FILOSOFIA MARTA DUWE PUC-PARANÁ Outubro/2 012 EDITAL PUC-PR PROVA DE FILOSOFIA OBJETIVO: AVALIAR A CAPACIDADE EM COMPREENDER ASPECTOS QUE ENVOLVEM A EXISTÊNCIA HUMANA: A ÉTICA, A POLÍTICA E O CONHECIMENTO. TEXTOS INDICADOS: HANS JONAS. O Princípio Responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. (Cap. 1). Rio de Janeiro: Contaponto, 2006. PLATÃO. Apologia de Sócrates. (Coleção Os Pensadores) ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Coleção Os Pensadores. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. Páginas 227 a 282. HANS JONAS O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. (Cap. 1) HANS JONAS 10 Maio 1903 Alemão de origem judaica Discípulo de Heidegger: 1921, recém-formado, Universidade de Freiburg; 1924, Universidade de Marburg 1931: Doutorado sob orientação de Rudolf Bultmann 1934: emigração forçada (nazismo) Israel: sionista e participação no exército e organização do novo Estado 5 Fevereiro 1993 HANS JONAS: 3 FASES 1921-1933: Discípulo de Heidegger => abertura do Ser para possibilidades 1966: livro “O fenômeno da vida – rumo a uma biologia filosófica” (Português em 2005) 1979: “O princípio responsabilidade – ensaio de uma ética para a civilização tecnológica” Essa obra foi traduzida para o inglês pelo próprio autor somente em 1984. PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE Alemão: 1979 Português: 2006 O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE: ENSAIO DE UMA ÉTICA PARA A CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA. • 6 CAPÍTULOS • CAPÍTULO I- ANÁLISE DAS DIFERENTES PERSPECTIVAS ÉTICAS CLÁSSICAS E MODERNAS • NOVE TÓPICOS • PROCURA DEMONSTRAR COMO AS PERSPECTIVAS CLÁSSICAS E MODERNAS NÃO LIDAM COM A POSSIBILIDADE DO FUTURO OU COM A VIDA POTENCIAL E SEU DIREITO À EXISTÊNCIA. HANS JONAS “...o homem passou a manter com a natureza uma relação de responsabilidade, pois ela se encontra sob seu poder. [...] Esse novo poder da ação humana impõe alterações na própria natureza da Ética”. No Brasil, o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que trata do meio ambiente, recepcionou este ideário ao dizer que ao “Poder Público e à coletividade [impõe-se] o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e as futuras gerações”. CAPÍTULO 1 A NATUREZA MODIFICADA DO AGIR HUMANO 9 TÓPICOS I A IX I O EXEMPLO DA ANTIGUIDADE 1. HOMEM E NATUREZA 2. A OBRA HUMANA DA “CIDADE” O homem, na sua relação com a natureza, consegue irromper dela e mesmo dominá-la e, assim, construir uma casa para sua própria existência humana, isto é, a cidade. Esta está destinada a cercar-se e não a expandir-se, e ao mesmo tempo se distingue de todo o resto das coisas por necessitar de cuidados. A cidade é o microcosmo onde as relações interhumanas, e somente essas, se realizam. Há aqui os indícios da dicotomia estabelecida entre a esfera propriamente humana e a esfera extra-humana. A primeira dessas encontra-se regida por mecanismos tipicamente humanos, como a ética, a política, a educação... Fatores esses que visam estabelecer uma ordem necessária à realização da vida que seja digna de ser chamada de humana. A segunda, todavia não necessitaria de um trato humano, pois ela cuidava de si mesma. Antes do tempo que se vive hoje, as interferências do ser humano na natureza, tal como ele próprio as via, eram essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar um equilíbrio firmemente assentado. (p. 32) A natureza não era objeto da responsabilidade humana, por isso, diante dela eram úteis a inteligência e a inventividade, não a ética. (p.34) Mas na “cidade”, isto é, no artefato social onde homens lidam com homens, a inteligência deve casar-se com a moralidade. (Ética TRADICIONAL) A responsabilidade pelos efeitos da arte humana (techne) tinha a cidade como sua jurisdição, da qual a natureza extrahumana ficava alheia. O ser humano interferiu, e de maneira significativa, na natureza, querendo dominá-la, explorando-a. Desde então, ocorreram as grandes mudanças econômicas da história, quando várias forças sociais e tecnológicas se juntaram para criar uma nova matriz operacional. A violação da natureza e a