FILOSOFIA
MARTA
DUWE
PUC-PARANÁ
Outubro/2
012
EDITAL PUC-PR
PROVA DE FILOSOFIA
 OBJETIVO:
 AVALIAR A CAPACIDADE EM COMPREENDER
ASPECTOS QUE ENVOLVEM A EXISTÊNCIA
HUMANA:
 A ÉTICA, A POLÍTICA E O CONHECIMENTO.
TEXTOS INDICADOS:
 HANS JONAS. O Princípio Responsabilidade: ensaio
de uma ética para a civilização tecnológica.
(Cap. 1). Rio de Janeiro: Contaponto, 2006.
 PLATÃO. Apologia de Sócrates. (Coleção Os
Pensadores)
 ROUSSEAU, J-J. Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens.
Coleção Os Pensadores. 2 ed. São Paulo: Abril
Cultural, 1978. Páginas 227 a 282.
HANS JONAS
O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE:
Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
(Cap. 1)
HANS JONAS
 10 Maio 1903
 Alemão de origem judaica
 Discípulo de Heidegger: 1921,
recém-formado, Universidade de
Freiburg; 1924, Universidade de
Marburg
 1931: Doutorado sob orientação de
Rudolf Bultmann
 1934: emigração forçada (nazismo)
 Israel: sionista e participação no
exército e organização do novo
Estado
 5 Fevereiro 1993
HANS JONAS: 3 FASES
 1921-1933: Discípulo de
Heidegger => abertura do
Ser para possibilidades
 1966: livro “O fenômeno da
vida – rumo a uma
biologia filosófica” (Português
em 2005)
 1979: “O princípio
responsabilidade – ensaio
de uma ética para a
civilização tecnológica”
 Essa obra foi traduzida
para o inglês pelo próprio
autor somente em 1984.
PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE
Alemão: 1979
Português: 2006
O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE:
ENSAIO DE UMA ÉTICA
PARA A CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA.
• 6 CAPÍTULOS
• CAPÍTULO
I-
ANÁLISE
DAS
DIFERENTES
PERSPECTIVAS ÉTICAS CLÁSSICAS E MODERNAS
• NOVE TÓPICOS
• PROCURA
DEMONSTRAR
COMO
AS
PERSPECTIVAS CLÁSSICAS E MODERNAS
NÃO LIDAM COM A POSSIBILIDADE DO
FUTURO OU COM A VIDA POTENCIAL E SEU
DIREITO
À
EXISTÊNCIA.
HANS JONAS
 “...o homem passou a manter com a natureza uma
relação de responsabilidade, pois ela se encontra
sob seu poder. [...] Esse novo poder da ação
humana impõe alterações na própria natureza da
Ética”.
 No Brasil, o artigo 226 da Constituição Federal de
1988, que trata do meio ambiente, recepcionou
este ideário ao dizer que ao “Poder Público e à
coletividade [impõe-se] o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e as futuras
gerações”.
CAPÍTULO 1
A NATUREZA MODIFICADA
DO AGIR HUMANO
9 TÓPICOS
I A IX
I
O EXEMPLO DA ANTIGUIDADE
1. HOMEM E NATUREZA
2. A OBRA HUMANA DA “CIDADE”
 O homem, na sua relação com a natureza, consegue
irromper dela e mesmo dominá-la e, assim, construir uma
casa para sua própria existência humana, isto é, a
cidade.
 Esta está destinada a cercar-se e não a expandir-se, e
ao mesmo tempo se distingue de todo o resto das coisas
por necessitar de cuidados.
 A cidade é o microcosmo onde as relações interhumanas, e somente essas, se realizam.
 Há aqui os indícios da dicotomia estabelecida entre a
esfera propriamente humana e a esfera extra-humana.
 A primeira dessas encontra-se regida por mecanismos
tipicamente humanos, como a ética, a política, a
educação... Fatores esses que visam estabelecer uma ordem
necessária à realização da vida que seja digna de ser
chamada de humana.
 A segunda, todavia não necessitaria de um trato humano,
pois ela cuidava de si mesma.
