Ciência Política no Brasil: história, conceitos e métodos PROJETO APRESENTADO PELA ABCP À FUNDAÇÃO FORD E AO INSTITUTE FOR INTERNATIONAL EDUCATION (IIE). Leonardo Avritzer Carlos R. S. Milani Rachel Meneguello A ciência política no Brasil tem pouco mais de 50 anos de existência e já ultrapassou a sua fase heroica. Os primeiros programas e profissionais na área de ciência política no Brasil surgiram no começo dos anos 60 no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte e Rio Grande do Sul (Forjaz, 1997). No que diz respeito à disciplinarização e institucionalização, a ciência política brasileira foi mais lenta do que as suas congêneres e só se institucionalizou permanentemente nos anos 70 com a consolidação dos primeiros programas de pós graduação no país (o da U.F.M.G. que foi o primeiro programa é um pouco anterior). Já nos anos 80, houve uma primeira expansão das ciência política no Brasil com a criação de programas de referência no interior de São Paulo com a Unicamp, na UNB e na região Nordeste com o programa de Pernambuco. Por fim, na última década, houve uma expressiva expansão da ciência política brasileira com a expansão em todas as regiões, a expansão no número de programas de pósgraduação no interior dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Ao mesmo tempo, a ABCP, criada em 1986, foi se consolidando e acompanhando este processo: hoje a ABCP conta com 750 membros e 12 áreas temáticas. Quando olhamos o processo de criação, expansão e consolidação da ciência política no Brasil do ponto de vista geracional, percebemos que a área não tem mais do que três gerações que ainda convivem entre si. Podemos perceber também que a área ainda não criou e nem consolidou a sua memória. Os textos disponíveis sobre a história e ou memória da ciência política no Brasil são poucos (Forjas, 1997; Lessa, 2011; Viana,1994; Trindade) abordam questões completamente específicas, tais como, a origem de algumas tradições acadêmicas, a institucionalização do sistema de pósgraduação e a relação entre autoritarismo no Brasil e a institucionalização da ciência política. Claro que estas questões são muito relevantes, mas elas não permitem uma memória sistematizada sobre a formação da área e das suas preferências metodológicas e conceituais. Neste projeto, pretendemos ir além de onde se encontra a literatura e impulsionar por meio da ABCP, Associação Brasileira de Ciência Política, um processo de história e memória da ciência política no Brasil que tenha uma dimensão ao mesmo tempo biográfica, metodológica e conceitual. Os nossos principais objetivos serão: 1) sistematização da construção da ciência política no Brasil por meio de entrevistas e vídeos com a primeira geração de cientistas políticos no Brasil. 2) Sistematização do processo de auto-construção da disciplina nas suas interações internacionais. 3) História sistemática das principais áreas e sub-áreas temáticas da ciência política. 4) História específica das principais tradições regionais da ciência política brasileira. 5) História da ABCP; 6) sistematização dos elementos e áreas de interesse dos filiados. 6) Análise do conteúdo publicado na principais revistas da área. Origem da ciência política no Brasil: padrões regionais e influência internacional Dois fatores explicam a origem da ciência política no Brasil: um certo elemento regional que variou bastante ao longo dos anos 60 e uma concepção internacional que também variou. A conjuntura de criação da ciência política brasileira foi um momento no qual as ciências sociais como um todo estiveram regionalizadas. Sabemos algo sobre este processo, mas de forma muito pouco sistematizada no campo da ciência política. Sabemos que em Minas Gerais a ciência política surgiu como derivação da economia e do direito (processo semelhante parece ter ocorrido em Pernambuco). Sabemos que em São Paulo a ciência política surgiu a partir de uma separação com a sociologia e que, no Rio de Janeiro, o caminho esteve mais ligado a discussão sobre o Brasil que ocorria naquele momento no ISEB. Foi somente a partir dos anos 70 que se consolidou uma visão mais unificada de ciência política no Brasil. Como se deu este processo? Quais foram seus principais protagonistas? Quais foram a principais dificuldades enfrentadas? Ainda não conhecemos essa realidade muito bem. O primeiro objetivo deste projeto é reconstruir o processo de consolidação de uma concepção relativamente unificada de ciência política no Brasil. Realizaremos entrevistas com os principais fundadores da área, Wanderley Guilherme dos Santos, Fábio Wanderley, Bolivar Lamounier, Hélgio Trindade e Glaucio Soares, Evelina Dagnino e Lúcia Avelar . Estas entrevistas serão filmadas e estarão disponíveis também em vídeo na homepage da associação. Em segundo lugar, há uma outra questão muito pouco estudada no Brasil e que vale a pena ser sistematizada pelo projeto, a evolução e consolidação das áreas da ciência política brasileira. Este trabalho que existe para os Estados Unidos (Sigelman,2006) e para alguns outros países ainda não existe no Brasil. Nosso segundo objetivo e reconstruir tal como feito por Sigelman um mapa da evolução da ciência política no Brasil com os seguintes tópicos, teoria, empiria, instituições, participação, opinião pública e relações internacionais. Pensamos em fazer um levantamento nos periódicos e nas dissertações de mestrado sistematizando estes dados entre 1960 e 1980. Um terceiro ponto na questão da história da ciência política está relacionado com a questão internacional. As relações entre a ciência política brasileira e o plano internacional ainda não foram bem abordadas. A ciência política internacional tem duas origiens: de um lado, a origem Norte Americana que coincide com o início do século XX. A American Political Science Association foi fundada