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Debênture com
destino certo
Títulos de dívida de projeto se revelam uma
opção de financiamento promissora para os
investimentos em infraestrutura
Por Luciana Tanoue
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Capital Aberto Março 2011
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E
las são bastante usadas em países como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Reino
Unido. No Brasil, a despeito do crescimento do mercado de capitais nos últimos
anos, as debêntures de sociedades de propósito específico (SPEs) — ou “project
bonds”, como são conhecidas em inglês — capitalizam pouquíssimos empreendimentos.
Na última década, apenas duas emissões brasileiras desse tipo de título se destacaram:
a da Companhia Petrolífera Marlim, SPE administrada pela Petrobras, com volume de
R$ 1 bilhão; e a da Concessionária Rota das Bandeiras, de R$ 1,1 bilhão. Mas esse cenário
pode mudar. No fim do ano passado, o então presidente Lula anunciou um pacote de medidas
para incentivar o mercado de capitais a fornecer crédito de longo prazo para empreendimentos de infraestrututura. Com a proximidade da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, o
Brasil precisa urgentemente tirar da gaveta projetos vitais para o desenvolvimento do País.
Por oferecer dinheiro barato, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) é a primeira fonte de crédito procurada pelos empreendedores.
No entanto, o banco estatal deixou claro que não tem caixa suficiente para financiar
todas as grandes obras que o Brasil terá de construir, e é aí que o mercado de capitais
pode ganhar terreno. Não por acaso, o governo está se mexendo. Em seu pacote, reduziu
a zero a alíquota do imposto de renda sobre os rendimentos de debêntures de SPEs
adquiridas por investidores pessoas físicas e estrangeiros. No caso das pessoas jurídicas, a alíquota caiu de 34% para 15%. Até o momento, não foram lançados títulos de
dívida de projetos desenhados para receber esse benefício fiscal. “Mas temos recebido
muitas consultas sobre o assunto”, garante Alexandre Barreto, sócio do Souza Cescon.
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contar com o financiamento do
Não é qualquer tipo de debênBNDES. “Dependendo do caso, a
ture de SPE que poderá receber
liberação dos recursos pelo banos incentivos fiscais. Primeiro,
co estatal pode demorar até dois
o projeto tem de ser considerado
anos”, afirma o executivo. No caso
prioritário pelo Poder Executivo
da Rota das Bandeiras, a ajuda
Federal. Depois, a emissão deve
do banco estatal veio em julho de
ser estruturada de acordo com as
2010, praticamente um ano e meio
características descritas na MeA Rota das
depois de a empresa ter vencido o
dida Provisória 517/10. De acordo
Bandeiras fez sua
leilão para explorar a concessão.
com a MP, as debêntures precisam,
emissão no ano
As garantias dadas ao BNDES
dentre outras coisas, ter prazo mépassado, meses
foram as mesmas oferecidas aos
dio superior a quatro anos e pagar
antes de o governo
debenturistas. “Esse foi um dos
taxa de juros prefixada vinculada
anunciar o pacote
grandes atrativos da operação”,
a um índice de preço. Para ofereenfatiza Barbosa. Assim, em caso
cer liquidez aos papéis, o governo
de default, tanto o banco estatal
se comprometeu a estimular a forquanto os investidores têm direitos iguais, sem
mação de um mercado secundário. A proposta é
preferência de um sobre o outro. Em uma eventuque até três pontos percentuais do recolhimento
al inadimplência, eles podem penhorar as ações
compulsório sobre depósitos a prazo das instida SPE e usufruir os direitos creditórios decortuições financeiras sejam destinados para a criarentes da prestação dos serviços de exploração,
ção de um fundo de liquidez para esses títulos.
operação, conservação e construção da malha
A Concessionária Rota das Bandeiras fez sua
rodoviária do Corredor Dom Pedro I. Além disso,
emissão no ano passado, meses antes de o goverpodem se beneficiar dos direitos emergentes da
no anunciar o pacote de incentivos. Criada pela
concessão, inclusive os relativos a indenizações
Odebrecht TransPort para explorar a concessão
a serem pagas pelo poder concedente no fim do
do Corredor D. Pedro I, conjunto de cinco rodocontrato.
vias que liga Jacareí à região metropolitana de
Campinas, em São Paulo, a SPE conseguiu vender R$ 1,1 bilhão em debêntures pagando uma
risco isolado — A captação da Rota das Bandeiremuneração equivalente à variação da inflação
ras é um exemplo típico de financiamento “nonmedida pelo IPCA mais 9,57% ao ano até 2022.
recourse”. Isso significa que as garantias ofereApesar de um prazo de vencimento longo para os
cidas pela empresa patrocinadora — no caso da
padrões de ofertas brasileiras, o preço da debênRota, a Odebrecht TransPort — está limitada aos
ture saiu no teto da faixa prevista, surpreendendo
ativos e recebíveis da SPE. “O risco do projeto fica
até mesmo os bancos coordenadores, que estimaisolado na sociedade de propósito específico, que
vam um piso de R$ 600 milhões para a oferta.
tem uma pessoa jurídica diversa das sócias que
O dinheiro permitiu à concessionária quitar
dela participam”, diz Eduardo Lima, responsável
integralmente um empréstimo-ponte com vencipela área de infraestrutura e financiamento de
mento de 18 meses feito em maio de 2009, com
projetos do Lefosse Advogados. Isso faz com que
um conjunto de cinco bancos. Os recursos obtia constituição de uma SPE seja interessante, por
dos serviram para custear a outorga fixa da conexemplo, em situações na qual o risco da empresa
cessão, cujo valor não pode ser financiado pelo
patrocinadora não é tão bom, mas o do projeto é.
