Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 15-32, jan./jun. 2008
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A Política entre a Ciência Política e a História
Política no Brasil. Uma Análise Comparada dos dois
Campos Científicos
R e s u m o
Afonso Nascimento*
V
árias disciplinas cientificas tratam da política (Teoria Geral do
Estado, Antropologia Política, Sociologia Política, Ciência Política e História Política). Este trabalho discute o modo como
cientistas políticos e historiadores abordam a política, uns e outros
dentro de seu campo científico de uma forma genérica, bem como a
sua institucionalização no Brasil. Sustenta, de um lado, que a Ciên-
cia Política brasileira conhece uma institucionalização inacabada, à
diferença da História Política devido ao fato de esta pertencer ao
campo consolidado da História. Defende, de outro lado, que a Ci-
ência Política afirma-se pela especialização, ao passo que a História
Política o faz pela interdisciplinaridade.
PALAVRAS-CHAVE: Política; Ciência Política; História Política;
Institucionalização; Brasil.
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Afonso Nascimento é professor de Teoria Geral do Estado do Departamento
de Direito da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]
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Afonso Nascimento
1. Introdução
Este artigo tem por objetivo geral comparar os dois
mais importantes campos científicos tratando da política no Brasil e a possível relação entre eles. Parte-se
portanto da idéia de que não existe monopólio da política pela Ciência Política (Schwartzman, 1977, p. 1).
Dentre outros campos científicos (Teoria Geral do Estado dos juristas, Antropologia Política e Sociologia
Política)1, os historiadores são o grupo de intelectuais
que dividem com os cientistas políticos o espaço do
discurso científico sobre a política no Brasil – embora
haja uma certa hegemonia e uma maior legitimidade
dos cientistas politicos.
Dois são os objetivos particulares deste trabalho.
Trata-se, por um lado, de analisar o processo de institucionalização da Ciência Política e da História Política e, por outro, de examinar a questão da especialização e da interdisciplinaridade no interior e entre cada
um dos dois campos científicos.
São as seguintes as hipóteses que orientam esse
trabalho. A primeira sustenta que a Ciência Política
conhece uma institucionalização inacabada, acontecendo o inverso com a História Política devido a sua pertença ao consolidado campo da História. A outra hipótese é aquela segundo a qual, embora a interdisciplinaridade seja parte do modo de constituição e de
desenvolvimento da Ciência Política, esta disciplina
afirma-se através da especialização, ao passo que a
História Política, ao adentrar o campo das Ciências
Sociais, evolui através da interdisciplinaridade.
A inexistência de discussão entre os cientistas políticos sobre a produção política dos historiadores e vice-
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versa é a lacuna que este texto pretende preencher. Nisto reside a contribuição deste artigo. Debruçar-se-á, para
tanto, sobre fontes notadamente bibliográficas – embora recorra-se também a documentos oficiais e a dados
estatísticos sobre as duas áreas de conhecimento.
As instituições de ensino superior públicas (federais ou estaduais) constituem o universo empírico tomado em consideração – com a inclusão excepcional
do Iuperj, devido a sua incontornável importância
quando se trata da Ciência Política no Brasil2. O período concernido pelo trabalho é aquele que vai do
início dos anos 1930 até hoje.
Este trabalho se quer inserido no quadro da reflexão neo-institucionalista da política3. Dentre as diversas possibilidades teóricas desse novo ‘paradigma’, o
autor utiliza os conceitos do neo-institucionalismo
histórico. Além disso, trabalha com os conceitos de
especialização e interdisciplinaridade emprestados dos
trabalhos de Dogan (1998) e de Klein (2001).
Esta é a organização deste trabalho. Na primeira
seção, são discutidas a Ciência Política e a História
Política como partes das Ciências Sociais, mostrando
a especificidade de cada caso. Na segunda seção, e
examinada a institucionalização da Ciência Política e
da História Política no Brasil, atentando para o fato de
que a História Política não é senão uma área de especialização e não uma disciplina. Na terceira seção, discute-se o problema da especialização e da interdisciplinaridade associado a cada um dos objetos em questão. Por último, à guisa de conclusão, são feitas algumas considerações sobre o desenvolvimento dos dois
campos e sobre as possibilidades e limites de futuros
intercâmbios entre eles.
Fora da área científica, é o Jornalismo Político a principal área de conhecimento sobre a política no Brasil. Dentre os
nomes mais conhecidos, consultar as obas de Fernando Moraes, Élio Gaspari, Sebastião Nery, Castelo Branco etc.
Sobre este ponto, ver Schwartzman (1981).
Sobre o neo-institucionalismo histórico, consultar, entre outros, HALL, Peter A. e Rosemary C. R. Taylor. Political
Science and the three new institutionalisms. In Political Studies, 1996, XLIV; HAY, Colin e Daniel Wincott. Structure,
Agency and Historical Institutionalism In Political Studies, 1998, XLVI; HALL, Peter A. e Rosemary C. R. Taylor. The
potential of Historical Institutionalism: a response to Hay and Wincott. In Political Studies, 1998, XLVI; PETERS, B.
Guy. Institutional Theory in Political Science. The “new Institutionalism”. Londres, Pinter, 1999; STEINMO, S., THELEN
e F. Longstrehth. Structuring politics: historical institutionalism in comparative analysis. Cambridge: Cambridge
University Press, 1992.
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A Política entre a Ciência Política e a História Política no Brasil
2. Ciência política e história política como ciências
políticas
Neste trabalho, será usada a classificação dos saberes emprestada de Wallerstein (1996), para quem eles
estão distribuídos em a) Humanidades, Ciências Sociais e Ciências Naturais. Trata-se de uma classificação
muito popular – embora existam outras no mercado
do saber científico4. Implícita está, portanto, a ruptura
com o senso comum5.