civilização do ser humano caminham de mãos dadas. II CARACTERÍSTICAS DA ÉTICA ATÉ O MOMENTO PRESENTE CARACTERÍSTICAS DAS ÉTICAS TRADICIONAIS: 1) O lugar da ética era a polis, isto é, relação do homem com a cidade. A atuação sobre objetos não humanos não formavam um domínio eticamente significativo; 2) Antropocentrismo: a ética se detém somente na relação intra-humana, inclusive o de cada homem consigo mesmo; 3) O homem era considerado constante quanto à sua essência, não sendo objeto da techne; 4) Os efeitos das ações eram consideradas somente nas coordenadas espaciais da comunidade. A ética tinha a ver com o aqui e agora, como as ocasiões se apresentavam aos homens, sendo o homem bom o que se defrontava virtuosa e sabiamente com essas ocasiões; 5) reciprocidade, expresso sobretudo em máximas como a que diz: “ama o teu próximo como a ti mesmo”. Nessas máximas, aquele que age e o “outro” de seu agir são partícipes de um presente comum. A ÉTICA DO PASSADO 1º- Todo o trato com o mundo extra-humano, ou melhor, o domínio da techne (habilidade) era eticamente neutro, considerando-se tanto o objeto como o sujeito de tal agir. A partir do objeto, porque a arte só afetava superficialmente a natureza das coisas; a partir do sujeito, porque a techne, como atividade, compreendia-se como um atributo determinado pela necessidade e não como um progresso que se auto-justificava. 2º- A significação ética era reduzida ao relacionamento direto do ser humano para com outro ser humano, da relação do ser humano para consigo mesmo. Em suma, toda ética tradicional é antropocêntrica. (p. 35) 3º- A entidade “homem” (ser humano) e sua condição fundamental eram consideradas como constante quanto à sua essência, não sendo objeto da techne. 4º- O bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar, evidenciavamse na ação, seja na própria práxis ou em seu alcance imediato, e para tanto não se requeria um planejamento a longo prazo. As inúmeras consequências ficavam ao critério do acaso, do destino. Desta maneira, a ética tinha a ver com o aqui e o agora, com as situações recorrentes e típicas da vida privada e pública. 5º- Todos os mandamentos e máximas da ética tradicional, demonstram um confinamento ao círculo imediato da ação. “Faze aos outros o que gostarias que eles fizessem a ti”. Aquele que age e o “outro” de seu agir são partícipes de um presente comum. Presume-se assim, que o universo moral consiste nos contemporâneos, e o seu horizonte futuro limita-se à extensão previsível do tempo de suas vidas. Com relação ao horizonte espacial do lugar ocorre algo semelhante, no qual o que age e o outro se encontram como vizinhos, amigos ou inimigos. III NOVAS DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE 1. A VULNERABILIDADE DA NATUREZA 2. UM NOVO PAPEL DO SABER NA MORAL 3. UM DIREITO MORAL PRÓPRIO DA NATUREZA? Crescente domínio do FAZER COLETIVO, onde o ator, ação e efeito NÃO são mais os mesmos da esfera próxima, impõe à ética um novo repensar, uma nova dimensão nunca antes sonhada, aqui denominada responsabilidade. (p. 39) A cumulação, não contente em modificar o seu início até a desfiguração, pode até mesmo destruir a condição fundamental de toda a sequência, o pressuposto de si mesma. Tudo isso deveria estar compreendido na vontade do ato singular, caso este deva ser moralmente responsável (p. 40). Sendo assim, o novo papel do saber na moral consiste numa ÉTICA QUE RECONHECE SUA IGNORÂNCIA E OBRIGA O SABER VIGENTE A SE AUTOCONTROLAR FRENTE AO EXCESSIVO PODER HUMANO que constitui a era tecnológica. Até então, nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. (p. 41) Não só o bem humano, mas também o bem das coisas extra-humanas: Ampliar o reconhecimento de “fins em si” para além da esfera do humano. Uma vez que a integridade humana é ameaçada, esse apelo mudo, faz com que a humanidade comece a pensar sobre a plenitude ameaçada do mundo. Devese ouvi-lo e reconhecer sua exigência como obrigatória. (p. 42). IV TECNOLOGIA COMO VOCAÇÃO DA HUMANIDADE 1. HOMO FABER ACIMA DO HOMO SAPIENS 2. A CIDADE UNIVERSAL COMO SEGUNDA NATUREZA E O DEVER SER DO HOMEN NO MUNDO 1. HOMO FABER