não mencionados em entrevistas, bem como fazer uma triangulação de dados. As imagens consistiram de fotografias editadas de forma a representar diferentes tipologias de diferentes espaços/setores do residencial: pátio/playground, área comum na lateral da edificação e horta. Para cada setor em que foi visto a possibilidade de alguma inserção, foram feitas imagens com alterações graduais, de acordo com diretrizes encontradas na literatura. Assim, por exemplo, para a área do pátio foram adicionadas 3 imagens (Figs. 2, 3 e 4) à imagem da situação atual (Fig. 1). Na Figura 1 vemos a fotografia do pátio do residencial, que não deveria estar vazio e inutilizado daquela forma de acordo com a diretriz Espaço Público Aberto- EPA01: Evitar áreas pavimentadas grandes e vazias. Na figura 2, introduzimos duas pequenas árvores de pequeno porte para garantir privacidade do apartamento do térreo, e arbustos na grade voltada para avenida, de acordo com a diretriz de Paisagismo PA01: Utilize o paisagismo para aumentar o sentimento de privacidade e também PA02: Plantar árvores para modificar as condições climáticas. Os arbustos também foram inseridos em atendimento à diretriz PA03: Visão de cinturões verdes através das aberturas pode criar a sensação de maior amplitude para o residente. Também houve a inserção de um banco de acordo com as diretrizes relacionadas a Usos, Atividades e Sub-espaços - UAS01: Prover muretas entre 30 e 90cm que servirão como bancos e Playground – PG01: Inserir bancos voltados para a área de forma a encorajar a socialização entre os adultos. Figura 1 – Panorâmica do pátio e estacionamento –situação atual. Figuras 2 – Panorâmica do pátio e estacionamento com as primeiras modificações: banco a esquerda, árvores e arbustos. Na figura 3, a imagem conta com a inserção de um piso emborrachado para a utilização dos espaços por crianças e possíveis festas, de acordo com a diretriz relacionada à utilização de espaços vazios – UAS02: Converter mecanismos adjacentes inutilizados, por exemplo um estacionamento, em uma área de recreação infantil. Em conversa com síndica ela informou que pretendiam fazer nessa área uma sala de reunião, e assim na figura 4 um toldo foi inserido com o objetivo de funcionar como área coberta para reuniões, churrascos e festas, garantindo flexibilidade ao espaço. Figura 3 – Acrescentado um piso emborrachado para crianças e cadeiras de praia sugerindo a utilização por adultos. Figura 4 – Acrescentado o Toldo para a realização das reuniões de condomínio, pequenas festas ou área para as crianças brincarem na sombra. 3 DIRETRIZES, CONTEXTO DO RESIDENCIAL E ANÁLISE DE RESULTADOS 3.1 Diretrizes A pesquisa bibliográfica reuniu um total de 330 diretrizes para o entrono de HIS multifamiliares, que dividimos em seis categorias: - “Paisagismo” (PA) com 52, que trazem sugestões tais como a PA01 (pág. anterior); - “Estacionamento” (ES) com 20, que trazem sugestões tais como a ES01: Providenciar para o máximo de residências possível uma vaga de estacionamento no lote; - “Espaço Aberto Público” (EAP) com 47, que trazem sugestões tais como a EAP01: Prover mesas de piquenique e churrasqueiras em áreas semi privadas, sombreadas, e com vista para o playground; - “Sistema Viário” (SV) com 62, que trazem sugestões tais como a SV01: Separar o tráfego veicular e de pedestres através de balizas ou outros recursos; - “Implantação” (IM) com 58, que trazem sugestões como a IM01 (próxima página); - “Usos, atividades e subespaços” (UAS) com 50, trazendo sugestões tais como a UAS01 (pág. anterior), e possuindo também duas subcategorias: - “Playground” (PG) com 35, como a PG01 (pág. anterior); - “Entrada” (EN) com 6, com sugestões tais como a EN01: Criar acomodações para socialização em frente às entradas de prédios. As diretrizes embasaram o roteiro de entrevistas e o estudo de preferência visual. Para tanto foram consideradas diretrizes da literatura que poderiam ser aplicadas aos espaços existentes e ao porte reduzido do residencial São José. A comparação destes dados da bibliografia com os dados observados (mapa comportamental) e coletados (entrevistas e preferência visual) permitiu a observação da adoção ou não dessas diretrizes no projeto em estudo e se realmente elas são aplicáveis ou não para a realidade local. Neste artigo serão apresentadas algumas das diretrizes, intercaladas com o texto da seção 3. 3 – Análise de Resultados, quando diretamente relacionadas às falas dos entrevistados e às observações dos usos dos espaços. 