Segundo Santos, as Ciências Sociais emergiram no
século XIX. Elas são uma construção do mundo moderno e surgiram para ser empíricas. Nas suas palavras, trata-se de um “saber secular acerca da realidade
que, de algum modo, possa ser empiricamente verificado” (Santos, 1999, p. 14). De acordo com Clubb (1981,
p. 648), as Ciências Sociais são “um conjunto de pesquisas que visam a identificar regularidades nos assuntos humanos, recorrendo a dados e métodos
empíricos que tendem a elaborar fórmulas teóricas e
explicando essas regularidades”.
Quais as ciências que fazem parte das Ciências
Sociais? De acordo com Homans (1967, p. 3), “as
ciências sociais compreendem a psicologia, a sociologia, a economia, as ciências políticas, a história e sem
dúvida a lingüística”. Neste trabalho é adotada a classificação da ANPOCS que inclui entre as Ciências
Sociais a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política (Reis et al, 1997)6.
A Ciência Política faz parte naturalmente das Ciências Sociais. Na verdade emergiu como ciência social
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no século XX. Por sua vez, a História Política não é
uma “ciência”, mas uma especialização de uma ciência que é a História – cujos começos se confundem
com a História Política. No entanto, a História não
nasceu ciência social. É somente com a Escola dos
Anais, que adquire esse estatuto epistemológico.
2.1 A CIÊNCIA POLÍTICA COMO CIÊNCIA SOCIAL
É certamente um grande exagero dizer que a Ciência Política7 nasceu na Grécia. Embora haja consenso
na literatura sobre a importância da Filosofia Política
clássica e moderna na construção da Ciência Política,
o fato é que esta é uma construção do século XX. Com
efeito, apesar de a denominação ser bem anterior a sua
emergência8, segundo as diferentes trajetórias nacionais, a Ciência Política não é senão uma diferenciação
da Sociologia.
A revolução behaviorista marca, a rigor, a emergência da Ciência Política nos Estados Unidos. É com
esse grande “paradigma” interdisciplinar que, de fato,
a Ciência Política ganha o estatuto de ciência, nos
moldes da Sociologia – da qual toma emprestados
métodos e teorias e os adapta ao seu objeto. Diferentemente de sua fase pré-científica, este passa a ser o
poder, e não mais o Estado ou as instituições governamentais.
Além de enorme quantidade de departamentos com
esse nome e com uma associação datando do começo
deste século (1903), a nova ciência contará com o forte
apoio da Fundação Ford – que não será, aliás, restrito
De acordo com Bunge, as ciências estão classificadas em fatuais e sociais. Entre as primeiras, estão a física, a química,
a biologia. No bloco das segundas, estão a sociologia etc. Cf. BUNGE, Mário. La ciencia, su método y su filosofia. Buenos
Aires: Sigloveinte, 1974. cap. 1.
A idéia de senso comum neste trabalho está mais próxima de Durkheim e Bachelard. Embora sem concordar com ele,
ver as interessantes idéias sobre o senso comum de SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências.
Porto: Afrontamento, 1999.
Vianna (1998) trabalha com uma classificação mais alargada.
Para uma boa discussão sobre a Ciência Política, ver ALMOND, Gabriel A. Political Sciences: the History of the Discipline.
In New Handbook of Political Science (Eds. Robert E. Goodin e Hans-Dieter Klingman). Oxford: Oxford University Press,
1998. Para as diversas histórias da Ciência Política em diversos países, ver ROBSON, William A. La enseñanza universitaria
de las sciencias sociales: ciencia politica. Washington: Unión Panamericana/OEA, 1961 e FAVRE, Pierre. Histoire de la
science politique. In Traité de Science Politique. (Eds. M. Grawitz e J. Leca). Paris: PUF, vol. 1, 1985.
A American Political Science Association foi criada em 1903.
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à Ciência Política. Com a criação da Associação Internacional de Ciência Política, em 1949, sob os auspícios
da Unesco, um importante passo será dado para que
associações nacionais sejam criadas em diversos países, segundo o próprio desenvolvimento nacional de
cada Ciência Política.
Desde a revolução behaviorista, a Ciência Política
conheceu três importantes “paradigmas”9: o próprio
Behaviorismo, a Escolha Racional e a atual onda NeoInstitucionalista.
O Behaviorismo é o paradigma fundador da Ciência Política10. Surgiu nos anos 30 “em reação contra as
especulações da filosofia” (Braud, 1982, p. 98) ou,
noutras palavras, em oposição àquilo hoje chamado
de “velho” institucionalismo. Conheceu seu apogeu
nos anos 50 do século passado.
Com o Behaviorismo, a ênfase dos estudos políticos passou a ser sobre o comportamento dos indivíduos e dos grupos. Importante ressaltar que, metodologicamente, dá-se uma aproximação com as Ciências Sociais já mais estabelecidas como a Sociologia
e são privilegiados “os problemas de observação, de
verificação e de quantificação” (Schwartzenberg,
1977, p. 5).
A Escolha Racional veio para contrabalançar o domínio do Behaviorismo. Embora deite raízes nos anos
5011, a “onda” da Escolha Racional ocorreu sobretudo
nos anos 80 do século passado. Grosso modo, caracteriza-se pela tentativa de explicar a política pela economia. Segundo Ritzer (1996, p. 263-264), o paradigma
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da Escolha Racional combina três elementos. Esquematicamente, eles são o utilitarismo, a teoria dos jogos
e a teoria neo-clássica da economia.
O Neo-Institucionalismo é o terceiro paradigma da
Ciência Política. Surgiu grandemente em resposta aos
exageros da Escolha Racional. Geralmente, tratando
desse paradigma, a literatura procura fazer uma distinção entre o “velho” e o “novo” institucionalismo. O
primeiro está associado à produção de conhecimentos
sobre a política e o Estado fundada no formalismo e
no descritivismo das instituições. Já a nova versão
procura explicá-las “como uma variável dependente
e, mais importante, para explicar outros fenômenos
com instituições como as variáveis independentes
amoldando o comportamento dos políticos e da administração” (Peters, 1996, p. 205)12.