 Antes do tempo que se vive hoje, as interferências
do ser humano na natureza, tal como ele próprio
as via, eram essencialmente superficiais e
impotentes
para
prejudicar
um
equilíbrio
firmemente assentado. (p. 32)
 A natureza não era objeto da responsabilidade
humana, por isso, diante dela eram úteis a
inteligência e a inventividade, não a ética. (p.34)
 Mas na “cidade”, isto é, no artefato social onde
homens lidam com homens, a inteligência deve
casar-se com a moralidade. (Ética TRADICIONAL)
 A responsabilidade pelos efeitos da arte humana
(techne) tinha a cidade como sua jurisdição, da qual
a natureza extrahumana ficava alheia.
 O ser humano interferiu, e de maneira
significativa, na natureza, querendo dominá-la,
explorando-a.
 Desde então, ocorreram as grandes mudanças
econômicas da história, quando várias forças
sociais e tecnológicas se juntaram para criar uma
nova matriz operacional.
 A violação da natureza e a civilização do ser
humano caminham de mãos dadas.
II
CARACTERÍSTICAS DA ÉTICA
ATÉ O MOMENTO PRESENTE
 CARACTERÍSTICAS DAS ÉTICAS TRADICIONAIS:
 1) O lugar da ética era a polis, isto é, relação do homem
com a cidade. A atuação sobre objetos não humanos não
formavam um domínio eticamente significativo;
 2) Antropocentrismo: a ética se detém somente na relação
intra-humana, inclusive o de cada homem consigo mesmo;
 3) O homem era considerado constante quanto à sua
essência, não sendo objeto da techne;
 4) Os efeitos das ações eram consideradas somente nas
coordenadas espaciais da comunidade. A ética tinha a ver
com o aqui e agora, como as ocasiões se apresentavam
aos homens, sendo o homem bom o que se defrontava
virtuosa e sabiamente com essas ocasiões;
 5) reciprocidade, expresso sobretudo em máximas como a
que diz: “ama o teu próximo como a ti mesmo”. Nessas
máximas, aquele que age e o “outro” de seu agir são
partícipes de um presente comum.
 A ÉTICA DO PASSADO
 1º- Todo o trato com o mundo extra-humano, ou melhor, o domínio da
techne (habilidade) era eticamente neutro, considerando-se tanto o objeto
como o sujeito de tal agir. A partir do objeto, porque a arte só afetava
superficialmente a natureza das coisas; a partir do sujeito, porque a techne,
como atividade, compreendia-se como um atributo determinado pela
necessidade e não como um progresso que se auto-justificava.
 2º- A significação ética era reduzida ao relacionamento direto do ser
humano para com outro ser humano, da relação do ser humano para
consigo mesmo. Em suma, toda ética tradicional é antropocêntrica. (p. 35)
 3º- A entidade “homem” (ser humano) e sua condição fundamental eram
consideradas como constante quanto à sua essência, não sendo objeto da
techne.
 4º- O bem e o mal, com o qual o agir tinha de se preocupar, evidenciavamse na ação, seja na própria práxis ou em seu alcance imediato, e para
tanto não se requeria um planejamento a longo prazo. As inúmeras
consequências ficavam ao critério do acaso, do destino. Desta maneira, a
ética tinha a ver com o aqui e o agora, com as situações recorrentes e
típicas da vida privada e pública.
 5º- Todos os mandamentos e máximas da ética tradicional, demonstram um
confinamento ao círculo imediato da ação. “Faze aos outros o que
gostarias que eles fizessem a ti”. Aquele que age e o “outro” de seu agir são
partícipes de um presente comum. Presume-se assim, que o universo moral
consiste nos contemporâneos, e o seu horizonte futuro limita-se à extensão
previsível do tempo de suas vidas. Com relação ao horizonte espacial do
lugar ocorre algo semelhante, no qual o que age e o outro se encontram
como vizinhos, amigos ou inimigos.