3.2 Residencial São José O Residencial São José, está localizado no bairro de São José, na área de abrangência da Poligonal 4, na cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, localizado na região sudeste do Brasil. Situa-se num terreno de 678,70m² situado na esquina entre Rua Dentuski e a Av. Serafim Derenzi. Figuras 5 e 6 – Ilha de Vitória situado no Espírito Santo e Bairro São José (em amarelo) situado na Poligonal 4. (Modificações sobre Google 2013) Na fig. 7 abaixo vê se um trecho do bairro, que é de alta densidade e que fica de frente a um paredão verde. O residencial adota uma tipologia de condomínio fechado com um prédio de 4 pavimentos, e tem a entrada principal na rua João Dentuski (Rosa) e fica de frente a Rodovia Serafim Derenzi (verde). Na Fig. 8 vemos a implantação do edifício na parte posterior do terreno (em relação Av. Serafim Derenzi). No afastamento frontal (Fig. 9) do terreno temos um pátio vazio (rosa), e um estacionamento com 3 vagas (azul); nos fundos do terreno (Fig. 10) tem o varal comunitário junto a um tanque e as bombas da caixa d’água (vermelho); os afastamentos laterais são áreas gramadas (Fig, 11 e 12),sendo que na face para a rua Dentuski, há também uma área reservada a horta (verde). Figura 7 – Inserção do Residencial São José no bairro (amarelo), rua Dentuski (rosa) e a rodovia Serafim Derenzi (verde). (Modificações sobre Google 2013) Figura 8 – Setores do residencial: frente/estacionamento (azul), lixeira (amarelo), fundos (vermelho), lazer/Playground (rosa) e horta/grama (verde). (Modificações sobre Google 2013) Figura 9 – Panorâmica tirada dentro do residencial, com estacionamento em destaque e pátio aos fundos a esquerda, à direita podemos ver o caminho que dá acesso aos fundos. Figura 10 – Varal comunitário localizado nos fundos do residencial Figura 11 – Horta abandonada Figura 12 – Pequena área gramada que da acesso as caixas d’aguas. 3.3 Resultados: Entrevistas, Preferência visual e Observações A observação e análise do residencial começaram pela comparação entre o projeto arquitetônico obtido junto à Secretaria de Habitação da PMV e o que foi executado e algumas divergências foram observadas. No projeto o residencial era cercado por muretas, onde atualmente existem muros com grades e na área em que havia um playground destinado às crianças com caixa de areia e escorregador, hoje existe somente uma área pavimentada com bloco intertravado à qual os moradores se referem como “pátio”. De acordo com os moradores, eles propuseram essas mudanças nas reuniões com a Secretaria de Habitação, pois julgavam inseguras as muretas, preferindo muros com grade ao invés de muros maciços, conforme diretriz – IM01: Evitar cercar o espaço e criar uma imagem de fortaleza. Se for necessário, a cerca é solução melhor porque facilita a vigilância de áreas vizinhas, permite circulação de ar e não encoraja grafites; e escolheram retirar o playground colocando no lugar uma área coberta para reuniões e festas (que ainda não foi construída). A retirada do playground foi escolhida, pois segundo os moradores: “Tenho um problema lá embaixo com bola, os meninos brincam com bola murcha porque a bola não pode ficar quicando, se ali fosse fechado de cima a baixo com tela, seria ótimo!” o que entra em acordo com a diretriz – IM02: As áreas públicas devem ser separadas dos edifícios por meios que reduzam o ruído e evitem janelas quebradas. Entretanto, esta área atualmente é utilizada somente por crianças, principalmente no período da tarde, quando o local fica sombreado, conforme pode ser visto no mapa abaixo (Fig. 13 e 14). Entretanto para este local foi priorizada a instalação de um espaço de reuniões e festas, por razões como a fornecida por um morador: “Como muita gente aqui não tem condição de pagar fora eles fazem as festas nos corredores mesmo”. Figura 13 – Mapa comportamental de segunda feira à sexta feira do horário de 7 horas às 13 horas. Figura 14 - Mapa comportamental de segunda feira à sexta feira do horário de 13 horas às 19 horas. Os bancos também não foram implantados nesse pátio, o que impede seu uso por adultos: “Sobra esse espaço aqui que só é utilizado pelas crianças. Se vê, não tem um banco aqui”. Seu posicionamento no projeto permitiria a visualização de todo o pátio, estacionamento, rua e portões do residencial, conforme diretriz UAS03: Posicione bancos que permitam que os residentes observem as atividades na rua, em local bem ventilado e sombreado, e de costas para uma construção, parede ou planta. Os poucos moradores que usam o espaço geralmente sentam no radier do prédio ou no meio-fio do canteiro para papear e observar, o que sinaliza a importância de atender à UAS01: Prover muretas entre 30 e 90cm que servirão como bancos. A lixeira gerou várias reclamações dos moradores devido à sua disposição: seu acesso dá-se pelo lado externo do residencial somente. Sem uma abertura que possibilitasse o descarte por dentro, observamos que muitas vezes os moradores lançam o lixo por cima do muro, por vezes errando a lixeira ou espalhando lixo do outro lado, como citado pela moradora quando fala sobre a coleta de lixo: “Péssima! Nós já quebramos a cabeça para ver o que podemos fazer ali. A lixeira é aberta, as criança que joga né, joga por cima e cai ali no chão.