VISITA DOMICILIAR
A dimensão psicológica do espaço
habitado
Lígia Corrêa Pinho Lopes
O que é a visita domiciliar?
Ela é parte do processo do psicodiagnóstico
interventivo e tem como proposta:
• Conhecer as pessoas da família que não participam do
processo do psicodiagnóstico;
• Ampliar a compreensão das relações estabelecidas;
• Entrar em contato com o espaço da casa da criança, ou
seja, não só com quem ela vive, mas como vive;
• Possibilitar intervenções por parte da psicóloga.
Como a visita domiciliar acontece?
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Em um dia e horário estipulados, a psicóloga vai à
casa do (a) paciente. O ideal é que todos, ou a
maior parte dos familiares, estejam presentes.
A casa e os familiares são apresentados à
psicóloga.
A partir das observações feitas, as intervenções são
realizadas com os familiares e pacientes durante a
visita e/ou nas sessões com o (a) paciente e nas
devolutivas com os pais.
Como a visita domiciliar acontece?
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A visita só acontece mediante a concordância da
criança e dos pais.
Não é obrigatória! (no entanto os aspectos que
seriam observados no o serão, uma vez que não é
possível substitui-la por relatos.
O tempo de permanência deve ser em média 1h
Não se deve utilizar questionários ou roteiros
Casos - caso 1
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Os pais de um garoto de três anos trouxeram a queixa
da agressividade do filho e a sua dificuldade para
acatar os limites que lhe eram impostos. Nas
entrevistas iniciais e de anamnese, contaram que a
criança não havia sido planejada, pois nenhum deles
possuía o desejo de ter filhos, Acreditavam que uma
criança atrapalharia os planos profissionais de ambos.
Por ocasião da visita domiciliar, a fala desses pais foi
confirmada (e aparentemente apenas confirmada) pelo
que o ambiente apresentava.
caso 1
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O apartamento pequeno era bastante organizado.
Na sala havia muitos enfeites, e todos os móveis
eram claros e muito limpos. Havia dois sofás de
dois lugares, um de frente para o outro, e entre
eles, uma poltrona. Os estofados, da cor de marfim,
mantinham-se muito bem conservados. Por ali,
nenhum sinal de maozinhas sujas ou pezinhos
travessos; por ali, nenhum vestígio de criança.
caso 1
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Entre os sofás, estava uma mesinha de centro
repleta de pequenos animais de cristal e um
cinzeiro. Na mesinha de canto, localizada entre a
poltrona e um dos sofás e encostada na parede,
havia dois porta-retratos, um com a foto do casal e
outro com a foto do menino, quando ainda era
bebê, além de um pequeno vaso de planta. Tudo
na mais absoluta ordem, nenhum bichinho de cristal
quebrado.
caso 1
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Era preciso algum esforço para não me esquecer
de que ali, naquele lugar, também morava uma
criança. De apenas três anos. Havia ainda dois
quartos, um do casal e outro que continuava sendo
um escritório adaptado para o filho. Permaneciam
no ambiente: estantes de escritório de um lado da
parede, livros de pedagogia da mãe de outro
lado, os de direito do pai e, no centro, acima da
cama do menino, três prateleiras com seus
brinquedos.
caso 1
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A organização do espaço, a cor clara dos móveis
preservados, os enfeites de cristal, tudo causava
certa estranheza. Principalmente quando se
pensava na queixa: dificuldade de aceitar os
limites e agressividade. Como uma casa tão
atraente para uma criança de três anos se
mantinha arrumada, se o garoto não tinha limites?
caso 1
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Por outro lado, a fala dos pais, nas primeiras
entrevistas, sobre a falta de espaço dentro deles
para receber um filho, se ratificava naquele
apartamento arrumado para um casal. O quartoescritório do menino deixava claro que ele entrou
no meio das carreiras profissionais de ambos.
Literalmente caracterizado no espaço físico: a sua
estante de brinquedos situava-se entre as estantes
de livros de seus pais. O único espaço que tinha,
portanto, era dividido com eles.
caso 1
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Parecia que o menino tinha limites. A organização
da casa era reveladora disso. Tudo tinha o seu
lugar. Talvez esses pais não soubessem onde
colocar esse menino sem que desarrumasse a ordem
do casal. Neste contexto, a agressividade foi
entendida como uma reação a esta situação.
Caso 2
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Uma menina de sete anos, havia sido encaminhada
pela diretora da escola em que estudava por
apresentar-se apática, sem vontade, muito calada
e com dificuldade para se relacionar com os
colegas. Os pais, durante as entrevistas, diziam
não compreender o motivo do que traduziam por
uma grande tristeza, já que faziam tudo que
estava ao alcance deles para agradar a filha. Mas
tinham a impressão de que nada lhe agradava
efetivamente.
Caso 2