A despeito da desimportância inicial destinada à
política pelo Marxismo – entendida como epifenômeno da economia –, entre os anos 60 e 70, uma
importante geração de marxistas europeus escreveram relevantes obras sobre a política na perspectiva
marxista13. Irão além disso. Escreverão importantes
trabalhos sobre o Estado - um objeto pouco considerado pela Ciência Política anglo-americana, dada a
tradição anti-estatista de suas sociedades (Jessop,
1982; Skocpol, 1985).
É a partir da tradição norte-americana, assentada
numa bem consolidada democracia, que se dá a expansão da Ciência Política para o mundo, ajustandose às tradições nacionais do desenvolvimento das Ciências Sociais.
Thomas Kuhn escreveu um livro de citação incontornável sobre o conceito de paradigma. Contra a idéia de que a ciência
avança de um modo acumulativo, ele desenvolveu o argumento de que os progressos das ciências se dão por rupturas ou
por revoluções. Acrescentou, todavia, que o conceito de paradigma não se aplica às Ciências Sociais. É preciso dizer que
o seu trabalho, embora sendo a base da reflexão aqui desenvolvida, o significado de paradigma não é necessariamente
kuhniano. Cf. KUHN, Tomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1982.
Sobre a “revolução behaviorista”, ver TRUMAN, David B. The impact on Political Science of the Revolution in the
Behavioral Sciences. In Research Fronties in Politics and Government, 1955.
A este respeito, ver o trabalho fundante de DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp,
1999. Consultar igualmente o livro de OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva. São Paulo: Edusp, 1999.
Para uma mais detalhada de cada um dos institucionalismos (Normativo, da Escolha Racional, Histórico e Sociológico),
ver o livro de Peters (1996).
Ver a este respeito, entre outros, Miliband, Ralph. The State in the capitalist society. New York: Basic Books, 1969 e
Poulantzas, Nicos. L’Etat, le pouvoir, le socialisme. Paris: PUF, 1978.
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A Política entre a Ciência Política e a História Política no Brasil
2.2 A HISTÓRIA COMO CIÊNCIA SOCIAL
Até hoje a condição do tipo de saber que é a História é objeto de controvérsias. Para alguns, trata-se de
uma filosofia, para outros, de uma ciência, pertencente ao campo das Ciências Sociais (Reis, 1999). De qualquer forma, pode-se afirmar categoricamente que a
História não nasceu como ciência social14.
De fato, no sentido moderno do termo, a História deita
suas raízes na Europa renascentista, no período de formação dos primeiros Estados nacionais. É aí – e sobretudo
no século XIX – que os historiadores serão convidados a
contar o passado dos povos que estavam construindo
precocemente as modernas sociedades nacionais européias (Strayer, 1979). Apareceu então com um saber
ligado ao Estado e a construção de nações européias.
Não surgiu portanto como ciência social. Guarda,
entretanto, uma longa tradição de uma disciplina bem
anterior a emergência da Sociologia no século XIX. Se
não nasceu como ciência social, fê-lo como História
Política, ou, nas palavras de Goodin (1996, p. 2), “não
muito tempo atrás, a história era principalmente a história política”, no sentido de que era um tipo de conhecimento que narrava os grandes eventos, a ação
dos grandes homens, enfim, um conjunto de elementos associados com as instituições estatais.
Nessa primeira fase é a “escola metódica” francesa
que predomina. Recusando toda especulação filosófi-
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ca, ela fornece “um lugar considerável à história política e diplomática” (Déloye, 1997, p. 6). Segundo
Deloyé (1997, p. 7), para essa escola, “a história não é
senão a mise en oeuvre de documentos selecionados
de modo pertinente e purificados pelo método crítico”. Continuando, escreve que “a história política,
diplomática e institucional se vê assim consagrada
como o ramo mais importante porque o mais científico do saber histórico” (p. 8).
Em fins da década de 1920, com a emergência da
Escola dos Anais, a História toma um novo rumo. Segundo Goodin (1996, p. 3), “a história política cedeu
o espaço gradualmente para a história social”. Deixa
de ser a espinha dorsal da História. Com efeito, desprezando a História Política15, por que identificada com
o particular e o pontual e ignorando a sociedade global e a longa duração16, a História se aproxima das
Ciências Sociais17, destas tomando emprestados métodos e teorias. “Simbolizada tanto quanto precipitada pelos movimentos dos Anais” (Goodin, 1996, p.
3), constrói assim um saber preocupado com a longa
duração e, nesse quadro, com a economia, com o quotidiano da sociedade etc18.
Essa reviravolta na produção intelectual dos historiadores levará a um abandono da História Política
durante a maior parte do século XX. Ela foi completada pela influência do Marxismo19 - uma área do
conhecimento com a ambição de totalidade – sobre a
produção dos historiadores em várias partes do mun-
Sobre a relação entre História e Ciências Sócias, ver, entre outros, o interessante artigo de HOBSBAWN, Eric. La contribuition
de l’historie aux sciences sociales. In Revue Internationale des Sciences Sociales, vol. XXXIII (1981), no. 4. Consultar
igualmente STONE, Lawrence. History and the social sciences in the twentieth century. In Charles F. Delzell (Ed.) The future
of history; essays in the Vanderbilt University Centennial Symposium. Nashville: Vanderbilt University Press, 1977 e FOGEL,
Robert W. History and the social sciences: progress and prospects. In American Behavioral Scientist, no. 21, 1977.
Segundo Déloye, “essa rejeição da história política é amplamente atestada pela leitura dos sumários dos Anais. De 1929
a 1976, a revista dedicara menos de 5% de seus artigos à história política”, p. 13.
Segundo Julliard, “a história política é psicológica e ignora condicionamentos; é elitista, biográfica mesmo e ignora a
sociedade global e as massas que a compõem; é qualitativa e ignora o serial; visa o particular e ignora a comparação; é
narrativa e ignora a análise; é materialista e ignora o material; é ideológica e não tem disso consciência; é parcial e não
sabe que o é; atém-se ao consciente e ignora o inconsciente; é pontual e ignora o longo prazo”. Cf. JULLIARD, Jacques.