Às vezes os cachorro vem por baixo e rasga. Tem muito aqueles catadores de garrafas pet, eles vasculham tudo! Tem como ser uma lixeira tampada? Seria bom, e por dentro do prédio! Mas aí teria que ter alguém encarregado para todo dia de manhã... para colocar pra fora né”. Estas sugestões se coadunam com a diretriz UAS04: Prover lixeiras para coleta com fechamento que não permita acesso a cães e outros animais, e prover um portão que permita que as lixeiras possam ser movidas. O fato de ser externa ao residencial também é considerado ruim, por permitir que vizinhos a utilizem para despejos. O fato de ser fixa dificulta sua limpeza e manutenção, o que gera odores desagradáveis, mesmo estando em local adequado, conforme diretriz UAS05: Locar as lixeiras próximas a paredes cegas e usar vedação para esconder os containers de lixo. Sobre a horta, os entrevistados afirmam gostar da idéia, porém ninguém a utiliza, nem mesmo a moradora que tomou a iniciativa de construí-la. Alguns moradores sugeriram a substituição da horta por uma árvore que protegeria os apartamentos do sol da tarde ou substituição por flores: “A horta, agora tá cheio de mato, mas a gente vai limpar lá essa semana. Eu na verdade não gosto de horta, prefiro flores, muitas flores! Porque horta aqui... primeiro, você viu o tamanho do espaço?”.Também algumas crianças mostraram desejar mais flores pelo residencial, o que parece indicar a pertinência da diretriz UAS06: Prover a possibilidade de jardins, cuidados pelos moradores, pois estes tem efeito sobre a saúde e bem estar (físico e psicológico), no relacionamento com pessoas, vizinhos, família e amigos e para conexão com a natureza. Essa opção daria autonomia aos residentes para plantar o que fosse de seu agrado. A existência de tanque e varal comunitário está de acordo com a diretriz UAS06: Localizar as lavanderias comunais em locais de boa visibilidade e tráfego médio, para evitar vandalismo, e limitar o acesso a moradores com chave. Embora não tenha acesso limitado com chave, atende aos moradores de forma correta, não havendo reclamações quanto a sua implantação. Já a pia que esta localizada nesta área não é utilizada, pois não tem bancada de apoio. Quando questionados sobre uma lavanderia comum, alguns disseram que nunca usariam, já outros achavam uma boa idéia. Sobre o fechamento do condomínio, alguns entrevistados gostariam que os muros fossem ainda mais altos, sendo que alguns prefeririam alvenaria no lugar de grades, achando que isso impediria ação de bandidos, por impedir a visualização do interior. Outros mencionaram que preferem grades por permitem a visão da rua e a ventilação do residencial, de acordo com a diretriz IM01 (página anterior). A falta de privacidade, entretanto, é vista como impedimento para o uso deste espaço adjacente às grades para atividades sociais dos condôminos. Inclusive esta é a justificativa para o uso do afastamento dos fundos, próximo ao varal de roupas, como local para o churrasco mensal organizado por um grupo de moradores. A sugestão de um dos entrevistados seria manter as grades somente na metade de toda a extensão, para assim criar um canto mais privado, onde aconteceriam as festas e churrascos; este mesmo morador também sugeriu que o local de reuniões fosse construído adjacente à entrada do edifício e rampa. Essa sugestão parece pertinente também para atender às crianças, que na falta de espaço sombreado brincam no corredor próximo à entrada (Fig. 13 acima). Esse espaço atenderia assim à diretriz EN01: Criar espaços de socialização com assentos nas entradas de cada bloco. Houve reclamações com relação à vulnerabilidade do portão de acesso de pedestres, que geralmente fica aberto, pois algumas pessoas esquecem de fechá-lo. O acesso ao edifício, por rampas e escadas, foi considerado bom e acessível, e inclusive um dos entrevistados relatou que “Tem um cadeirante e ele sobe essa rampa de boa. Se