BNDES. “Com o que captamos, conseguimos anE se o projeto falhar e as garantias oferecidas
tecipar o pagamento dessa dívida para outubro de
pela SPE não forem suficientes para quitar a dí2010”, conta Lucas Cive Barbosa, diretor financeivida com os credores? “Nesses casos, o comum
ro da Rota das Bandeiras. Isso representou uma
é haver o refinanciamento do projeto, com o
boa economia para a concessionária. Na época
alongamento do prazo para pagamento da dída operação, o empréstimo-ponte custava 15,92%
vida”, explica Barreto, sócio do Souza Cescon.
ao ano, enquanto as debêntures saíram a 14,87%.
“A última coisa que o financiador quer ver é o
Márcio Lutterbach, sócio da área de finanças
projeto morrer. Afinal, esse é o principal meio
corporativas da KPMG no Brasil, acredita que as
de ele conseguir se pagar”, analisa o advogado.
debêntures podem servir, principalmente, para
Em projetos que envolvem serviços de utilidade
as SPEs suprirem a carência de crédito que têm
pública, lembra Barreto, não há nem como vender
na fase inicial do projeto, quando não costumam
os ativos. Entrar na seara da desconsideração
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project finance
mais confortáveis. Foi o que fez a
da personalidade jurídica com
concessionária Ecopistas, sociedade
o intuito de atacar o patrimônio
de propósito específico montada pela
dos sócios do projeto ta mbém
Ecorodovias Concessões para admin ã o é u m c a m i n h o p r ov áve l .
nistrar e operar o Sistema Ayrton
“Os credores só teriam esse direito
Senna/Carvalho Pinto, ligação da
se houvesse indício de operação
região metropolitana de São Paulo
fraudulenta”, esclarece Erik Oioli,
com o Vale do Paraíba. Em sua emissócio do escritório Vaz, Barreto,
A SPE é
são de debêntures realizada no mês
Sh i n g a k i & O iol i A d vo g a do s .
interessante
passado, a Ecopistas captou R$ 350
Por isso é importante o investiquando o risco da
milhões para refinanciar uma emisdor avaliar bem onde está pisando
patrocinadora não
são de notas promissórias. Os títulos
antes de se tornar credor de uma
é bom, mas o do
têm vencimento de cerca de 12 anos.
SPE. É preciso ficar atento a quem
projeto é
Diferentemente da emissão da
são os patrocinadores por trás do
Rota das Bandeiras, cujas garanprojeto e qual será a empresa restias eram limitadas ao projeto, a
ponsável por fazer a construção das
oferta da Ecopistas prevê uma fiança temporária
obras, porque atrasos podem complicar o fluxo de
oferecida pela Ecorodovias Concessões, patropagamentos. Além disso, projetos que ainda não
cinadora do empreendimento. A fiança deve ser
foram erguidos (denominados, em inglês, de greenliberada quando a Ecopistas tiver cumprido com
field) costumam ser mais arriscados do que aqueles
cláusulas financeiras restritivas de alavancajá executados. Na seção de fatores de risco do prosgem por um período de 24 meses consecutivos.
pecto, é possível ter uma boa ideia dos problemas
Segundo projeções da Moody’s, agência de rating
que os debenturistas podem enfrentar. A Rota das
que classificou o risco da oferta, a Ecopistas não
Bandeiras alerta os investidores, por exemplo, para
será capaz de cumprir essas obrigações antes
o fato de as ações da SPE dadas em garantia não
de 2015, devido aos investimentos elevados que
terem liquidez. Registrada na Comissão de Valoprecisa fazer. Após esse período, o crescimento
res Mobiliários (CVM) como companhia aberta
esperado nos volumes de tráfego deve fortalecer
de categoria B, as ações da concessionária não
a geração de caixa da empresa e diminuir sua
podem ser negociadas em mercados regulamenalavancagem.
tados de valores mobiliários. “É uma mudança de
Oferecer uma garantia acessória é uma maparadigma, na qual o investidor deixa de analisar
neira de aumentar o rating dessas emissões.
companhias e começa a analisar projetos”, observa
A Moody’s, em seu relatório, destaca que as noDiego Carneiro Barreto, professor de finanças na
tas Ba1, na escala global, e Aa2.br, na nacional,
pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV).