A política. In Fazer História, vol. 1. (Jacques Le Goff e Piere Nora). Livraria Bertrand, 1981, pp. 263-4.
Esta é também a tese de Wallerstein, para quem a história foi a primeira disciplina a entrar no campo das ciências
sociais, op. cit., p. 30.
Para uma análise da Escola dos Anais, ver Reis (1999).
Essa influência é apontada por Borges, Vavy P. História e política: laços permanentes. In Revista Brasileira de História,
vol. 11, no. 23-24, set. 1991/ ago. 82, p. 8.
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do ocidental20. Neste caso, reduzindo a política à condição de superestrutura ou apêndice da infra-estrutura ou da economia, o Marxismo dava pouca importância à política – como foi dito acima, num outro
contexto.
É somente no fim dos anos 1970, sendo parcialmente “o resultado de uma conjuntura comemorativa” (o bicentenário da Revolução Francesa, em 1979)
(Déloye, 1997, p. 15), que começa uma nova onda de
interesse pela política como objeto do saber dos historiadores. É a partir desse momento que a História Política adentra o campo das Ciências Sociais – coincidindo com um forte movimento internacional em torno da interdisciplinaridade do conhecimento – como
será visto adiante.
É possível notar, assim, três grandes tendências
ou movimentos em relação a História Política. O primeiro é iniciado por Le Goff que, em dois artigos, tenta compreender “as razões pelas quais a história política, durante muito tempo desdenhada e humilhada,
retorna com força”21.
O segundo vem com René Rémond (1998), que lança o livro-manifesto do retorno à política22. Para ele,
este é “o postulado mais importante desta escola histórica: o da prevalência e da autonomia do político;
postulado que justifica uma explicação do político
d’abord par le politique, sem esquecer, todavia, que
existe também no político mais do que o político”
(Remond, 1988, p. sn).
O terceiro é com Pierre Rosanvallon, que refina a
discussão teórica a respeito do político num famoso
artigo. Nele, Rosanvallon (1995, p. 12) tenta cons-
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truir a “história conceitual do político”. Para ele, o
político “é o lugar onde se articulam o social e sua
representação, a matriz simbólica onde a experiência coletiva se enraíza e se reflete ao mesmo tempo.
A questão? É a da modernidade, de sua instauração
e de seu trabalho” ou dito de outra forma, é preciso
“pensar em bloco o político como o lugar de ação da
sociedade sobre ela mesma” (Rosanvallon, 1995, p.
12).
Esse boom da Histórica Política é na verdade uma
especialização da História Cultural (Gouveia, 1998) ou,
nas palavras de Borges, “passa-se a pensar a política
no sentido de uma cultura” (Borges, 1991, p. 16).
3. A Institucionalização da ciência política e da
história política no Brasil
As Ciências Sociais têm uma história recente no
Brasil23. Embora desde o século XIX existam autores
que reivindiquem a Sociologia, é somente a partir dos
anos 30 que começa o seu processo de institucionalização (Miceli, 1995).
Fundamentalmente, a institucionalização das Ciências Sociais tem sido um processo desigual em
termos espaciais, bem como no que concerne à
constituição dos campos científicos de que são compostas.
Esse processo está associado aos seguintes movimentos: um sócio-econômico (a industrialização), um
institucional (remetendo a instituições internas e externas, como o Estado brasileiro e a Fundação Ford) e
ao movimento de idéias científicas.
É grande a tradição de historiadores marxistas. Dentre os mais conhecidos, consultar Eric Hobsbawn e Perry Anderson.
Os dois artigos são de LE GOFF, Jacques “A história política continua sendo a espinha dorsal da história?” e “O imaginário
medieval” (Déloye, 1997. p. 15).
O nome do livro-manifesto é REMOND, René. Pour une histoire politique. Paris: Seuil, 1988.
A respeito ver o clássico AZEVEDO, Fernando de (Org.) As ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Nacional, vol. 2, 1994
e MICELI, Sérgio. História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré/Fapesp, 1995.
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A Política entre a Ciência Política e a História Política no Brasil
3.1 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL
A Ciência Política é a mais tardia das Ciências Sociais brasileiras e, a rigor, conhece uma institucionalização incompleta ou, dito de outra forma por Reis,
“não chegamos a realizar direito essa institucionalização” (Reis et al, 1997, p. 25). A fase antes de sua institucionalização aponta para duas origens internas –
uma institucional e outra em termos de idéias.
A primeira é sem dúvida o ensino jurídico. Com
efeito, no espaço das escolas de direito do país é
onde, através do ensino da teoria jurídica do Estado, primeiro foi trabalhada a política. A isso acrescente-se o fato de que as escolas de direito do país
foram por muito tempo escolas de poder, ou seja,
espaços onde eram recrutadas e treinadas as elites
políticas do país.
O conhecimento da política ensinado nas faculdades de direito era extremamente formal. Dizia respeito
à leitura de documentos jurídico-políticos como constituições, regras do direito internacional etc. Esse tipo
de conhecimento era fortemente tributário das escolas
alemã e francesa, com a predominância desta última
(Nascimento, 1981).
Uma outra origem geralmente mencionada são os
ensaios sobre a política brasileira. Também neste caso,
seus autores eram grosso modo juristas – dado o desenvolvimento tardio do ensino superior no Brasil.
Lamounier (1982) e Schwartzman (1977) destacaram a
importância de autores como Alberto Torres, Oliveira
Vianna, entre outros. De um modo geral, são ensaios
com idéias autoritárias sobre a política brasileira.
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Entretanto, entendida a Ciência Política como instituição, a sua construção está associada, primeiro, ao
processo de construção da Sociologia e, depois, a sua
diferenciação em relação a esta. Como ver-se-á adiante,
embora dependente de quadros de sociólogos etc., a Ciência Política conhecerá uma trajetória bem específica.
É com a Escola de Sociologia e Política de São Paulo, criada em 1933, que começa, no quadro de instituições de ensino superior, o ensino da política24.