Ressaltavam o fato de ser uma criança que não
gostava de sair de casa sem os pais, por medo de
carro, de cachorro, entre outros. Quando saía com
seu pai, exigia que a mãe fosse junto e, quando
saía com a mãe, solicitava igualmente a presença
do pai. Eram pais batalhadores que trabalhavam
excessivamente para conseguir manter o sustento
da casa. Mas não se mostravam queixosos da vida,
ao contrário, enfrentavam-na com vigor.
Caso 2

Na sessão de anamnese, a mãe, que compareceu
sozinha, passou boa parte do tempo contando sua
história de vida. Relatou ter pedido a mãe de
forma inesperada e brutal, aos sete anos. Ficou
morando com o pai e duas irmãs mais novas. Dois
anos após o acidente de sua mãe, seu pai casou-se
de novo, tendo mais duas filhas, frutos dessa nova
união. Em relação à filha, dizia que tinha muito
medo de morrer e deixar a filha sozinha e
desamparada.
Caso 2

Foi perguntado à mãe se, de alguma forma, a
menina tinha conhecimento de seu medo, ao que
respondeu que conversava muito com a filha sobre
este assunto. Também a ensinava a cozinhar,
costurar e cuidar da casa, para que pudesse sair-se
bem caso a mãe viesse a faltar. As sessões lúdicas
confirmavam a fala dos pais, a menina
apresentava uma feição triste, sem vida, não se
interessava pelos brinquedos da caixa lúdica,
passando as sessões quieta e de cabeça baixa.
Caso 2
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Na visita domiciliar, pode-se observar uma casa
bastante simples que ficava localizada nos fundos
da residência da avó paterna da criança. Ao subir
a escada já entrava na cozinha, que em seu centro
tinha uma mesa com quatro cadeiras. A mãe pediu
à criança para mostrar o quarto. Saindo da
cozinha, um pequeno corredor levava aos dois
quartos (do casal e da garota) e a um banheiro. A
menina mostrou primeiro o quarto dos pais, que
possuía uma cama de casal e um móvel onde ficava
a televisão, um aparelho de som e um vídeo
Caso 2
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Ao mostrar seu quarto a surpresa, ele parecia
pertencer a outra casa. As paredes eram todas
pintadas com cachorros dálmatas, e nelas havia
muitas prateleiras com bonecas de todos os tipos e
tamanhos. No canto, embaixo da janela e
encostada em uma das paredes, situava-se uma
cama com colcha cor de rosa, sobre ela uma
infinidade de bichinhos de pelúcia. Na frente um
móvel com uma televisão na parte superior e muitas
fitas de vídeo na parte inferior. Todos os espaços
eram preenchidos com brinquedos bem cuidados e
organizados.
Caso 2
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Logo após a apresentação, a mãe adentrou no
quarto solicitando à filha que abrisse o armário
para mostrar mais brinquedos ali guardados. Na
parte superior havia muitas caixas de bonecas,
bolas, panelinhas, embaixo muitas roupas
penduradas em cabides, gavetas que guardavam
mais pares de sapatos. Era um quarto muito
diferente dos outros cômodos da casa. Estes últimos
combinavam perfeitamente com o discurso dos pais.
Caso 2
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Aquele quarto colorido, com tantos estímulos,
provocava uma sensação de que nada faltava ali
para uma menina de sete anos. Ao contrário, havia
tantas coisas que chegavam a sufocar. Dois mundos
distintos compunham aquela casa. De um lado, a
escassez, a luta pela sobrevivência entranhadas em
um espaço habitado por pessoas batalhadoras
pela vida e, do outro, a abundancia contrastante
com a ausência de vitalidade de sua dona. Em
ambos, o medo da morte rondando e produzindo
paradoxos.

“Sempre há uma relação entre o sintoma da criança e
as dificuldades que os pais apresentam em seu próprio
desenvolvimento evolutivo (...) acolher as lembranças
dos pais acerca de sua própria história os remete ao
lugar de filho, propiciando a percepção do outro a
partir da percepção de si mesmos. Não se trata,
entretanto, de um diagnóstico familiar, mas sim, de uma
proposta que considera a criança como parte da
família, privilegiando o contexto familiar e social na
“fabricação” dos sintomas”.
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