PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP CLAUDIA MARIA LAS CASAS BRITO LAMAS A EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO STANDARD MÍNIMO VITAL DO DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2012 CLAUDIA MARIA LAS CASAS BRITO LAMAS PUC-SP EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO STANDARD MÍNIMO VITAL DO DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 MESTRADO EM DIREITO Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, área de concentração: Direito do Estado, subárea Direito Constitucional, sob a orientação do Professor Doutor Vidal Serrano Nunes Júnior. São Paulo 2012 Banca Examinadora ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ AGRADECIMENTOS Como agradecer em palavras por algo que lhe gerou e vai lhe gerar benefícios pelo resto da vida, quando as palavras não parecem preencher tudo o que está no coração? Esse é um dos dilemas do agradecimento. O outro é: e se nos esquecermos de citar o nome de alguém, mesmo sendo essa pessoa muito importante para a nossa vida e para a realização desse trabalho? Por isso, desde então, pedimos perdão aqueles que não citamos; isso não significa, de maneira alguma, que vocês não são parte integrante e importante de minha vida. Aristóteles dizia que ser ético é ser feliz, estar bem com os amigos, com a família e com o Estado. Bom, então nesse caso sou obrigado a afirmar que meus amigos e família fizeram de mim uma pessoa ética. Por isso, a todos o meu mais profundo agradecimento. Em especial e com profunda admiração, agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Vidal Serrano Nunes Júnior, pelos caminhos apontados com tanta precisão, objetividade e afeto. Agradeço do fundo do meu coração ao Prof. Dr. Roberto Baptista Dias da Silva, Prof. Dr. João Manuel da Silva Miguel, Prof. Dr. Abdul Wahab Abdul, Prof. Pedro Buck, Prof. Dr. Flávio Comin, Prof.ª Dra. Flávia Piovesan, Prof.ª Dra. Maria Garcia, Prof.ª Dra. Ossanna Chememian Tolmajian, Prof. Dr. Claudio de Cicco, Prof. Dr. Álvaro de Azevedo Gonzaga, Prof. Dr. Clilton Guimarães dos Santos, Prof. Dr. Luiz Alberto David Araújo, Prof. Dr. Chizzotti, Prof. Dr. Marco Antônio Marques da Silva, Prof. Dr. Guilherme Concci, Prof. Derly Barroso, Prof.ª S. Riyadh Weyersbach, Prof. Dr. Marcelo Figueredo, Prof. Dr. Damásio de Jesus, Prof. Dr. Lênio Streck, Prof. Dr. Motauri Ciochetti de Souza, Prof. Dr. Oswaldo Peregrina Rodrigues, Mestra Lindinha, Mestra Rosa e Prof.ª Beatriz Nunes Las Casas, por nossos diálogos sempre tão fecundos que construíram pontes de saber e porque me ensinaram os pilares básicos da educação com amor e dedicação profundas: o aprender a conhecer, aprender a criar, aprender a conviver e aprender a ser. Agradeço as minhas queridas e tão amadas amigas Camila Ploennes, Marina Pedroso e Hellen Ribeiro, que guardam em seus corações os dias felizes do meu futuro. Agradeço igualmente as minhas amigas: Erika Virginia Cangueiro, Sandra Romão, Elizete Santos, Márcia Vilela, Talita Vilela, Edna Mattos, Aparecida Zavitoski, Patrícia Zavitoski, Isabella Zavistoski, Alexandra Cherri, Walquíria Guedes, Lita Vieira, Sueli, Sônia, Natália Nambara, Márcia Aguiar, Roberta Barros, Beth Seabra, Rosana Silva Portela, Cristina Christo, Akemi Kamimura, Teresinha Vasarhely Porto, Paula Brito, Marcos Marinho, Ana Paula Breda, Amauri Paroni, Cid Paroni, Anderson José Dias e Marcelo Augusto Santana de Melo, Prof. Mário e Pascoal Baptistny, Mozart Morais, Angelina Campos Pereira, Diana Capella Barca e Marília Capella Barca, pelo carinho, pela estima, pelo amor, pela paciência, pelo incentivo, pelo ombro amigo nos momentos difíceis e pela risadas das horas alegres, quanta honra ser amiga de vocês! Agradeço, em especial, aos amigos e funcionários, biblioteca e secretárias, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Cogeae, pelo profissionalismo, pelo afeto e por fazerem desses espaços acadêmicos, onde sou tão feliz, um universo de aprendizagem. E agradeço profundamente a bibliotecária Claudia Prado do Instituto Brasileiro de Geografia IBGE, que muito me ensinou e auxiliou. Também agradeço ao CNPq/Capes que, por meio de uma bolsa de estudos, permitiu-me dedicação aos estudos e à pesquisa acadêmica. Dedicatória Ao Julinho e ao Juan, razões de minha vida, por e para vocês, sempre. Ao meu filho do coração e de leite, Rafael Las Casas pelo amor e pelo apoio. Aos meus pais, Beatriz e Luiz Carlos, minha raiz, meu berço, meu orgulho. Aos meus outros pais, Julio Ferradás e AméliaVidueiros, que vieram de além mar para completar minha felicidade. Ao Schumacker e a Amy pelo amor incondicional e amigo de todos os momentos. In memória de minha avó Maria Barbosa Nunes e Aracy Belisário, pela sabedoria. In memória de meu avó materno constitucionalista de 1932: João Barbosa Teixeira. In memória do meu amado tio Toninho: A Libertadores, é nossa! In memória do amor do meu vozinho Tango: a estrela ainda brilha. In memória de Theotônio Negrão: você continua sendo o melhor dos meus amigos. À você, Julio Vidueiros, alegria e amor de todos os meus dias, por nossos vinte e cinco anos, você cumpre sua promessa diariamente: sou feliz, mas com você ao meu lado não poderia ser diferente. ps: te amo. PENSAMENTOS “Pergunto coisas ao Buriti; e o que ele responde: é a coragem minha, Buriti quer todo azul, e não se aparta de sua água carece de espelho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende”. João Guimarães Rosa in Grandes Sertões Veredas. “O regime democrático só terá condições de se transformar, em nosso país, em um ‘valor universal’ quando estiver associado a um maior bem-estar dos cidadãos e à perspectiva de um futuro melhor” Boris Fausto in História Concisa do Brasil. RESUMO Trata-se de pesquisa sobre o tema “A Educação Política como standadt mínimo vital do direito à educação na Constituição de 1988”. Aborda a construção do direito à educação como direito fundamental e humano, que visa o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para cidadania e sua qualificação para o trabalho. Esse direito humano e fundamental que lhe causa empoderamento, tem assim o escopo de desenvolver suas habilidades cognitivas, motoras, mentais e espirituais, que o transformarão em um ser potencialmente crítico e pensante, logo um indivíduo capaz de participar racionalmente de um regime democrático, que por sua vez é o único regime político capaz de, nesses termos, o habilitar. Apontamos assim, que o direito à educação, como todo o direito fundamental social prestacional, conforme disposto na Constituição de 1988, somente é realizável partindo da concepção de que ele contém um standard mínimo vital incondicional, que consagra que a opção da organização socioeconômica do Estado pode até sofrer variações, porém toda ela sempre deve ser comprometida com a proteção da dignidade da pessoa humana. E a essência do direito à educação, conforme disposto na Constituição de 1988, abrange como limite a ser alcançado pelo processo educacional que os cidadãos brasileiros devam, principalmente, ser preparados pelas escolas para a vivência de uma cidadania ativa e dinâmica, o que, entretanto, está sendo ministrado por uma modalidade de ensino informal, que mesmo que intencional, não está sendo capaz de transformar o cidadão brasileiro em um cidadão ativo. E isso se opõe contra os objetivos de um direito de educação como diretos de todos, que por sua vez pressupõe uma educação cidadã igual, a ser ministrada de acordo com as diferenças que portam os educandos em solo brasileiro. Nesse sentido, apontamos que uma educação formal intencional, que se perfaça por um processo dialógico, deva ser ministrada como uma disciplina, que seja interdependente com as demais, desde a mais tenra idade, para que o brasileiro enraíze e se habitue com a Democracia Social, tendo por fundamento dessa matéria o Texto Constitucional de 1988. Constatação que ganha solidez quando se faz uma interpretação sistêmica da Constituição Federal de 1988, principalmente, pela inteligência dos artigos 205 do corpo do Texto Constitucional permanente e pelo artigo 64 dos Atos de Disposição Transitórias. Palavras chaves: Constitucionalismo- Democracia- Cidadania- Mínimo Vital Educação Política. ABSTRACT This research is about the theme “The Political Education as a minimum vital standard of the right to education in the 1988´s Constitution”. Involve the right to education construction as a fundamental and human right that brings the complete person development, his prepare to the citizenship and job qualification. This human and fundamental right, that gives this social empowerment, has the scope of develop his cognitive, motor, mental and spiritual abilities, change him in critical thinking being, in order to rationally participate in a democratic regime that is, on the other side, the unique regime efficient for this human development. So, we are indicating that the right to education, as a fundamental, social and state provider right, like is disposed at 1988´s Constitution statements, can be a fact if contains the unconditional and minimum vital standard, that establish the commitment to the human dignity protection, even if changes made in the socioeconomic or organization of the State. And the real essence of the right to education as disposed at 1988´s Constitution, involve the base line to be gotten in the educational process give to the Brazilian citizens at the schools, including an active and dynamic citizenship experience, that however is delivered in an informal and intended instruction, and doesn’t be able to change the Brazilian citizen in an active person. It is opposed to the objectives of a right to education as a right of all, that presupposes an equal and citizen education, to be given in accordance with the differences between the Brazilian citizens. So, we are pointing a formal and intended education, made in a dialogical process, gives as an interdependent discipline, since the first age, to permit the knowledge and the habit of a Social Democracy for the Brazilian people, using the statements of the 1988´s Constitution. This declaration gains strength when is taking a systemic interpretation of the 1988´s Constitution, specially the 205th article and the 64th article at the Acts of Transitional Provision. Key words: Constitution – Democracy – Citizenship – Vital minimum – Political Education. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO I CAPÍTULO - DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO JUSTIÇA E DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO LEI. DA FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO AO CONSTITUCIONALISMO ESTADO CONSTITUCIONAL. MODERNO DO AO NEOCONSTITUCIONALISMO 1.1 A Linguagem natural e científica e sua função política ....................................... 7 1.2 A Linguagem do Direito como Justiça e a Linguagem do Direito como Lei ...... 16 1.3 Da Formação do Estado: do Constitucionalismo antigo ao Constitucionalismo Moderno. Da formação do Estado Liberal e de sua educação ............................. 1.4 O Estado Liberal: jusnaturalismo, contratualismo, Separação dos Poderes, da Educação Liberal burguesa e Direitos de Primeira Geração ............................... 1.5 30 Do Estado Social e socializante, Direitos de Segunda Geração e a Educação como Direito Fundamental na Constituição de Weimar 1919 ............................. 1.6 20 51 Internacionalização dos Direitos Humanos e a formação de um Estado Constitucional Integralizador e Cooperativista- um caminho possível ............... 63 1.7 Estado Constitucional e Direitos da Terceira Geração ........................................ 72 1.8 Estado Constitucional e Democracia Social, um direito de Quarta Geração ....... 76 1.9 Funções de uma Constituição .............................................................................. 87 1.10 Algumas considerações sobre Hermenêutica e Interpretação Constitucional e Interpretes Constitucionais ................................................................................... 1.11 89 Fontes Interpretativas ou Agentes Interpretativos- Quem interpreta a Constituição? ........................................................................................................ 95 1.11.a Fontes Interpretativas Oficiais ............................................................................. 96 1.11.b Intérpretes não oficiais da Constituição- Sociedade Aberta de Intérpretes ......... 101 II CAPÍTULO - DIREITOS FUNDAMENTAIS 2.1 Etimologia, Conceito e Definição de Direitos Fundamentais .............................. 109 2.2 A Finalidade principal dos Direitos Fundamentais: a dignidade da pessoa humana e a importância das dimensões de seus conteúdos e formalidade .......... 117 2.3 Das Dimensões ou Funções dos Direitos Fundamentais. Função Subjetiva. Função Objetiva, Função de não-discriminação e da sua Função Social ............ 123 2.4 Características dos Direitos Fundamentais .......................................................... 128 2.5 Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988 ................................. 131 2.6 Algumas considerações sobre a correlação entre Direitos Humanos e Direitos fundamentais ........................................................................................................ 2.7 136 DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS ..................... 141 2.7.1 Pressupostos dos direitos sociais ......................................................................... 141 2.7.2 Elementos estruturais dos Direitos Sociais .......................................................... 142 2.7.3 O Complexo Conceito de Direitos Sociais .......................................................... 144 2.7.4 A Constituição de 1988 e os Direitos Sociais ...................................................... 150 2.7.5 Dimensões (Funções) Subjetiva e Objetiva dos Direitos Sociais e suas implicações .......................................................................................................... 165 2.7.6 Direitos sociais e o standard mínimo social ........................................................ 173 2.7.7 A eficácia dos direitos sociais na sua dimensão prestacional restrita como 2.7.8 problema específico ............................................................................................. 191 O significado da Teoria da “reserva do possível” para o Brasil .......................... 198 III CAPÍTULO - DA EDUCAÇÃO 3.1 Do conceito de educação e do ensino e suas implicações filosóficas, históricas, sociais, políticas e jurídicas .................................................................................. 211 3.2 Modalidades da Educação .................................................................................... 221 3.3 Da evolução da educação como um direito social no Brasil- das Constituições de 1934 a 1969. Das Reformas educacionais de Francisco Campo a Educação em tempos da ditadura da junta militar ................................................................ 222 3.4 O processo de abertura política no Brasil, eleições diretas e a necessidade da construção de um sistema educacional constitucional ......................................... 248 3.5 3.5.1 A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 251 O Artigo 205 da Constituição de 1988: educação como direitos de todos e a necessidade de uma educação igual para gerar iguais oportunidades .................. 252 3.5.2 Educação Direito Público Subjetivo: Dever do Estado e o standard mínimo a ser assegurado pelo Estado Brasileiro .................................................................. 266 3.5.3 Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional: Salário Educação e seus programas e a exigência de um controle social de seus recursos ........................ 284 3.5.4 Educação: Dever da Família em colaboração com a sociedade .......................... 288 3.5.5 Os objetivos da educação na Constituição de 1988 ............................................. 294 3.5.6 Princípios básicos do ensino brasileiro: limites constitucionais .......................... 305 CONCLUSÃO .................................................................................................... 313 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 321 1 INTRODUÇÃO A Constituição de 1988 é conhecida por ser a “Constituição Cidadã”. O arcabouço de seu Texto reflete a pluralidade de pensamentos e opiniões de nosso imenso país. Contudo, expressa por cada cidadão brasileiro um único desejo: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. É a primeira Constituição brasileira, que determina ao poder público brasileiro, instituído democraticamente, por meio de uma linguagem natural, sobre os valores supremos, eleitos pelo povo, para a nação. Tem por objetivos: erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir desigualdades regionais e por meio da educação, do trabalho, pelo respeito aos direitos humanos, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, autodeterminação dos povos, repúdio ao terrorismo e ao racismo e, cooperação com outros povos garantir o desenvolvimento nacional, para que finalmente se promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, para que, principalmente, por meio do desenvolvimento humano de cada cidadão que aqui esteja e para aqueles que estejam, além de nossas fronteiras, consiga desenvolver todas as suas potencialidades de pessoa humana e, assim viver uma vida digna, livre do medo e da necessidade. O Texto Constitucional de 1988 deu primazia ao ser humano quando consagrou os direitos fundamentais e humanos aos seus titulares: a pessoa humana. Compreendeuse no momento de sua promulgação, 5 de outubro de 1988, que após vinte e um anos de ditadura militar com desaparecimentos, assassinatos, torturas, prisões arbitrárias, censura à liberdade de expressão, fome, desemprego, arrocho salariais, altíssimos níveis de inflação, pagos por brasileiros e estrangeiros, que aqui escolheram por pátria, que a organização de seu Estado, a organização de seus Poderes, sua ordem econômica e financeira e o seu sistema tributário estão, conjuntamente, à serviço da pessoas humanas e não o contrário. Compreendeu-se naquele momento, que há necessidade de arrecadação de tributos, mas que esses recursos devem ser voltados para que cada cidadão desse país e sua família possam gozar de: saúde, educação, trabalho, moradia, alimentação, segurança, transporte, assistência e proteção ao futuro por meio de assegurar à maternidade e a infância a devida assistência como também assegurar àqueles que já trabalharam pelo Brasil o devido amparo e o bem-estar em sua velhice. Ficou certo que esses recursos, oriundos do suor do trabalho de cada cidadão deveriam 2 garantir-lhe assistência em caso de desamparo e que todos esses diretos seriam a eles garantido, inclusive pela excelência da qualidade do serviço público, que deve ser esmerar por salvo guardar nessa prestação: legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e transparência de todos seus atos. Compreendeu-se em 5 de outubro de 1988, que a todos que estão em solo brasileiros, incluindo: negros, índios, deficientes, criança, idosos e estrangeiros que deve ser assegurado um standard mínimo vital de recursos materiais e imateriais, mas, que esses recursos são alcançados porque são direitos fundamentais e não mais atos de caridade, para que assim possam usufruir plenamente de todas as dimensões de sua dignidade de pessoa humana. Nesse sentido, então consideramos consagrar o direito à educação como “direito de todos” como sendo esse direito àquele capaz de causar empoderamento aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Com a promulgação da Constituição de 1988 fomos ainda mais longe. Diante da consciência da tamanha riqueza de que somos capazes de produzir, nessa terra abençoada, onde tudo o que se planta nasce, compreendemos a imensa necessidade em que há em explorar o meio ambiente sem danificá-lo, assim fomos uma das primeiras nações a compreender a sustentabilidade como um valor supremo que caminha lado a lado com a justiça, com a liberdade, com a igualdade e com solidariedade. E nisso encontramos mais um motivo para eleger a educação como o meio próprio para alcançar a sustentabilidade de nosso meio-ambiente tão ímpar e singular, do qual todas as outras nações dependem, porque são as nossas matas os pulmões do mundo, são nossas lavouras, o celeiro do mundo que estão guardados e assegurados pelo trabalhado de uma gente alegre, sorridente, amável e amiga. Contudo, sofrida porque não podem usufruir de uma vida digna como tanto desejam. Isso porque, tudo o que ficou certo e perfeitamente compreendido, entre Estado Brasileiro e povo brasileiros, em 5 de outubro de 1988, vem sendo cuidado, pelos vários governos que se sucederam, depois dessa data, por alguns mais por outros menos, mas sempre e como um simples rompante de esperança, que esvaneceu. Assim, e apesar de por aqui, ter se instituído uma democracia social, isso não tem sido nem o bastante nem o suficiente. Porque ao longo de quase um quarto de século, os fatores reais de poder predominantes, a corrupção e o vício da manipulação, estão fazendo sucumbir a Constituição de 1988, que aos poucos como se ela fosse portadora de uma doença 3 neurológica incurável, atinge incansavelmente os nervos, os músculos, e os ossos da democracia, sua moradia, para que Ela fique afastada de seu verdadeiro beneficiário, o povo brasileiro, e seja por muitos considerado apenas uma lembrança histórica, guarda da estante. E os fundamentos e objetivos da Constituição Social em face disso estão estagnados e não superam uma complexa “situação democrática”1 e não conseguem realizar o desejo do povo brasileiro: a construção de um sociedade livre, justa e solidária, para todos. Esqueceu-se que com o passar do tempo e em face da burocracia ministrada pela administração pública, em sua maioria concursada, e seus papéis e dos avanços tecnológicos, que a Constituição de 1988 tem uma função integrativa. E que, assim, é Ela, a ponte entre a linguagem natural do povo e a linguagem científica dos especialistas, que em muitos casos, governam por representação, esse país. De maneira, que em geral, face aos seus interesses egoístas e mesquinhos e disputas partidárias, tentam afastá-la o máximo possível de seu verdadeiro dono aportando que sua interpretação é complicada que são necessários anos de estudos. E na verdade nem mentem quando dizem isso, mas manipulam em parte a realidade de que: “todos interpretam a Constituição”. Dado que, seu conhecimento sempre chega a todos, de uma forma ou outra, pois a decisões que são tomadas sobre ela se refletem no dia a dia de cada cidadão brasileiro. Logo, está claro que conhecimento e o contato direto com a Constituição de 1988 devem representar, acima de tudo: liberdade! A cada lei infraconstitucional que elaborou para se concretizar direitos fundamentais pela consecução de políticas públicas sociais enfatizou-se a importância da participação do cidadão. Os políticos e os poderes desse país, a todo instante conclamam a participação do cidadão, mas, em geral, não em respeito ao Texto Constitucional de 1988, seus fins visam seus próprios interesses eleitorais, e assim, por 1 Expressão usada pelo historiador Boris Fausto para referir-se ao nosso atual momento histórico, pois segundo ele, o fato de que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia, por parte de quase todos os atores políticos facilitou, segundo ele, a continuidade de práticas contrárias a uma verdadeira democracia, visto que o fim do autoritarismo nos levou apenas a uma “situação democrática” do que propriamente, a um regime democrático consolidado. Sendo essa a grande tarefa a ser realizada pelos governos e sociedade civil em geral nos anos que se seguem a 1988. Contudo, podendo fracassar, já que as questões da afirmação e ampliação da democracia e do acesso dos excluídos à plena democracia estão profundamente ligadas. FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 290-310. 4 fim selaram com o povo brasileiro uma constituição real nos seguintes termos: “eu finjo que respeito seus direitos fundamentais e vocês me dão seu voto”. E isso perpetua a “situação democrática” e nos distancia, dia a dia, da democracia social da Constituição jurídica, política e social, que é um construído e não um dado, que apesar de respirar com sofreguidão, ainda vive. A solução para isso dizem os estudiosos bem intencionados, desse país: “é a educação”. Porém, que tipo de educação? Com certeza, uma que muito além de enfatizar o pleno desenvolvimento da pessoa humana e qualificação para o trabalho, prepare intencionalmente a pessoa humana para cidadania. Contudo questiona-se se essa intencionalidade deve ser formal ou informal. A diferença entre a intenção formal e informal da educação que quer cumprir o objetivo de preparar para a cidadania, é a diferença que existe entre intenção e gesto. Por um preparo formal e intencional compreende-se um preparo dinâmico, para que, principalmente se desenvolva mentes criticas que por meios de saberes multidisciplinares e interdisciplinares, faça os cidadãos brasileiros capazes de retirar da estante a Constituição de 1988, e em face de sua leitura ao se depararem com seus diretos, deveres e garantias compreendam que seu conhecimento lhes restitui o poder da liberdade. Nesse sentido, uma educação voltada para cidadania começa dentro de casa, e essa, sim é uma educação informal, ainda que muitas vezes intencional, o que já aponta que sua continuidade deve ser formal e intencional, ou seja, desenvolvida na escola. Pois, por mais louvável que seja a educação informal, ministrada em casa, no clube, na igreja, nos sindicatos, nas agremiações, e mesmo que venha por seminários, colóquios, palestras, convenções e congressos nacionais e internacionais e ainda que saiba sua direção, ela não goza de sistematização e metodologia e isso impede que um amplo conhecimento chegue a todos, e a educação seja ela qual for, é direito de todos. De maneira que o preparo para cidadania brasileira como objetiva a educação direito de todos requer que todos os cidadãos conheçam e estudem a Constituição de 1988, que longe de ser uma doutrina, é seguramente o nosso contrato social, onde lá a pouco mais de vinte anos consagramos nossa liberdade pela vivência da cidadania. Isso porque, em seu Texto aprendemos a lidar com os significados dos valores supremos, os quais elegemos para ser a sustentação da nossa comunidade. 5 Daí, ter-se erigido os direitos fundamentais humanos como normas constitucionais que face às outras normas constitucionais gozam de primazia; daí termos instituídos suas regras e princípios como um sistema aberto, para que ele se comunique com seu dono e as situações reais que vivencia. Por isso, desde início dos nossos estudos queríamos compreender essa complexa relação entre constituição, constitucionalismo e educação partindo das seguintes concepções: a linguagem foi desenvolvida pelos seres humanos para permitir sua vivência em sociedade, o direito foi instituído, em um primeiro como um fator social capaz de dar a cada um o que é seu, ou seja, construiu-se como uma linguagem que é capaz de distribuir justiça e com a evolução do processo civilizatório essa linguagem passou a ser dominada por aqueles que detinham o poder da força, do mercado e da política por meio de leis que os fizeram selar entre si pactos para que sozinhos pudessem manter em suas mãos esses poderes, em contrapartida aqueles que ansiavam por maior liberdade, disseram que o governo de tudo aquilo que está em domínio público somente poderia vir por uma lei legítima e justa que limitasse esses poderes. Nasce, então, o constitucionalismo moderno que visa questionar tudo que está no domínio público sob um ponto de vista: filosófico, político, cultural, sociológico, psicológico e agora, sabemos, educacional. É sobre isso que cuidamos em nosso I capítulo: apresentar como essas idéias de formaram influenciando a formação e a função do Estado, que deve a princípio visar o bem comum. Logo, por esse, apresentamos como historicamente formou-se a idéia de Constituição como sendo aquele documento formal que falando a linguagem do povo quer impedir que atos arbitrários do Estado e de terceiro firam a dignidade da pessoa humana. No capitulo II, estudamos porque foram e porque são os direitos fundamentais e humanos aqueles direitos que gozam de primazia sobre todo o ordenamento jurídico e porque são eles a base de sustentação da comunidade, ao mesmo tempo em que traçam o perfil do Estado. Nesse capítulo damos ênfase àqueles direitos que para se concretizar necessitam que por parte do Estado seja planejado e executado políticas públicas sociais, bem como exigem que a pessoa humana titular desse direito social participe diretamente desse planejamento e dessa consecução para que seja a ela garantido um standard mínimo vital, que não podem ser manipulados por compreensão que lhes impõe reservas ou lhe causem insuficiência ou retrocesso. 6 Por derradeiro, no Capitulo III, apontamos a Educação com sendo aquele direito que permite ao ser humano que desenvolva todas as suas potencialidades, talentos e dons, para que muito além de pô- los a serviço de si mesmo, pela formação que se recebe passa a compreender que sua potencialidades, talentos e dons, também devem ser posto a serviço da comunidade onde vivem, para que assim se assegure a si mesmo e as demais pessoas, do qual também dependem, e às gerações futuras uma vida digna. E questionamos por fim se não está mais do que na hora de emergirmos, enquanto nação, por um processo educacional intencional formal de ensino-aprendizagem construtivo, ou seja, por uma educação política que tenha por base e fundamento desse processo dialógico educacional, a ser realizado em sala de aula e desde o ensino básico, a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988. Em suma, essa dissertação cuida ser um diálogo, e como tal nem sempre objetivo, porque ela cuida falar das necessidades humanas que devem ser protegidas por direitos e leis justas. Logo, como diálogo cuida muito mais do que apresentar pensamentos fixos e definitivos, visa principalmente ser fecunda pelo questionamento em face aos estudos e a pesquisa realizada, que sob os olhos do Outro quer ser objeto de objeções visto que sem elas nenhum diálogo é fecundo. Pois, conforme aprendemos com as Objeções de Sócrates, como interlocutores estamos sempre à procura de uma verdade que julgamos possuir. Isso porque, o estudo que realizamos sobre a Constituição de 1988 nos reforçou e provou que o Outro não é “somente um ser ideal e abstracto ao qual me dirijo, ou sob o olhar do qual aceito colocar-me. Ele é aquele que se dirige a mim, e na reciprocidade me responde: Pensaríamos muito e bem, se não pensássemos, por assim dizer, em comum com os outros?” 2 2 DICIONÁRIO DE FILOSOFIA PRÁTICA. verbete: Diálogo 1ª ed. Portuguesa. Portugal. Lisboa: Terramar. 1997. p 98. CLÉMENT, Elizabeth, DEMONQUE, Chantal, HANSEN Love Laurence e KAHN, Pierre. Título Original: Pratique de La Philosophie, de A à Z. Ed. Original: Hatier, Paris, 1994. 7 I CAPÍTULO DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO JUSTIÇA E DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO LEI. DA FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO AO ESTADO CONSTITUCIONAL. DO CONSTITUCIONALISMO MODERNO AO NEOCONSTITUCIONALISMO. “O homem é um ser essencialmente racional e histórico que, na sua relação com outros, em uma atividade prática comum, intermediado pela linguagem, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito.” Bakhtin 1.1 A Linguagem natural e científica e sua função política De acordo com Hilton Japiassú e Danilo Marcondes3 podemos definir a linguagem como “um sistema de signos convencionais que pretende representar a realidade”. Iniciamos de tal forma para enfatizar que todos os principais temas dessa dissertação - Direito, Direito Constitucional e Educação - podem ser genericamente definidos como “sistemas de signos convencionais” isso porque todos eles buscam de fato pela sua particular linguagem formar um conjunto de coisas e conhecimentos coordenados e conexos entre si que visam um mesmo fim, ou seja, todos possibilitam a comunicação de valores entre as pessoas e na medida em que vão formando sua particular linguagem perpassam valores de geração em geração e o que pretendem é proteger e preservar a realidade mais presente na humanidade: a condição de ser humano. 3 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 4a. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 169 e 170. 8 Contudo, Japiassú e Marcondes, também aportam que foi a partir da construção do pensamento moderno que a linguagem passou a ser considerada “elemento estruturador da relação do homem com o real” e como tal, passou a estar presente nessa esfera até transformarem-se em importantes conceitos filosóficos, dado que toda ciência e teoria necessariamente prescindem de “uma formulação linguística” 4 Desta feita Direito, Direito Constitucional e Educação desde o momento em que começaram a desenvolver-se a partir da modernidade e de conceitos filosóficos começaram também a desenvolver formulações linguísticas que acabaram por transformá-los em saberes “metódicos e rigorosos”, ou seja, também passaram a ser “um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino”5, em outra palavras tornaram-se ciências. Nesse sentido Miguel Reale6 nos ensina que cada ciência se exprime em uma linguagem e que muitos pensadores modernos ponderam que “a ciência é a linguagem mesma, porque na linguagem se expressam os dados e valores comunicáveis (...) e onde quer que exista uma ciência, existe uma linguagem.”. (g. n.) Para Clarice Von Oertzen de Araújo, a linguagem é uma criação do homem e foi instituída para permitir a vida em sociedade e possibilitar a construção de elos entre as pessoas por meio da comunicação, em suas palavras7: “A linguagem inclui-se entre as instituições resultantes da vida em sociedade. (...) A linguagem é o veiculo do qual se utiliza o homem para comunicar-se.” 4 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 170 5 Idem, Ibidem, p. 44. 6 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 7. 7 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartien Latin, 2005, p. 19. 9 Logo, a(s) linguagem (ens) assumiu (ram), principalmente, a partir da formação do Estado Moderno, século XVIII, uma “clara função política”8, na medida em que elas começaram a referenciar a relação de comunicação9 que se estabelece entre os cidadão o governo das cidades onde habitam ou estão, comunicando a todo cidadão as formas e as condições de poder que nela estão presentes. Isso implica afirmar que seu desconhecimento, ou ainda um acesso limitado a ela e aos recursos mediáticos do sistema complexo de comunicação que a envolve pode impedir que, de fato, uma pessoa venha a conhecer o “código político da sociedade global”. De maneira que essa pessoa ficará impedida e desmotivada pra superar os “obstáculos que a estrutura social coloca em seu caminho.” 10 Essa é a delimitação do nosso tema, pois considerando o que expressou Aristóteles, no sentido de que o homem é um animal político, que se define por sua vida numa sociedade organizada politicamente, parece lógico que ele tome conhecimento das linguagens que dizem respeito ao conhecimento prático e a natureza normativa dessa política que o cercam, em que ele está profundamente inserido; entretanto as coisas não evoluem exatamente assim, com tal coerência e simplicidade. 11 Conforme afirma Kant do ponto de vista metafísico, as ações humanas, “como todo outro acontecimento natural, são determinadas por leis naturais universais”. Porém, sobre elas há uma imensa atuação da “livre vontade humana”, visto que enquanto indivíduos o que de fato perseguimos são nossos próprios propósitos particulares12 o que impedem tracemos um plano que seja um fio condutor que nos guie 8 Podemos compreender função como a própria razão de ser de fenômeno ou coisa, ou seja, conforme afirma Canotilho quando nos referimos à uma função estamos nos perguntando: “para que serve, tal coisa?” in CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Portugal, Coimbra: Almedina, 2003.p. 1.438. 9 Comunicação pode ser compreendida como a: “capacidade de trocar ou discutir idéias, de dialogar, conversar com vista ao bom entendimento entre as pessoas” conforme: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 517. 10 BORDENAVE, Juan. E. Diaz. O que é comunicação?. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. p. 83. 11 Ver verbete política 1 que disserta sobre o sentido político da liberdade em JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit. p. 168 e Aristóteles. Política. 5ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. Livro I, cap.II. 12 Compreende Kant em sua obra Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita que para que se tente traçar um historia universal da humanidade o historicista deve levar em conta algumas 10 para viver em paz, como espécie. De maneira tal que:13 “no homem (única criatura racional sobre a Terra) aquelas disposições naturais que estão voltadas para o uso de sua razão devem desenvolver-se completamente apenas na espécie e não no individuo.” Desta feita, o ser humano foi construindo ao longo do decurso histórico do processo civilizatório linguagens naturais, aquela falada no dia a dia, e linguagens científicas. Ambas visam transmitir mensagens de um a outro, porém elas estão repletas de signos e significados que precisam ser selecionados, percebidos, decodificados, interpretados, incorporados para que diante delas as pessoas possam reagir e, assim, manter ativa a dinâmica da vida em sociedade, uma vez que as mensagens são transmitidas, em geral, por meio de palavras escritas ou faladas, que como veremos portam algumas características, que precisam passar por etapas desse intricado e complexo processo de comunicação para alcançar seu fim.14 Sob um ponto de vista mais amplo, compreendemos que as palavras, tentam traçar um plano, ou seja, os seres humanos tentam fazer delas o fio condutor que transmite de geração para geração valores humanos que traçam os limites possíveis entre o ser humano como indivíduo e o ser humano enquanto espécie, ou ainda buscam traçar os limites do poder de quem governa uma polis e as escolhas que um indivíduo faz dentro desta e que dizem respeito ao seu modo de agir, independentemente de qualquer determinação externa. Logo, evidenciaremos do ponto de vista do direito constitucional algumas linguagens e suas correlações e as interdependências que foram se construindo para se trabalhar a liberdade possível a todo e qualquer ser humano preposições que dizem respeito as leis naturais que exercem influência sobre o ser humano, (assim com fez Newton ao formular suas leis para a física), e as enumera num total de nove preposições e por hora fizemos referência a primeira dessas que diz: “ todas as disposições naturais de uma criatura estão destinadas a um dia se desenvolver completamente e conforme um fim” e segunda é aquela com a qual fechamos esse parágrafo. KANT, Immanuel. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. 3ªed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. 3-5. 13 14 KANT, Imannuel, op.cit. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. p. 3 Ver em BORDENAVE, Juan. E. Diaz. op.cit. 43-45, que nos explica algumas das fases do processo de comunicação, inclusive nos alertando que teórica e praticamente é impossível dizer onde começa e onde termina o processo de comunicação, bem como é impossível enumerar as fases de uma comunicação como se fossem partes de uma sequência linear e ordenada, pois é a comunicação: “processo multifacético que ocorre ao mesmo tempo em vários níveis- consciente, subconsciente, inconscientecomo parte orgânica do dinâmico processo da própria vida” 11 mediante o poder de quem governa, afinal conforme afirma Spencer15: “A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.” O que vem ao encontro ao Categórico Imperativo prático definido por Immanuel Kant como uma sentença moral que limita nossos atos em face de outro e determina a cada um de nós: - "Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio" – que, portanto, propõe que liberdade “é a ação em conformidade com a lei moral que nos outorgamos a nós mesmos”, ou seja, nós essa proposição afirmar que somos responsáveis pelos nossos próprios atos.16 Aportamos assim, que o indivíduo precisa a aprender a lidar com a comunicação com os signos convencionais de várias linguagens, em especial, com aquelas que têm uma clara função política, pois esse será um indivíduo que além de gozar de maior liberdade porque terá mais opções de escolhas, poderá formar maiores juízos valorativos, além de que esse conhecimento o tornará mais responsável para consigo e para os outros. Sem mencionar que a comunicação serve para que cada pessoa não seja um “mundo fechado em si mesmo” 17: Pela comunicação as pessoas partilham experiências, idéias e sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas. Portanto, a linguagem e o seu correlato processo de comunicação está diretamente relacionada com o grau de liberdade que vivenciamos, impondo-nos que 15 FERRARI, Márcio. Herbert Spencer: O ideólogo da luta pela vida, in Revista Escola, Ed. 0186, Especial Grandes Pensadores -Matéria 94622. São Paulo: Abril, outubro de 2008. 16 Ver o verbete política 2.e 3 que disserta sobre o sentido ético e filosófico da liberdade em JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit. p. 169 e KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 59. 17 BORDENAVE, Juan. E. Diaz. op.cit. p 36. 12 trabalhemos, consequentemente, com os limites da liberdade que podemos exercer, principalmente, perante Outrem. A liberdade, nesse sentido, é um valor humano apenas percebido e compreendido pelo homem quando está no meio social; daí ser18: o “meio social uma grande influência para o desenvolvimento da linguagem. [...] Na vida em sociedade, sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.”; portanto, podemos compreender que a linguagem, enquanto característica humana que trabalha valores humanos comunicáveis é o elemento unificador da cultura e da sociedade, é “berço da comunicação.” Nesse contexto e na medida em que o processo civilizatório da humanidade foi se conduzindo, também foi sendo inserido, gradativamente, nesse contexto o reconhecimento da liberdade de Um em face de Outrem. A linguagem, articuladas por palavras, comum ou científica, também, começou a debruçar-se sobre mais dois outros valores humanos que com a liberdade se complementam: a igualdade e, a solidariedade. E essa tríade de valores liberdade, igualdade e solidariedade foram assumindo e acumulando de tempos em tempos significados diferentes em detrimento de diferentes fatores sociais, políticos, jurídicos, culturais e econômicos ocorridos no processo histórico da humanidade, principalmente porque são eles, valores que se desenvolvem, frente a três principais atividades humanas propagadas em uma sociedade civilmente organizada: política, mercado e comunidade. Mas, conforme nos ensina Genaro Carrió, a linguagem por palavras, face à sua flexibilidade, pode assumir algumas funções19: a) Função descritiva: quando nos servimos dessa função da linguagem usamos as palavras, escrita ou falada, para descrever sobre fenômenos e sobre os estados de coisas. E quando assumem essa função o que devemos perguntar sobre elas é se 18 Texto: A linguagem como característica humana e como elemento unificador da cultura e da sociedade. Disponível na internet: http:/wwwverdadespedagogicas.blogspot.com.br/2010/11/linguagem-comocarateristica-humana-e.html. A acesso em julho de 2012. 19 CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguaje. 4ªed. Buenos Aires: Abeledo- Perrot, 1990, p. 19-21 – 13 são verdadeiras ou falsas. A Linguagem paradigma dessa função é a Linguagem Científica; b) Função expressiva: nessa função, usamos as palavras para expressar sentimentos e emoções: “não para descrevê-los, mas para exteriorizá-las”. A Linguagem paradigma dessa função é Linguagem poética: “Não tem sentido perguntamos se as expressões que aparecem em uma poesia são verdadeiras ou falsas, nem pretender julgar o mérito sobre ela utilizando-se dos cânones adequados para julgar uma obra cientifica.” c) Função diretiva: ao usarmos essa função da linguagem nos servimos de certas palavras para induzir outra pessoa a fazer algo ou a dirigimos para comporta-se de uma determinada forma. Do mesmo modo que ocorre na função expressiva, não há porque perguntar se falsa ou verdadeira: “Parra destacar seus méritos ou defeitos não apelamos a esses qualitativos” Temos apenas que nos perguntar se é justa ou injusta, oportuna ou inoportuna, progressiva ou retrograda; A linguagem paradigma dessa função, em geral, é encontrada nas leis. d) Função operativa ou performativa: Nessa função, estamos usando uma linguagem com características bem específicas ou especiais, assim ainda que a usemos das palavras para expressar nossos desejos ou estado de ânimo, a sua função central não é essa, ou seja, quando a usamos estamos desejando atingir um objetivo, fazer algo específico, que na verdade pressupõe a existência de um sistema de regras vigentes. Essa função tem suma importância para o Direito. Todas elas, diz Genaro Carrió, são apenas algumas das funções que nos serve para questionar20: “como devo tomar uma expressão linguística?” ou, ainda: “Qual é a sua força?”. Pois, de certo podemos observar pelas funções acima descritas que existe uma variedade enorme de atos ligados à linguagem; Nessa medida, concordamos com o referido autor no sentido de que ainda que saibamos seja a linguagem21: “a mais rica e 20 Idem, Ibidem, p.21. 21 Idem, Ibidem, p.17. 14 completa ferramenta de comunicação entre os homens. Nem sempre, contudo, essa ferramenta funciona bem.” Daí que o ser humano, conforme foi sofisticando seus saberes desenvolveu ao que denominou de Hermenêutica, que hoje pode ser compreendida como a ciência que estuda e sistematiza os meios e processos de interpretação que determinam o sentido e o alcance das palavras orais e escritas que transportam o conhecimento e o saber do homem, de uma ciência a outra, de uma cultura a outra e, que, principalmente é utilizada para argumentar, racionalizar e explicar sobre causas e efeitos de fenômenos observáveis social-físicos e culturais. A Hermenêutica, enquanto ciência, também compreendeu que uma das principais funções da linguagem natural e científica é nomear (dar nome) por palavras a: objetos, pessoas, fenômenos naturais ou instituídos. Porque assim, ela pode predicar com nomes aqueles fenômenos criados ou observados pela mente humana justamente para permitir a clarificação da comunicação e aumentar o nível de segurança e a melhoria contínua da interação entre as pessoas proporcionando progresso entre a liberdade que deseja e a liberdade que se deve. E, ainda, conforme nos ensina Maria Garcia22: Gilberto de Mello ao aportar que a linguagem é a mediação das coisas entre si e delas conosco, e a língua o idioma pela qual se transmite, vai desenvolver algumas características dentro desse contexto: 1) ela é modificante, ou seja, ela se transforma e transforma; 2) ela é compreensiva, porque capta, ou seja, apanhar para si um modo de ser; 3) e é temporalizante porque ao ser registrada transporta o que aquele tempo quis dizer. Assim, se dermos ênfase a uma dessas características a: “temporalizante”, por exemplo, podemos compreender que a linguagem que foi desenvolvida por qualquer ciência, também, se encontra envolta pelo processo histórico da humanidade que deve ser levado em consideração, visto que o conhecimento da história, que não tem um curso regular, em última análise desenvolve a nossa percepção na medida em que somos 22 Ensinamento Ministrado pela Prof. Doutora e Livre Docente em Direito Constitucional Maria Garcia durante o curso de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica em Direito Constitucional, no crédito Hermenêutica e Interpretação Constitucional com requisito parcial para aprovação do referido curso. 2º semestre de 2009. 15 levados a decodificar a mensagem deixada pelos nossos antepassados para conseguir interpretar o sistema de signos convencionais que pretendemos represente a realidade na qual vivemos para que, desse modo, possamos viver em maior liberdade. Dessa forma, pelo conhecimento do processo histórico da humanidade nos tornamos aptos a interpretar e a compreender melhor já que quando nos tornamos capazes de correlacionar passado e presente, passamos a compreender a razão do porquê das coisas o que em si nos torna aptos à contextualizar e finalmente escolher e decidir se a compreensão que desenvolvemos sobre esse ou aquele valor precisa de fato ser modificada, o que pode proporcionar maior liberdade e autonomia às pessoas, pois a linguagem por se efetivar no meio social quer balizar o limite dessa liberdade. Logo, do ponto de vista temporalizante e histórico, podemos compreender que algumas palavras se perderam nesse processo e são concebidas por nós como palavras mortas isso já que a língua que as criou eram escrita ou faladas por civilizações antigas. Ainda que tais civilizações ou traços delas estejam presentes na atualidade as ações humanas que sobre elas exerceram influência perderam todo seu sentido e deixaram de representar a realidade. Salvo e dentro de alguns contextos da modernidade que presentificam algumas áreas do conhecimento humano como, por exemplo, os que estudam a civilizações antigas e a origem das palavras (etimologia) ou ainda para ciências que aplicam no cotidiano o conhecimento que buscam sistematizar e contextualizar. Há, entretanto, palavras cujo sentido e significado caminham junto à humanidade desde o início de seu processo civilizatório e o acompanham permanentemente. Tais palavras, precisamente porque representam significados importantes para humanidade e porque transportam em si valores civilizatórios - como a liberdade, a igualdade e solidariedade - e porque permitem a formação de juízos valorativos e edificam a base de sustentação de uma sociedade que busca efetivar um equilíbrio entre liberdade e organização, e que, portanto, são palavras responsáveis pela manutenção da dinâmica dos processos de comunicação são pelo e como conhecimento humano, constantemente, vivificadas. 16 Este é o caso da palavra directus, que vem do latim23 uma língua dada por morta e que era falada na antiga região central da Itália, o Lácio, antiga Roma, mas que traduzida para português ou outros idiomas, mantém até hoje o mesmo significo: “reto, ou fazer aquilo que é correto.” 1.2 A Linguagem do Direito como Justiça e a Linguagem do Direito como Lei Sob esse ângulo etimológico convém sublinhar que a palavra direito, que deu origem a área do conhecimento humano que chamamos de Direito ou Ciências Jurídicas, ainda, hoje, imprime a essa área de ensino uma conotação filosófica que atravessou tempo e espaço porque vai definir o direito como objeto de realização de justiça, ou seja, um tipo de linguagem que criada pela humanidade permite que as pessoas, na prática dos acontecimentos do seu dia a dia, por toda parte, por meio de gestos e atitudes, oral e escrita realizem a virtude de dar a cada um aquilo que lhe pertence o que, em tese, possibilita a convivência pacífica entre as pessoas que vivem em sociedade. Nesse sentido, o Direito, também, é importante fator de comunicação responsável entre os humanos, justamente porque transmite pelas normas(compreensão de seu texto enunciativo) - valores que protegem e garantem, conforme afirmamos a condição de ser humano. Desse maneira, postula Genaro Carrió, que sem muita elaboração podemos demonstrar que as normas jurídicas, enquanto autorizam, proíbem ou fazem obrigatórias certas ações humanas e “como fornecem à súditos e à autoridades orientações de comportamentos acabam por ser compostas por palavras próprias da linguagem do cotidiano ou ainda serão definidas em termos delas.”24 Por isso é que Clarice Von Oertzen de Araújo tanto inspirada pelos ensinamentos de Willis Santiago Guerra como de Jean Baudrillard afirma ser “o direito apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existência.” 25 23 NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. v. 8. São Paulo: Encyclopédia Britânnica do Brasil, 1999. p. 464. 24 CARRIÓ, Genaro. op.cit. p. 49. 25 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen, op. cit. p. 19. 17 Mas, quando a humanidade começou a desenvolver a escrita, que é uma forma de linguagem que se desenvolve por signos, e que pode ser expressa foneticamente, o direito, segundo Miguel Reale, já havia passado a corresponder: “à exigência essencial e indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir sem um mínimo de ordem, direção e solidariedade”26. Dessa forma, passou, também, a ser escrito por um texto que convencionamos chamar de lei que é outra palavra que também encontra suas origens no Latim e significa “elo, ligação, liame”. Logo, uma lei escrita deveria, a princípio, sempre buscar o sentido daquilo que é capaz de transmitir, o que é reto e justo a fazer, mas, devido às paixões humanas que atuam sobre as ações humanas e como tais, conforme argumentou Kant, são determinadas por leis universais naturais, dão também à linguagem um sentido emotivo27. Com o passar do tempo, “nos olhos do homem comum o Direito transformou-se tão somente em ‘lei e ordem’, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros.”28 Assim, uma lei no meio social deveria representar a comunicação de justiça de um a outro dado que proporciona a cada um a liberdade que é sua. Porém, esse sentido passou ao longo da história política, social, cultural e jurídica da humanidade a ser considerado fator secundário, pois o que essencialmente ficou ligado à ideia de Direito por lei é a possibilidade de se restringir a liberdade das pessoas através de uma linguagem que expressa seus ditames, principalmente pelo poder29 político, que 26 REALE, Miguel. op. cit. p. 2. 27 CARRIÓ, Genaro. op. cit. p. 22 28 REALE, Miguel. op. cit.; p. 2. 29 Max Weber defini poder: “como a probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade” WEBER, Max Economia e Sociedade. .Brasília : UnB, 1991, p. 33. 18 segundo Noberto Bobbio é a forma mais complexa e completa de poder por ter ele a capacidade e habilidade de recorrer à força física e à violência para ser executado.30 Desse modo, o Direito se diferencia das demais áreas de conhecimento humano porque sua linguagem textual, principal, é um enunciado normativo, ou seja, representa uma norma que, ainda de acordo com Noberto Bobbio, é uma comunicação que determina uma conduta de dar, fazer ou não fazer. Portanto, um texto que expressa em essência um limite sobre a liberdade das pessoas.31 Por isso, enquanto vocábulo, o direito fez uma passagem da percepção prática à teórica, ou seja, de fato social passou, cumulativamente, também a ter um significado percebido no plano da consciência32 e durante seu processo histórico de desenvolvimento adquiriu dois principais sentidos: um que chamamos de objetivo e outro de subjetivo. Em seu sentido objetivo, direito passou a significar um conjunto preordenado de princípios e regras, que são escritos em leis, que dotados de sanção formam um sistema jurídico - que a princípio deveria significar um sistema, ou conjunto de leis coordenadas e entre si voltadas à busca de igual distribuição de justiça entre todos - que vai disciplinar dentro de uma sociedade civilmente organizada as condutas e as relações humanas que inspiram e advêm das principais atividades desenvolvidas pela humanidade na modernidade: política, mercado e comunidade. Preordenado de maneira tal, que as pessoas não podem ser constrangidas a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa que já não esteja estabelecida em lei, visto que lá estão predeterminados seus deveres33. Na sua acepção subjetiva, direito passou a representar a prerrogativa ou a faculdade que cada um tem de acionar o poder político a cada vez que seu âmbito de 30 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, p. 221. 31 Idem, Ibidem, p. 500. 32 REALE, Miguel Filosofia do Direito. 33 Logo, direito como sistema também passou a ter por seu fundamento o princípio da segurança jurídica. 19 liberdade é ameaçado ou violado por outro. Isso porque os direitos subjetivos como veremos e, conforme assevera Cezar Fiúza, não passam de mero reflexo do direito instituído objetivamente, portanto meio de proteção de interesses individuais.34 Ressalvamos, entretanto, que ainda que houvesse leis, no início do processo civilizatório da humanidade, elas nem sempre estariam ligadas à conotação filosófica de directus, ou seja, de justiça; elas estavam preliminarmente ligadas à ideia de força bruta. Assim, aqueles que possuíam o poder de definir o que era reto a se fazer, eram os que também possuíam algum tipo de força física, espiritual ou econômica e podiam exercer seu poder pela violência física, o que possibilitava a dominação pela autoridade35. Por meio de sua linguagem, ao invés de promover justiça, distribuíam injustiças e opressões através da imposição de uma série de restrições às liberdades dos oprimidos. Tais pessoas, que ficavam, por sua vez, submetidas à vontade dos mais fortes, sequer podiam oferecer resistência a tal tratamento, visto que eram reduzidas pelo tratamento que recebiam a coisas, objetos de ordem pessoal dos poderosos que podiam usufruir deles como bem lhes aprouvesse, com direito, inclusive, de determinar se podiam viver ou morrer. Jean-Cassien Billier e Aglaé Maryoli36 ressalvam em sua obra História da Filosofia do Direito que os pensamentos desenvolvidos por Emannuel Kant em A ideia de Uma História Universal também valem como uma reflexão crítica moral, pois afirma ele que o problema “mais difícil” e “aquele que será resolvido por último pela espécie humana” é o problema de se assegurar o máximo de liberdade com um mínimo de restrições. Reflexão essa, dizem os referidos autores, que nos leva a compreender que tender à maximização constante da liberdade tornou-se tanto seu maior imperativo como também sua maior restrição moral interna. 34 FIÚZA, Cezar. Direito Civil – curso completo. 8ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, p. 15. 35 Segundo nos ensina Lênio Streck e José Luiz Bolsan, para Burdeau autoridade é uma qualificação para dar ordem. – STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. Ciência Política e Teoria do Estado. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2010, p. 43. 36 BILLIER, Jean-Cassien e MARYOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 154. 20 Nas palavras de Kant37: Terceira proposição: A Natureza quis que o homem tirasse inteiramente de si tudo o que ultrapassa a ordenação mecânica de sua existência animal e que não participasse de nenhuma felicidade ou perfeição senão daquela que ele proporciona a si mesmo, livre do instinto, por meio da própria razão. [...] Quarta proposição: O meio que a natureza se serve para realizar o desenvolvimento de todas as suas disposições é o antagonismo delas na sociedade, na medida em que ele se torna ao fim a causa de uma ordem regulada por leis desta sociedade* [...] Quinta proposição: O maior problema para a espécie humana, a cuja solução a natureza obriga, é alcançar um sociedade civil que administre universalmente o direito (g. n). Sexta proposição: Este é, ao mesmo tempo, o mais difícil e o que será resolvido por último pela espécie humana. A dificuldade que a simples idéia dessa tarefa coloca diante dos olhos é que o homem é um animal que, quando vive entre outros de sua espécie, tem necessidade de um senhor. Partindo assim das proposições de Kant, a ideia de se trabalhar as relações de poder e limites às restrições de liberdade somente começou a ser questionada, com maior ênfase, ao final da Idade Média, século XIII, quando entra em decadência o Feudalismo que foi um sistema social, político, jurídico e econômico que ascendeu ao poder, pessoas que praticavam a estratificação social como uma prática jurídica, política e econômica. A estratificação tem por fundamento discriminar e excluir as pessoas do convívio em sociedade de acordo com a origem de seu nascimento. Portanto, era considerado correto e justo, e até divino, no Sistema Feudal, conceder privilégios e prerrogativas somente àqueles que eram compreendidos pelos poderosos políticos como bem nascidos e aos não desse modo compreendidos, restava ser tratados como coisas e objetos de propriedade dos seus senhores feudais, que podiam usar e usufruir de suas vidas conforme lhes aprouvessem. Por quase seis séculos, milhares de pessoas sofreram as mais opressivas, penosas, cruéis e árduas restrições à sua liberdade. 1.3 Da Formação do Estado: do Constitucionalismo antigo ao Constitucionalismo Moderno. Da formação do Estado Liberal e de sua educação Entretanto, quando entra em decadência o Sistema Feudal devido a vários acontecimentos sociais, políticos e econômicos, as pessoas oprimidas começam a se 37 KANT, Immanuel. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. op.cit. p. 6-11. 21 opor a essa situação e passam a oferecer resistência às autoridades e, assim, entram na luta pela disputa do poder, o que levou a humanidade a desenvolver uma nova forma de organização social: o Estado. Segundo nos ensina Lênio Streck e José Luis Bolsan, o Estado transformou o poder que existia em uma instituição, ou seja, em uma: “empresa a serviço de uma ideia” o que por sua vez acaba por dissociar o exercício da autoridade da pessoa do indivíduo. O Estado centralizado torna-se uma nova forma de ideia de poder, tendo em vista que, nas palavras dos referidos autores38: O Poder despersonalizado precisa de um titular: O Estado. Assim, o Estado procede da institucionalização do Poder, sendo que suas condições de existência são o território, a nação, mais potência e autoridade. Esses elementos dão origem à idéia de Estado. Ou seja, o Estado Moderno deixa de ser patrimonial. Ao contrário da forma estatal medieval, em que monarcas, marqueses, condes e barões eram donos do território e de tudo o que neles se encontrava (homens e bens), no Estado Moderno passa a ver a identificação absoluta entre Estado e monarca em termos de soberania estatal. L’ État c’ est moi. A primeira forma de Estado como poder despersonalizado, conforme os referenciados autores, era representado pelo Estado Estamental que, de acordo com os autores, Linares Quintana aponta como uma espécie de transição entre Estado Medieval Feudal e Estado Absolutista que é pela doutrina considerada a primeira forma strictu sensu de Estado Moderno formado pela concentração das seguintes classes: nobres, clero e burguesia que tinham arranjado entre si “pactos elaborados e subscritos” por vários membros dessas mesmas classes sociais, pelos quais juravam lealdade uns aos outros e obediência aos seus príncipes e reis e, segundo os autores, tais pactos39: Era, assim, um conglomerado de direitos adquiridos e privilégios, e não uma Constituição, o que dava forma jurídica a estes protestado medieval, que, ao concluir seu processo de desenvolvimento histórico, constituirá o Estado Nacional típico do mundo mediterrâneo europeu ocidental. (...) Com o Estado, nessa nova feição, procura-se ligar o Poder a uma função e para que se formasse o conceito de Estado era necessário que a potência que é a possibilidade de ser obedecido, se reforçasse com a autoridade, que é uma qualificação para dar a ordem. 38 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit.; p. 42. 39 Idem, Ibidem, p. 42 e 43. 22 A velha ordem feudal, dizem os autores mencionados, foi superada por uma nova ordem, principalmente, porque houve uma passagem das relações de poder e a autoridade, a administração da justiça, a cobrança de impostos, as comunicações e até o exército que estava em mãos privadas foram para as mãos do Estado que passou a tudo exercer na esfera pública. Os autores apud André-Noel Roth comentam40: [...] a distinção entre esfera privada e pública, a dissociação entre poderio político e econômico e a separação entre as funções administrativas, políticas e a sociedade civil, são as principais especificidades que marcam a passagem da forma estatal medieval para o Estado Moderno. Nessa mesma época começa a ganhar força jurídica o sentido subjetivo de direito. Isso porque tal prerrogativa individual de busca de justiça, nesse período de acentuação da formação do processo civilizatório, que centraliza o poder nas mãos de um monarca, somente era exercitável através do próprio monarca que queria monopolizar todas as atividades estatais, pois afinal, a concepção que se tinha era que ele representava por conta de Deus o Estado e, como ele também era onipotente, tinha soberania plena, ou seja, nenhuma força externa tinha o poder de limitá-lo. Convém, ressalvar que não podemos compreender que o sistema41 formado pelas concepções de direito se pode ver isolado dos demais sistemas de regras que paralelo a ele foram se formando, e que como ele, também, atuam como sistemas regulatórios da vida em sociedade, ou seja, como o próprio direito existem outros sistemas que visam, também, melhorar a convivência humana pacífica, como por exemplo: a moral, a ética, a política e a religião. Mas, que entremeios, do direito vão se distinguir porque não preveem sanções na medida em que essas somente podem ser aplicadas pelo Estado na esfera pública. Isso, contudo não significa dizer que os demais sistemas tidos, também, como regulatórios não sejam providos de sanção, pois, na verdade elas vão atuar sobre o prestígio que a pessoa goza junto ao seu meio social, pois a exclusão social, por 40 41 Idem, Ibidem, p. 43. Segundo Ludwig Von Bertalanty sistema é um conjunto de coisas coordenadas e conexas entre si voltadas à busca de uma finalidade. BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. Fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Petrópolis: Vozes, 2008. p.84. 23 exemplo por desaprovação moral pode levar a pessoa a se sentir coagida e constrangida, fazendo com que ela se sinta forçada, por pressão psicológica a modificar seu comportamento. Dessa forma, o Direito busca nesses outros sistemas inspiração para instituir valores, princípios e regras que preconizam, o que se faz necessário visto que um sistema jurídico não é o bastante nem suficiente para isolado regular e prever todos os tipos de condutas e comportamentos humanos que poderiam ocorrer de época a época para a convivência pacífica da humanidade. Devemos considerar que sendo o Direito uma ciência, o seu intuito é buscar a verdade dos fatos por uma racionalidade objetiva, porém os acontecimentos na prática, como afirmam Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, ao explicarem a correlação entre ciência e valores, se complicam o que tornam as ideias científicas e aqueles que as desenvolvem dependentes de conhecimentos outros que vêm de outras áreas do conhecimento que formaram outros sistemas como aqueles que citamos. 42 Dessa forma, com o passar dos séculos e o concomitante progresso da linguagem oral e escrita dentro de uma sociedade civil que se pretende organizada, a linguagem do Direito passou, então, a se manifestar por meio de leis, jurisprudências e costumes e seu conjunto formou a base de sustentação do que posteriormente no século XIX foi nomeado de Estado de Direito, concepção de Estado segundo o qual o poder político não é onipotente, mas deve estar submetido aos ditames da lei justa para possuir legitimidade. 43 E foi durante o Estado Estamental, como transição para o Estado Absolutista, primeira versão de Estado Moderno, que surgi ao que J.J. G. Canotilho definiu como constitucionalismo antigo44: 42 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.citi; p. 45 43 Idem, Ibidem, p.94. 44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit. p. 52. 24 Conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores de seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentados num longo tempo- desde os fins da Idade Média até ao século XVIII. Mas, o Constitucionalismo como todo movimento criado pelo homem, também sofreu influência do processo histórico e da lingüística bem como de outras áreas de conhecimento humano e modernamente transformou-se ao que, também, J. Gomes Canotilho denomina de Constitucionalismo Moderno que em sendo45: [...] uma teoria (ideologia) ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade” e que, portanto, retrata, especificamente, uma “técnica específica de limitação do poder com fins garantístico. Sob uma acepção histórico-descritiva, o Constitucionalismo Moderno pode ser designado como sendo46: [...] o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político [...] esse constitucionalismo como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo. (g.n.) Assim, é à origem do constitucionalismo moderno que devemos o aparecimento de uma lei que convencionamos chamar de Constituição Moderna que instituída pelos homens do século XVIII, por meio de revoluções, começa historicamente a construir e validar as ideias e os pensamentos de estudiosos e filósofos da época pré-iluminista e Iluminista, que em síntese, propunham uma forma diferenciada de se ver a correlação entre Estado, Poder Político e Direito, justamente para que as pessoas pudessem usufruir de liberdade com a menor restrição possível e que, além disso, pudessem também referenciar cada Estado como um senhor de si mesmo, para diminuir e impedir que as nações recém-formadas se destruíssem pelas constantes guerras que travavam entre si. 45 Idem, Ibidem, p. 52. 46 Idem, Ibidem, p. 51- 52. 25 Daí Kant formular a sexta, a sétima, a oitava e nona e última proposição nos seguintes termos47: Sétima proposição: O problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema da relação externa legal entre Estados, e não pode ser resolvido sem que esse último o seja. Para que serve trabalhar uma constituição o civil conforme leis entre indivíduos, ou seja, na ordenação de uma república? A mesma insociabilidade que obrigou os homens a essa tarefa é novamente a causa de que cada república, em suas relações externas- ou seja, como um Estado em relação a outros Estados. [...] Oitava proposição: Pode-se considerar a história da espécie humana, em seu conjunto, como a realização de um plano oculto da natureza para estabelecer uma constituição política (Staatsverfassung) perfeita interiormente e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita, como o único estado no qual a natureza pode desenvolver-se plenamente na humanidade, todas as suas disposições [...]. Nona proposição: Uma tentativa filosófica de elaborar a história universal do mundo segundo um plano da natureza que vise à perfeita união civil na espécie humana deve ser considerada possível e mesmo favorável a este propósito da natureza [...] Nesse sentido, Kant, tanto pelas proposições que elaborou, como pelo conjunto de suas obras, advogou em sua obra Sobre a Pedagogia ser o homem a “única criatura que precisa ser educada.”48 Segundo ele, como o homem não é guiado pelo instinto, deve através da educação obter o que a natureza lhe nega. Logo, a educação que, para ele, se entende como o cuidado que se tem na infância, que ocorre por meio de se ministrar disciplina e instrução para a formação do caráter humano, devendo habituar o homem a suportar os constrangimentos das leis, ajudando-o a ultrapassar o seu natural estágio de selvageria, ao mesmo tempo em que pela ação positiva de instruir e formar enriquece o espírito humano pela transmissão de saberes que se concretizam pelo estudo.49 Nas palavras de Kant50: A disciplina transforma a animalidade em humanidade. [...] A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com sua 47 KANT, Immanuel, Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita op.cit. 12-22. 48 KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 2ª ed. Piracicaba: Unimep. 1999, p.11. 49 50 DICIONÁRIO DE FILOSOFIA PRÁTICA. verbete: Educação. op.cit. p. 110. KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. op. cit. p.12-23. 26 próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem a humanidade. [...] A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete o homens às leis da humanidade e começa a fazêlos sentir a força das próprias leis. [...] O homem não se pode tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que educação faz dele. [...] A Educação é um arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias gerações. Cada geração, de posse de seus conhecimentos das gerações precedentes, está sempre melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as disposições naturais na justa proporção e de conformidade com a finalidade daquelas, e assim guie toda a humana espécie a seu destino. [...] Entre as descobertas humanas há duas dificílimas, e são a arte de governar os homens e a arte de educá-los. [...] A única causa do mal consiste em não submeter à natureza a normas. Porém, tal construção sucedeu por um longo processo histórico, complexo e movido a paixões e vaidades humanas, que como dissemos, exerce forte influência na linguagem natural e científica de modo que ao longo dos anos foi exigindo-se do operador do direito que ele desenvolvesse ferramentas/métodos para interpretá-la, o que fez através da Hermenêutica. De maneira que podemos considerar que a cada ideologia política, econômica e comunitária que foi se desenvolvendo fez com que surgisse e se construísse tipos diferenciados de poderes políticos que se manifestavam pelo Estado, sendo que, para cada um, também a comunidade que ansiava por maior liberdade fosse construindo ideias sobre a formação, a conformação, o limite, a estrutura, e a essência dos direitos que as pessoas podiam opor ante esse poder Estatal. Durante a “época das luzes” ganha evidência os pensamentos de filósofos e estudiosos como Hobbes e John Locke que mesmo tendo vivenciado o Estado Estamental com seus pensamentos, inspiraram os próprios iluministas como Montesquieu e Rousseau que elaboraram concepções extremamente frutíferas para traçar os limites entre atuação do poder do Estado e liberdade das pessoas em uma sociedade civilmente organizada. Eles inauguram ao que Lênio Streck e José Luiz Bolsan denominam de uma visão positiva do Estado que teoriza que a origem do Estado tem por fundamento um 27 contrato social, que a princípio podemos destacar como uma linguagem que tem a função política de comunicar os limites do poder de quem governa o Estado. 51 Cabe-nos, porém, fazer uma ressalva quanto a alguns textos da história documentada, que sustentam que os direitos do homem tiveram suas origens entre os séculos XVII e XVIII, no limiar do Iluminismo, como força normativa necessária a ser empregada para proteger a pessoa humana do poder estatal, por meio de uma lei que sendo superior às demais, influenciasse suas feituras determinando que fossem elaboradas de acordo com seus ditames, bem como controlasse e limitasse as atividades estatais, visto que o Estado a ela estava submetido. Assim, os primeiros documentos que transcreveram os direitos dos homens o fizeram levando em consideração que o homem era súdito de um senhor feudal e de acordo com a história do mundo ocidental surgiram na Alta Idade Média, na Inglaterra, no ano de 1215, em um documento que recebeu o nome de Carta Magna52, sua primeira versão que foi imposta pelos barões ingleses ao Rei João Sem Terra (1167-1216), senhor da Irlanda e rei da Inglaterra (1199-1216), com a intenção de impor limites ao seu poder, já que este era conhecido por seu temperamento cruel e violento. A Carta Magna visava, primordialmente, limitar seu poder absolutista e desmedido evitando o confisco de bens e prisões sem o devido processo legal, como também a imposição de impostos sem o consentimento dos nobres. Após a morte de João Sem Terra, novos textos da Carta Magna foram redigidos pelos seus sucessores, e em 1297 passam a ser, no reinado de Eduardo I, não apenas um ordenamento legal, mas a fonte de princípios jurídicos básicos que vieram a inspirar, posteriormente, as legislações britânicas e a Constituição dos Estados Unidos. Em 1629, foi a vez da Petition of Rights impor a Carlos I que se criasse um parlamento para que fosse reconhecido direitos aos seus súditos, o que acabou se tornando uma condição para que ele continuasse no trono. 51 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit.; p.28-50 52 Nova Enciclopédia Barsa, op. cit. V. 8, p. 333. 28 Mas, foi a Declaração da Virgínia, nos Estados Unidos, em 1776, a primeira a reconhecer expressamente que os direitos individuais existiam e que pelo Estado deveriam ser protegidos. Entretanto, a primeira que alcançou grande repercussão foi a Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, na Revolução Francesa, em 1789. Também, destacamos que para a chamada Teoria das Gerações53 dos Direitos Humanos, são chamados direitos humanos de primeira geração aqueles direitos fundamentais que surgiram para combater o absolutismo. Tais direitos surgiram do pensamento liberal burguês54 e sua função era defender o indivíduo da intervenção do Estado na sua vida privada, e gozam eles de status negativo, já que eles vão impor ao poder público uma abstenção, ou seja, o Estado está proibido de atuar na esfera de autonomia individual da vontade, salvo para protegê-los. Também é importante ressalvar que eles foram forjados a partir de uma concepção jusnaturalista de direito, ou seja, uma concepção jusfilosófica que admite que os direitos do homem antecedem a formação do Estado. À época da primeira fase do constitucionalismo moderno, no direito, também se destacou a ideia de sua codificação, ou seja, foram criados os primeiros códigos de leis que são uma compilação de normas voltadas a regular determinada atividade humana. O primeiro da época é o Código Civil Napoleônico55 que a partir de 1808 passou a regular as relações entre as pessoas e entre estas, influenciou os sistemas jurídicos de vários 53 Uma das formas mais usadas da doutrina para expor a historicidade dos direitos fundamentais tem por base a exposição do jurista Kare Vasak em 1979, em Estraburgo, no Instituto Internacional dos Direitos do Homem, que metaforicamente demonstrou a evolução dos direitos humanos com base no lema da Revolução Francesa em 1789: liberdade, igualdade e fraternidade 1ª. Geração aqueles direitos que passaram a ser respeitados como naturais pelo Estado liberal-burguês; de 2ª geração aqueles que se somaram aos primeiros durante a formação do Estado Social e os de 3ª geração aqueles foram congratulados pelas Constituição e que são repartidos por toda a humanidade como a paz mundial, o meio ambiente. E como veremos parte de doutrina como Paulo Bonavides dado a essa geração diz termos chegado aos direitos de 4ª geração que podemos considerar como uma nova interpretação que se busca dar às gerações de direitos anteriores como por exemplo a Democracia Social, conforme em tempo explicaremos. 54 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ª ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Ed., 2009. p. 46 55 FIÚZA, Cezar. Direito Civil – curso completo. op.cit. p. 96-97. 29 outros Estados, desse modo, ressalva-se: tinham mais força jurídica do que as Constituições que, como explicaremos, não passavam de documentos políticos que no máximo expressavam alguns valores da função política que possuía a linguagem do Direito. Contudo, desde já, é importante evidenciar que ainda que durante esse período tenha-se assegurado liberdades públicas, como a liberdade de expressão, de reunião, de manifestação e de participação política, a realidade imposta pelo liberalismo, que podemos definir como a ideologia que conjuga e enaltece a individualidade56 e que posteriormente foi complementado pela crescente industrialização, sufocava e reprimia as pessoas que tinham que cumprir os contratos que, por codificação, elaboravam leis entre as partes e mesmo que se pleiteasse aos juízes, nomeados pelos reis ou clero, a revisão destas, isso não era passível de efetivação, uma vez que o judiciário apenas podia aplicá-las e nunca interpretá-las para buscar de fato um sentido de justiça que levasse equilíbrio entre as partes. E como o Estado não podia intervir nas relações privadas, dado o seu status negativo, geravam-se muitas injustiças, desgastes, situações humanamente insustentáveis e “graves problemas econômicos e sociais”.57 No entanto, de que maneira se construíram as ideias que alimentaram a premissa de que uma única lei pudesse ser superior às demais e tivesse, assim, a função de proteger as pessoas do abuso de poder do Estado? Já que ao mesmo tempo em que ela conjuga os ideais da justiça conjuga também segurança jurídica. Segundo nos ensinam Lênio Streck e José Luiz Bolsan, há duas principais teorias que se destacam para que possamos responder a essa questão, uma delas, conforme também já apontamos, é aquela que repassa uma visão positiva da construção da relação Estado/Sociedade que nasce com a teoria contratualista que partindo da construção de uma hipótese lógica, o Estado de Natureza, vai dizer que entre as pessoas 56 LOSURDO, Domenico. Contra-História do Liberalismo. Trad. Giovanni Semeraro. Aparecida, São Paulo: Ideias & Letras, 2006, p. 13. 57 NUNES Junior, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988 - Estratégias de Positivação e Exigibilidade Judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 46. 30 e o Estado Civil há um contrato social expresso ou tácito, que permite a passagem de um Estado a outro; outra é a teoria marxista que ao nos repassar uma visão negativa da origem do Estado/Social, conclui que o Estado vai se extinguir naturalmente assim que cessar as lutas de classe e elas entrarem em equilíbrio.58 Ambas as teorias, é importante dizer, se destacam porque frisam a compreensão de que o Estado “é um fenômeno original e histórico de dominação”, fato que permite vislumbrarmos que “cada momento histórico e o correspondente modo de produção (prevalecente) engendra um determinado tipo de Estado”. Formação Estatal que, acrescentamos, acabou por influenciar o modo de feitura das Constituições por todo o mundo, que por sua vez deram formação ao Estado Constitucional que acabou desenvolvendo um constitucionalismo local. Tais teorias também nos são úteis na medida em que elas, também demonstram conforme expõe Lênio Streck e José Luiz Bolsan que: “O Estado não tem uma continuidade (evolutiva) que o levaria ao aperfeiçoamento; são as condições socioeconômicas que fazem emergir a forma de dominação apta a atender os interesses das classes hegemônicas”.59 1.4 O Estado Liberal: jusnaturalismo, contratualismo, Separação dos Poderes, da Educação Liberal burguesa e Direitos de Primeira Geração Assim, para os referidos autores, a escola contratualista concebeu a instituição estatal como uma criação artificial do homem, o que significa que os pensadores já citados, entre outros, apontam o Estado como um instrumento da vontade racional dos indivíduos que sempre estão em busca do “atingimento de determinados fins que vão marcar ou identificar as condicionantes de sua criação.”60 Os autores citados observam que a Teoria Contratualista foi elaborada para contrapor-se à concepção orgânica de sociedade. Logo, tanto o Estado como a 58 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit. p.28. 59 Idem, Ibidem, p. 28. 60 Idem, Ibidem, p. 29. 31 Sociedade devem ser vistos como criação artificial da razão humana, e essa relação somente poderia nascer de um acordo tácito ou expresso entre a maioria ou a unanimidade dos indivíduos. Dessa feita, a teoria contratualista propõe que o Estado de Natureza (aquele que antecede ao Estado Civil) somente pode ser reconhecido como uma hipótese lógica negativa ou um fato histórico, o que implica em afirmar que a origem do homem civilizado se deu porque o Estado de Natureza, em que ele habitava anteriormente, não era capaz de tratar as deficiências que a este eram inerentes. Munidos desse pensamento, surge, então, um consenso entre os pensadores, que já citamos, sobre a existência de um contrato expresso ou tácito que por sua vez fez surgir um contrato clássico que é, para eles, por excelência, o instrumento de legitimação do Estado e a base sistemática de construção do sistema jurídico.61 Porém, os referidos pensadores que formaram a escola contratualista entre o interregno dos séculos XVI a XVIII, não chegaram a um consenso sobre como ocorreu a passagem do Estado de Natureza para o Estado Contratualista ou Civil, justamente porque não chegaram a um consenso sobre exatamente o que era o Estado de Natureza. Rousseau (1712-1778) definia o Estado de Natureza como um estado histórico, em que a satisfação do ser humano era plena e, partindo dessa premissa, constrói o mito do bom selvagem revelando que a passagem para o Estado Civil foi um acontecimento que corrigiu o próprio desenvolvimento humano. Já que os homens haviam estabelecido a propriedade privada, foi necessário que surgisse o contrato social para que sucedesse a convivência pacífica. Já para os demais pensadores, que o antecederam, como Thomas Hobbes (15881679) e Spinoza (1632-1677), o Estado de Natureza representava um ambiente de guerra em que predominam as paixões, a incerteza e a insegurança. Para John Locke, (1632-1704) que também o antecedeu, mas que como Rousseau foi fortemente influenciado pela filosofia de Hugo Grotius (1583-1645) - um jurista e estadista 61 Idem, Ibidem, p. 30-44. 32 holandês que afirmava que existia “um direito natural independente de religião, baseado na razão e nas necessidades humanas”62- a vida em natureza se apresentava como uma sociedade em “paz relativa” dado que o homem era, na concepção dele, capaz de deter um certo domínio sobre suas paixões e interesses. Portanto, havia para Locke no Estado de Natureza um predomínio não somente de paixões, egoísmo e vaidades humanas, mas também existia uma certa racionalidade que permitia aos homens a percepção dos limites de suas ações, e isso configurava um “quadro de garantias naturais”, um quadro de “direitos naturais” que deveriam ser respeitados pelos homens e suas instituições.63 Mas, conforme afirmamos, para cada um desses três pensadores, Hobbes, Locke e Rousseau, a passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil se concretizou por um mecanismo que foi capaz de efetivar essa passagem, ou seja, o contrato social. Contudo, havia divergências sobre o que de fato vinha a ser o contrato social e suas ideias. Hobbes acreditava que, para findar o permanente estado de guerra, incertezas e paixões, é realizado entre os indivíduos um pacto que conferia os poderes do Estado e da sociedade a um terceiro – homem ou assembleia - e assim, o faziam com o intuito de preservar suas vidas. Portanto, não poderia ser cogitada a ideia de direitos preexistentes, esses somente surgem com a instituição do Estado e em troca de segurança. O Estado, para ele, era representado por Leviatã, um deus “mortal” a quem devemos a paz e a defesa de nossas vidas. Para John Locke, que admitiu como Rousseau que o contrato social também tem um caráter histórico que o faz permanecer como um princípio que legitima o poder, a existência e permanência dos direitos naturais é que vão circunscrever os limites do Estado e da Sociedade Civil. Assim, por meio do contrato social, proposto por Locke “os indivíduos dão seu consentimento unânime para a entrada no Estado Civil e, posteriormente, para a formação do governo quando então se assume o princípio da maioria.”64 62 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op. cit. p. 124 63 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit. p.30-31. 64 Idem, Ibidem, p. 36. 33 De fato, as ideias de Hobbes e Locke são contrapostas na medida em que para esse último, o poder do Estado é um poder limitado que, inclusive, permite ao súdito opor resistência aos excessos do monarca: “Os homens são todos, por natureza, livres, iguais e independentes, e ninguém pode ser despossuído de seus bens nem submetido ao poder político sem seu consentimento.”65 Uma leitura sobre as obras de John Locke, realizada por Japiassú e Marcondes, propaga que a consequência do seu empirismo se revela na concepção do Estado social e do poder político66: [...] em primeiro lugar, refuta o poder divino e o absolutismo, pois trata-se de renunciar a essas especulações para se voltar as coisas mesmas; em seguida, declara que o poder só é legitimo quando é emanação da vontade popular, pois a soberania pertence ao povo que a delega a uma assembleia ou a um monarca; finalmente antecipa Marx declarando que o fundamento da propriedade é o trabalho. Todavia, é importante destacar ainda, uma outra leitura sobre John Locke, concebida pelo historiador italiano Domenico Losurdo, que demonstra claramente as contradições do filósofo inglês “pai do liberalismo” intitulando-o como o último grande filósofo que procura justificar a escravidão de pessoas humanas, em determinados casos, de forma absoluta e perpétua, evidenciando essa proposição em sua obra Dois Tratados sobre governo. Ademais, Domenico Losurdo noticia que John Locke tinha sólidos investimentos no tráfico de negros, ressalvando inclusive que tais pensamentos sobre igualdade não lhe impediu, de forma alguma, combater a escravidão política que o absolutismo queria impor.67 Foram das ideias preconizadas por John Locke que emergiu a ideia da construção de um Estado Liberal que é aquele tipo de Estado que obrigatoriamente mantém uma posição de abstenção face ao âmbito de liberdade individual das pessoas, 65 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op. cit. 171. 66 Idem, Ibidem, p. 170-171. 