III
NOVAS DIMENSÕES DA
RESPONSABILIDADE
1. A VULNERABILIDADE DA NATUREZA
2. UM NOVO PAPEL DO SABER NA MORAL
3. UM DIREITO MORAL PRÓPRIO DA NATUREZA?
 Crescente domínio do FAZER COLETIVO, onde o ator,
ação e efeito NÃO são mais os mesmos da esfera
próxima, impõe à ética um novo repensar, uma nova
dimensão nunca antes sonhada, aqui denominada
responsabilidade. (p. 39)
 A cumulação, não contente em modificar o seu
início até a desfiguração, pode até mesmo destruir a
condição fundamental de toda a sequência, o
pressuposto de si mesma. Tudo isso deveria estar
compreendido na vontade do ato singular, caso
este deva ser moralmente responsável (p. 40).
 Sendo assim, o novo papel do saber na moral
consiste numa ÉTICA QUE RECONHECE SUA
IGNORÂNCIA E OBRIGA O SABER VIGENTE A SE
AUTOCONTROLAR FRENTE AO EXCESSIVO PODER
HUMANO que constitui a era tecnológica.
 Até então, nenhuma ética anterior vira-se
obrigada a considerar a condição global da vida
humana e o futuro distante, inclusive a existência
da espécie. (p. 41)
 Não só o bem humano, mas também o bem das
coisas extra-humanas:
 Ampliar o reconhecimento de “fins em si” para
além da esfera do humano.
 Uma vez que a integridade humana é ameaçada, esse
apelo mudo, faz com que a humanidade comece a
pensar sobre a plenitude ameaçada do mundo. Devese ouvi-lo e reconhecer sua exigência como obrigatória.
(p. 42).
IV
TECNOLOGIA COMO VOCAÇÃO
DA HUMANIDADE
1. HOMO FABER ACIMA DO HOMO SAPIENS
2. A CIDADE UNIVERSAL COMO SEGUNDA
NATUREZA E O DEVER SER DO HOMEN NO MUNDO
 1. HOMO FABER ACIMA DO HOMO SAPIENS
 A TECHNÉ, que tinha objetivos pragmáticos limitados,
a serviço da necessidade do homem, ultrapassou-os,
tornando-se, de meio, em fim em si mesmo.
 A techné, na sua versão moderna, pressiona para um
avanço ilimitado, busca incessante de superação de
si mesma.
 O triunfo do homo faber sobre o seu objeto externo
significa, ao mesmo tempo, o seu triunfo na
constituição interna do homo sapiens, do qual ele
outrora costumava ser uma parte servil.
 Em outras palavras, mesmo desconsiderando suas
obras objetivas, a tecnologia assume um significado
ético por causa do lugar central que ela agora ocupa
subjetivamente nos fins da vida humana (p. 43).
 2. A CIDADE UNIVERSAL COMO SEGUNDA NATUREZA
E O DEVER SER DO HOMEN NO MUNDO
 Antes, o homem não tinha responsabilidade pela
natureza, já que ele não a ameaçava. Contudo, a
tecnologia, com seus poluentes, ácidos, plásticos,
gases, colocam-na em risco. Desaparecem as
fronteiras entre cidade e natureza.
 Modifica-se a dinâmica da liberdade do homem
em relação à natureza. Relação que passa a ser
objeto de legislação.
 Ele passa a ser responsável e surge uma segunda
“natureza”, a cidade global. O mesmo homem
que atenta contra a natureza é o que tem
obrigação de protegê-la.
 Tudo isto acarreta alteração na ética. A ética se
torna pública.
 Se a esfera do produzir invadiu o espaço do agir
essencial, então a moralidade deve invadir a esfera do
produzir, da qual ela se mantinha afastada
anteriormente, e deve fazê-lo na forma de política
pública.
 A POLÍTICA PÚBLICA tem que responder a um novo
imperativo: da responsabilidade do homem frente ao
seu futuro (individual ou coletivo), bem como da
própria natureza. A mudança no agir humano modifica
a política. (p. 44)
 A fronteira entre “estado” e “natureza” foi suprimida: a
cidade dos homens espalha-se sobre a totalidade da
natureza terrestre e vai pouco a pouco usurpando o
seu lugar. O natural vai sendo tragado pela esfera do
artificial; simultaneamente as obras humanas que se
transformaram em mundo, agindo sobre ele e por meio
dele, criaram um novo tipo de “natureza”. (p. 45)
V
VELHOS E NOVOS
IMPERATIVOS
KANT
 O IMPERATIVO CATEGÓRICO DE KANT dizia: HAJA DE
MODO QUE TU TAMBÉM POSSAS QUERER QUE TUA
MÁXIMA SE TORNE LEI UNIVERSAL.