Entretanto, será preciso esperar os anos 1960 do século passado para que a Ciência Política comece o seu
processo de institucionalização.
Surgirá pelo “alto”. Com efeito, em 1965 será criada a pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais25. Dois anos depois, será
criado o Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de
Janeiro26, uma instituição privada, ligada à Universidade Candido Mendes. Na sua esteira, virão os demais cursos de pós-graduação em Ciência Política
(UFRGS, UFPE, USP e UNB).
Trata-se, portanto, de instituições de ensino e pesquisa que não conhecerão primeiro a graduação e depois a pós-graduação. Esse modo específico de emergência será mantido até hoje, posto que, na rede pública de ensino superior, só existe um curso de graduação em Ciência Política – o da Universidade Federal
de Brasília27. Com efeito, afora certas instituições privadas, não existe ensino de Ciência Política no Brasil.
É o ensino generalista de Ciências Sociais que predomina nas universidades públicas brasileira. Em função dessas origens, guardara uma certa dependência
em relação aos sociólogos, especialmente28.
Sobre a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, ver CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1986 p. 265, KANTOR, Íris, Débora A. Maciel e Júlio A. Simões (Orgs.). A Escola Livre de
Sociologia e Política. Anos de formação. 1933-1953. São Paulo: Escuta, 2001 e LIMONGI, Fernando. A Escola Livre de
Sociologia e Política. In História das Ciências sociais no Brasil. vol. 1, Sérgio Miceli (Org.). São Paulo: Vértice, Ed.
Revista dos Tribunais, Idesp, 1989.
Sobre as Ciências Sociais em Minas Gerais, ver artigo de Lúcia Lippi em livro organizado por Miceli. Sobre a Ciência
Política, ver SCHWARTZMAN, op. cit., p. 34 e seguintes.
Sobre o Iuperj, consultar Schwartzman, (1981).
Cf. documento O bacharelado em Ciência Política na UNB.
Sobre essa dependência, ver Reis et al (1997, p. 10).
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Três instituições estão na origem do processo de
institucionalização da Ciência Política no Brasil – afora o papel inicial da Clacso e da Cepal. Trata-se, em
primeiro lugar, da Fundação Ford29. Com efeito, esta
instituição filantrópica norte-americana criada em 1936,
que terá um papel importante na institucionalização
das Ciências Sociais nos Estados Unidos, terá uma
participação decisiva na construção da Ciência Política.
Através do financiamento de recursos humanos e materiais, financiamento de congressos, financiamento de
pesquisas etc., a Fundação Ford será a principal instituição impulsionadora da Ciência Política no Brasil.30
A segunda instituição a ter um papel importante
na institucionalização da Ciência Política no Brasil tem
sido a Capes. Será essa instituição do aparato burocrático-científico do Estado brasileiro, através de sua
política de pós-graduação31, que terá uma ação importante no credenciamento, na avaliação e na expansão
da Ciência Política – além de outras áreas. Segundo
Reis, falando de um modo geral sobre a expansão das
Ciências Sociais, ocorrida durante a Ditadura Militar,
“a implantação inicial da pós-graduação (...) foi um
importante ponto de inflexão no processo de desenvolvimento das ciências sociais no Brasil” (Reis, et al,
1997, p. 11)32.
A terceira instituição tem sido a ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Trata-se de uma instituição criada em 1977 e que
tem contado com financiamento da Fundação Ford e
do Cnpq. Tem reunido anualmente pesquisadores nas
áreas de ciência social do Brasil e tem se constituído,
através dos GT dos cientistas políticos, num espaço
central na construção da comunidade e do campo da
Ciência Política no Brasil.
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Por último mas muito importante, aparece a criação da ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política, criada no ano de 200033. Congrega pouco mais de
trezentos membros e tem realizado alguns congressos
anuais34.
A Ciência Política brasileira é uma disciplina altamente internacionalizada, por conta da impulsão institucional derivada da Fundação Ford, pelo treinamento de muitos quadros nos Estados Unidos e na Europa e ainda em termos de métodos, teorias e conceitos,
importados sobretudo dos EUA – como será discutido na próxima seção.
Para concluir esta subseção, é preciso discutir a
função social da Ciência Política brasileira. Surgindo
em plena ditadura militar no Brasil, ela aparece como
um campo científico que estimula a construção de
um modelo de democracia liberal à maneira dos EUA.
Com efeito, isso se explica pelas dificuldades brasileiras em construir uma democracia liberal, já que
seu experimento democrático de 46 a 64 fracassara.
O campo da Ciência Política, ao mesmo tempo que
estuda a política brasileira, através de suas teorias
encoraja o estabelecimento da democracia liberal no
Brasil.
3.2. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA HISTÓRIA POLÍTICA NO BRASIL
A institucionalização da História Política não é senão um capítulo da própria institucionalização da História como disciplina no Brasil nos anos 1970 e 1980
e corresponderá também à inserção da História no campo das Ciências Sociais no Brasil. Mas, antes de chegar a esses dois temas, convém avançar um ponto.
Sobre a Fundação Ford, ver MICELI, Sérgio. A Fundação Ford e os cientistas sociais no Brasil, 1962, 1992. In História
das Ciências Sociais no Brasil. (Org. Sérgio Miceli). vol. 2, São Paulo: Sumaré/Fapesp, 1995.
Para informações mais detalhadas, ver o artigo mencionado de Miceli (1995).
Uma boa discussão sobre a pós-graduação no Brasil está no cap. 9 (“A pós-graduação na universidade brasileira”) de
SOUSA, Edson Machado de. Crises e desafios no ensino superior do Brasil. Fortaleza: Ed. UFC, 1980.
Na mesma direção escreve, Gilberto Velho (ver Reis, et al, 1997, p. 11), “O desenvolvimento da pós-graduação (...) foi absolutamente
fundamental para o amadurecimento da pesquisa científica como um todo no Brasil” (Reis, et al, 1997, p. 12).