67 LOSURDO, Domenico. op.cit. p. 15-16 34 ou seja, de qualquer maneira ele, Estado, não pode interferir face aos direitos naturais das pessoas que existiam mesmo antes da formação do Estado. Portanto, para esse pensador, conhecido como o “pai do liberalismo”, o contrato social surgiu como uma ideia que selou o pacto de consentimento que se estabelece para preservar e consolidar os direitos preexistentes no estado natural68. Por isso ele pregava, nas palavras de Lênio Streck e José Luiz Bolsan que69 “o estado civil nasce duplamente limitado. Por um lado, não se pode atuar em contradição com aqueles direitos; por outro deve oportunizar, o mais completamente possível, a usufruição dos mesmos.” Mas, esse axioma era válido para ele e para as demais pessoas que eram consideradas iguais a ele, ou seja, somente para pessoas que por nascimento não podiam ser escravizadas. Logo, podemos concluir que os pensamentos contraditórios de John Locke se refletem na história do próprio liberalismo burguês, visto que o liberalismo, dito como clássico, fica marcado como profundamente contraditório, no qual o desenvolvimento da liberdade individual só vale para alguns poucos, valendo principalmente para aqueles que têm poder econômico. Fato que condicionou muitas pessoas a terem que enfrentar uma profunda desigualdade de oportunidades, adiando o desenvolvimento humano em muitos séculos, apesar de todo o avanço tecnológico que nunca mais parou de progredir. Entretanto, Lênio Streck e José Luiz Bolsan sublinham que é nos pensamentos de John Locke que encontraremos os moldes que caracterizaram o Estado Liberal que nasce limitado pelo exercício dos direitos naturais fundamentais: vida e propriedade, ou seja, que são direitos naturais que devem ser conservados pelas pessoas quando se caracteriza a criação do Estado. É devido à existência deles que os indivíduos vão dar o consenso aos governantes sob a condição de que exerçam o poder dentro dos limites que são estabelecidos por esses direitos. E foi, também, John Locke, que contraditoriamente, pois aceitava a escravidão, expressou que há necessidade da defesa da liberdade e da tolerância religiosa. 68 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilio, op.cit. p. 36. 69 Idem, Ibidem, p.34. 35 Para o pensador Jean- Jacques Rousseau aportam os citados autores para que se chegue com exatidão ao que seja um contrato social é de fundamental importância que antes se compreenda o Estado de Natureza e como se deu a inserção do homem em comunidade. No entanto, conforme explicamos anteriormente, para ele, o Estado de Natureza é necessariamente uma categoria histórica de maneira que o verdadeiro fundador do Estado Civil foi aquele que proclamou, ao delimitar um terreno, que “isto é meu” exprimindo esse enunciado a outros ingênuos que nele acreditaram. Portanto, em seu Discurso sobre a desigualdade, em que escreveu tais ideias, a desigualdade nasce junto com a ideia de propriedade privada. É sobre ela que se cria a hostilidade humana, e o contrato social surge precisamente para remediar os efeitos da passagem de um estado para o outro, uma vez que o homem face a instituição da propriedade privada substitui o instinto pelo sentimento de justiça. Pelo contrato social, segundo Rousseau, a voz do dever substitui o impulso físico e o direito substitui o apetite; e o homem que antes olhava apenas para si mesmo passa a contemplar também seus princípios e, ao invés, de atuar de acordo com suas inclinações passa a atuar com a razão, o que permitirá, apesar das perdas, que desenvolva sua inteligência e enobreça seus sentimentos. Nas palavras de Rousseau70: Reduzamos todo esse balanço a termos de fácil comparação: o que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que tenta alcançar; o que vem a ganhar é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para não se enganar nessas comparações, é preciso distinguir bem a liberdade natural, que tem apenas por limites as forças dos individuo da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral.” (g.n.) Rousseau argumenta, partindo das ideias de Grotius, que um povo é um povo mesmo antes de se entregar a um rei e tal ato em si é um ato civil que supõe uma deliberação pública. Por isso, ainda que sempre exista a necessidade de trabalhar a ideia pela qual um povo escolhe um rei, convém antes trabalhar a ideia pela qual um povo é 70 ROUSSEAU, Jean- Jacques. O Contrato Social.São Paulo: Hemus, p. 31 36 um povo, visto que o primeiro ato – ser povo – antecede ao segundo – a escolha de um rei – portanto, é o primeiro ato, o ato fundador da sociedade, e como tal foi aquele que instituiu uma convenção que supôs ao menos uma vez a unanimidade, pois o ato formador de um povo exige o concurso de muitos71. Assim, partindo coincidentemente do mesmo problema disposto por Kant, já exposto, o argumento de Rousseau propõe o contrato social como um ato coerente que faz a passagem da liberdade natural, encontrada no Estado de Natureza, para as restrições impostas a ela no Estado Civil72: Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum à pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se unindo a todos, obedeça apenas, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre quanto antes. Este é o problema fundamental a qual o Contrato Social dá solução. Portanto, para Rousseau, o que permite a legitimidade de um governo é a vontade geral, pois segundo ele, se eliminarmos do pacto social o que não é de sua essência veremos que ele se reduz: “cada um de nós coloca sua pessoa e toda sua potência sob a direção suprema da vontade geral; e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo.”73 Pelo conjunto de suas idéias ele estabeleceu que é somente a vontade geral aquela vontade que tem permissão para dirigir as forças do Estado segunda a finalidade de sua instituição, que é o bem comum. Portanto, a vontade geral se diferencia da soma da vontade da soma dos particulares porque cada homem possui como indivíduo uma vontade particular, mas como cidadão detém uma vontade geral que o conduz a desejar o bem do conjunto a qual pertence como membro, e caberá à educação formar essa vontade geral.74 71 Idem, Ibidem, p.26 72 Idem, Ibidem, p.27 73 Idem, Ibidem, p. 28. 74 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 243. 37 Assim foi que Rousseau por meio de pregar o evangelho político do homem comum que dá a ele a educação como um direito de nascimento.75 E ainda que não tenha sido ele o único contratualista que tenha falado sobre educação, pois John Locke e Voltaire, por exemplo, também o fizeram, porém não nos moldes que propôs Rousseau. Ao contrário eles consideravam a educação como pura disciplina que devia ser pela percepção dos sentidos treinada, metódica e rigorosamente, até que sendo possível se tornasse sofisticada, logo para eles a educação não podia ser um considerado um direito de nascimento que se estendia a todos.76 E Rousseau, ao contrário, pelo conjunto de sua obra destacou-se acima de tudo como o grande intérprete da política e da infância. Sua educação destinava-se acima de tudo ao homem livre, isso porque para ele a educação deveria ter por objetivo a estruturação de um ser virtuoso.77 Em abril de 1762, são publicados duas de suas principais obras “O Contrato Social” e “Emilio ou da Educação” uma interligada a outra profundamente. Por elas ele teve o mérito de “estabelecer um fértil diálogo entre política e pedagogia, pois ao formar o homem moral, ele também construía o homem civil.”78 Ainda que na história da humanidade a civilização grega tenha se destacado por ser a primeira a reconhecer a intricada relação entre progresso individual e progresso social, por meio da divulgação dos pensamentos de seus grandes filósofos, como Sócrates, Platão, Aristóteles, e, além dos romanos terem associado a isso os ideais educacionais referentes à conduta prática, o que fez com que suas instituições se 75 MONROE, Paul. História da Educação. 6ª ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional. 1958. p. 282. 76 Mas, não apenas nos pensamentos de John Locke encontramos o reverso do pensamento iluminista conforme aporta Paul Monroe, op. cit. p. 278: Voltaire e seus colaboradores da primeira metade do século XVIII não eram menos aristocráticos do que os aristocratas privilegiados que eles combatiam. Sustentavam que as classes humildes não se achavam em condição de se reconduzir pela razão e eram incapazes de ser educadas, estavam pouco acima dos selvagens, e que, consequentemente, a religião tinha para elas uma função legitima. 77 BOTO, Carlota. Jean - Jacques Rousseau- Intérprete da Política e da Infância. Revista Educação. São Paulo: Segmento. Dezembro de 2010. p. 17. 78 Idem, Ibidem p. 17. 38 desenvolvessem como meios para realizar ideias ou propósitos sociais79, é Rousseau quem afirma que a educação deve cuidar principalmente de promover a felicidade: o ensino não poderia mais ser ministrado de maneira que condenasse os alunos a trabalhos contínuos e árduos, além disso, era preciso que os “professores não tomassem o aluno como se este representasse um fardo a ser carregado” e os “alunos não mais vissem seus professores como a razão de seus flagelos.”80 Emílio o protagonista de sua obra sobre a educação é por seu orientador formado para ser: “o sujeito virtuoso capaz de se tornar o cidadão ou o próprio legislador da sociedade do contrato. Em meio ao mundo corrupto, será talvez aquele que contribui para fundar o novo pacto.”81 Para todas as etapas de formação do Emílio Rousseau recomenda82: [...] ensinai a vosso aluno a amar todos os homens, mesmo que os menosprezem; fazei com que não se situe em nenhuma classe, mas com que se reconheça em todas; diante dele, falai do gênero humano com ternura, até mesmo com piedade, mas nunca com desprezo. Homens, não desonres o homem. E como para ele a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre os demais, afirma Rousseau, “o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, recebe, como foi dito, nome de soberania.” 83 Daí para o pensador ser a soberania inalienável e indivisível e assim é, porque representa ela: o exercício da vontade geral.84 É por consideração a essa soberania, sustenta ele, que se faz o pacto social que dará existência e vida ao corpo político, assim 79 MONROE, Paul. op. cit. p. 29 -101. 80 BOTO, Carlota. op. cit.. p.16. 81 Idem, Ibidem. p. 16 82 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio ou Da Educação.2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 294. 83 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social. op. cit. p. 47 84 Idem, Ibidem, p.38. 39 como é pela legislação que o pacto ganhará movimento e vontade, o que é mais do necessário visto que os deveres devem se unir aos direitos para, mesmo que artificialmente, possa o homem finalmente restabelecer a igualdade, porque era ela aquela virtude que estava presente no momento de seu nascimento e que lhe foi tomada pelo estado civil. Por isso mesmo, para ele, as leis são propriamente as condições dessa associação civil de maneira que “o povo submetido às leis deve ser o autor destas.” 85 Explica Carlota Boto diante da afirmação de Rousseau, síntese do afirmado acima: “os homens como são e as leis como podem ser”86: [...] Ou seja, deverá ser mobilizado o direito para a obtenção da justiça- não mais uma justiça que atenda apenas a minorias de privilegiadas, mas a justiça do ponto de vista de todos. Esse novo pacto – o Contrato Social- pretenderá fundar uma forma nova de governo diante a qual todos os homens são compreendidos como possuidores da soberania. Rousseau aqui desloca, portanto o significado do próprio termo soberania. Soberano não é mais o governante. Soberano passa a significar ‘povo’. De certo modo advoga-se com isso o estado de direito. A legitimidade do novo pacto social estaria exatamente no fato de não recorrer ao ideário do contratualismo da época, segundo o qual o poder é necessariamente concedido, mediante a submissão de todos a um ou alguns poucos homens. O Contrato Social é apresentado por Rousseau como uma forma de associação que protege todas as pessoas. [...] os fundamentos da democracia moderna estavam ali desenhados. Um ato de soberania requererá, portanto, uma convenção do corpo social com cada um dos seus membros- ‘convenção legítima por ter como base o contrato social, equitativa por ser comum a todos, útil por poder ter por objetivo que não o bem geral e sólida por ter como garantia a força pública e o poder supremo.” Esse tipo de convenção faria os homens obedecerem não há um terceiro, mas a si próprios, à sua própria vontade. [...] se o acordo inclui todos, cada um sabe-se senhor de si. Essa é a liberdade possível no território civil. A soberania- bem que reside no povo- é apresentada por Rousseau como inalienável, indivisível, intransferível. A vontade geral assegura, pela escolha, o acerto das vontades, produzindo consensos tácitos que legitimam a vida democrática. (g.n.) Ainda sintetizando o pensamento de Rousseau observam Lênio Streck e José Luiz Bolsan que a vontade geral encarnada no Estado e pelo Estado é o todo, e como tal a vontade do indivíduo é absorvida por esse “todo” que passa a ser representado pelo 85 Idem, Ibidem,p. 49. 86 BOTO, Carlota, op. cit. p. 14-15. 40 Estado portador da vontade geral, por isso é que os referidos autores acabam por salientar ao que diz Sergio Cotta que chamou atenção para fato de ser a idéia do Contrato Social aquela idéia que dá origem ao Estado Democrático na vigência do Estado Liberal: “na medida em que o poder já não pertence a um príncipe ou a uma oligarquia, e sim a uma comunidade.” 87 Todavia, pelo que expomos pelos escritos de Rousseau podemos, então, compreender que ele não apenas instituiu a educação como um direito de nascimento que deve promover a felicidade de cada um, mas ela também é um valor instrumental e reestruturante da própria sociedade e do Estado. Logo se para ele o Contrato Social é um instrumento de justiça que mobiliza o direito, será lógico afirmar que a educação, também é, por excelência, para o Estado Democrático de Direto, um instrumento que promove, implementa e garante tanto a democracia como o tipo de justiça que ela deve promover. Dessa forma, as idéias do contratualismo, principalmente aquelas preconizadas por Rousseau, foram fatores determinantes para a Revolução Francesa que, sob o lema: Liberdade, Igualdade e Fraternidade inauguraram, em 1789, uma nova fase do Estado Moderno. Isso porque, tais idéias vinham ao encontro dos ideais da classe burguesa que estava em ascensão e andava descontente com os desmandos dos monarcas, a quem em um primeiro momento haviam ajudado com seu poder econômico. Porém, antes de dar continuidade ao histórico do constitucionalismo moderno como um construído que visa principalmente garantir a proteção à dignidade da pessoa humana, é preciso destacar o surgimento de uma outra idéia, deveras importante, que surgiu na passagem do constitucionalismo antigo para o moderno e que também foi solidificada como uma instituição pelas Constituições Modernas. Tal idéia foi estruturada por Montesquieu e exposta em 1748 em sua obra “O Espírito das Leis”. Partindo da idéia de que as leis não podem ser deduzidas a priori de idealista e que elas, tão pouco, podem advir da arbitrariedade dos homens, mas, que racionalmente elas: “constituem as relações necessárias que derivam da natureza das 87 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit.; p.38. 41 coisas.” Ele foi capaz de demonstrar a ineficiência do absolutismo e propôs um outro sistema de governo, onde o máximo de liberdade poderia ser produzido porque os poderes públicos: Legislativo, Executivo e Judiciário seriam fixados em lei como independentes e harmônicos entre si e, assim constituídos, poderiam controlar-se mutuamente88. Contudo, a condução harmônica e equilibrada na gestão da “res publica”, para ele pressupunha um governo republicano, pois a repartição entre os poderes deveria, segundo Montesquieu, ser instituída como uma forma para se garantir às pessoas maior liberdade. Lembra ainda, Roberto Dias que essa idéia de identificação das funções estatais não era em si uma novidade uma vez que Aristóteles na antiga Grécia já havia feito isso na sua obra Política e mesmo John Locke séculos depois, mas antes, de Montesquieu na sua obra Segundo Tratado do governo civil que também idealizou a divisão das funções dos poderes. Porém, há de se considerar que foi Montesquieu que inovou nesse aspecto com a idéia da separação das funções estatais a serem exercidas por órgãos “distintos, especializados, autônomo, independentes entre si.”. Por isso cabe ressalvar que ainda que tenhamos convencionado chamar tal teoria de separação dos poderes ou de tripartição dos poderes, devemos ter presente que o poder é uno e indivisível, conforme vimos em Rousseau, sendo, então, ser mais “adequado falar em separação ou distribuição das funções estatais.” 89 Conforme esclarecem Japiassú e Marcondes, 90 embora a obra de Montesquieu citada não tivesse objetivo de ação prática, foi uma obra que contribuiu deveras com a transformação da sociedade francesa entre os anos de 1750 e 1800, tanto que o princípio 88 89 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 192. SILVA, Roberto Baptista Dias da. Manual de Direito Constitucional. Barueri, SP: Manole, 2007. p. 203. 90 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 192. 42 da separação dos poderes passou a constar como cláusula na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 em seu artigo 16, que afirma categoricamente que não há Constituição quando não for garantido em toda sociedade seus direitos e a separação dos poderes, nos seguintes dizeres: “Toda a sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem Constituição”.91 Porém, observamos que mesmo antes de constar no documento francês, fruto da Revolução Francesa que inaugura oficialmente a Era dos Direitos,92 o princípio da separação dos poderes já havia sido declarado pelos norte-americanos por ocasião de sua independência ao elaborarem a Declaração de Direitos da Virginia de 1776 e fizeram constar no seu parágrafo 5º “que os poderes executivos e legislativos do Estado deverão ser separados e distintos do Judiciário”, artigo que posteriormente também acabou sendo refletido na Constituição dos Estados Unidos de 1787 que declarou em seu artigo 1º o Poder Legislativo, em seu artigo 2º o Poder Executivo e no artigo 3º o Poder Judiciário. Inclusive, Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, aporta a doutrina brasileira fizeram o seguinte comentário em um de seus artigo “O Federalista”93: A acumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e judiciais, nas mesmas mãos, sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditários, autonomeadas ou eletivas, pode -se dizer com exatidão que constitui a própria definição de tirania. Conforme discorre Dalmo de Abreu Dallari em sua obra Elementos da Teoria Geral do Estado, 94 o princípio da separação dos poderes, por idealizar um sistema que impõe a gestão equilibrada entre os poderes, é desde o início um princípio que engendra a possibilidade da formação de um Estado Democrático, visto que ao propor um Poder 91 SILVA, Roberto Baptista Dias da. op.cit. p. 18, em nota de roda pé. 92 Estamos nos referindo ao termo usado por Noberto Bobbio na obra do mesmo título: “A Era dos Direitos”. Onde o referido autor aponta que os direitos humanos não são um dado da natureza como querem os jusnaturalista, nas palavras de Celso Lafer nesse livro ele aponta que são eles um construído jurídico historicamente voltado para o aprimoramento político da convivência coletiva. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Apresentação de Celso Lafer Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.11. 93 Ver em DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado op.cit. abaixo completa p. 218 e SILVA, Roberto Baptista Dias da. op. cit. p. 203 94 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 43 Legislativo que têm a função de criar normas, um Poder Executivo que têm a função de aplicar essa mesmas normas e um Poder Judiciário que deve atuar mediante provocação quando ocorre abuso da função por parte dos outros dois poderes não somente vai o princípio da separação das funções dos poderes otimizar o equilíbrio da gestão na coisa pública como também vai limitar a atuação desse poderes políticos que agora está nas mãos do Estado por vontade do povo. Desse modo, para impedir desvios e ilegalidades na administração da coisa pública, a separação das funções dos poderes, além de facilitar a fiscalização por parte do povo também passa a exigir maior transparência da gestão dos negócios públicos por meio da maior participação dos cidadãos nessa gestão, considerando-se também que agora é ele quem detém o poder político para escolher quem o representará nessa administração da “res publica” de maneira que95: O sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo” – esteja associado - “a idéia de Estado Democrático e deu origem a um engenhosa construção doutrinária, como sistema de frios e contrapesos. Por isso, bem observou Canotilho que ao lermos o artigo 16 da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789, também, não podemos perder de vista que o referido artigo não usa a expressão Estado, mas enfatiza a sociedade, pela expressão “toda a sociedade”, o que significar que ela, sociedade, é que tem uma constituição96: “a constituição é a constituição da sociedade. Isto, significava que nos “esquemas políticos oitocentistas” a constituição aspirava a ser um ‘corpo jurídico’ de regras aplicáveis ao ‘corpo social’.” A observação de Canotilho, nos será importante na medida em que nos indica porque muitas das constituições ocidentais adotaram, ao serem proclamadas ou mesmo outorgadas a nomenclatura de Constituição da República, nas palavras do referido autor97: 95 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. op.cit. p. 218. 96 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit. p.88 97 Idem, Ibidem, p. 88. 44 Nos princípios teóricos do constitucionalismo (Montesquieu, Rosseau, Locke) as estruturas sociais tinham, de resto, significativa expressão nas próprias tecnologias organizativas do poder desenhadas na constituição. Nesse sentido se compreende a expressão – constituição. De maneira que desde a formação do Estado Moderno a grande maioria das nações adotaram um regime político republicano, que Geraldo Ataliba ensina ser98: [...] o regime político em que os exercentes de funções políticas (executivas e Legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade, eletivamente e mediantes mandados renováveis periodicamente. Aporta o referido autor que as características desse regime são: a) eletividade; b) a periodicidade; c) responsabilidade. A eletividade é instrumento da representação, periodicidade assegura fidelidade aos mandatos e ainda possibilita a alternância no poder e a responsabilidade é: “o penhor da idoneidade da representação popular”99 Logo, no Estado Liberal burguês, os ideários de um regime democrático associado à idéia de um regime político republicano, começam a caminhar juntos, mas não de mãos dadas, apenas um ao lado do outro, isso porque representar é privilégio de poucos bem como participar escolhendo quem os representava, também, aliás concedido à bem poucos ou a quem pudesse pagar. E além do que na verdade a democracia no Estado Moderno foi se definido, sim, como uma forma de governo que é capaz de dar maior liberdade ao maior número possível de pessoas, e que, portanto, reconhece e garante direitos políticos à todas as formas de diversidade humana possíveis, mas isso se deus nos campos de batalhas100: O que define a Democracia não é, portanto, somente um conjunto de garantias institucionais ou o reino da maioria, mas antes de tudo o respeito pelos projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação de uma liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade social nacional ou religiosa particular. A democracia não se apoia somente nas leis, mas sobretudo em uma 98 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 13. 99 Idem, Ibidem, p. 13. 100 TOURAINE, Alain. O que é Democracia? 2ª ed.Petropolis: Vozes, 1996, p. 21-26. 45 cultura política. A cultura democrática tem sido frequentemente definida pela igualdade. Assim, ao final do século XVIII, podemos compreender que a ideologia do liberalismo, que o historiador italiano Domenico Losurdo definiu como sendo: “a tradição de pensamento que situa no centro de suas preocupações a liberdade do individuo”101 conceituou preliminarmente a Constituição como uma lei suprema e política que tinha por objetivo declarar os direitos individuais e a liberdades públicas das pessoas, pois a vontade geral dos indivíduos como cidadãos representava a soberania popular que tinha o poder de legitimar ao menos ideologicamente o exercício do poder político do Estado por meio de uma Lei que, ao mesmo tempo em que circunscrevia a atuação da administração pública, por meio da separação de suas funções e por lei, também garantia que ele, pela declaração de direitos, se abstivesse e não interferisse no âmbito de liberdade das pessoas. Entretanto, explica, Alain Touraine, houve um incentivo para que os regimes revolucionários concentrassem poder em suas mãos e apelassem para unidade nacional e para a unanimidade de engajamento, o que denunciou que a eles que a coabitação com adversários era impossível e assim eles puderam considerar a muitos traidores e mesmo que alguns não o fossem assim considerados eram, por fim visto como portadores de interesses ou idéias diferentes, e isso não salvou a Democracia porque não a propagou como cultura política102 Logo, o autor referido compreende que países que são mais fortes econômica ou politicamente mais fortes, em tempos que acentuam o individualismo pode falar em democracia, mas aqueles que não o são podem apenas indiretamente julgar o que seja ela, pois lhes falta igualdade substancial, o que vivem são de fato são “situações democráticas.” Em outras palavras: quando o homem europeu ocidental oitocentista passou a negar que a sociedade era fruto do impulso associativo natural passou a acreditar que somente a vontade humana justificava a existência em sociedade, ou seja, também desenvolveu o ideário de que a vontade humana encontra seu fundamento na razão 101 LOSURDO, Domenico, op. cit. p. 13. 102 TOURAINE, Alain. op. cit. p. 27. 46 humana e não na natureza humana, ou seja, a razão é fundamento dessa mesma vontade de maneira que ordem social passou a ser considerada como um direito sagrado não proveniente da natureza, mas fundada em um contrato que os levou a considerar que nenhuma sociedade poderia subsistir sem um governo com o qual deveriam selar tal contrato social, mas que entretanto sobre eles havia uma forte influência de fatores reais de poderes, que impedia que ele protegesse à todos.103 Esse contrato deveria consubstanciar-se em uma Lei Suprema, que então passa a ser o limite sagrado que atua sobre a vontade do poder de quem governa. Assim, a concepção de liberdade passou a atuar unicamente na esfera da autonomia individual, que devia sempre ser protegida contra a atividade estatal. E para assegurar tal concepção de liberdade ao indivíduo, começam a ser reconhecidos direitos fundamentais como inatos, e isso sela a concepção da existência de direitos subjetivos como preexistentes ao Estado. É esse reconhecimento que obriga ao Estado a uma atitude de não interferência face ao âmbito de liberdade individual. 104 Entretanto, ainda que presentes todos os elementos para a conformação de um Estado de Direito democrático e republicano a presença forte do liberalismo econômico prevalece. Os economistas enfatizavam que as leis de mercado não podem estar sujeitas às limitações impostas pelas leis humanas sob pena de impedir a livre circulação de mercadorias e riquezas. De maneira que, aqueles que detinham poder econômico para tanto, contratavam quem e como bem compreendesse sem qualquer tipo de restrição ou limitação legal imposta, e na execução de qualquer contrato “uma vez celebrado o pacto, havia dever de submissão à avença.” 105 Além, disso segundo Dalmo de Abreu Dallari, uma constituição não tinha eficácia de norma jurídica superior e, apesar de toda pressão feita em revoluções do 103 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, Ada Pellegrine Grinover e FERRA, Anna Cândida da Cunha. Liberdades Públicas- parte geral. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 41 104 Idem, Ibidem, p. 41 105 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit.p. 49 47 século XVIII e suas conseqüentes declarações, ainda não era, nas palavras do referido autor106: [...] expressão de valores consagrados pela sociedade nem de direitos inerentes à condição humana, ficando limitada à definição formal o do sistema político, a enumeração das instituições do governo e à disciplina jurídica do funcionamento do setor público, bem como à definição das instituições garantidoras dos direitos privados. Em relação aos direitos fundamentais, pode-se dizer que a Constituição teve mais valor de um manifesto político ou, na melhor das hipóteses, de compromisso ético do que de norma jurídica fundamental de um povo. Desta feita, para que os direitos dos homens e dos cidadãos pudessem gozar de eficácia, era necessária uma lei ordinária que regulasse o exercício de tal direito e ainda, e conforme o autor referenciado acima, essa era uma das características do constitucionalismo liberal-burguês que vai perdurar até o final da II Guerra Mundial. Por isso o liberalismo original, como nos explica Vidal Serrano Junior107, que implicava numa fuga do direito, passa a evocar o direito de propriedade para “alicerçar o domínio do capitalista em relação aos chamados meios de produção e isso associado à liberdade de contratar tornou-se modelo balizador das relações comerciais, trabalhistas e de consumo”. E ainda que houvesse a implementação de um Estado Liberal democrático, republicano que tivesse por obrigação respeitar direitos fundamentais, o Estado Liberal fracassa, conforme aportaram Paulo Bonavides e Paes Andrade108: O Estado liberal, produto acabado do liberalismo e sua ideologia, teve assim uma infância coroada das esperanças de que vinha mesmo para libertar. Os dogmas eram claros e precisos: na ordem econômica, a livre empresa, a livre iniciativa. O laisse faire, laisse passer, a livre troca, a livre competição; na ordem política, o homem-razão, o homem-governante, o homem-cidadão, o homem-sujeito, em 106 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 136. 107 108 NUNES Júnior, Vidal Serrano. op. cit. p. 49. BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: p. 105. 48 substituição do sub-homem ou subser, que fora aquele genericamente aquele súdito e servo das épocas da monarquia e do feudalismo. Porém, não podemos perder de vista que a burguesia concentrou todo seu poder econômico e político na realização de seus ideais egoístas e individualistas por meio do princípio da legalidade e do princípio da igualdade formal que se consubstanciava na expressão “todos são iguais perante a lei”. O que acabou predicando ao Poder Legislativo um imperialismo sem precedentes. Logo, o processo de elaboração das leis tinha um único objetivo: serem as vias necessárias para que os burgueses participassem ativamente da organização do governo e pudessem influir no estabelecimento de suas limitações109. E isso, por fim, os fez apenas lograr êxito, como nos referimos acima, em se fazer substituir como opressores aos seus antigos algozes, na medida em que a garantia absoluta de suas liberdades 110 : “gerava, como contraponto, a submissão dos economicamente vulneráveis (...) o que aflorou, com irrecusável clareza, a insuficiência e a incapacidade do chamado Estado absenteísta para garantir a convivência livre e harmônica entre seus súditos”. Cabe aqui ressalvar a concepção do princípio da legalidade daquela época, salienta Marinoni 111: O princípio da legalidade, porém, constitui apenas a forma, encontrada pela burguesia, de substituir o absolutismo do regime deposto. É preciso ter em conta que uma das idéias fundamentais implantadas pelo principio da legalidade foi que uma qualidade essencial de toda lei é pôr limites à liberdade individual. Para haver intromissão na liberdade dos indivíduos, seria necessária uma lei aprovada com a cooperação da representação popular. Não bastaria uma ordenação do rei. Como adverte Carl Schimitt, para entender esse conceito de lei, (lei como limite da liberdade), é necessário considerar a situação política da qual se originou (....) no processo histórico de afirmação da burguesia, tal noção de lei cedeu espaço para o seu oposto, isto é, para a noção de lei defendida pelos representantes do absolutismo de 109 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI op. cit.; p. 130 110 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, Ada Pellegrine Grinover e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 50 111 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 24 49 Estado, segundo a qual, na formula clássica cunhada por Hobbes, auctoritas, non veritas facit legem – a lei é vontade, não vale por qualidades morais ou lógicas, mas precisamente como ordem. E esse “culto” ao Poder Legislativo, habitado por representantes da burguesia, onde não havia embates ideológicos112, acabou por mitigar o poder de realizar justiça que ao menos em tese pertencia ao Poder Judiciário. Assim, ainda que houvessem instituído a separação dos poderes como uma garantia das novas instituições para que pudessem enquanto homens livres e iguais vivenciar suas liberdades públicas em um Estado legítimo e justo o culto ao direito tendo por única fonte a lei positivada como uma ordem seca e sem critérios morais impedia a concretização da justiça de democracia. Principalmente porque os juízes estavam impedidos de serem vetores da interpretação desta mesma lei, isso porque o texto da lei no Estado Liberal era considerado perfeito, portanto, quando da sua aplicação ao caso concreto, os juízes estavam proibidos de interferir. A eles cabia apenas proclamá-la diante do caso concreto vez que ela era resultado de um procedimento legislativo regular. Além, juízes, também eram em essência o Estado e Estado não podia interferir no âmbito de liberdade individual que por sua vez estava expressa na lei. De forma que restava aos juízes no tocante às questões que lhes eram apresentadas, e que envolviam conflitos, simplesmente aplicar a lei sem considerar as circunstâncias peculiares e especiais, ou seja, as diferenças substanciais das partes envolvidas não podiam ser levadas em consideração. E a prevalência desse pensamento dentro desse contexto histórico marcadamente de capitalismo liberal acabava por garantir apenas os direitos dos economicamente poderosos que em geral apoiavam os resquícios da política absolutista. Ademais, conforme, articula Dalmo de Abreu Dallari113: 112 113 Idem, Ibidem, p.41. DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI .op. cit.; p. 124 50 O liberalismo, que dava embasamento teórico a essa posições, era na essência, aristocrático, não democrático, pois vedava os privilégios da antiga nobreza de origem medieval, mas, admitia outra categoria de privilegiados, que em termos concretos, era a burguesia. E sendo grande parte da massa populacional formada por trabalhadores e intelectuais que não gozavam de credibilidade, os burgueses temendo “os excessos de suas lideranças radicais e da população, fixaram uma série de restrições para que se tivesse acesso à condição de cidadão” 114. Entre essas restrições, vigorava por instituição legal o famigerado meio de participação pelo voto censitário, que exigia uma renda mínima para participação política de escolha de quem os representasse, e isso excluía uma grande massa populacional que acuada não tinha como pleitear por maior justiça social, daí que alguns intelectuais indignados, mas em geral sem posse de bens, começaram a instigar a massa de trabalhadores a lutar por mais direitos. De qualquer forma, com o advento da Revolução Industrial diante do quadro de injustiças sociais, lado a lado trabalhadores e intelectuais começaram a contrapor-se a essa ordem jurídica e legalista que instava considerar apenas a igualdade formal e que encontrava no exercício absenteísta do Estado sua garantia e proteção. 115 Toda essa oposição somada a outros fatores de ordem social que também se agravaram pela Revolução Industrial, como por exemplo, uma grande migração em massa do campo para centros urbanos onde se estabeleceram os pólos industriais, em busca de melhores empregos que pudessem proporcionar melhores condições de vida, acabou por causar um grande inchaço nesses centros recém-industrializados, e esses, por sua vez, como não ofereciam nenhuma, ou quase nenhuma, infraestrutura para suportar adequadamente os problemas sociais, acabaram sucumbindo as pessoas a estado de profunda miséria, pois não tinham se quer acesso a um mínimo existencial, como alimentação, saúde, educação, moradia e uma renda mínima para se manter bem. 114 115 Idem, Ibidem, p. 130 Nova Enciclopédia Barsa. São Paulo: Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações, 1999, v. 12. p. 330. 51 A classe operária, diante de tais condições de vida tão penosa e cada vez mais consciente do novo modo de exploração do trabalho, cria condições para o surgimento de lideranças trabalhistas. Nesse sentido116: O operariado tomaria consciência crescente da sua condição de nova classe ao longo do século XIX e seria auxiliado nas suas reivindicações pelo nascimento dos movimentos socialistas, que proliferaram na Europa a partir da década de 1830. As primeiras medidas de proteção do trabalho seriam tomadas para beneficiar a classe trabalhadora apenas em 1833, quando o parlamento inglês votou a Lei de Fábrica, que estabelecia a proibição do trabalho de crianças menores de 13 anos por jornadas superiores há nove horas por dia. Em 1847, nova legislação trabalhista proibiu jornadas diárias com mais de 10 horas para os menores de 18 anos e mulheres. Apenas em 1874 foi promulgada a lei que estipulava a jornada diária de dez horas para trabalhadores adultos do sexo masculino. Então, o povo operário e oprimido começa a fazer reivindicações por melhores condições de vida e se insurgem contra seus empregadores e contra o Estado. Primeiro em pequenos movimentos de greve que logo foram se alastram, e a seguir várias insurreições que acabavam por refletir na sociedade como um todo. 1.5 Do Estado Social e socializante, Direitos de Segunda Geração e a Educação como Direito Fundamental na Constituição de Weimar 1919 O ápice dessas reivindicações e revoltas se dá com a chamada “Primavera dos Povos”, mais conhecida como a Revolução Francesa de 1848. E ainda que seu baricentro tenha se dado em Paris, essa foi uma revolução que se estendeu por vários países europeus como Itália, Alemanha, Áustria e Hungria. A Primavera dos Povos iniciou-se como um surto revolucionário de aspirações democráticas e liberais. Classe burguesa (intelectuais) e trabalhadora, lado a lado lutando pelos mesmos ideais. Porém, aos poucos, a classe operária que tinha assegurada a liberdade apenas pela igualdade formal somente na lei e que, como supunham os liberais burgueses, tinham necessidades absolutamente idênticas às suas, se viu de fato 116 LESSA, Antônio Carlos. História das relações internacionais I: a PAX Britannica e o mundo do século XIX. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p.63 52 impedida de desfrutar dessa mesma liberdade, porque afinal não podiam possuir ou sequer quer ter as mesmas condições que eles para conquistar os meios para tanto. E isso foi realmente um golpe para pretensão dos liberais burgueses intelectuais. Fica patente que o pensamento da igualdade formal de que todos merecem tratamentos idênticos bastada na lei vai se dissolvendo117: [...] negada pela dimensão concreta da vida em sociedade, inexoravelmente formada por pessoa e classes sociais diferentes e com necessidades e aspirações completamente distintas. (...) rapidamente fez perceber que a igualdade social constituía requisito para a efetivação da própria liberdade, ou melhor, para o desenvolvimento da sociedade. Conclui-se, em síntese, que a liberdade somente poderia ser usufruída por aquele que tivesse o mínimo de condições materiais para ter uma vida digna. Karl Marx e Engels lançam o Manifesto Comunista “fruto de uma reflexão intelectual sobre a realidade da época”. Argumentam que a história dos homens na busca por mais liberdade sempre esteve às voltas com a luta entre as classes sociais. Defendem como sendo a classe operária aquela que efetivamente trabalha para obter recursos e sustentar o Estado, então deveria ser ela a estar no poder, e ainda que lá chegasse pela revolução. Marx e Engels conceberam idéia negativa de Estado argumentando pelo conjunto de suas idéias que esse será extinto, já que sua mecânica prevê que a “rotação de classes, que se dará até o inteiro desaparecimento das mesmas, condiciona a natureza e os fins do Estado.” 118 Do levante revolucionário de 1848 na França, surge a Constituição Francesa de 1849 entre seus constituintes estavam aqueles que lutavam por considerar o trabalho um direito e alguns outros constituintes que não partilhavam dessa mesma opinião. Conta Fábio Konder Comparato, que entre eles estavam aqueles que argumentavam que uma vez que fosse declarado um direito ao trabalho ele poderia inclusive “destruir a economia” ou ainda, representar um “direito à fome”. E mesmo o famoso Toqueville comentou: “se tal direito fosse levado às últimas conseqüências os bens de produção passariam a ser propriedade do Estado, que seria dominado pela 117 MARINONI, Luiz Guilherme. op. cit.; p. 40. 118 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit. p. 46-50. 53 classe de operários revoltosos, ou seja, estaria instado ‘o comunismo uma nova forma de servidão’”.119 Assim, a Constituição Francesa de 1848, apesar de representar a ideologia do liberalismo clássico, já estava tendenciosa a um socialismo democrático, pois tanto declara o compromisso que a nação francesa tinha com a redução das despesas públicas e impostos de um lado, como declarou em seu artigo 13 que todo cidadão francês tem um direito à liberdade de trabalho e indústria.120 Temos que considerar, também, que no mundo a força da Igreja Católica era ainda muito presente nos Estados, não de outro modo, também enfrentou a questão: em 15 de Maio de 1891 o Papa Leão XIII edita uma carta documental aos seus bispos, uma Encíclica Papal, que foi nomeada de Rerum Novarum, que significa em português “das coisas novas”. O Papa manifestou-se contra a sociedade porque, face aos dogmas da Igreja Católica, seus valores éticos e morais foram reduzidos. Segundo ele, devido ao desenvolvimento do pensamento progressivo e dominante da laicidade. O mundo, de acordo com ele encontrava-se em decomposição social. Todavia, por esse documento ele defende os princípios que devem ser empregados para que o Estado alcance justiça social, como, por exemplo: melhor distribuição de riqueza e intervenção do Estado na economia para proteção dos mais pobres e desprotegidos. Salientando que a caridade do patronato é de significativa importância para os trabalhadores. A Rerum Novarum na interpretação de Zulmar Fachin121: Se, por um lado, contestava o direito de greve e defendia o direito de propriedade, por outro, foi uma voz em defesa dos trabalhadores explorados. Argumentava que os patrões não deveriam tratar os trabalhadores como escravos, mas respeitar sua dignidade de homem, pois é o trabalho de seu corpo, fornecendo-lhe um meio de 119 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. VII Ed.. São Paulo: Saraiva, 2010, p.180-181. 120 121 Idem, ibidem,, p. 180-181. FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método, 2008, p. 329 54 subsistência, que faz a honra do homem. Desse modo, reconheceu como vergonhoso e desumano o uso dos homens como instrumentos de lucro e advertiu que os patrões não devem impor aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou desproporcional à sua idade e à sua condição sexual. Na linha cronológica de afirmação histórica pela luta de planificação de textos normativos estatais que levem ao reconhecimento, respeito, proteção e concretização de direitos sociais- direitos chamados pela Teoria das Gerações de Direitos Humanos de 2ª geração- em paralelo as conquistas do século XVIII e XIX, no que diz respeito aos direitos individuais civis e políticos foi a Constituição Mexicana de 1917 a primeira a inovar. Foi ela a primeira constituição moderna do século XX a enunciar e qualificar direitos trabalhistas como direitos fundamentais e inclusive proclama que esses deveriam andar a passos com as liberdades individuais e direitos políticos. Conforme aporta Vidal Serrano Junior122: A carta mexicana, refletindo esse ideário de bem – estar social promoveu a constitucionalização dos direitos de proteção do trabalho. Nela houve minudente tratamento do tema, revelando, portanto a preocupação dos movimentos sociais com a limitação do poder econômico nas relações de trabalho. Todavia, foi a Assembléia Constituinte na cidade de Weimar, na Alemanha, em 1919 que, após a eclosão de um movimento republicano, elaborou a primeira constituição de “conteúdo socializante com efeitos práticos, atribuindo ao Estado o papel garantidor de direitos sociais, rompendo com a tradição liberal- burguesa.”123 E com isso renova os objetivos do Constitucionalismo Moderno. O texto constitucional Weimariano124 começa declarando especificamente proteção à comunidade a partir do artigo 120, ressalvando a importância da educação dos filhos, assinalando que por ela devem ser alcançados os seguintes objetivos: desenvolvimento mental, social e promoção da eficiência física da criança e do jovem. Tanto isso é importante que, a seguir no mesmo texto declara que educação dos filhos 122 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 52. 123 DALLARI, Dalmo de Abreu. op.cit. p. 138 124 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 83 -86. 55 não é apenas o primeiro dever supremo dos pais, mas também seu direito natural nascendo dessa contraposição a obrigação à comunidade política de zelar para que tais objetivos se cumpram. Do artigo 122 a 134 as de liberdades públicas de origem liberal que protegem a vida em sociedade como, por exemplo, o direito de reunião (art.123); o direito de livre associação (124); a liberdade e sigilo de voto (art. 125); e ainda, consagra que todos os alemães devem ter acesso para trabalhar no funcionalismo público, portanto abole a prevalência da aristocracia e da nobreza na gestão da coisa pública e em especial consagra os direitos e os deveres dos funcionários públicos.125 A Constituição de Weimar inova a concepção de direito social ao consagrar no art. 142 a educação escolar pública como um direito individual de cada cidadão, mas também inova ao dizer que é a mesma é a principal instituição do país, pois é por meio dela que se vai garantir a reconstrução e manutenção da unicidade alemã, que se encontrava retalhada após a I Guerra Mundial. Vale salientar que o sistema educativo alemão de 1919 também se assentava na melhoria e no aperfeiçoamento pessoal do aluno, tanto que determinava que a organização e a estrutura das escolas deveriam levar em consideração a multiplicidade de profissões e inclusive vedou expressamente qualquer tipo de discriminação que pudesse impedir a admissão à escola, o jovem ou a criança não deveriam sofrer qualquer tipo de discriminação baseada na sua posição social, econômica ou ainda no credo religioso de seus pais; a escola deveria considerar apenas a vocação e a capacidade de cada criança ou de cada jovem.126 Há também uma preocupação por parte do constituinte alemão de 1919 com a continuidade dos estudos para além da primária, já que visavam conquistar aprimoramento, tanto que eles garantem que aqueles que não tiverem recursos para o ensino médio e o superior poderão se valer de um fundo público instituído pelo Reich, pelos estados e municípios conjuntamente para tal fim e para que os pais dessas crianças 125 Idem, Ibidem. 88 126 Idem, Ibidem. 88-90 56 pudessem usá-lo, ou seja, eles criam uma espécie de sistema único de educação, desde que comprovem que seus filhos estejam aptos a esse tipo de aperfeiçoamento. Mas é pela redação do artigo 148 que vislumbramos o quanto os alemães do início do século XX desejavam uma educação que pudesse ser usufruída por todo e qualquer cidadão alemão para que ele pudesse unificar e reconstruir o país, pois esse artigo determina a educação cívica e a educação política como um viés da educação que se ensina, principalmente, às crianças alemãs: respeito ao país e submissão a sua lei suprema. 127 Porém, o fato de eles terem vinculado uma educação específica para o civismo e a para a política “conforme o espírito patriótico de reconciliação entre os povos” acaba por cair no vazio, pois o espírito que tomava as ruas era o da ideologia do puro nacionalismo e a raiva que nutriam por outras nações que estavam cobrando o pagamento da indenização pelos prejuízos que causaram na I Grande Guerra acaba se refletindo nas escolas e nas famílias e com o espírito alemão inflamado e Constituição de Weimar sem força normativa o suficiente os idéias de implantação de Constitucionalismo Moderno fracassa e deixa triunfar a crença de que os alemães eram um raça pura e superior face às demais. Assim posto, esse foi o grande pecado do sistema educativo alemão, pois, quando aplicado era demasiado nacionalista. Por isso e ainda que a Constituição de Weimar tenha sido uma constituição que consagrou direitos fundamentais políticos e civis lado a lado com direitos fundamentais sociais no ano de 1933 ela fracassa no seu ideal, pois ao contrário do que pretendia ela acaba se transformando em um dos veículos que vai permitir a instalação da ditadura nazista que vai suprimir os direitos fundamentais dos alemães, principalmente daqueles que não tinham sangue ariano. Assim, mesmo que tenha sido o texto dessa Constituição o primeiro a por fim à discussão doutrinária se direitos fundamentais civis e políticos tem ou não status de direitos subjetivos, discussão doutrinária que havia iniciado com a Declaração dos Direitos dos Homens após a Revolução Francesa ela acaba por não vingar e isso causa 127 Idem, Ibidem. 89-90. 57 tanto trauma que a atual Lei Fundamental Alemã promulgada após a II Guerra mundial e vigente desde 1949, termina por não repetir essa fórmula de tecer detalhadamente os direitos sociais e se restringe simplesmente a enunciar o princípio do Estado Social no seu artigo 20, o que vai abrir campo para a dogmática empírica alemã.128 Porém, é importante registrar que a educação escolar da Alemanha de 1919 defendia pelo Texto Constitucional, art. 149, um sistema educativo que obrigatoriamente tinha que fazer necessária correlação que deve haver entre direitos civis e políticos e direito sociais, haja visto que determinou que uma boa educação deve visar o universal, e o fez isso na medida em que ressalvou expressamente que as escolas públicas devem tomar cuidado para que as “sensações” (opiniões) de dissidentes não sejam violadas. Portanto, o sistema educativo alemão foi o primeiro sistema educativo constitucional que visava também garantir a liberdade de expressão e a livre manifestação de pensamento, o que faz do ponto de vista pedagógico, pleno sentido já que a escola é com certeza entre muitos locais, o mais certo para se pôr a salvo a pluralidade de idéias, traduzindo-se, nisso como verdadeira: fonte de democracia.129 Há que se destacar que Texto normativo da Constituição de Weimar, também, foi elaborado como uma importante fonte de integração social, que deveria ser utilizado como instrumento para desenvolver cidadania, visto que determinou uma obrigação ao Estado Alemão: a distribuição de um exemplar da Constituição a cada cidadão que tivesse êxito em cumprir todas as etapas imposta para obter um mínimo da escolaridade obrigatória. Logo, essa foi uma Constituição que merece maior estudo porque foi uma sim uma Constituição no qual começa a se instituir a cultura democrática porque começa a delinear a sociedade política como uma construção institucional “cujo objetivo era combinar liberdade individual e coletividades com a unidade da atividade econômica e das regras jurídicas” Isso porque a cultura democrática define-se como: “um esforço de 128 LEDUR, José Felipe. Direitos Fundamentais sociais: Efetivação no âmbito da democracia participativa. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009. p. 74-75 129 129 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 83 -86. 58 combinação entre unidades e diversidade, liberdade e integração.” Porém os líderes e a forças políticas do social nacionalismo presentes na comunidade alemã a reduziu ao “poder da razão, à liberdade dos grupos de interesse e ao nacionalismo comunitário” e o que tinha de errado nisso prevaleceu.130 Dessa forma, o sistema educativo alemão do início do século, apesar de concentrar os objetivos da educação, principalmente para edificar um Estado forte e não na pessoa humana, expondo como objetivos do Estado: unicidade, estabilidade estatal e nacionalismo, faz da educação um direito fundamental que dá vitaliciedade e força a vivência de outros direitos fundamentais, sobretudo porque visava garantir uma estabilidade nacional que na verdade se encontrava bem abalada, visto que eles enfrentavam as conseqüências da derrota da I Guerra Mundial o que os desestabilizou economicamente e feriu seu orgulho de cidadão nacional alemão a ponto de fazê-los apostar suas esperanças, ao menos inicialmente, de maneira democrática, naquele que foi um dos maiores carrasco do mundo. E ainda que tivessem a mais moderna das constituições da época, dado que seu texto normativo já procurava dar funções objetiva e subjetiva aos direitos fundamentais individuais e sociais , ela fracassa. E pelo § 1º do artigo 163 já demonstra uma preocupação constitucional com a instituição de um standard mínimo vital incondicional a ser suprido pelo Estado ao trabalhador alemão que se encontrasse sem uma ocupação laboral que pudesse suprir seu próprio sustento, nos seguintes termos131: A todo alemão deve ser proporcionada a possibilidade de ganhar seu sustento mediante um trabalho produtivo. Quando não se lhe possam oferecer ocupações adequadas, atender-se-á ao seu necessário sustento. Leis especiais fixaram as disposições complementares. Dessa feita, tendo a Constituição de Weimar enunciado lado a lado direitos fundamentais individuais e direitos sociais, econômicos e culturais, garantindo a vivência comunitária sob os dogmas de uma justiça social que fosse capaz de 130 131 TOURAINE, Alain. op. cit. p. 28-29. FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 92. 59 proporcionar vida digna, tornou-se ela uma inspiração que passou a influenciar as chamadas Constituições Contemporâneas do século XX nesse sentido132: La Constitución de Weimar ha sido, durante mucho tiempo, el texto inspirador de las cartas constitucionales que han intentado conjugar em su sistema de derechos fundamemtales las libertades con los derechos económicos, sociales y culturales. Esta orientación se refleja en nuestra Constitucion republicana de 1931, así como en la mayor parte del constitucionalismo surgido el fin de la Segunda Guerra Mundia. ES el caso, por ejemplo, de la Constituición francesa de 1946 de la Constitución Italiana de 1947 o de la Ley Fundamental (Grundgesetz) de la República Federal de Alemania que data de 1949. Esta tendencia se ha reforzado em las últimas constituciones europeas surgidas de la vuelta a la democracia de países sometidos anteriormente a regímenes autoritários. Así, las constituciones de Grécia (1975), Portugal (1976) y España (1978) han tratado deliberadamente de establecer un marco de derecchos fundamentales integrado lo mismo por las libertades públicas, tendentes a garantizar las situaciones individuales, que por derechos sociales. Quizás uno de los rasgos distintivos de estos textos sea, precisamente, la ampliación del estatuto de los derechos sociales, intentando así satisfacer las nuevas necessidades de caráter econômico, cultural y social que conforman el signo de definitorio de nuestra época. Ademais foi a partir do texto da Constituição de Weimar, conforme aporta Dalmo de Abreu Dallari, que surgiu a necessidade de uma reformulação da teoria jurídica que vai dar um novo significado jurídico à Constituição133: “Nessa ocasião, a partir da obra do checo-austríaco Hans Kelsen, foram dados os primeiros passos para uma teoria constitucional, ao lado da tradicional teoria civilista que era eminentemente individualista, privatista e patrimonialista”. Assim, em seu texto, encontramos os primeiros passos para efetivar a democracia como: “um regime em que a maioria reconhece os direitos das minorias porque aceita que a maioria de hoje venha a se tornar minorias amanhã e ficar submetida a uma lei que representará interesses diferentes dos seus, mas não lhes recusará o exercício de direitos fundamentais.” Também, ali estão as primeiras linhas de uma democracia que não reduz o ser humano apenas um cidadão e o reconhece como: “um individuo livre que também faz parte das coletividades econômicas e culturais” 132 LUÑO, Antonio – Enrique Perez. Los Derechos Fundamentales 9ª ed. Espanha, Madrid: Tecnos, 2007, p. 40 133 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit p. 138 60 Porém, o fato de não apoiar-se numa consciência da interdependência da unidade com a diversidade e porque não se apoiou em manter um debate permanente sobre encontrar seus limites morais, para que se visse assim a instalação de um regime democrático que fundamentado em uma cultura democrática, seus ideais não passam de primeiras linhas e seus primeiros passos foram, então, claudicantes e levam a nação Alemã à queda, e junto com ela toda humanidade. 134 Isso porque, ainda, que vigente a Constituição de Weimar o Estado Alemão sofria com uma profunda crise política, social e econômica e o povo sofria com as conseqüências dessas disputas ideológicas, conforme já aportamos. Grande parte dessa crise advinha do fato de que o estado alemão da Baviera, havia se separado do resto da Alemanha se declarado comunista e abolido a propriedade privada, inspirados pela Revolução Russa de 1917 e sua correspondente “Declaração do Povo Trabalhador e Explorado”, redigida pelo ditador Lênin em 1918. O povo alemão temia o comunismo e seus ideais e o impacto que isso iria causar em suas vidas. E realmente o comunismo causou um grande impacto na formação dos estados socialistas. Na Rússia do início de 1918 o “III Congresso Pan Russo de Sovietes, de Deputados Operários, Soldados e Camponeses” ao adotarem a “Declaração do Povo Trabalhador e Explorado” a incorporam em sua Constituição do mesmo ano.135 Além disso, ao contrário do que pedia os ensinamentos da escola liberal burguesa, desprezam por completo o reconhecimento de qualquer direito individual e os operários, sovietes e soldados russos creditam os direitos trabalhistas como sendo eles os únicos direitos que são capazes de impedir a exploração patronal - são as idéias de Marx levadas a últimas conseqüências. É o temor de Toqueville, referido anteriormente, durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1848 na França, concretizando-se. E o temiam com razão como poderemos ver. Dessa maneira, mesmo que posteriormente tenha a Constituição Soviética de 1936 previsto e estendido a titularidade de direitos políticos a todos os cidadãos da 134 135 TOURAINE, Alain. op. cit. p. 29. FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit. p.81-83, 61 União Soviética e não tenha restringido seu exercício somente aos trabalhadores seu exercício estava limitado pelo interesse da coletividade e conforme aporta Pérez Luño136: “Este texto há inspirado el ulterior estatuto constitucional de los derechos fundamentales no solo em la URSS, sino em la mayor parte de los países socialista.” Porém, desprezava completamente o ser humano considerado individualmente e muito mais do que um direito ao trabalho, eles decidem que o trabalho é um dever e passam a expor os investidores, os comerciantes, e proprietários de terras como parasitas e não como pessoas que deveriam ser retalhadas violentamente pelo poder de armas, aliás, a expressão usada por eles em relação a existência físicas dessa pessoa é que devem ser “suprimidas da sociedade.”137 Desse modo, os operários russos, de maneira radical e implacável tomam para si todos os meios de produção e inclusive estatizam o sistema financeiro e eliminam o direito do cidadão à propriedade privada. Por isso e apesar de instituir os direitos sociais como a educação e trabalho para que seja garantida uma vida digna aos cidadãos acabam por abolir os direitos civis e políticos. De maneira que quando Stalin tornou-se o grande líder da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, qualquer um que discordasse de sua política era torturado e assassinado, haja visto não havia mais um devido processo legal ou uma forma que garantisse a defesa dessas pessoas138. Milhares de pessoas morreram no regime ditatorial que passou a usar os direitos sociais como fachada para justificar todo o tipo de arbitrariedade e abuso de poder. De tal sorte que a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado apenas nos é importante na medida em que ressalva as questões do reconhecimento em concreto dos direitos sociais, mas por outro lado na medida em que ela nega os direitos civis e políticos e usa da violência física, psicológica e moral não merece maior acolhimento de nossa parte porque acabou sendo usada para formar a base de um Estado Socialista que não assegura a vivência em liberdades públicas, sem o qual é inconcebível uma vida 136 LUÑO, Antonio – Enrique Perez. op. cit.; p. 39 137 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit. p. 82. 138 FERREIRA, Lauro Cesar Mazetto. Seguridade Social e Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2007.p. 41-42. 62 digna. Portanto, fica consignado que tal Declaração ficou marcada na História Social da Humanidade, que buscou por declarações alcançar maior concretização em Direitos Humanos Fundamentais como um uma Declaração que implicou em um enorme retrocesso histórico. No entanto, histórica e juridicamente, os direitos econômicos, sociais e culturais que são considerados pela Teoria das Gerações dos Direitos Humanos os de segunda geração, ficam compreendidos como aqueles direitos fundamentais que têm por principal característica, mas não a única, uma ação positiva do estado para que todos alcancem bem estar social. Nos dizeres de Ingo. W. Sarlet não são:139 "de liberdade perante o Estado, mas sim de liberdade por intermédio do Estado". Na República de Weimar Adolf Hitler ganhou popularidade em 1924 pela edição do seu livro Mein Kampf, onde sistematizou suas idéias do movimento nazista e após as queda da bolsa em 1929 o povo alemão que já encontrava em profunda crise acaba colocando-o no poder em janeiro de 1933 “pelas vias formais de uma democracia parlamentarista” e ele um mês depois se aproveitando da idéias da oposição comunista, os culpa pelo incêndio o Parlamento Alemão e a partir daí deflagra um processo de reforma constitucional, atrofiando os demais poderes constitucionalmente previstos. E em 1 de Setembro de 1939 Adolf Hitler com seu exército xenofóbico e chauvinista invade a Polônia e a partir de então outras nações, até o ano de 1945 mergulha o mundo no maior conflito bélico de sua história - a II Guerra Mundial - que vai terminar apenas em 1945 quando os Estados Unidos da América laçaram sobre duas cidades do Japão bombas nucleares praticamente exterminando os civis que lá moravam. A II Guerra Mundial foi um conflito bélico sem precedentes em dimensão e atrocidades que levou a óbito, aproximadamente, 60 milhões de pessoas, sendo a maioria delas civis. A Alemanha, a Itália e o Japão que comungavam das mesmas ideologias formavam o Eixo, que então passa a ser combatido pelos Aliados, formado pela Rússia, Inglaterra e Estados Unidos da América as duas primeiras foram atacadas e 139 Idem, Ibidem, p. 46 63 invadidas em seus territórios logo no primeiro ano da Guerra pelo exercito nazista e os Estados Unidos somente ingressou para a guerra quando foi atacado pela marinha imperialista japonesa em 1941. Quando, finalmente, a II Guerra termina em 1945 com a vitória dos Aliados – sobre o Eixo, as potências vencedoras precisam reconstruir o mundo, mas, já sabiam que havia necessidade que toda a humanidade se engaje para universalizar uma filosofia e ideologia política, jurídica e social que alcance assegurar a completa proteção de todo e qualquer ser humano em todas as suas dimensões, não importando em qual nação, território, povoado ou Estado ela nasça ou viva. 1.6 Internacionalização dos Direitos Humanos e a formação de um Estado Constitucional Integralizador e Cooperativista- um caminho possível Assim, inspirados, líderes de diversas nações, pela Carta Internacional dos Direitos Humanos que foi subscrita em São Francisco em 1945 criou a Organização das Nações Unidas - ONU o que já estava assumido pela Carta das Nações Unidas, desde 1942 de que as nações, a partir de então, teriam por objetivos principais criminalizar a guerra e universalizar a paz, por meio de creditar às pessoas humanas pleno reconhecimento da sua dignidade de pessoa humana o que implica em impor aos Estados-membros, órgãos, entidades, e cidadãos de toda parte do mundo que o ser humano deve ser protegido pelas ações de: promoção, respeito e implementação de Direitos Fundamentais como direitos humanos, porque são os humanos os titulares desses. Reforçam, assim de que não há como sustentar a separação entre economia e política, uma vez que pelos fatos históricos ficou evidenciado que a “própria existência do Estado e da ordem jurídica significa uma intervenção”, que por sua vez são pressupostos inerentes da economia, e ainda, que alguns considerem que a intervenção estatal não cumpre nenhuma papel socializante, evidenciou-se que sua intervenção alivia os conflitos do Estado Liberal, atenuando nas palavras de Lênio Streck e José Luiz Bolsan, suas características: liberdade contratual e a propriedade privada dos meios de produção. O que, então, se pactua é a separação entre os trabalhadores e os meios de 64 produção, o que por si produziu a necessidade de impor função social a esses institutos e a transformação de outros.140 O tipo de Estado Welfare State, que juridicamente começou a emergir com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar após, duas Grandes Guerras e uma crise econômica em 1929, derrubam definitivamente a forma de Estado assistencial paternalista, isso porque eles exigiam em troca de benefícios as garantias da liberdade pessoal. Após todos esses acontecimentos, os autores citados, comentam H.L . Wilensky em Gloria Regonini 141: [...] no modelo de Bem-Estar as prestações públicas são percebidas e construídas como um/uma direito/ conquista da cidadania. [...] À vista disso, pode-se caracterizar esse modelo de Estado como aquele que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político. Fábio Konder Comparato observa, que do ponto de vista humanístico e espiritual não podemos negar que estavam presentes entre as nações após o final da Segunda Guerra Mundial, o fato de que ao final dela foram lançadas duas bombas nucleares no Japão: uma em 6 de agosto na cidade de Hiroschima e outra em 9 de agosto na cidade de Nagasaki, pelos Estados Unidos argumentando-se que era mais do que necessário por um ponto final nessa Guerra. Esse acontecimento cruel, trágico e pavoroso evento deu ao mundo um “prenúncio de apocalipse” que nos pôs conscientes de que “o homem acabará de adquirir o poder de destruir toda a vida na face da Terra.” 142 É como consequência desse despertar de consciência que a humanidade compreenderá que se quiser sobreviver, deverá haver entre todos os povos uma colaboração “na reorganização das relações internacionais com base no respeito incondicional à dignidade da pessoa humana.” 143 140 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luiz Bolsan. op. cit. p. 74-75. 141 Idem, Ibidem, p 78. ver também: REGONINI, Glória. Estado do Bem-estar. in Dicionário de Política. Noberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino. 13ª ed. Brasília: UNB, 2008, p.416-419. 142 COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. op. cit.; p. 226. 143 Idem, Ibidem, p. 226. 65 Assim nasceu a consciência de que é mais do que necessário a construção da idéia de que qualquer Estado seja capaz de integralizar, por meio de uma Lei Suprema, direitos fundamentais civis, políticos, econômicos, sociais e culturais à sua agenda, à base de seus valores comunitários, e ainda, que seja capaz de os levá-los para cidadãos que estejam além de suas fronteiras, por meio do desenvolvimento da colaboração e do cooperativismo entre todas as nações. Por fim, é o surgimento da idéia de um Estado Social Integralizador e Cooperativista que adota como condição que seu poder político pode ser mitigado, pois, enquanto Estado, a partir do momento que toma consciência da necessidade da função integrativa de sua constituição ratifica tratados, convenções, pactos internacionais de proteção ao ser humano que consagrados nos Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos e isso para integrá-los. Então, ao fazerem isso também devem desenvolver a compreensão de que sua soberania foi relativizada, dado que passam a aceitar pela ratificação que uma ordem (poder) supranacional pode intervir em seu território para fiscalizar, ajudar e garantir a implementação de respeito e garantias a plena vivência de Direitos Humanos Fundamentais, o que deve se estender à toda pessoa humana que esteja sobre a proteção de suas fronteiras. Isto porque a concepção de soberania que até então vinha e, ainda, vem, sendo propagado pelos Estados- nações e o positivismo jurídico que lhes acompanha e que propõe um formalismo rígido e exagerado não podem mais oferecer respostas suficientes e adequadas que, sobretudo protejam as pessoas, onde quer que elas se encontrem, do abuso de poder, de outras pessoas, ou dos Estados. Logo, podemos concluir que o (neo) Constitucionalismo Moderno e Local passou a caminhar lado a lado com um Constitucionalismo Global e Contemporâneo. A ordem de se trabalhar os valores humanos que protegem a condição de ser humano, impostas por esse movimento de internacionalização de Direitos Humanos, estabelece o que a doutrina nomeia de Neoconstitucionalismo que passou, por sua vez a reorientar a Teoria Constitucional desenvolvida em quase todas as nações, já que por toda a parte do 66 mundo tornou-se comum que um Estado adotasse uma Constituição como sua lei suprema. Nos dizeres de Lilian Balmant Emerique foi preciso144: [...] oxigenar o debate no campo do Direito, principalmente no que concerne a Teoria Constitucional, a fim de avaliar os mecanismos de mudança sugeridos e provocar um debate enriquecedor sobre o papel da Constituição dentro da conjuntura social cambiante.O coevo momento coloca na agenda dos debates no âmbito constitucional novos problemas ou desafios que demandam um interesse maior dos estudiosos da Teoria Constitucional e da Constituição, dentre os fatores responsáveis pela mudança podem ser arroladas as transformações tecnológicas, a crise do Estado providencia, as tendências neoliberais, os novos corporativismos, o pluralismo político-social e a afirmação de identidades, as forças centrífugas internas e externas, a integração nos espaços transnacionais e supranacionais, a globalização económica e da comunicação social, a fragilidade ambiental, a exasperação de conflitos com incidência mundial. Já a etimologia da palavra integralização145 tem suas origens no Latim, na palavra integratio e significa “não tocado, intacto, completo em todas as suas partes”. Hoje, porém, a ela foram dados outros dois sentidos: um que podemos chamar de individual psicológico, de um cunho subjetivo e que denota a ação de centrar os diversos elementos de uma personalidade em torno de um eixo de valores estáveis. E, um outro sentido objetivo, de cunho mais social que representa a polarização de todos os elementos da sociedade, em torno de um projeto comum, ou seja, a participação de todos num bem comum, ou seja, integralização está intimamente ligada à idéia de comunidade. 144 BALMANT, Lilian Emerique. Neoconstitucionalismo e Interpretação Constitucional. Revista da Faculdade de Direito de Lisboa. V. XLVIII n.1 e 2. Portugal, Lisboa: Coimbra, 2007, p. 354. Disponível na internet em: http://www.fd.ul.pt/LinkClick.aspx?fileticket=zFAKd2su_nI%3D&tabid=648. Acesso em janeiro de 2012. 145 Pequena Enciclopédia da moral e civismo – Fundação Nacional de Material Escolar – Ministério da Educação e Cultura. 1972 p. 391- Ressalvamos, desde, então, que esse dicionário ainda que tenha sido elaborado sob o regime ditatorial brasileiro, que perdurou por 21 anos no Brasil, do inicio de março de1964 a início de 1985. Época dúbia para o ensino, como explicaremos mais a frente no processo histórico dos direito sociais brasileiros, trata-se de um obra de referência útil para a nossa pesquisa histórica, pois, em primeiro podemos buscar em cada verbete a etimologia da palavra procurada e por uma análise desses mesmos verbetes compreender perfeitamente o que se passava com a educação e a sociedade brasileira em tempos de ditadura brasileira. 67 Desta forma podemos alinhar tal pensamento àquele já desenvolvido por R. Smend146 que preconiza que a Constituição tem uma função integralizadora, ou seja, os valores supremos de uma comunidade devem ser fundamentados numa Lei Suprema que reconhece direitos humanos fundamentais como sendo aqueles direitos que visam proteger a dignidade de todo o ser humano que esteja em seu território. Logo, a Democracia passou a ser compreendida como a “busca de combinações entre a liberdade privada e a integração social ou entre o sujeito e a razão”. Também passou a ser um atributo da modernização econômica. Porém esse apelo a democracia não pode em nome de uma cultura particular reforçar o Poder Político, como por exemplo, impor uma relação direta entre um religião e um Estado, isso porque pode eclodir ao invés de uma ditadura nacionalista uma ditadura comunitarista, como vem acontecendo com muitos países da comunidade de nações árabes. Isso tem sido entre muitos os dos principais desafios da internacionalização dos direitos humanos, entre outros, como por exemplo, a concepção de que a democracia somente pode existir nos países ricos, para aqueles que dominam o mercado mundial, o que se opõe completamente ao ideário de democracia, visto que ela é um construído que como dissemos foi e está sendo, infelizmente conquistado em campos de batalhas, de maneira que ela foi se construindo como um “ente” que necessariamente caminha lado a lado com a economia de mercado e a secularização, que em geral podem ser vistas como as três fases de um processo geral de modernização, que vem para combater tanto as ditaduras totalitárias bem como o ideário laisser-faire que “favorece o crescimento das desigualdades e a concentração do poder nas mãos de grupos restritos.”147 O que nos leva a compreender que um Estado Constitucional Democrático e Integralizador é aquele tipo de Estado, que para além de adotar uma Constituição que esteja aberta a toda essa ordem externa de sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos como “norma cogens”, para que os direitos fundamentais humanos de sua Constituição fique perfeitamente alinhada com o eixo dos valores da comunidade internacional, também, vai em sua ordem interna consagrar e incentivar que a 146 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional.; p.129 em nota de roda pé. 147 TOURAINE, Alain. O que é Democracia? op.cit. p. 30-31. 68 participação de todos os indivíduos para o desenvolvimento dessa nova ordem é de suma importância para que se consiga progresso social e justiça social tanto isso valendo para uma ordem local como para uma ordem externa, com o qual estarão perfeitamente alinhados, pelo que preconiza sua constituição. Portanto, as constituições de toda e qualquer Estado- membro da Organização das Nações Unidas assumem um compromisso de integrar o ser humano tanto à sua comunidade local como à comunidade internacional. Devendo as Constituições alcançar por meio de sua função integrativa a efetivação de todas as suas demais funções e dimensões: política, jurídica e social e axiológica, o que vai exigir que os Poderes Políticos Locais e Globais respeitem, implementem e garantam os direitos humanos fundamentais, isso porque seu titular é a pessoa humana e seu objetivo: a proteção de sua dignidade. Nesse sentido por Estado Constitucional Cooperativista palavras de Peter Härbele é aquele Estado 148: [...] que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade. Ele corresponde com isso, à necessidade internacional de políticas de paz. Isso porque, do ponto de vista moral aos olhos de toda a humanidade emergiu a necessidade de que uma ordem política e jurídica protegesse a todas as pessoas em todas nações, de maneira a garantir a execução de obrigações recíprocas que ligam todo homem ao seu semelhante, “pois cada um depende de todos.” Isso, significa dizer que nasceu por toda parte, mesmo que tardiamente, a necessidade de se proteger, implementar e garantir juridicamente, a solidariedade, tanto na ordem local como na ordem internacional, para principalmente combater o solipsismo que vem a designar o isolamento da consciência individual em si mesmo, “tanto em relação ao mundo externo quanto em relação a outras consciências.149 148 HÄRBELE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.4 149 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo.op. cit. p. 258. 69 O que fica imediatamente claro para todas as nações é que o Estado Constitucional, conforme aporta Jorge Miranda, não pode perder de vista a essencialidade de se articular conjuntamente150: [...]direitos, liberdade e garantias (direitos cuja função imediata é a proteção da autonomia da pessoa) com direitos sociais (direitos cuja função imediata é o refazer das condições materiais e culturais em que vivem as pessoas); de articular igualdade jurídica (à partida) com igualdade social (à chegada) e segurança jurídica com segurança social. (g.n) E foi com essas intenções proclamadas na Carta das Nações Unidas151, e o compromisso firmado pela Assembleia Geral da ONU que se criou o Conselho Econômico e Social que hoje é o órgão coordenador do trabalho econômico e social da ONU, das Agências Especializadas e das demais instituições integrantes do Sistema das Nações Unidas: 152 O Conselho formula recomendações e inicia atividades relacionadas com o desenvolvimento, comércio internacional, industrialização, recursos naturais, direitos humanos, condição da mulher, população, ciência e tecnologia, prevenção do crime, bem-estar social e muitas outras questões econômicas e sociais. Entre suas atribuições encontrase principalmente: encarregar-se, sob a supervisão da Assembléia Geral, das atividades econômicas e sociais das Nações Unidas; Elaborar ou iniciar estudos, relatórios e recomendações a respeito de assuntos de caráter econômico, social, cultural, educacional e conexos; promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos. Por isso e para isso pela resolução 217 A (III) em 10 de Dezembro de 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas promulga a Declaração Universal dos Direitos Humanos153. E em 1966 novamente reunidos em Assembléia Geral promulgam o Pacto 150 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 43. 151 Aprovada no Brasil, pelo Decreto-lei n. 7.935, de 4 de setembro de 1945, e promulgada pelo Decreto n. 19.841 de 22 de novembro de 1945. 152 Missão Permanente de Portugal junto às Nações Unidas . Disponível na internet: http://www.missionofportugal.org/mop/index.php?option=com_content&view=article&id=50&Itemid=5 5 Acesso em fevereiro de 2012. 153 Assinada pelo Brasil em 10 de dezembro de 1948. Fonte: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 383. 70 Internacionais de Direitos Civis e Políticos154 e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais155 que formam em conjunto o Sistema Global de Proteção ou International Bill of Rights. Com o passar dos anos deu-se continuidade a esse processo de Internacionalização dos Direitos Humanos pela formulação de várias convenções, tratados e pactos que visam completar a proteção o e o respeito de pessoas humanas que, principalmente a muito já se encontravam historicamente excluídas da proteção das leis e por isso tiveram devidamente protegidos seu estado de vulnerabilidade natural, formando-se então o Sistema Especial de Proteção156, que caminha em conjunto e paralelo ao Sistema Global e a partir de 1950 a Convenção Européia dos Direitos Humanos, inaugura ainda mais um Sistema de Proteção dos Direitos Humanos: o Sistema Regional de proteção que acaba então se estendendo para outros países que em conjunto também formaram seus próprios sistemas regionais de proteção da pessoa humana. Sendo que para o Brasil se aplica o Sistema Regional Interamericano formado pelos seguintes e principais instrumentos: Convenção Americana de Direitos 154 Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI0 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 6 de dezembro de 1966 e aprovado no Brasil pelo Decreto-legislativo n. 226 de 12 de dezembro de 1991, e promulgada pelo Decreto n. 592 de 6 de julho de 1992. Fonte: Idem, Ibidem, p. 383. 155 Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI0 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 6 de dezembro de 1966 e aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 226 de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto n. 591 de 6 de junho de 1992. Fonte: Idem, Ibidem, p. 383. 156 Alguns dos mais importantes instrumentos de proteção ratificado pelos Estados-membros da ONU, inclusive o Brasil que fazem parte do Sistema Especial de Proteção, são: a) Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio- Adotado pela Resolução 260-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas e ratificado pelo Brasil em 4 de setembro de 1951; b) Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes- adotada pela Resolução 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil em 29 de setembro de 1989; c) Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher Adota pela Resolução 34/184 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de1979 ratificada pelo Brasil em 1 de dezembro de 1984; d) Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial Adota pela Resolução 2.106-A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 21 de dezembro de1965 ratificada pelo Brasil em 27 de março de1968; e) Convenção sobre s Direitos da Criança Adota pela Resolução L.44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990; f) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Pessoas com deficiência ambas adotada pela Resolução A/RES/61/106 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006. No Brasil a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e seu Protocolo Facultativo foram aprovados pelo Decreto Legislativo n. 186/2008 em 9 de agosto 2008, já de acordo com o § 3º do art. 5. da Constituição Federal de 1988. Fonte: Idem, Ibidem, p. 384-385. 71 Humanos157, Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais158 mais conhecido como Protocolo de San Salvador e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura159, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher160. Destaca-se que a positivação pela ordem interna de um país dos dois principais sistemas globais de proteção, especial e International Bill of Rigths em paralelo: muito mais do que consagrar o direito à igualdade entre as pessoas faz respeitar o direito à diferença: “Importa assegurar a igualdade com respeito à diversidade” 161 Toda essa ordem jurídica e política de proteção internacional deve ser vista conjuntamente, ou seja, nenhum exclui o outro, dá-se primazia aquele sistema que mais se encontra em condições de tanto materialmente como formalmente dar maior proteção a pessoa humana onde quer que ela esteja, afinal o direito é dela e não do Estado, a ele cabe apenas reconhecer por ações focadas: respeitar, proteger e implementar tais direitos. Por respeitar devemos compreender que ao Estado está vedado violar tais direitos. Por proteger devemos compreender que o Estado deve evitar e impedir que terceiros - atores não estatais- violem esses direitos. Por obrigação de implementar devemos compreender que o Estado tem a obrigação de adotar medidas que concretizem esses direitos, e ainda que tais ações tenham sido ressalvadas pela Recomendação Geral n. 12 do Comitê dos Direitos Econômicos e Sociais, conforme aporta Flávia Piovesan para realçar as obrigações que os Estados têm face à ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a bem da verdade compreendemos que essas obrigações se estendem para inclusive a consecução de direitos civis e políticos 157 Adotada e aberta a assinatura na Conferência especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992. Fonte: PIOVESAN, Flávia. ibidem, p. 386. 158 Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 17 de novembro de 1988, Ratificada pelo Brasil em 21 de agosto de 1996. Fonte: Idem, Ibidem, p. 386. 159 Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 9 de dezembro de 1985, Ratificada pelo Brasil em 27 de julho de 1989. Fonte: Idem, Ibidem, p. 386. 160 Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1985, Ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. Fonte: Idem, Ibidem, p. 386. 161 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 192. 72 vez que a instrumentalização deles para instar um regime democrático se fazem necessários.162 1.7 Estado Constitucional e Direitos da Terceira Geração Justamente por causa do desenvolvimento da idéia de comunidade, integração e cooperativismo, entre Estado e Direitos Fundamentais e Humanos é que a Teoria das Gerações dos Direitos Humanos vai dizer que são direitos de terceira geração os direitos que dizem respeito a todos. Nesse sentido, em a Era dos Direitos, comenta Noberto Bobbio163: Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impedi de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada individuo. Confere assim a compreensão de Fernando Reverendo Vidal Akaoui164, de que essa percepção de uma nova classe direitos, que principalmente ficou visível após a Revolução Industrial, permitiu um “salto do individualismo como valor claro para sociedade considerada de ‘massa’ ”. O que está a exigir do Estado local uma proteção jurisdicional que dê aos direitos metaindividuais tutela constitucional, que caracterizado por sua transindividualidade, ultrapassem o limite de serem apenas, considerados fundamentais que estão a exigir uma simples proteção ou cumprimento de diretos e obrigações de cunho individual. Como bem alerta o referenciado jurista, a exemplo do que fez o Brasil, mesmo ainda em uma época que não se reconhecia a existência de uma 162 163 164 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. op.cit. 181-182. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. p.cit. p. 5. AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Jurisdição Constitucional e a Tutela dos Direitos Metaindividuais. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2009.p. 8-9. 73 nova classe de direitos, e mesmo outros que estavam expressos, indiretamente a admitiu ao promulgar a Lei de Ação Popular, n. 4.717 de 29 de Junho de 1965, que deu legitimidade a qualquer cidadão para ser parte legítima e poder pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista de sociedades mútuas de seguro, nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos, e com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, erigiu a ação popular ao status de garantia constitucional, como um remédio jurídico, posto ao alcance do cidadão para que ele possa zelar e cuidar do patrimônio público quando for lesado ou ameaçado de lesão, conforme art. 5º, inciso LXXIII, nos seguintes termos: Art. 5º, inciso LXXII - “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; Bem como também, o Brasil, promulgou, o que também lembrado pelo autor referido, a Lei de Política Nacional de Meio ambiente n. 6.938 de 31 de Agosto de 1981 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. E que posteriormente foi recepcionada pelo Texto da Constituição de 1988 o que fez com fundamento nos incisos VI e VII do art. 23 e no artigo 235 para estabelecer uma moderna e mais precisa Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação para constituir o Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama- e instituir o Cadastro de Defesa Ambiental. Como o objetivo principal de compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.165 165 Idem, Ibidem, p. 9. 74 Esses exemplos, já apontam para a principal preocupação sobre os direitos chamados de terceira geração de eles devem se estender a todos igualmente, homens e nações. Porém, esse reconhecimento exige além de investimento imediato e consideração de que se houver um retorno, esse será a um longo prazo devido aos desgastes da natureza. Também exige uma efetiva conscientização, compromisso e responsabilização das nações e dos homens e, que sobretudo isso seja por meio de normas escritas para que sejam devidamente cumpridas. Nesse sentido, Ingo W. Sarlet, alerta sobre a responsabilidade que se exige das nações e sua conseqüente positivação166: Compreende-se, porquanto, porque os direitos de terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em fase de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação. No que tange à sua positivação, é preciso reconhecer que, ressalvadas algumas exceções, a maior parte destes direitos fundamentais da terceira dimensão ainda (inobstante cada vez mais) não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, por outro lado, em fase de consagração no âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número de tratados e outros documentos transnacionais nesta seara. Concluímos, portanto, que os direitos de terceira dimensão têm por sujeito a humanidade no seu coletivo sem, entretanto, perder de vista cada indivíduo, mesmo porque os direitos ao saírem da sua posição jusnaturalista e adentrarem para ordem interna dos ordenamentos jurídicos e se positivarem como direitos fundamentais, também fizeram seu percurso histórico. Assim, as primeiras constituições modernas positivaram os direitos individuais de base liberal burguesa, no início do século XX, e agora muitas já contemplam os direitos fundamentais de terceira dimensão, como a preservação do meio ambiente saudável e conjugam o valor do desenvolvimento humano associado ao valor da sustentabilidade. Todavia, é importantíssimo ressalvar que a solidariedade consubstanciada como direitos de terceira dimensão também prescinde do reconhecimento da igualdade material. E a ela se soma a solidariedade sob seu aspecto lógico, aquele que requer um despertar da consciência humana do que seja alteridade, conceito que somente pode ser 166 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional op. cit., p. 49. 