em 1903, em 1906 ela já tinha quase 400 membros e o seu periódico principal foi fundado neste mesmo ano. A influência da APSA na ciência política brasileira não pode ser sub-estimada, ainda que não tenhamos dados suficientes sobre interações e formação. De outro lado, no imediato pós-guerra foi fundada a IPSA em Paris no ano de 1949. Com apoio inicial da UNESCO e das Nações Unidas foi criada uma estrutura que ajudou a ciência política a se constituir na Europa do pós-guerra. A IPSA constituiu uma tradição um pouco diferente daquela desenvolvida pela APSA já que se concentrou em questões históricas, filosóficas e normativas, no momento em que os Estados Unidos caminhavam para uma visão mais institucional e quantitativa da ciência política (Collier, 2009). Assim, estabeleceram-se diversas tradições de ciência política é interessante saber como elas chegaram ao Brasil nos anos 60. Também nos interessa saber como essas diferentes tradições internacionais seguem influenciando, hoje, a ciência política no Brasil, bem como analisar em que medida, hoje, a produção brasileira também logra influenciar o que se produz internacionalmente. Neste ponto, o nosso projeto pretende sistematizar as diferentes interações entre a ciência política internacional e a brasileira, estabelecendo os padrões de formação da disciplina no Brasil. Especificamente, iremos levantar as instituições nas quais a primeira geração fez o seu doutoramento. Iremos também levantar as interações específicas entre indivíduos mostrando como se constituíram as principais redes de trabalho na ciência política brasileira. Conceitos e métodos na Ciência Política no Brasil O projeto visa, por meio das entrevistas e dos dados coletados, a produzir uma sistematização dos principais conceitos e métodos desenvolvidos por pesquisadores e professores da ciência política no Brasil. Busca-se abarcar tanto os conceitos e métodos reapropriados a partir de cientistas internacionais e difundidos no Brasil, quanto aqueles desenvolvidos de modo autóctone e de maneira singular e original pelos cientistas políticos nacionais. Neste sentido, iremos abordar as 10 principais tradições teóricas, analíticas e metodológicas desenvolvidas pela ciência política brasileira: a escolha racional, o institucionalismo, os estudos partidários, os estudos sobre participação, os estudos sobre cultura política, os estudos sobre política brasileira, os estudos sobre teoria política, os estudos sobre relações internacionais e a própria noção de método. a nossa intenção é fazer uma revisão de cada uma destas áreas na chamada “long duree” isto é, no período desde a sua constituição até hoje. Para cada uma destas áreas iremos escolher um ou dois membros proeminentes na área para apresentar um trabalho que conteria as seguintes questões: Origem específica da área de estudos (quais foram os inputs que levaram a sua formação). Queremos, neste caso, investigar como a área se formou se os inputs foram nacionais ou internacionais e de que modo eles se combinaram. Pensamos em abordar os seguintes elementos: origem, interação nacional e internacional; se houve interação com outros países da América do Sul. A maneira como o núcleo principal da sub-área se constitui e quais foram a principais questões se tornaram prementes na área. Como ela contribuiu para a ciência política brasileira. Nesta seção, pretendemos também tratar da relação entre o núcleo constituinte da ciência política no Brasil e instituições internacionais como fundação de apoio a pesquisa e fundações. Constituição da área, principais cientistas políticos que participaram da sua formação. Como esta formação se deu e onde que ela ocorreu (se foi na ANPOCS ou em outro fórum mais local). Esta parte poderia se constituir tanto em um ensaio biográfico sobre as principais lideranças como também uma “estória” sobre a interação entre estas pessoas. Como a área pode ser vista hoje: qual é o estado da arte. Como a área interage com outras áreas no cone Sul e na ciência política internacional. Organização da proposta e orçamento: Este será um dos projetos estruturantes da ABCP durante o período 2012-2014. Os coordenadores da proposta serão os três membros da diretoria executiva, o presidente, o secretário geral e a secretária adjunta. O projeto será iniciado com um seminário nacional que terá lugar no primeiro semestre de 2013. Neste seminário serão discutidas as propostas de papers das sub-areas pelos autores das propostas e pelos coordenadores do projeto. O projeto terá também uma equipe de filmagem que interagirá com o site da ABCP. Esta equipe fará mini-entrevistas de dez minutos com todas as pessoas de referência e estas entrevistas estarão no site e contribuirão para a primeira parte do projeto sobre a constituição da ciência política no Brasil. A segunda parte do projeto envolverá a produção dos papers e um seminário com o título “Ciência política no Brasil: memória e estado da arte”. Este seminário a ser realizado ou no Rio de Janeiro ou em Belo Horizonte terá como função debater os papers e consolida ruma visão sobre a ciência política no Brasil. Nesta parte iremos incluir também o tópico das relações entre a ciência política e instituições internacionais. A relação entre a ciência política brasileira e Fundação Ford é bem estabelecida e já foi tratada em diversas publicações. Frank Bonilla, program officer no Brasil, ajudou a consolidação de diversas instituições nos anos 60, ajudou na fundação do Cebrap e participou ativamente da formação de uma geração de cientistas políticos brasileiros depois do seu retorno a universidade de Stanford. A partir do seminário iremos produzir um livro com o mesmo título a ser publicado no primeiro semestre de 2014 por uma grande editora de circulação nacional. Lançamento do livro no Congresso da ABCP em 2014.