Sobre a Associação Brasileira de Ciência política, ver o interessante Relatório de Gestão-Diretoria da ABCP. Período
nov. 2000-jul. 2002, elaborado por Gláucio A. D. Soares (presidente) e Sônia Draibe (secretária executiva).
Cf. o referido relatório.
Revista da Fapese, v.4, n. 1, p. 15-32, jan./jun. 2008
A Política entre a Ciência Política e a História Política no Brasil
Antes da institucionalização da História como saber universitário,35 a independência política do Brasil em relação a Portugal tornou possível a criação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838)36 na
então capital do país (Rio de Janeiro, onde permanecerá aliás até hoje) e nos Estados a construção de
Institutos Históricos e Geográficos estaduais. São essas as primeiras instituições onde historiadores sem
treinamento cuidarão da memória do país – o que
inclui certamente a memória política nacional e dos
estados brasileiros.
È a partir desses institutos e dos historiadores
diletantes que a História, um saber com uma longa
tradição na história ocidental, assentará as suas primeiras bases no país. Afora isso, convém lembrar que
a História era objeto do ensino dos primeiros cursos
universitários do país37.
Entretanto somente a partir dos anos 1930, à semelhança do que ocorrera com a Sociologia, terá início a
institucionalização da História como disciplina universitária. Com efeito, como escreve Castro Gomes
(1996, p. 80), “no Brasil, embora tenha sido reconhecida como disciplina bem antes das ciências sociais,
como nossas faculdades de Filosofia, Ciências e Letras datam dos anos 1930, a institucionalização universitária da História se fez praticamente em paralelo
com a da sociologia e antropologia”. Neste caso, será
no Rio de Janeiro onde será montado o primeiro curso
universitário em História – conhecendo uma trajetória
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que passará pela Universidade do Distrito Federal,
depois a Universidade do Brasil e, por fim, a Universidade Federal do Rio de Janeiro38.
A institucionalização da História terá uma trajetória assaz ordinária. Com efeito, será o Estado brasileiro (na sua expressão federal e estadual) que criará os
primeiros cursos superiores. É que a História tinha a
ver com as necessidades do Estado, no sentido de que
o ensino de História (enquanto saber sobre um passado comum e que busca a coesão social) foi utilizado,
como aliás outros países o fizeram, para a construção
da nação no Brasil a partir dos anos 193039.
Em 1961, já com uma infra-estrutura instalada na
maioria dos Estado brasileiros, foi criada a ANPUH –
Associação Nacional dos Professores Universitários
de História. Trata-se de uma associação hoje presente
nos vinte e sete estados brasileiros e com número correspondente de núcleos regionais. Possui uma enorme comunidade de historiadores filiados a essa associação científica.
Todavia, é com a construção da pós-graduação brasileira durante a ditadura militar que a História também adentrará o campo das Ciências Sociais e quando
crescerá substancialmente a produção científica dos
historiadores brasileiros40. É com a inflexão da pósgraduação, sob a égide da Capes, que dar-se-á, também no Brasil, o retorno da História Política. O que é
que existia antes?
Iglesias periodiza a historiografia brasileira em três fases: a) 1500-1838; b) 1838-1931; e c) 1931 em diante. Cf.
IGLESIAS, Francisco. A Historiografia brasileira atual e a interdisciplinaridade. In Revista Brasileira de História. São
Paulo, 3(5): mar. 1983, p. 60. Esta é a periodização adotada neste trabalho.
Sobre o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ver IGLESIAS, Francisco. Historiadores do Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999, p. 60 e seguintes.
Sobre o ensino de História no Brasil, ver LACOMBE, Américo Jacobina. Introdução ao ensino da história no Brasil. São
Paulo: Ed. Nacional/ Edusp, 1973 e CUNHA, Luiz Antônio. A Universidade temporã. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1986.
Ver Cunha (1986) sobre a trajetória institucional do que é hoje a UFRJ.
Ver a este respeito o interessante artigo de ABUD, Kátia M. O ensino de história como fator de coesão nacional: os
programas de 1931. In Revista Brasileira de História, vol. 13, no. 25/26, 1992-1993.
Sobre a pós-graduação e a História, ver FICO, Carlos. A História no Brasil (1980-1989): elementos para uma avaliação
historiográfica. Ouro Preto: UFOP, 1992 e D’ALESSIO, Márcia M. e Maria de Lourdes Janotti. A esfera do político na
produção acadêmica dos programas de pós-graduação (1985-1994). In Estudos Históricos, 1996, no. 17. Para uma
abordagem mais ampla, ver LAPA, José Roberto Amaral. Tendências atuais da Historiografia no Brasil. In Revista
Brasileira de História, 2(4), 1982.
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De modo similar àquele que ocorrera na França (que
continuará sendo a principal influência para os historiadores brasileiros41), a História Política pré-científica
se confunde com a História no Brasil. Com efeito, como
escreve Rodrigues, “no Brasil, a história política foi
também dominante até os princípios deste século”.
Acrescenta, porém, que, “antes da história política,
da organização política do Estado e das instituições
políticas brasileiras, tivemos biografia das personagens
políticas ou história doméstica dos heróis” (Rodrigues,
1978, p. 153-54)42.
Até o surgimento do movimento de interdisciplinaridade que varreu as universidades do mundo nos
anos 70 e 80 (Klein, 2001; Gomes, 1996. p. 24), a História conhecerá (e de certa forma continuará conhecendo) a forte influência da Escola dos Anais e do
Marxismo43. Com essas duas escolas, a política será
posta de lado, e as preocupações dos historiadores
estarão voltadas para grandes processos sociais, econômicos e culturais no Brasil.
O retorno e a afirmação da História Política dar-seá com a crítica à antiga História Política, associada à
história oficial, durante a Ditadura Militar. Nas palavras de Borges, “a crítica à história política (...) deita
raízes em suas inextrincáveis relações com o poder;
entre nós, foi sobretudo a partir dos anos sessenta –
por quê não lembrar os difíceis marcos de 1964 e 1968?”
(Borges, 1991, p. 11).