ACIMA DO HOMO SAPIENS A TECHNÉ, que tinha objetivos pragmáticos limitados, a serviço da necessidade do homem, ultrapassou-os, tornando-se, de meio, em fim em si mesmo. A techné, na sua versão moderna, pressiona para um avanço ilimitado, busca incessante de superação de si mesma. O triunfo do homo faber sobre o seu objeto externo significa, ao mesmo tempo, o seu triunfo na constituição interna do homo sapiens, do qual ele outrora costumava ser uma parte servil. Em outras palavras, mesmo desconsiderando suas obras objetivas, a tecnologia assume um significado ético por causa do lugar central que ela agora ocupa subjetivamente nos fins da vida humana (p. 43). 2. A CIDADE UNIVERSAL COMO SEGUNDA NATUREZA E O DEVER SER DO HOMEN NO MUNDO Antes, o homem não tinha responsabilidade pela natureza, já que ele não a ameaçava. Contudo, a tecnologia, com seus poluentes, ácidos, plásticos, gases, colocam-na em risco. Desaparecem as fronteiras entre cidade e natureza. Modifica-se a dinâmica da liberdade do homem em relação à natureza. Relação que passa a ser objeto de legislação. Ele passa a ser responsável e surge uma segunda “natureza”, a cidade global. O mesmo homem que atenta contra a natureza é o que tem obrigação de protegê-la. Tudo isto acarreta alteração na ética. A ética se torna pública. Se a esfera do produzir invadiu o espaço do agir essencial, então a moralidade deve invadir a esfera do produzir, da qual ela se mantinha afastada anteriormente, e deve fazê-lo na forma de política pública. A POLÍTICA PÚBLICA tem que responder a um novo imperativo: da responsabilidade do homem frente ao seu futuro (individual ou coletivo), bem como da própria natureza. A mudança no agir humano modifica a política. (p. 44) A fronteira entre “estado” e “natureza” foi suprimida: a cidade dos homens espalha-se sobre a totalidade da natureza terrestre e vai pouco a pouco usurpando o seu lugar. O natural vai sendo tragado pela esfera do artificial; simultaneamente as obras humanas que se transformaram em mundo, agindo sobre ele e por meio dele, criaram um novo tipo de “natureza”. (p. 45) V VELHOS E NOVOS IMPERATIVOS KANT O IMPERATIVO CATEGÓRICO DE KANT dizia: HAJA DE MODO QUE TU TAMBÉM POSSAS QUERER QUE TUA MÁXIMA SE TORNE LEI UNIVERSAL. “Para saber o que [...] devo fazer para que minha vontade seja moral, para tanto não preciso de nenhuma perspicácia de longo alcance. Inexperiente na compreensão do percurso do mundo, incapaz de preparar-me para os incidentes sucessivos do mesmo, ainda assim posso saber como devo agir em conformidade com a lei moral”. (Fundamentação da metafísica dos costumes, prefácio) O NOVO IMPERATIVO, adequado ao novo tipo de agir humano, é expresso nas seguintes proposições: “Aja de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”. ou ainda, formulado negativamente: “Aja de modo que os efeitos de tua ação não sejam destrutivos para a possibilidade de uma tal vida”. Ainda neste contexto o imperativo poderia ser assim expresso, de modo simples: “Não ponha em perigo as condições necessárias para a conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”. ou também, positivamente: “Inclua na tua opção presente a futura integridade do ser humano como um dos objetos do teu querer” (p. 47-48). O IMPERATIVO KANTIANO era voltado para o INDIVÍDUO e seu critério era MOMENTÂNEO. ENTENDE-SE QUE O PRINCÍPIO NÃO É DA RESPONSABILIDADE E SIM DA CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA DA OBJETIVA, AUTODETERMINAÇÃO HUMANA. É evidente que o imperativo elaborado por Jonas volta-se muito mais à política pública do que à conduta privada. O novo imperativo clama por outra coerência: não a do ato consigo mesmo, mas a dos seus efeitos finais para a continuidade da atividade humana no futuro. [...] as ações subordinadas ao novo imperativo, ou seja, as ações do todo coletivo, assumem a característica de universalidade na medida real de sua eficácia. Elas “totalizam” a si própria na progressão de seu impulso, desembocando forçosamente na configuração universal do estado das coisas. (p.49) Convém salientar que a reflexão básica da moral não é propriamente moral, mas lógica: “poder” ou “não poder”, expressando autocompatibilidade ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou desaprovação. Não existe nenhuma contradição na ideia de que a humanidade cesse de existir. O SACRIFÍCIO DO FUTURO EM PROL DO PRESENTE NÃO É LOGICAMENTE MAIS REFUTÁVEL DO QUE O SACRIFÍCIO DO PRESENTE A FAVOR DO FUTURO. (p. 47) O novo imperativo diz que se pode arriscar a própria vida, mas não o da humanidade. Que o ser humano não tem o direito de escolher a não-existência de futuras gerações em função da existência da atual, ou mesmo de as colocar em risco. (p.48) VI ANTIGAS FORMAS DA “ÉTICA DO FUTURO” 1. ÉTICA DA CONSUMAÇÃO NO MAIS ALÉM 2. RESPONSABILIDADE DO ESTADISTA COM O FUTURO 3. A UTOPIA MODERNA 1. CONSUMAÇÃO NO MAIS ALÉM Postulava o futuro como o lugar do valor absoluto, acima do presente, reduzindo este último a uma mera preparação para aquele. É uma ética da imediaticidade e da simultaneidade; Falta também o elo causal, necessário ao pensamento ético, entre a ação e o resultado (esperado), já que este não é entendido como resultado da renúncia do mundo do aqui-e-agora, mas apenas prometido como compensação em outro lugar (p. 52). ALÉM DA IMPUTABILIDADE DA RESPONSABILIDADE PELOS ATOS, É PRECISO LIMITAR OS PODERES DO PROGRESSO TÉCNICO, OU SEJA, PODER “CORRIGIR SEUS PRÓPRIOS EFEITOS” (P. 51) 2. RESPONSABILIDADE DO ESTADISTA COM O FUTURO Jonas observa que o mérito de um legislador está na capacidade de fazer durar a sua criação e não no planejamento antecipado de qualquer coisa que se transformará em realidade apenas para os pôsteres e que é inatingível aos presentes. Mas, um governo será bom se tiver como consequência aquilo que é bom hoje e em qualquer tempo. O estadista precisa de sabedoria e moderação, de forma a construir no presente uma possibilidade igual para o futuro. “A ação política possui um intervalo de tempo de ação e de responsabilidade maior do que aquele da ação privada , mas, na concepção pré-moderna, a sua ética não é nada mais do que uma ética do presente, embora aplicada a uma forma de vida de duração mais longa”(p.54). 3. A UTOPIA MODERNA Relativamente à ESCATOLOGIA RELIGIOSA tem-se o exemplo do messianismo, que vincula a vinda do mestre, por decreto divino, ao comportamento do homem na medida em que ele pode tornar-se digno de tal evento, por meio das normas que lhe foram impostas. Ou seja: o futuro está condicionado ao presente por uma questão de fé. Ainda aqui se trata de uma ética do presente, não do futuro. Quanto à FILOSOFIA MARXISTA, porém, o agir se dá em vista de um futuro que nem os atores, nem as vítimas, nem os contemporâneos irão usufruir. A ÉTICA DA ESCATOLOGIA REVOLUCIONÁRIA VÊ A SI MESMA COMO UMA ÉTICA DE TRANSIÇÃO, ENQUANTO A ÉTICA AUTÊNTICA, AINDA ESSENCIALMENTE DESCONHECIDA, SÓ PODERÁ VIGORAR DEPOIS QUE AQUELA TIVER CRIADO AS CONDIÇÕES PARA TANTO E, COM ISSO, ABOLIDO A SI PRÓPRIA (p. 56). A crítica de Jonas é que toda ética anterior se orientava pelo presente, como uma ética do simultâneo, usando diferentes formas éticas no passado, a saber: 1) ética da consumação do mais-além, que postulava o futuro como o lugar do valor absoluto, acima do presente, reduzindo este último a uma mera preparação para aquele. É uma ética da imediaticidade e da simultaneidade; 2) a responsabilidade do estadista com o futuro, isto é, a preocupação previdente do legislador e do estadista com o bem futuro da comunidade. O melhor Estado, assim se imaginava, é também o melhor para o futuro, pois o seu equilíbrio interno atual garante o futuro; evidentemente, ele será também o melhor Estado no futuro, pois os critérios de uma boa ordem não se modificam, já que a natureza humana não se modifica. Por isso, o legislador não propõe o Estado perfeito em termos idéias, mas o melhor em termos reais, isto é, o melhor Estado possível, tão possível e tão ameaçado hoje quanto o será no futuro. A sua ética não é nada mais do que uma ética do presente, embora aplicada a uma forma de vida de duração mais longa; 3) a utopia moderna, cujo fenômeno é inteiramente moderno e pressupõe uma escatologia dinâmica da história, desconhecida no passado. Para