75 construído na medida em que se efetiva os direitos de segunda dimensão. Assim, se compreendemos por alteridade a qualidade de pressupor o Outro como um ser existente podemos concluir que ela deve alcançar aqueles que ainda estão por vir, inclusive com suas possíveis diferenças. Com isso, o desenvolvimento humano e o econômico sustentável, a paz e a manutenção do meio ambiente são direitos a serem perseguidos hoje, para que deles possam, desfrutar as gerações futuras. Isso exige da sociedade e do Estado um aprofundamento da conscientização do conceito de alteridade, o que pode e deve ser feito pela efetivação de um direito que está apregoado como direito de segunda geração, a educação. Pois, os direitos de 3ª geração não são direitos que são apenas vivenciados no momento de existência de uma única pessoa sua plena consecução ultrapassa isso, embora exijam na sua construção a participação das gerações presentes. Assim, a conseqüência imediata de se pressupor o Outro como ser existente, reconhecido pelo "meu eu" no “aqui e agora”, é que o Estado deve convocar o cidadão para participar do diálogo constitucional. Pois, para que os direitos fundamentais se efetivem plenamente, o cidadão deve ser chamado a participar ativa e diretamente da consecução dos direitos fundamentais que lhe dizem respeito. Tal participação refere-se ao que Paulo Bonavides chamou de Democracia Social. Na concepção do referido jurista a Democracia é guindada de sistema de governo a direito fundamental, quando todos devem ser chamados a participar ativa e diretamente do desenvolvimento de políticas públicas sociais que consagram e efetivem seus direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração. Todos os direitos conquistados podem e devem ser desenvolvidos por ações de políticas públicas, que podem ser compreendidas, por hora, como nos termos expostos por Jair Militão da Silva167: As políticas públicas são respostas que os governos dão, através de seus dirigentes, aos problemas que ganham caráter de demanda coletiva (...) por não ser espontânea, em nossa sociedade, a defesa da 167 SILVA, Jair Militão da. Cultura dos Direitos Humanos. Coordenado por: Maria Luzia Marcílio, Lafaiete Pussoli.: Editora Ltr, São Paulo, 1998 _Texto: A Consideração da dignidade Humana como critério de Formulação de Politicas Públicas; 76 dignidade humana, é preciso que aqueles sensibilizados por essa necessidade utilizem-se de meios eficazes e eficientes na luta pela criação de um clima de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana. É verdade que podemos considerar que em parte os diálogos já estão acorrendo, não apenas devido aos avanços da comunicação dados pela tecnologia, que encurtaram os espaços entre as pessoas e as nações, mas também porque líderes do mundo todo estão se encontrando em fóruns e convenções e dialogando constantemente sobre a efetivação dos direitos conquistados pelas três dimensões inspiradas pela Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Temos que considerar que nesta era de globalização os líderes mundiais nem poderiam se portar de forma diferente, já que são as nações são dependentes uma das outros em muitos aspectos. 1.8 Estado Constitucional e Democracia Social, um direito de Quarta Geração Vale dizer também que a era da globalização e da tecnologia avançada tem nos impelido a repensar os pontos de tensão entre moral e ciência que constantemente são colocadas como fenômenos contraditórios, e por isso, temos sido constantemente chamados a dar opinião sobre um e outro assunto que envolve, questões políticas e questões de direito principalmente no que diz respeito à direitos fundamentais. E quando tais questões nos são postas pelo espaço de domínio público, somos compelidos a travar uma dialética produtiva para encontramos uma solução para conflitos que seja compatível com a dignidade da pessoa humana e suas dimensões. Entretanto, o maior problema para muitas nações está no fato de a mentalidade do século passado não ter sido totalmente ultrapassada, e muitas delas sofrem porque sequer foram reconhecidos às pessoas os direitos de primeira dimensão. Ou ainda pior nem a efetivação dos direitos de segunda dimensão, que são para outros tantos povos e nações conquistas de séculos passados, o que faz com que os direitos de terceira e quarta dimensão não passem de puras utopias. Nessas nações há uma profunda falta de reconhecimento e comprometimento com o despertar da consciência humana do valor da dignidade humana e coma força normativa de uma Constituição. Mesmo entre aquelas nações que assumiram 77 conscientemente tal compromisso, há muito trabalho a ser feito, como ensina Fernando Magalhães, quando disserta sobre os pensamentos de Engels e Marx168: Mais de cem anos nos separam do período em que viveram Marx e Engels. No entanto, sua teoria se mantém tão atual que se torna quase impossível imaginá-la como produto de uma mentalidade do século passado. Isso porque todos os problemas que ele criticou em sua época permanecem vivos na atualidade: exploração, alienação, sofrimento físico e mental causado pelo trabalho desgastante da Pósmodernidade, divisão de classes, desigualdades etc. Por isso se faz de extremada importância que o Estado- nação de hoje, sendo o espaço local de vivência desses direitos fundamentais por excelência, deva comprometer-se com maior seriedade ao chamamento do cidadão, levando-o a participar diretamente da consecução de políticas públicas sociais que lhe dizem respeito. Contudo, isso implica que o Estado deve conduzir a Democracia para além do que ela já é. O Estado precisa deixar de pensar no regime democrático como um simples regime que dá ao cidadão apenas o direito de participação do governo, ou seja, um regime de governo que propicia o direito de votar e de ser votado. Em suma é preciso transmutar o ideário de Democracia e ir além, porque os direitos conquistados ontem exigem que hoje, o regime democrático aperfeiçoe a concepção de participação. O cidadão deve participar diretamente sobre as normas que se vão elaborar, organizar e distribuir os meios pelos quais ele vivenciará seus direitos fundamentais individuais, coletivos e sociais. A Democracia precisa ganhar seu espaço social, ou seja, o Estado tem que interiorizar, planificar, desenvolver uma tipo de Democracia que seja capaz de dispensar a assistência paternalista e firmar definitivamente uma democracia social. No mundo de hoje não basta mais o Estado intervir com ações positivas para concretizar direitos fundamentais. 168 MAGALHÃES, Fernando. 10 lições sobre Marx, Petrópolis, RJ: Vozes. 2009, p. 133. 78 É importante que o próprio sujeito de direito ou seja a pessoa humana aponte e revele diretamente qual a dimensão da sua dignidade que pode estar vulnerável. O cidadão precisa intervir diretamente na governança estatal, afinal ninguém melhor do que ele para apontar quais são suas reais necessidades. Vista assim a Democracia deixa de ser apenas uma forma de governo e passa a ser um Direito. Quando o regime democrático chama para o diálogo: fala o Estado e o cidadão ouve; fala o cidadão e o Estado ouve, respeita, protege, concretiza e garante. E é por meio desse diálogo que se mantém a Constituição viva. Por ele há paridade de forças permanentemente entre estado e povo e não apenas em tempo de eleições, pois conforme aporta Paulo Bonavides169: Nessa condição é a Democracia do Estado social, por conseguinte, o mais fundamental dos direitos da nova ordem normativa que se assenta sobre a concretude do binômio igualdade-liberdade; ordem cujos contornos se definem já com desejada nitidez e objetividade, marcando qualitativamente um passo avante na configuração dos direitos humanos. Ressalvamos que sendo a Democracia Social um direito que se conquista no dia a dia, será por meio dela que abrirá as portas para que continuemos agregando novos direitos ao rol dos fundamentais já conquistados. Assim se manterá a Constituição permanentemente viva, como Carta Maior que assegure este diálogo, pois certos estão José Luiz Bolsan e Valéria Ribas quando afirmam que170: “A Carta Maior não é somente um texto jurídico, é expressão de uma situação cultural dinâmica, espelho da sociedade e fundamento de suas esperanças.” Por isso a Constituição Contemporânea também deve ser vista como construído histórico da humanidade, a qual a doutrina chama de Constituição Aberta, o que impõe que as exigências sociais, políticas, culturais e econômicas do mundo atual e globalizado, sejam conjugadas e favor da proteção da dignidade da pessoa humana para livrá-la do medo e da necessidade por meios da efetivação concreta de seus direitos 169 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9a ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.16 170 MORAIS, José Luiz Bolsan. op. cit. p. 26 79 fundamentais que passam a ser incorporados pela legislação interna de cada Estadonação. Portanto, fica evidente a necessidade que as constituições locais estejam abertas às inovações das legislações internacionais que tanto visem à proteção integral da pessoa humana bem como aberta aquelas legislações que integralizem as nações umas as outras para que a humanidade seja de fato como apontado na Declaração de Direitos Humanos, uma só família, que dada a sua dimensão e complexidade se vejam capazes de interagir por meio de documentos legais que, apesar de gozarem uma certa formalidade, na verdade buscam simplificar pela linguagem do direito reconhecimento e responsabilidade face à necessidade de se garantir proteção integral à pessoa humana. Daí, Liliam Balmant enfatizar a postura de Jorge Miranda que afirmou que diante de todos esses desafios as Constituições Locais tem que exercer os seguintes papéis171: a) criar instrumentos de segurança jurídica e de proteção da confiança à favor daqueles que precisam para desenvolver suas atividades se utilizar das mudanças tecnológicas; b) fortalecer as garantias das pessoas no campo da genética; c) instituir e fiscalizar mecanismos de proteção ambiental, criar entidades reguladoras independentes e eficazes; a exemplo do que tem tentado fazer o Brasil. d) alinhar e emoldurar os fatores corporativos em órgãos adequados e em fórmulas democráticas de participação; No entanto, convêm também consignar as observações feitas por Jorge Miranda sob essa nova ordem jurídica constitucional integralizadora e cooperativista. Partindo da premissa de que está a emergir um constitucionalismo global que vai neutralizar o constitucionalismo nacional, ele passa a considerar a atual existência de vários fatores impeditivos que vão atrasar ou mesmo impedir que essa passagem se realize. Por isso acrescentamos nós que apesar da força universal empregada na sua linguagem que consagra a universalidade dos direitos humanos fundamentais “não tão prontamente será o Estado social nacional substituído como um modelo político 171 BALMANT, Lilian Emerique. op.cit. p. 354 e em MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 5.ª ed., Coimbra: Coimbra, 2003, p. 29-31. 80 alternativo” que consagre um Estado Social Integralizador e Cooperativo, isto porque 172 : 1º.) A Força do Estado continua sendo a predominante, pois, é ela que se aplica diretamente às pessoas; Aproveitamos para fazer um observação: tal sentença é fortemente proclamado pelos Estados Unidos da América que apesar de sediar a ONU não aceita a relativização de sua soberania ou juridicamente se submete à órgãos jurídicos supranacionais principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. Com um comportamento imperialista se colocam como “xerifes do mundo” e ainda que por atos de guerra (o que é criminalizado pela ONU) invadem outros territórios a pretexto de “implantar democracia” e caçar e punir lideres chauvinista e xenofóbicos. Entretanto, não ratificam nenhum pacto, convenção ou tratado internacional principalmente porque muitos de seus estados aplicam a pena de morte, o que é positivado por muitos de seus Estados Federados. 2º.) Apenas somos capazes de garantir liberdade face aos fatores reais de poderes porque o Estado- nação de Direito é aquele que imediatamente ainda continua a revelar-se como indispensável nessa função o que vem sendo modificado pela própria sociedade que tem mundializado a comunicação entre as pessoas numa escala nunca antes vista e isso tem nos servido como instrumento de pressão junto ao Estado- nação. 3) Já e apesar da dinâmica que alcançaram as organizações internacionais e a União Européia, suas decisões fundamentais estão baseadas na conjugação das vontades dos Estados Membros envolvidos e não de seus cidadãos, daí que ainda não se alcançou assegurar por completo a participação política dos cidadão das nações envolvidas, portanto, elas “enfermam de déficit democrático”; 4) E por último porque os Estados nacionais, principalmente na Europa, ainda continuam a demonstrar uma “surpreendente capacidade de resistência e noutros continentes, a sua formação e sua autoridade se têm revelado condições de desenvolvimento contra ímpetos localista e tribalistas.” 172 MIRANDA, Jorge. . Teoria do Estado e da Constituição. op.cit.; p. 46 81 E ainda, que o autor citado, aponte tais fatores impeditivos, ele defende que tem sim o Estado, de coexistir com outras estruturas, acima e abaixo de seu âmbito, para poder “inserir no seu contexto cada vez mais complexo e correcional” uma rede de poderes públicos, para assim repensar funções, meios de agir e fórmulas jurídicospolíticas”, e, acrescentamos, principalmente, àquelas que dizem respeito à concreção e efetivação de direitos sociais. Nesse sentido Konrad Hesse nos ensina que as Constituições face à formação e a manutenção da unidade política e a criação do ordenamento jurídico assume as seguintes tarefas fundamentais173: a) Integração: por não ser o Estado hoje algo que venha dado sem outros motivos, precisa ele estabelecer uma unidade política de ação que não precisa estar corporificada na vontade uniforme do povo soberano ou de uma classe dirigente. Tal ação na verdade, referencia o autor citado, precisa “cultivar-se e assegurar-se no processo político da moderna sociedade pluralista”, na exata proporção da justaposição e na contenda dos números grupos para que haja compensação entre as diferentes opiniões, interesses e aspirações. E ainda que partindo da pluralidade de vontades, da qual não se possível formar uma vontade conjunta vinculante somente será possível ao Estado não sucumbir como unidade política de ação, se o seu nascimento e sua existência estiverem em constante processo de integração estatal, que é o que lhe condiciona na mesma medida em que é elemento fundamental de sua essência. Porém isso dependerá muito, afirma ele: do grau de adesão que o Estado encontre para fazer isso sustentável, o que requer principalmente que sejam responsáveis por ele, inclusive se for o caso que o defenda, pois somente se fazendo assim, pode se afirma que está o Estado consolidado, robusto. E a responsabilidade que ser requer dos cidadãos dependem e muito dos fatores extrajurídicos como: a.1) tradição; a.2) nível de consciência política dele e de seus lideres. E acrescenta que tais fatores extrajurídicos 173 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional.- Texto: Constituição e Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 3-6. Observamos que mais a frente apontaremos as funções de uma Constituição segundo os ensinamentos de Canotilho, Todavia compreendemos que entre as duas há uma sutil diferença: tarefas se dirigem diretamente à “Constituição Real”, logo a expressão tarefas assumem uma ordem moral prática e as funções de uma constituição, delineadas, em parte historicamente, refere-se a “Constituição Jurídica” e foram construídas pelas doutrina jurídica de uma maneira ideal. De forma que diante das funções de uma constituição exige-se sejam realizadas tarefas. 82 também depende, não determinável exatamente, mas certamente crescente, do conhecimento do Direito174: Isso porque qualquer processo necessita de um ordenamento jurídico: a colaboração, que conduz à formação de uma unidade política e na qual devem ser levadas a cabo competências do Estado, necessita da organização e de um processo ordenado, e também a conciliação de vontades que não depende menos do que se configure o conteúdo do ordenamento de modo tal, que encontre a adesão das pessoas que hão de viver sob ele. Essa tarefa fundamental a cumpre a Constituição mediante seus direitos fundamentais. Nessa medida, a Constituição pode considerar-se como o ordenamento jurídico do processo de integração estatal” (g.n). b) Organização: o ordenamento jurídico diz Konrad Hesse não é somente para formar e conservar a unidade política, mas também para direcionar a ação e incidir sobre os órgãos estatais constituídos com base em seus fundamentos. De maneira que a Constituição funda competências o que gera poder estatal conforme o Direito garantindo dessa forma a cooperação, a responsabilidade, o controle, a limitação do poder, e o abuso das competências. De tal forma que a função de integração interna estatal se complementa com a função de organização, uma complementa a outra, de maneira que nisso o Estado também precisa encontrar adesão e apoio dos cidadãos e dos lideres. c) Direção Jurídica: A função do ordenamento jurídico não se aplica somente ao Estado, requer outro sim que ele atue sobre a convivência da comunidade dentro de um território nacional, convivência essa que sem ordenamento jurídico seria impossível, mas isso não constitui um fim em si mesmo, não se ordena por ordenar, afirma o jurista: “o importante é o conteúdo dessa ordenação: deve ser moralmente reto e, portanto legitimo”. Porém hoje, isso não é dedutível de um direito natural que existe a margem das ações humanas, mas também não se pode remeter a um positivismo cético, que não depende de referência alguma, seus parâmetros ao contrário encontra-se na História do Direito, na história de sua conquista. Isso porque ela mostra claramente o que não é moralmente reto, como por exemplo, se extrai da experiência que são moralmente reto os cânones que advém dos princípios jurídicos que foram se firmando de geração a geração, principalmente aqueles que dizem respeito aos direitos civis e humanos, bem 174 Idem, Ibidem. p. 3-6. 83 como a independência do judiciário, e o direito de ser ouvido: “Cânones são, finalmente, os modelos para configurar o presente e o futuro da geração atual.” E a função diretriz da Constituição consiste em assumir esses cânones, principalmente os direitos fundamentais, para dotá-los de força vinculante e assim se refletir a todo o ordenamento jurídico. E conforme afirma Peter Härbele175 trata se de uma forma de Estado que “está a caminho” e que somente vai propagar-se pelo movimento da Internacionalização dos Direitos Humanos, o que ainda está em processo de adoção pelas nações. Portanto, é de significativa importância que o constitucionalista e os demais operadores do direito nacional salientem a importância do entrecruzamento crescente do Direito Internacional e do Direito Constitucional, principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais. No Brasil com mais razão de ser porque estamos dentre aqueles países membros da Organização das Nações Unidas que mais ratifica os Tratados, os Pactos e as Convenções sobre Direitos Humanos e que os insere no ordenamento local como parte integrante de seu Bloco de Constitucionalidade, ainda que os Poderes Públicos e suas decisões que, tomadas com fundamento em positivismo deverás ultrapassado, nos tenha impelido a passar por esse caminho lentamente. Assim, valer citar a questão elaborada por Amartya Sen que vem reforçar a consciência de respeito pela internacionalização de direitos humanos e de um direito comum de cooperação176: E, se as instituições e políticas de um país influenciam as vidas em outros lugares, as vozes das pessoas afetadas em outros lugares não deveriam contar, de algum modo, na determinação do que é justo ou injusto na forma como a sociedade está organizada, geralmente com efeitos profundos- diretos ou indiretos- sobre as pessoas em outras sociedades? Até porque, conforme o autor referido, a cooperação para se efetivar exige que os Estados –nações desenvolvam o aprendizado de ouvir outras vozes que trazem 175 HÄRBELE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo op.cit.; p. 70 176 SEN, Amartya. A Idéia de Justiça. São Paulo: Companhia da Letras, 2011. p. 160 84 consigo outros pontos de vista de outros lugares, e isso não se deve ocorrer porque simplesmente consideramos que elas existem, mas, também porque devemos considerar que sofremos fortíssimas influências de suas experiências empíricas, e acrescentamos a esse pensamento, de sua dogmática jurídica que exercem sobre nós e sobre as nossas instituições sérios impactos, ou seja, somente o exercício de um olhar crítico sobre o fenômeno da cooperação é que nos torna aptos a quebrar as crenças fixas e práticas específicas do paroquialismo local que sabemos, por tudo que já expomos serem constantemente avaliadas e questionadas, pois: “considerar opiniões dos outros e os argumentos por trás delas pode ser uma forma eficaz de determinar o que a objetividade exige.”177 Portanto, concluímos que a idéia de justiça local pode realmente se tornar mais completa quando ela é capaz de compreender que ela pode também ser realizada em cooperação com outros Estados- nações e organismos e instituições internacionais, até porque elas de fatos foram organizadas e sistematizadas para esse objetivo, e ainda conforme aporta Amartya Sen178: [...] a avaliação da justiça exige um compromisso com os ‘olhos da humanidade’; em primeiro lugar, porque podemos nos identificar de forma variada com as pessoas de outros lugares e não apenas com nossa comunidade local; em segundo, porque nossas escolhas e ações podem afetar as vidas dos outros, estejam eles distantes, estejam próximos, e terceiro, porque o que eles vêem desde suas respectivas perspectivas históricas e geográficas pode nos ajudar a superar nosso próprio paroquialismo. De maneira que a Constituição, hoje tida como a Lei Maior de um Estado carrega em si várias concepções temporais e espaciais que se interligam. Entre as principais temporais estão: a jurídica, a filosófica, a política, a social e a cultural e entre as espaciais a local e a internacional. Todas essas acepções devem ser consideradas e avaliadas sempre em seu conjunto, pois, elas veiculam as principais acepções do direito que acima explicamos: o objetivo e o subjetivo e, além, vinculam o Estado e seus poderes para que efetivem os direitos fundamentais, considerando-se que não mais e 177 178 Idem, Ibidem, p. 160. Idem, Ibidem, p. 161. 85 apenas vincula e rearticula essa efetivação aos poderes locais, mas, também à toda comunidade mundial. Direitos, deveres e garantias fundamentais frisa-se, sem as quais não se poderia garantir uma vida plena às pessoas, ou mesmo lhes garantir um mínimo existencial. De maneira que podemos concluir que uma das tarefas de uma Constituição é colocar o Estado à serviço do bem estar da pessoa humana. Daí, nesse sentido ser precisa a definição de Konrad Hesse179 de que a Constituição é a ordem jurídica fundamental de uma comunidade, em suas palavras180: “é o plano estrutural básico, orientado por determinados princípios que dão sentido à forma jurídica de uma comunidade.” E por comunidade podemos tomar o que Maria Garcia nos repassa sobre os ensinamentos de Franco Montoro sobre tal fenômeno: “é a participação em algo que nos é comum.” Sentido que vem de encontro ao significado de cooperação, conforme já expusemos, ao que nos leva a concluir que podemos definir Constituição como: a ordem jurídica de uma comunidade que coloca um face ao outro em cooperação e responsabilidade.” Portanto, como vimos, uma Constituição se expressa por uma linguagem que na durante o processo civilizatório da humanidade foi se construindo como uma linguagem mista visto que ao mesmo tempo em que foi se construindo como linguagem técnicajurídica, também foi se colocando como linguagem natural, do cotidiano justamente para alcançar a todos e, ainda que tenha se construindo no espaço e no tempo como um documento formal, enquanto ferramenta humana e cientifica, ela perpetua valores comunicáveis que condizente com a realidade humana e os perpassam de geração a geração, bem como otimizam a essência: da liberdade, da igualdade e da solidariedade como valores supremos que protegem e guardam a condição de ser humano. É nesse sentido, também, que repassamos as lições que nos ensina Maria Garcia sobre a correlação existente entre constituição e linguagem. Para ela, e pelos estudos que realizou, a Constituição é um tipo de linguagem que quer antes de tudo fazer uma conciliação entre a linguagem jurídica e a realidade do povo, justamente, para que não 180 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. op.cit. p.8 86 haja obstaculização no exercício dos direitos; deve haver uma relação próxima entre direito constitucional e a linguagem da comunidade; a linguagem de uma Constituição deve ser sempre vista como um texto que enaltece a liberdade, pois para um texto normativo é a forma de sua linguagem que vai tornar possível seu conteúdo. De maneira que aquele que está no poder, por representação direta ou indireta pela vontade do povo, deve ter sempre em sua mente que a linguagem de uma Constituição, pela qual recebeu seus poderes, é uma linguagem que goza de superioridade sobre as demais, e mesmo a linguagem mais simples vincula e responsabiliza o exercício de suas funções que devem ser sempre voltadas à consecução e efetivação dos direitos fundamentais de cada pessoa que no seu conjunto forma o povo que é de fato e de direito no Estado de Direito Democrático o detentor do poder. Por isso mesmo é que muito além de levar em consideração a tecnicidade da redação de seu texto normativo devemos ter às claras que uma Constituição foi feita pelo povo e para o benefício do povo, pois sendo a Constituição um texto jurídico quando nela se busca um sentido e um significado encontra-se sempre uma “Norma Maior” que, por excelência e determinação de cada uma das pessoas humanas de um determinado território, faz o elo entre o Direito e Justiça; sendo que a busca de seu sentido e significado devem sempre ser voltados, principalmente, para a proteção da dignidade da pessoa humana, o que se alcança sempre que se efetiva direitos humanos e fundamentais. Daí serem dentro do ordenamento constitucional local as normas de direitos fundamentais superior às demais normas. Por isso a importância de compreendermos melhor o que são direitos fundamentais quais são suas características, objetivo e funções. Entretanto, é mister, até para que compreendamos melhor o que são direitos fundamentais, que dissertamos um pouco mais sobre o campo em que eles se abrigam, sintetizando quais são as funções de uma constituição, ou seja: para o que ela serve? Todavia, ainda assim a Constituição pode ser considerado “um sistema de signos convencionais”, e a como tal requer uma interpretação, o que podemos fazer pela ferramentas construídas pela Hermenêutica Jurídica que nos fornece ainda para Constituição uma interpretação diferenciada, considerando, conforme observa Jorge 87 Miranda, que sobre ela atuam os “fatores pertubadores”181 que fazem com que ela seja vista não como uma lei comum, mas uma lei que goza de supremacia face às demais. Confere, entretanto, que antes falemos de suas funções como Lei Suprema. 1.9 Funções de uma Constituição De acordo com Canotilho, o que ainda reforça a doutrina de Konrad Hesse, que como vimos destacou as tarefas de ordem prática e fundamentais de uma constituição, já delimitar quais são as funções de uma Constituição é perguntar-se, idealmente, para que serve uma Constituição?”.E em face disso, Canotilho apresenta as seguintes funções clássicas de uma Constituição, interdependentes e correlacionadas entre si 182: 1. Consenso Fundamental: Uma Constituição tem a função de ser a “revelação normativa do consenso fundamental” de uma comunidade política no que diz respeito aos princípios, valores e idéias diretrizes, ou seja, servem de paradigma para conduta política e jurídica dessa mesma comunidade. E ainda de acordo com o autor serve para ilustrar tais funções: o princípio do Estado de Direito, o princípio democrático, o principio republicano, o princípio da separação dos poderes, o princípio da fiscalização judicial dos atos do poder público, o princípio da socialidade, o princípio pluralista e o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. Legitimidade e legitimação da ordem jurídico-constitucional: porque legalidade e legitimação numa ordem constitucional são necessariamente complementares; não basta apenas a legitimidade pela aceitação para ser ordem justa para toda a coletividade ela tem que ter uma razão de legitimidade, ou seja, uma função para tanto, pois isso contribui para sua aceitação real instigando o consenso fático e o sociológico que o que de fato legitimam seu poder, pois além do mais é ela que funda o 181 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo II. op.cit. p. 255 -256. Isso porque segundo ele: “Existe, pois, hoje o sentido da importância da interpretação constitucional, mas existe, ao mesmo tempo, a noção de dificuldades ou (doutro ângulo) dos fatores de pertubação que se deparam aos obreiros. 182 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit. p.1438; 88 poder e regula seu exercício, e nisso justifica o poder de mando. Nas palavras do referido autor183: Confere legitimidade a uma ordem política e dá legitimação aos respectivos titulares do poder político. [...] A articulação destas duas dimensões – a da legitimidade e da legitimação- implica que a constituição não seja considerada como uma simples “carta” ou “folha de papel” resultante da relações de poder ou da pressão de forças sociais. A constituição não se legitima através da simples legalidade, ou seja, não é pelo fato de ela ser formalmente superior criada por um poder constituinte, que ela pode ser considerada legítima. A legitimidade de constituição (ou validade material) pressupõe uma conformidade substancial com a ideia de direito, os valores, os interesses de um povo num determinado momento histórico. Consequentemente, a constituição não representa uma simples positivação do poder. É também a positivação dos valores jurídicos radicados na consciência jurídica geral da comunidade. 3. Garantia e proteção184: A Constituição tem uma função de garantia dos direitos e liberdades que foi se construindo historicamente; por isso diz Canotilho que nas constituições modernas, os direitos e liberdades não podem ser reconduzidos segundo o “entendimento dos homens”, não foram inicialmente concebidos por uma competência subjetiva que foi atribuída ao poder político, mas sim foram positivados como direitos e liberdade inerentes aos indivíduos que preexistente ao Estado. E também tem função de garantia porque é reconhecida como direito maior ou lei superior que vincula juridicamente e politicamente os titulares do poder, limitando seus poderes. 4. Ordem e ordenação185: A Constituição tem função de ordem fundamental do Estado, pois, também conforma juridicamente tudo aquilo que se instituiu como social, que composto por uma multiplicidade de órgãos que entre si são interdependentes apesar de diferenciados. E é também ordem fundamental porque ao se construir a pirâmide normativa nela se encontra os fundamentos, nesse sentido: “é ela que fixa o valor, a força e a eficácia das restantes normas do ordenamento jurídico (das leis, dos tratados, dos regulamentos, das convenções coletivas de trabalho etc.).” 183 Idem, Ibidem, p. 1438- 1439. 184 Idem, Ibidem, p. 1440. 185 Idem, Ibidem, p. 1441. 89 5. Organização do poder político186: Porque sendo a Constituição ordem fundamental pertence à constituição criar órgãos constitucionais- quer dos órgãos constitucionais de soberania quer dos órgãos simples, como também lhe é atribuível definir competências e atribuições desses mesmos órgãos. E, principalmente pertence à Constituição definir os princípios estruturantes de uma organização do poder político, inclusive descrevendo as relações intercorrentes e desenhando repartição dos poderes. 1.10 Algumas considerações sobre Hermenêutica e Interpretação Constitucional e Interpretes Constitucionais Pelo que expusemos até agora, podemos concluir que o Direito, como toda e qualquer linguagem, o que deseja de fato é transmitir uma mensagem para possibilitar a comunicação entre as pessoas, apenas diferenciando-se das demais porque seu conteúdo é uma norma que quer determinar uma conduta de fazer, não fazer ou prestar algo e que, portanto, vincula, responsabiliza e sanciona. No entanto, como as demais mensagens de qualquer outra linguagem, seu conteúdo está impregnado de signos e significados que precisam ser compreendidos. Quando a norma é constitucional, ainda que sua linguagem seja, em parte simples, justamente por ser política, ela também busca significados, significados esses que sempre andam as voltas com as funções e as tarefas de uma Constituição, daí, a importância de termos enunciado anteriormente as suas funções clássicas e sua tarefas; funções essas, que como vimos foram se construindo e se acoplando uma as outras, em razão das batalhas que a humanidade travou com que estava no exercício do poder, para sempre e cada vez mais os humanos pudessem viver em maior liberdade. Assim, não perdendo de vista quais são as funções e as tarefas fundamentais de uma Constituição partiremos para um breve esboço do que seja a Hermenêutica e Interpretação, Interpretação Jurídica, Interpretação Constitucional para que serve uma interpretação constitucional e finalmente quais são as fontes interpretativas. 186 Idem, Ibidem, p. 1441. 90 Hermenêutica, cuja palavra tem origens no nome do deus grego Hermes, hoje, pode ser compreendida como já colocamos como a ciência que estuda e sistematiza meios e processos de interpretação que determinam o sentido e o alcance das palavras orais e escritas que transportam o conhecimento e o saber do homem, de uma ciência a outra, de uma cultura a outra e que principalmente é utilizada para argumentar, racionalizar e explicar sobre causas e efeitos de fenômenos observáveis social-físicos e culturais. Sendo o Direito uma ciência social aplicada, pois acontece no seio da sociedade, ele frequentemente é utilizado para manter a estabilidade entre as pessoas, pessoas e Estado e entre Estados, de maneira que é preciso que para o alcance de significados ela, também, se utilize da Hermenêutica, mas mais propriamente da Hermenêutica Jurídica, aquela que “lato sensu”, diz direitamente respeito ao Direito e a Justiça. Hermenêutica diz Maximiliano 187 : “é a teoria cientifica da arte de interpretar”; logo, a Hermenêutica jurídica pode ser compreendida como aquela teoria científica que tem por objeto, o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para se determinar o sentido e o alcance das expressões de direito, apontando a relação exata entre o texto abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social. Interpretar para o referido autor é188: “explicar, esclarecer; dar o significado ao vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair de frase, sentença ou norma, tudo o que a mesma contém.” Desse modo, podemos compreender que interpretar é encontrar aquela atribuição que dê um significado e aponte um sentido a símbolos, signos e vocábulos jurídicos, ou seja, àqueles vocábulos que estão contidos na letra da lei que vinculam e responsabilizam as pessoas, umas as outras, por direitos e obrigações. 187 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p1. 188 Idem, Ibidem, p. 7. 91 No dicionário jurídico interpretação jurídica é189: A investigação metódica de uma lei, a fim de apreender-lhe o sentido não apenas gramatical, mas em função lógica, sistemática, histórica e teleológica, ou seja, sua conexão harmônica com o sistema jurídico, o motivo por que foi feita e o intuito para que ela foi feita. Exegese, na moderna acepção. Porém, nem sempre interpretar uma lei foi permitido. Quando o Código Civil Francês entrou em vigor, exatamente, após, 14 anos da Revolução Francesa, 1803, Napoleão disse extasiado diante da beleza de sua Codificação, que seu Código não era para ser interpretado, mas, aplicado. Historicamente essa proibição não era uma idéia nova, Justiniano no séc. VI também proibiu que houvesse qualquer interpretação sobre suas compilações, que ficaram conhecidas mais tarde como “corpus iuris civilis”. 190 Entretanto, com a codificação da lei, e como é do espírito humano o querer compreender e esmiuçar o que se escreve desenvolveu-se uma forma de interpretação: a exegese que durante o século XIII e XIX tornou-se uma escola que examina a lei isoladamente, artigo por artigo, palavra por palavra e hoje, apesar da critica feita e com razão a essa escola, de que ela se atém demasiadamente ao texto, é importante ressalvar que ela foi e ainda é utilizável e muito importante para o Direito, não com a mesma força, mas, somente naquilo que nos legou de bom. Por exemplo, quando estudamos um texto legal podemos detectar os vários problemas que há na sua linguagem e na língua utilizada e que impedem sua real compreensão. Além do que sendo nosso sistema legal de origem romana positivamos, ou seja, escrevemos as leis, inclusive a sua feitura e aprovação passa por um complexo processo legislativo. Além do que, sendo nosso sistema legal de origem romana, positivamos, ou seja, escrevemos as leis, inclusive a sua feitura e aprovação passam por um complexo processo legislativo, além, também, embasamos todo nosso sistema de justiça no princípio da legalidade, no princípio da reserva legal e no principio da segurança jurídica. Logo, todo nosso sistema está intrinsicamente ligado ao um texto normativo escrito que nos fornece uma lei, de maneira que qualquer interpretação que fizermos, sempre estamos limitados pelo texto 189 DICIONÁRIO JURÍDICO. Verbete: interpretação jurídica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 303. 190 FIÚZA, Cezar. Direito Civil Completo, 8ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 16. 92 da lei, ele é nosso ponto de partida para qualquer outro método de interpretação, mas, também, é nosso ponto de chegada.191 Desse modo, a interpretação da linguagem e também a interpretação da linguagem jurídica ocorre para solucionar certos problemas que podem perturbar a codificação da mensagem positivada em lei que se quer transmitir, que impedem seja ela comunicável de maneira clara e fluida. A linguagem escrita ou oral, coloquial ou científica pode sofrer de ambigüidade192, ou seja, ser de compreensão duvidosa, incerta, variável porque tem mais de um sentido, ou ainda ser vaga, já que ao ser transmitida confere pouca certeza ao conteúdo, gerando dúvidas sobre realmente qual é o alcance e o limite de seu significado, ou ainda ela pode nos levar a uma compreensão bem diversa daquilo que deveria ser compreendido, porque sua textura é aberta, é porosa. Verifica- se, portanto a importância de nos utilizarmos dos recursos proposto pela Hermenêutica, que substancialmente “trata-se de traduzir linguagens e coisas atribuindo-lhes um determinado sentido.”193. Pois, por ela: “busca-se traduzir para uma linguagem mais acessível aquilo que não é compreensível.”194. E a ferramenta da Hermenêutica é a interpretação que quando se aplica à linguagem escrita pode ser compreendida genericamente como “a atividade que procura imprimir uma vontade ao texto a ser interpretado.” A linguagem do Direito, justamente em razão de ter a função precípua de permitir a convivência pacífica e harmoniosa entre as pessoas e dado que define e prescreve condutas para evitar ou solucionar conflitos, deve buscar “conferir ou irrogar um sentido à norma, com vistas à sua aplicação num caso concreto” 195 191 SILVA, Roberto B. Dias da. op. cit. p. 37. 192 DICIONÁRIO DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 102 193 STRECK, Lênio in Dicionário de Filosofia do Direito. Verbete: Hermenêutica Jurídica. Leopoldo, RS: Unisinos e Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p.430. 194 195 Idem, Ibidem, p. 430. BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 20. 93 Dessa maneira, a Interpretação Jurídica se diferencia dos demais tipos de interpretação na medida em que ela é “levada a efeito com um sentido prático de aplicar o objeto interpretado que é a norma.” 196 E o sentido que a interpretação jurídica busca se diferencia da interpretação que se dá as demais áreas do conhecimento humano, pois o direito conforme afirma Celso Bastos deve ter uma atuação racional e lógica. Portanto, podemos aceitar a lição de Eros Roberto Grau197 de que na verdade ao realizarmos a interpretação jurídica não estamos interpretando a norma, mas sim interpretando os textos normativos. As normas são, portanto, aquilo que resulta da interpretação: “Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo. A interpretação é, portanto, atividade que se presta a transformar textosdisposições, preceitos, enunciados – em normas.” Porém, segundo Celso Ribeiro Bastos a interpretação que se faz de uma Constituição não pode ser feita apenas pela hermenêutica e a interpretação gerais, e embora elas resolvam grande parte de seus problemas não são suficientes para a compreensão do Texto Constitucional devido as particularidades que ela apresenta198: [...] inicialidade, supremacia da ordem jurídica, caráter predominante coloquial de seus termos, a regulação do fenômeno político e outras mais. Justifica-se, pois, uma interpretação que leve em conta essas particularidades que acabam ser transcendentais, porque constituem a própria essência da Constituição. Interpretar a Constituição sem levar em conta essas suas grandes particularidades seria, sem dúvida nenhuma, subestimar o Texto Constitucional, reduzindo-o também a normas ordinárias ou comuns. (g.n) Também interpreta-se uma Constituição porque sendo ele a Lei Superior e Maior de um país ela dita as diretrizes da feitura e da aplicação das demais leis, fornecendo o sentido de como devem ser feitas as normas infraconstitucionais, material e formalmente, falando, pois um ordenamento jurídico que é presidido por uma Constituição deve caminhar em consonância com as diretrizes, valores, princípios e regras dispostos por essa Constituição, sob pena de ela ser inócua e de fato a nada reger. 196 Idem, Ibidem, p. 27. 197 GRAU, Erro Roberto. In in Dicionário de Filosofia do Direito. Verbete: Interpretação do Direito. Leopoldo, RS: Unisinos e Renovar, Rio de Janeiro, 2006. p. 471 198 BASTOS, Celso. op.cit. p. 16. 94 Por isso, não sem razão as constituições escritas em geral prevêem cláusulas pétreas, ou seja, um núcleo rígido, que não pode ser tocado ou modificado por ninguém, instituição ou poder, seja qual for o pretexto, logo também há previsão de um sistema de controle para averiguação da constitucionalidade das leis infraconstitucionais ou emendas constitucionais que deve acontecer em geral dentro do âmbito de atuação dos Poderes Políticos instituídos: Judiciário, Legislativo e Executivo. Por isso vai apontar Peter Härbele que as lições ensinadas pela doutrina apontam que as tarefas o os objetivos de uma interpretação constitucional incluem: justiça, equidade, equilíbrio de interesses, resultados satisfatórios para solução de conflitos, razoabilidade, praticabilidade, justiça material, segurança jurídica, previsibilidade, transparência, capacidade de consenso, clareza metodológica, abertura, formação de unidade, harmonização, força normativa da constituição, correção funcional, proteção efetiva da liberdade, igualdade social bem como voltar a ordem pública para o bem comum.199 Mas a interpretação Constitucional diz Celso Bastos200, também, têm ainda uma outra função a de adaptar o Texto Constitucional às novas realidades sociais e segundo ele relata é dessa premissa que parte Peter Härbele para teorizar que uma Constituição é feita pelo povo e para o povo, o que nos leva a conclusão lógica de que a feitura de seu Texto, parte da vontade popular e de que nesse fato reside uma importância séria de que o povo deve conhecê-la e debatê-lá. Conferidas, então, tais considerações sobre hermenêutica e interpretação, em especial que dizem respeito ao Texto Constitucional estamos aptos a iniciar uma abordagem sobre o cerne da questão que queremos levantar sobre o direito à educação, que tem a ver com a formação das fontes interpretativas, entretanto, cumpre-nos, antes, apontar quais são essas fontes, ainda e porque conforme nos ensina Eros Roberto Grau sendo201: “o significado, isto é, a norma é o resultado da tarefa interpretativa, vale dizer 199 HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‘Procedimental’ da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2002, p. 11. 200 BASTOS, Celso, op. cit. p. 17. 201 GRAU, Erro Roberto. op.cit. p. 472. 95 que o significado da norma é produzido pelo intérprete. Por isso dizemos que as disposições e enunciados, os textos nada dizem; elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem.” 1.11. Fontes Interpretativas ou Agentes Interpretativos- Quem interpreta a Constituição? Afirma Celso Bastos que202: “praticamente todos os indivíduos acabam interpretando o Texto supremo.” E tomando por fundamentos as lições preconizadas por Raul Canosa Usera, nos ensina que essa multiplicidade de intérpretes se dá por causa do nível hierárquico superior que conquistou a Constituição, fazendo com que todos estejam submetidos aos seus mandamentos. Porém, ressalva que de maneira mais imperativas a elas estão submetidos os órgãos públicos, isso porque eles aplicam seus ditames e executam suas diretrizes como deveres e obrigações que devem ser respeitados como limites de suas atividades, pois em essência “suas atividades e funções a esse dever de respeito ao Texto Constitucional se resume.” Portanto, o termo fonte interpretativas usada por Celso Bastos, e inspirada a ele por Jerzy Wróblewski se refere a “quem” interpreta uma regra jurídica. E segundo ele quem, principalmente, interpreta o Texto Constitucional são aqueles que se destacam, especialmente, pelas atividades que exercem no Estado Constitucional e que estão a frente de cada um dos poderes instituídos. Assim, de acordo com os agentes que a interpretam nesse âmbito de atuação, as interpretações podem ser: 1) Interpretação político-legislativa; 2) Interpretação Jurisdicional; 3) e a interpretação promovida pelo executivo; 203 Entretanto, o autor classifica mais duas fontes: a uma que ele nomeia de interpretação doutrinária e outra que denomina de fontes interpretativas genéricas. À primeira, associamos os trabalhos, teses, dissertações, artigos e pareceres dos estudiosos do Direito e à segunda não associamos a nenhuma atividade especifica relacionada 202 BASTOS, Celso, op. cit. p. 123. 203 Idem, Ibidem, p. 123-142. 96 diretamente com as atividades e funções dos Poderes Públicos ou do Direito, mas, enquanto fonte, podemos compreender que está relacionada com a atividade que todos exercemos enquanto cidadãos; a está fonte o autor denomina de fonte genérica de intérpretes não- oficiais que se concretizam porque vivem a norma uma interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Frisamos que o nascedouro de tal teoria se deve às idéias preconizada por Peter Häbele em sua obra Hermenêutica ConstitucionalA sociedade Aberta dos Interpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação Pluralista e Procedimental da Constituição, que pretendemos explorar, preliminarmente, porque ela nos remete e condiz com o caminho possível que busca a humanidade, e ainda porque ela torna o conhecimento da Constituição instrumento indispensável para o exercício de uma cidadania ativa. 1.11. a. Fontes Interpretativas Oficiais 1) Interpretação político legislativa204: É aquele interpretação feita pelos legisladores. E face ao Texto Constitucional podemos distinguir dois tipos de legisladores: o legislador constituinte derivado que é aquele detém o poder de fazer as modificações necessárias na Constituição vigente para que ela se mantenha atual, sem entretanto, modificá-la a ponto de descaracterizá-la como Lei Suprema, portanto podendo apenas realizar modificações nos limites imposto pelo próprios valores, princípios e regras preconizadas pela própria Constituição; e os legisladores ordinários que são aqueles que atuam no âmbito das pessoas políticas- Estado –membro e município que são os legisladores que atuam nas legislações infraconstitucionais que sempre devem ser redigidas e interpretadas em conformidade com a Constituição, que é lei hierarquicamente superior. O tipo de interpretação que realiza é o que chamamos de interpretação autêntica: “Quando o legislador, ao editar novas normas, procede a uma interpretação das normas já existente, para a partir delas criar outras, estamos diante do que se denomina em de interpretação autêntica.”205 204 Idem, Ibidem, p. 125. 205 Idem, Ibidem, p. 125. 97 Cronologicamente sempre é a primeira interpretação a ser realizada, visto que é condição para o próprio exercício da atividade legislativa. Entretanto, é importante ressalvar que ela não visa um decisão em face de um caso concreto. O legislador ordinário está adstrito a uma âmbito restrito de atuação que está limitado pelo Texto Constitucional e sobre ele deve realizar uma interpretação para construir ainda um outro texto legislativo. Portanto, uma legislador não importa em qual esfera esteja sempre será “minimamente, um legislador constitucional”206. Recorda, também, Celso Bastos que algumas vezes embora caiba a função de legislar ao legislador pode acontecer que a Constituição preveja delegação desse poder a um outro Poder, como é o caso da Constituição brasileira de 1988, que prevê poder ao Executivo para editar medidas provisórias e leis delegadas, porém esses também devem editar suas leis de acordo com a normas constitucionais: “Em síntese, não pode o legislador ignorar normas constitucionais, sob pena de produzir regra jurídica inconstitucional e, por isso, inválida (....). Por isso, quando vão editar uma lei, o legislador ordinário tem de proceder a uma verdadeira interpretação do dispositivo constitucional, que lhe traça os limites válidos de atuação.”207 No caso do Brasil que possui atualmente, uma Constituição escrita e rígida, ou seja, para que haja alteração em seu texto ela tem que passar necessariamente por um procedimento mais árduo com mais etapas do que aquele que se exige para a feitura de uma lei ordinária. Inclusive foi previsto pelo Texto Constitucional um controle preventivo de constitucionalidade, ou seja, quando ainda há apenas o projeto de lei a ser discutido ele deve necessariamente passar antes pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e na Câmara dos Deputados pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação. Comissões estas que estão encarregadas de examinar o texto do projeto e verificar sua compatibilidade com a Constituição. Mas, do ponto de vista filosófico, quem é o legislador? Rousseau que pregava que as leis são propriamente apenas as condições da associação civil e o povo submetido às leis deve ser o autor destas208, destaca que como é impossível encontrar 206 Idem, Ibidem, p. 126. 207 Idem, Ibidem, p. 127. 208 . Rousseau, Jean- Jacques. Contrato Social . op cit. p. 49 98 em terra uma inteligência superior que visse todas as paixões dos homens e que ao mesmo tempo não experimentasse nenhuma, pois esse seria o legislador ideal, ressalva que deve ser o legislador um tipo de homem que ao menos sinta em seu interior que pode modificar a natureza humana e pela sua ação transformar cada individuo “que por si mesmo é um todo perfeito e solitário, na parte de um todo maior.”209 Ou seja, para Rousseau o legislador em essência é um homem que têm a capacidade de impor que uma existência parcial e moral se sobrepuja a uma existência física e independente que era a natural quando estávamos em Estado de Natureza. Para o filosofo da Revolução Francesa, a soberania popular é o legislador, portanto o homem que legisla tem que ser um homem extraordinário no Estado porque na obra legislativa encontramos duas coisas que são incompatíveis: “uma empresa acima das forças humanas e, para executá-las, nenhuma autoridade.” 210 Já para Montesquieu, idealizador da tripartição das funções dos poderes, o legislador é um homem que compreende que as formalidades da justiça são necessárias à liberdade, ou seja, o legislador é um homem cujo espírito esteja disposto a trabalhar para a liberdade e a segurança, pois sem as leis: “os cidadãos perderiam a sua liberdade e a sua segurança, os acusadores não teriam mais os meios de convencer, nem os acusados teriam o meio de se justificar.” 211 2) Interpretação jurisdicional212 - juízes e tribunais: Celso Bastos nos ensina que são os juízes e o tribunais que realizam a interpretação operativa, pois são eles os órgãos incumbidos de aplicar o Direito; é ainda a sua função interpretativa entre todas as mais relevante, pois é o juiz ou tribunal aquele que faz a adequação ao caso concreto, da norma abstrata. No Brasil todo juiz deve verificar a compatibilidade da norma que se aplica ao caso concreto com a norma constitucional. Trata-se de mandamento constitucional a 209 Idem, Ibidem, p. 49 210 Idem, Ibidem, p. 52. 211 MONTESQUIE, Do Espírito das Leis. Trad. Otto Maria Carpeaux. Rio de Janeiro, Ediouro.p. 392. 212 BASTOS, Celso. Op. cit. 128-132. 99 todo e qualquer juiz que ele faça o controle de constitucionalidade. O controle Judicial da normas constitucionais são de suas espécies: difuso e concentrado. Por controle difuso de constitucionalidade compreende-se aquele que cabe a todo e qualquer juiz de qualquer instância realizar via ação judicial, diz Roberto Dias213: “por meio de qualquer ação judicial, o Poder Judiciário, no caso concreto, para resolver o litígio, pode declarar a inconstitucionalidade de qualquer lei federal, estadual, ou municipal, editadas antes ou depois da Constituição vigente.” . E controle concentrado é aquele que cabe apenas ao órgão da cúpula do Poder Judiciário Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, e sua analise é realizada “in abstrato”, ou seja, não há caso concreto apenas exame da lei e a verificação de seu texto para verificação de compatibilidade com as normas 214 constitucionais. Porém, lembra Celso Bastos a atividade interpretativa do juiz é uma atividade induzida, ou seja, o poder judiciário deve ser provocado, e uma vez provocado ele deve julgar a ação. 3) Interpretação promovida pelo Poder Executivo215: A interpretação constitucional promovida pelo Poder Executivo acontece sob duas perspectivas diferentes: uma quando seus órgãos administrativos estão aplicando diretamente a lei e quando por mandamento constitucional a eles é dado competência para a feitura da lei como a criação de outras normas, como decretos, portarias e regulamentos. O que importa ressalvar é que a Administração Pública deve sempre obedecer o principio da legalidade, art. 5, II da Constituição Federal que determina que ele somente pode atuar se houver uma lei que determine essa atuação, assim: “em relação a Administração vige o princípio segundo o qual só pode ser realizado o quanto for determinado pela lei, na exata extensão em que o for.”216 213 SILVA, Roberto Baptista Dias da. Manual de Direito Constitucional. op. cit. p. 103. 214 O Controle de constitucionalidade concentrado no Brasil está previsto na Constituição de 1988 e para tanto prevê a possibilidade das seguintes ações: Ação de Constitucionalidade genérica, artigo 102, I, a; Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, I, a, parte final; Argüição de descumprimento de preceito fundamental, artigo 102,§ 1º; Ação direta de Constitucionalidade por omissão (art. 103,§ 2º); e Ação Direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III). 215 BASTOS, Celso. op. cit. p.132-135. 216 Idem, Ibidem, p. 132. 100 Mas poderia o Poder Executivo deixar de aplicar uma lei porque a compreende como Inconstitucional? Segundo nos ensina Celso Bastos, no Brasil a maioria da doutrina dá o aval no sentido de que é possível sim que o executivo deixe de aplicar uma lei que ele interprete como inconstitucional, nesse sentido ele cita decisão do relator Moreira Alves do STF na cautelas da Ação direta de Constitucionalidade 221 julgado em 29.03.1990 e publicado em 22.10.1993217: Ementa: Em nosso sistema jurídico, não se admite declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo com força de lei por lei ou ato normativo com força de lei posteriores. O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os poderes Executivo e Legislativo, por sua chefia- e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na Ação Direta de inconstitucionalidade- podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais. Entretanto, a questão não é tão simples assim. A lei pode deixar de ser aplicada administrativamente porque inconstitucional, mas não o pode o administrador suspender ao seu bel prazer, afinal seria uma ato que atentaria em preliminarmente contra os princípio republicano e a democracia. Por isso se faz mister, que não seja a ordem descumprida por qualquer funcionário da Administração, mas sim tratar-se de uma ordem de descumprimento de lei que venho do Chefe do Poder Executivo e que deve estar devidamente fundamentada de acordo com a Constituição. Para o Poder Executivo a Constituição Brasileira vigente também previu um controle de constitucionalidade preventivo que deve ser realizado pelo Presidente e que, por decorrência, também foi previstos nas Constituições Estaduais e nas Lês Orgânicas dos Municípios e estende-se tal controle a Governadores e Prefeitos: Os chefes dos Poderes Executivos no Brasil tem o poder do veto jurídico que pode ocorrer logo após o projeto de lei ter sido aprovado pelas casas legislativas, porque ele pode compreendê- 217 www.stf.gov.br Acesso em julho de 2012. 101 lo como inconstitucional, art. 66, §1º. Além do que, a permissão dada pelo STF para que o Poder Executivo descumpram lei que estão a compreender como inconstitucional está acompanhada da exigência de que eles, concomitantemente, promovam a respectiva ação de inconstitucionalidade dado a extensão do rol de legitimados inseridos no próprio texto constitucional que podem promover as ações de controle de constitucionalidade. Celso Bastos218, ressalva, também o importante entendimento de Elival da Silva Ramos que, compreendemos vem ao encontro com o fato de ser a Constituição a “constituição de uma sociedade”, conforme expusemos sobre o entendimento de Canotilho. Diz Elival que o Poder Executivo pode apenas reconhecer ou declarar a situação de inconstitucionalidade de uma lei, visto que a decisão nesse sentido não pode vincular a terceiros que sempre poderão questioná-la em juízo, devendo prevalecer neste caso o entendimento do Poder Judiciário, guardião por excelência da Constituição. 4) Interpretação doutrinária219: Inserimos essa denominação junto ao rol de interpretações oficiais, porque essa é um interpretação feita por especialistas e professores que em geral são da área de Direito, e normalmente são citados em sentenças e acórdãos. A interpretação doutrinária é aquela realizada pelos mestres e teorista do direito, mas que segundo Paulo Bonavides, e nesse sentido Celso Bastos o cita, a autoridade dessa interpretação vai depender e muito do grau de reputação intelectual e da força lógica dos argumentos expedidos por eles. Como também há que se considerar que esse tipo de interpretação tem por função abrir caminhos para uma aplicação correta da Constituição inclusive para situações inéditas. 1.11.b Intérpretes não oficiais da Constituição- Sociedade Aberta de Intérpretes Os estudos sistematizados sobre a fonte genérica, conforme já apontamos se iniciou com a obra doutrinária de Peter Härbele, que partiu da concepção de que o Texto Constitucional deve ser interpretado porque ele, inclusive deve estar aberto às novas realidades sociais o que significa dizer que a interpretação constitucional deve se abrir 218 Idem, Ibidem, p. 134. 219 Idem, Ibidem, p. 135. 102 ao povo, pois dele é a vontade geral e a ele pertence a soberania popular que impôs a feitura do Texto Constitucional. Entretanto, antes de aprofundarmos a teoria hermenêutica constitucional de Peter Härbele convém dizer qual é o pensamento sobre o conceito de vontade soberana do povo ou soberania popular ou ainda sobre a soberania estatal para o referido autor. Para Peter Härbele com o desenvolvimento histórico permitiu-se a construção de um Estado Constitucional e as soberanias, a popular e a estatal, com o tempo passaram apenas a representar um marco histórico inicial. Visto que, atualmente, ambas devem ser vivenciadas dentro do limites do princípio da supremacia constitucional. Argumenta o referido autor nesse sentido de que e como a democracia de um Estado Constitucional é uma democracia de divisão de Poderes, isso significa dizer que nenhum órgão do Estado têm poder soberano, portanto o que de fato e de direito caracteriza um modelo de Estado Constitucional é o princípio da supremacia constitucional e por isso mesmo poderíamos substituir o conceito de soberania popular ou soberania estatal pelo conceito de Soberania da Constituição; isso porque, em um Estado Constitucional que funciona, inclusive o poder que elabora e dita a constituição está constituído, o que implica em afirmar que ele está restrito legalmente por certos princípios de uma cultura constitucional nacional. E, atualmente, conforme exposto, tais princípios são aqueles preconizados pela internacionalização de direitos humanos. 220 Portanto, conforme, já apontamos um Estado Constitucional, para Peter Härbele é um Estado Integralizador e Cooperativo que têm por fundamento uma Constituição que declara e protege a dignidade da pessoa humana por meio da concreção de direitos fundamentais das pessoas, daí ele teorizar e defender um interpretação constitucional que acolha não mais e apenas os intérpretes jurídicos formais que participam do processo constitucional, mas que acolha a sociedade como um todo mantendo-se aberta a eles, pois são eles de fato e de direito os titulares de tais direitos. De acordo com Peter Härbele a teoria da interpretação constitucional dá muito destaque a duas questões: a) quais são as tarefas e os objetivos da interpretação 220 VALADÉS, Diego. Conversas com Peter Härbele. São Paulo: Saraiva, 2009. p.4 103 constitucional; b) e a indagação sobre os processos e as regras de interpretação. Deixando de lado o problema relativo aos participantes da interpretação constitucional, assunto que se relaciona não apenas com a teoria, mas diz respeito a prática jurídica em geral. E argumenta 221: Uma análise genérica demonstra que existe um circulo muito amplo de participantes do processo de interpretação pluralista, processo este que se mostra muitas vezes difuso. [...]. A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a modelo de uma “sociedade fechada.” Ela se reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados. Daí ele propor a seguinte tese222: No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição. Para o referido autor a interpretação reclama um esclarecimento223: “quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-intepretá-la.” De maneira que cidadãos individualmente considerados, grupos, sindicatos, clubes, organizações não governamentais, associações, escolas públicas ou privadas, universidades públicas e privadas, igrejas e etc., podem ser considerados pré-interpretes da Constituição. Evidentemente que essa ótica da interpretação não retira e muito menos diminui a importância da interpretação jurisdicional, aliás, a enaltece, pois conforme ele, o que se passa a ter é uma democratização da interpretação situação adequada para um Estado Democrático Constitucional e para o Estado que não mais vê a Democracia como um sistema de governo, mas como um direito fundamental da pessoa humana. Haja vista que a efetivação de todos eles em todas as suas dimensões, somente é possível em um Estado que coloca a participação de cada um de seus cidadãos como uma condicion sine qua non de sua própria existência. 221 HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. op. cit. p. 12. 222 Idem, Ibidem, p. 13. 223 Idem, Ibidem, p. 13. 104 A aplicação de tese da interpretação aberta a uma sociedade pluralista pode levar à quebra do monopólio que têm os intérpretes jurídicos sobre a Constituição, pois a Interpretação Constitucional é um elemento/uma fator da sociedade aberta, e todos estão envolvidos nela, porque tanto é elemento resultante da sociedade aberta como é também um elemento conformador e formador dessa mesma sociedade224. Isso porque muitos dos direitos fundamentais, como por exemplo: a liberdade de imprensa, a liberdade artística, a liberdade científica, liberdade de reunião, a liberdade de livre associação, a liberdade de pesquisa e de expressão do livre pensamento no momento mesmo em que são vivenciados já estão sendo interpretados pelos seus titulares. Nesse momento há em andamento um “processo de interpretação no modo como os destinatários da norma preenchem o âmbito de proteção daquele direito.” Além do que, conforme aporta o referido jurista e filósofo do Direito hoje a interpretação constitucional potencialmente diz respeito à todos, pois de fato onde existe um texto constitucional e um controle dessa constituição de fato já há uma conformação da realidade, que também é imposta pela realidade da Constituição.225 E ainda salientamos que tal aspecto da interpretação se revela substancial na medida em que a atuação interpretativa dos órgãos estatais ao se somar a atuação interpretativa do indivíduo ou do grupo, configuram uma completa e produtiva forma de vinculação da interpretação constitucional. Isso está profundamente ligado com a função objetiva dos direitos fundamentais, conforme explicaremos mais adiante, o que ao nosso ver encoraja e concretiza força normativa a Constituição, ou seja, as pessoas passam a ter “vontade de constituição” (Verfasung). E além, desenvolvem “sentimentalismo constitucional positivo” em relação ao Texto Constitucional, e diante disso passam a se comportar e a ter condutas de acordo com os valores supremos que ela veicula. Conforme aporta Konrad Hesse226: 224 Idem, Ibidem, p. 13. 225 Idem, Ibidem, p. 24. 226 HESSE, Konrad.A Força Normativa da Constituição.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 21. 105 Embora a Constituição não possa por si só realizar nada ele pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem estabelecida. Logo, a Constituição diz Konrad Hesse necessita para converte-se em força ativa que se faça presente na consciência geral não só e apenas vontade de poder (wille zur match), mas também e sobretudo vontade de Constituição (wille zur Verfassung). Segundo ele a vontade de Constituição origina-se de três vertentes227: 1) compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra arbítrios; 2) compreensão de que essa ordem constituída está mais do que legitimada pelos fatos; 3) consciência de que ela difere de uma lei do pensamento visto que ela não logra êxito sem a vontade humana. De maneira que, a força normativa de uma Constituição, que constitui sua essência e sua eficácia reside, principalmente, na natureza das coias, de maneira que para se desenvolver de maneira ótima, diz Konrad Hesse sua prática constitucional, requer o atendimento dos seguintes pressupostos228: a) o conteúdo de uma constituição deve corresponder ao máximo possível com a natureza singular do presente; b) um ótimo desenvolvimento da força normativa não depende apenas de seu conteúdo, mas de sua práxis, ou seja de que todos os partícipes da vida constitucional partilhem a vontade de constituição, o que é fundamental afirma Konrad Hesse; Nesse sentido, então afirmar Peter Härbele que isso nos revela que não existe apenas um processo pluralista anterior à feitura dela, mas o desenvolvimento do processo posterior ao Texto também vai se revelar pluralista, na medida que a Teoria da democracia somadas a Teoria da Constituição e da Hermenêutica Constitucional vão propiciar uma mediação específica entre Estado e sociedade. 229 227 Idem, Ibidem, p. 21. 228 Idem, Ibidem, p. 21-22. 229 HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. op. cit. p. 18. 106 Contudo, devemos consignar a posição de Celso Bastos sobre os préinterpretes230. Ainda que para ele não pareça haver dúvidas de que a própria abertura da Constituição demonstra, conforme e ainda próprio Peter Härbele aponta de que é ela que propicia o entendimento de que não é mais e apenas o constitucionalista que participa do processo de interpretação, pois a unidade da Constituição surgi exatamente da “conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes e está bem nítido que se pode aplicar um direito com uma fonte extremamente importante de equacionamento das forças política dentro do Estado”, ao referido autor, parece que na medida em que a interpretação vai se afastando do sistema jurídico, revela-se uma dificuldade muito grande no sentido de sua formalização, e isso para ele implica que um interpretação realizada por pré-interpretes vai acabar por compor apenas mais um conjunto de fatores como a língua, ou espírito de determinação de um povo, ou sua cultura, que apesar de ingressar na interpretação não podem ser captados na sua total abrangência, como a legislação, a doutrina ou a jurisprudência. Desta feita, Celso Bastos não nega a importância da interpretação feita pelo cidadão. Todavia, apenas diz da dificuldade que existe em captá-la e utilizá-la na aplicação das normas constitucionais: “na medida em que os juízes e os tribunais não tem acesso a todos esses fenômenos.”231 Entretanto, temos que considerar que ainda que seja quase impossível e passível de uma formalização a interpretação realizada pelos pré-interpretes no Brasil tem conquistado cada vez mais credibilidade nesse sentido. Podemos nos referir a dois exemplos no campo jurídico: as audiências públicas realizadas face ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de questões que dizem respeito a direitos fundamentais e a possibilidade da presença e da participação do “amicus curie” nos processos civis. Somente nos últimos anos, principalmente do ano de 2009 para cá o STF realizou várias audiências públicas, a fim de julgar ações que abarcam temas referentes a direitos fundamentais como: em agosto de 2012 sobre o impacto que o amianto pode causar na saúde dos trabalhadores, audiência essa que foi convocada pelo ministro Marco Aurélio, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3937, ajuizada em 2007 contra a Lei paulista 12.648/2007, que proíbe o uso, no Estado de São Paulo, 230 BASTOS, Celso, op. cit. p. 141. 231 Idem, Ibidem, p. 142. 107 de produtos, materiais ou artefatos que contenham qualquer tipo de amianto ou asbesto ou outros minerais que tenham fibras de amianto na sua composição; em março de 2010 foi realizada audiência pública para discutir os argumentos referentes Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e Recurso Extraordinário 597.285/RS que correspondia discutir a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa de acesso ao ensino superior; em abril de 2009 foi realizada audiência pública sobre saúde para se discutir e dar esclarecimentos sobre os serviços prestados as população pelo Sistema Único de Saúde, audiência pública de grande importância, porque referia-se a julgamento de vários processos de competência da presidência do STF que versam sobre esses direito e para qual tramitava no Tribunal vários agravos regimentais que decidiam sobre suspensões de liminares números 47 e 64, nas suspensões de Tutela Antecipada números 36, 185, 211 e 278, e nas suspensões de segurança números 2361, 2944, 3345 e 3355, todos processos de relatoria da Presidência que a época era do Senhor Ministro Gilmar Mendes. O que demonstra os exemplos acima é que muito além de participarem como interpretes da Constituição advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados e professores, também participaram médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde e da rede pública de ensino superior.232 O que por si já prova que não é tão impossível assim que se formalize a posição dos pré-intérpretes, conforme asseverava Celso Bastos. Entretanto, a questão aqui a ser levantada é: estão os cidadãos brasileiros leigos preparados para acompanhar tais audiências? Acreditamos que deve haver uma parte deles que sim, porém muitos outros não, sem mencionar que essa informação nem chegou a muitos, outros tantos se quer sabem que há possibilidade de realização de audiências públicas em assuntos que se referem à proteção de seus direitos fundamentais, e muitos se quer, infelizmente, sabem da existência de uma Constituição. 232 Informações encontradas e disponíveis do sitio eletrônico do Supremo Tribunal Federal em: http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp acesso agosto de 2012. 108 Além do que a participação nessas e em outras formas de participação, pode vir a formar um sentimento constitucional que segundo Pablo Lucas Verdú233: [...] é a expressão capital da afeição pela justiça e pela equidade, porque concerne ao ordenamento fundamental, que regula, como valores a liberdade, a justiça e a igualdade, bem como o pluralismo jurídico. [...] Por outro lado, o sentimento constitucional suscita um entusiasmo mais chamativo, público e representativo do que o simples sentimento jurídico ordinário. Por isso: “todas as pessoas inseridas no contexto social devem pleitear pela efetividade constitucional.” 234 233 LUCAS Verdú, Pablo. O sentimento Constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política tradução de prefácio Agassis Almeida Filho.. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.70. 234 MORAIS, José Luiz Bolsan de e NASCIMENTO, Valéria Ribas. op.cit.; ibidem. 109 II CAPÍTULO DIREITOS FUNDAMENTAIS 2.1 Etimologia, Conceito e Definição de Direitos Fundamentais A palavra fundamental vem do latim fundamentale e é um adjetivo, ou seja, sua função é designar uma qualidade específica de um objeto, de uma ação, ou de uma pessoa e quer significar: básico, essencial, necessário. Portanto, se juntarmos a duas palavras direito e fundamental, poderíamos, sem comprometer as várias significações que ambas tem, compreender, para iniciar, que o direito fundamental é o justo essencial, o reto necessário ou a norma essencial. Apesar de essa construção etimológica estar impregnada de vagueza e ambigüidade, por outro lado aponta para o seu real significado e sentido. Assim, ficamos capacitados para dar início a uma compreensão axiológica do que vêm a ser os Direitos Fundamentais, principalmente, já que ao atrelar a palavra direito à qualidade de fundamental estaremos dando destaque ao seu caráter único e específico. Com isso, marcamos a sua real essencialidade e começamos a compreender também porque esses direitos são de fato superiores aos demais, os quais em sua ausência nem poderiam ser postos ou exigidos. Por isso, compreendemos tal qual Vidal Serrano Júnior, que o adjetivo sintaticamente analisado encerra as duas acepções mais importantes do conceito de direito fundamental, em primeiro lugar enquanto direito subjetivo, o que vem a compreender nas palavras dele235: Tal especificação sintática facilita, por sua vez, a abordagem semântica, pois o adjetivo fundamentais indica, a toda evidência, que o substantivo direitos assumiu feição específica, vale dizer, o direito como conjunto de prerrogativas e instituições predispostas a uma finalidade. Já na sua concepção objetiva (material) e institucional se refere ao Estado que o reconhece, e se traduz naquilo que "o torna parte integrante da própria noção de Estado 235 NUNES Junior, Vidal Serrano. o p. cit. 12. 110 Democrático de Direito". É sob a égide dessa dimensão objetiva que se traça as ações do poder do Estado e as funções que exercem os direitos fundamentais dentro de um ordenamento jurídico posto.236 Podemos compreender direito fundamental da mesma forma que se faz com o vocábulo direito, ou seja, este também tem duas grandes acepções: uma subjetiva e outra objetiva ou institucional. A acepção subjetiva de um direito fundamental se traduz em seu caráter de prerrogativa, que lhe faculta, enquanto pessoa, exigir de outra pessoa ou Estado determinada prestação ou abstenção face ao seu direito fundamental/essencial. Esse direito o especifica e o individualiza em uma sociedade como um ser inserido dentro de um determinado ordenamento jurídico e que, portanto, lhe deve garantir liberdades. Na sua acepção institucional, direito fundamental, indica que os mesmos direitos fundamentais devem ser obedecidos e respeitados, principalmente porque eles são a essência da nossa ordem social, política, econômica e cultural que condiciona condutas e comportamentos dos agentes que estão no exercício do poder. Quando apontamos para a acepção institucional dos direitos fundamentais estamos demarcando, ao que Vidal Serrano Júnior chama de perfil do Estado237: "O Estado exprime uma forma de ser e atuar". Em outras palavras, quando um Estado Contemporâneo em sua Constituição Moderna enuncia direitos fundamentais está afirmado que, enquanto Estado, tem uma estrutura política e um ordenamento jurídico condizente com os direitos fundamentais da pessoa humana, preservando-lhe a dignidade por meio de assegurar seus direitos mais básicos à vida, à saúde, à segurança, à propriedade, à educação, à moradia e aos direitos políticos. Está também assegurando uma estrutura política baseada na democracia, porque é esse o sistema de governo que garante ao indivíduo plenas condições de liberdade para escolher quem o comanda e exerce o poder em seu nome, mas que, por sua vez, o faz limitado face aos direitos 236 Idem, Ibidem, p.12 237 Idem, Ibidem, p. 13. 111 fundamentais desse mesmo individuo. Além disso, pelo regime democrático é que fica garantida a participação desse indivíduo juntos às instituições que efetivam seus direitos fundamentais. E Konrad Hesse ensina que os direitos fundamentais têm duplo caráter e, assim vistos, os direitos fundamentais produzem efeito fundamentador de status, em suas palavras238: [...] como direitos subjetivos, eles determinam e asseguram a situação jurídica do particular em seus fundamentos; como elementos fundamentais (objetivos) da ordem democrática e estatal-jurídica, eles inserem nessa ordem que, por sua vez, pode ganhar realidade primeiro pela atualização daqueles direitos subjetivos. O status jurídico constitucional do particular, fundamentado e garantido pelos direitos fundamentais da Lei Fundamental, é um status jurídico material, isto, é, um status de conteúdo concretamente determinado que, nem para o particular, nem para os poderes estatais, está ilimitadamente disponível.” Entretanto, devemos frisar que o sentido subjetivo oferecido ao direito, teve sua dimensão de compreensão e significado ampliado, não podendo mais ser apenas compreendido como sinônimo de direito individual, ou seja, aquele direito que pode ser apenas titularizado por uma só pessoa. Nesse sentido transcrevemos a preciosa lição de João dos Passos Martins Neto239: O direito subjetivo desempenhou até agora um papel fundamental nos debates da ciência jurídica. Poucos conceitos mereceram uma atenção tão constante. Entretanto, questiona-se atualmente o seu grau de relevância prática e teórica em razão da incorporação doutrinária e legislativa de tipos novos que não encontrariam correspondência nos dois modelos básicos de concepção romana, o jus in rem (direito real) e o jus in personam (direito pessoal de crédito). O declínio do conceito estaria associado à sua incapacidade de absorver e explicar fenômenos dos chamados direitos transindividuais (g.n.), aí compreendidos os três grupos em que eles se distribuem: direitos individuais homogêneos, direitos coletivos e direitos difusos. Essa leitura tem sua origem no preconceito de que direito subjetivo é sinônimo de direito individual, no sentido estrito de titularizado por uma só pessoa e incidente sobre um objeto que nenhuma outra possui em igual ou concomitantemente. A locução direito subjetivo, contudo, 238 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luis Afonso Heck. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 230 239 MARTINS, Neto, João Passos. Direitos fundamentais: Conceito, função e tipos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 31-32. 112 em sua significação mínima obrigatória, pretende sugerir que apenas um bem pertence a alguém, sendo bem o objeto do direito e alguém o sujeito do direito. De nenhum modo ela impõe pressupor que o objeto do direito tenha de ser heterogêneo (no sentido de que outras pessoas não tenham nada exatamente idêntico) ou exclusivo (no sentido de que outras pessoas dele não fruam conjuntamente), mesmo ainda que o sujeito haja de ser sempre um ente individual, quer uma pessoa física, quer uma pessoa jurídica. A qualidade fundamental ao ser acoplada a um direito indica ainda, dentro de uma acepção subjetiva do direito, que nenhuma pessoa poderá ser privada de vivenciar de fato esse direito, como bem assevera Vidal Serrano240: “De outro modo, privar alguém de direitos fundamentais significa, em última analise, privá-lo da vida ou do direito de pertencer à sociedade na qual se integra". Ou ainda, nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, também, citadas por Vidal Serrano241: "esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida". Sob uma ótica normativa restrita, ou seja, uma ótica da ordem constitucional como documento escrito que positiva direitos fundamentais, e nisso Paulo Bonavides cita Konrad Hesse242: “Direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais”. Sob uma perspectiva visionária e mais completa, Vidal Serrano Júnior conceitua direitos fundamentais como243: [...] Sistema aberto de princípios e regras que, ora conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua liberdade (direitos e garantias fundamentais), em suas necessidades (direitos sociais econômicos e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade). (g.n). 240 NUNES Junior, Vidal Serrano, op. cit. p. 14 241 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit, p.14 242 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 560 243 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit, p.15 113 Esta conceituação é bem completa e se destaca pela ênfase ao caráter de universalidade com a seguinte expressão: "proteção do ser humano em suas diversas dimensões". Indica que os direitos fundamentais não se dirigem apenas aos cidadãos que estão sob a tutela ou sob a égide de determinada Constituição, mas que os projeta e estende a todo e qualquer ser humano de qualquer outro país, em solo nacional ou não, mesmo que entre estes não haja acordo de reciprocidade. Esse autor ainda conceitua direitos fundamentais como sendo um sistema aberto, para que os vejamos não apenas como uma espécie de normas que se somam, isolandoos em si mesmos, já que "um direito fundamental implica outro e um influencia o conteúdo do outro" 244 Desta forma, não se dissocia a proteção constitucional que se dá a um direito fundamental da de outro. Entre eles há uma integração, até porque a pessoa humana deve ser vista na sua inteireza, na sua total complexidade; ela precisa ser vista como portadora de múltiplas necessidades a serem satisfeitas, já que assim é a nossa natureza física, espiritual e metal. Não temos apenas direito à vida, temos direito à vida com saúde. Não podemos nos educar se a nossa saúde não está garantida, já que sem esta não há como a educação se efetivar de forma plena atingindo o objetivo de completo desenvolvimento da pessoa humana. É preciso respeitar o ser humano também como portador de muitas potencialidades e ressaltar que cada individualidade tem em si um valor que o torna fim e nunca meio. Cada indivíduo é portador de um valor intrínseco que convencionamos chamar de dignidade para se opor ao que chamamos de preço, este último o valor que coisas e objetos possuem ou que damos a eles. Do ponto de vista da hermenêutica constitucional é por meio de uma análise sistemática, que se dará completo sentido à norma constitucional portadora de um direito fundamental, como diz Luís Roberto Barroso245: 244 245 NUNES Júnior, Vidal Serrano op. cit.; p. 14. BARROSO Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 2ª. Edição, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 45. 114 Uma norma constitucional,vista isoladamente, pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outra. Não é possível compreender integralmente alguma coisa- seja texto legal, uma história ou uma composição- sem entender suas partes, assim como não é possível entender as partes de alguma coisa sem compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema, é vital. Porém os direitos fundamentais não formam apenas um sistema, salienta Vidal Serrano, mais do que isso, representam um sistema aberto. O adjetivo aberto acoplado ao substantivo sistema está a indicar a forma de interpretação desse sistema, quer dizer que o sistema tem que ser formado por normas que se adaptem as mudanças da realidade, ou seja, normas capazes de integrar-se com a realidade política, econômica e cultural de uma nação. A idéia de direitos fundamentais como sistema aberto também se alinha à concepção contemporânea de Constituição Aberta. Após as atrocidades da II Guerra Mundial, como explicamos no I capítulo, as várias nações do mundo compreenderam que a Constituição, como documento superior, também se traduz num modelo de cultura, o que vem sendo denominado de Constituição Cultural.O Texto Constitucional deve refletir a “soma de atitudes, idéias, experiências, escalas de valores e expectativas subjetivas que correspondem a ações objetivas, das suas associações e dos seus órgãos culturais”. 246 Entretanto, dado os acontecimentos mundiais, foi necessário garantir diante dos valores e das expectativas dos seres humanos que a ações objetivas realizadas pelo Estado, seus órgãos e agentes, estivessem compromissados e vinculados com uma ordem supra-estatal que protegesse a dignidade da pessoa humana. Assim, conforme apresentamos foram elaborados vários sistemas internacionais de proteção da pessoa humana. Quando a Constituição recebe em seus textos os preceitos e os institutos enunciados nos sistemas internacionais, nomeamos tal Constituição de Constituição Aberta. Logo, um sistema de direitos fundamentais é considerado aberto se enunciados em uma Constituição aberta. 246 MORAIS, José Luis Bolsan e RIBAS, Valéria, o.p. cit. p. 27-28. 115 Desse modo, não se trata de um simples sistema aberto, mas sim de um sistema aberto de princípios e regras, porque a Constituição, sendo um documento escrito em que estão inseridos os direitos fundamentais, passa a ser um documento mandamental formado por normas que se consubstanciam esses princípios e regras. Por isso quando entendemos que normas constitucionais são formadas por princípios e regras, além de querermos nos referir ao seu conteúdo axiológico, concluímos que estas passam a ser objeto de análise estrutural por parte do intérprete, já que conhecer a estrutura das normas constitucionais pode ajudar na solução de conflitos que envolvem a colisão de direitos fundamentais. Robert Alexy ensina que a distinção entre elas implica em conhecer principalmente247: [...] a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais e com isso, um ponto de partida para resposta à pergunta a cerca das possibilidades e limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais. Alfonso García Figueroa, cátedra da cadeira de Filosofia de Direito da Faculdade de Direito de Toledo, Espanha, no prefácio ao livro de André Rufino do Vale248, alerta: La distinción entre principios y valores (....) evoca un problema filosófico profundo acerca de las diferencias entre lenguaje valorativo e lenguaje normativo o, em otras palabras, entre ele concepto axiológico de valor y el concepto deontológico de norma. Roberto Dias, nesse sentido, ensina as lições de Ronald Dworkin e Robert Alexy249: 247 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução da 5ª. Edição alemã Theorie der Grundrechte por Virgilio Afonso da Silva, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 85 248 VALE, André Rufino do. Estruturas das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores- São Paulo: Saraiva: 2009, prólogo, VII 249 SILVA, Roberto Dias da.op. cit. p. 33. 116 Ronald Dworkin afirma que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica. As regras são aplicáveis à maneira do ‘tudo ou nada’, pois podem ser válidas e se aplicar integralmente ou ser inválidas e, portanto, inaplicáveis. Por outro lado, os princípios possuem um dimensão de peso ou importância e, quando, colidem, o intérprete deve levar em conta a força relativa de cada principio que está em jogo, no caso concreto. Para Robert Alexy, a diferença entre regras e princípios é qualitativa, e não de grau. Enquanto princípios ‘são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível’, ou seja, são mandamentos de otimização que se caracterizam pelo fato de poder ser cumpridos em graus diferentes, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. As regras, então expressam direitos e deveres definitivos, ou seja, se são válidas, devem realizar-se precisamente aquilo que determinam. Por outro lado, os princípios expressam direitos e deveres prima facie e, portanto, quando em colisão com outros princípios, deverão ser sopesados, revelando-se, no caso concreto, mais ou menos amplos. Assim, podemos iniciar a conceituação de direitos fundamentais dizendo que eles são um conjunto de normas, que formam um sistema aberto, que veiculam princípios e regras, que ora se perfazem em direitos subjetivos e ora definem a forma de atuar de um Estado, e que se encontram escritos na lei maior de um país, a Constituição, formando assim a base dos valores que sustentam e integram uma determinada comunidade. Já, Dimitri Dimoulis define direitos fundamentais com maior especificidade 250: Direitos fundamentais são direitos- subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual. A definição dada pelo citado jurista ganha importância na medida em que ressalva, como ele mesmo aponta para: a) os sujeitos da relação criada quando há direito fundamentais envolvidos; b) a finalidade da fundamentalidade desses direitos, ou seja, de limitar o poder estatal na atuação que exerce sobre a liberdade dos indivíduos; c) a posição dos direitos fundamentais no sistema jurídico como sendo superiores aos 250 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 1ª. ed. 2ª. Tiragem, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 54. 