Uma conjuntura singular permitirá o retorno da
História Política no Brasil e a sua inserção nas Ciências
Sociais do país: a pós-graduação fomentada pela ditadura militar, a forte influência dos historiadores da
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política franceses (Borges, 1991, p. 11; Gomes, 1996.
p. 24) e a presença cada vez mais marcantes dos historiadores brazilianistas, com seus bem documentados
trabalhos sobre a história moderna e recente do país44.
Não houve, neste caso, uma forte influência de instituições internacionais (como a Ford ou a Unesco) na
institucionalização da História Política no Brasil. Vale
ressaltar, entretanto, que também muito importantes
foram as revistas européias e norte-americanas e das
associações internacionais na institucionalização do
campo da História no Brasil. Diferentemente da Ciência Política, a História Política terá características menos internacionais.
4. Especialização e interdisciplinaridade na ciência
política e na história política no Brasil
Especialização e interdisciplinaridade são duas
práticas científicas que têm acompanhado a história
das Ciências Sociais. Com efeito, do século XIX até
hoje, observa-se um movimento pendular entre a especialização e a interdisciplinaridade – e, eventualmente, a fragmentação, com o surgimento de um novo
campo científico45. Enquanto práticas científicas, a especialização e a interdisciplinaridade se confundem
com a própria institucionalização das duas áreas de
conhecimento no Brasil.
4.1. ESPECIALIZAÇÃO DA CIÊNCIA POLÍTICA
A Ciência Política brasileira é muito recente. Grosso modo, tem escolhido a trajetória da especialização
Embora Borges (1991, p. 16) escreva que “não penso a nossa historiografia como um reflexo da européia”, especialmente
francesa, esse seu artigo não é senão uma afirmação disso.
É de notar que Rodrigues, escrevendo em 1978, dedicou apenas duas páginas sobre a história política no Brasil.
Em relação ao Marxismo, Borges escreve que o diálogo com os historiadores brasileiros começou nos anos 1930 e, nos
anos 1970 e 1980, esse diálogo foi ainda mais importante (Borges, 1991, p. 11).
A propósito dos brazilianistas, consultar Veja. A história do Brasil – O passado do país está sendo escrito em inglês. São
Paulo, abril 168, 1971. Dentre os historiadores brazilianistas, consultar Skidmore, Dulles, Love, etc.
Como foi dito acima, este trabalho se apoia nas ideias de Dogan, para quem, seguindo a Polsby, a história da Ciência
Política é aquela da especialização, da fragmentação e da hibridização. Nesta trabalho, adota-se, entretanto, em lugar
de hibridização, o conceito de interdisciplinaridade, mais corrente na literatura dos cientistas políticos e dos
historiadores. Para Dogan, entretanto, “a palavra ‘interdisciplinaridade’ parece inadequada” (Dogan, 1998, p. 99).
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A Política entre a Ciência Política e a História Política no Brasil
como estratégia de afirmação institucional. Com efeito, de sua emergência até hoje, a Ciência Política –
sendo esta uma diferenciação da Sociologia, dentro de
sua especialização, tem trilhado o caminho da interdisciplinaridade.
Não tendo nem meio século de existência, a Ciência Política brasileira tem recebido – e desenvolvido –
o legado dessa tradição de interdisciplinaridade dos
países produtores de teorias e métodos em Ciência
Política – notadamente dos Estados Unidos. Concretamente, isso significa a reprodução dos ‘paradigmas’
mencionados acima – afora influências do funcionalismo, da análise sistêmica e do marxismo.
Além disso, a interdisciplinaridade pode ser observada na análise do único currículo de graduação
em Ciência Política do Brasil – em termos de universidade pública. Este é o caso da graduação da UNB, da
qual constam as mais diversas disciplinas como
demografia, estatística etc46.
Na ausência de outras graduações em Ciência Política, é desnecessário dizer que as graduações em Ciências Sociais possuem currículos generalistas – e que é
grande a distância que entre um curso de Ciência Política e um de Ciências Sociais e como é bem pequeno
o espaço da política nesses cursos47.
Em nível de pós-graduação, só existem seis programas de Ciência Política e nível de doutorado48. No
entanto, em certos casos, a interdisciplinaridade tem
sido usada como forma de ensino da Ciência Política,
ao lado geralmente da Sociologia49.
A despeito disso, como já foi dito acima, a especialização tem sido a trajetória escolhida pelos cientistas políticos. Segundo Reis (1999, p., 11), existe ainda uma certa dependência em relação à Sociologia. A
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quantidade de sua produção tem sido considerada
razoável.
Em relação à História Política, pouco ou nenhum
intercâmbio tem sido observado da parte dos cientistas políticos. A aproximação tem sido dos historiadores em relação aos cientistas políticos. Aparentemente
são dois campos que não têm contato entre si. Os historiadores estão ausentes da Anpocs e da ABCP, como
os cientistas políticos estão ausentes da Anpuh. Isso
reflete uma certa rigidez institucional entre os campos
dos cientistas políticos e o dos historiadores da política.
A única aproximação em relação à História tem a
ver com a tendência da produção dos cientistas políticos em adotar o enfoque “histórico” (Reis et al., 1997,
p. 8) ou, nas palavras de Vianna, “o recurso à história
[é] predominante nas teses de ciência política” (Vianna
1998, p. 483). A que se deve isso? A ausência de um
acúmulo de trabalhos de História Política, antes do
boom que será analisado em seguida – esta é provavelmente a resposta para aquela pergunta.
4.2. INTERDISCIPLINARIDADE DA HISTÓRIA POLÍTICA
Foi dito anteriormente que a História Política é uma
área da disciplina que é a História. Com efeito, trata-se
de uma área e não da totalidade de um campo científico, como o da Ciência Política. Portanto, a questão da
especialização e da interdisciplinaridade, pela sua
pouca abrangência, colocam-se de forma diferente.
Também foi dito antes que a História, como saber,
nasce como História Política, no sentido de que aos
primeiros historiadores interessava destacar os grandes eventos, os grandes políticos etc. É com a Escola
dos Anais e com o Marxismo, duas disciplinas com
pretensão a um conhecimento total da realidade do
Cf. o documento O Bacharelado em Ciência Política na UNB.