estes estava por ser dado o último passo em direção a uma ética da história que fosse imanente ao mundo e utópica. Jonas ressalta que, somente com o progresso moderno, como fato e idéia, surge a possibilidade de se considerar que todo o passado é uma etapa preparatória para o presente e de que todo presente é uma etapa preparatória para o futuro. Todas essas “éticas” tem a ver com as possibilidades utópicas dessa tecnologia. VII O HOMEN COMO OBJETO DA TÉCNICA 1. PROLONGAMENTO DA VIDA 2. CONTROLE DE COMPORTAMENTO 3. MANIPULAÇÃO GENÉTICA 1. PROLONGAMENTO DA VIDA Fato fundamental: a mortalidade do homem: Quem alguma vez precisou se decidir sobre qual seria sua duração desejável ou opcional? Hoje, porém, certos progressos na biologia celular nos acenam com perspectiva de atuar sobre os processos bioquímicos de envelhecimento, ampliando a duração da vida humana, talvez indefinidamente. A morte não parece mais ser uma necessidade pertinente a natureza do vivente, mas uma falha orgânica evitável; suscetível, pelo menos, de ser em principio tratável e adiável por longo tempo (p. 58). Também se deveria considerar o papel do memento mori na vida de cada indivíduo. Como ele seria afetado pelo fato de que o momento dessa morte possa se prolongar indefinidamente? Talvez todos nós necessitemos de um limite inelutável de nossa expectativa de vida para nos incitar a contar os nossos dias e fazer com que eles contem para nós (p. 59). 2. CONTROLE DO COMPORTAMENTO Libertar doentes mentais de sintomas dolorosos e perturbadores parece ser algo benfazejo. Porém, uma discreta transição leva do alívio do paciente a aliviar a sociedade da inconveniência de comportamentos individuais difíceis entre seus membros. Isso significa a transição da aplicação médica para o social e abre um campo indefinível, que contém potencialidades inquietantes. 3. MANIPULAÇÃO GENÉTICA – o controle dos homens genéticos futuros. Esse sonho ambicioso do homo faber, condensado na frase de que homem quer tomar em suas mãos a sua própria evolução, a fim não meramente de conservar a espécie em sua integridade, mas de melhorá-la e modificá-la segundo seu próprio projeto. Mas, quem serão os criadores de imagens, conforme tais modelos com base em qual saber? Aqui cabe também a pergunta sobre o direito moral de fazer experimentos com seres humanos futuros. Essas perguntas e outras semelhantes, que exigem uma resposta antes que nos deixemos levar a uma viagem ao desconhecido, mostram de forma contundente até que ponto o nosso poder de agir nos remete para além dos conceitos de toda ética anterior (p. 61). Companhias biotecnológicas que estão concentrando seus esforços no novo campo da engenharia do tecido e da fabricação de órgãos humanos. O maior impacto das mudanças na biologia molecular se dá nos campos da terapia do gene e do teste genético. O Projeto Genoma Humano (PGH) Em abril de 1997, os pesquisadores da Case Western Reserve University Medical School em Cleveland, Ohio, anunciaram o primeiro cromossomo humano artificial. Uma outra mudança está acontecendo nas novas descobertas tecnológicas de reprodução. Fazem parte dessas novas tecnologias o congelamento e o estoque do esperma e embriões por muito tempo; técnicas de fertilização in vitro, transplante de embrião e o surgimento de mães de aluguel. VIII A DINÂMICA “UTÓPICA” DO PROGRESSO TÉCNICO E O EXCESSO DE RESPONSABILIDADE Quando a natureza nova do agir humano exige uma nova ética de responsabilidade de longo alcance, proporcional à amplitude do poder humano, ela então exige uma nova espécie de HUMILDADE: – uma humildade não como a do passado, em decorrência da pequenez, mas em decorrência da excessiva grandeza do poder humano, pois HÁ UM EXCESSO DESSE SEU “PODER DE FAZER” SOBRE O SEU “PODER DE PREVER” E SOBRE O SEU “PODER DE CONCEDER VALOR E JULGAR”. (p. 63). A dúvida quanto à capacidade do governo representativo em dar conta das novas exigências, segundo os seus princípios e procedimentos normais, pois permitem que sejam ouvidos apenas os interesses atuais, que fazem valer a sua importância e exigem ser levados em consideração. (p. 64) Em vista do