117 demais direitos, infraconstitucionais, e superiores mesmo em relação aos demais direitos postos na própria Constituição. Entretanto, o próprio Dimoulis critica que definição de direitos fundamentais dessa forma, gerando outras questões. A primeira delas é se as relações jurídicas criadas por direitos fundamentais se dirigem apenas para aquelas geradas entre Estado e cidadão, ou o respeito aos direitos fundamentais também se aplica as relações privadas geradas entre as pessoas apenas. A outra questão a ser vislumbrada é que nem toda doutrina concorda que os direitos fundamentais estão apenas postos no texto da Constituição. Autores como Robert Alexy, assim como nós, acreditamos que moralidade e razoabilidade justificam a existência e o exercício dos direitos fundamentais mesmo que não escritos no texto da Constituição, como por exemplo, os direitos fundamentais veiculados por pactos e acordos internacionais, que ainda não foram inseridos, ou ratificados, pela ordem interna de cada país. Assim, podemos conceituar direitos fundamentais como sendo aqueles direitos essenciais a cada uma das pessoas, que tem por finalidade proteger a sua condição humana, principalmente contra a arbitrariedade do Estado, assegurando sua dignidade e lhe dando a prerrogativa de poder exigir prestação ou abstenção do Estado, e de outras pessoas, que venham a lesionar ou ameaçar de lesão esses mesmo direitos fundamentais. 2.2 A Finalidade principal dos Direitos Fundamentais: a dignidade da pessoa humana e a importância das dimensões de seus conteúdos e formalidade A grande finalidade dos Direitos Fundamentais é proteger a dignidade da pessoa humana. E o que é dignidade da pessoa humana? 251 Palavra que provém da palavra latina dignitas, na Grécia Antiga estava ligada a posição social que a pessoa ocupava e tinha a ver com se aceitar pessoas nos círculos 251 SARLET Ingo Wofgang in Dicionário de Filosofia do Direito, coordenador Vicente de Paulo Barreto Unisinos, Leopoldo, RS e Renovar, Rio de Janeiro, 2006, Verbete Dignidade da pessoa humana, p.212225 118 sociais. Assim as pessoas eram mais dignas ou menos dignas se aceitas ou não nos grupos, era o império de um critério quantitativo. Com a reflexão e o desenvolvimento da filosofia dos estóicos, a dignidade passou a ser compreendida como uma qualidade inerente ao ser humano que o distinguia de outras criaturas. Assim todos os humanos eram dotados da mesma dignidade, essa idéia estava ligada a idéia de liberdade individual, como domínio de si próprio, e o homem passa a ser considerado responsável por seus atos. Foi Cícero, em Roma, que desenvolveu um entendimento de dignidade desvinculada de qualquer posição social. Sua formulação de dignidade se fundou principalmente na noção de natureza humana que despertada no individuo lhe levava a obrigação de levar em conta não apenas seus interesses, mas também o interesse alheio, colocando todos sob a égide da mesma lei. Por isso, os romanos preconizavam a proibição de prejudicar uns aos outros por seus preceitos honest vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuire - viver honestamente, não causar dano a outrem e dar a cada um o que é seu. Até durante a idade medieval, dita como a era das trevas, a concepção grecoromana continuou sendo sustentada, e foi o Humanista Pico de La Mirándola, que disse que a racionalidade permitia ao ser humano ser digno porque ele tinha o poder, entre todos os seres, de construir sua vida de forma independente e traçar assim seu destino. Preconizava que, sendo o homem criatura de Deus, tem assim a natureza indefinida, o que possibilita que seja dele seu próprio árbitro. São Thomas de Aquino já sustentava a dignitas humana, porque o homem é feito a imagem e semelhança de Deus, e por isso também tinha capacidade de autodeterminação para que exista em função da sua própria vontade. Foi apenas nos séculos XVII e XVIII, época do pensamento jusnaturalista, que a concepção da dignidade da pessoa humana conjuntamente como o pensamento do direito natural, passaram por uma secularização. Entretanto, manteve-se essa noção de que todos os homens são iguais em dignidade e liberdade. 119 Deste período, dois nomes da Filosofia se destacam. Samuel Pudenford, que proclamava que mesmo o monarca tem que respeitar a dignidade da pessoa humana, e considerar essa como a liberdade que o ser humano tem de optar com base na razão que tem e ainda proceder de acordo com esse pensamento. Mas, foi o filósofo e professor Emmanuel Kant que melhor desenvolveu uma concepção de dignidade humana, pois acoplava o valor desta ao da ética, que era compreendida como autonomia, concluindo que era a ética a base fundamental da dignidade. Como sustentava que o ser humano não podia ser tratado como objeto, já que o homem é um fim em si mesmo, o ser humano nunca devia ser visto como um meio para alguma coisa. Nas palavras de Kant 252: Mas supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesmo, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer de uma lei prática. Agora eu afirmo: o homem- e, de uma maneira geral, todo o ser racional- existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim. Em suma, a idéia de Kant considerava que todo homem é dotado de razão, e por isso livre para agir. Portanto, possui autonomia para repudiar qualquer idéia de coisificação ou instrumentalização do ser humano. E até hoje é aceita como idéia central do que seja dignidade humana. Por isso dizer que o ser humano tem dignidade significa que ele possui um valor absoluto e nunca pode ser relativizado. Todo ser humano possui um valor que se irradia de dentro para fora, a dignidade, ao contrário das coisas que podem receber um preço que lhes é imposto de fora para dentro. A concepção de Kant passou a influenciar profundamente a produção jurídica, mesmo que na época existissem pensamentos como o de Hegel, que dizia que a dignidade era uma qualidade a ser conquistada. Para Hegel, o homem não nasce digno, mas torna-se digno apenas a partir do momento em que se torna cidadão. Esse 252 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 58. 120 pensamento de Hegel até certa medida representava um retrocesso na evolução do pensamento filosófico sobre a dignidade humana porque acabava ligando a noção de dignidade à posição que a pessoa ocupava na sociedade como acontecia na idade antiga. Mas se de um lado ele afastava a concepção puramente ontológica, por outro a sua idéia acabou impondo que a dignidade humana precisava ser reconhecida, já que a idéia de ética determinava que uma vez reconhecida à pessoa, o outro teria que respeitá-la.253 Esse pensamento também teve grande influência no mundo acadêmico do direito, devido à proteção jurídica correspondente ao reconhecimento da dignidade, criando possibilidade de se cobrar prestações que possibilitassem o respeito aos direitos que advinham dessa dignidade. Vale citar a lição de Ingo W. Sarlet, nesse sentido254: Da concepção jusnaturalista - que vivencia se apogeu justamente no século XVIII - remanesce, indubitavelmente, a constatação de que uma ordem constitucional que - de forma direta ou indireta- consagra a idéia da dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Da mesma forma, acabou sendo recepcionada, especialmente (mas não exclusivamente, sempre convém seja reprisado) a partir e por meio do pensamento cristão e humanista, uma fundamentação metafísica da dignidade da pessoa humana, que, na sua manifestação jurídica, significa uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e social. É verdade que existe uma dificuldade em dar compreensão jurídicoconstitucional sobre o que seja a dignidade da pessoa humana, mas ressalva Ingo W. Sarlet, que assim se passa porque a palavra é polissêmica e seus contornos são imprecisos e vagos, e se caracteriza pela ambigüidade e pela porosidade. Entretanto, esses são predicados que se atribuem à palavra, mas que não atingem a dignidade em si. Como ensina Michael Sachs, ao contrário das demais normas jusfundamentais, a dignidade é uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano. Tem um valor próprio que identifica o ser humano como tal e é certo que não é uma definição 253 SARLET Ingo Wofgang in Dicionário de Filosofia do Direito. op. cit p. .212-225 254 Idem, Ibidem, p. 216 121 que contribui muito com a construção de normas jurídicas de proteção à dignidade. Mas, como aponta Ingo W. Sarlet255: Mesmo assim não, não resta dúvida de que a dignidade é algo real, algo vivenciado concretamente por cada ser humano, já que não se verifica maior dificuldade em identificar claramente muitas das situações em que é espezinhada e agredida, ainda que não seja possível estabelecer uma pauta exaustiva de violações da dignidade. A dignidade da pessoa humana está consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como fundamento da nossa República Federativa, artigo1, inciso III. A dignidade da pessoa humana no Brasil é uma ordem "fundante", de alicerce de base essencial da ordem político, jurídico constitucional sem a qual todo o mais não se sustenta. Trata-se, como diz Uadi Lammêgo Bulos, de um "valor constitucional Supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nessa Constituição".256 Como ensina Antônio Enrique Pérez Lunõ, também citado por Uadi Lammêgo, é valor supremo na medida em que abarca três dimensões257: 1) dimensão fundamentadora, porque é núcleo basilar e informativo de todo o sistema jurídico-positivo; 2) dimensão orientadora, porque estabelece metas ou finalidades prédeterminadas; 3) dimensão crítica no que se refere às condutas; 255 Idem, Ibidem, p. 217. 256 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 9 ed. revisada e atualizada, Editora Saraiva, São Paulo, 2009, p. 83 257 Idem, Ibidem, p.83 122 As conseqüências dessa análise dimensional sobre a função constitucional da dignidade da pessoa humana parecem ser simples ao serem ditas, porém são avassaladoras se não acontecerem. Se um dia a ordem política do país por qualquer ato deixar de perseguir e assegurar a dignidade da pessoa humana, este deixa de existir enquanto Estado e estará se autodestruindo, ao menos sob a perspectiva axiológica. A dimensão orientadora implica em que os poderes públicos devem sempre ser direcionados a consagrar a proteção da pessoa humana por meio do planejamento, desenvolvimento e implementação de políticas publicas sociais. Na sua dimensão crítica, a dignidade da pessoa humana impõe a cada cidadão a reflexão e análise de suas condutas como pessoa e como parte da sociedade, possibilitando o despertar da consciência da imensa importância que a sua participação exerce sobre a manutenção de um Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, afirma Ingo W. Sarlet258: O que se percebe em última análise é que onde não houver respeito pela vida pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim onde a liberdade e autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Concluímos, então, que a dignidade da pessoa humana, posta como fundamento, é valor constitucional supremo da nossa República, o que indica um caminho axiológico e polarizador que se assenta por todo o texto constitucional. Isto impõe ao intérprete constitucional que realize um juízo valorativo filosófico sobre a própria condição humana que decorre de sua natureza, dando maior eficiência e aplicabilidade, no dia a dia, ao "sistema aberto de princípios e regras que ora conferem direitos subjetivos aos indivíduos ora conforma o atuar do Estado", que se materializam em direitos fundamentais humanos postos na Constituição, sua Lei fundamental. Procedendo assim, 258 SARLET, Ingo Wolfgang, in Dicionário de Filosofia do Direito. op.cit. Verbete Dignidade. P. 222. 123 a Constituição ganha força ativa, ou seja, força normativa259 face aos problemas impostos pela realidade, mitigando em muito os fatores reais de poderes260 que se aproveitam da realidade para coisificar e instrumentalizar a pessoa humana pondo-a a serviço de seus próprios interesses. Em suma a Constituição deixa de ser um simples papel que pode ser queimado e passa a ser um valor vivo261: Neste sentido, Uadi Lammêgo e Pérez Luño262: Os valores constitucionais compõe, portanto, o contexto axiológico fundamentador ou básico para a interpretação de todo o ordenamento jurídico; o postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da constituição; e o critério para medir a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade. 2.3 Das Dimensões ou Funções dos Direitos Fundamentais. Função Subjetiva. Função Objetiva, Função de não-discriminação e da sua Função Social Quando Caio Mario Pereira da Silva263 disserta sobre direito das obrigações, ele nos ensina uma preciosa lição: uma classificação só é válida se útil. Portanto, nos socorremos de uma determinada classificação para melhor compreender um instituto jurídico. Uma das classificações mais úteis elaborada para os direitos fundamentais os revela sob dois planos de existência distintos que se completam, mas que não devem ser confundidas com a categoria anteriormente apresentada. Estamos nos referindo à dimensão subjetiva e à dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Correspondem preliminarmente à dimensão subjetiva, aqueles que impuseram ao Estado Liberal uma abstenção de interferência na vida particular do indivíduo, salvo se houver uma justificativa constitucional que a permita. Entretanto, a dimensão (função) subjetiva dos direitos fundamentais também, pode surgir face às 259 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. op.cit. p. 19 260 LASSALE, Ferdinad. O que é uma Constituição? Tradução Ricardo Rodrigues Gama, 2ª. Edição, Russel editores, Campinas, São Paulo, 2007. 261 262 263 Idem, Ibidem. BULOS, Uadi Lammêgo. op. cit.; p. 83 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civi, 20 ed. atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Editora Forense, 2003. v. II, p. 45. 124 ações positivas que deve o Estado prestacionar como, por exemplo, no caso dos direitos sociais que se concretizam por uma prestação de serviço. Nesse sentido, Dimitri Dimoulis disserta sobre dimensão subjetiva dos direitos fundamentais264: Trata-se da dimensão ou da função clássica, uma vez que o seu conteúdo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir à intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual (...). A dimensão subjetiva aparece também nos direitos fundamentais que fundamentam pretensões jurídicas próprias do status positivus. Quando o individuo adquire um status de liberdade positiva (liberdade para alguma coisa) que pressupõe a ação estatal, tem-se como efeito a proibição de omissão por parte do Estado. Trata-se aqui de direitos sociais e políticos e de garantias processuais entre as quais a mais relevante é a garantia de acesso ao judiciário para a apreciação de toda lesão ou ameaça a direito (art. 5, XXXV). O efeito para o Estado é dever de fazer algo. Canotilho265 também ensina que a primeira grande função dos direitos fundamentais é a de defesa ou de liberdade, ou seja, a função subjetiva ao qual nos referimos acima, porque estes essencialmente visam proteger a pessoa e sua dignidade contra atos do poder estatal de duas formas: a) impedindo a ingerência do Estado na vida privada dos indivíduos; b) outorgando poder ao indivíduo para exercer seus direitos fundamentais e, também, lhe assegurando direito de cobrar omissões do Estado que impeçam o exercício dos mesmos. O autor referenciado acima também aporta que quando as pessoas tem o direito de requerer e obter alguma prestação do Estado, como educação, saúde, segurança social, assistência judiciária, quer seja em forma de principio, regra, ou valor, passam os direitos fundamentais a exercer função objetiva em relação ao titular do direito. O que implica dizer que a liberdade do individuo não está mais apenas assegurada pela não 264 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo.op.cit. p. 118 265 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit., p.408. 125 interferência, já que nesse caso a vivência plena de sua liberdade depende da ação do Estado. Nesse sentido Gilmar Ferreira Mendes apud Krebs266: “não se cuida apenas de ter liberdade em relação ao Estado (Freiheit vom...), mas de desfrutar essa liberdade mediante atuação do Estado (Freiheit durch...)." Já afirmar que os direitos fundamentais têm uma dimensão (função) objetiva, é historicamente recente e nem tão clássico quanto sua dimensão subjetiva. A dimensão objetiva foi usada inicialmente pelo constitucionalista alemão Horst Dreier e sua teoria não tem qualquer intenção de afastar a importância da dimensão subjetiva, mas apenas quer que sejam os direitos fundamentais tenham uma perspectiva que independa do ponto de vista dos sujeitos titulares da relação jurídica. Assim, direitos fundamentais, sob a perspectiva da dimensão objetiva, englobam três aspectos267: 1) caráter de normas de competência negativa, em relação àquilo que está sendo outorgado ao individuo e está objetivamente sendo retirado do Estado; 2) critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional: é o efeito de irradiação dos direitos fundamentais sobre todo o restante do ordenamento jurídico; 3) dever estatal de tutela dos direitos fundamentais: refere-se ao dever do Estado de proteger o direito fundamental de ameaças. Dimitri Dimoulis alerta sobre a importância dessa função:268 266 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3ª. Edição, 4ª. Tiragem, editora Saraiva, São Paulo, 2009, p.7. 267 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. 119-120. 268 Idem, Ibidem, p. 119 126 Relevante é este conceito objetivo ou esta dimensão dos direitos fundamentais para o controle abstrato de constitucionalidade de normas. Exercer esse controle é dever do Estado que realiza uma espécie de autocontrole em função dos direitos fundamentais, podendo (e devendo) uma série de autoridades estatais provocar seu exercício. Assim, por exemplo, não é necessário esperar a impetração de mandado de segurança que questione a constitucionalidade de uma lei de censura com base na liberdade de imprensa para proceder ao controle dessa lei que viola a Constituição. As partes legitimadas devem dar andamento ex officio a esse controle, fazendo o Estado respeitar o limite de sua competência [...]. Os direitos fundamentais também funcionam como critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional. Vale aqui que a mesma nomenclatura dada por Vidal Serrano às funções dos direitos humanos referentes à sua aplicação na ordem interna do Estado se transpassa ao direitos fundamentais, enquanto fundamentos, para o restante das normas do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, também têm uma função normogenética, ou seja, os direitos fundamentais uma vez em nosso ordenamento irradiam seu conteúdo para as normas infraconstitucionais. Todo o ordenamento jurídico infraconstitucional quer seja durante sua elaboração quer seja durante sua interpretação e aplicação, deve levar em primeiro a consideração a valores, princípios e regras postas como conteúdo dos direitos fundamentais que estão positivados no texto constitucional. Essa é uma das nuances do chamado princípio da interpretação conforme a Constituição, que tem por fundamento a supremacia que exerce sobre toda a nação. Nas palavras de Dimitri Dimoulis269: A doutrina nacional refere-se muitas vezes ao princípio da ‘interpretação conforme a Constituição’ Uma importante dimensão desse princípio é a ‘interpretação conforme os direitos fundamentais’ (grunderechtskonforme Auslegung). Quando o aplicador do direito está diante de várias interpretações possíveis de uma norma infraconstitucional, deve escolher aquela que melhor se coadune às prescrições dos direitos fundamentais. O terceiro aspecto que se desdobra da dimensão objetiva é o dever estatal de tutela dos direitos fundamentais, que é aquele a que se refere nas palavras de Dimitri Dimoulis: 270 269 Idem, Ibidem, p. 120 270 Idem, Ibidem, p. 121 127 Dever de Estado de proteger ativamente o direito fundamental contra ameaças de violação proveniente, sobretudo, de particulares, é por isso que Estado deve forçar o respeito aos direitos fundamentais, impondo a omissão a condutas violadoras provenientes de particulares. Isso deveria de ocorrer de forma preventiva por meio do Poder Legislativo. A doutrina norte-americana, aporta Canotilho, tem explorado a função de não discriminação dos direitos fundamentais, que parte do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade consagrados no texto constitucional. O Estado tem que assegurar que os cidadãos serão tratados como cidadãos fundamentalmente iguais. Essa função deve irradiar seus efeitos sobre todos os demais direitos fundamentais e a explicação de Canotilho é muito clara nesse sentido271: Esta função de não discriminação abrange todos os direitos. Tanto se aplica aos direitos, liberdade e garantias pessoais (ex; não discriminação em virtude de religião), como aos direitos de participação política (ex: direito de acesso aos cargos públicos), como ainda aos direitos dos trabalhadores (ex: direito ao emprego e formação profissional). Alarga-se, de igual modo, aos direitos a prestação (prestação de saúde, habitação). É com base nesta função de não discriminação que se discute o problemas de quotas (ex: parlamento paritário de homens e mulheres) e o problema das afirmate actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidade (ex: quotas de deficientes). É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efectivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (direitos dos homossexais, direitos das mães solteiras direitos das pessoas portadoras de HIV). Há que se destacar, ainda a função social dos direitos fundamentais, preconizada por Peter Härbele, que condiz com o conjunto de sua obra. Nesse sentido ela afirma que o novo constitucionalismo traz nova função ao direitos fundamentais, a que ele chama de função social isso porque o ordenamento constitucional privilegia os direitos fundamentais face ao restante do ordenamento e, ainda em face de seu significado político que permeia toda a convivência social, ele, também orienta objetivamente a conduta individual das pessoas. Essa tensão que existe entre direito e poder encontra-se no meio social onde as pessoas buscam dar à sua individualidade o máximo possível de liberdade de acordo com a lei e um Estado Constitucional e essa constatação, como vimos, foi construído histórico, que se transformou em cultura. Logo, e objetivamente o próprio ordenamento impõe uma vivência em Direitos Fundamentais devendo cada um 271 CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit. p. 409. 128 respeitar a individualidade do outro, em outras palavras: a liberdade individual de cada um deve visar também o bom viver em coletividade e, se assim não se comporta o indivíduo está, segundo o autor citado cometendo abuso de direito, de forma que o conteúdo de seu direito não está acobertado pelo próprio conteúdo do texto constitucional do direito que exige ser respeitado, justamente porque os direitos fundamentais têm uma função ético- jurídico, que vai além de sua potencialidade, eles são objetivamente funcionais. Tal ponto de vista está intimamente ligado com a função objetiva dos direitos fundamentais, o que implica assim que não apenas o Poder Público têm responsabilidade em dar à Constituição força ativa, as pessoas individualmente consideradas também, é o que determina o próprio Texto Constitucional. 272 2.4 Características dos Direitos Fundamentais Todas as coisas, pessoas e fenômenos possuem caracteres, ou seja, traços marcantes que lhe dão singularidade e distinção das demais coisas, que as tornam únicas, ímpares, singulares. Os caracteres podem ser agrupados e assim representam em sua globalidade um conjunto ou um sistema, sobre os quais recaem determinadas leis naturais ou instituídas, distinguindo cada coisa, pessoa ou fenômeno desse sistema. A diferença varia de acordo com o foco que se pretende, macro ou micro, ou seja, pode-se olhar os caracteres de um conjunto ou pode se olhar os caracteres de cada um que forma o conjunto. Ao identificarmos as características dos direitos, o que se põe em evidência é o seu real grau de sua importância dentro do ordenamento, assinalando qual é a sua principal função. Identificar caracteres também nos leva a possibilidade de distinguir se um direito é essencial ou não, o que possibilita ao intérprete reconhecer qual o regime que a ele se aplica, inclusive se ele pode ser modificado ou extinto. Isto é extremamente útil para os hermeneutas e aplicadores do direito, facilitando muito a execução do seus trabalhos, identificando e eliminando pontos de conflito entre eles. 272 HÄBERLE, Peter. La Garantía del Contenido Esencial de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003. p. 11-14. 129 As características dos direitos fundamentais, como dito, os tornam únicos e marcantes, e é por meio desse estudo que se vislumbra a importância e a essencialidade destes para qualquer ordenamento jurídico posto: - todos têm por alicerce a liberdade como valor básico do ser humano; - historicidade: todos foram postos na medida em que acontecia o processo histórico, na medida em que o homem foi se civilizando como respostas às agressões que sofriam; - são erga omnnes, ou seja, oponíveis contra todos; - são universais, pertencem a todo e qualquer ser humano, não apenas a um grupo ou conjunto de pessoas; - pré-existem a ordem constitucional, porém, como ressalva Vidal Serrano Jr. 273: [...] são o alicerce de legitimação da própria ordem constitucional [...] Assim, sendo, a sua incorporação e proteção pelo direito constitucional positivo não faz desaparecer o momento anterior- de jusnaturalização, de divinilização ou, de modo geral, de uma concepção de justiça desenraizada da idéia de Estados soberanos ou de ordens jurídicas específicas. - todos possuem a função primordial de proteger a dignidade humana, compreendendo o ser humano como um fim em si mesmo e nunca como meio: a pessoa humana tem valor absoluto e por isso nunca pode ser relativizada e rebaixada a grau de coisa ou objeto. Eles são inalienáveis, impenhoráveis e intributáveis; - são irrenunciáveis, como explica Vidal Serrano Jr.274: "a aceitação da renúncia dos mesmos consistiria em negação da sua fundamentabilidade e, por via de consequência, na sua desconstituição enquanto categoria jurídica”; 273 274 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 38 Idem, Ibidem, p. 39 130 - são limitáveis, ou seja, não são absolutos ou ilimitáveis, isso porque podem entrar em conflito entre si. A atuação de um limita a do outro a qual se opõe, sendo essa a melhor forma de dar máxima efetividade a direitos fundamentais que em um caso concreto entram em choque. É o principio da máxima efetividade, como afirma Canotilho275: Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um principio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada a tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje, sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve-se preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais); - são cumulativos e concorrentes, o que significa dizer que um único titular pode acumular o exercício de vários direitos fundamentais em um só momento. Vejamos o exemplo que é dado Vidal Serrano Jr.276: A título de figuração, contemple-se a idéia de uma passeata. Aqueles que a integram estão, a um só tempo, exercendo o direito de reunião (itinerante) e de manifestação de pensamento (...). O reconhecimento de tal característica é importante para que o intérprete possa, em uma situação concreta, verificar o conteúdo e o alcance da proteção constitucional; - tem status negativo, ou seja, protege o cidadão contra terceiros e contra o Estado; - são custosos, ou seja, geram custos para o Estado porque estipulam garantias institucionais e processuais; - tem eficácia imediata; - geram status positivos de liberdade, que nos dizeres de Ricardo Lobo Torres: gera a obrigação de entrega de prestações estatais individuais para a garantia da liberdade e das condições essenciais; 275 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit., p. 1.224. 276 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 41 131 - são imprescritíveis, ou seja, eles nunca deixam de ser exigíveis. 2.5 Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988 O enfoque que se dará aqui parte da definição dada por J.J. G. Canotilho de que direitos fundamentais seriam "os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta".277 Desde 1789, a Declaração dos Direitos dos Homens já pronunciava, como apontamos, pelo artigo 16: "Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição". Por isso, as constituições escritas surgiram para combater o absolutismo e impedir interferência do poder estatal na vida dos indivíduos, descrevendo em um documento jurídico quais seriam as liberdades que o Estado deve respeitar para não interferir na vida dos cidadãos com abusos e atos arbitrários. Assim, Roberto Baptista Dias da Silva define constituição nos seguintes termos278: A Constituição é o documento jurídico que, fundamentalmente, rege as relações de poder em uma sociedade, fixando a maneira de seu exercício, a forma e o sistema de governo, a estrutura dos órgãos do Estado, bem como os limites de sua atuação, especialmente por meio da previsão dos direitos fundamentais” (g. n.). A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de Outubro de 1988, é tida por todos como uma Constituição Cidadã, principalmente porque ela privilegia a pessoa humana e a proteção de sua dignidade por meio de elencar direitos fundamentais individuais, sociais e coletivos. O constituinte originário de 1988 também quis impedir que se tentasse por qualquer ato normativo posterior, aboli-los. Qualquer ato ou norma que seja tendente a abolir ou diminuir os direitos fundamentais já estipulados, não poderá ser objeto de deliberação para Emenda Constitucional. Um determinado projeto de lei que conseguir 277 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição op. cit. p. 393. 278 SILVA, Roberto Baptista Dias da. op. cit. p. 28. 132 passar pelo controle preventivo de constitucionalidade do Poder Legislativo, e que tenha por objeto modificar e eliminar direitos fundamentais, deverá ser expulso pelo nosso sistema de controle de constitucionalidade jurisdicional. Tais controles caracterizam a nossa Constituição como uma Constituição rígida, ou seja, ainda que tal projeto venha a passar por um processo de modificação, estará ainda sujeito a institutos que foram enunciados e que formam seu núcleo rígido, denominadas cláusulas pétreas, estipuladas no artigo 60, § 4, onde estão elencados os direitos e garantias individuais: Art. 60. A constituição poderá ser emendada mediante proposta: §4 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II- o voto direto, secreto universal e periódico; III - a separação dos poderes; IV - os direitos e garantias individuais; Para o exercício desse controle de constitucionalidade, a doutrina brasileira se utiliza de dois critérios para identificar quais são os direitos fundamentais da Constituição de 1988, já que o Titulo II não cuida ser um rol taxativo de direitos fundamentais. Na verdade, por todo o texto constitucional encontramos direitos fundamentais, que nem sempre são identificáveis pela simples leitura, e isso força o intérprete a utilizar determinados critérios para poder identificá-los, os quais estão associados às características já apontadas, o que facilita a interpretação. Conforme ensina Vidal Serrano Jr.279: "a fundamentalidade de um direito implica um regime jurídico específico, distinto de outros direitos constitucionais, o que, a toda evidência, realça a importância do tema". E dois são os critérios utilizados, o formal e o material. Pelo critério formal compreendem-se como direitos fundamentais aqueles que estão devidamente positivados na Constituição Federal de 1988 no Título II que cuida "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", o qual está dividido em cinco capítulos: - Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos- art. 5 - Capítulo II- Dos Direitos Sociais- art. 6 ao 11. 279 NUNES Junior, Vidal Serrano, op. cit., p. 65 133 - Capítulo III - Da Nacionalidade- art. 12 - Capítulo IV- Dos Direitos Políticos- arts. 13 a 16 - Capitulo V- Dos Partidos Políticos- art. 17. Observe-se que a simples disposição do texto da lei já demonstra por parte dos Constituintes originários a sua escolha em dar primazia aos direitos fundamentais do homem face ao Estado, o que corrobora com o posicionamento de Vidal Serrano Jr. que um Estado, ao consagrar os direitos fundamentais, quer em primeiro traçar um perfil sobre a forma essencial de atuar enquanto governo. Como dissemos o rol acima não é exaustivo, apenas "enuncia as categorias genéricas, mediante as quais foram organizados os direitos e garantias fundamentais na Constituição" 280. Além disso, o § 2 do art. 5 enuncia que281: Direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Isto implica em afirmar que foi introduzido em nosso sistema uma extensão do critério formal, o que ainda está reforçado na introdução do §3 ao artigo 5, pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, onde se determinou que direitos humanos dispostos em tratados e convenções internacionais que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes a emendas constitucionais. Assim, os direitos humanos, dispostos em tratados, pactos e convenções internacionais de proteção de direitos humanos que ratificamos, são parte integrante de nosso sistema de direitos fundamentais e são por isso também direitos fundamentais, e têm as mesmas funções e estrutura. Porém, conforme assinala Vidal Serrano Jr., deve-se proceder a uma investigação desses direitos e garantias “decorrentes do regime de princípios e garantias”, o que nos leva a examinar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e, 280 BULOS, Uadi Lammêgo, op. cit., p. 106. 281 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. 32 134 quando assim procede, está o intérprete diante da utilização do critério material. Por ele, o intérprete vai identificar quais outros direitos, que apesar de não estarem elencados formalmente, com eles compartilham da mesma essencialidade. 282 Nesse sentido, explica o autor, a Constituição Federal ao apontar o princípio da dignidade humana como fundamento do Estado brasileiro, também buscou atribuir ao sistema de direitos fundamentais uma unidade valorativa. Por isso a noção de dignidade não deve ter por parâmetro único a pessoa considerada na sua individualidade. Ela também deve considerar que a pessoa faz parte da sociedade, ou seja, a pessoa para viver dignamente deve fazê-lo integrada à sociedade. Por isso, a dignidade tem um valor intrínseco e um valor extrínseco. O primeiro está associado à noção de preservação da vida individual, o que envolve a integridade física e psíquica da pessoa, e o segundo está ligado à inclusão do individuo à sociedade. Assim, será direito fundamental todo direito que tenha por objeto tanto preservar a sua liberdade individual como tenha por objeto inseri-lo no contexto social, assim a dignidade da pessoa se completa, “quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista econômico, o que rende ensejo à afirmação de que, como membro da sociedade, o individuo tem direito de partilhar de suas decisões e participar dos resultados dos esforços comuns” 283. Por isso, ainda que a nossa ordem econômica constitucional tenha adotado a propriedade privada e a livre iniciativa como fundamentos próprios, não deixou de ressalvar que tem por objetivo propiciar dignidade a todos segundo os ditames da justiça social. Analisando o conteúdo dos direitos fundamentais, podemos afirmar ainda que o critério material direciona para ao menos três valores que, caudatários da dignidade humana, também apontam para outros direitos fundamentais que, embora não estejam formalmente postos na Constituição, são dele parte integrante: a liberdade, a democracia política e a democracia econômica social. Segundo Vidal Serrano Jr.284: O conteúdo material de um direito fundamental ao preservar a liberdade do indivíduo lhe assegura a liberdade em suas principais 282 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. p. 32. 283 Idem, Ibidem, p. 33 284 Idem, Ibídem, p. 36 135 acepções: como domínio de si próprio, como ser passível de fazer valer suas vontades e decisões, o que lhe garante faculdades, ou seja, lhe dá prerrogativas para exigir respeito ao seu direito fundamental por parte do poder público ou de terceiros. Também lhe preserva a liberdade enquanto ser inserido em um contexto social o que lhe garante liberdade de escolher e participar da escolha de seus representantes na ordem política partilhando suas decisões e ‘partilhando dos resultados dos esforços comuns’, esse é o valor da democracia política. Outro valor que está contido no conteúdo material dos direitos fundamentais, e tem suas raízes no valor da dignidade humana, é o valor da democracia econômica e social. A nossa ordem econômica, conforme dissemos, tem por fundamento a livre iniciativa e propriedade privada. Entretanto, o exercício de ambos deve visar à dignidade de todos para se alcançar a justiça social. Pelo exposto, então concluímos que qualquer texto normativo, dentro ou fora da Constituição de 1988 que tenham por valor proteger a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a democracia política, econômica e social, deve ser reconhecido como direito fundamental. Formalmente os direitos fundamentais estão disposto logo após a Constituição enunciar os elementos estruturantes e informativos que dão suporte aos direitos sociais. Que começam a partir do art. 1º do Titulo I que enuncia os princípios fundamentais do Estado Brasileiro - que é uma união indissolúvel, formada por Estados, Municípios e Distrito Federal -que têm por fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. O parágrafo único do art. 1º consolidar todo o poder na mão do povo - que o passa a exerce por meio de um regime democrático representativo, cujo representantes, são eleitos diretamente; e pelo artigo 2º instituir que são os Poderes da União: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário -cuja tripartição como explicamos visa garantir institucionalmente todos esses fundamentos para evitar principalmente que se instale a desordem ética pela consolidação de um único poder absoluto e irresponsável na mão de uma só pessoa ou grupo de pessoas, ou seja, sua principal função é assegurar o respeito 136 aos direitos fundamentais da pessoa humana por meio de uma atuação responsável para que se evite a supressão de todo o poder instituído285 A Constituição de 1988 pelo artigo 3º estabelece os objetivos da República Federativa do Brasil para construir uma sociedade livre, justa e solidária bem como garantir o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização por meio de reduzir desigualdades sociais e regionais promovendo o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A Constituição Brasileira vigente realmente inovou quando imediatamente pelo Título II - ao contrário do que aconteceu com as demais constituições – passa a cuidar preliminarmente de enunciar direitos e garantias fundamentais da pessoa humana acoplando os direitos civis e políticos aos direitos sociais, para que sejam eles lidos conjuntamente o que evidentemente já demonstra aos seus leitores que eles são correlacionados e interdependentes. O Titulo II está dividido em 5 capítulos enumerados de I a V, e contém 17 artigos: O Capitulo I, têm apenas o artigo 5º com 78 incisos enumerados em algarismos romanos de I a LXXVIII e 4 parágrafos e cuida de reconhecer e planificar os direitos e deveres individuais e coletivos, traçando assim quais são direitos e deveres pelos quais individualmente e coletivamente expressamos nossas liberdades públicas que impõe ao Estado Brasileiro uma ação de abstenção e não interferência face a eles. 2.6 Algumas considerações sobre a correlação entre Direitos Humanos e Direitos fundamentais Em poucas palavras, Vidal Nunes Serrano Jr. explica os motivos do tema desse item 286 : ”A importância da empreitada não precisa ser ressaltada: protegem o mesmo 285 COMPARATO, Fábio Konder. As Garantias Institucionais dos Direito Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato_garantias.html Acesso: em maio de 2010. 286 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 23 137 objeto, nascem com os mesmo propósitos e entre eles parece existir, a prima facie, uma relação de derivação” Ricardo Lobo Leite quando disserta sobre direitos fundamentais ensina, pondo fim a uma discussão travada sobre a terminologia empregada para diferenciá-los287: Os direitos fundamentais tem como sinônimos os direitos naturais, ou direitos individuais, ou direitos civis, ou direitos da liberdade, ou direitos humanos, ou liberdades públicas (...). A expressão direitos fundamentais é empregada principalmente pelos autores alemães, na esteira da Constituição de Bonn, que indica o capitulo inicial aos Grundrechete. Mas, a advertência de parte significativa da doutrina é de que não existe diferença entre direitos fundamentais e os direitos de liberdade ou os direitos humanos (Peres Lunõ, 1988, p. 44). Ingressou no Brasil no texto de 1988 (Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais). (g.n) Todavia, convém nesse momento frisar o porquê são semelhantes, e o são por três razões: a primeira diz respeito ao seu objeto de proteção: ambos protegem a dignidade da pessoa humana. A segunda por trata-se de direitos que surgem impelidos pelas condições que decorrem da natureza física e espiritual do humano, e a terceira porque eles têm a mesma origem, na medida em que são os mesmos direitos historicamente considerados, como alerta Flavia Piovesan288: Os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção. Como leciona Noberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais. (g.n.) A sua diferenciação está, diz Vidal Serrano, na função que exercem dentro do sistema. Os direitos fundamentais estão na ordem interna de cada ordenamento jurídico289: 287 TORRES, Ricardo Lobo. Dicionário de Filosofia do Direito, coordenador Vicente de Paulo Barreto, Editora Unisinos, Leopoldo RS, e Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2006, Verbete Direitos Fundamentais, p. 243. 288 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito constitucional Internacional. op.cit. p. 121-122. 289 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 23 138 Os direitos fundamentais, hospedados na ordem interna, asseguram direitos e concorrem para a consagração de um modelo de Estado. Em outras palavras, cumprem uma função normativa em cada Estado, prescrevendo direitos sindicáveis, inclusive por via judicial. Os direitos humanos exercem uma função de importância transnacional na medida em que estão postos nas declarações, pactos e convenções internacionais. Vale dizer que quando um Estado lesa um direito fundamental inserido na ordem interna, tal lesão não atinge apenas o ordenamento interno, mas também fere um ordenamento internacional, que também protege esse direito, principalmente porque esse direito pertencer a todo e qualquer humano, antes mesmo de pertencer a um ordenamento jurídico de um Estado específico. Dentro da ordem interna o indivíduo e, por ter o direito fundamental uma dimensão subjetiva, que lhe dá a prerrogativa de exigi-lo, poderá pleitear no Poder Judiciário que cesse a lesão e, inclusive requerer reparação material e moral ou mesmo pleitear que o dano aconteça se ainda for apenas uma ameaça. Esta é a função de proteção de defesa contra terceiros. Assim, se esse direito está em declarações internacionais, o Estado que o desrespeitou ou permitiu que ele fosse desrespeitado, poderá ser punido pela ordem internacional de proteção dos direitos humanos. E ainda, ressalva, Vidal Serrano Jr.290: O principal traço diferencial não consiste exatamente nos distintos documentos que os hospedam: A Constituição (direitos fundamentais) ou as declarações e convenções (direitos humanos), mas, sim na função que estão predispostos a cumprir. Com efeito, o mesmo direito pode estar contemplado pela Constituição de um país e por uma declaração internacional, o que, aliás, de regra, acontece. Assim, sob a perspectiva do conteúdo, a distinção entre direitos humanos e os fundamentais não teria utilidade, pois conduziriam a uma mesma realidade. Todavia, analisando da perspectiva da função que devem cumprir, a distinção ganha pujança. Por isso, conclui o autor supracitado, os direitos humanos têm duas funções: a função normogenética ou função de substanciação dos direitos fundamentais, porque são fundamentos para que sejam consagrados na ordem interna, e a translativa que se refere ao nível de suficiência de proteção que cada país dá aos direitos fundamentais, ou 290 Idem, Ibidem, p.24 139 seja, se o que está previsto não bastar, poder-se-ia levar a questão para os tribunais internacionais. No Brasil, a Constituição de 1988 afirma no artigo 5º § 2, que os direitos ali enunciados não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por elas adotados. Assim, não exclui aqueles direitos e garantias fundamentais postos nos tratados, pactos e convenções internacionais em que o Brasil faça parte. Com a emenda constitucional no 45 de 2004, que reformou o Poder Judiciário, acrescentou-se o §3 ao artigo 5º da Constituição Federal, que prescreve: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Porém, "a inteligência do novo dispositivo não exclui a possibilidade de o Congresso Nacional aprovar um tratado internacional de direitos humanos pelo processo legislativo regular do Decreto Legislativo". Conforme está previsto no artigo 49, I, da Constituição Federal, que aponta para a obrigação de que todo e qualquer tratado internacional para fazer parte da ordem interna depende da aprovação do Congresso Nacional. Tal aprovação por decreto legislativo é pressuposto de sua vigência. 291 Walter Claudius Rothenburg292 destaca que a responsabilidade do Brasil “em relação aos direitos humanos, é cada vez mais firme e evidente, haja visto que também ficou consagrado um pela E.C. 45 um incidente de deslocamento de competência nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o que não ficou restrito ao cometimento de crimes, seu objetivo principal é: “assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte” , conformem art. 109, § 5º, da Constituição. 291 292 Idem, Ibidem, p.30 ROTHENBURG, Walter Claudius. “Deslocamento de Julgamento protege direitos.” in Revista Consultor Jurídico em 24 de Dezembro de 2011. Disponível na internet http://www.conjur.com.br/2011dez-24/deslocamento-julgamento-justica-federal-protege-direitos-humano. Acesso em: agosto de 2012. 140 Portanto, mais uma vez apontamos que o âmbito de proteção da dignidade da pessoa humana para nós brasileiros se viu alargado, enaltecido e sobreposto a toda legislação brasileira a partir da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil desde 5 de outubro de 1988, que foi um marco que deu início a um processo de abertura e democratização de nosso país irradiando seus efeitos para todo o resto do ordenamento porque é comando superior que vem do povo e para o povo brasileiro. Logo, podemos concluir que a Constituição de 1988 têm uma função integralizadora que dá ao nosso sistema local de proteção a permeabilidade necessária e suficiente para que possamos aceitar as imposições de medidas eficientes de proteção do ser humano no âmbito interno que venha da comunidade internacional a qual também pertencemos. Pois, conforme bem assevera Peter Härbele293: A ciência do Estado Constitucional livre e democrático tem sua própria tarefa: Ela somente pode subsistir se perceber, de forma conceitual –dogmática, responsabilidade regional e global para além do Estado – está é sua missão ético-constitucional! Dessa feita, entendemos que os Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988 é um sistema aberto de estrutura axiológica normativa que insere em nosso ordenamento jurídico valores, princípios e normas como direitos essenciais, que visam proteger a dignidade da pessoa humana nas suas várias dimensões e que buscam tanto fundamento jurídico como inspiração axiológica nos tratados, pactos, convenções que formam o Sistema Internacional de Proteção de Direito Humanos que acoplados pela Constituição Brasileira de 1988 formam ao que a doutrina denominou de Bloco de Constitucionalidade O Bloco de Constitucionalidade têm por funções dar prerrogativa às pessoas para que elas possam exigir dos poderes públicos que se abstenham de ingerir na sua liberdade individual, para evitar abusos e arbitrariedades, como também dá as pessoas o direito de exigi-los judicialmente para que eles sejam protegidos, garantidos e efetivados, uma vez que positivados no ordenamento jurídico pela Constituição, Lei fundamental, que tem supremacia sobre todos os poderes, que os compele para atuar conforme, seus preceitos. 293 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 70 141 Contudo, é preciso compreender que as pessoas e os poderes necessitam se conscientizar que suas condutas devem ter disposição para agir, conforme nos ensina Konrad Hesse, segundo a ordem estabelecida na Constituição, pois apenas essa conscientização é que despertará no cidadão, na coletividade e nos poderes que a Constituição tem uma força normativa que impõe a todos que seus valores, princípios e regras sejam efetivamente concretizados. Assim, por meio de uma ação conjunta dos poderes e dos cidadãos a vida passará a ser mais digna, realizável e feliz. E partindo da concepção de que direitos humanos e fundamentais não são um dado, mas um construído, é que partiremos para aprofundar a compreensão dogmática jurídica do que sejam direitos humanos fundamentais sociais. 2.7 DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. 2.7.1 Pressupostos dos direitos sociais Conforme observamos através da exposição da trajetória histórica dos direitos humanos fundamentais sociais e sua correlata proteção local e universal, vale dizer, que eles andam às voltas, conforme aponta Canotilho294 associados a um conjunto de condições econômicas, sociais e culturais que a moderna doutrina chama de pressupostos dos direitos fundamentais que configura na verdade uma multiplicidade de fatores: 1) Capacidade econômica do Estado- o que deu ensejo a mal interpretada cláusula de progressividade nos tratados, pactos e convenções que cuidam da promoção e proteção dos direitos sociais (observação nossa); 2) Clima espiritual da sociedade - que pode tanto pode estar sob forte arbitrariedade de estados autoritários como pode estar na plena vivência de seus direitos civis e políticos (observação nossa); 294 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit.;p. 473 142 3) Estilo de vida das mais variadas espécies- que em geral passam por um processo de otimização com a efetivação dos direitos sociais porque correlato a qualidade de vida; 4) Distribuição de bens – que depende diretamente da implementação de políticas publicas econômicas que em nosso país está associada, principalmente, a alcançar objetivos constitucional de superar as desigualdades regionais e extremada pobreza. 5) Nível de ensino- que depende essencialmente da implementação de políticas públicas por parte do Estado que efetivem o sistema educacional nos termos da Constituição de 1988. 6) Desenvolvimento econômico- que está ligado a conjugação aos princípios da ordem econômica e social que também visam o desenvolvimento humano, 7) Criatividade cultural- diretamente ligada a proteção do patrimônio cultural 8) Convenções éticos, filosóficas ou religiosa- que estão também ligadas a proteção dada a educação e cultura pela conjugação do principio da pluralidade pedagógicas; Todos esses fatores condicionam, diz o autor, de forma positiva ou negativa a existência e a proteção dos direitos sociais. Mas, três deles porque podem transforma-se em dados e indicadores como o nível de ensino, a distribuição de bens e de riqueza e o desenvolvimento econômico assumem particular relevância e condicionam decisivamente o regime jurídico- constitucional. 2.7.2 Elementos estruturais dos Direitos Sociais Também aporta Canotilho295 que além dos pressuposto acima, que condicionam os direitos, porém não fazem parte do regime jurídico existem outros elementos que ele 295 Idem, Ibidem. p. 473-474 143 designa de estruturais ou de configuradores dos direitos economicos, sociais e culturais; que podemos compreender como sendo, numa sociedade concreta, os valores que estão na base da proteção dos direitos sociais. Assim, a concepção da dignidade da pessoa humana e o seu livre desenvolvimento são exemplos citados por ele para identificar os elementos estruturante. No Brasil os elementos estruturantes ou configuradores dos direitos sociais já estão expressos na sentença preambular da Constituição de 1988: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercicio dos direitos sociais, individuais, a liberdade , a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacifica das controvérsias promulgamos [...]. (g.n.) E o artigo 1º que instituí os principios fundamentais da República: I) soberania; II) cidadania ; III) a dignidade da pessoa humna; IV)- os valores do trabalho e da livre iniciativa; V)- o pluralismo político. Faz par com o artigo 3º que traça quais são os objetivos que a nossa republica deve buscar. Ambos, princípios fundamentais e objetivos são os elementos conformadores da ordem social brasileira. Então, para agir em harmonia e estrategicamente de acordo com o Preâmbulo Constitucional e os fundamentos da República que visa essencialmente construir uma sociedade que assegure numa ordem social que mantenha sua vivência comunitária com respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa os constituintes originários se viram obrigados entrelaçar o alcance e a permanência de todos os princípios fundamentais por meio da busca na consecução de determinados objetivos que somente são atingivéis por intermédio da concreção e efetivação dos direitos sociais. Desta feita, genericamente, toda politica pública social desenvolvida no Brasil, muito além do dever de estar atrelada aos fundamentos da República do Brasil, deve buscar alcançar cumulativamente: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que garanta o desenvolvimento do país por meio da erradicação da pobreza e da marginalização e ainda deve ela promover a redução das desigualdades sociais e regionais para e por meio delas promover o bem 144 de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra formas de discriminação, o que faz com fundamento nos artigos 1º. 2º e 3º da Constituição de 1988, respectivamente. 2.7. 3 O Complexo Conceito de Direitos Sociais Face à multifuncionalidade dos direitos fundamentais, sabemos que os direitos civis, depois de separados dos políticos, conforme aporta Canotilho296, referindo-se a teoria Georg Jellinek, passaram a ser denominados de liberdades individuais. Mas, ainda, explica o referido autor de acordo com Jellinek, há ainda uma outra distinção, que se faz em relação aos direitos fundamentais, levando-se em conta a posição jurídica do cidadão, pois, perante o Estado, o cidadão é considerado titular de direitos. Por isso, Liberdades, assim compreendidas como sendo direitos individuais estão ligadas ao status negativo do Estado, ou seja, a previsão de tais liberdades procuram defender a esfera de liberdade individual de cada cidadão da intervenção do Estado, daí o nome de Direitos de liberdade, liberdade autonomia ou ainda direitos negativos. Assim, há direitos que por sua vez, também, estão ligados a outras dois status: o status activus e o status positivus. Os direitos ligados ao status activus dizem respeito aos direitos de participação do cidadão na vida política e centram-se no seu direito em participar das decisões de governo é o caso do direito ao voto ou seu ingresso em carreiras públicas, e são esses denominamos de direito do cidadão e ou liberdades de participação. Porém, ainda há outra gama de direitos que estão intrinsicamente ligados as posições jurídicas dos cidadãos e que ficam no aguardo de uma atitude por parte do Estado, de uma prestação para poderem ser vivenciados esses direitos são denominados de direitos de status positivos, porque o cidadão fica no aguardo de prestações necessárias por parte do Estado que possibilite seu pleno desenvolvimento ou mesmo sua existência individual, tais direitos são chamados também de direitos positivos ou de direitos à prestação, “modernamente conhecidos por direitos econômicos, sociais e culturais.” Entretanto, conceituar Direitos Sociais, diz Vidal Serrano Junior, não é tarefa simples. E o diz com razão, pois, os direitos sociais têm caráter multifacetário e 296 Idem, Ibidem. p.395 145 apresentam-se de diversas formas, tanto que assevera297: “A delimitação conceitual dos direitos sociais não é uma tarefa simples, tampouco que comporte reducionismos, como o de traduzi-los singelamente como direitos prestacionais”. Lembremos que o autor citado define direitos fundamentais como: Sistema aberto de princípios e regras, que ora confere direitos subjetivos aos seus destinatários, ora conformando a forma de ser e atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua a liberdade (direito e garantias individuais) em suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e em relação a sua preservação (solidariedade). Daí ele conceituar Direitos Sociais298: [..] como o subsistema dos direitos fundamentais que, reconhecendo a existência de um segmento social economicamente vulnerável, busca, que por meio da atribuição de direitos prestacionais, quer pela normatização e regulação econômicas, ou ainda pela criação de instrumentos assecuratórios de tais direitos atribuir a todos os benefícios da vida em sociedade. (g.n). Porém, o autor alerta que isso pode nos levar a compreender que direitos sociais humanos e fundamentais estão principalmente ligados a idéia de que todo ser humano precisa gozar de um mínimo material para vivenciar sua vida de maneira plena, livre e digna. E essa idéia da necessidade de fruição por parte de todo ser humano de um mínimo vital, pode conduzir o intérprete ao equívoco de apenas “traduzi-los singelamente como direitos prestacionais.”299, ou seja, de que o Estado somente deve intervir na situação daqueles que estão econômica e socialmente vulneráveis e prestarlhes esse mínimo para que eles alcancem per si um patamar de dignidade material que lhes permitiria desenvolver plenamente sua personalidade, e realizar conjuntamente com os demais em pé de igualdade todas as suas potencialidade e viver regularmente suas liberdades. Esse é mesmo o caso da prestação de direitos que estão ligados intrinsicamente com a saúde, a educação, a alimentação, a moradia, a segurança e o lazer mas, nem todos os direitos sociais estão ligados a idéia de uma prestação. 297 NUNES Junior, Vidal Serrano. p.63 298 Idem, Ibidem. p.70 299 Idem, Ibidem. p.63 146 Não podemos olvidar que existem direitos sociais humanos e fundamentais que envolvem outros âmbitos de proteção que, aliás estão extremamente ligados a sua origem de luta em reconhecer o trabalho como um direito. Direito cujo âmbito de proteção está, principalmente, associado a uma idéia de que o Estado deve apenas intervir para normatizar e regular o que está no domínio das relações privadas, até porque, como vimos, se o Estado não intervir nas questões sociais que envolvem os economicamente vulneráveis, esses ficarão à mercê da vontade dos economicamente mais fortes, portanto, em parte os direitos sociais que dizem respeito aos direitos trabalhistas, como, por exemplo: regular o piso salarial da várias categorias de trabalhadores, imposição da limitação da jornada de trabalho, proibição do trabalho infantil, mas, por outro lado permissão para ser aprendiz, proteção da gestação e a da maternidade da mãe trabalhadora exige do Estado uma intervenção legislativa para regular as relações privadas, mas que se ocorrem em sociedade. Entretanto, também são previstos como direitos sociais, ligados ao trabalho outra ordem de direitos que não exige do Estado qualquer tipo de intervenção, mas reclama-se dele uma atitude de não interferência, visto que exigem que à sua volta haja uma “esfera de liberdade, para cuja ocorrência se reivindica o afastamento do Estado.”300 É o caso do direito de greve ou de associação sindical esses tem natureza dos status negativos. Logo, conceituar direitos sociais envolve, ao mesmo tempo proteção aos direitos individuais de exercício coletivo e direitos prestacionais – portanto, não é mesmo tarefa simples como veremos mais a frente quando cuidaremos da problemática dos direitos prestacionais. Também porque conceituar direitos sociais exige de nós uma certa percepção cognitiva analítica, que nos fará compreender que o que essencialmente vem dar base aos direitos fundamentais – liberdade e igualdade- transmuta. Pois, quando pensamos em liberdade na vivência individual estamos culturalmente treinados a pensá-la como sendo liberdade somente aquele tipo de liberdade cuja nascença está envolta numa concepção liberal de Estado concepção que não se transfere para a liberdade que temos 300 Idem, Ibidem. p.63 147 na vida comunitária. A liberdade e a igualdade na vida comunitária exige de nós uma concepção cultural de Estado Social nas palavras de Jorge Miranda301: Tanto na concepção liberal como na concepção social, deparam-se a liberdade e a igualdade; porém na primeira, igualdade é a titularidade dos direitos e demanda liberdade para todos, ao passo que na segunda, a igualdade é concreta de agir e a liberdade a própria igualdade puxada para ação. Na concepção liberal, a liberdade de cada um tem como limite a liberdade do outro; na concepção social, esse limite prende-se com a igualdade material e situada. Os direitos constitucionais de índole individualista podem resumir-se num direito geral de liberdade, os direitos de índole social num direito geral à igualdade. Sabemos que essa igualdade material não se oferece, cria-se, não se propõe, efetiva-se; não é um princípio, mas uma conseqüência. O seu sujeito não a traz como qualidade inata que a Constituição tenha que confirmar e que requeira uma mera atitude de respeito; ele a recebe-a através de uma série de prestações, porquanto nem é inerente às pessoas nem preexistente ao Estado. Onde bastaria que o cidadão exercesse ou pudesse exercer as próprias faculdades jurídicas, carecese doravante de actos públicos em autómona discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis, descobre-se condições externas que se modificam, se removem ou se adquirem. Assim o direito a igualdade consiste sempre num comportamento positivo, num facere ou num dare.” Porém, Vidal Serrano nos ensina que parte da tarefa para conceituá-los como sendo um subsistema de direitos fundamentais e acrescentamos subsistema de direitos humanos, encontra-se no fato marcante e simples de que eles têm uma identidade de objetivos: todos visam igualmente proteger a dignidade da pessoa humana nas suas várias dimensões para livrá-lo da necessidade e do medo. A complexidade conceitual que os envolve, profere o referido autor pode ser desembaraçada se, mostrarmos quais são as características comuns às diversas faces conceituais apontadas para direitos sociais, ou seja, existem características comuns entre os direitos sociais que são análogos aos de defesa, (direitos individuais de exercício coletivo), e os direitos sociais a prestação. que apresentaremos a seguir não apenas com inspiração no texto do referido autor, mas, de outra tão importantes doutrinas que também cuidam do tema302: 301 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV Direitos Fundamentais. 3ª ed. Portugal, Coimbra: Coimbra, 2000. p. 102-103. 302 NUNES Junior. Vidal Serrano. op.cit. p. 68-69. 148 1) Devemos fixar que direitos sociais são direitos fundamentais, uma vez que será a promoção, o respeito e a implementação deles por parte do aparelhamento estatal que permitirá colocar o ser humano “ a salvo”. Portanto, isso implica dizer que o Estado deve adotar um certo tipo de perfil democrático de direito que envolva as todas as pessoas que estão em seu território, que permita a elas não apenas se creditarem-se garantidas na sua igualdade perante a lei, mas também as permita alcançar um certo nível de igualdade material, que as levará vivenciar enquanto sociedade civil organizada um certo nível de igualdade social, que lhes permita viver dignamente, em segurança e em paz. Ou seja, para além da possibilidade de se garantir em lei um mínimo vital para que todos possam igualmente concretizar sua liberdade é preciso compreender e considerar que mesmo que o Estado não preveja expressamente tal mínimo vital isso já está previsto tacitamente nos direitos fundamentais individuais “uma vez que não se pode pensar em exercícios de liberdades, de preservação da dignidade humana, enfim de direitos intrínsecos ao ser humano, sem que um “mínimo vital” esteja garantido caudatariamente à própria vida em sociedade.”303 Portanto, o conteúdo mínimo dos direitos individuais se funde com a realização de um mínimo material que propicie à todos igualdade de oportunidades, o que vai além de proporcionar e garantir uma igualdade face à lei, mas permite que o sujeito de direitos, pessoa humana, possam alcançar bens materiais (alimentação, moradia, vestuário) e imateriais (educação, saúde, segurança e lazer) “que concretamente possibilite o gozo da liberdade.” E conforme assevera José Felipe Ledur304: O que a igualdade social postula é que haja a igualdade de direito e tratamento de todos os membros da Sociedade. E nisso não há uma meta absoluta, até porque o absoluto é inalcançável. (...) A confirmação de que a igualdade absoluta é inatingível revela-se em que intervenções, efetuadas com o propósito de eliminar desigualdades sociais, muitas vezes levaram a novas desigualdades. Incontestável, apesar disso, é que o alargamento da igualdade social propicia liberdade real entre os cidadãos. É nesse ponto que o Estado Liberal se coloca em xeque, uma vez que prometeu liberdade sem considerar a concreta situação de populações inteiras. Sem educação, 303 Idem, Ibidem.p.65 304 LEDUR, José Felipe. op.cit. 111. 149 postos de trabalhos e sistema de seguridade social não se assegura, de maneira alguma, a possibilidade de fazer uso da liberdade. Por isso parte da doutrina305 é cediça no entendimento de que o mínimo vital,ainda que direitos sujeitos à prestações positivas do Estado são no que diz respeito a sua natureza jurídica análogos aos direitos de defesa da liberdade. Portanto, gozam ainda que tacitamente de “jusfundamentalização.” 2) A outra característica comum entre os direitos sociais, diz respeito a sua natureza responsiva sob o prisma da ética, pois, de acordo com Vidal Serrano Junior306 devido ao fato de existir uma massa populacional que não pode contar com alcance se quer de recursos mínimos para sua sobrevivência e subsistência digna os direitos sociais então307: “surgem com uma aspiração ética que parte da premissa de que todos que participam da vida em sociedade devem ter direito a uma parcela dos frutos por ela produzidos.” Tal característica ética, observamos, faz ligação com as questões, levantadas por Nancy Fraser sobre a bidimensionalidade da justiça social que ensina que é preciso estarmos cientes de que a justiça social na prática é um conceito que integra: reconhecimento, redistribuição e participação. Assim, um Estado Democrático de Direito com perfil integralizador que tem na base de seus valores supremos e comunitários, também já aportados por nós, os direitos humanos e fundamentais, deve minimamente adotar uma postura ética face à esse contingente de pessoas que não podem contar per si como o mínimo de recursos não importando julgar quais razões a levaram a esse estado de pobreza e profunda desigualdade. Daí, também considerar a solidariedade um dos princípios polarizadores dos direitos sociais que vem fazer par constante ao binômio já consagrado da liberdade-igualdade. 3) Outro ponto comum entre os direitos sociais análogos aos de liberdade e os direitos prestacionais, aporta Vidal Serrano Junior é o fato de que ambos tem o Estado por referência. 305 Nesse sentido: QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais Sociais. Portugal, Coimbra: Coimbra, 2006; NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit.; ALEXY, Robert. op.cit; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição op.cit;. 306 NUNES Junior, Vidal Serrano.op.cit. p.67. 307 Idem, Ibidem, 67. 150 E ainda, o mesmo autor referencia Mazziotti, que argumenta que os direitos sociais tem dois planos distintos de existência: 1) um é o plano subjetivo e se baseia no fato de que todo e qualquer cidadão por ter prerrogativas aos benefícios da vida em sociedade também têm direitos à determinado direitos específicos que lhe devem ser prestado pelo Estado; 2) O outro é o plano de existência objetivo que considera que sendo o Estado um Estado Social de Direito ele tem obrigação de consubstanciar “um conjunto de normas através das quais o Estado leva a efeito sua função modeladora e equilibradora das relações sociais.” 308 Destaca-se também, que esse esforço conceitual, conforme. assevera Vidal Serrano Junior, para além de reportá-los como direitos subjetivos, enfoque que necessariamente deve partir da premissa que as relações sociais, não podem realizar-se sem um mínimo de intervenção estatal, visto que o mais forte economicamente sempre acaba predominando. Os direito sociais devem conter mecanismo, instrumentos assecuratórios, como por exemplo: acesso à jurisdição, greve, organização de trabalhadores, dissídios coletivos e convenções coletivas de trabalho, bem como, acrescentamos, nesse sentido a participação ativa do cidadão em escolas, conselhos tutelares, conselhos de saíde, etc., podem, sim, assegurar a prestação à execução do serviço de política pública que objetiva concretizar direitos fundamentais, nisso se afigura, o controle social, tão importante quanto o controle judicial e o controle político. 309 Nesse sentido, a participação do cidadão no desenvolvimento de políticas públicas sociais ou mesmo o exercício do controle social dos recursos dirigidos para sua consecução, configura-se instrumento assecuratório, mas essa participação deve ser de maneira consciente. Logo e nesse sentido o acesso a uma educação condigna, também se faz necessária para que ele se informe e forme sobre seus direitos opiniões, críticas e pareceres, que podem ser sim, um instrumento assecuratório de direitos sociais. 2.7. 4 A Constituição de 1988 e os Direitos Sociais 308 Idem, Ibidem. p.67 309 Idem, Ibidem. p.68-69. 151 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a primeira constituição brasileira que inova desde seu preâmbulo, no que diz respeito aos direitos sociais, pois, de imediato já ressalva seu exercício como um dos valores supremos que institui o Estado Democrático Brasileiro como um Estado destinado a conjugar liberdade, segurança, bem estar, desenvolvimento e justiça pela seguinte sentença política : “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...).” Assim, o preâmbulo, abertura textual de nossa Constituição deve ser posto em relevo porque ele já aponta o caminho ao intérprete da Constituição, nesse sentido o STF já se manifestou pelo voto da Ministra Relatora Carmem Lúcia em 8de maio de 2008 Ação Direta de Constitucionalidade – ADI 2649 que discutiu a constitucionalidade da Lei 8.899/1994 que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual310: Devem ser postos em relevo os valores que norteiam a Constituição e que devem servir de orientação para a correta interpretação e aplicação das normas constitucionais e apreciação da subsunção, ou não, da Lei 8.899/1994 a elas. Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preâmbulo da Constituição, no qual se contém a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de 1988 (...). Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...). E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, escola José Afonso da Silva que ‘O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores supremos. ‘Assegurar’, tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de ‘assegurar’, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em 310 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em Abril de 2012. “A Lei 8.899/1994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados.” (ADI 2.649, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-52008, Plenário, DJE de 17-10-2008.) 152 direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico’ (...). Na esteira destes valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade. O capítulo II, do Título II, consagra os direito sociais do artigo 6º a 11. Pelo artigo 6º estão eles genericamente enunciados311 e correspondem aqueles direitos prestacionais sociais que exigem do Estado Brasileiro uma ação positiva, ou seja, uma atuação direta por meio do desenvolvimento de políticas públicas que exigem uma ordem, a planificação que abarque normas constitucionais e normas infraconstitucionais que, em conformidade com a primeira, instituam normas de organização, procedimentos e participação para se concretizar: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Do artigo 7ª a 11 cuida dos direitos sociais que estão diretamente ligados a relação de trabalho e emprego, o que vem enaltecer e concretizar um dos fundamentos da República Federativa do Brasil: os valores social do trabalho. Assim, pelo artigo 7º consagra por 34 incisos, enumerados de I a XXXIV, quais são os direitos sociais individuais dos trabalhadores urbanos e rurais e um parágrafo único que assegura aos empregados domésticos alguns direitos trabalhistas, que já estão pelos incisos anteriores assegurados aos trabalhadores rurais e urbanos. Tais direitos sociais trabalhistas dizem respeito aos direitos que advém principalmente da relação de emprego: como fixação e função do salário mínimo, proteção e segurança do trabalhador empregado em caso de desemprego, benefícios que devem receber e lhes ser assegurado pelo empregador, duração da jornada de trabalho e suas nuances além de declarar a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. No artigo 8º cuida dos incisos I a VIII e por um parágrafo único da livre associação profissional e liberdade sindical, pelo artigo 9º cuida do direito a greve como um direito de defesa para que possam defender assim seus interesses por meio de atitude que não o motim e a rebelião. Pelo artigo 10 assegura a participação dos trabalhadores e 311 Tal artigo da data da promulgação da Constituição para cá já sofreu alterações por emendas constitucionais: A Emenda Constitucional n. 26 de 2000 acrescentou nesse rol genérico e exemplificativo a moradia como um direito social e Emenda Constitucional n. 64 de 2010 acrescentou o direito social à alimentação. 153 empregadores junto aos colegiados dos órgãos públicos que tenham por objeto seus interesses profissionais e previdenciários e pelo artigo 11 determina que para as empresas que tenham mais de 200 empregados está assegurada a eleição de um representante com a finalidade exclusiva para promover o entendimento direto com os empregadores. Desse modo, podemos compreender que do artigo 6º a 11 estão estipulados direitos sociais que tanto se coadunam com um ação positiva do Estado como que se coadunam com uma ação negativa por parte do Estado, tendo em vista que são direitos sociais estrategicamente positivados de maneira que permitem e regulam o exercício da liberdade de trabalho; no artigo 7º e 8º cuida-se do direitos sociais relativos ao trabalho individual e do artigo 9º ao 11º cuidam dos direitos relativos ao trabalhos que são vivenciados de maneira coletiva. Logo, pelo Título I e II a Constituição de 1988, podemos concluir inovou totalmente o respeito político e jurídico que deve ser dado à pessoa humana, pois em primeiro cuida da pessoa humana e da relação que ela mantém com o Estado e com terceiros, depois passa então a cuidar da organização dos Poderes Públicos dos limites e da estrutura desses poderes e dos vários órgãos que aparelham o Estado o que já denota que o Estado deve estar totalmente voltado à persecução do seu maior objetivo: a proteção da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões. Portanto, todas as instituições democráticas brasileiras devem trabalhar em função da pessoa humana para: promover, respeitar e proteger os seus direitos humanos fundamentais civis, políticos e sociais. Porém, mais uma vez inova a Constituição de 1988, além de trazer um capítulo próprio conforme delineamos acima, (capitulo II do Título II), trouxe bem distanciado desse um título especial, o Título VIII sobre a ordem social, cujo objetivo principal é concretizar o que genericamente planifica no capítulo II do título II e, conforme assevera Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior um título cuja312:disciplina 312 ARAÚJO, Luiz Alberto David e Serrano Jr., Vidal. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 483 154 minuciosa é retrato do grau de desconfiança dos constituintes nas instituições, mostrando uma minúcia poucas vezes vista em um texto constitucional.” E tal opção do constituinte originário deu origem a denominada Constituição Social que os autores supra citados definem como sendo313: O conjunto de normas constantes da Constituição predisposta à regração da ordem social, entendida de maneira abranger os setores onde o Estado deva intervir por meio de prestações sociais, seja indicando direitos aos indivíduos (seguridade social), seja intervindo na realidade para propiciar um sistema de relações sociais mais equilibrado e justo. O Título VIII é o anti- penúltimo Título da Constituição Federal, o a seguir trata apenas das disposições gerais e disposições transitórias, que conforme explicaremos adiante também sua importância, mas em geral, elas cuidam de regras que fixam como se deve dar a passagem da antiga ordem constitucional para a nova e atual, o que importa dizer é que o legislador tanto deu abertura formal ao texto constitucional preocupando-se com o exercício efetivo dos direitos sociais, como também coerentemente o encerra. O Título VIII está dividido em oito capítulos; pelo ordenamento dos capítulos pode-se concluir que visou o legislador abarcar uma ordem concreta que abraçasse o ser humano em todas as dimensões de sua dignidade social enquanto sendo cidadão que vive entre outras outros que, como ele, pratica várias atividades e, por meio delas, fica envolvido na suas relações sociais. Senão vejamos: O Capítulo I cuida das disposições gerais que se aplica a todo título da ordem social, tem um único artigo e consagra de imediato como base da ordem social o primado do trabalho e, como objetivo dessa ordem, o bem estar- social e a justiça social. Primado do trabalho, bem – estar social e justiça social são, antes de tudo, valores supremos, isso significa dizer que toda a ordem social, ou seja, todos os 313 Idem, Ibidem, p.483. 155 capítulos dessa ordem estão intrinsecamente ligados um objeto que deve ser realizado em toda a sua completude, já que a concepção axiológica314 do que seja valor encerra em si mesmo um conteúdo de prescrição e de mandamentos de dever-ser. Dessa maneira, tudo o que está definido nos demais capítulos de II a VIII da ordem social, deve zelar para manter o trabalho como primado, e alcançar bem-estar social e justiça social. Além do que, uma leitura mais refinada filosoficamente liga toda a ordem social constitucional às condições humanas de homem faber compreendido aqui como aquele que constrói e instrumentaliza e ao homem sapiens que pensa e cria e que se insere no seu meio para progredir. O Capítulo II cuida do artigo 194 a 204 da seguridade social que podemos compreender como sendo, conforme o próprio artigo 194, diz um conjunto integrado de ações que parte da iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, que tem por objetivo assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Sendo certo trata-se de um conjunto de normas que formam o Sistema Único de Saúde, como um direito de todos e um dever do Estado, que deve ser garantido mediante política sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitários às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme expressamente dita o artigo 196. E a previdência social, pela inteligência do artigo 201 objetiva por sua organização, em forma de regime geral que os contribuintes, filiados a ela obrigatoriamente possam gozar de cobertura no caso de doenças, invalidez, morte e idade avançada, bem como proteção à maternidade, especialmente da gestante e proteção ao trabalhador que se encontra em situação de desemprego involuntário. Além disso, a seguridade deve proporcionar um salário- família e um auxílio reclusão para os dependentes daqueles segurados que tenham baixa-renda, além de pensão em caso de morte do segurado para seu cônjuge, companheiro e dependente. E a Assistência Social, de acordo com o artigo 203, será prestado a quem dela necessitar, independente da contribuição que tenha feito à seguridade social, e seus objetivos são: proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e à velhice, o amparo às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de trabalho daquele que esteja sem trabalho, a habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência bem como a sua integração à vida comunitária, além de um 314 JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES Danilo. Verbete: valor. op. cit. p. 275 156 salário mínimo de beneficio a toda pessoa portadora da deficiência e ao idoso que comprovem não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Portanto, o fundamento da seguridade social é amparar e proteger os que se encontram em estado de vulnerabilidade e que, por isso não podem por si só prover sua própria proteção, seu princípio polarizador é solidariedade e igualdade substancial que deve perfazer-se pela inclusão social diante de situações que se manifestam como fraturas e rupturas de vínculos sociais, para tanto a ordem social assegura como direitos de todos: a saúde, a previdência e a assistência social como um conjunto de ações que inclui potencialmente a todos, daí a colaboração ser obrigatória para toda a sociedade, mas se dirigem a ações que efetivamente acolhe somente àqueles que são ou estão excluídos física, geográfica e materialmente. Por isso, a normas constitucionais da seguridade social em suas três vertentes abrangem o máximo de situações possíveis que representam o grau máximo de exclusão social que se personificam pelas situações de pobreza, desemprego, morte, invalidez, deficiência física e metal, além de reclusão e dependência. Apenas com a efetivação de tais comandos normativos referentes a seguridade social estaremos aptos a combater um processo de exclusão social que já está enraizado na cultura brasileira, conforme pudemos constar por nossa historicidade. Portanto, tratase de normas que visam principalmente combater a desigualdade social, econômica e política que atingem com mais força os desvalidos que por uma razão ou outra são ou estão apartados da sociedade e têm sidos vistos historicamente não apenas como desiguais, mas como um “não semelhante” pelo mercado e meios de consumo de bens e serviços, como é o caso do pobre, da (o) viúva(o) pobre que dependente do cônjuge, do deficiente físico, do deficiente mental, do doente, do desempregado, do recluso, da criança do adolescente carente, do velho, e da mulher pobre gestante adolescente ou adulta. A seguridade social inserida na ordem social dentro desse contexto constitucional, que objetiva bem-estar social e justiça social, em última análise uma das trilhas pelas quais o Estado trabalha, a tolerância social, já que todos com ela deve colaborar não apenas que se considera que um dia possam vir a ser eles se valer desses 157 recursos, mas porque, sendo um Contrato Social, tem por obrigação, também, vincular sociedade à sociedade.315 O capítulo III, cuida e dispõe sobre a educação, a cultura e o desporto, em três seções subseqüentes: seção I cuida da educação dos artigos 205 a 214; seção II cuida da cultura nos artigos 215 e 216; na seção III cuida do desporto pelo artigo 217. O que tem em comum essas três seções são que elas têm por objeto a proteção da formação do brasileiro enquanto ser comunitário, trabalhando a personalidade do indivíduo em dois planos distintos que se complementam pelo individual e pelo social. Pelo artigo 215 o Estado deve assegurar a todos o exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, além do que ele deverá apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais da populações indígenas, afro-brasileiras e de qualquer outro grupo que participe do processo civilizatórios brasileiro. Trata-se da primeira Constituição que reconhece as nossas raízes culturais como uma formação pluralista, incluindo nela como responsáveis por essa formação o negro e o índio, que como sabemos ainda sofrem processos discriminatórios. Pela proteção que se dá a cultura através de normas infraconstitucionais que obedecem aos comandos constitucionais planificados tanto se protege a formação do “espírito humano quanto de toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade e inteligência”. Por isso, protegese o modo de vida brasileiro “representado pelo conjunto de regras de comportamento pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos quais se encarnam em condutas mais ou menos codificadas.”316 Trata-se principalmente da guarda do tesouro coletivo dos saberes que o povo brasileiro foi acumulando de geração em geração, além de proteção ao duplo sentido antropológico que a cultura possui317: a) proteção do conjunto de representações e comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social que ‘e mostra não somente 315 SAWAIA, Bader. As Artimanhas da exclusão analise psicossocial e ética da desigualdade social. 9ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 18-22. 316 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. verbete: Cultura. op.cit.; p. 63. 317 Idem, Ibidem, p. 63. 158 pelas suas tradições artísticas, científicas, religiosas, filosóficas de uma sociedade, mas também suas técnicas próprias, seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana’ (Margaret Mead); b) mas, também proteção do processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõe em determinada sociedade. Pela seção III do capítulo III cuida-se do desporto como parte integrante da formação da personalidade, como um daquele tipo de direito humano e fundamental que a todos deve ser assegurado e regulado pelo Estado. Conforme Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior comentam, cuida-se do desporto318: “quer como forma de lazer, quer como parte da atividade educativa, quer ainda em caráter profissional, foi incorporado ao nosso sistema jurídico no patamar de norma constitucional.” E sendo o direito social fundamental à educação, previsto pela seção I do capítulo da seção III, do Título da ordem social, previsto pela primeira vez expressamente como um “direito de todos, um dever do Estado e da família em colaboração com a sociedade.”. É o direito que encerra o ciclo de direitos que protegem a formação física, espiritual e intelectual do ser humano. E aqui não teceremos muito mais sobre o assunto, pois sendo a educação e o sistema educativo brasileiro da Constituição de 1988 o centro de nosso trabalho e pesquisa reservamos a ele um capítulo à parte. Pelo Capítulo IV dos artigos 218 e 219, protege a Ordem Social brasileira a comunicação social, pois de nada adiantaria proteger em tão alto grau o ser humano se não se protegesse o seu direito a formação de sua opinião, o direito à livre informação, livre manifestação de pensamento e livre criação. E os direitos assim enunciados devem sofrer uma interpretação sistemática, com aqueles elencados no inciso IV, V, IX e XIV do artigo 5º. São direitos de extremada importância para um Estado Democrático de Direito, e sua razão de ser é porque nos períodos autoritários a imprensa sofreu todos os tipos de restrições; a imprensa estava censurada, a falta da divulgação de notícias e da livre manifestação da opinião foi um instrumento forte utilizado pela repressão para que ela se perpetuasse por tanto tempo. 318 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES, Vidal Serrano Jr., op. cit. p. 499. 159 Assim, ficou também proibida a censura ideológica, política e artística, entretanto, conforme os atores referenciados acima319: É evidente que a proibição, imposta pelo Poder Judiciário, com fundamento em outros valores constitucionais, não configura exercício de censura, já que o próprio texto constitucional garantiu o direito, ‘observado o disposto nessa Constituição’. A finalidade, portanto, era que os programas de rádio e televisão tornam-se um instrumento a ser utilizado para educação, no entanto, conforme asseveram os autores supra citados320: Ocorre que sob o manto de que as atividades são de promoção da cultura nacional ou finalidades educativas ou informativas, as televisões e rádios abusam de suas programações, desviando a sua finalidade e perdendo a noção de que apenas são concessionárias de serviços públicos. A União Federal, como é sabido, não interfere, permitindo verdadeira ruptura com os vetores determinados pelos incisos do art. 221. No capítulo VI, do Título VIII, protege-se o meio ambiente. Sagra-se por ele um direito de terceira dimensão, o que põe a Constituição Brasileira entre as mais modernas Carta Maior do Mundo. Entretanto, não poderia ter feito diferente o legislador constituinte, pois encontramos-nos em uma era de total degradação do meio ambiente. A fim de salvaguardar a vida no planeta e própria humanidade urge-se que cesse imediatamente a destruição do meio ambiente, que o homem se sustente sem degradá-lo e ainda, se possível, recuperar a máximo possível do que já se perdeu, ou seja, implica que o ser humano precisa ser educado sob os princípios da sustentabilidade que podemos conceituar como o princípio pelo qual se busca a satisfação das necessidades atuais, (matéria-prima, descarte de resíduos, etc.), sem comprometer a satisfação das necessidades e manter o meio-ambiente onde está inserido, preservando-o para gerações futuras no longo prazo. O que vai exigir muito da educação que deve introduzir tal conceito desde a mais tenra idade, conforme bem asseverado pelo inciso VI do art. 225 que determina a 319 Idem, Ibidem, p. 508. 