 “Para saber o que [...] devo fazer para que minha
vontade seja moral, para tanto não preciso de
nenhuma
perspicácia
de
longo
alcance.
Inexperiente na compreensão do percurso do
mundo, incapaz de preparar-me para os incidentes
sucessivos do mesmo, ainda assim posso saber como
devo agir em conformidade com a lei moral”.
 (Fundamentação da metafísica dos costumes, prefácio)
 O NOVO IMPERATIVO, adequado ao novo tipo de
agir humano, é expresso nas seguintes proposições:
 “Aja de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis
com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a
Terra”.
 ou ainda, formulado negativamente:
 “Aja de modo que os efeitos de tua ação não sejam
destrutivos para a possibilidade de uma tal vida”.
 Ainda neste contexto o imperativo poderia ser assim expresso, de
modo simples:
 “Não ponha em perigo as condições necessárias para a
conservação indefinida da humanidade sobre a Terra”.
 ou também, positivamente:
 “Inclua na tua opção presente a futura integridade do ser
humano como um dos objetos do teu querer” (p. 47-48).
 O IMPERATIVO KANTIANO era voltado para o INDIVÍDUO e seu
critério era MOMENTÂNEO.
 ENTENDE-SE QUE O PRINCÍPIO NÃO É DA RESPONSABILIDADE
E
SIM
DA
CONSTITUIÇÃO
SUBJETIVA
DA
OBJETIVA,
AUTODETERMINAÇÃO HUMANA.
 É evidente que o imperativo elaborado por Jonas volta-se
muito mais à política pública do que à conduta privada.
 O novo imperativo clama por outra coerência: não a do ato
consigo mesmo, mas a dos seus efeitos finais para a
continuidade da atividade humana no futuro. [...] as ações
subordinadas ao novo imperativo, ou seja, as ações do todo
coletivo, assumem a característica de universalidade na
medida real de sua eficácia. Elas “totalizam” a si própria na
progressão de seu impulso, desembocando forçosamente na
configuração universal do estado das coisas. (p.49)
 Convém salientar que a reflexão básica da moral
não é propriamente moral, mas lógica:
 “poder” ou “não poder”, expressando autocompatibilidade
ou incompatibilidade, e não aprovação moral ou
desaprovação.
 Não existe nenhuma contradição na ideia de que a
humanidade cesse de existir.
 O SACRIFÍCIO DO FUTURO EM PROL DO PRESENTE NÃO
É LOGICAMENTE MAIS REFUTÁVEL DO QUE O
SACRIFÍCIO DO PRESENTE A FAVOR DO FUTURO. (p. 47)
 O novo imperativo diz que se pode arriscar a própria
vida, mas não o da humanidade. Que o ser humano
não tem o direito de escolher a não-existência de
futuras gerações em função da existência da atual,
ou mesmo de as colocar em risco. (p.48)
VI
ANTIGAS FORMAS DA
“ÉTICA DO FUTURO”
1. ÉTICA DA CONSUMAÇÃO NO MAIS ALÉM
2. RESPONSABILIDADE DO ESTADISTA COM O FUTURO
3. A UTOPIA MODERNA
 1. CONSUMAÇÃO NO MAIS ALÉM
 Postulava o futuro como o lugar do valor absoluto, acima
do presente, reduzindo este último a uma mera
preparação para aquele. É uma ética da imediaticidade e
da simultaneidade;
 Falta também o elo causal, necessário ao pensamento
ético, entre a ação e o resultado (esperado), já que este
não é entendido como resultado da renúncia do mundo
do aqui-e-agora, mas apenas prometido como
compensação em outro lugar (p. 52).
 ALÉM DA IMPUTABILIDADE DA RESPONSABILIDADE PELOS
ATOS, É PRECISO LIMITAR OS PODERES DO PROGRESSO
TÉCNICO, OU SEJA, PODER “CORRIGIR SEUS PRÓPRIOS
EFEITOS” (P. 51)
 2. RESPONSABILIDADE DO ESTADISTA COM O FUTURO
 Jonas observa que o mérito de um legislador está na
capacidade de fazer durar a sua criação e não no
planejamento antecipado de qualquer coisa que se
transformará em realidade apenas para os pôsteres e que é
inatingível aos presentes.