pode ver que dos dois lados tem um corrimão pra ele segurar né”, o que junto com a solução de segurança sugerida acima completaria a diretriz EAP02: Garantir que pontos de entrada não se tornem uma ameaça à segurança ou uma barreira para pessoas com deficiência. O estacionamento conta com 3 vagas, sendo 1 para deficiente. Em geral durante o dia permanecem livres, já que há somente um morador com carro, que ocupa a vaga geralmente à noite e nos feriados. De acordo com diretriz ES01: Providenciar para o máximo de residências possível uma vaga de estacionamento no lote, a quantidade de vagas é baixa tendo em vista o número de apartamentos, como mencionado por um entrevistado: “São 16 apartamentos, vamos dizer que todos se tivessem carro...e são 3 vagas.”. Entretanto a maioria dos entrevistados não reclamou da falta de vagas. Foram plantadas árvores próximas às vagas garantindo sombreamento de acordo com a diretriz PA03: Plantar árvores e arbustos que forneçam sombra e redução de ruído nas áreas de estacionamento e que não soltem néctar, nozes ou frutas. Quando possível selecionar espécies nativas que não percam folhas. Porém essas árvores não são suficientes para realizar sombreamento do local todo, o que é observado por um entrevistado: “Porque é tudo pavimentado. Então, assim, do horário das 10:30 às 14:00 é muito quente, porque bate sol”; e outra ainda diz: “Aquelas árvores na frente poderiam ser maiores! Ter uma copa grande!”. Sugerimos aos moradores uma forma alternativa de utilização deste estacionamento, devido à sua pouca utilização durante o dia, de acordo com diretriz UAS07: Converter mecanismos adjacentes inutilizados, por exemplo um estacionamento, em uma área de recreação infantil. As opiniões ficaram divididas, mas em geral a preferência foi pela não utilização desse espaço para outros usos, nem mesmo playground, pelos motivos citados acima. Durante a observação do residencial notamos que várias bicicletas ficavam presas diariamente no corrimão da entrada do residencial (área azul da figura 8), e durante entrevistas os moradores relataram que não havia outro lugar para guardar essas bicicletas, assim como um carrinho de mão e um ancinho encontrados soltos na mesma área, já que o depósito existente no primeiro piso seria insuficiente (além de mal utilizado). Essa situação mostra o não atendimento e a pertinência da diretriz UAS08: Fazer acomodações para usuários de bicicletas, além da necessidade de rever dimensionamento do depósito (UAS09): Oferecer um depósito seguro próximo à entrada para as unidades de pavimentos superiores (adjacente à edificação), ou no pátio para unidades térreas, em área no campo de visão e tráfego direto. Nas imagens da preferência visual inseriu-se um bicicletário no afastamento lateral (Fig. 12), com o que todos os entrevistados concordaram. Sugeriram, entretanto, que o mesmo fosse protegido da vista da rua, como forma de evitar a visualização e furto de bicicletas, que já ocorreram mesmo com o uso de cadeados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Até o momento não se observou nenhuma incompatibilidade das diretrizes levantadas para o contexto local. Foram observadas áreas comuns com pouco ou nenhum equipamento e ausência de áreas sombreadas. Pretende-se realizar APOs de outras iniciativas de HIS multifamiliares na cidade de Vitória para então, concluída essa etapa de APO, organizar essas diretrizes num documento que espera-se tenha aplicação prática, servindo como cartilha de diretrizes a serem aplicadas nos próximos projetos da PMV e seus diversos programas habitacionais. Entretanto acredita-se que o acompanhamento freqüente dos residenciais realizados pela PMV e a realização de APOs é importante para guiar não só as diretrizes para novos projetos, mas também para acomodar novos usos e necessidades nos residências existentes. Agradecimentos Os autores agradecem à FAPES e CNPq pelos recursos financeiros aplicados no financiamento do projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIKO, Alex K. e ORNSTEIN, S. W. (Eds). Inserção Urbana e Avaliação Pós-Ocupação (APO) da Habitação de Interesse Social. São Paulo : FAUUSP, 2002. (Coletânea Habitare/FINEP,1). Acesso: 04/2011. Disponível: http://www.habitare.org.br/publicacao_coletanea1.aspx. ARAÚJO, João Gabriel F. B. de; CASER, Karla do Carmo. Diretrizes de Projeto para Parques de Vitória – E.S. Anais... Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, 11º, 2012, Campo Grande. AZEVEDO, Sérgio; ANDRADE, Luis Aureliano Gama. 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