320 Idem, Ibidem, p. 510. 160 educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; além do que, como dissemos no primeiro capítulo, vai exigir a total compreensão do que proclama e declara os direitos de terceira geração. Pelo capítulo VII do Título VIII, pelos artigos 226 a 230, cuida de proteger a família, o adolescente e a criança. A família, diz a Constituição, é a base de toda a sociedade e goza de proteção especial do Estado. Contudo, o casamento não é mais, juridicamente, o único meio para que se constitua uma família, pois se reconhece que os laços de uma União Estável é um meio jurídico para se formar uma família. Além do que, a formação clássica “pai, mãe e filhos” não é mais a única entidade familiar protegida; é reconhecida como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, isso porque o divórcio deixou de ser polêmica, passando a ser válido como fato jurídico para dissolução do casamento. O conceito jurídico de família não mais se fundamenta em qualquer conceito religioso ou tradicionais arcaico, dado que atualmente se confere mais importância aos laços de afeto que unem as pessoas em uma mesma entidade familiar. A prova disso é que a união homoafetiva foi reconhecida pelo STF como União Estável pelo Julgamento da Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF - n. 132 e pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277, em 5 de maio de 2011, fato que entendemos ter ocorrido com um pouco de atraso, pois a muito a sociedade civil rompeu com os laços arcaicos de outros séculos. Por conseguinte, sendo a família a célula mater da sociedade será sempre a primeira a passar pelas mudanças de costumes. Logo, fonte primária de hábitos e costumes. Sem dizer que ela configura o primeiro espaço de convivência pluralista pelo qual o ser humano passa. No convívio familiar somos obrigados a conviver, muitas vezes, com várias opiniões diferentes e divergentes. Ainda assim, tem-se que conviver, ou seja, na família começamos o exercício para a vivência real de uma democracia social. Por ela começamos a compreender a importância da liberdade, da igualdade, e da solidariedade. Em seu seio recebemos a primeira formação voltada para educação tanto individual com 161 em grupo. Dessa maneira, entende-se a importância de o Estado lhe assegurar objetivamente proteção especial. Temos que considerar que tanto no âmbito familiar como no da comunidade, ninguém é mais vulnerável e desprotegido do que um ser humano em formação; por isso também a necessidade de proteger a criança em todas as suas fases de crescimento, conforme prescreve o artigo 227, propiciando- lhe em absoluta prioridade: o direito à vida, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além, é claro, de colocá-la a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Porém, e infelizmente encontramos por todos os centros urbanos e até rurais de todo Brasil todo forma de crime contra a criança e o adolescente. O Brasil atingiu altíssimos índices mundiais de todos os tipos de negligência para com criança e o adolescente, desde a prostituição infantil até a utilização de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas e de armas. E ainda que o Brasil tenha saído na frente do mundo, (antes da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 querer colocar a salvo a dignidade da criança e do adolescente, o Brasil já o tinha feito pelo enunciado desse artigo 227), é fato que passados mais de 20 anos desde sua promulgação, a criança e o adolescente brasileiro ainda se encontram em profundo estado de vulnerabilidade em quase todas as cidades desse país; basta que paremos o carro em farol de uma grande metrópole brasileira para comprovar isso ou ainda entrar em uma das favelas existentes. Vale lembrar que a Igreja, organizações não-governamentais, pastorais, e entidades filantrópicas nacionais e internacionais têm feito mais pela criança que o próprio Estado, que desde há muito a negligenciou, sua família e sua educação, conforme exporemos em índices de pobreza e educação. Não muito diferente se passa com o idoso, que também recebeu proteção especial da Constituição de 1988, pelo artigo 230 que determina que a família, a sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida. Porém, segundo estudos e pesquisas apontam que desde 1987 o 162 envelhecimento da população brasileira é uma realidade, aliás assim como é nos países do chamado terceiro mundo conforme revela estudo realizado por Luiz Roberto Ramos, Renato P. Veras e Alexandre Kalache321: Os países do chamado Terceiro Mundo vêm apresentando, nas últimas décadas, um progressivo declínio nas suas taxas de mortalidade e, mais recentemente, também nas suas taxas de fecundidade. Esses dois fatores associados promovem a base demográfica para um envelhecimento real dessas populações, à semelhança do processo que continua ocorrendo, ainda que em escala menos acentuada, nos países desenvolvidos. As características principais desse processo de envelhecimento experimentado pelos países do Terceiro Mundo são, de um lado, de o fato do envelhecimento populacional estar se dando sem que tenha havido uma real melhoria das condições de vida de uma grande parcela dessas populações, e de outro lado, a rapidez com que esse envelhecimento está ocorrendo. Na verdade, nos países menos desenvolvidos, o contingente de pessoas prestes a envelhecer, dadas as reduções nas taxas de mortalidade, é proporcionalmente bastante expressivo quando comparado com o contingente disponível no início do século nos países desenvolvidos. Com a baixa real da fecundidade, a tendência é haver transformações drásticas na estrutura etária desses países, em tempo relativamente curto, sem que as conquistas sociais tenham se processado devidamente para a maioria da população. (g.n.) De modo, é preciso mais investimento e educação para que a população brasileira comece ao menos a lidar com esse problema de maneira real e efetiva, para que se consagre em parte o que está disposto no artigo 230, conforme o que mostraremos no próximo capítulo. No último capítulo, VIII do Título VIII, o constituinte tratou de proteger o índio, reconhecendo a eles sua organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-la, proteger e fazer respeitar todos os seus bens e as terras que tradicionalmente ocupam que são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, que são utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições. 321 RAMOS, Roberto Luiz, VERAS, Renato P., KALACHE, Alexandre. Envelhecimento Populacional:uma realidade brasileira. in Revista de Saúde. V. 21. n. 3. São Paulo, junho de 1987. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034Disponível na internet: 89101987000300006&script=sci_arttext Acesso em: abril de 2012 163 Nunca um artigo foi tão fora da realidade. Ainda que a curva de densidade demográfica tenha parado de cair a partir dos anos 1980, a realidade é que o Estado não consegue dar a devida assistência e fazer respeitar os direitos dos índios cuja população está distribuída em 322: [...] 562 terras indígenas, vivem hoje no Brasil cerca de 315.000 índios. São 206 povos (ou etnias), concentrados, em sua maioria 70% do total -numa parcela da Amazônia Legal que engloba seis Estados: Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará. Além desses, devemos considerar ainda a existência de 40 povos isolados na Amazônia Ocidental. A importância de se assegurar aos índios seu território reside no fato de que eles consideram a terra um bem coletivo que se destina a produzir a satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade. A todos, pela sua tradição e cultura milenar, são assegurado os recursos do meio ambiente, através da caça, pesca, coleta e agricultura323: “Nesse sentido, a propriedade privada não cabe na concepção indígena de terra e território. Embora o produto do trabalho possa ser individual, as obrigações existentes entre os indivíduos asseguram a todos o usufruto dos recursos.” Se o homem tido como civilizado agora está tentando manter contato com o valor sustentabilidade, ao que parece, esse é a pedra angular da tribos indígenas desde há muito tempo. Por isso, mais uma vez cabe a educação brasileira fazer essa conexão com uma de suas origens mais profunda, e mais do que preservar a cultura indígena aprender com elas alguns conceitos que podem mesmo a vir a salvar a humanidade de uma grande catástrofe. Fecharemos esse capítulo dissertando sobre a proteção constitucional especial aos portadores de deficiência que, conforme aponta Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Junior324, representam dez por cento da população brasileira. A falta de medidas efetivas que os inclua socialmente os mantém presos em seus próprios lares. Porém, sua 322 População Indígena no Brasil. Educação. Museu do Índio. Disponível na internet: http://www.museudoindio.org.br/template_01/default.asp?ID_S=33&ID_M=115 Acesso em: abril de 2012. 323 324 Idem, Ibidem. ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 502-507 164 proteção já pode ser extraída a partir dos princípios fundamentais, do Título I; cidadania e dignidade da pessoa humana são a base de sua integração social, acoplados a eles deve se ler que são objetivos da nossa Republica Federativa a erradicação da pobreza, a construção de uma sociedade livre e justa, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E ainda conforme, já apontamos, o artigo 203, inciso IV, pela Assistência Social deverá promover a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. Por outros vários artigos, como por exemplo pelo artigo 7º, inciso XXXI, fica proibido qualquer discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, inclusive pelo inciso VIII, do artigo 37 tratou-se reservar percentualmente vagas para cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, e por desse, segundo os autores referenciados, o constituinte cuidou de reparar alguns séculos de política de abandono. Isso significa dizer que ao deficiente deve ser dado acesso a todos os tipos de meios e instrumentos lhe permita exercer dignidade pessoa e material no máximo em que isso é possível. Hoje, podemos contar com uma forte campanha social para inclusão do deficiente na sociedade, inclusive são eles mesmos os responsáveis diretos pela conscientização da população e do Estado de que eles têm direitos a ter os mesmo direitos que as demais pessoas na medida de suas desigualdades; são os grandes exemplos de grupo em estado de vulnerabilidade que, por participação direta estão apontando onde mais tem sido ferida sua dignidade de pessoa humana. Muitos centros urbanos já contam com rampas de acesso, locais próprios, rebaixamento de calçada e demais meios que possibilitem a tramitação livre, o direito sagrado de ir e vir dos portadores. Essa campanha de conscientização pelo respeito aos deficientes e às leis que os protege tem propiciado, em geral, resultados positivos, todavia, ainda há muito a ser realizado nesse aspecto. Caberá à educação conservar e aumentar o nível de conscientização das pessoas no que se refere ao respeito e consideração que devemos manter com os deficientes. Nesse sentido, também já aportamos que o artigo 208, inciso III, capítulo III, Título VIII cuida especialmente do tipo de educação que deve ser dada ao deficiente. Contudo, cuidaremos mais profundamente desse em outro capitulo especialmente voltado para educação. 165 Concluímos, portanto, que em matéria de planificação de Direitos Sociais, tratou o constituinte de ter o cuidado de dar proteção a todos os segmentos sociais, que dizem respeito ao exercício de direto sociais quer na vivência individual quer na vivência comunitária, conforme foi declarado no preâmbulo. E ainda que falte muito para que efetivamente se concretize muitos dos direitos sociais e que eles cheguem a todos fica evidente que a Constituição Brasileira impele ao Estado que adote um perfil de Estado Social que obriga a todos os entes e poderes públicos desse país uma vida digna a cada cidadão que viva aqui ou mesmo que aqui esteja de passagem. Daí a necessidade de se correlacionar lado a lado os direitos civis e políticos e os direitos sociais, econômicos e culturais como fundamentais, pois, eles gozam da mesma fundamentalidade que dá primazia ao ser humano sobre o sistema, além do que são direitos que, ressalvamos, têm a mesma função: proteger a pessoa humana e evitar seu sofrimento. 2.7.5 Dimensões (Funções) Subjetiva e Objetiva dos Direitos Sociais e suas implicações O plano subjetivo de existência revelado acima, que se baseia no fato de que todo e qualquer cidadão têm por ter prerrogativas os benefícios da vida em sociedade e, por isso têm direitos à determinado direitos específicos que lhe devem ser prestado pelo Estado, nos remete as seguinte questão qual tipo de normas dá ao cidadão o direito a ter direitos específicos que lhe prestem esse algo material? A essa questão podemos responder da seguinte forma genérica: ‘serão aqueles tipos de normas fundamentais que exigem do Estado um ação positiva’, ou seja, é conforme Ingo Sarlet nos explica, “um tipo de norma que implicam uma postura ativa do Estado, no sentido que esse se encontra obrigada a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material (fática).” 325 Desse modo, estamos falando de direitos sociais à prestação em sentido amplo, conforme o próprio Ingo Sarlet nos ensina, que são aqueles direitos que a doutrina 325 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. 185 166 germânica comumente têm, também, freqüentemente nominado de “direitos de participação” ou de “direitos à quota-parte”, observando que nem todos eles se identificam, em toda a sua extensão com direito sociais, mas exigem do Estado uma posição ativa; eles reconduzem a uma função do Estado de Direito porque abrangem todos os direitos e não apenas os sociais. Trata-se de um conceito mais amplo do direito de ação positiva do Estado que vem fazer contraponto a um direito de defesa, que exige uma ação de abstenção do Estado. Olhar por esse ângulo significa dizer que um direito à prestação aumenta o âmbito dessa ação positiva, que devem ser consubstanciadas em normas que determinam uma série de ações coordenadas entre si. Assim as ações positivas do Estado que podem ser objeto de um direito à prestação, segundo Robert Alexy326, estende-se da proteção ao cidadão contra outros cidadãos, pelo estabelecimento de normas penais, até normas que estabelecem organização e procedimento. Dessa feita, mais do que direitos a prestações fáticas, quando nos referimos a direitos sociais temos direitos a prestações normativas que regulam sua organização e seus procedimentos, isso porque os direitos sociais, por excelência, tem um feixe de posições que dizem respeito em parte às prestações fáticas e em parte a esse tipo de prestações normativas. E os motivos de assim os compreende-los, diz o citado autor, são primeiramente que existem de fato muitos direitos sociais que correspondem ao que ele denomina de direito fundamental completo, ou seja, ele é formado por um feixe de espécies de posições bastante distintas; conforme explicamos acima quando trabalhamos o conceito de direitos sociais, por exemplo, um direito ao trabalho vem consubstanciado em normas que exigem um abstenção por parte do Estado. Melhor ilustrando, o Estado tem que se abster face à liberdade de escolha de profissão, contudo, tem que atuar positivamente para regulamentar quais são as condições adequadas de trabalho. O segundo motivo em trabalhar com essa idéia de direitos à prestação no sentido amplo é porque os direitos de ação positiva compartilham de problemas com os quais os de ação negativa não se deparam, não ao menos com a mesma intensidade, ou seja, nas ações negativas há limites impostos ao Estado, mas não dizem nada a respeito dos objetivos a serem alcançados, já os de ação positiva impõe objetivos a serem alcançados. 326 ALEXY, Robert. Teorias dos Direitos Fundamentais.tradução Virgilio Afonso da Silva. 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 442. 167 Uma das questões que se suscita nos direitos de ação positiva é em que medidas a persecução de objetivos estatais pode e deve estar vinculada a direitos constitucionais subjetivos dos cidadãos. E outra questão levantada por nós, diz respeito a nomeação da classificação que a doutrina germânica desenvolveu para falar dos direitos sociais à prestação em sentido estrito como direito à quota parte ou ainda como direito de participação, que apontaremos, desde já, para nós, como normas que mantêm uma relação íntima com a aplicação do princípio democrático, no que diz respeito aos direitos sociais. Robert Alexy foca a problemática dos direitos sociais de participação e quota-parte no reflexo que esse conceito exerce na problemática da repartição de competências entre legislador e tribunal constitucional. Contudo, o aspecto da questão que aqui queremos desenvolver nos remete à Teoria da Bidimensionalidade da Justiça proposta por Nancy Fraser327, que nos ensina que as teorias das ciências econômicas, que foram construídas, partindo do liberalismo econômico, produziram verdadeiras antíteses falsas, já que elas desassociam reconhecimento de pessoas em estado de vulnerabilidade da redistribuição dos bens que lhes devia competir e que devem às questões sociais de inclusão se estender. Justamente porque, a idéia de justiça social, segundo a referida autora, exige que a implementação de políticas públicas sociais desde sua primeira etapa impele que conjuntamente coexista um trabalho de redistribuição e um trabalho de reconhecimento, principalmente, no que diz respeito aos grupos de pessoas mais vulneráveis, pois é necessário que se faça um cruzamento de indicadores sociais que possam apontar dentro do corpo social aqueles que estão mais vulneráveis para que a política pública social seja mais eficiente e eficaz. O que impõe que conjuguemos com essas políticas sociais ao que ela denominou de “norma de paridade de participação” que vai informar às pessoas destinatárias dos bens e ao poder público sobre o quantum e até onde deve- se ir a participação do cidadão nas normas que veiculam tais políticas, pois afinal é ele o titular do direito social. Importando assim, que se dê à participação do cidadão a necessária atenção para que ele participe inclusive e até diretamente da formação do conteúdo dessa “norma de paridade de 327 FRASER Nancy. Redistribución, reconocimiento y participación: hacia un concepto integrado de la justicia, in: Unesco, Informe Mundial sobre la Cultura – 2000-2001. Diversidad cultural, conflicto y pluralismo, Madrid: Ediciones Mundi-Prensa/ Ediciones Unesco, 2001. Disponível na Internet: http://132.248.35.1/cultura/informe/informe%20mund2/INDICEinforme2.html Acesso em: setembro de 2010. 168 participação”, mesmo porque é preciso considerar que ele é o maior interessado na sua realização. Daí, porque creditamos que são tais normas de direitos prestacionais referenciadas pela doutrina alemã como direitos de participação ou de quota-parte. Ressalvando-se que as prestações positivas em sentido estrito por parte do Estado estão ligadas à satisfação de outros fenômenos estatais, que são pressupostos para a efetiva prestação328, "dependem da satisfação de uma série de pressupostos de índole econômica, política e jurídica". Assim, o maior problema hoje dessa função, segundo Canotilho, é 329: Ao saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais têm uma dimensão objetiva juridicamente vinculativa dos poderes públicos no sentido de obrigarem estes (independentemente de direitos subjetivos ou pretensões subjetivas dos indivíduos) a políticas sociais activas, conducentes à criação de instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex: serviço de segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações econômicas). Entretanto, partindo desse ponto em comum que recai sobre a referência estatal atuante sobre os direitos sociais e não importando qual plano de existência estejamos a observar, ou seja, quer os vejamos sob a perspectiva normativa reguladora (existência objetiva), ou quer sob a perspectiva prestacional (existência subjetiva), a verdade é que ambas as dimensões apontam para uma dimensão antropológica do ser humano que informa que a sua existência depende cada vez mais do âmbito de proteção daquilo que está inserido no social, a conseqüência disso é que estamos a cada dia a dar maior prevalência aos direitos coletivos antes mesmo de que consideremos os individuais. Nesse sentido Jose Afonso da Silva330: O Estado tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos, antes que aos indivíduos. E é exatamente nessa adoção de fins sociais prevalecentes à proteção dos fins individuais 328 ALEXY, Robert. Teorias dos Direitos Fundamentais.tradução Virgilio Afonso da Silva. 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 442. 329 330 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit. p. 408. SILVA, JOSÉ Afonso da Silva. Aplicabilidade da Normas Constitucionais.7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 115. 169 que o Estado Democrático de Direito se distingue do Estado Liberal individualista. Por isso, referenciarmos nesse item o conceito de Direitos Sociais preconizado por Andreás Krell331: Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais. São os Direitos Fundamentais do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos antes que aos individuais. O Estado mediante leis parlamentares, atos administrativos e a criação real de instalações de serviços públicos, deve definir, executar e implementar, conforme as circunstâncias, as chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultam o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente garantidos. Assim, frisamos que Canotilho aporta que os direitos sociais, são compreendidos como autênticos direitos subjetivos, visto que são inerentes ao espaço social do cidadão e, portanto, independem de justicialidade e são de exequibilidade imediata. O que significa dizer que nem o Estado nem terceiros podem agredir posições jurídicas individuais que abarcam o âmbito de proteção destes direitos.332 É nesse sentido que Ana Carolina Lopes Olsen 333 bem lembra que a muito a doutrina superou a perspectiva privatística e as posições dogmáticas positivistas sobre direito subjetivo como sendo ele apenas aquele direito público subjetivo que dá ao seu titular o direito de exigir (condição processual de exigibilidade) uma ação, caso ele não se concretize no mundo material; não que tenha deixado de valer essa máxima, mas após o advento do Estado Social a dimensão subjetiva dos direitos sociais não exige que se crie uma outra lei de aspecto processual e material para que o titular do direito possa ajuizar sua pretensão em juízo e, então, ficar aguardando uma sentença que possa lhe dar ganho ou não de causa, pois, nas palavras de referida autora: 331 KRELL, Andreas J. Diretos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre, RS: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.19-20 332 333 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.op.cit.; p 476. OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitba: Juruá, 2008. p. 95. 170 É oportuno ressaltar que a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais deve ser buscada e compreendida na própria Constituição, na sua estrutura que inovou um sistema de relações jurídicas privatísticas e individualistas, e não em conceitos desenvolvidos pelo positivismo jurídico ainda presentes no ordenamento jurídico brasileiro (...) A exigibilidade não é condição de existência do direito ele não existe porque é exigível. Ele existe, razão pela qual deve ser exigível. Assertiva é a proposição da referida autora de que não devemos perder de vista, como já colocado acima por nós, que direitos fundamentais constituem um feixe de posições-fundamentais, estruturalmente distintas, e isso hoje, nos leva a creditar que um direito de defesa é mais fundamental que um direito à prestação porque a ele foi reconhecido um status de direito subjetivo, já que pode seu titular exigir prontamente do Estado que ele se abstenha de interferir na sua esfera de autonomia privada. O que não corresponde à realidade tanto pelas razões acima referidas como porque 334: [...] a efetivação da pauta social constitucional somente será viável se os direitos fundamentais forem observados enquanto verdadeiros direito subjetivos, capazes de vincular os poderes públicos à realização das prestações positivas correspondentes ao seu objeto Logo, a dimensão subjetiva expõe os direitos sociais como direitos a prestações públicas, portanto, isso implica que eles deverão ser materializados por meio de serviços públicos e ações do Poder Público. 335 Assim, pelo serviço prestado ou pela ação do Poder Público o indivíduo adquire uma liberdade para alguma coisa – status de liberdade positiva- e uma vez adquirido tal status, nasce para o Estado a proibição de omissão em relação a essa prestação. 336 Então, lançar um olhar para os direitos sociais pelo ângulo da dimensão objetiva significa principalmente buscar qual considerado, institucionalmente, seu significado 334 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitba: Juruá, 2008. p. 95. 335 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. p.97 336 DIMOULIS, Dimitri. op.cit p. 19 171 para a "vida social como um todo" 337 . Portanto, podemos concluir que a dimensão objetiva procura respeitar toda a luta travada pela humanidade para sublinhá-los como, também sendo direitos fundamentais sociais, que acoplados aos direitos individuais de matriz-liberal burguesa, dimensionam objetivamente o âmbito de proteção da dignidade humana. Por essa perspectiva da dimensão objetiva se impõe ao Estado Constitucional Democrático de Direito que ele, por meio de suas atividades legiferantes reguladoras, reconheça os direitos sociais por meio de estratégias de positivação que os condense dentro de sua ordem interna para que ele, Estado, enquanto poder legítimo e justo, possa dentro do império da lei promover, respeitar e implementar direitos sociais. Tal atividade normativa –reguladora que promove a dimensão objetiva institucional dos direitos sociais se faz necessário porque, segundo Vidal Serrano Júnior 338: [...] Os direitos sociais devem ser enfocados a partir da premissa de que as relações sociais, se engendradas naturalmente, sem a intervenção do Estado, acabam por espelhar a correlação de forças no aparelhamento do fenômeno produtivo. Desse modo, as relações jurídicas estabelecidas se ressentem de uma atividade moduladora do Estado, que, verificando a existência de uma desigualdade ingênita em tais relações, deve, sobretudo por meio de lei, definir padrões de comportamento que coíbam o abuso do poder econômico. É o que ocorre nas relações de trabalho e de consumo. Além disso, é por meio desse conjunto de normas objetivamente instituído que o Estado poderá levar as pessoas a conjugarem ao que a doutrina portuguesa nominou ser liberdade igual, que vem a ser uma liberdade que aponta para a igualdade real, que segundo Canotilho é339: “o que pressupõe a tendencial possibilidade de todos terem acesso aos bens econômicos, sociais e culturais” A liberdade igual, portanto, acrescenta o autor: “torna indispensável uma tarefa de distribuição/redistribuição dos “bens sociais” entre: (1) classes e estratos das populações; (2) entre nações; (3) entre gerações” . Daí que, por conclusão, as normas 337 SILVA, Virgilio Afonso da Silva. Direitos Fundamentais-, conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 26. 338 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. P. 69 339 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit. p. 480. 172 constitucionais que consagram, como o próprio autor citado preconiza, em uma outra passagem, direitos econômicos, sociais e culturais acabam por modelar a dimensão objetiva dos direito sociais de duas formas: 1) Por meio de imposições legiferantes, "apontando para a obrigação de o legislador actuar positivamente criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos"; 2) E pelo "fornecimento de prestações aos cidadãos, desenficadoras da dimensão subjetiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das imposições institucionais.” Ademais, é pelo exercício da dimensão objetiva dos direitos sociais que o Estado vai conseguir consagrar seu perfil como um Estado Social Democrático e Integralizador. Pois, quando o Estado os tem na sua ordem interna de maneira objetiva cria socialmente um cultura de respeito pelos direitos fundamentais sociais, já que, assim, os direitos individuais e sociais reconhecidos como “instituições sedimentadas no tecido social e que devem condicionar ações individuais e coletivas.”340 Importante destacar que a dimensão objetiva dos direitos sociais sendo em si esse “conjunto de normas através dos quais o Estado leva a efeito sua função modeladora e equilibradora da relações sociais”341 configura, também, limites imanentes aos princípios da ordem econômica constitucional brasileira vigente. Assim, esse feixe de normas fundamentais que dizem respeito aos direitos sociais, que estão instituídos objetivamente em especial pelo artigo 1º. inciso IV, ab initio, que proclama serem “os valores sociais do trabalho” fundamento da República Brasileira e os direitos sociais direitos fundamentais que em primeiro se apresentam de forma geral no artigo 6º e depois são mais do que suficientemente concretizados no mesmo nível constitucional pelo titulo VIII, devem servir de limites ao exercício das atividades capitalistas, ainda que elas também tenham embasamento constitucional, 340 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. p.13 341 Idem, Ibidem, p. 13 173 visto que as funções objetivas dos direitos fundamentais, incluídos os sociais, exercem sobre o ordenamento jurídico em geral funções de critérios para interpretação prevalecente e conformação do direito, o que irradia sua eficácia por todo o ordenamento jurídico, constitucional e infraconstitucional, principalmente visando à proteção dos mais fracos; e o mais fraco numa economia capitalista é o trabalhador, daí também creditarmos do porquê ter a Ordem Social por base o primado do trabalho, artigo 193, ab initio. Não podemos, todavia, olvidar como bem assevera José Felipe Ledur342, que a regra constitucional do artigo 60, § 4, inciso IV da Constituição é o que bem revela o extraordinário significado da dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais em nossa ordem jurídica- constitucional porque se quer qualquer proposta de deliberação tendente a aboli-los poderá ser posta na mesa congressual para discussão. No entanto, essa questão do limite imanente dos direitos fundamentais sociais que é levantada pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais nos remete ainda a uma outra questão sobre a liberdade igual que, vista sob essa perspectiva, passa a ser a liberdade de todos, portanto, nos remete a idéia de que a “liberdade não é algo natural, pré- jurídico ou algo semelhante”, ela adquire um viés institucional, “algo criado e desenvolvido no âmbito e a partir do direito. Portanto, liberdade é- é só pode serliberdade regulada e delimitada pelo direito.”343 Essa é a teoria institucional de Peter Härbele dos direitos fundamentais, que nos remete a idéia de que os direitos fundamentais tem uma função social, conforme aportamos anteriormente, conformadora inclusive sob a formação da personalidade das pessoas que vai se refletir na comunidade, de sorte que o sua vivência não traça apenas o perfil do Estado, modela também o perfil das pessoas, porém desde que elas tomem conhecimento adequado sobre eles. 2.7.6 Direitos sociais e o standard mínimo social 342 LEDUR, Jose Felipe. op. cit. p. 91 343 SILVA, Virgilio Afonso da Silva 174 Depois do exposto sobre direitos fundamentais humanos e sociais, que incluiu a formação de seu complexo conceito, análise de suas dimensões, funções e objetivos. ainda levando em consideração atualmente são eles protegidos pelo constitucionalismo global, será que podemos chegar à conclusão do que seja um mínimo vital material e imaterial para que uma pessoa humana tenha uma vida digna? Há realmente uma prédeterminação jurídica daquilo que o Estado deve prestar? Se há, qual o seu limite? Ou, a cada vez que o Estado alcança um patamar de dignidade material ele está obrigado a ascender a mais um? E ainda, o Estado poderá retroceder alegando que esse ou aquele direito social não pode mais ser prestado dado as circunstâncias que rodam a realidade política e financeira do Estado? Ainda que todas essas possam parecer simples, a bem da verdade o conceito de mínimo vital vai requer do seu estudioso uma profunda reflexão para ser ao menos minimamente elaborado, pois ainda que tal conceito esteja, principalmente, ligado à aquisição de bens materiais para que se possa usufruir de uma vida digna, o quanto e a qualidade daquilo que se adquiri para esse fim de fato, também sofreu variação no tempo e no espaço e ainda pode variar muito de uma cultura a outra. Além disso, trabalhar a questão do mínimo vital têm se revelado uma das questões mais importantes posta em pauta pelo Estado e requer prontamente soluções, o que por si só já é mais do que suficiente para seja a sociedade conclamada para um debate. Isso porque fator importante na consecução de políticas públicas que efetivem direito sociais é criar ferramentas extra-judiciais de cobrança e fiscalização que envolvam a concreção dos direitos humanos fundamentais sociais prestacionais: educação, saúde, moradia, segurança e previdência. A operacionalização e as ferramentas que podem propiciar esse tipo de fiscalização, por parte do cidadão, devem ser levantadas por meio de um debate público. Nesse sentido, um debate público revelaria a maneira como o Estado tem trabalhado ou não as questões da concreção de políticas públicas sociais, colocando em pauta a análise de qual é a real distância entre dever ser constitucional e ser constitucional. Dessa forma, podemos inferir que é pelo efetivo debate sobre o mínimo vital que poderemos, enquanto cidadãos, verificar qual é a real parcela de responsabilidade constitucional sobre a efetivação dos direitos sociais que cabíveis aos poderes públicos e as nossas instituições, bem como a parcela que lhe cabe enquanto cidadão. Esse pensamento é corroborado dado que o Estado Constitucional de Direito Democrático e Republicano, que é intrinsicamente ligado à idéia de justiça de cada um, não pode ser desassociado da idéia de justiça social. 175 Todavia, no que diz respeito ao coletivo da sociedade, será pelo debate público daquilo que abrange o conteúdo do mínimo vital que as pessoas poderão expressar, por meio de sua voz, se a concretização de políticas públicas correspondem e satisfazem sua idéia de justiça social, ou seja, a sociedade poderá, principalmente, avaliar se a escolha de suas instituições, que exercem um papel instrumental bastante importante na justiça é apropriada, tanto do ponto de vista de sua adequação organizacional quanto pela avaliação real do tipo de vida que as pessoas estão realmente levando, isso porque, conforme afirma Amartya Sen344: “A justiça está fundamentalmente conectada ao modo como as pessoas vivem e não meramente à natureza das instituições que a acercam” Do ponto de vista da dogmática jurídica, um debate a cerca do mínimo vital fará com que a doutrina e a jurisprudência correlacionem o conteúdo dos valores supremos constitucionais aos conteúdos que as normas constitucionais sociais encerram; um exercício de interpretação, que toma como ponto de partida conceituar o que seja um mínimo vital que permitirá ao intérprete um maior vislumbre, tanto da estrutura das normas sociais que têm que se concretizar por meio de políticas públicas sociais, como também vai acabar por abrir caminho para que nos aprofundemos nos conceitos analíticos e empíricos que foram se desenvolvendo em volta do assunto. Esse tipo de construção necessariamente tem que analisar casos concretos judiciais e sociais, ainda porque, conforme assevera Amartya Sen, tal análise nos torna continua e gradativamente mais aptos a detectar injustiças remediáveis que, em geral, estão, mais ligadas as transgressões de comportamento dos agentes frente as essas instituições do que a defeitos institucionais. Ademais, muito das injustiças, acrescentamos pode estar diretamente correlacionadas com interpretações equivocadas realizadas por aqueles que devem proteção jurisdicional aos direitos fundamentais. Daí, a imensa importância de se correlacionar o mínimo vital com a chamada reserva do possível e ainda correlacioná-lo com o estudo da possibilidade do controle de constitucionalidade no que diz respeito à matéria financeira e orçamentária, já que essas funcionam como instrumentos que garantem a realização dos direitos fundamentais. Afinal, no mundo fenomênico como vimos o acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais está profundamente associado a um conjunto de condições 344 SEN, Amartya. A idéia de justiça. op.cit. p. 12 176 econômicas, sociais e culturais que a rigor, não fazem parte do regime jurídico desses direitos, conforme aportamos. Importante ressalvar ainda que o deflagração de debates públicos sobre o standard social mínimo incondicional nos levará à compreensão do quanto já caminhou a extensão da segurança social que constitui, conforme Marcel Laloire345, outro do mais importante fenômeno do nosso tempo, já que, segundo ele, é do conhecimento geral o pensamento de Lord Beveridge346: ‘de que a segurança social deveria ter por objetivo assegurar o mínimo vital a todos os cidadãos de um país. Um mínimo que lhes garanta existência face à qualquer tipo de vicissitudes da vida.’ Entretanto, a verificação de tal alcance nem sempre é fácil, pois mesmo após quase um século do aparecimento das primeiras leis e Constituições e podemos dar de exemplo a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de 1919 de Weimar que consagraram, em especial, aos trabalhadores, um salário mínimo que lhes garanta alguma segurança social contra riscos profissionais, doenças, invalidez, acidentes ou desempregos e ainda que tenhamos ao largo de todo o século XX realizados inquéritos tanto no plano nacional como no internacional que demonstram que a humanidade nesse setor alcançou um certo progresso social conseguiram até que apontam que algumas civilizações alcançar um limiar que ultrapassa a miséria - o que, por si, já demonstra que apenas um esforço geral de solidariedade poderia definitivamente levar a cabo tal objetivo ambicioso em quase todos os Estados- nações - a verdade é que mesmo nos países tidos como países desenvolvidos a consecução da segurança social na realidade encontra-se muito aquém de seu projeto ambicioso de levar a todos um mínimo vital, pois segundo Marcel Laloire, a solidariedade nacional não é perfeita na medida em que muitas delas sem qualquer consideração aos fatores discriminatórios acabaram estabelecendo regimes jurídicos distintos para operários, empregados, mineiros, marítimos ou trabalhadores independentes, fazendo com que a realidade se encontre ainda longe de um outro princípio básico da segurança social que impõe que se há identidade de necessidades deve haver também identidades nas prestações. Porém, e 345 MARCEL, Laloire. O que é o Mínimo Vital? in: Análise Social. Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. n. 19 Vol. V, 1967, p. 373-382. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224251406G7xNH9uk3Yy15TR7.pdf Acesso em: abril de 2012. 346 LORD Beveridige foi um economista britânico que ficou conhecido como “pai da segurança social” 177 apesar dessas deficiências, continua Marcel a explicar, que inclusive, se passaram assim devido às condições difíceis que determinavam a introdução do conceito de segurança social, na verdade de uma maneira geral, ela, a segurança social, em especial nos países desenvolvidos vem caminhando para uma proteção generalizada e uniforme, se comparado com o que já se passou. E isso porque as instituições internacionais como, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho, a Comissão Econômica Européia, vem tentando, muito eficazmente, segundo ele, harmonizar as legislações nacionais a conseguir uma melhoria de condições para todos os povos, qualquer que seja seu grau de desenvolvimento econômico.347 Entretanto, nos países não desenvolvidos e mesmos naqueles em desenvolvimento ou ditos emergentes, o quadro não se configura tão otimista. Muitos fatores sociais, políticos e jurídicos impedem o trabalho dessas instituições internacionais, e mesmo suas investigações, para que se realize um diagnóstico preciso e correto, é quase impossível de se realizar. Porém, tais diagnósticos, é preciso considerar, são de fato muito importantes para que se estabeleça a cada época o que seja um mínimo vital para cada cidadão ou grupo de pessoas que estejam vivendo dentro de um determinado espaço territorial. As análises, ainda que dentro de circunstâncias difíceis, já realizadas demonstram que os Estados devem trabalhar com prioridade em políticas públicas de inclusão, principalmente daqueles que estão sendo segregados ou marginalizados pelos vários níveis e espécies de pobreza. Portanto, por parte do Estado trabalhar um standard mínimo vital vai requer principalmente que seus órgãos, agentes e instituições tenham em mente e bem claro qual o tipo e o nível de pobreza que estão objetivando erradicar, por meio de políticas públicas considerando que cada uma delas deve visar um mínimo a ser atingido. O que vai impor ao Estado o dever de realizar estudos psicossociais e econômicos por toda a sociedade para poder conceituar quais os tipos e os níveis de pobreza que assolam o país e desta forma verificar e identificar quais pessoas e grupos de pessoas estão sendo segregadas, quer seja pelo afastamento ou pela manutenção de uma distância topológica, e quais estão sendo marginalizadas, quer seja por uma instituição, quer seja por um grupo social, ou ainda que estejam sendo marginalizadas ou segregadas, porque a elas foi fechado o acesso a bens ou recursos.348 347 LALOIRE, Marcel. op. cit. 374-375. 348 Idem, Ibidem. 374. 178 Tudo isso porque na prática conceituar e identificar um standard mínimo vital se faz necessário para que se estabeleça algum tipo de igualdade substancial entre as pessoas, já que todas nascem dignas e devem ser tratadas com igual consideração e respeito. Desta forma, trabalhar e correlacionar pobreza e standard mínimo vital requer que o Estado faça um análise profunda da sua sociedade sob vários aspectos: sócio-histórico, cultural e ambiental, para compreender de que maneira essas “pessoas ou grupos de pessoas que são objetos de distinção estão se construindo como uma categoria à parte das demais.”349 Porém, estabelecer o conceito de pobreza e a sua abrangência também não é tarefa simples, já que esta se dá em várias dimensões e em geral é cumulativa. Fato é que quando uma pessoa se encontra em estado de pobreza todos seus níveis de dignidade de pessoa humana estão desprotegidos, e isso a torna extremamente vulnerável a todo tipo de infortúnios da vida. Mas, a pobreza, condição mínima da qual devemos partir para trabalhar o conceito do que seja um mínimo vital, não está apenas correlacionada à falta de recursos materiais, mas também se correlaciona com a impossibilidade ou distância do acesso a recursos que possam potencializar seu completo desenvolvimento, como por exemplo, em relação aos recursos culturais ou educacionais, e mesmo espirituais. Assim, estabelecer um standard mínimo vital significa antes de tudo prover acesso a recursos materiais que mantenham a vida e a saúde física de uma pessoa, mas, com certeza, a conceituação e a mensuração, de um standard mínimo, não pode parar por aí, esse é apenas um ponto de partida. Por isso Marcel Laloire350 diz que considerar os progressos levados a cabo no decurso de um século se faz importante e incontestável para que possamos conceituar o que seja um mínimo vital, até porque ainda é possível vislumbrar, mesmo em países desenvolvidos, largas zonas de pobreza. Assim, o autor, preliminarmente, partindo da análise de dados dos Estados Unidos da década de 1960 passou a enfrentar qual é o conceito de um mínimo vital. 349 JODELET, Denise. Os processos Psicossociais da Exclusão em As Artimanhas da Exclusão Análise pscissocial e ética da desigualdade social - org. por BADER, Sawaia.,p. 54 350 LALOIRE, Marcel. op. cit. p. 377 -378. 179 Segundo ele, na década citada, começaram a aparecer importantes obras que descrevem e analisam a pobreza, em especial nos Estados Unidos e que vão correlacioná-la com o mínimo vital, destacando-se entre essas obras o relatório intitulado de “Poverty and affluence” que foi realizado sob a direção de Oscar Ornatti da Nova Escola de Investigação Social de Nova Iorque e por ele detectou-se três níveis ou três limiares de pobreza: a) subsistência mínima; b) mínimo adequado; c) conforto mínimo. Sendo que tais níveis foram determinados em função do que a sociedade considerou, em diferentes datas daquela época, como sendo necessidades mínimas. E o que conseguiu demonstrar tal estudou é que pessoas ou famílias podem apresentar uma única ou várias características de pobreza; entre tais características estava relatado o fato de não serem, em geral da raça branca, serem originário de uma determinada região rural, ou ainda constava com tais características de pobreza aqueles que tinham mais de 65 anos, ou ainda quem estava entre as idades de 14 a 24 anos. Dado que, estar nessa faixa etária lhes impunha um rendimento inferior àqueles que as normas estipulavam como um mínimo para subsistência adequada. Por esse estudo, também ficou evidenciado que tais pessoas e famílias sobreviviam em más condições de alojamento, com carência de instrução e com saúde deficiente, além de estarem desempregadas. De maneira que, àquela época, nos Estados Unidos, poder-se-ía chegar a um standard mínimo vital adequado para se viver dignamente desde que houvesse acesso a boas condições de alojamento, um mínimo básico de instrução e acesso a serviços que promovessem a saúde dessas pessoas. E ainda, conforme o autor citado, foi um outro estudo semelhante a esse, realizado na França entre os anos de 1942 e 1943, pelo centro de Investigação e Documentação sobre Consumo, tinha por objetivo calcular o custo de uma criança, contudo, acabou apontando que as famílias que tinham mais de um filho constituíam um meio desfavorecido do ponto de vista do rendimento familiar, já que cada criança suplementar (termo do referido estudo) podia acarretar uma diminuição do rendimento disponível por membro da família em até 33%. Esses dados podem levar a análise de que 33% das famílias francesas não dispunham de qualquer reserva monetária, e que até 40% dessa famílias não podiam gozar de férias, já que elas tinham uma carência de recursos suficientes o que colocava fora da análise o lazer quanto ao que poderia vir a ser um mínimo vital. 180 Assim, em face de tais dados, Marcel Laloire começa a apresentar a definição e a mensuração do que seja o mínimo vital o que o faz, principalmente a partir do estudo de N.N. Franklin351 publicado na Revue International du Travail, de abril de 1967, que surgiu de uma deliberação da Conferência do Trabalho, realizada na sessão de 1964, que tinha por objeto estudar a noção e a medida das necessidades mínimas do homem. Ele postula que de acordo com N. N. Franklin as necessidade mínimas de um homem englobam: a) em primeiro: as necessidades físicas, ou seja, tudo aquilo que lhe é necessário para manter a vida e lhe conservar a capacidade de trabalho; b) em segundo: compreende igualmente as necessidades sociais geralmente associadas aos costumes de uma comunidade. Assim, de acordo com o estudo de N.N. Franklin, acrescentamos que tais necessidades sociais mínimas surgem ligadas à noção de dignidade humana352: [...] a idéia de base, hoje comumente aceite, é a de que nenhuma família deveria ser forçada, por sua condições de penúria, a viver de tal modo que se distinga radicalmente de outras famílias do mesmo grupo social e não possa participar dos usos e costumes estabelecidos na sua própria coletividade. Destaca ainda Marcel Laloire que N.N. Franklin acaba por expor e comentar em seu estudo vários outros inquéritos realizados em vários países do mundo que tiveram a intenção de calcular as necessidades mínimas de um homem. Mas, o autor dá destaque, em especial, ao da África do Sul que tentou calcular o “limiar da pobreza”, sendo que para tanto definiu tal como sendo o limiar da pobreza: “uma estimativa do rendimento necessário a uma família para atingir um mínimo determinado de saúde e de dignidade”, o que fez com o mínimo vital fosse foi calculado em função do custo de um orçamento correspondente ao estritamente necessário, a saber: a) considerando o sexo e a idade de cada membro de uma família ela deveria ter uma quantidade e uma variedade tal de produtos alimentares que lhes fornecesse o valor 351 N. N. FRANKLIN,. La notion et la mesure du minimum vital. Revue Internationale du Travail Genebra: Abril 1967, p. 301-332. 352 LALOIRE, Marcel. op. cit. p.379. 181 em calorias, proteínas, gorduras e vitaminas necessárias que as pudesse manter com saúde, sendo ainda que tal alimentação deveria seguir os hábitos alimentares da coletividade; b) um ser humano tem que dispor do mínimo de vestuário indispensável à manutenção de sua saúde e ainda compatíveis com a decência; c) um mínimo de combustível e alimentação para manutenção de sua saúde. d) um mínimo de artigos de higiene e manutenção para uso pessoal e doméstico; e) um mínimo para transporte entre domicilio e local de trabalho para aqueles da família que tivesse trabalho remunerado. f) o custo com alojamento. E nesse sentido, afirma Marcel Laloire, o estudo da África do Sul é mais interessante não pelo que define, contudo e principalmente pelo que omite, pois nada nele se refere: a educação, a despesas com lazer, medicamentos, compra de artigos para aprimoramento cultural como compra de jornais ou revistas, ou ainda menciona qualquer outro tipo de despesa supérflua que poderia demonstrar que a vivência em sociedade também faz parte do mínimo vital o que o faz concluir que tal estudo não era compatível com um meio de “vida humano”, pois o mínimo nele disposto, ao menos teoricamente, consistia em assegurar uma sobrevida com um mínimo de manutenção da saúde física, o que se aplica, concluímos ao qualquer outro ser vivo. Por isso relatarmos as conclusões de Franklin sobre seus estudos: 1) apesar de todas as dificuldades na tentativa de definir um conteúdo concreto do que seja um mínimo necessário vital, “numerosos países persistem em esforçar-se nesse sentido, tendo esses esforços na conta de úteis”; 2) após diversas tentativas, os resultados obtidos demonstram e acusam que medir as necessidades mínimas variam muito de país a país e dentro de um mesmo país ainda variam de época em época. 182 Entretanto, tais diferenças, diz Laloire, são em grande parte explicáveis em virtude da evolução histórica do que seja a concepção de necessidades mínimas. De modo, está patente que nos países pobres, a concepção do que seja um mínimo vital recai quase sempre em apenas suprir as necessidades biológicas ou físicas. Porém, na medida em vai se elevando o nível de vida, as necessidades sociais vão ganhando caudatariamente importância, o que inclusive, bem observa o autor referenciado, reflete na feitura das normas que, por exemplo, incidem sobre a organização do respeito ao direito do trabalho, e acrescentamos educação. Nos países pobres, diz o autor, fica evidente que as leis procuram regular as regras que dizem respeito, principalmente, ao rendimento físico dos trabalhadores, como duração da jornada e idade mínima de admissão para o trabalho. Já nos países mais avançados, desenvolvidos e em desenvolvimento as leis trabalhista não se restringem apenas a proteger a dignidade física de seus trabalhadores, elas visam também proteger sua saúde psíquica e mental. No entanto, Marcel Laloire também frisa que para conceituar o mínimo vital e correlacioná-lo com a pobreza é fator importante já que haja, além do já expusemos, um alcance prático no campo do trabalho, visto que em um grande número de países a pobreza serve de critério para se fixar o salário mínimo, pois por toda parte vigora o principio segundo qual todo indivíduo que trabalha a tempo completo deve receber um salário de base que lhe permita ao menos subsistir. Porém, isso vai, segundo o autor, levantar três questões: a) o que se deve entender por salário base? b) quantas pessoas devem poder viver desse salário? c) admitindo que a supressão da pobreza seja um dos objetivos mais urgentes da política social, em que medidas deve se socorrer ao aumento dos salários mínimos e em que medida a outros meios? Nesse sentido, a afirmação de Franklin, e nisso compreendido por Lailore, é pertinente postular que salários baixos, de fato, podem vir a ser uma das grandes causas da pobreza e por isso há a necessidade que se fixe salários mínimos.353 Porém, conforme assevera Daniel Sarmento citado por Luciane Moessa, nem sempre é possível garantir um mínimo vital mesmo que se assegure constitucionalmente um salário mínimo, a exemplo do que faz o Brasil, pois certamente ainda que ele seja 353 LALOIRE, Marcel. op. cit. p. 383. 183 previsto como um direito social, pelo artigo 7º, ele não está garantido no seu núcleo essencial e: “possivelmente não poderia sê-lo, dados os efeitos perversos que uma provável espiral geraria na economia corroendo imediatamente seu valor.”354 De maneira, Laloire conclui que é impossível fixar um mínimo vital igualmente aplicável à todos os países (ainda que eles fixem um salário mínimo que tenha a função de lhes garantir isso), pois as situações são demasiados diferentes de um país para o outro, já que os fatores em causa são numerosos: “o clima, as condições, a higiene, o grau de desenvolvimento econômico, o nível de instrução, os recursos alimentares, as necessidades físicas e sociais, os fatores religiosos os preconceitos raciais, etc.” Nas palavras do referenciado autor sobre o mínimo vital : “O que basicamente importa é a vontade de, em toda parte e por todos os meios possíveis, elevar o nível de vida da grande massa da população, afim de que ninguém viva aquém do limiar da pobreza.”355 Desta feita, podemos observar que a questão de delimitação do que seja mínimo existencial tem uma ordem fática econômica. Tal questão tem sido enfrentada pelos economistas e juristas desde que a humanidade se deparou com a realidade das atrocidades cometidas na II Guerra Mundial. Paralelamente ao movimento moderno do constitucionalismo e da internacionalização dos Direitos Humanos o economista Amartya Sen356, juntamente com outro economista, Mahbud ul Haq, questionaram sobre os muitos males que assombram o mundo: pobreza, fome coletiva, subnutrição, destituição e marginalização social como instrumentos de privação de direitos básicos o que impõe carência de oportunidades, opressão e insegurança econômica, política e social. Fizeram esse mapeamento enfrentando uma questão básica ao examinarem os dados de várias nações “o que de mínimo os seres humanos necessitam para serem felizes?” 354 SOUZA, Luciane Moessa de. Reserva do Possível versus Minimo Existencial: O Controle de Constitucionalidade em Matéria Financeira e Orçamentária como Instrumento de Realização dos Direitos Fundamentais. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/luciane_moessa_de_souza2.pdf Acesso em: abril de 2012. 355 356 LALOIRE, Marcel. op. cit. p. 383. SEN, Amartya Kumar. “Desenvolvimento como liberdade.” 8ª tiragem. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. apresentação 184 Ao fazerem essa análise concluíram que o maior desejo das pessoas é vivenciar e desenvolver suas liberdades tendo uma vida longa com acesso a educação e ao menos um mínimo material para usufruir disso. Daí eles terem criado e elaborado o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH - que pode ser utilizado em cada país, para que ao menos, enquanto índice possa servir de parâmetro para que os governos possam identificar e potencializar aquilo que seja um mínimo existencial para viver dignamente dentro de seu território. Sobre o objetivo básico do Desenvolvimento diz, sinteticamente, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento357: O objetivo básico do desenvolvimento é ampliar as opções das pessoas. Em geral, as pessoas valorizam coisas que não se mostram, ou pelo menos não imediatamente, nas cifras de receita nem de crescimento. Essas incluem coisas como maior acesso ao conhecimento, melhor nutrição e serviços de saúde, meios de vida mais seguros e segurança contra o crime e a violência física. As pessoas, também, valoram o tempo de espaçamento e as liberdades políticas e culturais e a participação em atividades comunitárias.” Portanto ‘devemos ver o desenvolvimento humano como um processo de ampliar as gamas de opções e liberdades das pessoas’. Os indivíduos têm um bom motivo para valorizar e desejar essas opções. Por isso é um processo que deve permanecer flexível e dinâmico que vai se adaptando às diversas situações que vão se modificando com o passar do tempo assim como fazem as pessoas e as comunidades. O primeiro informe sobre desenvolvimento humano de 1990 menciona que os elementos mais críticos do processo de desenvolvimento humano são viver uma vida longa e saudável, estar educado e ter acesso aos recursos necessários para lograr um nível de vida digna. Devemos recordar que estas três opções básicas não são as únicas fundamentalmente, as opções chaves no enfoque de desenvolvimento humano são ilimitadas e abarcam ter acesso a atenção médica, educação e receitas (salário), uma vez que se promove a participação na vida da comunidade, assim como dignidade e respeito. O enfoque de desenvolvimento humano inclui todos os aspectos das liberdades econômicas, políticas e sociais e culturais, as quais são direitos humanos. Para nós, brasileiros, conforme dissertamos, são direitos humanos os direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, pelo § 2º art. 5º, logo direitos que vinculam e obrigam os poderes públicos brasileiros a dar consecução a políticas públicas e força ativa, inclusive às chamadas normas constitucionais de cunho programático que veiculam direitos sociais prestacionais, principalmente, e em especial 357 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: http://www.pnud.org.br/idh/ acesso em: setembro de 2009. 185 aquelas cujo objetivo principal é que progressiva e continuamente o Brasil conquiste, ao menos para milhões de pessoas que estão em estado de profunda miserabilidade um mínimo vital para uma vida digna. Nesse sentido, o IDH é um índice importante e que deve ser necessariamente utilizado pelos agentes e órgãos dos poderes públicos, bem como por todos aqueles da sociedade que trabalham em colaboração com eles, para que, principalmente, tendo esses dados e indicadores sociais em mãos, possam impedir a insuficiência das prestações sociais bem, como seu retrocesso daquilo que, caudatariamente, deva ser garantido a todos como standard mínimo vital. Conclui-se, portanto, que o IDH trata-se de um instrumento de otimização dos princípios constitucionais que deve ser usado pela nossa ordem jurídica, econômica e social. No entanto, infelizmente, apesar de haver um cálculo anual e a publicação de nosso índices de desenvolvimento humano não contam com muita divulgação e não é levado tão à sério como deveria; e muitos políticos os usam apenas como instrumento para fins de eleição. Portanto. ainda que seja um índices de valor relevante não têm gozado em nosso meio da devida valoração pelos poderes públicos como um verdadeiro instrumento capaz de otimizar a prestação de direitos sociais prestacionais. Isso porque muitos governos, e isso inclui o brasileiro, ainda dão demasiada atenção ao PIB – produto Interno Bruto, o que para o IDH é apenas um dos dados, ou seja, não é único fato-dado a ser considerado para seu cálculo. A mudança de foco sobre os índices dos indicadores é importante na medida em que a utilização direta de indicadores que apontem os níveis de qualidade de vida, do bem estar e das liberdades que as vidas humanas podem trazer consigo, baliza com maior precisão a efetiva realização dos programas e metas estabelecidos nas normas programáticas da Constituição, já que o IDH leva em consideração que as pessoas são as verdadeiras riquezas das nações e que o melhor parâmetro para medir o progresso é a qualidade de vida delas. Porém, isso não significa dizer que devemos desprezar os números apresentados pelo PIB que medem as subidas e descidas dos rendimentos nacionais bem como a riqueza produzida pelo país, pois é da análise desses dados que podemos vislumbrar como andam as origens todo nosso sustento e a circulação de nossas riquezas. Nossa crítica se delimita na consideração isolada do PIB, ou seja, sem associá-lo a outros indicadores sociais e políticos, que sinalizem o andamento do direito à educação, à saúde e a liberdade das pessoas. Acabaremos compreendendo que o bem estar humano está apenas ligado à riqueza material, o que não é verdade por razões óbvias. Logo, não devemos 186 superestimar a importância da conquista da estabilidade econômica que vêm pela análise do PIB, entretanto, tão somente devemos considerá-lo como único indicador correto para apontar aquilo que seja um mínimo vital. Não dar a devida importância ao IDH como instrumento útil e como um indicador pode de fato significar que estamos desprezando as escolhas que surgem quando há rendimentos suficientes para os estudos e a boa saúde e aquilo que essencialmente pode ser potencializado por cada um daqueles que vivem em um país que não é governado por uma tirania e que tem na sua base uma Constituição viva com uma função integrativa como é o caso do Brasil. Do ponto de vista jurídico dogmático de acordo com o que nos ensina Andreas Krell 358 , o conceito de um mínimo existencial é um conceito que em primeiro foi desenvolvido pela jurisprudência alemã no de 1951, pois, a Constituição de Bonn de 1949 não positivou direitos sociais como havia feito na Constituição de Weimar, mas apenas por seu artigo 20 instituiu o Estado Social, de maneira que a dogmática alemã teve que desenvolver determinados conceitos e entre eles se encontra o direito a “um mínimo de existência”: A corte constitucional Alemã extraiu o direito a um ‘um mínimo de existência” do principio da dignidade da pessoa humana (artigo, 1, I, Lei Fundamental) e do direito à vida e a integridade física, mediante interpretação sistemática junto ao princípio do Estado Social (artigo 20, I, LF). Assim, a Corte determinou um aumento expressivo do valor de ‘ajuda social’ (Sozialhilfe), valor mínimo que o Estado está obrigado a pagar aos cidadãos carentes. Nessa linha, a sua jurisprudência aceita a existência de um verdadeiro Direito Fundamental a um “mínimo vital. Do ponto de vista doutrinário, Luiz Edson Fachin afirma que 359 : “A existência humana digna é um imperativo ético que se projeta para o Direito a defesa de um patrimônio mínimo.” Essas considerações nos levam a compreender a existência do que Ricardo Lobo Torres denomina de Direito Existencial, apontando que não é qualquer direito mínimo 358 359 KRELL, Andreas. op.cit. p. 61 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1 187 que se transforma em mínimo existencial. Segundo ele, exige-se que esse direito se refira principalmente a situações existenciais dignas porque360: Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade. (...) O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-la na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão. Portanto, é correto e preciso o pensamento de Vidal Serrano Júnior que, partindo da idéia de que a teoria dos direitos fundamentais sociais tem colocado no centro das questões aquilo que convencionamos chamar de mínimo vital, vai alocá-lo, principalmente, como um dever constitucional que imposto ao Estado, vai obrigá-lo a levar a todos um “standard social mínimo incondicional.”361 Nesse sentido, a idéia do referido pensador está associado ao que caudatariamente se deve alcançar para dignificar a pessoa humana em todas as suas dimensões. Assim, a dignidade da pessoa humana é base e fundamento da idéia do mínimo vital como standard mínimo vital incondicional, pois quando se vislumbra o ser humano como um valor absoluto impõe-se a obrigação ao Estado para que, por meio de sua governança estatal, seja assegurado a cada um, que em seu território detenha, ao menos, um mínimo de bens sociais materiais e imateriais. Dado que é tal standard mínimo vital incondicional que vai assegurar ao indivíduo o êxito de manter-se a salvo (autopreservação), como também é por causa desse tipo de prestação que se lhe vai assegurar completa integração à sociedade. Por isso, assevera o autor referido acima que a Constituição Brasileira de 1988 hospedou claramente essa perspectiva de um standard mínimo incondicional362: 360 TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.25-36 361 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 70 362 Idem, Ibidem, p. 71 188 Citemos, a título de exemplo, algumas das disposições constitucionais claramente orientadas nessa direção: primeiro, a indicação da cidadania como fundamento do Estado (art.1º, III); segundo, a previsão da erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades sociais como objetivo do Estado (art.3º, III); terceiro, a identificação de que nossa ordem econômica, calcada na propriedade privada e na livre iniciativa, deve ter por objetivo propiciar dignidade a todos, segundo os ditames da justiça social. Vidal Serrano Júnior aporta, em face desse pensamento, que diante de normas como essa, ou se nega a juridicidade de dispositivos constitucionais ou “se admite que o Estado Brasileiro, não importando o momento e qual a orientação do governo, está orientado à realização do mínimo vital para todos os seus cidadãos.”363 Nesse sentido, fato notório e noticiado, por toda parte é que atualmente o governo Brasileiro vem combatendo a pobreza e a fome como nunca antes havia sido feito. Aderiu aos Objetivos do Milênio364 declarados pela Organização das Nações Unidas, juntamente com outros países, e também, em parte porque está dando atenção ao Texto Constitucional para cumprir exigências às pressões feitas por organizações internacionais. Logo, desenvolveu e está dando andamento progressivo às políticas públicas sociais de combate a pobreza e a miséria, por exemplo: “bolsa-família”, “sem miséria” e o “fome zero”. Programas como esses têm até se mostrados eficientes, consubstanciando-se, portanto, em bons exemplos daquilo que podemos considerar como boas políticas públicas sociais que, visando cuidar da pobreza por inteiro, efetivam vários direitos sociais, principalmente porque estão voltados para aqueles que nada possuem e, dessa forma, acabam por trabalhar diversas frentes da pobreza. Porém, o desenvolvimento de políticas públicas sociais que efetivamente concretizem direitos sociais que levem a todos um mínimo vital não pode ficar à mercê dos programas de cada governo, que como sabemos em uma democracia devem se 363 364 Idem, Ibidem, p.71 São objetivos do Milênio: objetivo 1: Erradicar a exterma pobreza e a fome objetivo 2: universalizar a educação primária; objetivo 3: promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; objetivo 4: reduzir a mortalidade na infâncias; objetivo 5: melhorar a saúde materna; objetivo 6: combater o HIV, a malária e outras doenças; objetivo 7: garantir sustentabilidade ambietal; objetivo 8: estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Disponível na internet: http://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/100408_relatorioodm.pdf. Acesso em janeiro de 2011. 189 revezar. O que irá exigir de todos aqueles que estão por um momento no poder o desenvolvimento de uma consciência de que a Democracia é mais do que um sistema de governo, ou seja, um direito fundamental e humano que visa proteger a dignidade de todos e que, desse modo, vai impor que, mesmo em face de suas convicções políticas, tais programas devem continuar fluindo progressivamente, até porque a continuidade de sua consecução também acaba por se revelar um mandamento constitucional que deve ser obedecido. O que a contrário sensu nos conduz a afirmar que aqueles que sucedem ao governo anterior estão impedidos por mandamento constitucional em retroceder no que já incorporado ao patrimônio mínimo existencial dessa pessoas que foram beneficiadas por tal política pública, salvo casos que venham a justificar tal atitude. No entanto, não significa dizer que estão aqueles que elaboram e executam políticas publicas sociais impedidos de modificar a forma e os procedimentos de tais programas, mas sim, que eles estão limitados a respeitar o que efetivamente já foi conquistado, o que lhes impõe de qualquer forma constância da realização de novas análises sociais para que elaborem novos orçamentos públicos, levando em consideração, acima de tudo, as vozes daqueles que dependem da continuidade desses programas. Também, significa dizer, que os direitos sociais que integram o mínimo vital como bem assevera Vidal Serrano Junior, não se submetem a eventuais restrições orçamentárias e, assim, não poderão ser mitigados em face de eventual interesse público secundário da administração pública. Afirmando-se, por outro lado, que a compreensão das análises sociais, bem como, os orçamentos públicos devem, segundo Vidal Serrano Junior citando Areli Sandoval Teran, apontar tanto para o que vem a ser um mínimo vital e o quanto é esse mínimo vital, e isso para cada direito que perpetrado por cada política pública. Nas palavras de Areli 365: Desde los anos ochenta se dessarrolon dos enfoques distintos pero complementários que ayudam a la mejor compreensión de los DES: el enfoque del contenido mínimo central (minimum core contenty) e el enfoque del umbral mínimo (minimum threshold). Ambos enfoques aputam hacia la determinacion del significado y nivel de cada derecho humano consagrado em el PiDESC; el primeiro lo hace desde uma perpectiva teórica, mietra que el segundo parte de uma perspectiva prática e um método cuantitativo. 365 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 72. 190 Daí concluir Vidal Serrano Júnior que isso implica dizer que os chamados: conteúdo mínimo vital e o chamado mínimo vital apontam que cada direito “tem um núcleo mínimo irremissível, associado à sua própria razão de ser.” Portanto, no que diz respeito aos direitos sociais que defluem de prestações essenciais determinadas pela Constituição, e que nos chegam por meio de políticas públicas sociais que, principalmente, derivam de normas programáticas que determinam ao Estado um deve de agir “sem, contudo, determinar precisamente como, quando e o que exatamente deve ser feito”366 devem obedecer ao princípio da proibição do retrocesso, que segundo Vidal Serrano Júnior, pode vir a ser entendido ainda como uma “espécie de direito social adquirido, que, deste modo, estaria salvaguardando, tanto a título individual como coletivo, por eventuais mudanças legislativas ou ainda por revisões administrativas do Poder Executivo.” Bem como, deve a administração pública do Estado e os legisladores, acatar o princípio da proibição de insuficiência que determina um mínimo de proteção suficiente, efetiva e adequada para a concreção de direitos fundamentais sociais. Isso porque a inconstitucionalidade, conforme ensina Lênio Streck, pode advir da proteção insuficiente de um direito fundamental social; tal ato de proteção suficiente decorre diretamente da necessária vinculação que os todos os atos estatais tem com a materialidade da Constituição, ou seja, a administração pública e o legislativo estão vinculados devido à dimensão objetiva que possui a Constituição, bem como à sua função diretiva, tanto para feitura e execução de leis que protegem direitos fundamentais sociais diretamente por normas programáticas como para organizar procedimentos que a elas darão concreção para que chegue às pessoas o mínimo vital. Tal princípio decorre de um dos corolários do princípio da proporcionalidade que dita a importância do sopesamento entre meios escolhidos e fins visados pelo poder público, que mitiga o poder de discricionariedade do legislador e do administrador público, que face à concretização de direitos sociais à prestação tem a conformação da liberdade de sua função limitada, principalmente, pelo princípio da dignidade humana que impõe que a todas as pessoas chegue um mínimo vital de bens materiais e imateriais.367 366 367 Idem, Ibidem p. 218. STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. in Revista da Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180. 191 Entretanto, como bem assevera Vidal Serrano Júnior, os direitos sociais freqüentemente são questionados face aos seus limites contingentes o que nos leva a enfrentar a sua eficácia como um problema específico. O que passaremos a fazer agora.368 2.7.7 A eficácia dos direitos sociais na sua dimensão prestacional restrita como problema específico 369 Por força do art. 5º § 1, os direitos fundamentais de defesa – direitos de primeira geração- são considerados diretamente aplicáveis, aptos a desencadear todos seus efeitos jurídicos. Entretanto, não podemos afirmar o mesmo para os direitos fundamentais à prestação que exigem por parte do Estado uma prestação não apenas de natureza normativa, mas principalmente de natureza fática. Desse modo, Ingo Sarlet 370 enfaticamente questiona: “Em que medida os direitos a prestações se encontram em condições de, por força do disposto no art.5º § 1º da CF serem diretamente aplicáveis e gerarem sua plena eficácia jurídica?” Partindo da premissa da regra geral de que inexiste norma constitucional destituída de eficácia e aplicabilidade, e como já acrescentamos que a Constituição goza de primazia sobre todas as demais normas e que sua instituição traça o perfil do Estado, o referido autor responde que os direitos fundamentais à prestação são direitos fundamentais. Portanto, nos termos do art.5º § 1º são diretamente aplicáveis, ainda que sua densidade normativa seja baixa, sempre gerando um mínimo de efeitos jurídicos. Afirmando ainda, que a eficácia de cada direito fundamental a prestação dependerá da forma como foi esse direito positivado no texto constitucional e das peculiaridades de seu objeto. 368 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 218. 369 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 280. 370 Idem, Ibidem. p. 283 192 Assim, o objeto dos direitos fundamentais sociais prestacionais é a prestação positiva por parte do Estado que objetivam a realização da igualdade material, tanto no sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais como na distribuição de bens imateriais até porque ainda e conforme Ingo apud lição de José E Faria que por nós também é acolhida 371: Os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regra de julgamento que implicam um tratamento uniforme: são, isto sim, um direito de preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios. Portanto, conclui372: [...] os direitos sociais a prestação, ao contrário dos direitos de defesa, não se dirigem à proteção da liberdade e igualdade abstrata, mas, sim, como assinalamos alhures, encontram-se intimamente vinculados às tarefas de melhorias, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como à criação de bens essenciais não disponíveis para todos os que deles necessitem. Entretanto, três exceções são feitas por parte do Estado para que essas afirmações jurídicas normativas e prescritivas que o vinculam à obrigação prestacional não se convertam em realidade. Uma é de ordem jurídica prescritiva, ou seja, seu objeto se consubstancia em uma prestação, o que impele que a redação e a linguagem do texto normativo exija um fazer por parte do Estado quer um determinado programa a cumprir ou uma determinada tarefa que deve ter consecução ao longo do tempo para que possamos exercitar o direito. Tais normas constitucionais são as normas de cunho programático, cujas redações impingem uma baixa densidade normativa justamente porque envolvem um processo de fazer que depende de uma série de fatores tanto de ordem econômica como de ordem política. Logo, muitos Estados, inclusive o brasileiros compreendem que tais normas não têm força jurídica necessária para aplicação imediata e o protegem de maneira insuficiente, dando por desculpas o próprio texto constitucional o que como vimos não é possível devido a proibição de proteção insuficiente. 371 372 . Idem, Ibidem p.283. Idem, Ibidem p. 283 193 A outra exceção que está diretamente ligada a essa baixa densidade normativa, que não consta expressamente em Nossa Carta, mas encontra-se nos Pactos Internacionais de Direitos Humanos que ratificamos, é a cláusula de progressividade373. que afirmar que apesar desses Estados estarem comprometidos a adotarem medidas, tanto pelo esforço próprio como pela assistência e cooperação internacional, principalmente nos planos técnicos e econômicos de dar consecução aos direitos econômicos, sociais e culturais que assegurem pleno desenvolvimento, eles o poderão fazê-lo de forma progressiva e até o máximo de seus recursos disponíveis. Entretanto, tal cláusula internacional que prescreve progressividade, entrou na nossa ordem por conta da dimensão material dada aos direitos fundamentais pelo art. 5º, § 2 da Constituição de 1988, que impõe como explicamos uma abertura da ordem Constitucional à internacionalização dos Direitos Humanos, fazendo com que o Brasil assumisse expressamente o conteúdo constitucional dos tratados internacionais. Lembrando sempre, que tais tratados e convenções densificam e aprofundam as normas e princípios da Constituição de 1988 o que alarga e aprofunda o nosso “bloco da constitucionalidade”374 que sempre deve ser avocado para aumentar o âmbito de proteção que deve ser dado à dignidade humana da pessoa e nunca diminuí-lo. Por isso mesmo, devemos compreender que a cláusula de progressividade não pode ser usada como limite e defesa pelo Estado para que ele não cumpra sua obrigação de proteger, implementar e garantir direitos sociais a prestação. Por isso consideramos mais uma vez ressalvar a importância da interpretação sistêmica sobre todos os pactos e convenções internacionais que ratificamos, considerando nesse caso o que também está determinado no Protocolo de San Salvador que, com a intenção de reafirmar o regime de liberdade pessoal e de justiça social, consagra que, o ideal de liberdade do ser humano somente pode ser cumprido se ele estiver isento de temor e de miséria, precisando que ao Estado cabe, principalmente, ver a progressividade como um contínuo que se mantém e se propaga no tempo e no espaço. Até porque, seria um contra senso se utilizar da cláusula de progressividade desses direitos como um obstáculo. Portanto, a cláusula de 373 Lembramos que tal cláusula de progressividade consta no artigo 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais foi ratificados pelo Brasil em 1992 e na Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, que é o pode ser considerado como o tratado que visa edificar de maneira mais concreta direitos humanos abarcando toda a cultura latino-america e norte americana, (aliás os EUA não ratificou), a cláusula de progressividade consta no art. 26. 374 PIOVESAN, Flávia. “Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional” op.cit. p. 55. 194 progressividade deve ser eleita como um mandamento de otimização constitucional que reforça a força normativa e a supremacia da Constituição para impor aos Estados o dever de constantemente buscar a melhoria, a concreção de dos direitos sociais prestacionais, diuturnamente, principalmente, por meio das medidas que implemente e concretize políticas públicas, nesse sentido. Tanto, para evitar a insuficiência do serviço prestado como, para impedir o retrocesso daqueles, que já se realizaram. Afinal, Políticas Públicas são necessárias, como ensina Mancuso e nisso também citado por Andreas Krell375: [...] como uma conduta da Administração Pública voltada à consecução de programa ou metas previstos em norma constitucional ou legal, sujeita ao controle jurisdicional no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados. Já outra defesa utilizada pelo Estado Brasileiro que está diretamente ligada à cláusula de progressividade, e que diz respeito aos limites circunscritos aos recursos econômicos do Estado, tem afirmado quem em questões judiciais o Poder Judiciário ao aplicar a lei a casos concretos não pode determinar quais sejam os direitos sociais que devem ser prestados, e se a essa ou aquela pessoa, pois estaria ele, principalmente, desenvolvendo política publica social sem legitimidade para isso, vez que isso não está dentro de sua competência. Porém, dado o fato de que os direitos sociais também são direitos públicos subjetivos o STF tem reiterado sua jurisprudência no sentido de determinar que, sim, tal direito deve ser prestado. Assim, por exemplo, se um hospital público recusa-se a internar uma pessoa doente apesar de vagas existentes, ou se nega a fornecer determinado remédio, porque caro demais, o STF e os Tribunais de Justiça estaduais já aceitam esse direito subjetivo individual.376 Porém, ainda há muito casos em que não 375 KRELL, Andreas J. op. cit. p. 32 e MANCUSO, Rodolfo de C. A ação civil pública de Controle Judicial das chamadas Políticas Públicas. In Milaré, Edis (coord.) Ação Civil Publica Lei 7.347/85- 15 anos, 2001, p.731. 376 Idem, Ibidem: "O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive 195 está reconhecido as pessoas o direito de poderem reclamar judicialmente a implementação de determinadas política pública sociais que visem assegurar seus direitos socais, ou ainda o direito de peticionar exigindo-se que se acompanhe e fiscalize a prestação dos serviços públicos que vão lhes garantir a vivência e maximização da efetividade dos direitos fundamentais sociais prestacionais, conforme foi aportado por Canotilho, ao expor a problemática da dimensão objetiva dos direitos sociais prestacionais, ou ainda, conforme, defende Ana Paula Barcellos, que como veremos defende o controle da feitura do orçamento por meio do controle de constitucionalidade. Segundo essa autora, pode-se e deve-se controlar os orçamentos públicos para que verifiquemos se estão sendo elaborados e executados de acordo com a primazia ou continuidade à serviços ou políticas públicas que efetivem direitos sociais prestacionais.377 Por isso, o problema vai além de termos legais que instituam esses direitos, como diz Andrea Krell378: A grande maioria das normas para os direitos sociais já existe. O problema certamente está na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos Estados e dos municípios. Convém ressalvar, também, que é por isso que a nossa Constituição tratou de positivar esses direitos como normas não apenas com dimensão subjetiva, mas também com uma dimensão programática, ou seja, que exige-se por parte do governo que ele planeje, sim, estratégias e programas para sua consecução de políticas públicas sociais inclusive dispensar com total zelo atenção e recursos para tanto. Pois afinal conforme afirma Andreas Krell379: àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade." (RE 271.286-AgR,, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, SegundaTurma, Plenário, DJ de 24-11-2000.) No mesmo sentido: STF 175-AgR, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 17-3-2010, Plenário, DJE de 30-4-2010. 377 SOUZA, Moessa, op.cit. p. 1. 378 KRELL, Andreas J. op. cit. p.32 196 Destarte, o critério legal vai se deslocando do enunciado da norma local para o programa governamental nela estabelecido, tornando-se impositiva para o Poder Público a busca de meios idôneos para implementar efetivamente os objetivos estabelecidos, donde resulta que a ineficiência na consecução desse mister sujeita o Poder Público à sindicabilidade dos seus atos e omissões, e conseqüente responsabilização de seus agentes. Daí a necessidade de frisarmos que a questão orçamental é de suma importância para prestação de serviços que veiculam direitos fundamentais sociais prestacionais como aqueles que dão concreção à educação e à saúde, a tal ponto que o Constituinte originário abriu exceção à regra da não vinculação dos impostos, deixando expressamente consignado, que Estados e Municípios devem aplicar, retirando da sua receita pública, que vem pela arrecadação de impostos, um mínimo para a manutenção e desenvolvimentos do ensino e da prestação de serviço público de saúde, o que vai configurar uma norma constitucional de garantia institucional que visa a proteção de uma instituição que está a serviço de concretizar direito fundamental, art. 212 e art. 198, § 2º da Constituição de 1988. Tais normas de aplicação mínima orçamentária consubstanciam-se em verdadeiras garantias institucionais380, sua elaboração parte do pressuposto que “existem direitos que não podem ser preservados fora de sua dimensão comunitária, uma vez que se projetam e realizam em meio as instituições sociais, cuja existência e proteção deve ocorrer por meio das assim chamadas garantias institucionais”.381 Por isso, mesmo, o ensino público e serviços de saúde pública possuírem uma proteção específica de ordem jurídica, que visa retirar do âmbito do legislador um poder de discricionariedade maior, impedindo que ele legifere criando qualquer tipo de interferência fática econômica que possa ameaçá-las, prejudicá-las ou impedir seu real alcance, já que sobre as garantias institucionais se reflete a mesma proteção que recaí sobre as cláusulas pétreas. Portanto, é mister afirmarmos que as garantias institucionais 379 Idem, Ibidem p. 32. 380 ARAÚJO, Luiz Alberto David, Serrano Nunes Jr., Vidal. op. cit. p.128. 381 Idem, Ibidem, p. 128. 197 nessa medida gozam do mesmo regime de proteção fundamental dos direitos, deveres e garantias constitucionais que visam proteger a dignidade da pessoa humana. Quando tratamos de direitos sociais prestacionais, sobre eles não impomos apenas uma eficácia formal ou jurídica, compreendida como a uma norma capaz de produzir efeitos jurídicos. Mas, impomos382: efetividade, que significa o real e concreto desempenho da função social do Direito que representa sua real materialização no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Desse modo, não podemos, no Brasil aceitarmos passivamente transferências de teorias jurídicas dos chamados países de primeiro mundo, como é o caso da teoria jurídica da reserva do possível, que vem sendo usada por União, Estado e Municípios como defesa judicial para não se concretizar direitos sociais prestacionais. Ainda que, conforme afirmamos, anteriormente, tenhamos que olhar para a nossa realidade, também, sob a perspectiva dos olhos da humanidade. Contudo, nos parece que se quisermos lograr êxito em desenvolvimento econômico e humano, antes de nós colocarmos sob o escrutínio do olhar constitucional alheio, precisamos dar força ativa a leitura da nossa própria Constituição Jurídica, que não pode estar dissociada de forma alguma da nossa Constituição Real. Visto que, segundo nos ensina Konrad Hesse, interpretar é concretizar, a eficácia social de nossa Constituição está condicionada pelos fatos concretos da vida do povo brasileiro, isso porque 383: “A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.” Trata-se, portanto, de se encontrar justo equilíbrio com o que podemos aprender como direito constitucional comparado e a nossa realidade, já que384: “A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade.” 382 KRELL, Andreas J. op. cit. p. 29 383 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. op. cit. p. 23. 384 Idem, Ibidem, p. 23. 198 2.7.8 O significado da Teoria da “reserva do possível” para o Brasil Krell e Canotilho veem a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de “uma reserva do possível” sinalando para sua dependência de recursos econômicos. O que significa compreender que a limitação dos recursos públicos passa a ser considerada verdadeiro limite fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais. Contudo, Krell aporta que385: “Essa teoria, na verdade, representa uma adaptação de um tópos da jurisprudência constitucional alemã (...) que entende que a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição da disponibilidade dos respectivos recursos.” Na Alemanha, tal teoria se fundamenta principalmente no acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional Alemão que teve que julgar a reclamação de um cidadão alemão que questionava a restrição quantitativa de acesso ao ensino superior, ou seja, seu pedido tinha por causa o fato de que não foram criadas vagas em número suficientes para que todos os alunos que desejassem fazer medicina em uma determinada universidade pública fossem atendidos. Desse modo, na Alemanha compreendeu-se que essa decisão sobre a disponibilidade estaria no campo de discricionariedade das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição do orçamento público. Portanto, impõe ao indivíduo que ele não pode exigir bens e serviços acima de um certo limite básico social. De tal sorte que salienta Ingo Sarlet386: “mesmo dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha dentro do limite do razoável.” Ou seja, mesmo que o desenvolvimento da personalidade reclame uma “gama cada vez maior de direitos de participação nos benefícios da vida associada, apontou o Tribunal Alemão que a realização desses direitos, quando extrapolarem o piso material 385 386 KRELL, Andreas J. op. cit. p.52 SARLET, Ingo Wolfgang. Ob.cit. p. 287. 199 necessário para a preservação da dignidade humana, deveriam se submeter, observando ainda o princípio da proporcionalidade, as reservas orçamentárias do Estado.” 