 Mas, um governo será bom se tiver como consequência
aquilo que é bom hoje e em qualquer tempo. O estadista
precisa de sabedoria e moderação, de forma a construir no
presente uma possibilidade igual para o futuro.
 “A ação política possui um intervalo de tempo de ação
e de responsabilidade maior do que aquele da ação
privada , mas, na concepção pré-moderna, a sua ética
não é nada mais do que uma ética do presente,
embora aplicada a uma forma de vida de duração
mais longa”(p.54).
 3. A UTOPIA MODERNA
 Relativamente à ESCATOLOGIA RELIGIOSA tem-se o exemplo
do messianismo, que vincula a vinda do mestre, por decreto
divino, ao comportamento do homem na medida em que ele
pode tornar-se digno de tal evento, por meio das normas que
lhe foram impostas. Ou seja: o futuro está condicionado ao
presente por uma questão de fé. Ainda aqui se trata de uma
ética do presente, não do futuro.
 Quanto à FILOSOFIA MARXISTA, porém, o agir se dá em vista
de um futuro que nem os atores, nem as vítimas, nem os
contemporâneos irão usufruir.
 A ÉTICA DA ESCATOLOGIA REVOLUCIONÁRIA VÊ A SI MESMA
COMO UMA ÉTICA DE TRANSIÇÃO, ENQUANTO A ÉTICA
AUTÊNTICA, AINDA ESSENCIALMENTE DESCONHECIDA, SÓ
PODERÁ VIGORAR DEPOIS QUE AQUELA TIVER CRIADO AS
CONDIÇÕES PARA TANTO E, COM ISSO, ABOLIDO A SI PRÓPRIA
(p. 56).
 A crítica de Jonas é que toda ética anterior se orientava pelo presente, como
uma ética do simultâneo, usando diferentes formas éticas no passado, a saber:
 1) ética da consumação do mais-além, que postulava o futuro como o lugar
do valor absoluto, acima do presente, reduzindo este último a uma mera
preparação para aquele. É uma ética da imediaticidade e da
simultaneidade;
 2) a responsabilidade do estadista com o futuro, isto é, a preocupação
previdente do legislador e do estadista com o bem futuro da comunidade. O
melhor Estado, assim se imaginava, é também o melhor para o futuro, pois o
seu equilíbrio interno atual garante o futuro; evidentemente, ele será também
o melhor Estado no futuro, pois os critérios de uma boa ordem não se
modificam, já que a natureza humana não se modifica. Por isso, o legislador
não propõe o Estado perfeito em termos idéias, mas o melhor em termos reais,
isto é, o melhor Estado possível, tão possível e tão ameaçado hoje quanto o
será no futuro. A sua ética não é nada mais do que uma ética do presente,
embora aplicada a uma forma de vida de duração mais longa;
 3) a utopia moderna, cujo fenômeno é inteiramente moderno e pressupõe
uma escatologia dinâmica da história, desconhecida no passado. Para estes
estava por ser dado o último passo em direção a uma ética da história que
fosse imanente ao mundo e utópica. Jonas ressalta que, somente com o
progresso moderno, como fato e idéia, surge a possibilidade de se considerar
que todo o passado é uma etapa preparatória para o presente e de que todo
presente é uma etapa preparatória para o futuro. Todas essas “éticas” tem a
ver com as possibilidades utópicas dessa tecnologia.
VII
O HOMEN COMO
OBJETO DA TÉCNICA
1. PROLONGAMENTO DA VIDA
2. CONTROLE DE COMPORTAMENTO
3. MANIPULAÇÃO GENÉTICA
 1. PROLONGAMENTO DA VIDA
 Fato fundamental: a mortalidade do homem:
 Quem alguma vez precisou se decidir sobre qual seria sua duração
desejável ou opcional?