atribuídas aos R$ 350 milhões em debêntures
seniores emitidos pela Ecopistas estão um nível
garantia acessória — Apesar de o financiamento
acima da avaliação da própria SPE para refletir
do tipo “non-recourse” ser o mais habitual, nada
a fiança solidária da Ecorodovias Concessões.
impede que os patrocinadores do projeto emitam
A Moody’s afirma que o histórico limitado dessa
debêntures com uma garantia acessória, como
concessão recém-adquirida, o elevado nível de
uma fiança, com o objetivo de deixar os credores
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7kZ_jeh_W?dZ[f[dZ[dj[
7kZ_jeh_W?dj[hdW
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9edikbjeh_WJh_Xkj|h_W
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nnn%Zfe]`XeZ\Xl[`k%Zfd%Yi
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ras, cujo contrato de concessão é
endividamento e os altos investireajustado por esse mesmo fator.
mentos nos próximos cinco anos
S er g io Br on stei n, só cio do
limitam o rating da Ecopistas, asVeira no Advogados, f ir ma que
sim como a forte competição com
assessorou a Rota das Bandeiras
uma rota alternativa, a Rodovia
na emissão de debêntures, revePresidente Dutra, operada pela
la que, atualmente, possui dois
NovaDutra.
clientes interessados em montar
C on sider a ndo a s mel hor ia s
debêntures similares à da concesq ue p r e c i s a r ão s e r feit a s n a s
Oferecer uma
sionária. Para que esse mercado
rodovias existentes e a construgarantia acessória
floresça, é preciso, antes de tudo,
ção de novas pistas, a Moody’s
é uma maneira de
que oferta e demanda se enconestima que a Ecopistas terá um
aumentar o rating
trem. Uma política econômica
custo de cer c a de R $ 60 0 m idas emissões
capaz de reduzir as taxas de juros
lhões nos seis primeiros anos de
dos títulos públicos é vital para o
concessão. O BNDES deverá fimercado de dívida privado ganhar
nanciar aproximadamente 60 %
atratividade entre os investidores. O governo,
das necessidades de investimento. No fim de
contudo, já sinalizou que o combate à inflação
2010, o ba nco apr ovou u m empr é st i mo de
deve exigir uma alta dos juros. Desde o início
longo prazo de R$ 355,4 milhões, que compardo ano, a Selic aumentou 1 ponto percentual.
tilhará as mesmas garantias das debêntures.
Considerando o cronograma acelerado de
O diretor financeiro da Rota das Bandeiras
projetos que terão de ser cumpridos nos próximos
lembra que conseguir um rating alto nessas emisanos, é quase impensável o mercado de capitais
sões é fundamental quando os investidores-alvo
não ajudar o BNDES na tarefa de financiar novas
da oferta são fundos de pensão. “As fundações
obras. A Associação Brasileira da Infraestrutura
não podem adquirir papéis com qualquer classifie Indústria de Base (Abdib) calcula que, até o
cação de risco. Há um rating mínimo que precisa
fim do governo Dilma, o Brasil precisará invesser respeitado”, diz Barbosa. Os fundos de investir R$ 160 bilhões por ano em infraestrutura.
timento, as entidades de previdência privada e
“O BNDES sempre vai ter um papel relevante no
as seguradoras foram os principais compradores
financiamento de projetos dessa natureza. Mas o
da oferta da concessionária. Segundo o diretor, o
mercado de capitais tem capacidade de oferecer
pagamento de taxa de juros prefixada, vinculada
crédito em quantidade muito maior que o banco
a índice de preço, caiu como uma luva tanto para
estatal. Estamos falando da poupança pública do
as fundações, que têm sua meta atuarial corriPaís todo”, ressalta Barreto, do Souza Cescon.
gida pelo IPCA, quanto para a Rota das Bandei-
Sob certas condições
Conheça as características que as debêntures de projeto precisam ter para usufruir o pacote do governo
• Captar recursos para áreas tidas como prioritárias pelo Poder Executivo Federal. Por exemplo: energia, transporte,
água e saneamento;
• Ser emitida até dezembro de 2015;
• Ter remuneração por taxa de juros prefixada, vinculada a índice de preço ou a taxa referencial (TR);
• Prazo médio superior a quatro anos;
• Vedação à recompra do papel pelo emissor nos dois primeiros anos após a sua emissão;
• Inexistência de compromisso de revenda assumido pelo comprador;
• Se houver prazo de pagamento periódico de rendimentos, os intervalos devem ser, no mínimo, de 180 dias;
• Demonstrar o objetivo de alocar os recursos captados em empreendimentos de infraestrutura. De acordo com a
Resolução, os projetos devem trazer uma descrição que explicite: seu objetivo; o prazo estimado para o seu início e
fim ou, para os projetos em curso, a descrição da fase em que se encontram e a estimativa do encerramento; o volume
estimado dos recursos financeiros necessários para sua realização; e o percentual que se estima captar com a emissão
dos títulos ou valores mobiliários, frente às necessidades de recursos do projeto.
Fonte: MP 517/10 e Resolução 3.947
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