387 Assim, aqui o outro viés do princípio da proporcionalidade que se por um lado assegura a proibição de insuficiência de proteção, impõe que deve haver um equilíbrio para escolhas de desenvolvimento de políticas públicas sociais que prestigiem direitos sociais prestacionais, afinal a segurança social, depende dessa sintonia fina, devendo alcançar primeiro aqueles que estão mais necessitados e em situação de desamparo, para que se realize, conforme apontamos conjuntamente reconhecimento e redistribuição de riquezas na medida justa. No entanto, no Brasil alguns autores ao interpretarem a teoria da reserva do possível acabaram por distorcê-la e a levaram para o campo de atuação do Poder Judiciário, argumentando de maneira categórica que os juízes, que não são legitimados pelo povo, não podem dispor sobre medidas de políticas sociais que exigem gastos orçamentários, mesmo que se esteja falando do mínimo vital. Porém, outros tanto asseguram que a reserva do possível é elemento integrante, imanente dos direitos fundamentais, ou seja, faz parte de seu núcleo essencial e deve sim ser objeto de decisão judicial, pois é o Poder Judiciário, guardião dos direitos fundamentais. Podemos, então, a partir daqui acatar a lição de Ingo Sarlet para o que seja a reserva do possível. Diz ele que reserva do possível têm três dimensões a serem consideradas e analisadas 388: 1) Efetivamente ela fala sobre a disponibilidade fática de recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; 2) Ela alcança a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda intima conexão com a distribuição de receitas e competências tributárias, 387 SERRANO Nunes Junior. op. cit. p. 175 388 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 287. 200 orçamentárias, legislativas e administrativas, o que no caso do Brasil tem que levar em consideração o sistema constitucional federativo. 3) E, ela abarca a problemática da proporcionalidade da prestação no que toca a sua exigibilidade. Tudo isso face ao nosso ordenamento constitucional exige um equacionamento sistemático e adequado para que, principalmente se dê força normativa a Constituição Brasileira e se dê máxima efetividade aos direitos fundamentais o que implica utilizar a reserva do possível não como uma barreira intransponível, mas ao contrário, como uma ferramenta para a garantia da efetividade dos direitos sociais de cunho prestacional, principalmente na efetivação do mínimo vital.389 Além disso, implicará que a reserva do possível deve ser vista não apenas como elemento integrante e limite imanente dos direitos fundamentais. Ela constitui uma espécie de limite fático e jurídico dos direitos fundamentais, mas que poderá apenas atuar em determinadas circunstâncias, por exemplo, na hipótese de colisão de direitos fundamentais que deverá inclusive observar os critérios da proporcionalidade e da garantia de um mínimo existencial a todos os direitos, podendo, segundo Ingo Sarlet argumentar que a indisponibilidade de recurso têm o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental. O que nos leva ainda a considerar um outro aspecto no que diz respeito à ordem fática imposta pela reserva do possível, exposta por Ana Carolina Lopes Olsen que também é citada por Ingo,390 de que a concepção de escassez que está intrinsicamente ligada à reserva do possível é artificial, já que se trata de um conceito de construção humana, tendo em vista que é impossível satisfazer em níveis ótimos todas as necessidades humanas. Portanto, reserva do possível deve ser vista como uma condição da realidade, e por isso exige-se que haja um mínimo de coerência entre realidade e a ordenação normativa objeto da regulação jurídica. 389 390 Idem, Ibidem, 198. Idem Ibidem , p. 288 201 Decorre daí a afirmação de Krell de que jamais podemos tomar ao pé da letra a transferência da teoria jurídica da reserva da possível da Alemanha para o Brasil. Em, primeiro, como ele argumenta, porque nossas realidades sociais e econômicas são diversas, já que nossos problemas de exclusão social “apresentam uma intensidade tão grave que não podem ser comparados à situação social dos países-membros da União Européia.” 391 Também porque o acórdão alemão citado, como bem enfatiza Vidal Serrano Junior, é bem claro em delimitar que a reserva do possível só existiria em relação aos direitos sociais que escapassem ao âmbito de aplicação do mínimo vital. 392 De sorte que, não devemos pensar na reserva do possível como instrumento de limitação do direito de acesso à assistência a saúde ou à educação básica, pois é, ao contrário, um instrumento conformador de demandas sociais, justamente porque no Brasil os agentes e órgão públicos que envolvidos na elaboração do orçamento público, estão, conforme bem assevera Vidal Serrano Júnior, adstritos às normas constitucionais que veiculam direitos sociais, isso porque o Constituinte originário lançou mão de diversas estratégias de positivação de direitos sociais, como por exemplo, positivá-los como direito subjetivo, e ainda, garanti-los por garantias institucionais.393 E nesse sentido, também o atual posicionamento do STF que acordou na Ação de Reclamação n. 639. 337 no julgamento realizado em 23 de agosto de 2011 que394: A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, 391 KRELL, Andreas J. op. Cit. p. 53. 392 NUNES Juniro, Vidal Serrano. op. cit. p.173-175. 393 Idem, Ibidem. op.cit. p. 179-180. Disponível na internet: http://noticias.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=1922 Acesso em: julho de 2012. 394 202 também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)." (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-8-2011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011.). (g.n). Desta feita, conforme bem assevera Luciane Moessa, sob o prisma dos limites à intervenção judicial, já estão bem conhecidos os conceitos de reserva do possível fática que pressupõe a ausência de recursos financeiros, e a reserva do possível jurídica que tem a ver com a suposta impossibilidade de alteração da legislação orçamentária. 395 Sendo certo, segundo a autora, que a ausência de recursos se afigura ainda como um dos maiores problemas, já que é alegada indiscriminadamente pelo Poder Público. Entretanto, quando o Poder Público alega ausência de recursos para a concreção de direitos fundamentais, o que temos que nos questionar de maneira geral, é: Onde, então, foram alocados tais recursos? 396 E isso nos leva, então, a ter que trabalhar as questões que envolve a feitura das legislações orçamentárias. Tais questões devem ser enfrentadas, pois temos como certo que a concreção dos direitos sociais básicos é pressuposto para o exercício da Democracia e da Liberdade. E tanto é assim que conforme falamos a pouco foi necessário que o constituinte originário lançasse mão de estratégias de positivação que garantissem institucionalmente educação e saúde por meio de vincular orçamentos diretamente receitas oriundas de impostos a sua consecução o que evidentemente restringiu e vinculou a atuação dos poderes públicos para que se obedeça devidamente, tal preceito orçamentário constitucional. O que significa dizer, então, que sua atuação deve ser controlada e fiscalizada, inclusive, passando por três tipos de controle: um político que deve ser exercido pelos demais poderes; um social que deve acontecer por meio da efetiva participação do cidadão e outro judicial, que deveria acontecer em último caso. 395 SOUZA, Luiciane Moessa. op.cit. p. 3997 396 Idem, Ibidem. 3999 203 Que, porém, no Brasil dada a falta de responsabilidade que tem os demais poderes públicos em concretizar direitos fundamentais sociais, acabou se transformando em nossa práxis cotidiana. Entretanto, Ana Paula Barcellos aponta, que o neoconstitucionalismo impõe que desenvolvamos sob o Texto Constitucional tanto um ponto de vista formal metodológico como um ponto de vista material -objetivo- para que do ponto de vista metodológico. capitulemos que 397 : a) as normas jurídicas constitucionais são imperativas; b) que a superioridade das normas constitucionais é a consequência natural da rigidez constitucional; c) e que os ramos do direito devem ser interpretados e aplicados em conformidade com as disposições constitucionais. E que para do ponto de vista material compreendamos que devemos: a) incorporar definitivamente valores e políticas que dão ênfase a dignidade da pessoa humana; b) e, que como valores e opções políticas tornaram-se normas jurídicas constitucionais há necessidade da construção de uma dogmática jurídica que seja capaz de promovê-las eficazmente. Sustenta ainda, a referida autora, em outro artigo, que é por causa desses pressupostos do neoconstitucionalismo que as escolhas em matéria de gastos públicos não constituem um tema integralmente reservado à deliberação política; ao contrário, o ponto recebe importante incidência de normas jurídicas constitucionais, inclusive ela salienta que na realidade, “o conjunto de gastos do Estado é exatamente o momento no qual a realização dos fins constitucionais poderá e deverá ocorrer.”398 Por isso, Luciane Moessa nesse sentido, também cita Ana Paula de Barcellos que em seminário realizado na Escola Superior do Ministério Público Federal do Paraná, em 26 e 27 de junho de 2006, intitulado de “Controle Jurídico e Controle político-social das Políticas Públicas em matérias de Direitos Fundamentais: limites e possibilidades.”399, defendeu “a possibilidade de interferência do Judiciário na alocação 397 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas”. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.), Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 31-60. 398 BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. in: Revista Diálogo Jurídico. n. 15. Salvador: jan-mar 2007. p. 11-12. 399 SOUZA, Luciane Moessa de. op.cit. 3999 204 de recursos orçamentários, bem como no atingimento das metas definidas pelo próprio poder público e, ainda, no controle de eficiência mínima (economicidade) de políticas públicas.” Colóquio, por qual a jurista citada, ressalvou que os controles judiciais não devam assumir as deliberações dos órgãos políticos, ao contrário devem fomentar o controle social fornecendo à população, informações relevantes e necessárias para a solução do problema. A referenciada autora, nesse colóquio, ainda afirma que na realidade quando se trata da omissão na concretização de direitos sociais, o que está em jogo não é uma colisão entre direitos fundamentais que pode ser resolvido pelas técnicas de ponderação, princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que se opte qual valor é mais relevante no caso concreto, porque segundo ela, a titularidade de patrimônio a ser restringida com a tributação não é um direito fundamental e o que de fato na prática acontece é a concorrência de recursos públicos escassos. De maneira que Ana Paula Barcellos, no seminário referenciado, conclui que o que se faz necessário, para os juristas e operadores do direito é que eles enfrentem definitivamente a questão do controle de constitucionalidade da legislação orçamentária e tributária. Para o escopo que pretendemos atingir com essa dissertação o posicionamento de Ana Paula Barcellos não é apenas importante e interessante porque aventa ela a possibilidade do controle de constitucionalidade das matérias financeiras e orçamentárias como instrumento da realização dos direitos fundamentais, que reconhecemos aqui tratar-se de assunto de extremada relevância e que dever ser levado muito sério por todos, tanto que está a exigir um real aprofundamento na questão. Entretanto, como não é esse o nosso escopo, devemos especificar sobre o que de fato nesse seu interessante posicionamento, ele nos é útil. Nesse sentido, a autora enfatizou, durante sua exposição, a necessidade, de que tanto o controle judicial, bem como o controle político tem o dever de fomentar o controle social das deliberações orçamentárias que destinadas à efetivação de direitos sociais. 205 Nesse sentido, também, Boaventura de Sousa Santos400 aporta que tal controle social, por exemplo, pode ser realizado pelo que convencíamos chamar de Orçamento Participativo. E que no Brasil vem sendo tratado como uma estrutura e um processo de participação comunitária que se baseia em três grandes princípios e em um conjunto de instituições que funcionam como mecanismos ou canais de participação popular que se sustentam no processo de tomada das decisões do governo municipal. São, de acordo com o autor, tais princípios ipisis literis 401: 1) Todos os cidadãos têm o direito de participar, sendo que as organização comunitárias não detêm, a este respeito, pelo menos formalmente, status ou prerrogativas especiais; 2) a participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia direta e democracia representativa, e realiza-se através de instituições de funcionamento regular cujo regimento interno é determinado pelos participantes; 3) os recursos de investimentos são distribuídos de acordo com método objetivo baseado em um combinação de “critérios gerais” – critérios substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vistas a definir prioridades – e de “critérios técnicos”- critérios de viabilidade técnica ou econômica, definidos pelo Executivo, e normas jurídicas federais, estaduais ou da própria cidade, cuja implementação cabe ao executivo. Boaventura de Souza Santos para definir, tais princípios, partiu do exemplo da Administração Pública que aconteceu em Porto Alegre: quando em janeiro de 1989 o governo que ganhou as eleições assumiu a administração municipal e lá realizou uma administração que ficou conhecida como “administração popular”. Enfatizando que o que tal governo pretendia era inovar institucionalmente a sua administração para que se garantisse a participação popular na preparação e na execução do orçamento municipal. Portanto, visava, essencialmente, essa administração, segundo o autor citado: melhorar a distribuição de recursos por meio da participação direta da própria população que passou a definir as prioridades dos investimentos que se poderia fazer com os recursos públicos. 400 SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a Democracia- os caminhos da democracia participativa. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 455- 466. 401 Idem, Ibidem. p. 467. 206 Como podemos ver tal experiência administrativa popular em grande parte condiz com o que estamos a afirmar por todo nosso texto, que dar atenção às “vozes” daqueles que são de fato os beneficiários e os titulares dos direitos sociais que dependem essencialmente do desenvolvimento e da implementação de políticas públicas, significa realmente que de fato começamos a implementar direitos sociais básicos por meio da conjugação efetiva daquilo que, também, foi preconizado por Nancy Fraser: redistribuição, reconhecimento e norma de paridade. Aliás, importante frisar que isso somente foi possível porque o Brasil iniciava caminhar numa nova situação democrática que inaugurada pela Constituição de 1988. Faz sentido, então, que compreendamos que o orçamento participativo tem até correspondido aos reclamos constitucionais de 1988 que requer a efetivação de uma Democracia Social que impõe que aprendamos a conviver com novas formas de participação nas decisões políticas. Porém, ainda existem muitas falhas nesse processo de “administração popular”, e mesmo que com passar do tempo tenha sido reconhecido como uma verdadeira prática que permite a transparência da gestão do governo, sobre o erário, há muitas lacunas a serem corrigidas. Uma dessas falhas consiste no simples fato de que não ficou claro que o regimento interno de cada instituição que dela está participando deve ter bem claro que a razão de sua existência e o motivo de sua participação é propiciar que os recursos e investimentos públicos municipais fossem dirigidos, principalmente para a concretização de Direitos Fundamentais de acordo com os princípios, regras, e garantias estipuladas na própria Constituição de 1988. Outro problema, ainda, e no mesma direção do anterior é que, também, deveria ter ficado bem definido que os recursos de investimentos que obedecem à combinação de critérios gerais e técnicos estabelecidos pelas instituições participativas, para averiguação de sua viabilidade, inclusive averiguação de viabilidade econômica tinham que ter por seu principal fundamento e limite, os valores, os princípios e as regras que constitucionalmente foram estipulados para formulação de tais investimentos e orçamentos públicos. Sem mencionar, que as avaliações dos critérios econômicos abrem uma enorme possibilidade para que o Poder Executivo suscite, mesmo nessa fase de avaliação de limites técnicos e econômicos, a reserva do possível administrativamente, o que torna inócuo a participação da população municipal bem como seu real controle social. 207 Dessa feita, ainda que consideremos que tal projeto de orçamento participativo acabou por receber um reconhecimento internacional como um meio eficaz de processo social e político dinâmico que otimiza a democracia social sua sustentabilidade a longo prazo, depende em muito que se passe a população as informações necessárias de seu fundamentos, dado que, como bem aventa Boaventura de Souza Santos no início de seu texto, 402 o Brasil é uma sociedade com uma longa tradição de política autoritária, que teve na sua base por longos séculos a predominância de modelo oligárquico, patrimonialista e burocrático, que acabou engendrando uma cultura que marginaliza política e socialmente classes populares, que sempre acabaram fazendo parte integrante da sociedade por via do populismo e do clientelismo, o que sempre impôs uma “artficialidade” ao jogo democrático, e acabou por originar uma imensa discrepância entre o “país legal” e o “pais real”. Daí que o orçamento participativo, a exemplo de outras formas de participação do cidadão na administração pública na forma como vem sendo conduzido em muitos casos apenas vêm se traduzindo, num desses instrumentos que reforçam a “artificialidade” do jogo democrático, já que as informações que realmente interessam a grande massa populacional escapam por entre as regras e “princípios” que estão sendo estipuladas, nesse caso estudado, pelo Executivo Municipal. Assim, ainda que muitos sejam chamados a participar, poucos de fato, compreendem a importância daquilo que reclama sua participação, ou seja, os principais protagonistas da democracia brasileira raramente compreendem o que está em jogo. Conforme afirma Nancy Fraser, o objetivo de uma norma de paridade de participação é de que fato ela garanta a independência da voz de cada participante, pois trata-se, principalmente, de se proteger a condição objetiva dessa norma de paridade de participação, que impede e até proíbe que os sistemas sociais institucionalizem: privação, exploração e por fim com isso acabem consagrando grandes diferenças de riquezas, rendas, trabalho e tempo de lazer, ou seja, de nada adianta que se avoque a população apenas para discutir e debater sobre aquela parcela das receitas que já foi 402 Idem, Ibidem, p. 458. 208 previamente separada para fazer parte do chamado “ orçamento participativo”. Pois, como assevera Pedro Luiz Cavalcante403: [...] orçamento participativo não é um processo de auto-organização desenvolvido pela sociedade de forma independente do Estado. A sociedade civil, por meio de seus cidadãos, participa das discussões e deliberações, no entanto, é o governo que estabelece e cria as regras do jogo. O acesso ao poder é ampliado dentro de um conjunto de normas e procedimentos impostos pelo Estado. Portanto, a participação significa voz no processo decisório e não empoderamento ou autonomia para tomar decisões. Portanto, o orçamento participativo como forma de participação da sociedade para que ela exerça um controle social direto sobre matérias financeiras e orçamentárias para que se fiscalize e indique o conteúdo daquilo que está proposto pela Constituição como um standard mínimo vital têm sofrido severas criticas, dentre as quais: 1) ela cria uma nova representação que não necessariamente transfere para a base a capacidade de decisão final; 2) é de fato o governo que estabelece e cria as regras do jogo; 3) “trata-se de estratégia de manipulação da população mediante estrutura de regras e procedimentos fundamentalmente induzida pela máquina administrativa.” 404 De tal sorte que, ainda, que tenhamos com o Texto Constitucional de 1988, consagrado instituições democráticas prontas e dispostas a defender a efetivação concreta de uma Democracia Social, é preciso que se leve a população informações e formação necessárias para que ela finalmente e efetivamente participe do controle social que deve recair não somente sobre o orçamento público, mas também sobre as próprias instituições democráticas que o viabilizam. É preciso que os brasileiros sejam informados e formados adequadamente sobre tudo aquilo que diz respeito à consubstanciação e consecução de seus direitos, deveres e garantias fundamentais o que definitivamente pode ser feito pelo devido acesso a uma educação que também ensina sobre tais questões, conforme ressalvado na Declaração 403 CAVALCANTE, Pedro Luiz. O Orçamento Participativo: estratégia rumo à gestão pública mais legitima e democrática. In Revista de Políticas Públicas de Gestão Governamental. V.6. n.2 Jul/Dez 2007. p.23.Disponível na internet: > http://www.anesp.org.br/userfiles/file/respvblica/respvblica_6_2.pdf < Acesso: em maio de 2010. 404 Idem, Ibidem, p. 22-23. 209 Universal dos Direitos Humanos de 1948 que ao ser promulgada considerou que a educação é o instrumento a ser usado pelo Estado para se repassar de geração a geração o dialogo sobre direitos humanos fundamentais. Em outras palavras, há de fato a necessidade do desenvolvimento de um certo tipo de educação que comece a incutir na população brasileira ao que Noberto Bobbio chamou de “costume democrático”, pois, segundo ele, as instituições democráticas “precisam para durar do enraizamento desse tipo de costume no povo.” 405 Conforme bem assevera Lauro Luiz Gomes Ribeiro, apesar da importância da educação e da estruturação de ensino, nas últimas décadas têm se abandonado a discussão intelectual o que o transformou, sem qualquer margens à dúvida, os temas que lhe dizem respeito em um assunto de tecnocratas especializados ou, ainda, sempre limitados àqueles mais envolvidos diretamente, deixando assim de ser foco dos grandes temas, “diferentemente da política e da economia que, nesse contexto, passam ocupar lugar de destaque.”406 Nesse sentido, esse será o tema do próximo capítulo e um dos questionamentos o qual queremos nos deparar, a partir do exposto, é: Será que o sistema educacional brasileiro atual e o nosso direito à educação da forma como disposto na Constituição de 1988 está consagrada reclama por uma efetiva e intencional educação política como standard mínimo vital do direito à educação? Nossas leis infraconstitucionais voltadas à educação foram elaboradas com esse propósito de garantir uma participação efetiva do cidadão na Democracia Social? Se, sim, uma educação nesse sentido reclama uma modalidade de educação, intencional e formal, que agregada à educação informal intencional, deve ser fundamentada em quais valores? Nesse sentido, não seria, então a aprendizagem construtiva dos valores consagrados pelo Texto Constitucional, da Constituição Cidadã e Social? 405 406 BOBBIO, Noberto. Qual Democracia? Prefácio de Celso Lafer. São Paulo: Loyola, 2010. p. 11. RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. Direito Educacional- Educação Básica e Federalismo. São Paulo: Quartier Latim 2009. p.222. 210 Afinal, está correto, Mario Alighiero Manacorda, ao afirmar categoricamente que 407: “Nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da batalha política e social.”? 407 MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação- Da antiguidade aos nossos dias. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 11. 211 III CAPÍTULO DA EDUCAÇÃO 3.1 Do conceito de educação e do ensino e suas implicações filosóficas, históricas, sociais, políticas e jurídicas A etimologia da palavra educação, objeto do capítulo III, do Título VIII da Ordem Social constitucional brasileira vigente, e um dos principais objetos de nosso estudo, também provêm do Latim "educatio" e significa "criação", palavra por sua vez que pertence à tradição judaico -cristã e significa o ato pelo qual Deus tirou o universo do nada, logo, e nesse sentido "educatio" refere-se principalmente à formação do espírito humano.408 Porém, o conceito de educação na sua etimologia sempre foi influenciado pelo nativismo e pelo empirismo, impondo-lhe, então, outro dois sentidos: o do educare e do educere. 409 Em primeiro lugar, pelo nativismo que significa o desenvolvimento das possibilidades interiores do homem. Seu sentido se encontra com o sentido do verbo latino “educare” e significa que o educador apenas traz para o exterior o que o ser humano contém em sua essência, o que pode ser exposto por um processo de desenvolvimento da sua capacidade física, intelectual e moral e isso visa, portanto, a integração individual e social da pessoa humana por meio de alguém que ajuda esse processo a ser realizado. Dentro desse contexto, o verbo significa criar, alimentar, subministrar, ou seja, ganha importância porque significa colocar em práticas todas as ações necessárias para o desenvolvimento da personalidade de uma pessoa humana. Nesse sentido, por meio do verbo latino educare , também a educação faz correlação com a palavra latina ducare que nos ensina Maria Garcia significa conduzir, levar adiante, orientar.410 408 409 DICIONÁRIO DE FILOSÓFICA PRÁTICA. op.cit. p. 110. MUNIZ, Regina Maria F. O Direito à Educação.Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.7 212 Pelo empirismo, a educação ganha outro enfoque, que destaca que o conhecimento humano é adquirido pela experiência que é percebida pelos sentidos humanos e seu significado vêm ao encontro do verbo latino "educere" que indica que o mais importante “é capacidade interior do educando, cujo desenvolvimento só será decisivo se houver um dinamismo interno" 411 A educação em sua expressão mais simples já se encontrava presente entre a humanidade desde os tempos mais primitivos, e lá encontramos a característica mais essencial da educação como processo412: “o ajustamento da criança ao seu ambiente físico e social por meio da aquisição da experiência de gerações passadas.” Tratava-se essencialmente de uma educação prática que não goza de nenhum tipo de organização não passava de um treino para obtenção de alimento, vestimentas e abrigo, e a criança adquiria seu conhecimento pela imitação. Contudo, ela também obtinha o conhecimento pela teoria por meio do aprendizado de cerimônias, danças e práticas de feitiçarias. Seus traços mais fortes eram seu caráter estacionário e imitativo. Estacionário porque o homem primitivo vivia essencialmente o presente e pouco se modificava, visto que seu desejo era manter-se a salvo por meio de seu ajustamento ao seu ambiente. De maneira que um dos princípios estabelecidos pelas ciências sociais é que: “os povos menos desenvolvidos são mais avessos a modificações.” 413 E como as crianças e os jovens tinham que aprender e passar pelas cerimônias de iniciação introduz-se na vida em sociedade as “religiões primitivas, as primeiras filosofias e as ciências rudimentares”. Com o desenvolvimento dessas práticas, cria-se então a linguagem escrita, e aos poucos foi desenvolvido um conjunto de conhecimentos especiais que, ainda acessível a poucos, levou a educação a outro patamar e, dessa forma: “O sacerdócio torna-se uma classe especial de professores para 410 GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n. 23, abril/junho. São Paulo. 1998. p. 59. 411 MUNIZ, Regina Maria F. op.cit. p. 7-8. 412 MONROE, Paul, op.cit. p. 1. 413 Idem, Ibidem, p. 9 213 todos. Logo que se organizam para ensinar os futuros membros de sua própria ordem, surge a primeira escola.”414 De maneira tal, que a formação de um currículo definido, de um magistério e da escola a educação entra para o processo civilizatório, principalmente como meio e instrumento para continuá-lo. Em um segundo estágio da educação houve um domínio da linguagem. A criança precisava aprender a dominá-la e passou obrigatoriamente a decorá-las para poder desenvolver e perpetrar, principalmente um estilo de vida. Inúmeras civilizações antigas podem ser exemplificadas com essa prática, disso como a chinesa, a hindu e a judaica. Todas essas sociedades desenvolveram na sua antiguidade métodos de ensino nesse sentido, principalmente a chinesa, contudo todas elas suprimiram a individualidade e o resultado geral desse procedimento, foi uma ordem social que apesar de gozar de uma certa estabilidade, não desenvolveu qualquer capacidade de progresso.415 O grande mérito dessas civilizações, entre outros, foi o de distinguir nesse processo, educação de ensino. Educação conforme nos ensina Cássio Cavalcante Andrade416: “é um processo por meio do qual o ser humano desenvolve suas capacidades física, mental e espiritual e que pode ser aplicado nos mais diversos ambientes por diferentes métodos que não necessariamente o ensino.” Logo, segundo o referenciado autor, “o ensino é apenas um aspecto dessa realidade maior: educação, que se caracteriza pela transmissão objetiva, dirigida e metodizada, com conteúdos educativos, e quase sempre, desenvolvidos, pelas escolas.”417 414 Idem, Ibidem, p. 12 415 Idem, Ibidem, p. 13-28. 416 ANDRADE, Cássio Calvacante. Direito Educacional- Interpretação do Direito Constitucional à Educação. Prefácio Maria Garcia. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p 17-18. 417 Idem, Ibidem, p. 17. 214 Isso porque, a escola não é desde sempre, a responsável sozinha pela educação no sentido de instrução e formação do ser humano, também acontece na família, nas igrejas e em diversas instituições.418 A primeira civilização a considerar o indivíduo foi a civilização grega; pelo desenvolvimento do conceito de personalidade,419 ela, acima de tudo, pregava a liberdade420: “é a educação digna do homem livre, que o habilita a tirar proveito de sua liberdade ou dela fazer uso” Assim, a Grécia Antiga, sendo a primeira a dar oportunidade ao desenvolvimento individual, conseguiu ser a primeiro a formar o conceito de liberdade política no e pelo Estado. Com eles nasceu a educação que prepara para cidadania. Eles observaram que aquele que desenvolve suas habilidades individuais, as deseja, e quer a colocá-las não apenas a serviço de si mesmo, mas também em prol da sociedade porque esse é o meio social e político, no qual desenvolve parte de suas atividades. Nas cidades gregas de Atenas e Esparta nasce um conceito mais abrangente de educação que, hoje, é posto por Maria Garcia como421: [...] um conceito abrangente de um conjunto de processos, pelos quais a pessoa desenvolve capacidades, atitudes e outras formas de comportamento de valor positivo para a sociedade que vive. É um processo continuo de informação e de formação física e psíquica do ser humano para uma existência e coexistência: o individual que, ao mesmo tempo, é social. 418 Idem, Ibidem, p. 17 419 De acordo com o JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op. cit. p. 215 -216: Personalidade em seu sentido filosófico é o caráter do individuo que se autodetermina ou se afirma como pessoa moral ou jurídica. E em seu sentido genérico personalidade é o conjunto das características próprias e das modalidades de comportamento de um indivíduo tomadas de modo integral. 420 Idem, Ibidem, p. 29 421 GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. op.cit. p. 59. 215 A civilização grega passou por muitos estágios e até hoje ela influência sistemas e métodos educacionais pelo mundo inteiro. Além da educação ser voltada à cidadania, damos destaque à educação da civilização grega pela figura do pedagogo e o método desenvolvido e pregado por Sócrates: a Maiêutica. No aconchego dos lares gregos, os responsáveis pela educação eram os chamados pedagogos, um escravo, cuja função era conduzir a criança à escola422 e, sua função era considerada vital, para as Polis- Estados. O conhecimento e o estudo de sua função influenciou a formação na modernidade da Pedagogia que hoje pode ser definida, de acordo com o dicionário de português como423: Teoria e ciência da educação e do ensino. Conjunto de doutrinas, princípios e métodos de educação e instrução que tendem a um objetivo prático. O Estudo dos ideais da educação, segundo uma determinada concepção de vida, e dos meios (processos e técnicas) mais eficientes para efetivar esses ideais. Profissão ou prática de ensinar. Para combater o método dos chamados sofistas que eram, em seu sentido mais amplo, os professores gregos, que enxergando os defeitos da organização educacional grega, ofereciam aos seus jovens, em troca de pagamento, ensino que os preparasse tanto para desenvolver-se pessoalmente, quanto para desenvolver-se social e politicamente, surge Sócrates, que compreendia que o ensino ministrado tinha que ser oferecido sem contra prestação ou vantagens de espécie alguma. Para divulgar seu entendimento ele utilizava-se da Maiêutica cuja palavra vem da palavra grega maieutiké e significa a arte do parto e, que portanto, pode ser compreendida como a arte ou o método de ensinar provocando nos indivíduos “o desenvolvimento de seu pensamento 422 A palavra escola provém do grego scholé e significa lazer, “a escola é o momento de lazer de aprender, liberto dos constrangimentos da vida cotidiana” Onde se realizam trabalhos especificamente trabalhos escolares nesse sentido apontam os filósofos franceses que dissertar é um exercício escolar, mas é antes de tudo em seu sentido mais forte expressão do lazer de pensar por si mesmo, independentemente dos preconceitos e das convenções. Uma dissertação, dizem eles, é filosófica é então, uma argumentação onde se levantam perguntas e se avançam nas respostas, examina-se objeções e analisa-se conceitos e a forma original de reflexão é a filosófica e o discurso o meio por qual expressamos pensamentos podemos, então considerar nas palavras deles que: “Sócrates dizia que o pensamento é um diálogo da alma consigo mesma (Platão, Sofista 264 a): refletir, examinar interiormente argumentos, é julgar, é < dizer-se> algo, confrontar argumentos como numa discussão com outrem. O diálogo é assim considerado como a forma didática mais adequada a aprendizagem do esforço, das reflexão crítica. Qual é então a diferença entre diálogo e dissertação?” DICIONÁRIO DE FILOSOFIA PRÁTICA op.cit. p. 103. 423 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op.cit.p. 1523. 216 de modo que estes viessem a superar sua própria ignorância, mas através da descoberta, por si próprios, como o auxilio do ‘parteiro’ , da verdade que trazem em si”424: Enquanto método filosófico, praticado por Sócrates, a maiêutica consistes em um procedimento dialético no qual Sócrates, partindo das opiniões que seu interlocutor tem sobre algo, procura fazê-lo cair em contradição ao defender seus pontos de vista, vindo assim reconhecer sua ignorância acerca daquilo que julgava saber. A partir do reconhecimento da ignorância, trata-se então de descobrir, pela razão, a verdade que temos em nós. Até hoje a pedagogia utiliza-se do modelo pedagógico concebido por Sócrates, que ficou conhecido como “socrático” “que inspirado pela maiêutica ensina os indivíduos a conhecerem as coisas por eles mesmos.” 425 Importante contribuição também prestaram os romanos, visto que deram muita ênfase a educação prática. O lar era o centro da educação dos romanos, que visavam acima de tudo a formação de um caráter moral; e as escolas tinham uma função secundária nos seus primórdios, somente ganhando mais relevância quando sua cultura de fundiu com a cultura grega. Destaca-se na educação romana que seu ideal era captado pelo desenvolvimento da sua concepção de direito e deveres: seus direitos como pai sobre os filhos (pátria potestas), o direito do marido sobre a esposa (manus), o direito do senhor sobre o escravo (potesta dominica), o direito que um homem livre tinha sobre outro que a lei lhe dava por contrato ou condenação judiciária (manus capere) e o direito de propriedade (dominium), impunha-lhes que desde a mais tenra idade sua família lhes proporcionasse uma educação bem definida, para serem pais e cidadãos virtuosos. 426 No lar romano, grande centro dessa educação, defendia-se a piedade, a obediência, a bravura e a coragem como virtudes, e todas elas correspondiam ao ideal de dever para o individuo e para o Estado, que representava seu ideal de justiça. Sendo a educação romana, sobretudo moral, sua disciplina era severa e seus ideais rigorosos. 424 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo, op. cit. p. 175-176. 425 Idem, Ibidem, 176. 426 MONROE, Paul, op.cit. p. 217 Havia pouco contato com o literário e esse contato se resumia a aprender o serviço religioso e coral religioso. Tal literatura no período republicano, dizia respeito e Lei das XII Tábuas que foi adotada por eles em 451 a.C. e, por lá, permaneceram por mil anos. Como a elas correspondiam os fundamentos da sociedade romana o ensino delas dava também à educação uma prática bem concreta. Havia uma relação entre lei e educação muita estrita que impelia: 1) na prática aos pais a responsabilidade pela educação; 2) pela tradição e costume que cada menino aprendesse as leis das XII Tábuas, que ficavam afixadas no fórum e os aprendizes fossem, assim, se familiarizando com seu significado. O treino desse ofício, nesse sentido, não era pequeno ou fraco, exigia-se uma forte disciplina por parte do educando. 427 No período medievo, quem influenciou a educação foi a religião cristã. Houve um predomínio da educação monástica, que pregava uma severa disciplina com o fim único de desenvolver a moral das pessoas. No início, aceitavam-se os elementos literários, mas com o passar do tempo, como precisava reforçar a moral cristã, gradativamente houve sua exclusão, e ela passou então a ser uma educação miniciosa e rígida. E nesse período monástico, o único elemento literário era a exigência de que se fizesse cópias manuscritas e assim ela pode conservar a literatura de crônicas e por causa disso, promoveu a organização de escolas. Quando veio a Renascença a educação deu espaço para a lógica e para a filosofia e as questões teleológicas e o mundo do saber se expandiu sistematicamente. 428 Destacou-se nesse período a expansão das universidades, que já existam na Grécia antiga. Contudo no período medievo seu conceito de centro de saber se elas começam a se expandir em estrutura e organização. Dentro delas havia muitos traços que as distinguiam da vida em sociedade fora de seus muros. Elas possuíam um governo democrático e gozavam de privilégios especiais legais e pecuniários, seus alunos e professores estavam isentos da obrigação de prestar serviços oficiais e militares, salvo casos específicos. Entretanto, o maior privilégio que lhes era concedido é que eles 427 Idem, Ibidem, p. 83-89. 428 Idem, Ibidem, p. 218 tinham sua própria jurisdição interna, e como o clero, podiam julgar seus próprios pares civil ou criminalmente e podiam colar grau, ou seja, ganhavam licença para ensinar. 429 E quando as nações se formaram por delimitação de seus territórios, as universidades frequentemente representavam a nação face ao papado, e tinham voz de autoridade política nos governos absolutista da França, da Inglaterra e da Escócia. Paul Monroe aponta a universidade do período estamental e absolutista como um Estado dentro do Estado. 430 Ao lado dessas universidades, no entanto, com um valor de cunho mais prático, enaltecia-se a educação da cavalaria, como uma disciplina prática social, respeitavam, nesse sentido, o ideal da obediência. E seus ensinamentos geraram muitos efeitos sobre a sociedade medieval. Desse modo Paul Monroe apud Cornish431: A cavalaria ensinou ao mundo o dever do serviço nobre prestado voluntariamente. Exaltou a coragem e a iniciativa na obediência à regra [...] glorificou as virtudes da liberdade, da boa-fé, altruísmo e cortesia [...]. Infelizmente também se devem assinalar os vícios de orgulho, o amor ao derramamento de sangue, o desprezo pelos inferiores. Logo, podemos concluir que desde a muito a educação pode desenvolver o que há de bom e o que de há de pior no ser humano e, ainda, pode, ser posta a serviços das instituições criadas pelo homem para visar os interesses de um ou de um grupo ou o bem estar de todos. Com o Iluminismo no século XVIII, os questionamentos filosóficos em torno dela começam a crescer. Como vimos John Locke a defendia como uma disciplina; Rousseau como um caminho para a felicidade e um direito de nascimento. 429 Idem, Ibidem, p. 158 - 159. 430 Idem, ibidem p. 141-147. 431 Idem, Ibidem, p. 148. 219 Conforme os dicionaristas franceses da década de 90 do século XX aportam: se aos olhos do mundo a finalidade da educação é o desenvolvimento das capacidades individuais, bem como o aperfeiçoamento da humanidade a determinação de seus objetivos e dos seus métodos ela, então, revelou profundas divergências entre os filósofos. E isso em todos os tempos. 432 De Sócrates à Rousseau, desde Immanuel Kant, século XVII e XVIII, e de Hanna Arendt a Éric Weil, século XX, que ganharam notoriedade pela sua filosófica política desenvolvida após II Guerra Mundial, dizem os dicionaristas foram questionados o conceito, a estrutura, a sistematização, as funções e os objetivos da educação e todos elas sempre andavam e ainda andam às voltas com as seguintes questões433: - Devemos privilegiar o desenvolvimento individual ou a adaptação ao meio social e às suas mudanças? - Devemos dar ênfase uma educação que seja baseada em questões práticas morais, que serve principalmente para formar o espírito humano e disciplinar seus hábitos para que assim possa o ser humano sair de seu estado natural de selvageria, como era a questão defendida por Kant? - Ou ainda devemos defender uma educação, que mesmo que apregoe liberdade, deve ser conservadora, autoritária e protetora como fez Hanna Arendt em sua obra A crise da Cultura, ou ao invés permitir uma educação liberal, não diretiva e liberal? - Devemos vê-la apenas sobre uma perspectiva individualista, ou devemos levar em conta sua dimensão política como fez Éric Weil, que compreendeu que a educação deve conduzir a criança a ser um homem livre e autônomo – como, também bem defendeu Piaget - o que, somente é concebível em, um quadro de cidadania. E a esse respeito, enaltecem os dicionaristas e filósofos franceses: 432 DICIONÁRIO DE FILOSÓFICA PRÁTICA, op.cit. p. 110. 433 Idem, Ibidem, p. 110. 220 “Nesta medida, a questão da educação sobrepõe-se estreitamente à dos princípios, ao qual está em jogo e ao futuro das nossas instituições republicanas.”434 Ou ainda como bem colocou Paul Monroe435: Como educar o indivíduo de modo a assegurar o desenvolvimento completo da personalidade e ao mesmo tempo conservar a estabilidade da vida institucional, e ainda promover a sua evolução para mais altos estádios. É o velho problema de se assegurar a liberdade individual e a justiça social. De maneira que, as escolas sob uma perspectiva crítica, conforme dissertam José Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira e Mirza Seabra Toschi por ser uma organização socialmente construída, e na atualidade ser controlada pelo Estado de Direito436: [...] são vistas como uma organização política, ideológica e cultural em que indivíduos e grupos de diferentes interesses, preferências, crenças, valores e percepções da realidade mobilizam poderes e elaboram processos de negociação, pactos e enfrentamentos. Logo, os autores referenciados, aportam que a escola e sua forma atual, ganhou força com o nascimento da industrialização e com a constituição do Estado Nacional, isso porque os homens passaram a nutrir com ela uma crença no progresso. E seu espaço tornou-se, assim, o espaço beneficiário da educação do homem e da ampliação da cultura.437 Contudo, conforme os autores citados, destaca-se que a escola não monopoliza esse espaço, há a família e igreja, por exemplo. Espaços esses, que se constituem também como espaços educacionais, isso porque a educação já existia mesmo antes das 434 Idem, ibidem, p. 111. 435 Monroe, Paul. op. cit. 411 436 LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, José Ferreira de Oliveira, TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 168. 437 Idem, Ibidem, p. 170. 221 escolas e afinal: “a vida social implica a vivência pela educação, pelo convívio, pela interação entre as pessoas, pela socialização das práticas, hábitos e valores que produzem a vida humana em sociedade.” 438 Desse modo, com a prática social a educação é fenômeno essencialmente humano. Logo, possui uma historicidade que envolve sujeitos que tornam o ato de ensinar e aprender conjuntos dentro de um mesmo contexto. Assim, foram se formando conteúdos, objetivos, métodos, técnicas com aquilo que pretendia transmitir e a educação escolar transformou-se no espaço onde se, articulam aspectos contraditórios como439: “opressão e democracia, intolerância a e paciência, autoritarismo e respeito, conservadorismo e transformação, sem nunca ser, porém, neutra. Se permite a opção, não admite a neutralidade, pois aquele têm caráter político.” 3.2 Modalidades da Educação Libâneo diz que a educação em face de sua construção histórica foi assumindo, ao longo do tempo, diferentes modalidades, a saber 440: a) prática educativa não intencional- informal: é aquele que se refere às influências do meio natural e social e interfere nas relações dos homens são elas: costumes, religiões, leis, fatos físicos como o clima, as idéias presentes e vigentes em uma sociedade, o tipo de governo e as práticas familiares. b) prática educativa intencional: subdivide-se em formal e não formal; b.1) intencional não formal: é aquela prática educacional que acontece com pouca sistematização ou estruturação e acontece nos meios de comunicação de massa, nos clubes, museus, cinemas; b.2) intencional formal que se caracteriza por ser institucional, ter objetivos explícitos, procedimentos didáticos e, pode até, mesmo ter seus resultados avaliados, é aquela que acontece nas escolas, colégio, universidades, mas, não apenas aí pode acontecer nos sindicatos, na educação para adultos. 438 Idem, Ibidem, p. 168. 439 Idem, Ibidem, p. 169. 440 Idem, Ibidem, p. 171. 222 Nenhuma, segundo o referido autor, dessas modalidades é mais importante que a outra, porém elas se interpenetram e todas ocorrem na vida do individuo. E, frisa exatamente pela importância das práticas educativas informais é que há necessidade da educação intencional, especialmente a formal escolarizada, porque essa visa alcançar objetivos pré-estabelecidos. 3.3 Da evolução da educação como um direito social no Brasil- das Constituições de 1934 a 1969. Das Reformas educacionais de Francisco Campo a Educação em tempos da ditadura da junta militar Do ponto de vista político e jurídico, os questionamentos sobre educação desde há muito são aportados e, ainda que houvesse uma lei aqui outra ali que protegesse a educação, ou mesmo alguns aspectos da educação, como a educação cívica que foi em 1882, devidamente protegida pela Republica Francesa pós- revolucionária, a qual em 28 de março do referido ano, consagrou legalmente um projeto de educação totalmente voltado para que se ensinasse nas escolas francesas, o amor à República, à França, à pátria, e ao Estado.441 foi somente a Constituição de Weimar de 1919 que instituiu intencionalmente a educação como um Direito Social Fundamental, e para garantir isso a instituiu como um conjunto de normas voltadas para o fim de reconstruir e unificar a nação, conforme dissemos. No Brasil, a educação sempre andou em paralelo a política. Contudo, por um imenso e longo período a história da educação do Brasil privilegiou a educação dos poucos que detinham o poder político e seus filhos ou protegidos. Seu lento caminhar esteve totalmente dissociado da compreensão de que a escola é um espaço de formação que pertence a todos os indivíduos porque, por excelência, é a escola que otimiza a socialização de todos cidadãos de uma nação, nesse processo inicializados por suas famílias. Desconsideramos, também, por um longo período que o desenvolvimento da capacidade vital, que cada um porta, está diretamente relacionado com o grau de desenvolvimento e progresso que cada Estado pode alcançar por meio da educação. De 441 BECQUET, Valerie. Cidadania e Escola. in Dicionário de Educação. Coord. Agnes Van Zanten. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 93. 223 maneira que privilegiar a educação somente de alguns indivíduos e de alguns poucos grupos de indivíduos e de acordo com o interesse do Estado e em detrimento de dar acesso à toda comunidade, em geral, significa em muito retardar o desenvolvimento sócio- econômico do próprio Estado. Ainda que, a partir de 1934, o Brasil tenha instituído pela primeira vez uma Constituição de 1934442 de cunho socializante – inspirando pelo texto da Constituição de Weimar- e a partir de seu artigo 148 e 149 consagrado uma educação para todos como um conjunto de normas constitucionais superiores para implementar e possibilitar um certa organização no sistema educativo brasileiros para que ele atendesse a toda nação, determinando de que dela participasse União, Estados e Municípios, principalmente, para que se animasse o desenvolvimento das ciências e da cultura em geral visando a proteção adequada do interesse histórico, do patrimônio artístico essa Constituição não tinha força normativa o suficiente para suplantar os fatores reais de poder dominantes e oligárquicos da época. De maneira que ainda que houvesse um despertar de consciência da importância da educação no mundo todo que refletia no Brasil pelo Movimento da Escola Nova no Brasil que proclamaram o Manifesto Pioneiro da Escola Nova443, que pregava que a educação era sim o instrumento adequado para que acontecesse uma reconstrução nacional, de modo que poderíamos levar a cabo um projeto educacional que levaria à todos escola pública obrigatória e gratuita, a verdade foi que a Constituição de 1934 simplesmente acabou recepcionando as reformas instituídas pelo Ministro Francisco Campos que, pelos decretos de 1931444 enalteceu o ensino secundário e universitário 442 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de Julho de 1934. Disponível na internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm Acesso em março de 2012. 443 Manifesto Pioneiro da Escola Nova de 1932. Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" Faculdade de Educação - UNICAMP. Revista HISTEDBR On-line. Documento disponível na internet; http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf . Acesso em março de 2012. 444 Em 1931 o então jurista e Ministro da Educação promulgou o total de seis decretos:: a) Decreto n. 19.85º de 11 de abril de 1931 que cria o Conselho Nacional de Educação; b) Decreto n. 19.851 de 11 de abril de 1931 que dispõe sobre os novos rumos da educação secundária e superior; d) Decreto 19.852 de 11 de abril que dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; e) Decreto 19.890 que dispõe sobre a organização do Ensino Secundário; e) Decreto 20.158 de 30 de Julho de 1931 que dispõe organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências; f) Decreto 21. 241, de 14 de abril de 1931 que consolida as disposições sobre a organização do Ensino Secundário. 224 marginalizando o ensino primário. De sorte que educação continuo como estava desde o Brasil- colônia a privilegiar a elite dominante. Diz Romanelli sobre esse período445: A evolução do sistema educacional brasileiro vai refletir as tentativas de acomodação e o compromisso entre a ala jovem e a ala velha das classes dominantes. A partir de então, o Manifesto representa o pensamento do primeiro. As constituições e a legislação do ensino representam daí para cá, uma tentativa constante de acomodação dessas duas alas. Mas a prática educacional continuou a representar o predomínio das velhas concepções. E as lutas ideológicas entre o movimento renovador e os “representantes da escola tradicional”, como quer Fernando de Azevedo, tiveram consequências práticas na elaboração dos Textos das Constituições de 1934 e 1937.446 A Constituição Brasileira de 1937447 infelizmente proclamou que havia uma escola para pobres e outra para os filhos das elites ricas e abastadas pelo artigo 129 e pelo art.130. Sendo seu Texto enfático no art. 129 sobre a questão do ensino 445 ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 10ª. ed. São Paulo. Ed. Vozes, 1978, p. 151. 446 AZEVEDO, Fernando de. O Estado e a Educação in A Educação e seus Problemas. 3ª ed.. São Paulo: Melhoramentos, 1953, p. 228-303. 447 Interessante aportar sobre a introdução feita à Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada em 10 de novembro de 1937 ao povo brasileiro nos seguintes termos, pois muito demonstra os fatores reais de poderes vigente à época: “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo; Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o País [...]”Constituição de 1937 Disponível na internet http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm. Acesso em: março de 2012. 225 profissionalizante e referiu-se a ele “como um ensino destinado às classes menos favorecidas”, nos seguinte termos448: Art. 129 - [...] O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. Art. 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.. (g.n). E isso por si só já denunciava a ideologia do Governo, que favorecia com sua política educacional um sistema de discriminação social. Não foi observado por Francisco Campos, jurista e autor dessa Constituição que nos foi outorgada por Getulio Vargas que ao oficializar o ensino profissionalizante nesses termos, como ensino destinado aos pobres estava o Estado cometendo um ato leviano contra as instituições democráticas, mas é de se imaginar que isso pouco importava, para quem em apenas uma noite deu um golpe de estado e implantou uma ditadura e instalou na República Brasileira o “Estado Novo” A partir de 1942, o então, Ministro Gustavo Capanema do governo ditatorial de Getulio Vargas fez algumas inovações, renovou o ensino primário e o médio e aprimorou o ensino profissional449. E isso impeliu que as camadas populares a buscassem com mais frequência as escolas primárias e as profissionalizantes. Esse estrato da sociedade tinha pressa em se formar e procurava as escolas profissionalizantes como SENAI e SENAC, porque precisavam trabalhar mais cedo que 448 449 ALMEIDA, Antônio Mendes de. Constituições do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1963. a) Lei Orgânica do Ensino Industrial – Decreto-lei 4.073 de 30 de janeiro de 1942;b) Lei Orgânica que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI – Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942;c) Lei Orgânica do Ensino Secundário – Decreto-lei de 9 de abril de 1942;d) Lei Orgânica do Ensino Comercial – Decreto-lei 6.141 de 28 de dezembro de 1943; 226 os outros jovens em melhores condições de vida, e portanto, não podiam frequentar as escolas e o sistema de ensino oficial.450 Como podemos observar, o ensino profissional passa, a partir de então, a ser um ensino de indiscutível valor histórico, o que revelava a preocupação do governo de engajar pessoas qualificadas nas indústrias. É o começo de uma educação que sai de um extremo a outro, sai da desorganização que passou a ser a questão central desde o período Brasil- Colônia, que por ocasião da expulsão dos jesuítas ficou sem uma organização nacional por anos. Com Francisco Campos e Capanema saímos da educação literária (que passa a ficar unicamente reservada à elite), e vamos ao extremo oposto da burocracia que era totalmente voltada para implementação de uma educação elementar que visava unicamente desenvolver o parque industrial brasileiro. O governo brasileiro cria, assim, uma “cultura” para estruturar todo o sistema educativo de forma bem burocrática e legalista e isso vai se estender por longos anos, inclusive sob a regência da Constituição Cidadã de 1988. A educação brasileira, dessa maneira, fica estagnada no velho sistema dual, os ramos secundários e superiores de ensino continuam a ser frequentados apenas pela classes médias e altas, e bem observa Romanelli 451: A manutenção desse dualismo, ao mesmo tempo era fruto de uma contingência, decorrida da necessidade da sociedade controlar a expansão do ensino das elites, limitando o acesso a este às camadas médias e altas criando o derivativo para conter a ascensão das camadas populares, que fatalmente procurariam as escolas do ensino “interno”, se estas fossem acessíveis. Podemos concluir que o sistema educativo do Período Vargas de modo geral, iniciou a perpetração de sistema legalista positivista de discriminação social, pois, a legislação vigente acabou criando condições para que a demanda social da educação se diversificasse apenas em dois tipos de componentes: 450 ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. op.cit. p. 141 e s. 451 Idem, Ibidem, op.cit. p. 169. 227 a) componentes de estratos médios e altos que continuavam a fazer a opção pelas escolas que “classificassem socialmente”; b) componentes de estratos populares que passavam a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho. De qualquer maneira a Constituição de 1937 manteve para a educação um capítulo especial, do Artigo 128 a 134. Porém, conforme observa João Cardoso Palma Filho452: [...] a obrigação o Estado em matéria de educação fica muito modesta. Assim é que, logo de saída, o Art. 128 afirma ser “dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de uma e outras favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de ensino” Desaparece a exigência de um plano nacional de educação. A obrigação do poder público é, apenas, para aqueles que demonstrarem insuficiência de recursos para se manter numa escola particular. Nesse sentido, o ensino profissional passa a ser a principal obrigação do Estado em matéria de educação e destina-se ‘às classes menos favorecidas’ (artigo 129). Consigna-se que entre os anos de 1920 e 1940, até houve um declínio do índice de analfabetismo, que em outros períodos da história do Brasil havia, inclusive, chegado a atingir 90% da população, mas mesmo assim era, ainda, muito elevado como reporta Boris Fausto453: No setor educativo, entre 1920 e 1940 houve algum declínio do índice de analfabetos. Ele continuou a ser, porém, elevado. Considerando-se a população de 15 anos ou mais, o índice de analfabetos caiu de 69%, 9 em 1920 para 56,2% em 1940. Os números são indicativos de que o esforço pela expansão do sistema escolar produziu resultados a partir de índices muitos baixos de freqüência à escola em 1920. Estima-se que naquela época o índice de escolarização de meninos e meninas entre 5 a 19 anos que freqüentavam a escola primária em média era de 9%. Em 1940, o índice chegou a pouco mais de 21%. No que diz respeito ao ensino superior, houve um incremento de 60% do número total de alunos entre 1929 e 1939, passando de 13 200 para 21 200. 452 PALMA FILHO, João Cardoso. A Educação Brasileira no período de 1930 a 1960- A Era Vargas. Disponível na internet: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/107/3/01d06t05.pdf Acesso em: Janeiro de 2012. 453 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. op.cit., p. 217. 228 De tal sorte que todo esse cenário da educação brasileira da década de 1940 foi um cenário que deixou campo fértil para que se desenvolvesse uma política social opressora. E essa foi mais uma fase do sistema educativo brasileiro que ao invés de emancipar a pessoa humana acaba por oprimi- lá ainda mais, pois seu contato com todos os aspectos da realidade de sua vida e da sua comunidade passou, então a ficar fragmentado, já que não foi uma educação que tinha por objetivo principal o ensinar a fazer para autodesenvolver- se, ao contrário, o que almejava era unicamente enriquecer a elite. Em suma, tal educação que tinha por único viés o trabalho, tornava o ser humano um recipiente de informações úteis com atitudes e pensamentos mecanicistas, de maneira que o sistema educativo passou a ver o aluno como sendo mais um bem de capital, ou seja, em primeiro lugar seu potencial humano deve ser útil para o Estado e para o capital das indústrias. Sua felicidade pessoal ficou contida em segundo plano. Logo, a educação brasileira desse período, ao menos para grande massa e, ainda assim, quando era contemplada, cumpria o papel de formar seres humanos não críticos e não pensantes. Mas, com o fim da II Guerra Mundial estava presente no espírito das pessoas uma imensa indignação com a hediondez nazista, fascista e imperialista, de maneira que havia no espírito humano uma necessidade de se recompor o mundo. Desta feita, começa a despontar um movimento pelo constitucionalismo global, e por ele, a necessidade de se fundamentar as atividades da política, do mercado e das comunidades nos mais altos valores que visam dignificar a pessoa humana. O Brasil não passou incólume por isso e Getúlio Vargas, em tempo de se redimir, expediu assim a Lei Constitucional n.9, prevendo eleições diretas para Presidente da República e Parlamento. Em fevereiro de 1946 instala-se a Assembléia Nacional Constituinte, e lá estavam representados vários segmentos da sociedade, mas infelizmente eles tomaram por base para elaborar a Constituição de 1946, as Constituições de 1891 e a de 1934 e ela acabou sendo promulgada em 18 de setembro 229 de 1946. Entretanto, e ainda que sob a denominação de Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil454 e conforme aporta José Afonso da Silva455: Voltou-se, assim, às fontes formais do passado, que nem sempre estiveram conformes a história real, o que constituiu o maior erro daquela Carta Magna, que nasceu de costas para o futuro, fitando saudosamente os regimes anteriores, que provaram mal. Talvez isso explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente. Mas, assim mesmo, não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propiciando condições para desenvolvimento do país durante os vinte anos em que o regeu. O direito à educação pelo Art. 166 continua a ser consagrado como direito de todos, mas, será de responsabilidade do lar e da escola e deveria inspirar-se, segundo o seu Texto, nos princípios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana. Observamos que ao invés de usarem as palavras família e Estado, como na Constituição anterior usam as expressões lar e escola que podemos qualificar como expressões de uso mais popular e de mais afeto ao cidadão comum. Talvez tivesse sido essa uma tentativa do Constituinte de 1946, de aproximar a comunidade da Educação, já que seu texto impõe a responsabilidade direta pela educação sobre a família e a comunidade escolar, que deve ser considerado ainda que pelo Art. 167, que a educação dos diferentes ramos de ensino devesse ser ministrado pelos Poderes Públicos. A constituição de 1946 também abriu à iniciativa privada o direito de ministrar, concorrentemente com o poder público, o ensino, mas desde que ele respeitasse as leis e seguisse com os seguintes princípios: ensino primário obrigatório e ministrado na língua portuguesa; se o ensino primário fosse oficial era gratuito, porém gratuidade para o grau seguinte apenas se o aluno pudesse comprovar a insuficiência de recursos. E o ensino religioso, também passou a ser facultativo, nas escolas públicas. Em suma, essa foi a primeira Constituição a atender, em parte, o Manifesto Pioneiro da Nova Educação, porque ela contemplava a obrigatoriedade do ensino primário pela Lei Suprema. 454 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm Acesso em: março de 2012. 455 SILVA, José Afonso da. Cursos de Direito Constitucional Positivo op. cit. 83 230 Contudo, o ponto mais forte da educação ainda se concentrava numa educação voltada principalmente para o trabalho, na verdade uma educação que aprimorasse o crescimento industrial, pois, ela reforçava a importância do ensino profissionalizante ao determinar que as indústrias que tivessem mais de cem pessoas estavam obrigadas a manter para seus operários e filhos o ensino primário gratuito, conforme art. 168, inciso III. Entretanto, o povo um pouco menos analfabeto e entusiasmado com o carisma despótico de Getúlio Vargas o elege novamente nas eleições de 3 de outubro de 1950 e ele toma posse a 31 de janeiro de 1951. Foi eleito com 48,7% do total de votos porque a grande massa populacional brasileira à época tinha esperança de que ele cumprisse sua promessa de campanha, ou seja, de colocar em prática um novo programa socioeconômico. Mas, esse governo de “situação democrática” apesar de incentivar o desenvolvimento industrial e tomar providências para o investimento público nos sistemas de transporte energia, ainda manteve uma linha dura em relação as forças que a ele se opunham, de maneira que por vários acontecimentos que aqui não convém expor, ergueu-se contra ele um levante e frustrado e sem apoio da Forças Armadas, Getulio Vargas suicida-se.456 A partir daí começa uma ciranda de trocas sucessivas de Chefes do Executivo que se estende até o ano de 1963. Entretanto, no campo educacional, durante o governo Getulista, foi dado início ao que estava estabelecido pela Constituição para o sistema educativo, ou seja, era preciso que a União começasse a legislar sobre as Leis de diretrizes e bases da educação. O então Ministro Clemente Marini constitui uma comissão de educadores para estudar e propor um projeto que foi presidido pelo Prof. Lourenço Filho. Por esse projeto visava-se a reforma geral da educação nacional. E em 1948 ele dá entrada na Câmara e apenas em 1961, sete anos após a morte de Getúlio Vargas, e treze anos depois de sua entrada na Câmara dos Deputados é que ele acabou resultando na aprovação da Lei n. 4.024 de 1961. Lei de Diretrizes e Base da Educação que somente foi revogada em 20 de dezembro de 1996 pela Lei n. 9. 394. 457 456 BORIS, FAUSTO. op. cit. p. 224 e s. 457 ROMANELLI, Otaiza, op. cit. 231 A lei 4.024/61458 fundamentava-se já nos seus primeiros artigos pelos princípios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana para a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem, o fortalecimento da unidade nacional e a solidariedade internacional, desenvolvimento integral da personalidade humana, o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos para vencer as dificuldades do meio, a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como qualquer preconceito de classe e raça. Mas com tal lei, o que mudou na prática? Nada. Sua única vantagem, diz a doutrina educacional, foi ter prescrito um currículo fixo e rígido para todo o território nacional, o que trouxe mais organização para o ensino. O Art. 27 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 61 dava obrigatoriedade escolar ao ensino, mas, quanto à obrigatoriedade da frequência à escola primária nada referiu. E a frequência à escola primária é condição mínima e básica para a existência de qualquer regime democrático. Aliás, a situação beirava o absurdo face à disposição da obrigatoriedade em se frequentar o ensino primário. O Art. 27 falava da obrigatoriedade escolar ao ensino primário, mas o Art. 30 por seu parágrafo único praticamente anulava tal disposição nos seguintes termos: Parágrafo Único- Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei: a) comprovado o estado de pobreza do pai ou responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrículas encerradas; d) doença ou anomalias graves da criança. Além de tal artigo deixar evidente a situação socioeconômica que imperava no Brasil, manteve a estrutura tradicional de ensino, e dessa forma, o ensino continua a ser mantido de acordo com a legislação infraconstitucional anterior. Para um país, que não tinha recursos para sequer atender sua rede oficial de ensino, ou seja, que atingisse toda a população que estivesse em idade escolar, 458 Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 4.024 de 20 de Dezembro de 1961. Disponível da internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm Acesso em: março de 2012. 232 significava na prática, marginalizar 50% dessa população, e embora a lei 4.024/61 estivesse perfeitamente adequada à ordem constitucional social vigente e à composição das forças dominantes no poder, ela era um absurdo em termos de justiça social devido a essa incongruência normativa pelos artigos citados ou também porque não condizia com a realidade brasileira o velho dilema exposto por Konrad Hesse Constituição Real versus Constituição Jurídica. Por outro lado, tal lei de diretrizes e bases representou a oportunidade que o país perdeu para criar um modelo educacional que pudesse tanto se inserir no sistema geral de produção do país, como de se harmonizar com um certo progresso social já alcançado. Infelizmente as heranças culturais e as formas de atuação política foram suficientemente fortes para impedir que se criasse um sistema em que precisássemos a educação popular voltada para o ensino primário. No período de 1944 a 1951 enquanto se discutia o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da educação considerando 100% dos alunos que se matriculavam na 1ª série do primário, apenas 41,9% deles voltavam à escola para realizar a 2ª série. Para realizar a 3ª série, apenas 29% e para concluir a escola elementar, ou seja, frequentar até a 4ª série primária, apenas 17%. Desses, no mesmo período davam seguimento ao estudo para ingressar à 5ª série apenas 7,9%, para a 6ª série 5,9%, para a 7ª série seguiam apenas 4,9% e concluía o ensino complementar apenas 4,0% daqueles. Ainda entre 1948 a 1951, os números apontam que esse quadro pouco se alterou dos 100% de alunos matriculados que iniciavam a 1ª série primária. Apenas 16,1% chegavam até a 4ª série primária e desses apenas 4,2% terminavam a 8ª série ginasial. E de 1956 a 1963, ou seja, considerando ao menos um período que inclui três anos de vigência da Lei 4.024/61 (mesmo período em aconteceu uma conturbada transição política) o quadro pouco se altera: dos 100% matriculados na 1ª série apenas 40% vão para a 2ª série, 30,2% passam para a 3ª série e 20,7% terminam a 4ª série. Este quadro vai permanecer pouco inalterado até 1971, em tempos de plena de ditadura quando dos 100% dos alunos, que tinham se matriculado na 1ª série do primário 24% conclui a 4ª série e 10% concluem a 8ª série. Contudo, isso se deve ao fato de ter sido modificado por lei o período obrigatório de frequência escolar. O período mínimo de anos obrigatórios de escolaridade, ou seja, em que deve um aluno permanecer na escola passou de quatro para oito anos. 459 459 Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Serviço de Estatística da Educação e Cultura. Tabela extraída de: Anuário estatístico do Brasil 1979: IBGE. V. 40, 1970 acesso pelo portal eletrônico: 233 Em 1966, Florestan Fernandes faz uma análise crítica educacional para esta época460: Os países subdesenvolvidos são, os que mais dependem da educação como fator social construtivo. Tais países precisam de educação param mobilizar o elemento humano e inseri-lo no sistema de produção nacional, precisam da educação para alargar o horizonte cultural do homem, adaptando-se ao presente a uma complicada trama de aspirações, que dão sentido e continuidade as tendências de desenvolvimento econômico e do progresso social; e precisam para formar novos tipos de personalidade, fomentar novos estilos de vida, e incentivar novas formas de relações sociais, requeridos ou impostos pela gradual expansão da ordem social democrática. Todavia esses países não encontram, na situação sócio-cultural herdada condições que favoreçam quer uma boa compreensão dos fins, quer uma boa escolha dos meios para atingi-los. Mesmo os recursos materiais, humanos e técnicos, mobilizados efetivamente, acabam sendo explorados de maneira eternamente irracional e improdutiva. Mais uma vez, a manutenção do atraso da escola em relação à ordem econômica social era uma decorrência da forma de como se organizava o poder, portanto, servia a educação, aos grupos com ela envolvidos. Cuidou ser em primeiro da implantação de um sistema educativo que visava apoiar o Estado a alcançar seus objetivos, e se nesse trajeto, quem sabe, conseguisse o indivíduo por conta própria ingressar no sistema e assim desenvolver suas potencialidades. Realizar-se como pessoa era puro acaso e coincidência, pois a força de vontade individual - educere- tinha que atuar sozinha contra as forças políticas e sociais dominantes, sem a conjugação do educare dever do Estado. Assim, inicia-se a fase de governos populista no Brasil, que forma campo fértil para a instalação de uma ditadura imposta por uma junta militar que vai perdurar por vinte e um, longos, anos. O primeiro governo populista foi o do Presidente Juscelino Kubitchek de Oliveira, conhecido como JK. De acordo com Boris Fausto461, os chamados “anos JK”, http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/palavra_chave/educacao/palavra_chave_educacao.shtm em 30 de março de 2012. 460 FERNANDES, Florestan- Educação e Sociedade no Brasil, São Paulo: Dominus,1966. p. 351 234 em comparação a Getúlio Vargas podem ser considerados de estabilidade política. Discursavam embalados pelo crescimento econômico e pela construção de Brasília em: “os cinquenta anos em cinco”. Tal propaganda repercutiu em todas as camadas da população e desde que se preservasse a ordem interna e se combatesse o comunismo, as Forças Armadas, em sua maioria, estavam dispostas a garantir o regime democrático. Contudo, tanto investimento em aparelhar o Estado exigiu que o governo brasileiro fosse buscar dinheiro com o Fundo Monetário Internacional – FMI- e isso fez com que os sindicalistas politizados, à sua maneira, criticassem seu modelo de governança, argumentando-se inclusive que ele estava vendendo o Brasil e a soberania nacional aos bancos estrangeiros. De modo que, não tendo mais um caráter popular, perde as eleições para Jânio Quadros, quem, como chefe do Executivo da União, fica apenas sete meses, pois renuncia a favor de seu vice João Goulart. Esse presidente era percebido como comunista, e os militares, por causa dessa imagem, se insurgem fortemente contra a sua posse. A solução foi votar às pressas uma emenda constitucional parlamentarista, (E. C. n. 4 de 2.9.61), para retirar dele “ponderáveis poderes”. João Goulart se rebela contra isso e consegue aliar forças para realizar um plebiscito e o povo vota contra o parlamentarismo de maneira que ele assume a presidência, conforme aporta José Afonso da Silva sobre tais fatos462: João Goulart tenta equilibrar-se no poder acariciando a direita, os conservadores e a esquerda. E apesar de tudo, a economia prosperou e a inflação muito mais. Jango, despreparado, instável, inseguro, demagogo, desorienta-se. Perde o estribo o poder. Escora-se no peleguismo, em que fundamentará toda a sua carreira política. Perde-se. Sem prestar atenção aos mais sensatos, que, aliás, despreza, cai no dia 1º de Abril de 1964, com o Movimento Militar instaurado no dia anterior. O governo de João Goulart foi um governo de massa bem populista que dividiu a nação. Pois, no campo social falava-se em reforma agrária por meio do instituto da desapropriação para a utilidade e ou necessidade pública, mediante indenização. Mas, para tanto, era preciso reformar a Constituição. Porém, essas reformas de base nunca 461 FAUSTO, Boris. op.cit.; p. 233 462 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo op. cit. p. 85. 235 foram destinadas a implementar um Estado Social, mas, sim foram uma tentativa de modernizar o capitalismo para que houvesse redução das desigualdades sociais com a interferência do Estado em questões pontuais. As classes dominantes do país resistiram fortemente a essa mudança e a burguesia do país decidiu seguir outro caminho separando-se do governo. 463 No campo educacional desse período conturbado da política, merece destaque a pressão para que se estendesse o voto aos analfabetos e o início da pedagogia do educador Paulo Freire. A prefeitura Municipal de Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, dá início a uma campanha de alfabetização “De pé no Chão também se Aprende a Ler”. Por ela, Paulo Freire se propôs a alfabetizar, em 40 horas, adultos analfabetos. A experiência também acaba sendo adotada pela cidade de Angico, no mesmo Estado, e depois vai até a cidade de Tiriri, no Estado de Pernambuco.464 Paulo Freire com a pedagogia do oprimido, para Romão465: sobretudo legou à educação uma maneira nova de se raciocinar a realidade. A educação, para Paulo Freire, nos faz ler a realidade com outros olhos. Daí que sua didática inspirava e direcionava não apenas dimensionar questões que envolvessem trabalhadores analfabetos, ela também era uma educação provocadora, pois instigava o ser humano a ser emancipado e autônomo, enfim livre. Sua didática provocava conscientização e politização, e com tais níveis de consciência despertado o homem passaria a ter o poder de modificar sua própria realidade. Sua pedagogia foi tão importante que em 1962, inspirado por seu método, cria-se o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Educação, porém o Golpe Militar de 1964 muda tudo e essas iniciativas são abortadas “sob o pretexto de que as propostas de Paulo Freire são ‘comunizantes e subversivas’.”466 463 BORIS, Fausto p. 252. 464 HISTORIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL - Período da Nova República de 1946 a 1963. Disponível na internet http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb09.htm Acesso em: março de 2012. 465 466 ROMÃO, J. E. Paulo Freire e o pacto populista. 25ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. HISTORIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL - Período da Nova República de 1946 a 1963. Disponível na internet http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb09.htm Acesso em: março de 2012. 236 Começa assim a ditadura mais longa e autoritária pela qual o Brasil já passou. Mas, essa foi uma ditadura que se distanciava daquela imposta em anos anteriores por Getúlio Vargas, ela não era uma ditadura pessoal de partido único467. O poder foi dominado por um Comando Militar Revolucionário que começa a realizar prisões arbitrárias de todos aqueles que se colocam ao lado de Jango ou que têm ideias de “esquerda”. “O movimento de 31 de Março de 1964 tinha sido lançado, aparentemente, para livrar o país da corrupção e do comunismo e para restaurar a democracia”468. Com essa justificativa, é expedido o primeiro ato institucional, A.I. 1, em 9 de abril de 1964, que a princípio mantém a ordem constitucional, porém, cassa mandatos e suspende direitos políticos. Na presidência da República, o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco governou por três anos com base nesse ato institucional e outros atos complementares. A seguir veio o A.I. 2 e o A.I 3 e O A.I. 4 que regulou o procedimento que o Congresso teve que obedecer para aprovar o projeto de Constituição apresentado pelo governo militar. E em 24 de janeiro de 1967, outorga-se a Carta Constitucional de 1967 que era o resumo da Constituição de 1946 com introduções feitas pelos atos ditatoriais dos atos institucionais. 469 De maneira que, como bem compreende Boris Fausto a ditadura implantada em 31 de março de 1964 pode ser comparada a um condomínio470: O regime implantado em 1964 não foi uma ditadura pessoal. Poderíamos compará-la a um condomínio em que um dos chefes militares - general de quatro estrelas - era escolhido para governar o país com prazo definido. A sucessão presidencial se realizava de fato no interior da corporação militar, com audiência maior ou menor da tropa conforme o caso e a decisão final do alto comando das Forças Armadas. Na aparência, de acordo com a legislação, era o Congresso que elegia o presidente da República, indicado pela Arena. Mas, o Congresso, descontados os votos da oposição, apenas sacramentava a ordem vinda de cima. 467 FAUSTO, Boris. op.cit.; p. 283 468 Idem, Ibidem, p. 257 469 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 86 470 Idem, Ibidem, p. 283 – 284 237 Podemos observar que essa ditadura se distancia da de 1945, pois, os militares não governaram sozinhos, eram autoritários, mas, não se alinhavam ao fascismo, ainda que na educação tivessem introduzido reformas que visassem enaltecer o amor à pátria e o nacionalismo. Não foi um regime que paralisou massas e letrados para apoiá-lo, ao contrário a oposição continuou a “ser dominante nas universidades” . A diferença reside no fato de que ainda existia um Congresso, mas ele deixa de ter importância, os políticos profissionais perdem força para o comando militar em questões que envolvem decisões afetas à estrutura, organização, principalmente, no que diz respeito à Segurança Nacional que deve, principalmente, atuar contra setores que reivindicam melhorias sociais, de maneira que estudantes, operários organizados e camponeses perdem força. O único segmento que se manteve pouco mais firme são os sindicatos, pois deles não foi retirado sua base de sustentação econômica, o imposto sindical.471 Os militares adotaram uma ideologia no campo político econômico que manteve o Estado como uma forte presença. Entretanto, durante anos não atuaram diretamente, deixaram na mão de civis, “dos poderosos ministros da Fazenda e do Planejamento”. Nesse sentido, ampliaram o que JK havia feito, e assim estimularam mais ainda os empréstimos externos e o ingresso de capital estrangeiro, principalmente dos americanos, processo que por fim atravancou o Brasil, fazendo com que ele tivesse uma divida externa assustadora. Futuramente, essa prática levou a classe trabalhadora à um profundo arrocho salarial devido a atos índices de inflação que persistiu durante décadas. Do estrangeiro adotaram e utilizaram da absurda e medonha ideia de se combater “o perigoso” comunismo com torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados, e como veremos aceitaram que os “estrangeiros” ditassem o que se poderia ler e produzir academicamente. De maneira que a ditadura militar se opôs à política econômica de Jango que, inspirado pelo seu “peleguismo”, tentou promover economicamente o desenvolvimento autônomo a partir da burguesia nacional.472 471 Idem, Ibidem, p.285 472 Idem, Ibidem, p. 285 238 Nisso entra em vigor a Constituição de março de 1967,473 assumindo a presidência o marechal Arthur da Costa e Silva, cuja principal preocupação era a segurança nacional, daí ele ter simplesmente centralizado todo o poder na União nas mãos do seu chefe, ele mesmo. Entre outras práticas, reformulou a ordem tributária, a orçamentária e instituiu normas de fiscalização. Ainda assim, conforme ressalva José Eduardo Faria, entre o final dos anos 1960 e 1970, o Brasil obteve taxas de crescimento superiores às da maioria dos países industrializados474: A indústria de bens de consumo durável eliminou o problema crônico de capacidade ociosa e o setor financeiro consolidou-se como agente financiador do processo de substituição de importações, iniciando-se então uma nova etapa no desenvolvimento industrial. Mas, no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, durante a vigência da Constituição de 1967, eles foram reduzidos drasticamente e a autonomia individual passou a ser limitada. O único mérito nessa limitação diz respeito ao direito de propriedade que foi limitado com a intenção de se promover a reforma agrária o que de fato nunca aconteceu. A Constituição de 1967, também, teve o mérito de definir “mais eficazmente os direitos dos trabalhadores”. 475 Contudo, diante das circunstâncias de total privação de direitos políticos tais méritos estavam em grande parte comprometidos. No Título que cuidava da educação, o governo militar realizou algumas modificações que a princípio pareciam estar voltadas ao aprimoramento do ensino, como, por exemplo: pelo Art. 168, inciso III, que consagrava que o ensino secundário seria gratuito e inclusive seriam concedidas bolsas de estudos nos casos em que fosse 473 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967 . Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm Acesso em: março de 2012. 474 FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p.14. 475 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 87 239 justificado tal subsídio; e visando maior estabilidade da carreira do magistério público ficou definido que o ingresso seria por meio de concurso público. Mas, ainda que tivessem mantido boa parte do ordenamento constitucional anterior para o direito à educação como um direito de todos, que deveria ser ministrado no “lar” e “na escola”, para que se fosse assegurada a igualdade de oportunidades, o seu ensino deveria inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e da solidariedade. Ora, a verdade é que “uma vírgula para bom entendedor é uma palavra”, e a expressão unidade nacional em tempos de atos institucionais que cassam direitos políticos em que vigoram a censura somente pode significar o enaltecimento de um ensino autoritário ultranacionalista que visava enaltecer e perpetrar no poder os algozes da democracia. Nesse sentido Boris Fausto diz que476: Os estudantes que tinham tido um papel de relevo no período Goulart foram especialmente visados pela repressão. Logo a 1º de abril, a sede da UNE no Rio de Janeiro foi invadida e incendiada. Após sua dissolução, a UNE passou a atuar na clandestinidade. As universidades constituíram outro alvo privilegiado. A Universidade de Brasília, criada com propósitos renovadores e considerada subversiva pelos militares, sofreu invasão um dia após o golpe. E quando veio o decreto AI 5 de 13 de dezembro de 1968, rompe-se definitivamente com a ordem constitucional até então vigente477: O AI-5 foi o instrumento de uma revolução dentro da revolução ou de uma contra-revolução dentro de uma contra-revolução. Ao contrário dos atos anteriores, não tinha prazo de vigência. O Presidente da República voltou a ter poderes para fechar provisoriamente o Congresso, o que a Constituição de 1967 não autorizava. Restabeleciam-se os poderes presidenciais para cassar mandatos e suspender direitos políticos, assim como para admitir ou aposentar servidores públicos. A partir do AI-5, o núcleo militar do poder concentrou-se na chamada comunidade de informações, isto é, naquelas figuras que estavam nos comandos dos órgãos de vigilância e repressão. Abriu-se um novo ciclo de cassação de mandatos, perda de direitos e de expurgos no 476 FAUSTO, Boris. op.cit.; p. 258 477 Idem, Ibidem, p. 265 240 funcionalismo, abrangendo, muitos professores universitários. Estabeleceu-se na prática a censura aos meios de comunicação; a tortura passou a fazer parte integrante dos métodos do governo. Após uma moléstia, o então, Presidente Costa e Silva não poder continuar governando e pelo A.I 12 foi considerado legalmente impossibilitado e sob essa condição foi impedido de continuar a presidir a chefia do Poder Executivo. E foi, então, substituído por uma junta militar, concedendo assim o Poder Executivo, aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar preparam um novo Texto Constitucional, que foi publicado em 17.10.69, como EC n. 1 à Constituição de 1967, para entrar em vigor em 30.10.69.” 478. No campo educacional o ensino com fundamentos ultranacionalistas o regime ditatorial deu efetivo exercício a uma “pedagogia bancária” 479 que passou a contaminar todo o currículo escolar. Podemos considerar que o governo ditatorial até não tinha conseguido mobilizar massas a seu favor, mas com certeza “doutrinou” o povo brasileiro para fazê-lo acreditar que o governo finalmente estava fazendo algo realmente muito bom para o crescimento e desenvolvimento do Estado Brasileiro. Essa contaminação pedagógica foi disseminada pela introdução no currículo escolar da disciplina Moral e Cívica, voltada ao ensino primário, no ensino médio pela disciplina Organização Social e Política e Brasileira e nos graus superiores e de pósgraduação pela mesma disciplina que então passava a ser nomeada de Estudos dos Problemas Brasileiros. Todas foram elaboradas pela Comissão Nacional de Moral e Civismo, criada pelo Decreto-lei n. 869 de 12 de Setembro de 1969, que estava diretamente subordinada ao Ministro da Educação formada por nove membros nomeados diretamente pelo Presidente da República, competindo a ela articular-se com as autoridades civis e militares para que a Educação Moral e Cívica fosse 478 479 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 87 VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho e BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de Educação em Paulo Freire. 2ª ed. São Paulo: Mack Pesquisa. Rio de Janeiro: Vozes, 2006, p. 83. Verbete Educação Bancária: designação dada por Paulo Freire aquele tipo de educação que tem uma abordagem pedagógica “pela qual o educador é mero agente transmissor de informações. Por essa concepção, o único papel do educador é o de expor/impor conhecimentos, não havendo espaço para discussão ou reflexão, sua missão é meramente informativa.” Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das ideologias da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra no outro.” 241 implementada. Ainda que tivesse por objetivos “preparar as gerações futuras para o exercício das atividades cívicas fundadas nos princípios da Democracia, do respeito à Lei e do espírito do amor à Pátria.” Visando “a preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana, o fortalecimento da unidade nacional e o aprimoramento do caráter.” 