 Hoje, porém, certos progressos na biologia celular nos acenam com
perspectiva de atuar sobre os processos bioquímicos de
envelhecimento, ampliando a duração da vida humana, talvez
indefinidamente.
 A morte não parece mais ser uma necessidade pertinente a
natureza do vivente, mas uma falha orgânica evitável; suscetível,
pelo menos, de ser em principio tratável e adiável por longo tempo
(p. 58).
 Também se deveria considerar o papel do memento mori na vida
de cada indivíduo. Como ele seria afetado pelo fato de que o
momento dessa morte possa se prolongar indefinidamente? Talvez
todos
nós necessitemos de um limite inelutável de nossa
expectativa de vida para nos incitar a contar os nossos dias e fazer
com que eles contem para nós (p. 59).
 2. CONTROLE DO COMPORTAMENTO
 Libertar doentes mentais de sintomas dolorosos e
perturbadores parece ser algo benfazejo. Porém, uma
discreta transição leva do alívio do paciente a aliviar a
sociedade da inconveniência de comportamentos
individuais difíceis entre seus membros.
 Isso significa a transição da aplicação médica para o
social e abre um campo indefinível, que contém
potencialidades inquietantes.
 3. MANIPULAÇÃO GENÉTICA
 – o controle dos homens genéticos futuros.
 Esse sonho ambicioso do homo faber, condensado na frase
de que homem quer tomar em suas mãos a sua própria
evolução, a fim não meramente de conservar a espécie em
sua integridade, mas de melhorá-la e modificá-la segundo
seu próprio projeto.
 Mas, quem serão os criadores de imagens, conforme tais
modelos com base em qual saber? Aqui cabe também a
pergunta sobre o direito moral de fazer experimentos com
seres humanos futuros. Essas perguntas e outras semelhantes,
que exigem uma resposta antes que nos deixemos levar a
uma viagem ao desconhecido, mostram de forma
contundente até que ponto o nosso poder de agir nos
remete para além dos conceitos de toda ética anterior (p.
61).
Companhias biotecnológicas que estão concentrando seus esforços
no novo campo da engenharia do tecido e da fabricação de órgãos
humanos.
O maior impacto das mudanças na biologia molecular se dá nos
campos da terapia do gene e do teste genético. O Projeto Genoma
Humano (PGH)
Em abril de 1997, os pesquisadores da Case Western Reserve University
Medical School em Cleveland, Ohio, anunciaram o primeiro
cromossomo humano artificial.
Uma outra mudança está acontecendo nas novas descobertas
tecnológicas de reprodução. Fazem parte dessas novas tecnologias o
congelamento e o estoque do esperma e embriões por muito tempo;
técnicas de fertilização in vitro, transplante de embrião e o surgimento
de mães de aluguel.
VIII
A DINÂMICA “UTÓPICA”
DO PROGRESSO TÉCNICO
E O EXCESSO DE RESPONSABILIDADE
 Quando a natureza nova do agir humano exige uma nova
ética de responsabilidade de longo alcance, proporcional à
amplitude do poder humano, ela então exige uma nova
espécie de HUMILDADE:
 – uma humildade não como a do passado, em decorrência da
pequenez, mas em decorrência da excessiva grandeza do poder
humano, pois HÁ UM EXCESSO DESSE SEU “PODER DE FAZER” SOBRE
O SEU “PODER DE PREVER” E SOBRE O SEU “PODER DE CONCEDER
VALOR E JULGAR”. (p. 63).
 A dúvida quanto à capacidade do governo representativo
em dar conta das novas exigências, segundo os seus princípios
e procedimentos normais, pois permitem que sejam ouvidos
apenas os interesses atuais, que fazem valer a sua importância
e exigem ser levados em consideração. (p. 64)
 Em vista do potencial quase escatológico dos nossos processos
técnicos, o próprio desconhecimento das consequências
últimas é motivo para má contenção responsável – a melhor
alternativa à falta da própria sabedoria (p. 63-64).
 “NÓS PRECISAMOS DE AMEAÇAS À IMAGEM HUMANA – E DE TIPOS
ESPECÍFICOS DE AMEAÇAS – PARA QUE COM O PAVOR SUSCITADO,
NÓS CONSIGAMOS ASSEGURAR UMA IMAGEM HUMANA
AUTÊNTICA” (p. 63).
