Dr. Carlos Alberto dos Santos Dutra,
Carlito Advocacia
CPF 207.452.730-68 OAB-MS nº 10.179
Rua Jeremias Borges, 760 Centro Caixa Postal nº 11 CEP 79670-000 Brasilândia-MS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DEFENSOR PÚBLICO DA VARA
ÚNICA DA COMARCA DE BRASILÂNDIA, ESTADO DE MATO GROSSO
DO SUL.
AUTOS nº 030.10.001812-2
Ação: Homicídio Doloso
Réu: João Carlos de Souza
Vítima: Pedrinho Isnarde
CARLOS ALBERTO DOS SANTOS DUTRA, brasileiro, casado,
portador da cédula de identidade RG nº 08.004.400.597 SSP-RS,
inscrito no CPF nº 207.452.730-68, advogado, especialista e mestre
em História (UFMS), tendo atuado como antropólogo colaborador no
GT 661/91/Funai Identificação da Área Indígena Ofaié Xavante,
portanto, especialista da cultura e etno-história dessa comunidade
indígena, vem, mui respeitosamente, perante a presença de Vossa
Excelência, com fundamento no art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da
Constituição Federal, peticionar em favor do Réu supracitado.
Para tanto, encaminha o DVD intitulado “O silêncio de Hantogrê”, em anexo, contendo duas pequenas entrevistas recolhidas por
este pesquisador, com o depoimento de Maria Aparecida de Souza
(Hanto-grê), genitora do réu João Carlos de Souza (Can-rê), que narra
na língua Ofaié a agressão sofrida e que deu causa ao homicídio
praticado por seu filho, sendo sua fala foi mediada por uma
intérprete da própria aldeia, Joana Coimbra, na presença de
funcionário da FUNASA e membros da comunidade.
Fone/Fax: (67) 546-1300 Cel (67) 9967-3300
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Espera, assim, que o apresentado, a vosso critério, possa ser
juntado nos autos como prova, e quiçá, valha como subsídio para a
defesa do jovem indígena João Carlos de Souza que, à semelhança
de sua mãe deverá ser considerado semi-imputável. Nesse sentido, a
apresentação de um Laudo Antropológico, poderá atestar que o réu
pode ser assim considerado, uma vez que visivelmente não apresenta
capacidade plena de entender os complexos mecanismos de nossa
sociedade 1.
Razão pela qual, preventivamente, apela ao ínclito Defensor
Público, para o caso de uma eventual condenação, seja requerido ao
douto Magistrado que o Réu não seja trancafiado em uma cela,
juntamente com marginais de alta periculosidade, conforme
recomenda a Lei n.º 6.001/73 e seu art. 56 (in verbis):
“No caso de condenação de índio por infração penal, a pena
deverá ser atenuada e na sua aplicação, o juiz atenderá
também ao grau de integração do silvícola. Parágrafo único. As
penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível,
em regime especial de semiliberdade, no local de
funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais
próximo da habitação do condenado”.
1
- “Desde que não tenha sido declarado integrado por sentença e, portanto, emancipado, com o devido processo previsto
no art. 9.º e 10.º da Lei n.º 6.001/73, presume-se que o índio não possua capacidade plena, podendo ser relativamente
incapaz e, portanto, semi-imputável, ou inimputável, não tendo capacidade de entender o caráter ilícito dos fatos, o que
deverá ser objeto de investigação através de perícia antropológica, para somente depois poder determinar sua
responsabilidade penal. Vê-se, portanto, que se trata de uma presunção relativa, podendo haver prova em contrário,
através da referida perícia antropológica, que no caso, entendemos deveria ser requerida pelo Ministério Público, em razão
de ser o titular da pretensão punitiva do Estado. Isto porque, não havendo prova de integração, a presunção legal é de falta
de capacidade de entender, em virtude das diferenças culturais. O que não pode haver é presunção de capacidade plena
para punir qualquer índio como se fosse um indivíduo plenamente integrado. A perícia tem o fim de averiguar o grau de
compreensão do silvícola em relação aos nossos costumes e leis”. In.
http://www.funai.gov.br/procuradoria/docs/Apela%E7%E3o%20Exequiel%20Artigo%20157.doc,
acesso
em
03.03.2011.
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Arrimo da mãe, desde o falecimento do irmão mais velho,
Sebastião de Souza 2, vitima de meningite e tuberculose em 1988 e
do pai, Eduardinho de Souza, vitima de doença neoplásica, em 1999,
o réu tem sido o esteio da mãe, Maria Aparecida de Souza, que está
praticamente cega, vítima da diabete, e que enfrenta rigoroso
tratamento em função da remoção de um tumor cancerígeno no
pescoço, recentemente. É ele que cozinha para ela e ajuda a alcançar
o alimento e na lide de casa, além de manter uma pequena roça de
subsistência, de mandioca e banana, ao redor de casa.
Isso poderá ser observado no teor da 2ª entrevista concedida
por Hanto-grê a este pesquisador, ora requerente.
Em que pese a FUNAI tenha sido intimada (Fls. 14) a patrocinar
a defesa deste indígena e permaneceu silente, em face do disposto
nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal, Vossa Excelência há
de observar que o ocorrido não autorizava a decretação da prisão
preventiva do indiciado, uma vez que era primário, tinha residência
fixa e bons antecedentes.
Desnecessário dizer também que o acusado agiu de forma
legítima, pois sofreu provocação injusta do agressor, e buscou com
seu gesto, salvaguardar a integridade física, sobretudo de sua mãe,
momento em que suas ações foram tomadas por violenta emoção.
Neste sentido, reconhece a jurisprudência:
“Legitima defesa é reação humana, que não pode ser medida
com transferidor, milimetricamente (TJSP, RJTJSP 101/447; RT
604/327; RJTJSP 69/344).
2
- Maiores informações sobre e etno-história Ofaié ver: http://dutracarlito.vilabol.uol.com.br/sebastiao1.htm, acesso em
03.03.2011.
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E ainda: “Ao reagir a uma injusta agressão, ninguém pode exigir
que o agente controle a quantidade de golpes que vai desferir,
pois neste instante os sentimentos jorram desmedidamente”
(TJES, RT 636/322).
Suplica, por fim, os benefícios da Convenção 169/891 da OIT,
regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 5.051, de 19.04.2004,
em especial os artigos 8, 9 e 10 3, de modo a garantir os direitos
desse indígena, o que fazemos por dever altruísta de cidadania e
humanidade.
Termos em que,
Pede e Espera Deferimento.
Brasilândia, 03 de Março de 2011.
Dr. Carlos Alberto dos Santos Dutra
OAB/MS n.º 10.179.
3
o
- “Artigo 8 - 1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus
costumes ou seu direito consuetudinário. 2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e instituições
próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional
nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário, deverão ser estabelecidos
procedimentos para se solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste principio. 3. A aplicação dos parágrafos
1 e 2 deste Artigo não deverá impedir que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para todos os
o
cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes. Artigo 9 - 1. Na medida em que isso for compatível com o
sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos
aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros.
2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem sobre questões penais deverão levar em conta os
costumes dos povos mencionados a respeito do assunto. Artigo 10 - 1. Quando sanções penais sejam impostas pela
legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas,
sociais e culturais. 2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento”. In.
http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/Legis/Decreto/5051_04.html, acesso em 03.03.2011.
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A Petição - O Povo Indígena Ofaié