480 Na verdade, a educação escolar estava longe de se integrar à realidade. Era impossível fazer críticas ou expor qualquer opinião contrária ao governo. Durante as aulas expositivas de “respeito à Lei e do espírito do amor à Pátria”, enquanto centenas de alunos secundaristas e universitários sentavam no banco escolar para abrir seus livros de moral e cívica, de organização social e política brasileira e de estudos dos problemas brasileiros, outros tantos juntamente com seus professores eram torturados e assassinados, ou então, desapareciam nos “porões da ditadura.” E sobre esse fato nefasto da história brasileira e da educação brasileira com certeza não se discutia em voz alta nas escolas e muito menos era notícia que podia ser veiculada pelos jornais. Nesses anos ficaram famosas as receitas de culinária, e até hoje se tenta costurar os remendos do frágil sistema educativo brasileiro que foi destroçado pelo regime militar, de modo que até hoje é impossível se chegar à verdade dos fatos, mesmo porque o trabalho nesse sentido pouco mostra progresso. Infelizmente o Supremo Tribunal Federal, 30 anos depois, no ano de 2011em decisão sobre a Lei de Anistia 6.683/79, acabou por perdoar os assassinos e torturadores que atuaram contra movimentos de resistência à ditadura militar. Contudo no inicio do ano de 2012 o Estado Brasileiro acabou sofrendo sua primeira condenação internacional sobre os acontecimentos cruéis que aconteceram durante o Golpe de 1964 e pelo Ato Institucional nº 5 de 1968. Mas, até onde sabemos, o sistema educativo guiado pelo governo ditatorial teve ao menos um diminuto mérito e manteve alguma campanha em prol de erradicar o analfabetismo pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL – criado pelo Decreto-Lei n. 5.379 de 15 de Dezembro de 1967, que inicialmente até se inspirou no projeto didático de Paulo Freire, porém o então governante do país, que já havia exilado o pedagogo alterou seu projeto de maneira tal, que permaneceu o aprendizado da leitura, mas, nela não ficou incluída, de maneira alguma, a consagração da educação como meio de conscientização da realidade e muito menos algum tipo de educação que levasse à politização do brasileiro. 480 Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. op. cit. p. 143. Verbete: Comissão Nacional de Moral e Civismo. 242 Dessa feita, o Decreto-Lei 5.379/67 foi reformulado em 1970 pelo, então, Ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho, que se propunha objetivamente a realizar um programa intensivo de alfabetização de adolescentes e adultos entre 12 e 35 anos. O programa tinha caráter permanente e só terminaria com a erradicação do analfabetismo. Ele também tinha por meta oferecer oportunidade para uma semiqualificação ou aperfeiçoamento do homem que já estivesse alfabetizado para que ele assim, educado, se tornasse capaz por esforço próprio progredir e nesse processo de autoajuda também, alavancasse o progresso do Brasil481. Com tais metas muito bem colocadas, o Decreto-Lei, reformulado, convocava toda a comunidade brasileira para participar dessa cruzada contra o analfabetismo, tanto que tinha por base o voluntariado e oferecia treinamento aos alfabetizadores e material didático (autoinstrutivo) para os grupos que tivessem ao menos 20 alfabetizandos e os postos de aprendizagem eram cedidos gratuitamente pelas igrejas, clubes e sociedades recreativa. O Mobral tinha personalidade jurídica e respondia diretamente ao gabinete do Ministro da Educação e Cultura. Por política operacional adotou-se a descentralização, pois considerava “o município e o esforço da comunidade municipal como ponto de partida e a célula principal do movimento.” Era financiado pelos recursos que provinham das verbas orçamentárias do Ministério da Educação, de parte da arrecadação da Loteria Esportiva e dos auxílios que viessem do Decreto-lei 1.124 de 8 de setembro de 1970 que facultou às pessoas jurídicas destinar na Declaração do Imposto de Renda, no ano base, 1% em favor do MOBRAL, que podia também ser antecipado em até 2%, mas essas contribuições eram opcionais.482 E apesar do MOBRAL ter mobilizado o Brasil com a campanha que tinha por slogan: “Você também é responsável”, na verdade ele somente começou a receber verbas três anos após sua criação em 1967 e durou 15 anos. E é hoje abertamente 481 482 Idem, Ibidem, p. 453 Idem, Ibidem, p. 454 243 considerado um dos maiores fracassos da educação brasileira de acordo com a reportagem do Estadão de 8 de setembro de 2010483: Sérgio foi tirar carteira do INPS. Ele agora está seguro. Tem seu futuro garantido". "O povo vive em ordem. O povo ajuda o país. Todos devem ajudar". Estes são dois exemplos de texto distribuídos pelo Mobral. As palavras de ordem eram otimismo e esperança. Para o governo da época bastaria o cidadão obter o diploma do Mobral e tirar sua carteira do INPS para ter o futuro garantido. Em seu primeiro ano de funcionamento o Movimento Brasileiro de Alfabetização teve sete milhões de alunos matriculados, ou 38% dos analfabetos do País na época. O Mobral durou 15 anos - foi extinto em 25 de novembro de 1985 pelo presidente José Sarney - e se transformou num dos maiores fracassos educacionais da história do Brasil. Diplomou apenas 15 milhões dos 40 milhões de brasileiros que passaram pelas suas salas, diminuindo em apenas 2,7% o índice de analfabetismo no País. Observamos que em 1970: 96,9% das crianças entre as idades de 7 e 9 anos em famílias cujo rendimento era inferior a um salário mínimo estavam fora da escola e 77,3% das que estavam entre 10 e 14 anos com o mesmo rendimento familiar também estavam nessa lamentável situação.484 E ainda que durante a vigência da democrática Constituição de 1946, João Goulart tivesse aderido às ideias de Paulo Freire essas foram desvirtuadas e acabaram sendo usadas para canalizar as ideias do capital estrangeiro e a educação surgiu nesse panorama como um processo para acalmar a crise. A verdade é que as medidas governamentais trabalharam apenas algumas defasagens de maneira pontual e a educação não acompanhou o progresso. O que facilitou muito para os militares que também golpearem a Educação, tanto que entre 1964 e 1970 além das reformas universitárias, foram realizados 10 acordos nomeados de “acordo MEC- USAID” que foi criticado pela juventude brasileira e por Moreira Alves, à época, como uma tentativa de dominação do futuro das gerações brasileiras pela imposição de um sistema de 483 SACONI, Roseli. Mobral Fracasso do Brasil Grande. Disponível na Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mobral-fracasso-do-brasil-grande,606613,0.htm Acesso em: abril de 2012. Matéria publicada em 8 de setembro de 2010 no Jornal Estado de São Paulo. 484 Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados fornecidos da tabela extraída no anuário estatístico do Brasil de 1979. Rio de Janeiro: IBGE, v.40, 1979. 244 ensino baseado nos interesses norte-americanos.485 Tais acordos foram realizados em segredo de Estado entre representantes do Governo Americano e do Brasil, pouco se sabia sobre eles e somente após ter sido dado início a um processo de apuração por crime de responsabilidade é que seus integrantes vieram a público com algumas informações, mas não todas, é claro, e conforme denunciado pelo então deputado Moreira Alves no estudo já referenciado: Os planos feitos pela USAID para o ensino primário, médio e superior não foram publicados. Aqui e ali, no entanto, descobrimos sinais da sua existência. É o caso, por exemplo, das propostas que se renovam de se transformarem as universidades federais existentes em fundações. A transformação das universidades brasileiras em fundações não representa apenas uma tentativa de se restringir ainda mais as já quase nulas possibilidades de acesso dos filhos da pequena classe média e do operariado ao ensino superior, o que lhes proporcionaria ascensão social. Vai muito além. É a colocação de todo o sistema universitário brasileiro na dependência do interesse direto e imediato do poder econômico norte-americano no Brasil. Uma das cláusulas desse acordo chegou a impor que durante três anos o Brasil não poderia editar e comercializar nenhum livro didático sem que antes ele passasse pelos critérios da agência Agency for International development – AIDE – que tinha por função não a concepção de estabelecer uma estratégia para o desenvolvimento da educação, mas sim influenciar e facilitar estratégias nos setores em que seus conhecimentos, experiências e recursos financeiros pudessem representar uma força construtiva para atingir os objetivos visados. O MEC – Usaid também visaram as reformas de 1º e 2º graus, mas principalmente queriam que os estudantes brasileiros obtivessem uma profissão antes mesmo de chegar ao ensino universitário. Mais uma vez a educação era instrumento para realizar discriminação social, pois essa profissionalização do nível médio foi vista como uma exigência dos militares no poder que visam fortalecer o desenvolvimento capitalista; o seu resultado seria “selecionar” os mais capazes para a universidade, dar ocupação aos considerados “menos capazes”. Além disso, conteria a demanda da educação superior em limites mais estreitos, diminuindo os excedentes universitários 485 ALVES, Márcio Moreira. Beabá dos MEC-Usaid. Riode Janeiro: Gernasa, 1968. Disponível na internet: http://www.dhnet.org.br/verdade/resistencia/marcio_alves_beaba_mec_usaid.pdf Acesso em: abril de 2012. 245 ganhava a industrialização, pois ainda poderia contar com alguma especialização ao mesmo tempo em que contava com mão de obra barata. Foi assim que caminhou a democratização da educação em tempo de ditadura: para os mais pobres e analfabetos Mobral e semiqualificação; para as crianças, um ensino precário, visto que em sua maioria eram miseráveis e, dessa forma, não precisavam chegar a lugar algum, já que alguém tinha que catar o lixo nos aterros sanitários e trabalhar como escravos para os carvoeiros; para a classe média, profissionalização mais barata e para os universitários, mordaça e mortalha. Esses procedimentos facilitavam bastante a vida dos militares detentores para do poder político porque ao invés de cuidar da educação e do bem estar- comum podiam cuidar de coisas mais importantes, como por exemplo, esconder seus crimes contra a humanidade e censurar qualquer palavra, expressão ou vírgula que fosse contrária ao seu regime revolucionário. O interesse em manter o povo cativo ao analfabetismo e ao semianalfabetismo vinha ao encontro com as mais profundas inspirações da ditadura, pois, como sabemos a educação causa um empoderamento a quem o leva à serio. De maneira que, quem estuda aprende a analisar criticamente a realidade, e esse modo de pensar implica em questionamentos o que pode suscitar resistência aos regimes impostos. Nesse sentido, questionamentos e resistência eram condutas rechaçadas pelos militares que se traduziam em um governo tirano, despótico e corrupto. Contudo, esses fatos não impediram que a brava gente lutasse pela normalização da democracia no país. Estudantes, políticos, sindicalistas aos poucos e muito aos poucos um sucedendo aos outros, durante 21 anos, foram lutando contra a ditadura. Objeções nesse período significavam, antes de tudo, interrogar acerca das torturas e desaparecimentos de filhos, filhas mães e pais, esposas, maridos, irmãos e amigos. Era indagar a ausência de uma Constituição Democrática, mas, também, significava questionar a econômica política brasileira que passava pelo seu chamado “milagre”, que era promovido pela propaganda do governo com o seguinte slogan “Brasil grande potência”. Era possível influenciar muita gente com esse slogan já que agora mais de 40% dos lares brasileiros possuíam televisão, influência que teve ajuda da 246 TV Globo que com o apoio do governo naquela época havia conseguido se expandir para uma rede nacional, o que facilitou o controle do governo. 486 Para quem quer compreender a concretização de direitos sociais no Brasil por meio de políticas públicas sociais desenvolvidas no Brasil precisa compreender o que foi chamado pelos governantes no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 de “o milagre brasileiro”. Nesse sentido, a problemática que o Brasil enfrenta com relação a não efetivação dos direitos sociais é em grande parte um legado que nos foi deixado por esse período. O “milagre” foi planejado, tendo o Ministro Delfim Neto à sua frente, para que, em primeiro lugar, o estado brasileiro se beneficiasse do braço direito do neoliberalismo, a globalização da economia, que pôs no mercado uma ampla disponibilidade de recursos e incentivou que países em franco desenvolvimento aproveitassem-se disso para tomarem empréstimos externos. Pedimos empréstimos e, também, recepcionamos o capital estrangeiro que em 1973 já havia alcançado o nível anual de US$ 4,3 bilhões, quase o dobro de 1971 e três vezes mais do que o ano de 1970. Nesse período, houve também uma grande expansão do comércio exterior e o governo tratou de incentivar à exportação de produtos industriais, por meio da cessão de créditos favoráveis e isenção e ou redução de tributos. Feito isso, se aumentou a arrecadação de tributo, diminuiu-se o déficit público e a inflação: o milagre está feito! 487 Contudo, “o milagre” teve seus pontos vulneráveis e negativos, sendo o principal ponto vulnerável dele, relatado por Boris Fausto referenciado acima: a dependência excessivamente do sistema financeiro e do comércio internacional, o que nos levou a ficar cada vez mais dependente dos produtos importados, entre eles o petróleo. No entanto, o grande ponto negativo e não divulgado pelos responsáveis por tal milagre foi a questão social, que envolveu um impactante arrocho salarial. Nas palavras do historicista: 486 FAUSTO, Boris. op.cit.; p.268 487 Idem, Ibidem, p. 279 247 Os aspectos negativos do “milagre” foram principalmente de natureza social. A política econômica de Delfim Neto privilegiou a acumulação de capitais, através das facilidades apontadas e da criação de um índice prévio de aumento de salários em nível que subestimava a inflação. Do ponto de vista do consumo pessoal, a expansão da indústria, notadamente no caso do automóvel, favoreceu as classes de renda alta e média, mas os salários de baixa qualificação foram comprimidos. Ou seja, os pobres ficaram cada vez mais pobres, e isso significa dizer que começa uma elevadíssima concentração de renda na mão dos mais ricos, desse modo, desigualdade social aumentou. Contudo, ela foi levemente atenuada, pois estava em andamento uma expansão das oportunidades de emprego, e assim houve um maior número de pessoas trabalhando. Logo, o arrocho salarial do mais pobre não foi tão sentido, a não ser pelo paupérrimo. Outro impacto negativo do milagre que perdura depois dele, agora muito mais por uma questão de cultura política, é que houve uma desproporção entre o avanço econômico e o retardamento e até mesmo o abandono dos programas sociais pelo Estado488: (...) O Brasil iria notabilizar-se no contexto mundial por uma posição relativamente destacada pelo seu potencial industrial e por indicadores muito baixos de saúde, educação, habitação, que medem a qualidade de vida de um povo. O “capitalismo selvagem” caracterizou aqueles anos e os seguintes, com seus imensos projetos, que não consideravam nem a natureza nem as populações locais. A palavra “ecologia” mal entrara nos dicionários e a poluição industrial e dos automóveis parecia uma benção. No governo Médici, o projeto da rodovia Transamazônica representou um bom exemplo desse espírito. Foi construída para assegurar o controle brasileiro na região – um eterno fantasma na ótica dos militares – e para assentar em agrovilas trabalhadores nordestinos. Após provocar muita destruição e engordar as empreiteiras, a obra resultou em um fracasso. Assim, a partir de 1974, os ditadores se viram incapacitados de lidar com o modelo de desenvolvimento que idealizaram para o país que, segundo José Eduardo Faria489: 488 Idem, Ibidem, p. 279. 489 FARIA, José Eduardo. op.cit.; p. 14 248 [...] possuía brechas suficientemente amplas para gerar obstáculos à sua execução. Com o impacto negativo do primeiro choque do petróleo, o regime autoritário se revelou incapaz (a) de promover uma reformulação nos seus gastos, funções e responsabilidades; (b) de administrar o crescente conflito entre os interesses do capital industrial; (c) de redefinir o papel do capital produtivo no esforço de substituição de importações; (d) de avaliar corretamente as conseqüências da mudança de comportamento do capital externo (...) Tendo, nos períodos de rápido crescimento, criado novos órgãos, assumido o papel de empresário e formulado políticas de longo prazo a partir de critérios super-estimados, o regime superpôs agências burocráticas, empresas públicas e gastos não controlados; ao agir desse modo, acabou comprometendo a racionalidade da ação estatal e reduzindo a liberdade de seus governos para rever as prioridades do setor estatal em face das crises energética e financeira. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, há uma crise social, política, econômica em todos os setores. Em 1973, no governo de Médici que havia começado um processo de abertura política, lento e gradual, ocorre a primeira crise de petróleo internacional, a qual afeta profundamente o Brasil que importava mais de 80% do total de seu consumo. Em 1974, toma posse o General Geisel, que tenta por meio de planos econômicos conter a crise; mas ele tinha que lidar com o arrocho salarial que passou a ser indexado anualmente o que desagradava profundamente os assalariados, e ainda teve que lidar com o pagamento das taxas de juros dos empréstimos internacionais. Os líderes sindicais que protestaram foram severamente reprimidos, mas desses embates saíram fortalecidos e em 1979 cerca de 3,2 milhões de trabalhadores entraram em greve. Nessa época, começa a se destacar os sindicalistas do Grande ABC paulista, reconhecido como polo industrial, pela sua notável organização que por volta de 1978 tinha 43% dos seus metalúrgicos sindicalizados, como sempre os sindicatos continuaram na sua linha de politização de seus associados. 490 3.4 O processo de abertura política no Brasil, eleições diretas e a necessidade da construção de um sistema educacional constitucional Quando, então, toma posse o General João Figueiredo que amplia o processo de abertura política em meio a uma profunda crise econômica, a inflação havia alcançado 490 FAUSTO, Boris. op.cit.;p. 273-277 249 índices anuais de até 110,2%. Lidar com a dívida externa tornou-se um tormento, o Brasil havia sido considerado insolvente. Para não decretar a moratória, o Brasil aceita o plano do FMI que previa cortes de gastos e compressão salarial. Esse plano obteve sucesso parcial, quando no início de 1985 o governo militar deixa o Brasil. 491 Dessa forma, ainda que houvesse opositores, a abertura política acorreu. Muitos exilados são anistiados e essa foi a brecha que os brasileiros, cansados das arbitrariedades e de um governo cujo regime burocrático-autoritário estava em colapso, precisavam para iniciar a campanha por eleições diretas no país, conhecida como Diretas Já, a qual dominou o espírito do povo brasileiro que, sofrido e sedento estava ávido pela implementação de uma real República onde realmente a res publica de fato voltasse para as mãos dos seus verdadeiros donos: o povo brasileiro, que por sua vez, não mais desejava permanecer sob o poder de algumas mãos que carregavam fuzis. Dessa modo, o povo, motivado, passa a acreditar na viabilidade de se construir uma democracia social que fosse capaz de bidimensionalizar a justiça social pela conjugação conjunta de reconhecimento, redistribuição e participação com fundamentos na dignidade da pessoa humana para que finalmente fosse possível diminuir a desigualdade social pela erradicação da pobreza e marginalidade. Com a Emenda Constitucional n. 26 de 27 de novembro de 1985, que tem de acordo com José Afonso da Silva492 ato de natureza, apena político, assim como foi com o ato institucional de 1969 e como foi como artigo 217 da Constituição de 1946, colocamos um fim ao antigo regime constitucional e estabelecemos outro. Isso porque, pela Emenda Constitucional n. 26 convocou-se nova Assembléia Nacional Constituinte. As eleições são acirradas para presidência, havia muita comoção por todo o país e muita esperança também. Ganha Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, que havia liderado a campanha pelas Diretas Já. Sobre seus ombros pesava a responsabilidade de concretizar um país democrático e social por uma Nova Constituição que seria elaborada por uma Constituinte soberana e livre. Infelizmente, 491 Idem, Ibidem, p. 278 e seguintes. 492 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 87. 250 ele morre antes da sua posse e assume José Sarney, seu vice “que sempre esteve ao lado das forças autoritárias e retrógadas.”. Mas, ainda assim, deu segmento ao projeto de Tancredo Neves e nomeou uma comissão de Estudos Constitucionais que elaboram o anteprojeto da Constituição que tinha apenas a natureza de servir como uma colaboração à Constituinte.493 Nessa direção e dando segmento ao projeto de democratização do país, José Sarney envia proposta de emenda ao Congresso convocando a Assembléia Legislativa, aprovada a EC. N 26 ao qual nos referimos acima. Porém, quando realizou esse ato, ao invés de convocar uma Assembléia Nova, convocou os deputados da Câmara e os senadores que haviam acabado de ser eleitos para se reunirem em Assembléia Nacional Constituinte, de maneira que não houve novas eleições para uma nova Assembléia Constituinte. O que a rigor fez, foi chamar um Congresso Constituinte, conforme nos ensina José Afonso da Silva e isso até hoje é criticado por muitos como um ato antidemocrático que contaminaria a própria Constituição que acabou sendo Promulgada em 5 de Outubro de 1988. 494 A Constituição de 1988495 é expressa internacionalmente como uma constituição avançada, ou seja, ele é compatível como o neoconstitucionalismo e com a internacionalização dos direitos humano. Podemos inferir, através dessa Constituição que essas opiniões são verdadeiras. Porém, é um texto longo que tem demasiados detalhes e que segundo, a doutrina constitucionalista pátria, lá não devia estar. No entanto, é importante ressalvar que havia muitas comissões de estudos sobre os vários temas que compõem a Constituição. As pessoas que provinham de vários setores e segmentos da sociedade trabalharam nessa Assembléia Constituinte que elaborou o Texto Constitucional de 1988. Foi um congresso constituinte, realmente pluralista, e que consagra uma democracia da maioria. Porém, todas as pessoas que ali estavam representando os vários segmentos e setores da sociedade brasileira, pela 493 Idem, Ibidem, p.88 -89 494 Idem, Ibidem, p. 87 495 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Documento Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Acesso em: agosto de 2012 251 primeira vez, tinham em comum o pensamento de que estava mais do que na hora de se consagrar a vontade geral do povo, que lá estava presente em corpo, mente e espírito, inspirando todo e qualquer esforço para que no Texto fosse devidamente planificado delineando os valores supremos e substanciais que deveriam fazer parte de suas vidas, cotidianamente. Entretanto, todos lá presentes tinham uma coisa em comum: a desconfiança que nutriam pelo governo. Era preciso que todas as pautas fossem devidamente explicadas em detalhes para que não fosse permitido ao legislador ordinário modificá-la ao seu bel prazer e de acordo com as intenções do Estado. Nesse sentido, há muito se fazia urgente uma Constituição que consagrasse a primazia ao ser humano. A Constituição de 1988, sem dúvida, consagra em seu Texto uma Democracia Social, desde que a o Estado brasileiro, o cidadão, a família e a sociedade como um todo passem a exigir e a cumprir o que ela determina se efetive. Dessa forma, a devemos nos comprometer com a Educação como direito de todos, pois na Constituição, em detalhes, está disposto o standard mínimo vital para que esse tipo de educação se concretize como o melhor caminho para que realizemos plenamente o nosso mais alto ditame: a proteção da dignidade da pessoa humana. Então, considerando tudo o que foi exposto até aqui, passaremos, a analisar a Educação na Constituição de 1988. 3. 5. A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 De acordo com Lauro Luiz Gomes Ribeiro, a Educação como direito apresentase sob três aspectos distintos496: 1) Normas específicas sobre educação em capitulo próprio, conforme já expusemos: Título VIII, capitulo III, seção I- art. 205 a 214; 496 RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. op.cit. p. 215-218. 252 2) Em vários dispositivos dispersos pela Constituição que estão fora do Título VIII da Ordem Social como aqueles que cuidam da distribuição da competência entre os entes federativos (art. 22, inciso XXIV), ou ainda uma norma que prescreve como já apontamos a promoção de um certo tipo de tipo de educação especifica como: a ambiental (art. 225, § 1º, VI); ou outra tipo de norma, que por exemplo protege especificamente um determinado tipo de aluno, como o artigo 227, § 3º, III que garante que ele também, sendo trabalhador adolescente, acesso à escola; ou ainda nas disposições transitórias, art. 60, “caput” que determinou que até o 14º ano da promulgação da Constituição, os Estados, Distrito Federal e os Municípios em atendimento ao disposto no caput do artigo 212 da Constituição Federal destinariam tais recursos especialmente a educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação; bem como o artigo 30, VI que atribui ao Municípios competência para manter cooperação técnica e financeira com a União e os Estados, para o desenvolvimento de educação infantil e ensino fundamental; 3) Disposições que, segundo o autor, apesar de não tratar especificamente de educação “são sempre e bastante utilizada para o resguardo desse direito” como o capitulo I do Título II, artigo 5º; isso inclui, conforme já aportamos, inclusive, os tratados, convenções e pactos internacionais ratificados por nós nesse sentido. De maneira que vale salientar que a leitura da Constituição, que forma uma unidade, deve ser feita como um todo, pois ela não é um caos de regras e princípios soltos aleatoriamente; ela requer nos termos que já exposto, um leitura holística para e uma compreensão sistêmica. 3.5.1 O Artigo 205 da Constituição de 1988: educação como direitos de todos e a necessidade de uma educação igual para gerar iguais oportunidades A Educação, como determina o Texto Constitucional no artigo 205, é “Direitos de todos [...]”; isso significa dizer que o legislador constituinte originário consagrou o princípio da universalidade de acesso a todas as pessoas humanas que residirem no país. Inclusive reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos, realizada em Jomtien, no ano de 1990 pelo Marco de Ação de Dakar realizado no Senegal, Dakar em 2000 que apoia a Declaração Universal de Direitos Humanos e a 253 Convenção sobre os Direitos da Criança m que consagram que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. 497 Todos têm direito ao acesso a uma educação que se destine a captar todos seus talentos e potencial para que desenvolva na plenitude a personalidade de cada educando, e quando concretizada possa melhorar suas vidas e transformar a sociedade em um lugar melhor. Nesse sentido esse acesso também deve alcançar inclusive os filhos de imigrantes que estejam residindo no país de forma irregular, dado que o Estatuto do Estrangeiro498 - Lei 6.850 de 19 de agosto de 1980 - no seu art. 2º diz que o imigrante é um problema de segurança nacional. Logo, crianças e adolescentes estrangeiros ou filhos de estrangeiros ilegais, que estejam nessa situação por determinação de norma infraconstitucional são, em geral, impedidas de frequentar escolas isso porque a elas são estendidos conforme o artigo 26, §2º dessa mesma lei as penalidades que se aplicam aos seus familiares responsáveis. Assim, crianças e jovens estrangeiros e mesmo seus pais somente podem estar devidamente matriculados nas escolas brasileiras com suas situações devidamente regularizadas, até o que causa muitas vezes essa impossibilidade de seu exercício de direito fundamental à educação é o fato de não trazerem consigo os documentos necessários para efetuar essa matrícula, ainda que estejam devidamente regularizados. Logo, tais disposições da lei infraconstitucional, citada são inconstitucionais porque incompatível com o Texto Constitucional de 1988 que determina pelo artigo 5º “caput” que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos seguintes termos[...]” , expressão que nos remete ao artigo 6º e ao Título VIII, que consagram os direitos sociais. De imediato podemos concluir que partiu do Poder Constituinte originário não fazer distinção no diz respeito a estrangeiros ter acesso ou não aos seus direitos fundamentais. Evidentemente, que essa determinação, inclui o acesso a uma 497 Marco de Ação de Dakar Educação Para Todos: Atingindo nossos Compromissos Coletivos Texto adotado pela Cúpula Mundial de Educação Dakar, Senegal - 26 a 28 de abril de 2000. Disponível na Internet: http://www.oei.es/quipu/marco_dakar_portugues.pdf . Acesso em: setembro de 2010. 498 Estatuto do Estrangeiro. Disponível na http://www.dpu.gov.br/encontro/encontroredpo/pdf/Lei%206815%20-%2019081980%20%20Estatuto%20do%20estrangeiro.pdf Acesso em agosto de 2011. Internet: 254 educação digna. Além disso, o Poder Constituinte Originário quando usou no artigo 5º, “caput”, a expressão estrangeiro não discriminou sobre se sua permanência deveria ou não estar devidamente regularizada como condição para usufruição de seus direitos fundamentais de forma que já tramita no Congresso um projeto de lei -PL. N. 5655/09 que499: [...] estipula não só que todos os filhos de estrangeiros podem se matricular nas escolas brasileiras, mas também prevê a regularização facilitada para imigrantes atraídos para o país com promessas falsas. O governo federal concede periodicamente anistia imigratória com visto de residência permanente. Existem hoje 830 mil imigrantes no país, 50 mil com situação ilegal (dados do governo federal). A “educação direito de todos” significa dizer que não deve haver discriminação no processo educacional de acordo com gêneros, origem de nascimento, orientação sexual, localidade regional, religião, cor, ou, ainda desigualdade sócio econômica, porque não pode haver uma educação para pobres e outra para ricos, conforme artigo 3, inciso IV combinado com 206, inciso I da Constituição Federal, que garante como princípio informador do ensino que deve haver igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, o que delinearemos mais a frente. Assim, isso também significa dizer que todos têm direito a uma educação igual, isso porque o objetivo da educação como direito de todos é garantir que todos partam do mesmo ponto, todos possam desfrutar da mesma forma de educação para futuramente terem como competir em pé de igualdade pelas mesmas oportunidades e, desse modo, colaborarem umas com as outras em prol de edificar uma justiça social por meio de suas particulares colaborações que serão desenvolvidas pela “educação igual”. Garantir o acesso a todos, em iguais condições, é dever do Estado, das escolas e da sociedade para que durante esse processo educacional se respeite os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura, conforme disposição constitucional material do artigo 58 do Estatuto da Criança e do Adolescente que deve ser lido em conformidade com os artigos 205 e 206 e seus incisos, mais o “caput” do artigo 215, todos da Constituição vigente. 499 Noticia da Revista Educação disponível onhttp://revistaeducacao.uol.com.br/textos/noticias/artigo233002-1.asp Acesso em agosto de 2012. line: 255 De sorte que a educação como direito de todos inclui proporcionar, inclusive à crianças e jovens portadores de deficiência ou doença educação especializada se for o caso, que os habilite a desfrutarem plenamente e o máximo possível de suas liberdades e do seu direito de acesso a uma educação digna, conforme foi consagrado pelo artigo 208, inciso III da Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 1º combinado com os artigos do capítulo IV, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9394 de 1996, que por seus artigos 58 a 60, capítulo V, dá plena proteção a criança portadora de deficiência para que tenha um educação condigna que o ajude a enfrentar suas dificuldades físicas ou mentais, natas ou adquiridas de forma que, pelo acesso igual à educação e educação igual possa desfrutar plenamente de sua cidadania. A educação para todos, inclui também os menores infratores, uma vez que eles precisam encontrar a ressocialização pelo melhor caminho, ou seja, pela educação. Nossos legisladores previram que aquele que cumpri liberdade assistida deve ser a ele aplicadas medidas sócio-educativas, e isso significa que o Estado, a escola e a sociedade devem recebê-los nas escolas para que, desse modo, passam a frequentar a escola regularmente, e isso sem que se ventile pelos corredores e pátios de recreação quais são seus atos infracionais, visto que sobre eles devem os responsáveis guardar sigilo para que a inclusão social se dê maneira completa e pacífica, já que são eles crianças e jovens que também estão em formação e como os demais e requerem proteção integral. Evidentemente que isso é um desafio para sociedade como um todo, no entanto cumpre ao Estado desenvolver políticas públicas educacionais que preparem os profissionais das escolas, as famílias e a sociedade para que firmem estrutura psicológica para que os anime a recebê-los, tudo isso conforme consagrado pelos artigos 3º, 205, 206, 226 da Constituição Federal. Porém, não apenas os menores infratores tem o direito de frequentar a escola para se beneficiar de um processo educacional; os adultos que cumprem suas penas definitivas em regime fechado também. Essa condição tanto é possível que a Lei de Execução Penal, assegura ao preso o acesso à educação que envolve instrução e formação profissional conforme disposto no seu artigo 17, o que está em conformidade com a Constituição de 1988. Esse direito também está integrado conforme com as 256 Regras mínimas da ONU para o tratamento de reclusos500 e com as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil que pela Resolução n. 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria de novembro de 1994 501 que determina para aqueles detentos que não possuem instrução gratuita da educação básica e fundamental, além da instrução técnico profissional. Todas essas normas também correspondem ao que determinado pela Declaração de Direitos Humanos, bem como de acordo com os Princípios para Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a qualquer forma de Detenção ou Prisão 502 , dada pela Resolução n. 43/173 na 76º Sessão da Assembleia Geral da ONU em 1988, bem como de acordo com os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos, declarados pela ONU que visam a humanização da justiça penal e a proteção dos direitos da pessoa humana. No Brasil em acordo com esses princípios constitucionais materiais estão as regras do art. 17 da Lei de Execução Penal503 que vem complementada pelas disposições do art. 18 e art. 19. Eles preveem respectivamente que o ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa, e que o ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico. O parágrafo único garante a mulher condenada ensino profissional adequado à sua condição, bem como todas essas atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam ensino especializado. Como, também é permitido ao recluso e reclusa, participar de curso por correspondência, rádio ou televisão, desde que isso não interfira na segurança do estabelecimento prisional, que deverá dar condições para que neles haja uma biblioteca para o uso de todas as categorias de reclusos, com livros instrutivos, recreativos e didáticos todos voltados para que o preso tenha uma formação completa, 500 Normas e Princípios das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. Disponível na internet: http://www.unodc.org/documents/justice-and-prisonreform/projects/UN_Standards_and_Norms_CPCJ_-_Portuguese1.pdf. Acesso em: agosto de 2012. 501 RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994. Disponível portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp?.. Acesso em agosto de 2012. na internet: 502 Princípios para Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a qualquer forma de Detenção ou Prisão. Disponível na internet: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-naAdministração-da-Justiça.-Proteção-dos-Prisioneiros-e-Detidos.-Proteção-contra-a-Tortura-Maus-tratose-Desaparecimento/conjunto-de-principios-para-a-protecao-de-todas-as-pessoas. Acesso em: agosto de 2012. 503 Lei de Execução Penal. Disponível na http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm Acesso em agosto de 2012. Internet: 257 se assim o desejar, ou seja, os profissionais da educação que lidam com os reclusos têm a missão de fazer com que seus educandos se reencontrem com seu educere. É em obediência ao enunciado normativo, do artigo 205: “Educação direitos de todos” o Brasil começou a desenvolver as políticas públicas que chamamos “ações afirmativas” que são ações de políticas públicas educacionais voltadas a corrigir o erro histórico de discriminação racial, pois desde o Brasil - colônia, os negros e os índios de nosso país vêm passando por um processo longo e dolorido de exclusão social formando uma grande massa de incompreendidos, senão vejamos: No período que antecede a vinda da família real para o Brasil, destaca-se a presença dos jesuítas que, vindos da Europa em 1549, por aqui permaneceram até o ano de 1759. Já nos primeiros quinze dias, engajados em pôr em prática um plano de ação que envolvia evangelização e política, com o apoio da Coroa Portuguesa, da família patriarcal e da Igreja Católica juntamente com a fundação da cidade de Salvador, criaram uma escola elementar e por 210 anos eles foram os únicos educadores do Brasil e monopolizaram a instrução em todos os níveis, tornando-se os únicos mentores intelectuais e espirituais daquela época. A primeira escola brasileira, é bem verdade, ficou a mercê da resistência imposta pelo meio natural e humano que por aqui existia. Porém, sua atuação estava sob extrema disciplina e atingiu a todas as camadas que eles visavam abarcar da então sociedade brasileira e, como sua missão envolvia principalmente a evangelização e a política, usavam para instruir as disciplinas de inspiração européia medieval, portanto, escolástico-aristotélica, logo se espelhavam nos humanistas e era corrente o uso do latim e do grego. O ensino jesuítico tinha como objetivo a formação da elite, portanto, tratava-se de uma educação que tinha por fundamento a fuga do trabalho manual e o desprezo total pelos fatos da vida. Não se aprendia com os jesuítas a lidar com problemas cotidianos e tampouco o ensino de trabalho especializado. No Brasil- colônia, tais trabalhos eram deixados para os índios e para os negros escravos. Não há uma estimativa precisa da população indígena do período colonial, mas os cálculos são bem variáveis para o que hoje representa o Brasil e o Paraguai, especula-se dois milhões para esse território e 258 cinco milhões para a região amazônica. Entretanto, sabe-se que os jesuítas fizeram grandes esforços para evangelizá-los, e essa evangelização não envolvia educação elementar ou literária, estava apenas comprometida com o ideal de transformá-los em “bons cristãos”. A chegada do homem europeu representou uma imensa catástrofe que ia destruindo tudo o que tocava, principalmente, para os índios que tinham uma cultura de subsistência e, portanto, de contato íntimo com a natureza a fim de não extrair dela o que excedia. Assim, tanto aqueles que se submeteram como aqueles que não se deixavam submeter, passaram por uma violência cultural que os levava à morte e doenças. A única forma encontrada pelos índios para não morrer era se deslocar para regiões cada vez mais distantes e pobres do território. Já os negros escravos que para cá foram trazidos como mercadorias e não como pessoas, vieram para trabalhar no cultivo de grandes propriedades que haviam sido distribuídas pela Coroa Portuguesa durante o período inicial da colonização e estima-se que entre os anos de 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros quatro milhões de escravos. 504 Assim escravos e índios, excetuando o ideal da evangelização, estavam completamente fora do esquema da educação elitista preconizada pelos jesuítas e assim de certa maneira, apesar de alguns esforços ainda permanecem. Podemos constatar essa verdade uma vez que são raros os casos de vermos índios ou negros: médicos, engenheiros, executivos de médias ou grandes empresas, ou ocupando cargos públicos. Embora reconheçamos que seja o plano de evangelização dos jesuítas que tenha iniciado a unidade da cultura brasileira, pois onde houvesse uma igreja era de regra que se abrisse uma escola o que possibilitou a interpenetração dos vários níveis de culturas, para que se começasse a forjar pelo meio da mesma fé, mesma língua, mesmos costumes uma unidade política para uma nova pátria, é preciso considerar que já se buscava fundamentos para se instituir legalmente um princípio básico de exclusão pelo fundamento da pureza de sangue. O que veio a tomar forma pela Carta-Lei de 1773, onde foram considerados impuros: cristãos-novos, negros, (mesmo quando livres), índios e várias espécies de mestiços. Por esse princípio, eles não poderiam ocupar cargos, receber títulos de nobreza ou participar de irmandades de prestígio, e ainda que 504 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. op. cit. p. 16-30 259 posteriormente a Carta-lei tenha acabado com a distinção entre cristãos-novos e antigos, o preconceito persistiu, aliás, ainda persiste, pois:505 O critério discriminatório se referia essencialmente a pessoas. Mais profundo do que ele, existia um corte separando pessoas de nãopessoas, ou seja, gente livre dos escravos, considerados juridicamente como coisa. A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à etnia e à cor, pois escravos eram negros, em primeiro lugar, índios e mestiços. Toda uma nomenclatura se aplicava aos mestiços, distinguindo-se os mulatos, os mamelucos, curicobas ou caboclos, nascidos da união entre branco e índio, e os cafuzos, resultantes da união entre negro e índio. (...) A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando seu modo de agir e pensar. O desejo de ser dono de escravos, o esforço para obtê-los ia da classe dominante ao modesto artesão das cidades. (...) O preconceito contra o negro ultrapassou o fim da escravidão e chegou modificado aos nossos dias. Até pelo menos a introdução em massa de trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, o trabalho manual foi socialmente desprezado como ‘coisa de negro’. Daí ser correta, constitucional, justa e humana, ainda que tardia, a decisão do Supremo Tribunal Federal Brasileiro que considerou constitucional as políticas públicas educacionais que desenvolvem ações afirmativas pela ADPF 186 Relatada pelo Ministro Ricardo Lewandowski,no julgamento que aconteceu em Plenário no dia 26 de abril de 2012 e no mesmo sentido o RE 597.285 também relatado pelo já citado Ministro que teve seu julgamento em 9 de maio de 2012, também em sessão plenária, com repercussão geral 506: O Plenário julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra atos da Universidade de Brasília (UnB), do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE) e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE), os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-racial. (...) No mérito, explicitou-se a abrangência da matéria. Nesse sentido, comentou-se, inicialmente, sobre o princípio constitucional da igualdade, examinado em seu duplo aspecto: formal e material. Rememorou-se o art. 5º, caput, da CF, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob seu abrigo. Frisou-se, entretanto, que o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria 505 Idem. Ibidem, p. 31 506 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1 Acesso em maio de 2012. 260 buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista – a abranger número indeterminado de indivíduos – mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas – a atingir grupos sociais determinados – por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. Já os índios que gozam também da proteção da Ordem Social Constitucional, e pelo artigo 232 do Texto Supremo são partes legitimas com a intervenção do Ministério Público para ingressarem com ações que defendam seus interesses, atualmente, ainda que tardiamente, obtiveram pelo Supremo apenas assegurar a constitucionalidade de ações afirmativas que dizem respeito a usufruição de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural, conforme Pet 3.388 Relatada pelo Ministro Carlos Ayres Britto, julgamento em sessão plenária no dia 19 de Março de 2009 507: Os arts. 231 e 232 da CF são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o protovalor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica. Sem dúvida, poderíamos observar um avanço se tivessem sido essas ações tomadas a mais tempo. Entretanto, a inclusão do índio brasileiro e da mesma maneira, em todos os lugares, pela educação, e principalmente por ações afirmativas, no mundo 507 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1 Acesso em: maio de 2012. 261 todo parece- nos hoje uma medida de extremada importância. Isso porque, nós os ditos “homens civilizados”, temos que aprender com eles os princípios da sustentabilidade para preservar, e quem sabe até, reconstruir em parte o meio ambiente, tão vital para a humanidade e que a cada dia perde muito mais que um pouco devido, principalmente, porque há uma escassez de educação nesse sentido. Inclusive por determinação constitucional do artigo 225, inciso VI. Em outro sentido, também, a educação do índio não é deve ser voltada a um determinado tipo de inclusão social que o transforme em um “ser humano civilizado” ao modelo do que somos e ao modelo do que foi exigido pela Igreja Medieval, isso porque temos que assegurar a força normativa do artigo 231 que consagra o reconhecimento e o respeito, aos índios e à sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições. Logo, a educação indígena é um direito assegurado ao todos os povos indígenas brasileiros, e conforme o artigo 210 da Constituição Federal é dever do Estado fixar conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a educação básica com respeitos aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais, o que ao povo indígena se concretiza por seu § 2º nos seguintes termos: "O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.” A Lei de Diretrizes e Bases para Educação e o Referencial Curricular Nacional, asseguram aos povos indígenas um educação com base nesses princípios, ambas em cumprimento à determinação Constitucional asseguram ao educando indígena o direito constitucional a uma educação bilíngue e intercultural, pelo artigo 79 §2º, inciso I. Porém, de acordo com a III Assembléia Geral do Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia508, ocorrido em 2003, as escolas indígenas sofrem com os seguintes problemas: a) Não reconhecimento das escolas indígenas; b) Falta de infraestrutura adequada; c) Discriminação e preconceito; d) Não implementação da legislação da Educação Escolar Indígena, em especial a Resolução 03/99; e) Ausência de representação indígena nos Conselhos de Educação; f)Falta de uma política pública para atender a necessidade do Ensino Superior voltado aos interesses dos povos indígenas buscando o compromisso das universidades públicas; g) Falta de atendimento ao Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série; h) Falta de concursos públicos diferenciados 508 III Assembléia do Conselho Indígena Missionário. Disponível em http://www.cimi.org.br/site/ptbr/?system=news&action=read&id=286 Acesso: em agosto de 2012. 262 para resolver a situação dos contratos temporários; i) A não existência na maioria das regiões de instâncias oficiais de participação, formulação de políticas e controle social da Educação Escolar Indígena com ampla presença indígena; j) Paralisação e falta de continuidade dos Cursos oficiais de Formação de Professores Indígenas; Destaca-se que o MEC, em 2005 criou o Prolind- Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas voltado à formação de docentes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Deixamos por último, propositalmente, a “educação direitos de todos” que também deve alcançar os idosos. Isso porque, conforme o que já dissertamos sobre o tema e, no mesmo sentido os levantamentos de dados atuais, apontam que a população brasileira de idosos, no Brasil, em pouco menos de 20 anos, ultrapassará a população jovem, especificamente segundos os dados do IBGE, em 2025, portanto em 14 anos, a população brasileira terá 33 milhões de idosos, e será a sexta maior população de idosos do mundo. Por esses cálculos podemos imaginar a dimensão do problema. Se não estamos sequer preparados adequadamente para atender a população infante, como então o sistema educacional adequadamente deve se preparar para enfrentar esse fato ? As respostas a essa questão não são simples e requer que aprofundemos urgentemente nossos estudos. Mas, com segurança, as respostas devem alcançar o Estado, a família e a sociedade como um todo para que, assim, possamos proporcionar aos idosos de hoje e o do amanhã um amparo concreto e respostas eficazes que atendam aos seus problemas. Entretanto, seja qual for o caminho a ser trilhado, além de seguir todos os passos do Texto Constitucional para a educação, deve-se também disciplinar, instruir, informar e formar a as pessoas de todas as idades para que esse amparo chegue suficiente e na exata medida que assegure, desde já, aos idosos, sua completa integração à comunidade para que eles estejam aptos por si a defender sua dignidade e bem-estar, na medida em isso for possível a eles realizar. E ainda assim, tanto o Estado e bem como sua família tem o dever constitucional de lhes amparar adequadamente para garantir ser bem-estar e a usufruição de uma vida digna, conforme determinação do artigo 230 da Constituição de 1988. A educação, nesse sentido, não para por aí, ela requer que se prepare o jovem de hoje, aliás pelos dados apresentados os de ontem, para que eles aprendam a otimizar esse princípio constitucional, o que pode ser feito pelo 263 desenvolvimento de políticas publicas educacionais direcionadas que cuidem especificamente desse tema, e que seja trabalhado tanto pelas modalidades de ensino formais, como formais. A educação nesse sentido não deve abranger apenas o repasse de informações que dizem respeito à programas de amparos que, preferencialmente deve acontecer nos seus lares dos idosos, ou ainda que seja, a simples informação de que a eles está garantido, constitucionalmente, transporte coletivo gratuito, conforme §§ 1º e 2º do citado artigo. Visto que uma educação nessa direção deve ir muito além, devendo sensibilizar as pessoas, desde a mais tenra idade aos problemas próprios de saúde próprios do envelhecimento. Conforme o Estatuto do Idoso, Lei 10.741 de 1 de outubro de 2003509, que comporta materialmente normas constitucionais a educação, a cultura, o esporte, o lazer, as diversões como espetáculos, e os produtos e serviços devem respeitar a peculiar condição da idade das pessoas idosas. Pelo artigo 20, do mesmo Estatuto deve o Poder Público criar oportunidades de acesso ao idoso à educação nas seguintes condições: adequação de currículos, metodologias e matérias didáticos aos programas a eles destinados. E, inclusive, o §1º do citado artigo determina que os cursos especiais para idosos, devem conter técnicas de comunicação, como os de computação para que haja plena integração deles à vida moderna. Mas, o mais interessante das normas educacionais constitucionais materiais, destinadas à proteção dos idosos, dizem respeito ao fato de que Poder Público, no dever de criar acesso ao idoso para que desfrute do seu direito à educação, no mesmo citado artigo 20 por seu § 2º, lhes deve chamar para participar das comemorações de caráter cívico e cultural, para que, principalmente, transmitam seus conhecimentos e vivências às demais gerações, porque suas experiências são verdadeira fonte de preservação da memória e a identidade cultural do país. Ademais, pelo artigo 22, o Estatuto do Idoso em cumprimento constitucional ao inciso 206, III, que consagra o principio das pluralidades pedagógica como um dos princípios que deve basilar o ensino brasileiro, impõe que nas grades curriculares de diversos níveis de ensino formal deverão ser inseridos conteúdos voltados ao processo do envelhecimento, o ensino sobre respeito e valorização do idoso, isso para que se elimine os preconceitos, bem como se produza mais conhecimento sobre a matéria. 509 Estatuto do Idoso. Documento disponível na http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm acesso em Janeiro de 2012. internet: 264 Portanto, uma educação para idosos não deve apenas se dirigir aos idosos, deve se dirigir a todos, mas não apenas para que aprendamos sobre os problemas próprios do envelhecimento, mas que com eles, também possamos aprender sobre as coisas que dizem respeito à integração em sociedade, ou seja, sobre os fatos e atos que nos ensina o respeito à cidadania. Além, esse complexo de normas educacionais formal e materialmente constitucionais, nos alerta de que, ainda que saibamos que desde o nosso nascimento estamos, continuamente, indo em direção à velhice - se tivermos sorte- um pouco a cada dia, o fato é que estamos constantemente em desenvolvimento mental e espiritual, partes que também integram a nossa condição de humano e que como tais devem ser constitucionalmente protegida, até nosso último suspiro, pois a vida é um eterno aprendizado e é esse aprendizado que nos mantém sempre com jovialidade, ainda quando idosos somos. Podemos, assim, concluir esse tópico afirmando que uma “educação direito de todos”, como vimos deve respeitar as peculiaridades de cada um desses todos, no entanto a todos eles deve ser ministrada uma “educação igual” na exata medida de suas desigualdades. Isso tanto porque o está a exigir o artigo 206, III da Constituição Federal, como também porque o todo da efetivação dos diretos sociais tem por seu princípio informador o princípio da isonomia, artigo 5º, “caput”, que nos impõe, conforme nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, que devemos levar em consideração que a lei na realidade apesar do princípio da igualdade interditar, faz tratamentos desuniformes às pessoas, porque as diferenças entre as pessoas são óbvias e, até “perceptíveis a olhos vistos” e por isso, ainda que num primeiro momento não possamos levá-las em consideração como critérios válidos para justificar, tais tratamentos jurídicos díspares. De modo, que devemos refletir e nos questionarmos tanto no momento da feitura da lei quanto no da sua aplicação da lei e levantar as seguintes questões, objetivamente: Qual razão leva ao fator discrímen? Porque tal critério é legitimo ou ilegítimo? - “Quando é vedado à lei estabelecer discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este exercício normal, inerente à função legal de discriminar?” 510 . Logo, à nossa compreensão aponta que não há lugar melhor para se aprender a lidar com as diferenças 510 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 9- 17. 265 entre as pessoas do que no espaço educacional escolar e familiar, onde visivelmente convivem todas as diferenças, que está a impor um educação igual a todos, que porém seja desigual na medida de suas diferenças, precisamente para enaltecê-las, porque são essas as diferenças que formam a identidade cultural de nosso país. Fica assim, registrado o que compreendemos, como os valores educacionais e pedagógicos que devem ser considerado como um standard mínimo vital à ser perseguido para se efetivar o direito à educação como “direto de todos”. Além, convém, solidificar nosso pensamento sobre a isonomia. De acordo com o artigo II da Declaração Universal de Direitos Humanos: Artigo II 1.“Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” 2. Não será tão pouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob, tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. Em face à simplicidade e sabedoria do texto enunciativo, desse artigo, pondera Fábio Konder Comparato511: O pecado capital contra a dignidade humana consiste, justamente, em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo- como ser inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial. Algumas diferenças humanas, aliás, não são deficiências, mas bem ao contrario fonte de valores positivos e, como tal, devem ser protegidas e estimuladas. Pode-se aprofundar o argumento e sustentar, como fez Hanna Arendt ao refletir sobre a trágica experiência do totalitarismo no século XX, que a privação de todas as qualidades concretas do ser humano, isto é, tudo aquilo que forma sua identidade nacional e cultural, o torna uma frágil e ridícula abstração. A dignidade da pessoa humana não pode ser reduzida à condição de puro conceito. 511 COMPARATO, Fabio Konder. op. cit. p. 241. 266 3.5.2 Educação Direito Público Subjetivo: Dever do Estado e o standard mínimo a ser assegurado pelo Estado Brasileiro Muito interessante é destacar, que o arcabouço da política educacional brasileira, conforme aporta Libâneo, José Oliveira e Mirza Seabra, teve por pano de fundo a reforma educacional brasileira que se iniciou nos anos 1990, durante o Governo de Fernando Collor de Mello, que ao abrir o mercado brasileiro para a globalização econômica, acabou por nos subordinar ao capital financeiro internacional e esse atrelamento ao mercado globalizado refletiu-se em vários segmentos da vida social, mas em especial na educação. De maneira, que quando Fernando Henrique Cardoso em 1995, tomou posse, inicia-se o processo de concretização da política educacional, porém essa seguiu a risca “a cartilha de organismos internacionais, como o do Banco Mundial” e, esses passos se fizeram sentir na LDB que foi alterada para que nela pudessem ser introduzidos as diretrizes impostas pelos agentes externos.512 Durante esse período muitas ações foram tomadas, e segundo os autores como não houve aumento dos recursos financeiros para a manutenção e desenvolvimento do ensino e a União centralizou os recursos em nível federal criando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização Magistério Fundef- de fato as áreas mais pobres foram atingidas. Contudo possibilitou a perda de padrão educacional nos centros mais maiores. Com a política pública social “Acorda Brasil”, o governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu elaborar programas sistêmicos e articular os vários âmbitos, graus e níveis de ensino, porém o que de fato se provou pelo Sistema de Avaliação Nacional de Ensino Fundamental - Saeb- foi que: havia falta de vagas para milhares de crianças e a não melhoria das condições salariais dos professores, levando-nos a desenvolver ao que se chama “síndrome de desistência.” Em 2002, quando vence as eleições Luiz Inácio Lula da Silva, para corrigir tais problemas, lançou-se uma proposta educacional chamada “Uma Escola do Tamanho do Brasil”, que a priori tinha por fundamento tratar a educação como prioridade do governo, para que de fato um sistema educacional tomasse ações relevantes que transformasse a realidade econômica e social do povo brasileiro. 512 LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, José Ferreira de Oliveira, TOSCHI, Mirza Seabra. op. cit. p. 163. 267 Nesse contexto os governos brasileiros, após promulgação da Constituição de 1988, começam a dar força ativa ao Texto Constitucional com vistas, principalmente a alcançar uma educação que alcance todos os segmentos e faixas etárias da sociedade brasileira, que é o motivo pelo qual o Constituinte Originário de 1988 acoplou à expressão normativa “educação direito de todos” a expressão normativa “dever do Estado, da família”. Isso significa definir que a educação é um direito público subjetivo, logo o indivíduo pode agir e exigir sobre ele. Direito Fundamental de aplicabilidade imediata, de acordo com a maioria da doutrina constitucional, que mesmo em face ao Plano Nacional de Educação, cuja sua apresentação no portal do MEC , reconhecer que513: Com a Constituição Federal de 1988, cinqüenta anos após a primeira tentativa oficial, ressurgiu a idéia de um plano nacional de longo prazo, com força de lei, capaz de conferir estabilidade às iniciativas governamentais na área de educação. O art. 214 contempla esta obrigatoriedade. Por outro lado, a Lei nº 9.394, de 1996, que "estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional", determina nos artigos 9º e 87, respectivamente, que cabe à União, a elaboração do Plano, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e institui a Década da Educação. Estabelece ainda, que a União encaminhe o Plano ao Congresso Nacional, um ano após a publicação da citada lei, com diretrizes e metas para os dez anos posteriores, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Vai considerar que a educação é direito social de aplicabilidade progressiva porque depende em parte dos recursos disponíveis para execução pelo Estado, nos seguintes termos514: Considerando que os recursos financeiros são limitados e que a capacidade para responder ao desafio de oferecer uma educação compatível, na extensão e na qualidade, à dos países desenvolvidos precisa ser construída constante e progressivamente, são estabelecidas prioridades. 513 Plano de Desenvolvimento Educacional. Razões e Princípios. http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf p. 6. Acesso em Agosto de 2012. 514 Idem, Ibidem, p. 7. Disponível em 268 Entretanto, não podemos olvidar que sendo a educação, um direito público subjetivo sobre ele tem mais valia a aplicabilidade imediata da proibição de insuficiência e da vedação do retrocesso do que a aplicação da reserva do possível, nos termos em que decidiram os poderes públicos interpretar tal teoria jurídica, de origem alemã, conforme já analisado por nós no capítulo anterior. Ou seja, a cláusula de progressividade do Plano Nacional de Educação não pode ser aplicado de maneira a impedir ou mitigar o exercício da liberdade que é proporcionada pelo acesso à educação. Desse modo, é apenas possível ao Estado Constitucional Brasileiro apenas desenvolver e executar políticas públicas educacionais, que busquem dar força normativa ao seu Texto, inclusive, sob pena de que autoridades venham à sofrer as punições pela Lei de Improbidade Administrativa. Sendo certo que é inválida e antijurídica, a ação que nega o acesso do educando, quer pela alegação de falta de vagas ou falta de estrutura para novos receber alunos. Nesse sentido, o STF já decidiu pelo RE 594.018 em Agravo relatado pelo Ministro Eros Grau, em julgamento, na Segunda Turma, em 23 de Junho de 2009 515 : “A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da administração importa afronta à Constituição.” E ainda conforme nos ensina Lauro Luiz Gomes Ribeiro sobre as lições de Pontes de Miranda que afirma que uma vez que a Educação é direito de todos, “não é ele uma ato voluntário deixado ao arbítrio do Estado, mas sim um direito público subjetivo.”516 Da mesma forma, e ainda também como aportado pelo autor referenciado, Celso Bastos e Ives Gandra Martins em sua obra Comentários à Constituição do Brasil517: Ao dispor que a Educação é um direito de todos e um dever do Estado, acabou a Constituição por capacitar qualquer pessoa a solicitar a prestação estatal de ensino. A educação se tornou um direito público subjetivo, acionável exigível contra o Estado. 515 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar Acesso em: maio de 2012. 516 RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes, op. cit., p. 224. 517 Idem, Ibidem. Nota de roda pé p. 599 269 No mesmo sentido, decisão mais recente proferida na Ação de Inconstitucionalidade n. 658.491 em agravo, relatado pelo Ministro Dias Toffoli, primeira Turma, em 20 de março de 2012518: O artigo 205 da Constituição Federal afirma a educação como direito de todos e, em complemento, o artigo 208, inciso I,da Constituição Federal estipula como dever do Estado efetivara educação mediante a garantia de ‘ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria’. Dessa forma, é patente que o Poder Público, incluídas todas as unidades federadas, inclusive os municípios, deve garantir a observância irrestrita da Constituição, não podendo se furtar dos deveres constitucionais sob fundamentos supostamente extraídos do próprio texto e da competência constitucional do ente federado. A negativa ou simples inércia estatal no atendimento prioritário do ensino fundamental de modo a descumprir a política pública programática, apenas é plausível se não inviabilizar o efetivo acesso a programa social já existente e positivado pelo Estado. É ainda mais sério o caso dos autos, em que se extinguiu turma de ensino fundamental de jovens e adultos já existente sob a alegação de que apenas 6 (seis) alunos freqüentavam as aulas, tendo o acórdão consignado, ainda, que ‘o ato coator obsta aos beneficiários do mandamus a continuidade e término do ano letivo já que desde agosto de 2005 eles freqüentavam as aulas normalmente’. Assim, cabe ao Poder Judiciário analisar a legalidade do ato administrativo, quando, como no caso dos autos, o ente político descumprir os encargos político-jurídicos que sobre ele incide de maneira a comprometer com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados pela Constituição Federal. (g.n.) Entretanto, de nada adiantaria consagrar a Educação como um direito de todos, dever do Estado e da Família em colaboração com sociedade se não déssemos a ela um mínimo de estrutura para efetivar sua concretização. Sendo o Brasil uma República Federativa, a educação também é um problema federativo que requer para sua gestão, um mínimo de organização e distribuição de competências. Assim União, Estados e Município devem colaborar entre si para concretizar o standard mínimo do direito fundamental à educação conforme os ditames da Constituição de 1988, de acordo com o artigo 211 caput. E em especial, conforme o artigo 30, inciso VI, os municípios devem com, cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental. 518 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1966289 acesso em maio de 2012. 270 E como os entes federativos gozam de autonomia, e autonomia significa dizer que a Constituição deu aos entes federativos a faculdade de regular seus próprios assuntos por meio da promulgação de normas jurídicas e distribuição de competências logo, pedra angular no sistema federativo519, e que deve ser respeitado, sob pena de ferir cláusula pétrea que consagra o sistema federativo como disposto no art. 60,§ 4ª, inciso I. As competências legislativas para elaboração de leis sobre educação devem obedecer as seguintes regras constitucionais de distribuição de competências para legislar sobre educação: pelo artigo 22, inciso XXIV deu-se competência privativa à União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, e nesse sentido a União promulgou a Lei 9.394 em 20 de Dezembro de 1996, que por sua vez dispôs conforme vimos a criação do Plano Nacional de Educação, sendo que o último foi sancionado em pela Lei 10. 172 em 9 de Janeiro de 2001 e sua vigência deveria ser fde dez anos, de acordo com seu artigo 1º, entretanto, ainda não foi aprovado um novo plano de maneira que ainda está em vigor, o primeiro. Logo e assim, ao final de 2010 foi enviado ao Congresso Nacional um Novo Plano Nacional de Educação que tramita como PL nº 8. 035, de 2010 que visa a aprovação do PNE para o decênio 2011-2020. Porém, antes disso em 24 de abril de 2007, foi lançado durante o segundo mandato do Presidente Lula o Plano de Desenvolvimento Educacional ou da Educação - PDE- que pelo Decreto n. 6094 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica, entretanto seu artigo 4º ressalva que a vinculação do Município, Estado ou Distrito Federal ao Compromisso far-se-á por meio de termo de adesão voluntária, ao que nosso ver fere o artigo 30, inciso VI da Constituição de 1988, visto que lá, conforme vimos ficou determinado aos Municípios a manutenção obrigatória de cooperação técnica e financeira para educação básica, ao menos para dois estágios delas, educação infantil e educação fundamental, não seria assim então o PDE e suas metas uma cooperação, ao menos, técnica? 519 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. por PEREIRA, Antônio Jorge Silva, SILVA, Cintya Nunes Vieira da, MACHADO, Décio Lencioni, COVAC, José Roberto, FELCA, Narcelo Adelqui. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 35 271 Entretanto, ressalva-se que as metas do Plano de Desenvolvimento da Educação visam melhorar a qualidade da educação no país, em todas as suas etapas em um prazo de 15 anos, por meio de ações objetivas, que deveriam ao menos em tese, ser compatíveis com as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. Contudo, a princípio, parece que elas foram estabelecidas para preencher a lacuna da agenda do governo brasileiro que afirmou no Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar, entre 26 e 28 de abril de 2000 o compromisso internacional, firmado entre várias nações: “Educação Para Todos- compromisso de Dakar”, que reafirmava a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990 que apoiada pela Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da Criança determina que toda criança, jovem ou adulto têm o direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça, suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, como também acolheu os compromisso pela educação básica feitas pela Comunidade Internacional ao longo de últimos 90 anos, especialmente: na Cúpula Mundial para a Infância em 1990, na Conferência do MeioAmbiente e Desenvolvimento em 1992 (essa realizado no Brasil), na Conferência Mundial de 1993, na Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais da Educação: Acesso e Qualidade, realizada em 1994, Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social em 1995 e Conferência Mundial da Mulher em 1995, Fórum Consultivo Internacional para a Educação de Todos em 1996, Conferência Internacional de Educação para adultos em 1997, Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil realizada em 1997. Isso porque durante a Convenção de Dakar ficou bem claro que apesar de todo o progresso mundial, no ano de 2000 existiam ainda 113 milhões de crianças, em todo o mundo sem acesso ao ensino primário, 880 milhões de adultos analfabetos, que a discriminação de gênero continuava e continua a permear os sistemas educacionais, que a qualidade da aprendizagem e da aquisição de valores e habilidades não estavam e, ainda, não estão, satisfazendo as necessidades dos indivíduos e das sociedades, comprovando que quando se nega a jovens e adultos acesso o desenvolvimento de habilidades técnicas para que consigam uma ocupação remunerada eles ficam impedidos de participar plenamente da sociedade, o que demonstra que sem um progresso acelerado na direção de uma Educação para Todos, metas internacionais e 272 nacionais de redução de pobreza não poderão jamais serem alcançadas o que amplia a desigualdade entre as nações e dentro de cada sociedade.520 Contudo, no Brasil, pelo artigo 24 da Constituição, inciso IX, União, Estado e Município podem concorrentemente legislar sobre: educação, cultura, desporto e ensino. E de acordo com seus §1º, § 2º, § 3º e § 4º destaca-se e consagra-se correspondentemente que: a) no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; b) a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; c) inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.; d) e a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. E Lei de Diretrizes e Bases da Educação521, vigente, disciplina a educação escolar, com normas gerais, como sendo essa modalidade a educação intencional formal que é capaz de se desenvolver predominantemente por meio do ensino e em instituições próprias como o lugar adequado para aplicar os princípios e fins da Educação Nacional, de acordo com o que está disposto na Constituição de 1988. A LDB contém noventa e dois artigos, que estão divididos entre nove títulos e cuidam de normas gerais que dizem sobre: a) planificação das funções e objetivos da educação escolar; b) formação e organização da composição dos níveis escolares; c) organização administrativa e financeira da vida escolar nacional; d) deveres da educação escolar como um direito de todos; e) definição de quem pode ser considerados profissionais da educação abarcando inclusive regras gerais sobre a sua formação. Importante destacar que a LDB é a lei federal que dispõe especificamente da formação da composição dos níveis escolares brasileiros dos quais cuida a Constituição de 1988 modelo de níveis que deve o Estado e os Municípios acompanharem da seguinte forma e conforme seu art. 21: a) Educação Básica; b) Educação Superior. 520 Parágrafo disposto conforme as expressões usadas pelo Texto Redigido na Conferência Mundial de Dakar 2000. Disponível na internet: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf Acesso em: Agosto de 2012. 521 Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Documento disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Acesso em: agosto de 2012. 273 A educação básica por sua vez subdivide-se em três outros níveis que, a princípio deve corresponde à faixa etária de um aluno que acompanha regularmente a escola, passando de um nível à outro: a.1) educação infantil; a.2) ensino fundamental e a.3) ensino médio. Também é a LDB que determina que a cada dez anos será aprovado pelo Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, conforme artigo 9º, inciso I, do Título IV que cuida da Organização da Educação Nacional. Logo, ressalva-se a LDB de 1996 é uma norma infraconstitucional que traça normas gerais sobre a Educação Escolar Nacional e conforme aprendemos com Geraldo Ataliba nisso citado por Maria Garcia522, normas gerais são normas para outras normas, são orientações e diretrizes, que servem de parâmetro para as outras entidades federativas, que frisa-se são autônomas para legislar. Isso porque de acordo com o artigo 22, parágrafo único, leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.523. Inclusive sobre as normas gerais que recai sobre a educação. Frisa-se sendo a LDB norma infraconstitucional, sua interpretação deve ser conforme a Constituição de 1988, é Ela que gozado de supremacia traça os parâmetros diretivos mínimos que devem guiar, inclusive a legislação concorrente estadual e municipal sobre educação, e outros direitos fundamentais, que por sua vez, gozam de primazia dentro do ordenamento constitucional. Entretanto, cabe a ressalva feita pela Professora Maria Garcia, que a Lei 9.394 de 1996, veio após uma multiplicidade de leis e regulamentos e toda a espécie sobre educação, conforme já analisamos, logo ela, nas palavras de Maria Garcia524: “É uma pletora de leis, é um cipoal de difícil dominação para qualquer jurista, por mais preparado que esteja.” 522 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. op.cit. p. 36 523 524 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006. GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. op.cit. p. 36. 274 Já o Plano Nacional de Educação - PNE - têm por objetivo principal focar os trabalhos dos entes federativos em volta da colaboração do dever que cada ente federativo tem de manter um com o outro para que se concretize os objetivos e princípios do sistema educacional constitucional, principalmente para que uma educação condigna chegue à todos, por meio da determinação de metas, que devem ser perseguidas como um standard mínimo vital, que visa a estrutura e qualidade de ensino cada nível escolar, inclusive durante a Conferência Nacional, para discuti-lo com a participação da sociedade, destacou-se a necessidade de fazer uma lei de responsabilidade educacional, isso para enfatizar que a educação está acima das possíveis lutas disputas partidárias. E de acordo com a apresentação do Plano de Desenvolvimento da Educação525, de abril de 2007, já que inspirado pelo Compromisso Internacional de Educação para todos, o que deve perspassar seus programas é aquela concepção de que a educação deve ser reconhecida como um processo dialético que se estabelece entre individuação da pessoa e socialização, ou seja, aquela concepção de educação que é capaz de formar cidadãos que possam assumir posturas críticas e criativas, frente ao mundo. Nesse contexto a educação formal pública é intencional para distribuir ao Estado sua cota de responsabilidade nesse esforço social amplo, isso porque o Plano faz questão de alinhar sua posição com a Constituição Federal enfatizando que a educação acontece na família, na comunidade e em toda forma de interação na qual os indivíduos tomam parte, e aí acentua especialmente trabalho, inclusive mais a frente como veremos no corpo do texto do PDE ficou bem claro que a formação profissional e tecnológica brasileira está deficitária, ao que podemos concluir que se deve as suas origens, ou seja de como foi foi ela implantada e desenvolvida em governos passados, principalmente durante e após a época de Getulio Vargas, tempo em que esse tipo de educação apesar de ser bem incentivado e fomentado não prosperou em seus propósitos que como vimos, porque eram apenas voltados à conjugar o interesses de governos totalitários e repressivos o que impediu que uma educação de qualidade nesse sentido prosperasse. Mesmo porque é impossível se atingir um nível profissional e tecnológico se as bases dos primeiros níveis da educação, como a primária, não estão bem definidas e estruturadas, como vimos que aconteceu por décadas. 525 Plano de Desenvolvimento da Educação. Razões e Princípios http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/index.htm Acesso em janeiro de 2012. p. 6 disponível em: 275 O PDE, também, deixa absolutamente claro que seu objetivo é harmonizar a educação com os objetivos fundamentais da República fixados pela Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária para garantir o desenvolvimento nacional por meio de erradicar a pobreza e a marginalização e assim reduzir as desigualdades sociais e regionais para promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação. Salientando que não há como construir uma educação republicana, pautada na construção da autonomia, pela inclusão e o respeito à diversidade sem que se cumpra os objetivos dessa. O que pressupõe a construção de um sistema educacional que pressupõe multiplicidade e não uniformidade o que vai exigir pensar etapas, níveis e modalidades educacionais não apenas frente e face à cada unidade, mas e a partir do necessário enlace que a educação deve fazer com a ordenação do território e o desenvolvimento social e econômico, que segundo deixam bem claro, em sua justificativa, é a única forma de garantir à todos e a cada um o direito de aprender até onde permitam sua aptidões e vontades. Como vemos, e, considerando a extensão do território brasileiro, o atual nível de desigualdade social, a violência que agora tanto atinge centros urbanos como os rurais, o problema da miséria extrema que ainda nos ronda, o alto nível de corrupção e a atuação do crime organizado promovendo um poder paralelo que concorre com o Poder Público do Estado, inclusive dentro das escolas, nos leva a afirmar que o Plano de Desenvolvimento da Educação que venho ao encontro dos ditames para educação preconizados pela Constituição Federal e do Compromisso Internacional, já citado, é sem duvida bem ambicioso. Porém, conjugados a esses esforços deveria ter sido aprovado em 2011 como estipulado pela LDB um novo Plano Nacional de Educação, o que até o presente momento, 1º semestre de 2012, não aconteceu. Entretanto destaca-se que as 256 metas do primeiro plano, de acordo o projeto de lei, já mencionado, foram reduzidas para 20. E o que impede sua promulgação é que foi acordado que de 2011 a 2020, uma das metas é de que de 7% ou 10% do PIB deve ser destinado à educação, debate que ainda está sob fortíssima polêmica no Congresso. Mas, será que somente isso basta? Não seria necessário trabalhar em conjunto o desenvolvimento coordenado de ações que combatam eficazmente os problemas enumerados acima, não seria por tudo exposto, que olhássemos as metas que queremos perseguir para educação sob, também o índice de desenvolvimento humano? Que usando um novo tipo de cálculo 276 apontou, em 2011, que as desigualdades regionais em nosso país se devem principalmente a desigualdade não apenas relacionadas ao rendimento que pode auferir cada cidadão brasileiro, mas também, estão diretamente relacionadas com os níveis desiguais de escolaridade apresentados pelos brasileiros.526 E, ainda tendo em vista, que a frustração parcial do PNE em sua primeira década deixa visível que a educação brasileira muito além de somente ser fomentada pelos investimentos materiais que provenham do PIB precisa urgentemente levar em consideração os índices que provém do estudos que são realizados para valorar o Desenvolvimento Humano, pois esse associa, conforme apontamos valores humanos e valores nacionais e exige a participação direta da pessoa humana para que ela enquanto titular do direito aponte e determine quais dimensões das sua dignidade, não estão sendo devidamente atendidas. Isso porque o conceito de Desenvolvimento Humano dá voz à pessoa humana. Entretanto, o Novo PNE têm ao menos dois méritos: 1) em parte alinha um programa de Estado com os valores supremos preconizados pela Constituição Federal, o que se concretizado pode promover sua intrínseca força normativa que para tanto necessita se exteriorizar por comportamentos estatais que se oriente de acordo com o que ela determina; 2) traça linhas bem firmes em direção a concreção de políticas públicas educacionais por meio da cooperação entre os entes federativos para que trabalhe as modalidades, as etapas e os níveis educacionais. E são as seguintes as metas proposta pelo novo PNE, ainda em tramitação, e que deveria se estender, de 2011 a 2020. Ressalva-se, que tais metas são parte integrante do standard mínimo vital que visa ser lançado para que se efetive um direito à educação como direito de todos e de cada um, como um esforço conjugado pelos quatro entes 526 Informação levantada pelo grupo Acqua, que está devidamente formalizado desde julho de 2010 junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional de Tecnologia - CNPq- Disponível na internet: http://redeacqua.com.br/2011/11/brasil-ocupa-84%C2%AA-posicao-entre-187-paises-no-idh-2011/ Acesso em agosto de 2012. “O IDH ajustado à desigualdade faz um retrato mais real do desenvolvimento do país , ajustando às realidades de cada um deles. Com isso, o IDH tradicional passa a ser visto como um desenvolvimento potencial. Levando a desigualdade em conta, o Brasil perde, em 2011, 27,7% do seu IDH tradicional. O componente renda (dentre renda, expectativa de vida e educação) é que mais influi nesse percentual.” 277 federativos, municípios, Distrito Federal, União e Estados - membros, mais a sociedade civil organizada, para construção de uma cidadania forte 527: Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. Meta 2: Criar mecanismos para o acompanhamento individual de cada estudante do ensino fundamental. Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária. Meta 4: Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os 8 anos de idade. Meta 6: Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica. Meta 7: Atingir as médias nacionais para o Ideb, já previstas no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional. 527 CIEGLINSKI, Amanda in Educação UOL. “confora as metas que compõem o Plano Nacional de Educação 2011-202 disponível na internet: http://educacao.uol.com.br/noticias/2010/12/15/confira-as-20metas-que-compoem-o-plano-nacional-de-educacao-2011-2020.htm. Acesso em: janeiro de 2011. 278 Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Meta 11: Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta. Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta. Meta 13: Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores. Meta 14: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pósgraduação lato e stricto sensu, garantindo à todos eles formação continuada em sua área de atuação. Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente. 279 Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Essa era a redação original, porém em Julho do ano de 2012, após 17 meses de tramitação essa meta foi modificada pela Comissão Especial que analisou a matéria na Câmara dos Deputados, e subiu para 10% deveria seguir direto para o Senado, mas noticia-se que a liderança do Governo quer apresentar um requerimento para que o projeto seja votado em Plenário, assim por todos os 513 deputados, e a idéia é rebaixar a meta de investimento, antes que a proposta siga para o Senado.528 É preciso deixar claro que a possibilidade de investimento de 10% do PIB na educação foi uma das resoluções aprovadas na Conferência Nacional da Educação, que tinha por objetivo traçar as bases do PNE realizada em 2010, antes de ser redigido o projeto de lei já referenciado, mas quando o Ministério da Educação enviou ao Congresso o texto-base do plano, ficou valendo a meta de financiamento incluída pelo Governo. 529 Contudo, convém destacar, e deixar bem sublinhado conforme a parte final da Lei 10.072 de 2001 que instituiu o primeiro PNE que ficou bem alertado sobre a necessidade de que o plano seja acompanhado e fiscalizado, pela sociedade, cabendo ao Ministério da Educação que ele seja o indutor dessa colaboração entre os entes federativos, ressalvando-se também a imensa importância de que as entidades civis 528 CIEGLINSK, Amanda. “Manobra Arriscada” in Revista Educação, ano 16 n. 184 - São Paulo: Segmento, 2012, p. 40. 529 Idem, Ibidem, p. 40. 280 diretamente responsáveis pelos direitos da criança e do adolescente participem dessa fiscalização para acompanhar avaliar do PNE, isso porque os objetivos e metas530: [...] deste plano somente poderão ser alcançados se ele for concebido e acolhido como Plano de Estado, mais do que Plano de Governoe, por isso, assumido como um compromisso da sociedade para consigo mesma. Sua aprovação pelo Congresso Nacional, num contexto de expressiva participação social, o acompanhamento e a avaliação pelas instituições governamentais e da sociedade civil e a conseqüente cobrança das metas nele propostas, são fatores decisivos para que a educação produza a grande mudança, no panorama do desenvolvimento, da inclusão social, da produção científica e tecnológica e da cidadania do povo brasileiro. (g.n). Logo, as questões aqui serem levantadas, diante do exposto: 1) Não seria a Conferência Nacional da Educação de 2010 – CONAE um espaço democrático aberto pelo Poder Público para que todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional? Conforme e mesmo está definido no Portal do Ministério da Educação? Não foi ela organizada para tematizar a educação escolar, da Educação Infantil à Pós Graduação que realizada, em diferentes territórios e espaços institucionais, nas escolas, municípios, Distrito Federal, Estados do país dos quais participaram estudantes, pais, profissionais da Educação, gestores, agentes públicos, enfim, sociedade civil organizada de modo geral, para terem em suas mãos a oportunidade de conferir os rumos da educação brasileira? Por um acaso a Portaria Ministerial nº 10/2008 não constituiu comissão de 35 membros, a quem atribuiu as tarefas de coordenar, promover e monitorar o desenvolvimento da CONAE em todas as etapas? Por acaso a Comissão Organizadora Nacional é integrada por representantes das secretarias do Ministério da Educação, da Câmara e do Senado, do Conselho Nacional de Educação, das entidades dos dirigentes estaduais, municipais e federais da educação e de todas as entidades que atuam direta ou indiretamente na área da educação? Diante dessas questões. Mais uma pode ser formulada, além das pessoas que estão diretamente envolvidas com tal assunto, não seria preciso que as pessoas que pertencem a grande massa populacional, fossem, também, instruídas para que se pudessem atuar sobre tal assunto por meio do controle social? 530 Considerações finais do Plano de Educação de 1999-2010 Disponível na http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm Acesso em Agosto de 2012. Internet: 281 Contudo, e fora o fato do Projeto de Lei do Novo PNE estar alocado no meio de disputas partidárias, conta também que seu texto além de vir ao encontro dos objetivos fundamentais da República Brasileira, reforça e dá força normativa ao que determinado pelo artigo 208 e seus incisos, de I a VII, que por seu § 1º enfatiza que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, pelo § 2º determina que o nãooferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. E pelo § 3º determina que compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, por sua frequência à escola. Logo para que se efetive a educação, de forma plena, o Estado deve de acordo com os incisos do art. 208 da Constituição de 1988: a) oferecer e dar pleno acesso: a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria531; b) oferecer progressiva universalização do ensino médio gratuito; c) dar atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; d) dar atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; f) promover e dar acesso à educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; g) permitir acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; h) ofertar ensino noturno regular, adequado às condições do educando; i) dar atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Ressalvando se que o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE- que aprovado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e proposto pelo Ministro da Educação Fernando Haddad em 24 de abril de 2007, visa alcançar todas as etapas da educação para melhorar sua qualidade e isso em um prazo de 15 anos; veja esse Plano foi lançado ao menos quatro anos antes do PNE de 2011 e concomitantemente com o prazo final do primeiro PNE e isso porque era mais do que visível aos organismos internacioanis que apesar de todos os esforços, que até então realizados, o que fez foi superinflar o sistema educacional com leis que traçaram metas 531 Essa redação foi dada pela Emenda Constitucional n. 59 de 2009. 