 Pois assim acontece conosco: o reconhecimento do malum nos é
infinitamente mais fácil do que o do bonum; é mais imediato,
forçoso e muito menos exposto à diferenças de opinião e, acima
de tudo, ele não é procurado: a simples presença horrível do mal se
nos impõe, enquanto o bem pode permanecer aí discretamente,
irrefletido (para o que nós devemos ter uma razão especial) e
desconhecido.
 Sobre o mal nós não temos incertezas quando o experimentamos;
sobre o bem temos certeza, na maioria das vezes, quando dele nos
desviamos(p. 63-64).
 De acordo com Jonas, é justamente a partir desta certeza que
temos do mal que queremos evitar e a imprecisão e incerteza do
bem que queremos – pois, sobre isso muito se discorda –, que
devemos delimitar a esfera do exercício de nossa liberdade.
 A proposta de Jonas é alicerçada, como vimos, em
duas críticas fundamentais, isto é, na crítica às éticas
tradicionais e na crítica à técnica.
 Esta última está relacionada a ideia moderna de progresso e ao
ideal baconiano de dominação da natureza. Esta dominação
operada progressiva e exclusivamente através da técnica
constitui-se para o autor na ameaça iminente de autoaniquilação do ser humano. Face a esta ameaça, somente uma
postura baseada em novos princípios – aos quais soman-se o
temor e a reverência ante o estrago que pode surgir da ação
humana – poderá abrir a possibilidade de pensarmos um futuro
menos doloroso para a natureza e para as espécies, incluindose aí a espécie humana.
 Isso significa colocar o problema da tecnologia e da ciência no
âmago da reflexão filosófica e ética, pois a ação humana já
não pode mais ser pensada sem a técnica e sem o saber
científico. Deste modo, por meio da inclusão da relação
humana com a natureza e com o futuro desconhecido no
cerne
das
preocupações
éticas,
o
conceito
de
responsabilidade ganha um novo conteúdo.
IX
O VÁCUO ÉTICO
 É somente sob a pressão de hábitos de ação concretos,
e de maneira geral do fato de que os seres humanos
agem sem que para tal precisem ser mandados, que a
ética entra em cena como regulação desse agir,
indicando à humanidade, como uma estrela-guia, para
aquilo que é o bem ou para o permitido.
 Agora tememos na nudez de um niilismo no qual o maior
dos poderes se une ao maior dos vazios; a maior das
capacidades, ao menor dos saberes sobre para que
utilizar tal capacidade.
 Busca-se uma ética que possa controlar os poderes
extremos que hoje possuímos e que nos vemos obrigados
a seguir conquistando e exercendo.
 Diante de ameaças iminentes, cujos efeitos ainda podem
nos atingir, frequentemente o medo constitui o melhor
substituto para a verdadeira virtude e a sabedoria.
 Porém, até aqui apresentamos a pertinência das
pressuposições: o
nosso
agir
coletivo-cumulativotecnológico é de um tipo novo, tanto no que se refere aos
objetos quanto sua magnitude. Por seus efeitos,
independentemente de quaisquer intenções diretas, ele
deixou de ser eticamente neutro. Com isso se inicia a
tarefa propriamente dita de se buscar uma resposta (p.
65-66).
"Para o filósofo Hans Jonas nenhuma
ética anterior vira-se obrigada a
considerar a condição global da vida
humana e o futuro distante, inclusive a
existência da espécie. Para ele, a
natureza tem um direito próprio e uma
significação
ética
autônoma,
independente da satisfação humana"
Suscita muitas polêmicas quanto aos pressupostos
evocados pelo pensador alemão:
• (1) o medo de ferir as gerações futuras como um
princípio ético absoluto,
• (2) a tecnologia como uma face onde a
possibilidade da catástrofe é maior do que a
possibilidade de evitá-la,
• (3) as utopias políticas vigentes como incapazes
de lidar com o futuro,
• (4) a sua leitura das perspectivas éticas clássicas e
modernas como relativas exclusivamente às
relações éticas presentes ou próximas e incapazes
de lidar com a possibilidade da vida futura.
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