potencial quase escatológico dos nossos processos técnicos, o próprio desconhecimento das consequências últimas é motivo para má contenção responsável – a melhor alternativa à falta da própria sabedoria (p. 63-64). “NÓS PRECISAMOS DE AMEAÇAS À IMAGEM HUMANA – E DE TIPOS ESPECÍFICOS DE AMEAÇAS – PARA QUE COM O PAVOR SUSCITADO, NÓS CONSIGAMOS ASSEGURAR UMA IMAGEM HUMANA AUTÊNTICA” (p. 63). Pois assim acontece conosco: o reconhecimento do malum nos é infinitamente mais fácil do que o do bonum; é mais imediato, forçoso e muito menos exposto à diferenças de opinião e, acima de tudo, ele não é procurado: a simples presença horrível do mal se nos impõe, enquanto o bem pode permanecer aí discretamente, irrefletido (para o que nós devemos ter uma razão especial) e desconhecido. Sobre o mal nós não temos incertezas quando o experimentamos; sobre o bem temos certeza, na maioria das vezes, quando dele nos desviamos(p. 63-64). De acordo com Jonas, é justamente a partir desta certeza que temos do mal que queremos evitar e a imprecisão e incerteza do bem que queremos – pois, sobre isso muito se discorda –, que devemos delimitar a esfera do exercício de nossa liberdade. A proposta de Jonas é alicerçada, como vimos, em duas críticas fundamentais, isto é, na crítica às éticas tradicionais e na crítica à técnica. Esta última está relacionada a ideia moderna de progresso e ao ideal baconiano de dominação da natureza. Esta dominação operada progressiva e exclusivamente através da técnica constitui-se para o autor na ameaça iminente de autoaniquilação do ser humano. Face a esta ameaça, somente uma postura baseada em novos princípios – aos quais soman-se o temor e a reverência ante o estrago que pode surgir da ação humana – poderá abrir a possibilidade de pensarmos um futuro menos doloroso para a natureza e para as espécies, incluindose aí a espécie humana. Isso significa colocar o problema da tecnologia e da ciência no âmago da reflexão filosófica e ética, pois a ação humana já não pode mais ser pensada sem a técnica e sem o saber científico. Deste modo, por meio da inclusão da relação humana com a natureza e com o futuro desconhecido no cerne das preocupações éticas, o conceito de responsabilidade ganha um novo conteúdo. IX O VÁCUO ÉTICO É somente sob a pressão de hábitos de ação concretos, e de maneira geral do fato de que os seres humanos agem sem que para tal precisem ser mandados, que a ética entra em cena como regulação desse agir, indicando à humanidade, como uma estrela-guia, para aquilo que é o bem ou para o permitido. Agora tememos na nudez de um niilismo no qual o maior dos poderes se une ao maior dos vazios; a maior das capacidades, ao menor dos saberes sobre para que utilizar tal capacidade. Busca-se uma ética que possa controlar os poderes extremos que hoje possuímos e que nos vemos obrigados a seguir conquistando e exercendo. Diante de ameaças iminentes, cujos efeitos ainda podem nos atingir, frequentemente o medo constitui o melhor substituto para a verdadeira virtude e a sabedoria. Porém, até aqui apresentamos a pertinência das pressuposições: o nosso agir coletivo-cumulativotecnológico é de um tipo novo, tanto no que se refere aos objetos quanto sua magnitude. Por seus efeitos, independentemente de quaisquer intenções diretas, ele deixou de ser eticamente neutro. Com isso se inicia a tarefa propriamente dita de se buscar uma resposta (p. 65-66). "Para o filósofo Hans Jonas nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. Para ele, a natureza tem um direito próprio e uma significação ética autônoma, independente da satisfação humana" Suscita muitas polêmicas quanto aos pressupostos evocados pelo pensador alemão: • (1) o medo de ferir as gerações futuras como um princípio ético absoluto, • (2) a tecnologia como uma face onde a possibilidade da catástrofe é maior do que a possibilidade de evitá-la, • (3) as utopias políticas vigentes como incapazes de lidar com o futuro, • (4) a sua leitura das perspectivas éticas clássicas e modernas como relativas exclusivamente às relações éticas presentes ou próximas e incapazes de lidar com a possibilidade da vida futura.