282 que não foram cumpridas, de maneira que foram elaborados vários projetos que visam por meio de políticas públicas fazer com que o Estado concretize seu dever constitucional de dar acesso à educação condigna e como dissemos precisava dar uma resposta aos organismos internacionais, principalmente ao Banco Mundial que tem exigido nos países onde atua ativamente que se elabore o planejamento de metas e a execução dessas tanto para a educação, como para a saúde. Convém, entretanto, frisar, que tais projetos na área educacional dão prioridade à educação básica, onde em qualidade continuamos a ser profundamente deficitários de maneira que ainda estão em andamento uma série de projetos, que inclui várias ações que visam combater problemas sociais que “inibem o ensino e o aprendizado com qualidade, como Luz para todos, Saúde nas escolas e Olhar Brasil, entre outros.”532 532 A saber as ações do PDE estão se desenvolvendo pelas seguintes políticas públicas educacionais, mas lembremos, que inconstitucionalmente, a lei que instituiu o PDE abre adesão voluntária aos Municípios: Índice de qualidade: que avaliará as condições em que se encontra o ensino com o objetivo de alcançar nota seis no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). É o plano Compromisso Todos Pela Educação que propõe as diretrizes e estabelece as metas para as escolas das redes municipais e estaduais de ensino;- Provinha Brasil: instrumento de aferição do desempenho escolar dos alunos de seis a oito anos;- Transporte escolar: Caminho da Escola é o novo programa de transporte para alunos da Educação Básica que residem na zona rural;- Gosto de Ler: que implementa Olimpíada Brasileira da Língua Portuguesa que foi realizada em 2008 e pretendeu resgatar o prazer da leitura e da escrita no Ensino Fundamental;- Brasil Alfabetizado: que têm dois focos: a Região Nordeste, que concentra 90% dos municípios com altos índices de analfabetismo; e os jovens de 15 a 29 anos. A alfabetização de jovens e adultos será, prioritariamente, feita por professores das redes públicas, no contra turno de sua atividade;- Luz para todos: programa no qual as escolas terão prioridade;- Piso do magistério: definição do piso salarial nacional de 850 reais para os professores;- Formação: o programa Universidade Aberta do Brasil, por meio de um sistema nacional de ensino superior à distância, visa capacitar professores da Educação Básica pública que ainda não têm graduação, formar novos docentes e propiciar formação continuada;- Educação Superior: duplicar as vagas nas universidades federais, ampliar e abrir cursos noturnos e combater a evasão são algumas das medidas;- Acesso facilitado: o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) aumentará o prazo para o aluno quitar o empréstimo após a conclusão do curso;Biblioteca na escola: com a criação desse programa, os alunos do Ensino Médio terão acesso a obras literárias no local em que estudam;- Educação profissional os Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFETs) reorganizarão o modelo da educação profissional e atenderão as diferentes modalidades de ensino;- Estágio: alterações nas normas gerais da Lei do Estágio para beneficiar alunos da Educação Superior, do ensino profissionalizante e médio;- Proinfância: construção, melhoria da infraestrutura física, reestruturação e aquisição de equipamentos nas creches e pré-escolas;- Salas multifuncionais: ampliação de números de salas e equipamentos para a Educação Especial e capacitação de professores para o atendimento educacional especializado;- Pós-doutorado: jovens doutores terão apoio do governo para continuar no Brasil;- Censo pela Internet: com o levantamento do Educacenso, os gestores conhecerão detalhes da Educação do Brasil;- Saúde nas escolas: o Programa Saúde da Família atenderá alunos e professores para prevenir doenças e tratar outros males comuns à população escolar sem sair da escola;- Olhar Brasil: o programa identificará os estudantes com problemas de visão, que receberão óculos gratuitamente;- Mais Educação: alunos passarão mais tempo na escola, terão mais atividades no contra turno e ampliação do espaço educativo;- Educação Especial: monitorar a entrada e a permanência na escola de pessoas com deficiência, em especial, crianças e jovens de zero a dezoito anos atendidas pelo Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC);- Professor-equivalente: a própria universidade poderá promover concurso público para a contratação de professores nas universidades públicas federais;- Guia de tecnologias: as melhores experiências tecnológicas educacionais serão um referencial de qualidade para utilização por escolas e sistemas de ensino;- Coleção educadores a coleção Pensadores, que engloba 60 obras de mestres brasileiros e estrangeiros, será doada para as 283 Inclusive a questão do analfabetismo no Brasil foi trabalhada pela reorganização legal do programa de Estado Brasil Alfabetizado que visa sua extinção pela universalização da alfabetização de jovens e adultos de quinze anos ou mais. Assim, o decreto n. 6.093 de 24 de abril institui um plano plurianual de alfabetização cujas atividades das turmas de Alfabetização são apoiadas pela União e serão, preferencialmente, realizadas por professores das redes públicas de ensinos dos Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive o alfabetizador pelo §5º do art. 5º deverá receber um bolsa para custear suas despesas, porém sua atuação deve acontecer em caráter voluntario. Também é interessante notar que aquilo que vemos tanto pelo Plano Nacional de Educação como pelo Plano de Desenvolvimento da Educação, é que eles a princípio dão concreção tanto ao caput e os incisos do artigos 211 como ao caput e parágrafos do artigo 212, ambos da Constituição Federal de 1988 que determina correspondentemente que a União, os Estados, o Distrito Federal organizarão seus sistemas de ensino em regime de colaboração isso porque que a União, anualmente, nunca poderá aplicar menos que dezoito por cento e Estados, Distrito Federal e Municípios nunca menos do que vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos compreendidas e provenientes de transferência na manutenção e desenvolvimento do ensino. Contudo tanto o PNE como o PDE estão sofrendo severas críticas pelos profissionais da educação como, por exemplo, pelo Professor Doutor em Educação Dermival Saviani533. Que após ter realizado um minicioso estudo sobre cada uma dessas ações e metas diz que apesar de ambicioso o PDE, tal qual está sendo apresentado não traz consigo mecanismos de controles, inclusive pode induzir a manipulação de dados escolas e bibliotecas públicas da Educação Básica, com o objetivo de incentivar a leitura, a pesquisa e a busca pelo conhecimento;- Dinheiro na escola: todas as escolas de Ensino Fundamental públicas rurais receberão a parcela extra de 50% do Programa Dinheiro Direto na Escola. As escolas urbanas só receberão a verba se cumprirem as metas estabelecidas;- Concurso prevê a realização de concursos públicos para ampliação do quadro de pessoal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da expansão da rede profissional;- Acessibilidade: as universidades terão núcleos para ampliação do acesso das pessoas com deficiência a todos os espaços, ambientes, materiais e processos, com o objetivo de efetivar a política de acessibilidade universal;- Cidades-pólo o Brasil terá 150 novas escolas profissionais. A ação faz parte do plano de expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica;- Inclusão digital: todas as escolas públicas terão laboratórios de informática. http://www.educacional.com.br/legislacao/leg_i.asp acesso em: Janeiro de 2011. 533 DERMEVAL, Saviani. PDE. Plano de Desenvolvimento da Educação- Analise Critica da política do MEC também disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a2728100.pdf. 284 municipais de modo que elas venham a garantir o recebimento de recursos, por meio de apresentação de estatísticas que mascarem seu efetivo desempenho. Além do que, segundo ele, as ações previstas no PDE na verdade apenas se relacionam com uma ou outra meta do PNE, de maneira que ele conclui que o Plano de Desenvolvimento Educacional foi formulado em paralelo e sem levar em conta o Plano Nacional de Educação, de maneira que se pode compreender que ele pode até como lei querer suplantar o PNE, o que não pode acontecer, visto que para isso deveria o PNE ter sido revogado por uma outra lei, o que até o momento não aconteceu de maneira que é preciso que as autoridades públicas examinem e fiscalizem, passo a passo, cada um dessas ações do PDE. Contudo, o que merece destaque e está alinhado com nossa proposta de dissertação é observação de que tanto o PNE como o PDE, traçam o standard mínimo vital incondicional para o exercício de um direito fundamental à educação, logo as variações socioeconômicas que o país passa não poderiam comprometer a direito a educação do cidadão, visto que esse é um direito que além de tudo causa o empoderamento de outros direitos que conjuntamente com ela protege a dignidade material da pessoa humana. Assim muito além de apenas indicar índices de qualidade eles, em teses, enfrentam os problemas sócioseconômicos que impedem seja a qualidade da educação atingida, de maneira que merecem maior atenção da sociedade civil, que precisava estar a par de como caminham as essas políticas públicas sociais e orçamentárias que dizem respeito à educação para verificar se estão, essas sendo devidamente cumpridas e mesmo se a elas está sendo dado continuidade pelos governos seguintes, pois afinal são ações do Estado e não do Governo, como querem alguns poucos, conforme vimos, na problemática na qual está envolvida a aprovação do Novo Plano de Educação. Ainda e até a presente hora o PNE está em tramitação e, já envelhecendo face aos interesses partidários em disputa. 3.5.3 Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional: Salário Educação e seus programas e a exigência de um controle social de seus recursos É preciso também dar destaque aos programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE- que, aliás foram criados em novembro de 1968 e estão vinculados ao MEC. Sua natureza jurídica é de autarquia e tem por finalidade 285 captar recursos financeiros tanto para projetos educacionais como para assistência ao estudante. Grande parte de seus recursos provêm do Salário-Educação, que foi criado pela Lei 4.462 de 1964, porém recepcionado pelo artigo 212, § 5º da Constituição Federal de 1988. É cobrado pelas empresas vinculadas à previdência por uma taxa a 2,5% calculada sobre o total da remuneração paga aos seus empregados durante o mês. E, é o INSS o órgão competente para fazer a intermediação, cobrando 1% de taxa para administrar essa arrecadação, e a distribuição é feita pelo FNDE, que deve observar a arrecadação de cada Estado e Distrito Federal. 534 O Salário Educação pago pelas empresas deve oferecer aos seus empregados e dependentes, e atendo a isso da seguinte forma: a) escola própria; b) aquisição de vagas - o valor da vaga é de apenas vinte um reais, valor fixado desde 1995; c) indenização de dependentes. Contudo, em atenção a isso, a indenização não é mais possível desde 1997, pois a Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n. 14 de 1996 bem pela Lei do FUNDEF de 1997, proibiu-se a inclusão de novos alunos beneficiários para receber tal indenização, entretanto foi respeitado o direito adquirido daqueles que já recebiam. De maneira que esses empregados e seus dependentes continuam a receber essa modalidade do Salário-Educação para pagar a mensalidade das escolas, mas as empresa podem deduzir esse montante do Imposto de Renda. O Fundo mantém seis programas, e reflete em muito a visão do governo e parte do standard mínimo a ser alcançado para melhoria do sistema educacional brasileiro que determinado pela Constituição de 1988. 535 Pelo Programa Dinheiro Direito na Escola transferem-se recursos diretamente às escolas de ensino fundamental das redes estaduais, municipais e distritais que tenham mais de vinte alunos e às escolas especiais mantidas por organizações não governamentais. Seus objetivos são otimizar a qualidade de ensino no período fundamental escolar e envolver a comunidade nisso para melhorar a aplicação desses recursos. Para ser beneficiária desse programa a escola precisa ter uma unidade executora, do contrário o repasse é feito diretamente às Secretárias Estaduais e municipais de ensino. Compreende-se por Unidades Executoras: Associação de Pais e 534 LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, José Ferreira de Oliveira, TOSCHI, Mirza Seabra. op. cit. p. 183. 535 Idem, Ibidem, p. 184. 286 Mestres, Caixa Escolar, Cooperativa Escolar, Círculo de Pais e Mestres, etc.. No entanto, o que é importante destacar é que tais recursos que devem ser utilizados para aquisição de material permanente e de consumo, manutenção e conservação do prédio, aperfeiçoamento dos profissionais da educação e implementação de projetos pedagógicos, e reforça-se, tais aquisições, devem ser realizadas com a participação dos cidadãos da comunidade que fazem parte das Unidades Executoras. Pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar o Salário Educação deve ser utilizado para levar às crianças da pré-escola e ensino fundamental alimentação adequada, pois deve ao menos ser oferecida uma refeição diária nos dias letivos às crianças que contenham no mínimo valores nutricionais básicos. Porém para estabelecer um convênio com o FNDE, para receber os benefícios desse programa, os municípios devem criar o Conselho de Alimentação Escolar, que tem a função de fiscalizar e controlar esses recursos e suas atividades devem ser desenvolvidas de acordo com os princípios do reconhecimento da alimentação escolar como direito do educando, dandose prioridade ao atendimento da criança e do adolescente; e mais uma vez o que pretende é estimular a participação da comunidade para orientar suas decisões e articular suas ações com as políticas sociais vigentes.536 Pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, pretende-se aumentar o número de bibliotecas nos municípios, e ainda que tenha alcançado algum êxito com esse programa constatou-se em levantamento feito pela imprensa brasileira em 2001 apenas existe uma biblioteca para cada quarenta mil habitantes e que 25% dos municípios brasileiros não podem contar com nenhuma biblioteca pública. Por esse programa o que se pretende é difundir obras de literatura e referência como enciclopédias e dicionários, que ao serem distribuídas às escolas do ensino fundamental incentive e aumente o gosto pela pesquisa, ao mesmo tempo em que se aprimora a qualidade da formação histórica, econômica e cultural do povo brasileiro.537 Pelo Programa Nacional Livro Didático procura-se suprir as escolas públicas com livros didáticos que escolhidos pelos professores, servem para assessorá-los em 536 Idem, Ibidem, p.184-185. 537 Idem, Ibidem, p. 186. 287 sala de aula e as tarefas diárias das crianças e dos jovens. Porém, os professores ficam adstritos nessa escolha, isso porque ela deve ser feita sobre uma guia que traz obras selecionadas por uma equipe de especialistas do MEC. E isso em parte, a nosso ver, pode se tornar um problema para educação visto que um dos princípios formadores da educação é a liberdade do ensino e nisso o que pode acontecer é que essa liberdade pode ser direcionado de acordo com a mente de uma equipe de pessoas, e salvo melhor juízo se elas não forem selecionadas sobre um muito critério rigoroso, parte do ensino e aprendizagem que deve ser plural no país estão em suas mãos. De maneira, que acreditamos que é fundamental que os profissionais da educação dessa escola que participam desse programa, bem como a comunidade escolar precisam ser devidamente informados e orientados, nesse sentido. Justamente, para que a liberdade de ensino não corra nenhum risco de ser ferida e se possibilite que sobre tais livros se exerça uma análise crítica criteriosa. E mesmo que já tenha sido estipulado um critério para isso, visto que tais livros são classificados por categorias e indicados por números de estrelas da seguinte forma: três estrelas são livros que se destacam por sua distinção, duas estrelas são apenas recomendados e uma estrela recomendado com ressalvas. Mas, o muito interessante nesse programa é que ele incentiva a solidariedade entre os alunos, pois aqueles que são distribuídos da segunda à oitava série devem ser reutilizados nos anos subsequentes, o que também incentiva a boa guarda do livro e a preservação do meio ambiente. 538 Pelo Programa Nacional de Saúde é realizado um repasse às escolas das prefeituras participantes. O programa visa a promoção da saúde nas escolas publicas municipais que devem sanar problemas de saúde que interferem na aprendizagem. Isso envolve atividades educativas, preventivas e curativas, e além serve para fornecer matérias de higiene, primeiros socorros. Entretanto, a aquisição de medicamentos foi vedada. 539 Pelo Programa Nacional de Transporte Escolar visa-se, principalmente, melhorar a frequência e permanência escolar dos jovens e das crianças em zona rural. Há repasse de verbas ao município para aquisição de veículos novos seu limite de cinquenta mil 538 Idem, Ibidem, p. 187. 539 Idem, Ibidem, p.187. 288 reais. E ainda assim temos noticias diárias de crianças em áreas rurais que obrigatoriamente para frequentar a escola andam até mais do que três quilômetros, chegando na sala de aula cansadas, famintas e sem ânimo para estudar. Outras vezes, ainda que existam veículos, as condições das estradas é um fator impeditivo fortíssimo. Esse, sem duvida, é um problema sério que enfrentam os educandos brasileiros de áreas mais remotas, porque ainda que alimentem sonhos de estudar, quase sempre acaba em frustração.540 Esse é um dos muitos problemas que precisam ser urgentemente revisto, entre outros, pelos Tribunais de Conta e pelo Poder Legislativo, pois são eles que participam do sistema de controle externo dos recursos públicos destinados à edificação do sistema educacional brasileiro. Como, também bem assevera Libâneo, José Oliveira e Mirza SEABRA, o próprio Poder Executivo conta com departamentos especializados para fazer esse controle, porém esses se mostram ineficientes, não conseguem eles evitar desvios desses recursos, de forma que bem questionam os autores541: Ora, se esses organismos não são suficientes para evitar os desvios , não seria o momento de a própria sociedade realizar o controle social dos recursos financeiros públicos a ser usados na educação? Aliás, a sociedade é grande interessada na transparência e no uso correto e proveitoso dos fundos públicos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Se esse poder fiscalizador fosse todo repassado à sociedade, ela teria condições de controlar o uso desses recursos? Saberia fiscalizar? Aliás, tos autores referenciados, afirmam categoricamente que o crescimento político de uma sociedade também é medido por sua capacidade de controlar e fiscalizar o poder público: “o qual, aliás, se torna pela outorga eleitoral que a mesma sociedade lhe concede por meio de voto.”542 3.54 Educação: Dever da Família em colaboração com a sociedade 540 Idem, Ibidem, p.188. 541 Idem, Ibidem, p. 191. 542 Idem, Ibidem, p. 192. 289 E sendo a educação não apenas dever do Estado, mas também dever da família, que é, como já expusemos, nosso primeiro espaço de convivência plural e como tal, espaço educacional, merece por nós uma análise mais profunda. Com a família aprendemos tudo que vamos desenvolver em sociedade, seus ensinamentos nos são incutidos antes dos ensinamentos ministrados pela Igreja, pelo clube, e pela escola. Logo, a família é nosso primeiro espaço vital de apoio à nossa integração social. Com ela aprendemos a nos expressar e a nos comunicar, aprendemos pela linguagem natural a ser e a fazer. A família nos disciplina, informa, instrui e forma, portanto um verdadeiro espaço educacional, mas não um espaço formal, porque lá não há um currículo prévio estabelecido a ser acompanhado que nos leva de um grau a outro. No entanto, ainda assim, é na família que tomamos consciência de que somos um ser de relações, conforme nos ensina Paulo Freire, porque nela somos forçados pelas regras que nos são impostas por seus membros e, desde a mais tenra idade, a assumir um papel de sujeito em ação, porque com ela aprendemos a pensar e a agir e são essas ações que nos integra ao nosso contexto sociocultural. Com a vivência e a convivência nesse nosso primeiro espaço plural, em que as opiniões e os pensamentos, às vezes são muito conflitantes aprendemos a ser plural nas nossas relações, às vezes, por palavras, às vezes por exemplos, ou uma somatório dos dois. O fato é que nela há uma vivência em pluralidade de relações com o mundo e à medida em que vivenciamos esses laços, esses afetos, como seres humanos começamos a responder aos desafios que a vida nos impõe. Com a família damos nossos primeiros passos à integralização, e é essa integração que nos enraíza e nos dá consciência de nossa própria temporalidade, conforme Paulo Freire. Se não ocorresse essa integração “que é uma característica das relações do homem e que se aperfeiçoa na medida em que se faz critico” seríamos apenas um ser acomodado, “e, então, nem a história nem a cultura- seus domínios- teriam sido.” 543 Sem a família, e não importa qual e como se deu formação, pois, conforme, dissemos a Constituição de 1988, hoje, protege todos os tipos de família, poderíamos ainda afirmar que seríamos “homens desenraizados”. Conceito oferecido Paulo Freire que qualifica como aquele homem que está fora do âmbito de decisões, comandado e 543 VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho e BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de Educação em Paulo Freire Conceitos de Educação de Paulo Freire. op.cit. p. 120-121. 290 alienado pelos diversos meios de comunicação, pois com a família aprendemos a tecer nossas primeiras críticas sobre o que ouvimos no rádio, assistimos na televisão, buscamos na internet e lemos nas revistas ou jornais. Sem a família e seu afeto seríamos, então, pura e simplesmente “comandados pelos meios mediáticos desenvolvidos pela publicidade”, “a tal ponto que em nada” confiaríamos ou acreditaríamos e, por fim, nos identificaríamos apenas “com formas míticas de explicação do mundo”, ou seja, nosso comportamento seria daquele tipo de homem que “perdeu dolorosamente seu endereço”, o homem desenraizado.544 Daí a importância do dever que a família assume no processo educacional nãoformal e formal. Dever esse, que foi devidamente protegido desde a Constituição de 1934. Dever constitucional significa dizer que os responsáveis familiares devem zelar pela guarda, pelo apoio e pela integralização que a criança e o jovem devem ter enquanto seres em formação que necessitam despertar em si o educere para que possam se integralizar à sua comunidade, até que, então, desejem ou não formar suas próprias famílias. Podemos compreendê-lo ainda, no sentido de participar ativamente como meio próprio dessa integralização, ou seja, seu apoio deve ir além das paredes da sala de jantar, a família deve ir à escola não apenas para cumprir com o dever de matrícula, despejando a criança ou jovem na sala de aula, ela deve participar, questionar e desenvolver críticas sobre a metodologia do ensino, a estrutura da escola, discutir sobre os melhores meios para valorizar o professor, enfim estar familiarizada com as políticas públicas educacionais que estão sendo desenvolvidas, pois é a escola, por excelência, a extensão do lar, onde aprendemos e continuamos os processos educacionais que nos integralizam de maneira não formal ao meio social, e é somente aí que reside a diferença entre escola e família o uso de uma metodologia que deve ser devidamente sistematizada, porém isso não é uma diferença diminuta, a escola é espaço do importante contínuo da integralização, o espaço perfeito para sociabilidade, onde desenvolvemos eticidade política e jurídica nas relações humanas e aprendemos, que apesar das nossas diferenças herdadas, somos, em absolutamente tudo iguais face à nossa condição humana. 544 Idem, Ibidem. p. 121. 291 Quando a família falta com seu dever constitucional de educar deve ser chamada pelo Estado, primeiramente pelos profissionais da educação para que sejam questionados, sensibilizados e afetados da importância que têm sua presença nesse processo de formação, ainda que isso represente um desafio para esses profissionais e para o Estado, para a família e para o aluno. Assim, o dever de educação, prestado pelo Estado vai além de dar acesso ao individuo. Nesse processo ele alcança a sua família, de maneira modo que o Estado tem a obrigação de zelar por esse diálogo que deve haver entre família e escola. Nesse processo dialógico entre família e escola, encontramos os primeiros limites à liberdade que se pode ter em sociedade. Em comunidade, escola e família chegam a desenvolver a consciência da necessária autoridade que deve recair sobre o conhecimento e o aprendizado, pois nesse diálogo que deve ser fecundo, ainda que cheguemos à conclusão que sem liberdade não há aprendizado, também chegamos à igual conclusão que se o professor não conseguir estabelecer um clima para um aprendizado adequado, em que ele permite ao aluno fazer o que deseja, “a formação ficará deficiente”. Nesse ambiente, é á família em conjunto com a escola e o professor que ensinam que liberdade não se confunde com licensiosidade, e essa tomada de consciência em tempos em que a violência moral, psicológica e física chegou à escola, é alertar urgentemente que o Estado Constitucional que tem por obrigação proteger a dignidade humana, seja o mediador desse diálogo, inclusive desenvolvendo políticas públicas educacionais que despertem esse tipo de consciência, pois, segundo o que nos conta Paulo Freire sobre suas experiências educacionais e políticas 545: Cedo percebi que, no diálogo com os pais, não haveria possibilidade nenhuma de êxito se lhes aparecêssemos como estivéssemos defendendo posições licensiosas. Posições permissivas em que, em nome da liberdade, terminávamos contra ela, pela falta total do papel limitador da autoridade. Nenhuma dessas posições, a autoritária ou a licensiosa, trabalha em favor da democracia. É neste sentido, por isso, que viver bem a tensão entre autoridade e liberdade se torna, em casa como na escola, algo da mais alta importância. A liberdade que assume seus limites necessários é a que luta aguerridamente contra a hipertrofia da autoridade. Quão equivocados estão os pais que tudo permitem aos filhos, muitas coisas, às filhas, ora porque, dizem tiveram infância e adolescência difíceis, ora porque, afirmam, querem filhos e filhas livres. 545 Idem, Ibidem, p. 135-136 292 Daí a imensa importância da proteção constitucional que se deve dar à educação pelo dever do Estado e da Família. O exercício desse dever, por ambos, é o que viabiliza, a essência da Democracia Social. Mas, o dever constitucional do Estado e da Família para o acesso e a viabilização de um direito à educação em uma Democracia Social dever ser em colaboração com a sociedade, diz a Constituição. Nesse sentido, a doutrina em sua maioria, compreende que esse artigo se refere ao direito que tem o particular de abrir e manter escolas, desde que também cumpra para seu projeto educacional as condições impostas pelo Texto Constitucional. Porém, essa compreensão deve ir além, justamente porque consagramos em nosso Texto uma Democracia Social que vai ultrapassa o direito de votar e ser votado. Nesse sentido, toda família e toda escola particular e pública está inserida em uma comunidade e com ela deve partilhar seus problemas a fim de se encontrar soluções que otimizem a qualidade do ensino, tanto de seu ponto de vista estrutural como do seu ponto de vista sistêmico. Desse modo, destaca-se a por importância dos Conselhos Escolares, devendo fazer parte dele membros da comunidade que inclusive possam diretamente participar das decisões que dizem respeito até mesmo às verbas orçamentárias que destinadas à escola, mesmo porque é dali que partiram os profissionais de todas as áreas e o cidadão atuante. A idéia da formação de conselhos escolares surgiu juntamente com a proposta para uma Gestão Democrática da Lei de Diretrizes e Bases da Educação quando essa foi promulgada em 1996. O conselho tem por objetivos assegurar a participação da comunidade na gestão dos processos educacionais, inclusive para auxiliar a equipe gestora em questões administrativas, financeiras e pedagógicas e segundo o Programa de fortalecimento dos Conselhos Escolares de 2004 sua atuação deve ser consultiva, deliberativa, normativa, avaliativa, devendo também acompanhar a evolução dos indicadores educacionais das escolas onde atuam. Sua atuação é relevante na medida em que vão poder avaliar os índices de repetência e evasão e até questões que vão da violência escolar a depredações que sofrem seus prédios.546 546 GOMIDE, Camilo in: Como Formar um Conselho Escolar Atuante. http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/diretor/como-formar-conselho-escolar-atuante574335.shtml. Acesso em Agosto de 2010 - Publicado em Nova Escola Gestão Escolar. ed. 08 Junho/Julho 2010, Título original: “Unidos por uma boa causa.” 293 Mas, infelizmente, apenas 70,65% das escolas públicas estaduais em 2004 segundos dados do MEC, podiam contar com os Conselhos Escolares, e apenas nos municípios em que lei municipal específica determina. A verdade é que esse tipo de informação não chega às comunidades, de maneira que é urgente que esse tipo de iniciativa seja incentivado nas comunidades. Todas as autoridades públicas, inclusive as autoridades do Poder Judiciário podem vir a fazer desses Conselhos um espaço preventivo para se trabalhar questões de segurança e políticas públicas criminais, desde que seja lembrado que esse não é um espaço para a coação do direito, mas sim um ambiente propício para que ele se integre a comunidade por meio de um diálogo aberto e fecundo que debata, por exemplo questões que digam respeito não apenas ao direito à educação, mas direitos fundamentais constitucionais. Afinal, conforme aporta Meire Cavalcante: “Estudar em uma escola cuidada e administrada em parceria com os pais e a comunidade e que tenha como principal objetivo a qualidade do ensino é um dos melhores exemplos práticos de cidadania que os alunos podem ter.”547 Conforme podemos observar a Constituição privilegiou a educação escolarizada, até porque a educação informal, não aquela que acontece no âmbito familiar, mas aquela mesma que promovida por ações públicas que visam este ou aquele assunto, sobre temas específicos que se precisa ensinar somente se pode dar de maneira esporádica, e mesmo que muito válida é apenas realizada por "ações voltadas à determinados fins", por isso quase sempre intangíveis. Daí ser a escola o espaço concreto e propício para que ocorra a participação ativa do cidadão, não apenas e diante de questões que norteiam o próprio processo educacional, mas que por ali se enfrente questões próprias de uma democracia participativa, como, por exemplo, como e porque devemos dar a devida importância ao regime democrático para quem sabe comecemos a compreender que o voto do brasileiro muito mais do que um dever constitucional imposto é um direto fundamental sem o qual a República Federativa do Brasil não se sustenta. Logo o direito à educação, também tem uma função objetiva que conforma todo o sistema jurídico, por isso deve ser assegurado por meio de leis, atos normativos, e 547 CAVALCANTE, Meire in: Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos escolares disponível na internet: http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/diretor/programa-nacional-fortalecimentoconselhos-escolares-423379.shtml, Publicado na Revista Nova Escola Ed. 187 em Novembro 2005. 294 posturas administrativas, vedada qualquer limitação a seu alcance, entretanto, conforme determina a Constituição Federal, o processo educacional não se resume a ações tomadas nesse sentido, há que se compreender que essas ações são realizadas por pessoas, e que cada um delas tem seu âmbito de liberdade e sua dignidade de pessoa humana devidamente protegida. De modo, não é possível, que um sistema super estruturado se ponha acima desse enunciado, pois quando ele faz isso passa a desviar sua finalidade por um comportamento inconstitucional. E, infelizmente, tal comportamento já vem acontecendo nos sistemas de ensino público dos Estados Brasileiros. Podemos dar o exemplo de São Paulo, que é aquele que conhecemos mais de perto, aqui as normas administrativas dos processos educacionais estão gerando uma burocratização desnecessária, segundo muitos professores. No âmbito municipal o regimento escolar está repleto de entraves, “papeladas e mais papeladas”, que tem que ser preenchidas diariamente que levam muito dos profissionais da educação e professores a um esgotamento mental e físico profundo. Inclusive, no âmbito estadual onde eles obedecem a um Plano de Gestão Educacional que determina que seus pedidos de recursos materiais, por exemplo, devem passar por vários níveis de hierarquia, até que se obtenha uma resposta vem dificultando em muito que a educação em níveis ótimos, seja concretizado, o excesso de burocracia, argumentam eles “engessa o processo educacional, os professores poderiam estar mais tempo em horas atividades, realmente cuidando do plano de ensino pedagógico.”548 O que, em parte foi devidamente consagrado pela Lei do Piso, conforme explicaremos. 3.5.5 Os objetivos da educação na Constituição de 1988 Resta ainda, portanto que um direito à educação escolar voltada para todos cumpra seus objetivos. Objetivos esses que estão delineados na parte in fine do artigo 205 da Constituição Federal, que conste, ainda, também estão delineados pelo art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente e nos diversos Pactos de Direitos Humanos cuidam consagrar um direito à educação, como por exemplo o Protocolo de San Salvador que foi devidamente ratificado pelo Brasil. Objetivos esses que indicam que 548 Comentário feito a partir de vários apontamentos realizados durante seminários e aulas expositivas promovidas turmas de graduação do Curso de Educação que participaram da Feira de Iniciação da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, Campus Monte Alegre, em agosto de 2009. 295 processo educacional prima pelos valores humanos: culturais, políticos e profissionais. A saber: 1) Pleno desenvolvimento da pessoa: Esse objetivo a ser perseguido e concretizado pelo Estado, pela Família e pela Sociedade Brasileira aponta e consagra implicitamente que a Educação é um direito humano fundamental de extremada relevância porque visa em primeiro a pessoa humana, e como consequência disso ao Estado cabe apenas reconhecê-lo. Por ele, chegamos à conclusão que a pessoa humana precisa ter seu caráter moldado pela instrução, pela disciplina, pela formação e pelo afeto para que assim possa desenvolver suas virtudes e interiorizar eticidadade e sociabilidade; a educação deve levar a pessoa humana por meio do desenvolvimento cognitivo, emocional e espiritual a se habituar à condutas de uma boa moral porque compreende que para ser feliz e realizada ela necessita conduzir sua vida com ética. E ética para Aristóteles em sua obra “Ética a Nicômaco” é buscar a felicidade pautandose pelo equilíbrio e pela prudência, é por isso que quem educa tem que transmitir antes de tudo o ser ético, pois o pleno desenvolvimento humano somente se completa por meio dela. 549 Nesse sentido, quando se busca na educação o pleno desenvolvimento humano, ela assume uma função transformadora que permite que a potencialidade do saber concretiza-se em ato de conhecimento, que naturalmente força a pessoa humana a buscar tanto a sua felicidade como a dos outros, pois ela sabe que apesar de saber pensar por si e ser independente e até ser autônoma para tomar suas próprias decisões e fazer suas escolhas, ela saberá que essas deverão ser tomadas sobre um crivo da responsabilidade prática para consigo e para o Outro. Logo, desenvolver a personalidade humana plenamente significa ensinar e aprender que se é livre, porém livre em coexistência com a família, com a sociedade e com o Estado ou ainda, sob o olhar da humanidade, no qual estamos todos inseridos. Significa que devemos aprender pelo desenvolvimento das nossas habilidades emocionais, motoras e cognitivas que devemos tanto respeito ao Outro quanto a nós 549 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3ª ed. Tradução do grego, introdução e notas Mário da Gama Kury. Brasília: Editora UnB, 1985. 296 mesmos, já que aprendemos a nos identificar com ele não pelo o que ele possuí ou pelo status que tem perante a sociedade, mas, porque o Outro como nós, também porta em si um valor intrínseco que se erradia de dentro para fora, ou seja, aprendemos a nos identificar pela dignidade humana. De modo que objetivo do pleno desenvolvimento da pessoa visa desenvolver e potencializar todas as dimensões da dignidade humana dos educandos, para que ele também possa reconhecê-la no Outro. E ainda conforme aporta o Relatório Deloirs da Unesco, de 1983, o objetivo do pleno desenvolvimento da pessoa humana aponta para os quatro pilares do conhecimento: 1)aprender a aprender; 2) aprender a fazer; 3) aprender a ser; 4) aprender a conviver.550 2) Preparo para o exercício da cidadania551: Cidadania nos ensina Maria Garcia, citando Hanna Arenth é: "o direito a ter direitos" e complementa: “à todos os direitos previstos na Constituição” Isso significa afirmar que a família tem a obrigação moral, mas o Estado o dever jurídico de oferecer um ensino que, também desenvolva cultura política em seus cidadãos, ou seja, que prepare, na concepção de Peter Härbele as pessoas para serem, preliminarmente, pré-interpretes da Constituição mesmo antes de um e outros desejarem pelos estudos, pelo ensino-aprendizagem e pela pesquisa a serem intérpretes constitucionais. Mesmo porque, segundo ele afirma os direitos fundamentais quando consagrados no ordenamento interno de um Estado assumem perante a sociedade uma função social objetiva, que limita o exercício do direito fundamental de cada um face em de outrem, conforme vimos em funções dos direitos fundamentais. Uma educação nesse sentido prepara e habitua à pratica da vivência em uma República Constitucional e Democrática, conscientiza que parte de sua vontade 550 DELOR, Jacques, In’am Al-Mufti, Isao Amagi, Roberto Carneiro, Fay Chung, Bronislaw Geremek, William Gorham, Aleksandra Kornhauser, Michael Manley, Marisela Padrón Quero, Marie-Angélique Savané, Karan Singh, Rodolfo Stavenhagen, Myong Won Suhr, Zhou Nanzhao. EDUCAÇÃO UM TESOURO A DESCOBRIR Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1998. Brasília: UNESCO, 1998. Disponível na internet: http://ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000046001-000047000/000046258.pdf Acesso em agosto de 2012. p. 89-99. 551 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. por PEREIRA, Antônio Jorge Silva, SILVA, Cintya Nunes Vieira da, MACHADO, Décio Lencioni, COVAC, José Roberto, FELCA, Narcelo Adelqui. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 35 297 individual no meio social se transforma em vontade geral, em soberania popular, e que sob essas condições de “povo” o poder lhe pertence; logo é ele, o cidadão, o mandatário do poder e que quando no exercício do Poder Público saberá que está lindando com a res publica que à todos pertence e que sua má ou inidônea administração o responsabiliza. Mas, isso não se pressupõe, não nasce espontaneamente na mente humana vem do estudo. De maneira que é preciso educar sobre cidadania, sobre direitos e deveres fundamentais humanos, dado que se não houver essa educação política, acidadania não passa de um simples ato de urbanidade, que não cria obrigações, laços e responsabilidade. A cidadania é um comportamento da pessoa humana que se expressa pelo cumprimento de obrigações para com o Estado, para com o outro, portanto para com a Constituição, seu contrato social: onde estão delineados seus direitos fundamentais humanos que protege a dignidade de pessoa humana. Cidadania é um saber que desenvolve um ato de virtude na pessoa humana que vai impor ao Estado uma postura de não interferência face a conquista de suas liberdades públicas, ao mesmo tempo que impõe a ele uma postura de concretização perante seus direitos fundamentais sociais. A Declaração de Direitos Humanos considera de suma importância que as pessoas sejam educadas pelas ferramentas dispostas no sistema educacional de cada Estado Nação para que elas desenvolvam respeito pelos direitos nelas declarados, sem, esse conhecimento, afirmam não há como desenvolver consciência de que os direitos fundamentais não se concretizam, de maneira que é imperioso que se efetive um saber sobre eles. Nesse sentido o Brasil adotou como princípio afirmação pelos direitos humanos os considerando universais, indivisíveis e interdependentes reconhecendo que sua efetivação somente pode ser dar por políticas públicas que assim o considerem “para que haja a perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da equidade, no respeito à diversidade” e assim aconteça a consolidação de uma cultura democrática e cidadã. Por isso foi promulgado um Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos que estabeleceu concepções, princípios, 298 diretrizes e linhas de ações para que nos próximos anos, enquanto política pública educacional, seja ele capaz de consolidar uma cultura em Direitos Humanos, que deve ser materializada pelo governo em conjunto com a sociedade, de forma que contribua para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito. As ações devem atuar e atingir cinco grandes eixos de atuação: educação básica, educação superior; educação não formal; educação dos profissionais do sistema de justiça e segurança pública e educação e mídia.552 Nesse documento educacional de 10 de dezembro de 2006, afirmou-se que o marco expressivo para que o Estado juntamente com a sociedade se organizasse por uma política educacional em Direitos Humanos foi a Constituição Federal de 1988 porque naquele momento, formalmente consagrou-se um Estado Democrático de Direito553. E tanto a Constituição de 1988 por seu artigo 205, caput, como a LDB por seu artigo 34, afirmam a cidadania como um das finalidades da educação para estabelecer uma prática educativa “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, e acrescentase 554: O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em 2003, está apoiado em documentos internacionais e nacionais, demarcando a inserção do Estado brasileiro na história da afirmação dos direitos humanos e na Década da Educação em Direitos Humanos, prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação. São objetivos balizadores do PMEDH conforme estabelecido no artigo 2°: a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais; b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade e dignidade humana; c) fomentar o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e lingüísticos; d) estimular a participação efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática governada pelo Estado de Direito; e) construir,promover e manter a paz. (g.n.) 552 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos http://www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/PNEDH_2007.pdf p.9-10. 553 Idem, ibidem, p. 16 554 Idem, ibidem, apresentação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. disponível em 299 De maneira que a Educação em Direitos Humanos é compreendida no Brasil como “um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, voltados a articular as seguintes dimensões” 555: a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo, social, ético e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos orientados à mudança de mentalidades e de práticas individuais e coletivas que possam gerar ações e instrumentos em favor da defesa, da promoção e ampliação dos direitos humanos. Ademais, o Anexo do Plano Nacional de Educação, item II, informa quais são os documentos no âmbito nacional que devem ser utilizados para balizar essa educação em direitos (que se perfaz por “ações voltadas à”, ou seja, pela modalidade de ensino informal intencional), e o primeiro deles a ser apontado entre outros é a Constituição Federal de 1988, o que faz pleno sentido, já que a nossa Constituição é um sistema aberto de regras e princípios voltados à proteção da pessoa humana que tem por norma genética, as convenções, tratados e pactos internacionais.556 Logo, a Educação em Direitos Humanos deve ser ensinada de maneira dispersa e difusa pela grade curricular brasileira. De modo, que esteja presente em todas as disciplinas. Logo, não existe uma disciplina própria na educação básica de maneira metódica e sistemática sobre direitos humanos e ou direitos fundamentais. Portanto não 555 Secretária dos direitos humanos. Disponível em: http://www.direitoshumanos.gov.br/clientes/sedh/sedh/promocaodh/edh. Acesso em agosto de 2012. 556 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos http://www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/PNEDH_2007.pdf p. 48 disponível em 300 há uma disciplina que ensine a Constituição Brasileira de 1988 de maneira direta e especifica, onde possamos desde cedo a ser ensinados sobre nossos direitos fundamentais, e sobre eles, possamos formar por um estudo racional nossas próprias opiniões, que juntamente com outras formam a opinião pública. Uma educação política e cidadã, nesse sentido, não está sendo concretizada nem no ensino básico e nem mesmo no ensino superior para áreas que não envolvam estudos de ciências jurídicas. É fato a educação política e cívica brasileira quando administrada chega aos educandos brasileiros por um ensinamento disperso e, principalmente, difundido pelas mídias de massa, sem um objetivo ou método previamente delimitado. Mas, o que diz a Constituição Federal, nosso marco de inserção em um Estado Constitucional Democrático e Cooperativo, que inclusive é voltado ao desenvolvimento de uma Educação em Direitos Humanos, portanto também em Direitos Fundamentais? Ela não diz expressamente nos seguintes termos: “Essa Constituição deve ser ensinada e debatida em sala de aula por um processo dialético de forma a promover um Estado democrático Brasileiro.” Não, ela não faz isso. Mas, conforme exposto, a Constituição precisa ser interpretada de acordo com sua unidade, pois ela, afirmamos não é um caos aleatório de regras e princípios, seus vários artigos se conectam, de maneira que nem um deles pode ser visto isoladamente, senão vejamos, dois artigos que na busca desse sentido pode ser lido conjuntamente para que seja levado a cabo um ensino intencional e formal para concretizar a educação política como também um standard mínimo vital do direito à educação a ser alcançado: Artigo 205: A educação, direitos de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania [...] Artigo 64 dos Atos das Disposições Transitórias: A imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de 301 outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil. Lidos, sistemicamente, dessa forma, a questões a serem respondidas são: Por que senão para promover e preparar o brasileiro de maneira formal intencional para o exercício da cidadania, seria determinado que cada cidadão brasileiro deveria ter consigo um exemplar da Constituição Brasileira? Por que, senão para promover e incentivar um ensino sobre ao menos seus direitos fundamentais deveria ser a Constituição de 1988 posta à disposição de cada escola brasileira? E dentro do contexto histórico que estamos vivenciando de concretização de Direitos Fundamentais porque não fortalecer a Democracia Social pelo ensino direcionado, institucionalizado, com objetivos explícitos, método de ensino, e procedimentos didáticos tendo por fundamento a Constituição de 1988, já que hoje ela é uma Constituição aberta, que consagra todos os valores supremos que a comunidade brasileira escolheu para si? Crianças, adolescentes e jovens necessitam desde a mais tenra idade a trabalhar com significados, afinal a vida cotidiana com sua linguagem natural é feita deles? Por que, então não aprender a compreender seu mais alto documento político que lhe protege contra o eventual abuso do Estado e de terceiros, que também é feita de linguagem natural? Como vimos a Constituição em um Estado de Direito Democrático é o instrumento supremo da liberdade humana. E quando um Estado adota esse perfil, se deve educar para e pela liberdade. Isso porque conforme afirma o Relatório Delors de 1983: [...] a inclusão social dos indivíduos que estão à margem das oportunidades e das escolhas se verifica por meio da conscientização política e cidadã da comunidade, seja em nível local, regional, nacional ou internacional, especificamente com relação à educação, ao acesso à informação e ao direito à cidadania. A conscientização e o reconhecimento dos direitos da pessoa como cidadão devem ser os 302 primeiros passos nesse caminho de busca pela liberdade de escolhas e de oportunidades. É mais que urgente que a Educação Brasileira insira na sua grade curricular uma disciplina especifica que trabalhe as questões que circulam o preparo para cidadania. Essa afirmação, conforme demonstramos por uma interpretação sistêmica, histórica e doutrinária é um reclamo Constitucional, é uma determinação da Democracia. Somente assim os brasileiros vão se habituar ao regime democrático, porque pela participação consciente poderão fiscalizar e controlar socialmente, racional e metódicamente, as decisões do Poder Público. A todo o instante frisamos a importância da participação do Cidadão brasileiro nas decisões políticas, e mesmo as políticas e programas educacionais desenvolvidas nas últimas duas décadas deixam isso bem patente, principalmente naquelas que lhe consagram direitos fundamentais de maneira integrada. Mas, como, então, participar se ele não os conhece? Como participar das audiências públicas, dos orçamentos participativos, dos conselhos escolares, das Unidades de Executoras do corpo escolar? Como, então, ficar ciente que ele pode um dia vir a ser um “amicus curie” sem que seja ele manipulado por interesse de terceiros? Como preparar adequadamente um cidadão brasileiro para que vote e seja votado adequadamente se ele não tem contado direto e racional com a Constituição Brasileira? Um ensino escolar intencional e formal nesse sentido colocaria jovens e crianças, pais e professores, de todas as escolas, em contado direto com os significados políticos da pluralidade, da democracia, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, da dignidade da pessoa humana, com os princípios que norteiam a administração pública, os recursos públicos e justiça. Formaríamos, enfim uma sociedade aberta de préinterpretes. Uma formação que envolvesse esses preceitos não há duvidas, levaria a sociedade brasileira ao seu pleno desenvolvimento econômico sustentável e humano. Até mesmo a preservação do meio ambiente requer uma educação nesse sentido, conforme já citado artigo 225, VI, da Constituição Federal. Afirma Dominique Schnapper, em colóquio proferido no Instituto Nacional de Lisboa em janeiro do ano 2000 que as sociedades humanas, sejam elas quais forem, 303 independentemente da denominação que receberem- modernas, pós-modernas, democráticas não podem esvaziar suas dimensões políticas em favorecimento de interesses materiais. Esses espaços políticos hão que existir sempre, sob pena de não haver um espaço legitimo para controlar as paixões-étnicas, ou éticas- religiosas, onde se debata e arbitre sobre o interesse dos indivíduos e o interesses dos grupos, em suas palavras557: Qualquer que seja o nível da sua existência, é necessário que haja um local onde se concretize o espaço da política – espaço de escolhas, de arbitragens, de limites e também da vontade de existir, portanto de se defender. É necessário que haja um nível onde as instituições assegurem o exercício da cidadania. É necessário que haja um lugar onde os indivíduos julguem se os governantes que eles elegeram os representam de maneira conveniente. É necessário que haja instâncias cujas decisões – e os limites que necessariamente as acompanham – sejam consideradas legítimas, e, portanto aceites pelos cidadãos. É necessário que haja um local onde se exprima a vontade de afirmar os valores comuns e a vontade de se defender, se necessário pela força. Ainda que discordemos em parte com a posição da socialista, pois ela advoga que a defesa dos direitos pode ser pela força o que até consideramos possível como ultima racio a ser utilizada pelo ser humano, conforme também a Declaração de Direitos Humanos e somente contra governos tiranos, o certo é que diante disso nos resta a seguinte colocação: Qual melhor local para se debater as questões acima expostas, considerando que todas elas estão ligadas a vivência de direitos humanos fundamentais? A nós parece que a essa questão podemos responder, pelo que exposto sobre escola e educação que é a escola básica como o melhor local para se dar início a esse tipo de trabalho como o cidadão. Isso porque, ali na sala de aula, pode-se até mesmo começar a trabalhar a solução de conflitos preventivamente o que tornar evitável muitas batalhas judiciais ou políticas, pois muitas vezes o que falta às pessoas é conhecer o limite da vivência de suas liberdades em face de outros. Nesse sentido, o professor e jurista Akaoui, destaca que a tutela dos direitos metaindividuais, estão a exigir por sua própria natureza, que se busque meios para se 557 SCHNAPPER, Dominique. A Educação Cívica nos Países Democráticos. Intervenção proferida no âmbito do Colóquio “Cidadania, Educação e Defesa 2000”, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, Janeiro de 2000 Disponível na internet: :http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1469/1/NeD093_DominiqueSchnapper.pdf Acesso em agosto de 2012. 304 tomar medidas de caráter preventivo, para que principalmente evite-se o dano, ou que no mínimo se consiga minimizar seus efeitos, isso porque é necessário que se “blinde” o objeto da tutela coletiva, em sua palavras558: De fato, ao pensarmos em danos causados ao meio ambiente, a direitos do consumidor, à infância e juventude, e outros direitos difusos e coletivos, facilmente nos lembramos de exemplos em que a ocorrência da conduta socialmente prejudicial não poderá ser reparada pelo causador, restando apenas o pleito indenizatório ou compensatório, o que não se mostra como a solução mais adequada. Compreende ainda o jurista citado que a tentativa de solução de conflitos em âmbito extrajudicial é dever de todos e que instigar o litígio é conduta altamente repreensível. Ao que levantamos a seguinte questão: Não seria assim, o espaço escolar onde se começa essa ação preventiva, ensinando-se pelo diálogo, o respeito ao patrimônio comum pelo conhecimento dos limites de seus próprios direitos fundamentais? Nesse sentido o Relatório para UNESCO da Comissão Internacional sobre educação no século XXI aporta que uma preparação para uma participação ativa tornouse para educação uma missão de caráter geral e numa concepção minimalista cabe à escola básica assumir a responsabilidade de ensinar o exercício do papel social que cada um deve ter em função dos códigos estabelecidos. Nesse ínterim seu objetivo, então, seria a instrução cívica concebida como “alfabetização política” elementar e afirma categoricamente: “está instrução não poderá ser apenas, uma simples matéria de ensino entre outras. Não se trata, com efeito de ensinar preceitos ou códigos rígidos, acabando por cair na doutrinação.” 559 Contudo, e levando isso em consideração compreendemos que da forma como vem sendo ministrada, sem conjugação de uma simples matéria, por sua dispersão pode chegar à banalização dos mais altos valores de uma comunidade. Por que não e então, uma disciplina que poderia chamar-se, por exemplo, “cidadania” que teria por base o Texto Constitucional de 1988? Onde poderíamos, por exemplo, pelo ensino dialógico, 558 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. op.cit. p. 15. 559 DELOR, Jacques, op. cit. 60-62. 305 contido em uma única disciplina, que porém, interdependente com as outras, apreenderíamos, desde a mais tenra idade possível, a lidar com os significados que ela porta, visto, frisa-se ser está uma Constituição Aberta, portanto vinculada a uma ordem mundial que protege os direitos fundamentais. Nessa disciplina poderíamos trabalhar, por exemplo, a “iniciação às questões de direito”, a exemplo do que já vem acontecendo na Hungria que desenvolveu um programa chamado “Educação para democracia”, pela qual procuram dar relevo a preponderância que o direito tem em uma democracia, bem como os princípios fundamentais que regem os procedimentos jurídicos atuam nesse contexto. Pois, somente com uma educação, nesses termos, poderíamos levar a cabo plenamente o terceiro e concomitante objetivo da educação: a qualificação para o trabalho. 3) Qualificação para o trabalho- Sobre esse objetivo diz Uadi Lammêgo que o regime democrático requer maior preparo e capacitação profissional e cita, então, Raymond Poignait que afirma que: “a Constituição estatui o importante programa de preparar o homem, o cidadão e o prestador de bens e serviços.”560 Qualificar para o trabalho significa, então, preparar o homem para lidar com produção, circulação e distribuição de riquezas; significa gerar e distribuir receitas que contribuam com a erradicação da pobreza e da marginalidade e, por consequência, colaboram para a diminuição das diferenças regionais e a pobreza; qualificar para o trabalho significa tornar o ser humano útil por meio do ensino, para si e para a sociedade, é ensinar um ofício, uma arte ou ajudar a ele no desenvolvimento ou no despertar de um talento ou dom que o torne independente, autônomo e capaz. 3.5.6 Princípios básicos do ensino brasileiro: limites constitucionais Convém, porém, antes de concluirmos que a Constituição cuida de explicitar quais são os princípios básicos de ensino, isso porque são eles que concretizam os objetivos da educação, ou seja, prestam a eles consecução prática. Logo são eles, os 560 BULOS, Uadi Lammêgo. op.cit. p. 1366. 306 princípios constitucionais informadores do sistema educacional, com ele devem estar em acordo qualquer plano para o desenvolvimento educacional brasileiro, são eles à saber: I) Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola- José Afonso da Silva diz que esse é um problema que vai além da problemática da educação formal. Isso porque o que esse princípio exige é o tratamento isonômico para o acesso e permanência na escola. E o acesso pode ser ampliado abrindo-se novas vagas à população que está em idade escolar, o que está aumentando a cada dia. Porém, é necessário que se ofereça condições sociais às famílias mais carentes para evitar que seus filhos abandonem a escola para sair à busca de trabalho e suprir as necessidades da família. Além para que esse principio seja otimizado é preciso zelar, primeiramente, pela efetiva frequência do aluno, e é poder público, o primeiro responsável para tanto e se a família brasileira não tiver cumprindo com isso, deve-se buscá-la e chamá-la a sua responsabilidade, preliminarmente por um processo dialógico, afinal educa-se para libertar e não para se reprimir, pois de nada adianta promover ações penais se os pais não são educados, também nesse sentido.561 II) Liberdade de aprender ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber: É uma das formas de comunicação e manifestação do pensamento. José Afonso da Silva ensina que esse principio visa-se, principalmente proteger o exercício do magistério e o abarca de duas formas562: a) dimensão subjetiva: que significa que os sujeitos da relação educacional têm liberdade de transmitir e ou outro, o aluno, de receber e que ambos têm a liberdade de buscar o conhecimento por meio de pesquisa. b) dimensão objetiva: que significa que o professor pode escolher o objeto do ensino a ser transmitido, mas, que estão eles limitado pelos programas oficiais de ensino e currículos, no entanto, sobre ele devem exercer uma análise critica. Assim, o professor pode ministrar seu curso com liberdade de crítica, de conteúdo, de forma e técnica e 561 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 786. 562 Idem, Ibidem, p. 786. 307 aplicar o que lhe pareça mais, porém sempre buscando o sentido da liberdade. Por isso, a necessidade de que os professores do ensino básico, também conheçam a Constituição de1988, pois ali, encontramos, os parâmetros e limites para o exercício desse princípio. III) Pluralismo de idéias de concepção pedagógica: Trata-se aqui de um dos princípios corolário de um de nossos fundamentos republicano e democrático: o pluralismo político. Isso porque, o Brasil possui um território grande no qual habita uma imensa população, com vários grupos e etnias. Logo, coexistem diversidades de opiniões, muitas vezes conflitantes. Por isso mesmo temos que procurar construir um equilíbrio de idéias, conciliar diferenças, sociabilidade e particularismos. Ao nosso ver significa que o professor brasileiro pode adotar a linha pedagógica que melhor lhe prover para trabalhar sua disciplina, destacando a oportunidade de estudá-las, todas, para melhor desempenhar uma função, mas desde que ele tenha por objetivo desenvolver plenamente a pessoa. Preparando o educando para o exercício da cidadania e cumulativamente o qualificando para o trabalho. Nesses, termos compreendemos seja permitido a liberdade pedagógica, ou seja, qualquer métodos pedagógico deve ter por fim promover: a liberdade, a igualdade e a solidariedade. IV) Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais: isso porque a gratuidade também é uma condição que possibilita o acesso e a permanência nas escolas. Essa gratuidade isenta os alunos de qualquer tipo de contribuição, preço ou tarifa. V) Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos aos da rede pública: Esse princípio também está disposto na LDB, no Plano de Desenvolvimento Educacional e no Plano Nacional de Educação. A Lei 11. 738 de 16 de julho de 2008, ou Lei do Piso, regulamenta o piso salarial profissional para os professores do magistério público da educação básica, o que fez em conformidade ao art. 60 dos Atos das Disposições Transitórias. De acordo com seu art. 2º o piso salarial profissional dessa categoria ficou fixado em novecentos e cinquenta reais mensais e em fevereiro de 2012 foi aumentado para um mil quatrocentos e cinquenta e um reais, por uma jornada de 40 horas semanais, e isso valendo para os docentes que tenham a formação em nível médio, na modalidade Normal, conforme o que disposto no 308 referenciado art. 62 da LDB. De maneira que, também ficou fixado que esse Piso Nacional é o valor mais abaixo do qual a União, Estados e Municípios não poderão fixar os vencimentos das carreiras do magistério público da educação básica, que exercem suas atividades no âmbito das unidades escolares, em suas diversas etapas e modalidades. E, por essa lei, fazem parte dessa categoria, os profissionais que exercem as seguintes atividades: docência, suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais. Também, reza o § 3o que os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo. De maneira que, por exemplo, o piso salarial de um professor da educação infantil até o quinto ano do ensino fundamental, por exemplo, da cidade mais rica da América Latina, São Paulo, por uma jornada semanal de vinte e duas horas é de oitocentos e noventa e oito reais e seis centavos.563 Outra determinação da Lei de Piso é de que os docentes devam utilizar 33% de sua jornada de trabalho para atividades extraclasse, que devem ser voltadas para aperfeiçoamento, planejamento e avaliação, conforme também a LDB. O Objetivo dessa lei era dar plano de carreira aos professores do ensino básico associado a um salário mais digno. Contudo, os governos de três Estados Brasileiros, Ceára, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina impetraram Ação Direta de Inconstitucinalidade, Adin 4.167 contra a Lei do Piso, argumentando: 1) criar um piso salarial nacional e ter que conjuntamente ceder 33% da jornada de trabalho para realização de atividades extraclasse, significa na prática um custo elevadíssimo para o Estado; 2) A União estaria ferindo o princípio do pacto federativo que impede que a ela interfira no regime de contratação dos servidores das redes estaduais e municipais de ensino. Entretanto, o STF julgou a ação improcedente em 27 de abril de 2011. Em primeiro porque o cronograma previsto do art. 3º e 8º da Lei do Piso que previa um escalonamento para o vencimento do piso de estipulado se exauriu; 2) por ser norma geral foi considerada constitucional, conforme art. 22, inciso XXIV da Constituição Federal. Logo, compete a União dispor sobre normas gerais, também que relativas ao piso do vencimento dos professores da educação básica, principalmente por tratar-se de fomento ao sistema educacional e valorização do profissional de ensino, conforme o princípio de ensino que estamos dissertar, artigo 206, inciso V; 3) e ainda porque fixar um mínimo para qualquer categoria profissional é instrumento de proteção mínima ao 563 Sindicato dos Professores de São PauloSinpro. Disponível WWW.sinpro.org.br/guia_consultas.aso?mat=7 Acesso em: agosto de 2012. na internet: 309 trabalhador; 4) Também é constitucional fixar um percentual mínimo de 33% da jornada de trabalho, para os professores da educação básica para que se aprimorem e planejem a execução de suas atividades, até porque sem essas ficaria inviável ministrar o ensino escolar, o que privilegiado pela Constituição Federal. Acertada foi a decisão do STF, visto que atualmente, raro é encontrar um jovem que deseja ser professor, principalmente do ensino básico, pois quem deseja e sonha em ser professor, no Brasil dado as dificuldades que enfrentam, fora e dentro das salas de aula, sabe o quanto esse ambiente de trabalho pode ser desgastante, tanto do ponto de vista físico como do psicológico. De forma que esse início de valorização, ainda que intempestivo, deve ter continuidade partindo, principalmente, do Legislativo, para que se assegure não proteção insuficiente desse principio, por meio da alegação da reserva do possível. Contudo, não esquecendo que a escola é um espaço apartidário, logo não é palanque para disputa de eleições, ou lugar para disputas de vaidades humanas, afinal esse é o espaço do profissional sem o qual nenhuma nação existiria. E somente nesses termos constitucionais e éticos conseguiremos combater a “síndrome da desistência”, que tem dominado o professorado brasileiro.564 VI) Gestão democrática do ensino, na forma da lei: conforme já expusemos, esse princípio se refere que a cada âmbito de atuação do ente federativo seja permitido uma gestão democrática dos quais possa participar além dos profissionais da educação, a família e a comunidade e que nesse processo seja ouvido também, o titular do direito: o aluno. VII) Garantia de padrão de qualidade de ensino: Conforme ensina José Afonso da Silva a qualidade depende de fatores intrínsecos e extrínsecos565: a) os extrínsecos estão ligados a organização do estabelecimento, que devem estar aparelhados com o instrumental adequado a cada tipo de habilitação que oferecem, para todas as etapas de ensino a que se propõe e isso inclui uma boa formação de 564 AMARAL, Aurélio. Conheça os desafios que três redes de ensino enfrentam para ampliar os investimentos e garantir mais salário e tempo para a formação em serviço. In Revista Nova Escola: Gestão Escolar. São Pauolo: Abril, ano IV. p. 22-30. 565 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição op. cit. 789 e 790. 310 professores e profissionais envolvidos nesse processo. Por isso os poderes públicos devem estar em constante e permanente atenção para manter e melhorar as condições materiais da escola, tais como adotar tecnologias modernas e informatização dos estabelecimentos e sob esse aspecto também investir na boa formação dos professores, e de acordo, ainda com o art. 62 da LDB a formação do docente para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras série do ensino fundamental a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. b) os fatores intrínsecos são aqueles que influenciam no desempenho do aluno e às vezes têm haver com situações extra classe, até porque a qualidade do ensino se aufere no rendimento escolar e isso não depende apenas da boa qualidade dos professores, mas também da predisposição do aluno, do educere que pode estar prejudicada por causa de sua economia familiar, por exemplo , por isso é importante ressalta José Afonso da Silva oferecer condições adequadas as famílias para que seus filhos tenham condições de auferir um bom rendimento escolar que depende muitas vezes de boa alimentação, de material escolar apropriado e de transporte, por isso a obrigação do Estado em fornecer isso no ensino básico. E do ponto de vista pedagógico, hoje, a postura que encerra parâmetros para atingir a excelência na qualidade é a interdisciplinariedade e a multiplicinariedade porque desenvolver os saberes humanos significa acima de tudo propiciar ao educando uma visão larga da complexidades destes, sem contudo perdê-los pela excessiva dilatação, pois566: “não se conhece o todo apenas conhecendo as partes, e as partes se perdem sem o conhecimento do todo.” VIII) Piso salarial profissional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos da lei federal: A emenda 53/2006 instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Magistério O Fundef. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de 566 MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 2ª. ed. São Paulo: Cortez. Brasília, DF: UNESCO, 2000. 311 valorização do Magistério - o chamado “Fundão”, conforme bem assevera Libâneo mas que muitos autores vem a eles se referenciar como “fundinho” em razão do baixo valor do custo aluno/ano567 e da não participação da União que como vimos ainda estar para aprovar que se aplique na educação 10% do PIB nacional, o que a base governista considera inviável. Ressalvando-se que o objetivo do Fundef é ampliar os mecanismos de financiamento do ensino básico, e o art. 60, XII do Ato das disposições constitucionais transitórias define que 60% de seus recursos sejam destinados ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica, em efetivo exercício em que atuem, abrangendo inclusive outras funções de apoio que são desenvolvidas na escola, direção, supervisão, inspeção, planejamento, conforme o que vimos foi disposto pela Lei 11. 738 de 2008, ou seja, 20 anos depois da promulgação da Constituição de 1988. E por fim o parágrafo único do artigo 206, determina que a lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito a união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o que também foi estabelecido pela Lei do Piso conforme vimos. Entretanto cabe uma ressalva feita por José Afonso da Silva, que alerta que a expressão categorias de trabalhadores estendeu o âmbito dessa lei não apenas aos professores do ensino básico público, mas também aos particulares de maneira que ele envolve todos os trabalhadores da educação básica em nível nacional. E que única improbidade desse artigo, segundo o referido autor foi estipular que uma lei federal 567 De acordo com a portaria interministerial da Fundef, por exemplo, em São Paulo o custo por aluno na zona urbana em séries iniciais do ensino fundamental é de R$ 3.192, 81 isso em 28 de dezembro de 2012 e o custo do aluno em zona rural da Estado de São Paulo é de 3.671, 73 centavos; no Piauí o custo do aluno por ano é de R$ 2. 092,68 na zona urbana, e na zona rural R$ 2.411, 19 Dados disponíveis na internet: WWW.fnde.gov.br Acesso em: agosto de 2012. E de acordo com DUARTE, Alessandra e BENEVIDES, Carolina em reportagem feita para Jornal on-line Globo Educação publica no dia 20 de novembro de 2011 o país investe 40.000,00 em cada preso em presídio federal e R$ 21.000,00 reais por preso nos presídios estaduais, segundo o estudo da Campanha Nacional pelo Direito à educação. De forma que: “para os pesquisadores tanto de segurança pública quanto de educação, o contraste de investimento explicita dois problemas centrais na condução desses setores no país: o baixo valor investido na educação e a ineficiência do gasto com o sistema prisional” Tais, dados, também comprovam via indireta que um país que deixou de investir durante anos na educação e na valorização dos professores, no presente tem que investir na prevenção do crime e na resocialização dos indivíduos que não puderam participar de um processo educativo condigno. 312 estipulará prazos para elaboração e adequação de planos de carreira dos profissionais do ensino público, afinal essa é matéria de competência que pertence a cada Estado, do contrário corre-se a pena de ferir a autonomia dos entes federativos da República.568 O que vimos que em parte, restou inócua, visto que acertamente o STF considerou a Lei do Piso, norma geral, logo de competência da União. O certo é que não haverá desenvolvimento humano nem nacional se não ocorrer a devida valorização material e ética do professor, qualquer que seja, ele, não importando em que modalidade e nível de ensino ele atue. Sendo todo o contexto acima exposto aquele que abarca tanto materialmente como imaterialmente os valores supremos éticos, políticos, jurídicos, culturais e econômicos como o standard mínimo do direito à educação conforme a Constituição de 1988, podemos passar a conclusão dessa dissertação. 568 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição op. cit. p. 790. 313 CONCLUSÃO A educação é direito fundamental humano individual na medida em que pertence individualmente a cada um, pois é, por excelência, o único direito que lhe possibilita adequado desenvolvimento de sua particular personalidade e com ela todas as suas potencialidades, mas, também e nesse sentido, é direito que nos permite vivenciar plenamente as nossas liberdades públicas, pois por ele aprendemos a ser livre e a desenvolver gosto pela liberdade. Logo é direito indisponível e irrenunciável, que impõe limites ao abuso do poder do Estado e de terceiros, como também é direito fundamental social não apenas na medida em que o Texto Constitucional o consagra como tal, mas também porque de fato ele se desenvolve e se aplica no meio social Por isso é que a educação deve continuamente ser assegurada e protegida, e não devendo sua aplicação apenas se resumir ao ensino formal escolar, o que impele que sejam realizadas ações paralelas por parte dos entes públicos que promovam o ensino de tudo o que é capaz de desenvolver plenamente o ser humano e suas capacidades natas. Logo o standard mínimo da educação não se resume a apenas permitir o acesso a bens materiais que são resolvidos por preços, mas também deve dar acesso a valores humanos, ou seja, àqueles que viabilizam a dignidade da pessoa humana, sua liberdade e a vivência de sua cidadania. Nesse sentido Maria Garcia em discurso proferido no II Simpósio de Estudos de Direito Educacional de 2004 nos fala sobre os ensinamentos de André Gidier, Hanna Arendt, Theodor Adorno e Sampaio Dória. Para André Gidier diz a jurista: Educação é Liberdade. Para Hanna Arenth: “Os homens são livres enquanto agem, nem antes, nem depois, pois ser livre e agir são a mesma coisa”. Porém, conforme diz Theodor Adorno liberdade não é a liberdade de escolher sempre a mesma coisa, é necessário que haja alternativas e têm-se alternativas quando desenvolvemos conhecimento. E refletindo sobre esse conjunto de pensamentos Maria Garcia chega à conclusão que o que proporciona conhecimento é a Educação, e logo é a Educação que proporciona liberdade, nas palavras de Maria Garcia569: 569 GARCIA, Maria in Abertura ao II Simpósio de Estudos de Direito Educacional. Direito Educacional Aspectos práticos e jurídicos op, cit. p. 286. 314 Essa liberdade de agir, de tomar um caminho, uma decisão. Qual caminho, como me direciono? Liberdade é agir, é escolher. Qual escolha? A resposta do caminho a tomar, da opção a fazer, se encontra no conhecimento. Somente quem conhece os caminhos pode decidir, escolher o que lhe seja mais interessante, mas conveniente, mais proveitoso. Theodor Adorno, que é filosofo da educação, também destaca: que liberdade não é liberdade de escolher sempre as mesmas coisas. É necessário haver alternativas. E quem proporciona o conhecimento? A educação. Por isso e nesse sentido continua Maria Garcia afirmando ser a educação uma questão política570: E duas, são para Sampaio Dória as formas extremas dos regimes políticos: ou o poder é a vontade dos o governantes imposta aos governados ou o poder é a vontade dos governados, delegado aos governantes, para o exercerem em nome deles: ou autocracia ou democracia. Nas autocracias, quanto mais afundar-se o povo na ignorância melhor. Nas democracias, quanto mais educado o povo na escola da liberdade, melhor. E assim, a constitucionalista citada, concluí seu pensamento com os ensinamentos de Sampaio Dória. O artigo 1ª da Constituição de 1988 proclamou por vontade do povo um regime democrático: “o que cumpre em consequência ao país, tudo a fazer para que o povo se eduque na escola da liberdade, na consciência do seu destino, na capacidade para o trabalho e finaliza: “A educação é o problema básico da democracia.” Ao que acrescentamos ser a Constituição, por toda sua construção linguística e histórica, o instrumento adequado para lidar com esse problema. Daí precisar que haja uma educação específica para que se ensine de maneira apropriada seu conteúdo, para que assim as pessoas com esse conhecimento possam racionalmente tecer criticas sob as coisas que estão no domínio publico, o que nós torna, sem dúvidas, mais livres. Com vimos não é nenhum novidade na história da humanidade educar crianças, jovens e adultos pelo ensinamento da lei. Os Romanos fizeram isso por mil anos e a manutenção da democracia antiga e direta dos gregos dependia disso. 570 Idem, Ibidem, p. 287. 315 E nossa democracia moderna e representativa não está a exigir isso, justamente por ser representativa? Isso porque votamos em alguém, e esse alguém sobe até o poder público por nossa vontade, mas qual o limite de vontade que ele deve obedecer? Afinal, o que eles podem decidir, por nós, não deve estar de acordo com a nossa vontade? E onde, finalmente está consubstanciada essa vontade? Não é em nosso caso na Constituição de 1988? E afinal não a escrevemos justamente para assegurar não somente que os limites fossem respeitados, mas também para assegurar nossa vontade de detentores do poder à gerações futuras? Como então, não repassar esse conhecimento à elas pela educação, pelo ensino? Afinal, não são eles os direitos que garantem a nossa própria vontade geral e que impõe os limites a quem nos representa? Sem seu ensino como assegurar, a democracia? Relata Paul Monroe que as idéias educacionais dos grandes líderes políticos, da Alemanha e da América, desde o século XVIII já abarcavam a concepção políticaeconômica, ou social da educação encontrando neles sua mais completa acepção. Frederico, o Grande da Prússia se apegou a idéia de que a prosperidade e a estabilidade nacionais dependiam da educação geral do povo. Maria Teresa da Áustria, inclusive em 1763, editou leis nesse sentido. A primeira delas estipulava que era dever da autoridade “lutar pelo verdadeiro bem-estar do povo”, lançando-se pelas escolas uma boa base para educação racional”. O mesmo fizeram os franceses republicanos, como explicamos, e ainda mais especificamente uma educação voltada a cidadania, inclusive com currículo próprio.571 Nos Estados Unidos, em 1790, conta Paul Monroe que Washington escreveu o seguinte“ O saber é em todos os países a mais segura base para a felicidade pública. Ele é essencial num país como o nosso onde as medidas do governo decorrem tão imediatamente, dum senso da comunidade.” E então, o citado autor, explica573: 571 MONROE, Paul, op.cit. p. 376. 572 Idem, Ibidem, p. 376. 573 Idem, Ibidem, p. 376. 572 316 A educação como disseminação do conhecimento era, pois, a concepção que Washington sustentava. Do ponto de vista sociológico é esta a concepção mais usual da educação. Consequentemente a importância da educação estaria no efeito que a inteligência do povo teria sobre legislação. Porém, Paul Monroe abrindo texto para falar sobre a educação como preparação para cidadania, nos dá ainda mais um exemplo de estadista americano que compreendia a importância da educação para a nação, que foi aquele que a seu tempo mais promoveu ações nesse sentido, Thomas Jerfferson, que em 1786 em uma carta a Waschington revelou: “É um axioma, no meu entender, que a nossa liberdade nunca pode estar segura a não ser nas mãos do próprio povo, e também, do povo com certo grau de instrução. Está é uma obra para o Estado realizar em plano geral” Ao que Paul Monroe comenta574: A educação como salvaguarda da democracia é o principio geral; a responsabilidade fundamental do Estado pela educação do povo é a base do trabalho que veio a ser feita no curso do meio século seguinte.” Depois, ainda, o autor relata as palavras do quarto presidente americano James Madison que insistiu: “Um governo popular, sem instrução popular ou meio para adquiri-las é apenas um prólogo de uma farsa ou de uma tragédia, ou talvez de ambos. O melhor que se pode prestar a um país, depois de dar-lhe liberdade, é difundir progresso intelectual igualmente essencial para a conservação e gozo dessa benção. Logo, afirma Paul Monroe, que a concepção comum sobre educação para todos esses grandes estadistas, é de que a educação cuida principalmente ser uma preparação para a cidadania. Contudo, o professor não descarta que essa é uma concepção moderna de educação, o que não exclui o que os antigos nos legaram de que também é a educação o meio próprio para desenvolver habilidades e formar o caráter do indivíduo. Em suas palavras575: A idéia acentuada na concepção de cidadania é que o bem estar individual e social, a felicidade e a retidão dependem, mais largamente do que nunca, das relações existentes entre pessoas e classes na vida institucional. De forma que a educação tem uma nova missão, a de dar 574 Idem, Ibidem, p. 377. 575 Idem, Ibidem, p. 377 317 informação a respeito das muito complexas relações da sociedade e de dar um novo fim determinado pela ação social. O novo trabalho exige uma reconstrução do trabalho escolar, com maior destaque das matérias historias, econômicas e literárias. O novo objetivo exige uma atenção maior à formação do caráter, aos hábitos sociais e aos motivos patrióticos e altruístico O primeiro dá um novo relevo á parte de instrução na educação, o segundo, ao fim moral. A educação torna-se assim, embora indiretamente, a força modificadora das instituições sociais, realizando um melhor ajustamento dos indivíduos. O progresso é a característica da vida moderna; a habilidade de ajustarse, rápida e adequadamente às novas condições sociais, é a principal responsabilidade da educação. Isto requer o conhecimento destas condições em mudança, habilidade e boa vontade, para efetuar o ajustamento. Estes e aquelas são usualmente resumidos sob o termo ‘boa cidadania’. (g.n.) Diz Edgar Morin, que o saber tornou-se cada vez mais exotérico e anônimo. Isso porque está apenas acessível aos especialistas, quantitativo e formalizado e, em tais condições, o cidadão perde o direito ao conhecimento; tem o direito, até de adquirir um saber especializado, mas está despojado, enquanto cidadão, de qualquer ponto de vista globalizante ou pertinente e esse processo técnico-científico. Aliás, conforme ele afirma, estamos diante disso cegos. Estamos assim, segundo ele, levando a democracia a uma grande regressão. É preciso então, aponta o pensador, desenvolver uma democracia cognitiva. Esse é o desafio cívico da educação de hoje.576 O que em parte o Brasil cumpriu, quando criou a Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011577, que regula o acesso à informações, previsto no art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição de 1988, que resguarda como direito fundamental a todas as pessoas receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, isso também porque o artigo 37, § 3º, determina a participação do usuário do serviço público na administração pública direta e indireta, o que possibilita a transparência dos atos públicos e a fiscalização do cidadão brasileiro, porém, por hora aqueles que tem mais acesso a esse direito fundamental são os usuário que podem usar a rede mundial de computadores, o que como sabemos é um universo ainda, bem restrito no Brasil, isso porque dos aproximadamente 190 milhões de habitantes, apenas 79, 9 milhões de pessoas tem acesso à internet, daqueles que estão em idade de usar a internet, ainda que 576 MORIN, Edgar. A cabeça bem- feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 19. 577 Lei de Acesso n. 12.527 de 18 de novembro de 2012. Documento disponível na internet http// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011/Lei/L12527.htm Acesso em agosto de 2012. 318 o crescimento ao uso da internet seja considerado intenso, a rede mundial de acesso de computadores não está universalizada no Brasil.578 A educação política, nesse sentido, afigura-se como um dos aspectos do standard mínimo vital do direito à educação. E esse processo de ensino-aprendizagem pode e deve ser adquirido pelo estudo da Constituição de 1988. Um ensino nesse sentido, dados os valores que ela abarca, nem de longe se igualaria ao trauma social que causou as disciplinas sobre organização e política brasileira em plena ditadura. Se formos educados em mentiras políticas, por que então não sermos educados sobre as verdades políticas? E se a liberdade é conhecimento e não qualquer conhecimento, mas conhecimento específico que recai e reportam nossos direito fundamentais, por que então não se educar pelo ensino e pela aprendizagem da cidadania, o que requer o manuseio, a leitura, a realização de debates, análises criticas e dissertações em todos os níveis e modalidades no nosso processo educacional sobre a Constituição de 1988? E por que com ela não aprender a visualizar os limites e a imposição de responsabilidade que recai sobre o Estado Brasileiro na consecução desses mesmos direitos, e isso dentro das escolas brasileiras? Afinal, não está lá a garantia do futuro da democracia brasileira com a qual começamos a nos habituar? Como, então, enraizar e habituar-se a Democracia, se não somos educados desde a mais tenra idade a lidar com os significados dos nossos valores supremos? Se assim continuarmos, não estaríamos pondo a própria dignidade da pessoa humana em solo brasileiro em risco? Não estaríamos assim desenvolvendo ao contrário do que desejamos um comportamento inconstitucional e transformando a Constituição de 1988 em um simples pedaço de papel que pode ser rasgado e queimado? E será que já não estamos fazendo isso, rasgando a Constituição, quando não cobramos das autoridades o cumprimento do artigo 64 dos Atos das Disposições Transitórias, que de transitório nada têm já que o reconhecimento e o conhecimento que requer a Constituição de 1988 é permanente, visto que é Ela que protege a dignidade da 578 Dados disponíveis no Ibope em: www.cetic.br/usuarios/Ibope/index.htm Acesso em agosto de 2012. 319 pessoa humana e a Democracia Social brasileira, que tanto sofremos e lutamos para conquistar? E sendo, então, a nossa democracia uma democracia social representativa, não caberia então, se for o caso, questionar o povo sobre se ele deve ou não ser devidamente instruído e formado racional e intencionalmente em cidadania e política tendo por base a Constituição de 1988, seja por meio de uma convocação prévia a um plebiscito, já que essa se afigura matéria de relevância constitucional para o país? Ou mesmo por referendo, quem sabe, para ratificar ou rejeitar uma proposta de lei nesse sentido, conforme então § 3º do art. 18 da Constituição de 1988 que regulamentado pela de 9.709 de 18 de novembro de 1998? Afinal, será que é impossível ao Poder Público Brasileiro, depois que sistematizamos constitucionalmente um processo educacional que tem por objetivos o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para a cidadania e a qualificação para o trabalho, desenvolver uma grade curricular que nela também conste o ensino intencional da própria Constituição que o edificou e não apenas sua mera e simples citação como um marco histórico que nos lançou à Democracia? Que prejuízos causaria a ele, Poder Público Brasileiro, o ensino intencional e sistematizado da Constituição de 1988? Que prejuízo causaria as nossas crianças e jovens um estudo nesse sentido? Ou, será que o Povo brasileiro está condenado a vivenciar eternamente apenas uma “situação democrática”, onde mais vale a corrupção, que atua como uma “constituição real”, que assola a todos os segmentos do país porque sequer dado a Ele aprender sobre os valores supremos eleitos pela comunidade onde vive e que estão devidamente consagrados em sua Constituição Jurídica? Nesse sentido, afirmamos e parafraseamos Kleit e Edgar Morin579: um saber nesse sentido com certeza não nos tornaria mais felizes nem melhores. Mas, como a missão desse ensino é transmitir não o mero saber, mas uma cultura constitucional vai nos permitir ao menos compreender a nossa condição o que já nos ajuda a viver. Sem mencionar que ao mesmo tempo favorece um modo de pensar aberto e livre, condição básica de toda e qualquer democracia. 579 Idem, Ibidem, p. 11. 320 Ademais, com muito mais perguntas a responder, o que nos instiga ainda mais a pesquisar e estudar, finalizamos por hora, esse nosso diálogo dissertativo com a afirmação de Geraldo Ataliba580: A compreensão de toda e qualquer instituição de direito público, positivamente adotada por um povo, depende da prévia percepção dos princípios fundamentais, postos na sua base por esse mesmo povo, na sua manifestação política plena: a Constituição. Ou será que precisaremos a cada eleição e a cada decênio, esperar por leis infraconstitucionais, como era antes da Segunda Guerra Mundial, conforme aportamos no primeiro capítulo para que por exemplo se valorizem o professor, ou que ainda por leis ordinárias, mesmo que pelo esforço da iniciativa popular, se insista que um representante político eleito diretamente nesse país precisa ter a ficha limpa para exercer esse “cargo de confiança”, como o fez a polêmica Lei da Ficha Limpa? Será que um processo educacional que levasse a sério a Constituição de 1988 não seria o suficiente? Será que a situação poderia, por conta disso, piorar? 580 ATALIBA, Geraldo. op. cit. 15. 321 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Jurisdição Constitucional e a Tutela dos Direitos Metaindividuais. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2009. ALCALÁ, Humberto Nogueira e outros. Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais.Salvador , Bahia: Jus Podivm, 2011. ALEXY, Robert. 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