A MÃE QUE CONSOME A VIDA
Tiago Gomes Landim1
Claro que uma pessoa que começa lendo um título desse e me
conhece um pouco pode pressupor que o pus com o firme propósito de chocar.
Se alguns conhecidos recebessem de minhas mãos este escrito, não evitariam
um comentário: ...já começas assustando para depois amenizar! Mas este tem
o sentido literal e o firme propósito de dar ênfase à mãe que mata de fato.
Engana-se, ainda, quem agora diz: “já sei: ele vai falar da mãe
que deixa seu filho no lixo, ou aborta”. Nada disso. Então, o que se deseja?
Tenho o propósito aqui de tratar sobre a mãe que mata o filho para não deixar
crescer a neta assassina.
Nesses últimos anos temos visto que a natureza, muito cantada
em verso e prosa como nossa mãe, tem sido uma assassina truculenta, cruel,
impassível. Se passearmos pela rede internacional de computadores, veremos
a frequência e o aumento da violência dos fenômenos naturais que destroem
os pequenos castelos de areia que o seu filho mais admirável tem feito.
É, no mínimo, digna de grifo a violência com que a mãe natureza
tem destruído seus filhos, suas famílias, casas, cidades e similares. Mas
por que tanta truculência? Por que é crescente a voracidade das catástrofes
naturais? Por que esta mãe não nos ama mais?
Não quero aqui tratar de problemas paroquiais que explicariam
a enchente na Cidade ou no Estado X por irresponsabilidade do governante
Y que desviou a verba Z e, depois que sua família lucrou muitos anos com a
indústria da seca, agora ele engorda sua conta bancária com o dinheiro sujo do
sangue do povo morto pela nova indústria das enchentes.
O filósofo Hans Jonas diz que a técnica, neta legítima da
natureza, filha que é do ser humano, converteu-se em ameaça a sua avó. O
projeto tecnológico de modificação da natureza tem obtido tamanho sucesso
que se vê antecipada a ameaça de destruição total da natureza. Como forma
objetiva de contestar a esta ameaça, a mãe natureza tem respondido com
a desestruturação das últimas pilastras de pseudo-certezas presentes no
conhecimento humano acerca do seu hábitat: como dizia Marx, “tudo o que é
sólido se desmancha no ar”.
1
Professor de Filosofia Do IFAL – MARAGOGI. Doutorando em Filosofia (Ética) pela Universidad
Pontificia de Salamanca – Espanha.
Hans Jonas, em 1966 publica, em seu livro The Phenomenon
of Life, Toward a Philosophical Biology, as regras para a criação da filosofia
da biologia. Nele Jonas diz que resta ao ser humano a humildade diante do
poder técnico frente á precariedade da vida. Ao se isolar o ser humano das
outras formas de vida e, concomitantemente, criar uma tecnologia que provoca
a destruição destas outras formas de vida, promove-se uma autodestruição.
Portanto, quando eu falo da mãe que mata, não estou propondo que a natureza
fora do homem está matando seu filho, mas estou trazendo a ideia de um
suicídio: o ser humano, como ser de natureza cria uma tecnologia forte para
lidar com a vida frágil, tal fragilidade, entretanto, está também presente nele.
É necessário, pois, que o ser humano dê à natureza uma nova
neta: uma ética que tenha bases firmadas na própria natureza, que considere
a amplitude do ser que está em nós, mas também nas demais formas de vida.
Hans Jonas propõe que esta nova filha do ser humano deve ser a ética da
responsabilidade: capaz de controlar sua irmã, a tecnologia.
O contato diário com os sinais de morte por todos os lados tanto
aqui em Alagoas quanto no restante do planeta, traz-nos uma convicção,
até o momento, incontestável: ou damos à mãe natureza esta nova neta ou
vamos ser testemunhas de uma guerra familiar entre a avó natureza e a neta
tecnologia, conflito este do qual não sairemos ilesos, muito menos vivos, pois
estaremos entre sermos mortos por nossa mãe ou por nossa filha!
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