Consultar a este respeito qualquer currículo de graduação em Ciências Sociais do país.
São respectivamente: UFRGS, USP, UFPE, IUPERJ, UNB, PUC-RJ.
Este parece ser o caso do programa de pós-graduação em Sociologia e Política da Universidade Federal de Santa
Catarina.
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passado, que a História adentra o campo das ciências
sociais.
O retorno da História Política, que acontece desde
os anos 1980 até hoje no Brasil, dá-se sob a égide da
interdisciplinaridade que alcança o conjunto da História. Trata-se, portanto, de uma especialização dentro
de uma disciplina e não de uma especialização de uma
disciplina – como é o caso da Ciência Política. No que
concerne à História Política, os historiadores não chegam ao ponto de um ruptura com o campo da História. Permanecem parte dele.
Esse conhecimento produzido pela História Política é,entretanto, interdisciplinar (D’Alession e Janotti,
1996). Com efeito, os historiadores da História Política, tanto na França como no Brasil, fazem empréstimos de teorias, conceitos e métodos de diversos campos das Ciências Sociais – inclusive da Ciência Política. É neste sentido que se pode dizer que, como
parte da História, a História Política opta pelo movimento da interdisciplinaridade como forma de existência.
É enquanto tal que a ANPUH cria, por exemplo,
grupos de trabalho especializados em História Política. Todavia, esse movimento interdisciplinar da História Política não ocorre sem contestação no interior
do campo da História. De fato, para alguns historiadores, a interdisciplinaridade coloca o grave problema
do espaço científico dos historiadores – já que não
fariam nem História nem Ciência Política.
A produção dos historiadores da política foi avaliada por vários historiadores (D’Alession e Janotti, 1996;
Lapa, 1982). Ela guarda em comum a Ciência Política
a idéia do poder como objeto da análise política – sem
contudo a especialização por áreas dos cientistas políticos. Neste sentido, qualquer trabalho que envolva o
problema do poder tem sido considerado parte História Política (D’Alession e Janotti, 1996).
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V. Conclusão
À guisa de conclusão, é intenção do autor deste
trabalho retomar alguns pontos centrais desta argumentação e discutir um pouco a relação entre as duas
áreas de conhecimento científico da política no Brasil.
Vistos em conjunto, os dois processos de institucionalização e suas práticas científicas fazem parte de
um movimento mais amplo que é o da construção e
alargamento das Ciências Sociais no Brasil, respectivamente em relação à Ciência Política e a História Política. Nos dois casos, nota-se a importância do legado
do passado de cada área na determinação do que são
hoje.
No que concerne à Ciência Política, é de destacar a
a influência decisiva da Ciência Política norte-americana, tanto em termos de teorias e métodos, como em
termos de fomento institucional da parte da Fundação
Ford. No caso da História Política, a influência decisiva e da Historiografia francesa e do Estado brasileiro –
papel estatal igualmente presente quanto à Ciência
Política.
Duas trajetórias diferentes parecem ter sido escolhidas pelas duas comunidades científicas. Enquanto
a Ciência Política caminha na trilha da especialização
(como estratégia de consolidação institucional), a História Política adota a perspectiva da interdisciplinaridade. Entretanto, entre os dois saberes sobre a política no Brasil parece não haver intercâmbio. Com efeito,
são dois saberes que, embora partilhando um objeto
comum, possuem fronteiras institucionais bem delimitadas.
Do lado da Ciência Política, pelo menos a curto
prazo, não há chances de serem criadas graduações
em Ciência Política nas universidades públicas – com
o objetivo de inverter o padrão de dependência herdade em relação a Sociologia –, dada a forte presença
dos cursos de Direito e de Administração como forne-
A Política entre a Ciência Política e a História Política no Brasil
cedores de quadros para a burocracia estatal. O que
escreveu Wallerstein a respeito do caráter tardio da
Ciência Política devido à “resistência oferecida pelas
faculdades de Direito quanto a ceder o monopólio que
detinham nessa área” (Wallerstein, 1996, p. 36), parece ser um padrão sem chances de mudança em horizonte próximo50.
Quanto aos historiadores da política, eles estão
institucionalmente bem estabelecidos – embora problemas de identidade da disciplina sejam apontados
pelos historiadores brasileiros51. A inserção da História Política no campo das Ciências Sociais parece ser
um movimento sem retorno – a despeito da rigidez
institucional e do conflito interno (acima menciona-
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do) entre os historiadores sobre tratar-se a História
uma ciência ou uma filosofia.
Entretanto, há espaço para um diálogo entre a Ciência Política e a História Política. Com efeito, são dois
saberes que reivindicam um interesse comum por cultura política, partilham alguns precursores comuns e
têm uma concepção comum e alargada da política. Não
bastassem esses pontos, hoje o neo-institucionalismo
histórico – essa corrente institucionalista que combina história e política – poderia ser essa fonte de diálogo, que poderia interessar estrategicamente as duas
comunidades científicas e, ao que parece, não tem
merecido a devida atenção dos historiadores e dos cientistas políticos brasileiros.
Apesar disso, de acordo com o INFOCAPES (Pós-Graduação: Enfrentando Novos Desafios.), vol. 9, nos. 2-3, 2001, p.
185, na parte referente à Ciência Política, há uma interessante proposta de “suprir uma demanda reprimida em busca
de Escolas de Governo, nos moldes das existentes nos Estados Unidos da América, voltadas para a formação profissional
e acadêmica de especialistas e pesquisadores engajados na esfera pública”.
Iglesias alerta para “os eventuais perigos de uma perda de identidade da natureza da História pelo uso às vezes indevido
e possível abuso dessas outras ciências”. IGLESIAS, Francisco. A Historiografia brasileira atual e a interdisciplinaridade.
In Revista Brasileira de História, São Paulo, 3(5): mar. 1983, p. 130.
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