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Mobilidade e acessibilidade para as pessoas com deficiência física nos ônibus, em
São Luís-MA.
Deusamar Silva dos Santos1
José Odval Alcântara Júnior2
Resumo
Este trabalho está inserido no campo da Sociologia Urbana e visa analisar a produção
dos discursos em torno da mobilidade e acessibilidade para as pessoas com deficiência
física nos ônibus, em São Luís – MA. Esses discursos têm suas linguagens, publicidade,
positividade no mundo social e muitas vezes parecem autoexplicativos, e tirar esse
caráter de evidência é um exercício a ser realizado. Foi feito um trabalho de
desconstrução e reconstrução analítica dos termos, a partir da noção de formação
discursiva de Michel Foucault, que demonstra que as condições de possibilidade e de
emergência de um discurso são pautadas pelo exterior e não é a conjuntura histórica que
possibilita um discurso específico. Pontuaram-se alguns aspectos mais gerais sobre o
tema: a demonstração de como os termos pessoas com deficiência, mobilidade,
acessibilidade, não são coisas dadas, são construções; identificação de que mudanças
ocorrem na sociedade. A pesquisa demonstrou que a exclusão de alguns indivíduos e a
inclusão de outros é algo que está presente em muitas sociedades e abrange vários
grupos sociais como, mulheres, negros, pessoas com deficiência, nos diversos
momentos históricos. Constatou também que até no século XX o indivíduo que tinha
deficiência era considerado inválido e incapaz (modelo médico), ou alguém indigno,
impuro (modelo religioso), logo, deveria ficar excluído de algumas áreas da sociedade,
mas essa perspectiva vem mudando e a pesquisa demonstra isso.
Palavras-chave: Deficiência. Mobilidade. Acessibilidade.
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Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão.
Professor Doutor do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do
Maranhão.
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Nos últimos tempos o estudo sobre mobilidade e acessibilidade tem ganhado cada vez
mais espaço, principalmente no meio acadêmico. Nesse sentido, são amplas as formas
de discussão, englobando desde estudos referentes ao aspecto econômico, de acesso aos
bens, de mobilidade de classe, como também estudos sobre o acesso à educação, ao
lazer, enfim, aos direitos do cidadão, especialmente da pessoa que tem algum tipo de
deficiência. No que se refere à pessoa com deficiência, os estudos têm se tornado de
grande interesse para diversos setores da sociedade, os quais entendem que essas
pessoas precisam ser incluídas na sociedade.
O que se pode observar é que nos últimos tempos houve algumas iniciativas voltadas
para promover a inclusão social dessas pessoas nos mais diversos segmentos da
sociedade, como por exemplo, no mercado de trabalho, no acesso à educação, sendo
isso resultante de lutas políticas e ideológicas associadas às medidas de alargamento da
cidadania e modificações culturais relativas às crenças e valores em torno dessa questão.
Essas iniciativas culminaram em elaborações de Leis, Decretos, Declarações, entre
outros, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e, no
Brasil, o grande marco desse processo é a Constituição de 1988, a qual dá diretrizes
para a inclusão desses indivíduos nos mais diversos espaços sociais.
A presente discussão tem enfoque voltado para a análise dos aspectos da mobilidade e
acessibilidade para as pessoas com deficiência física nos transportes coletivos (ônibus)
em São Luís-MA, o que implica em trabalhar sob a perspectiva do discurso,
principalmente quando se trata de construir um processo de historicização de alguns
termos, a exemplo da própria expressão pessoa com deficiência.
Essa tarefa tem como eixo norteador as abordagens de Michel Foucault em sua obra A
ordem do discurso, o qual se questiona onde se encontra o perigo do discurso e para
esse questionamento apresenta a seguinte hipótese:
(...) em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar
seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade (FOUCAULT, 2008, p. 9).
Devido ao uso frequente de alguns conceitos, os quais muitas vezes são aplicados de
forma inadequada e por diversos agentes, instituições ou até mesmo pelas ciências
sociais, estima-se a necessidade de consagrarmos uma reflexão do ponto de vista
epistemológico dos termos, como veremos no decorrer de nossa exposição e
problematização.
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Dessa forma, é preciso analisar a produção dos discursos em torno da ideia de
mobilidade e acessibilidade para as pessoas com deficiência física, no que tange aos
transportes públicos coletivos (ônibus), discursos esses que têm sua publicidade, sua
positividade, determinadas regras, linguagens no mundo social e muitas vezes parecem
autoexplicativos, evidentes, logo, foi feito um exercício para tirar esse caráter de
evidência desses conceitos, a partir de um trabalho de desconstrução e reconstrução.
A heterogeneidade das questões sociais e, por conseguinte, a pluralidade do homem
moderno leva à utilização de diversos conceitos a fim de poder circular nos mais
variados ambientes. Mas é necessário entender que há toda uma lógica no que se refere
à formação dos conceitos.
A este respeito, Erik Olin Wright (2013) afirma que os conceitos são produtos da
imaginação humana, entretanto, não significa que sejam criados de forma livre e
desenquadrada, haja vista que têm pressuposições teóricas que os determinam, logo,
devem estar em conformidade com as regras conceituais e com os pressupostos
especificados, a fim de serem usados em diversos tipos de explicação.
Nesse sentido, faz-se necessário entender a lógica da construção dos conceitos, porque
qualquer
conceito
remete
a
um
modelo
explicativo
que
tem
alguns
pressupostos/axiomas em que se adotam alguns pontos de partida, logo, os conceitos
não podem refletir a realidade, isto é, os conceitos têm algumas implicações ou
restrições, sejam elas teóricas ou empíricas.
Pautada nessa linha de pensamento, foi realizado o processo de construção de alguns
conceitos, como por exemplo: pessoa com deficiência, cidadania, mobilidade e
acessibilidade, exclusão, inclusão, assim como foram identificadas as mudanças que
ocorrem na própria sociedade, as mudanças de sentido que são atribuídas para as
pessoas com deficiência, as quais nem sempre foram vistas como sendo passíveis de
serem incluídas.
Nesse sentido, Foucault propõe trabalhar com a ideia de descontinuidade, ou seja,
trabalhar com esses termos que em determinado momento têm um significado e em
outro momento apresentam significado diferente. Assim, uma das tarefas desse estudo
consistiu na problematização dessas categorias a partir de quatro princípios propostos
por Foucault: inversão, descontinuidade, especificidade e exterioridade, a fim de não
objetivar esses discursos como evidentes e dados.
A partir da ideia de descontinuidade proposta por Foucault, percebe-se que o próprio
termo “pessoa com deficiência” é uma construção social, uma vez que várias foram as
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denominações criadas ao longo do tempo para designar estes indivíduos. A esse
respeito, Marcos José Silveira Mazzotta (2005) constatou que, até a primeira metade do
século XX, a deficiência era vista como doença crônica, o deficiente como inválido e
incapaz, e a humanidade do indivíduo estava reduzida às suas deficiências, ficando aos
cuidados de instituições segregadoras.
Assim, as pessoas com alguma limitação física, mental ou sensorial, já foram
denominadas de: "inválidas", "incapazes", "excepcionais" e "pessoas deficientes",
noções essas que foram aceitas durante bastante tempo e derivam de certos modelos
explicativos, como o modelo médico, o religioso e o sociocultural.
No que se refere aos modelos explicativos acima citados, Pereira 2006 faz um exercício
de demonstrar o processo de construção em torno da palavra deficiência. Na perspectiva
religiosa, constatou que a deficiência era “considerada como um castigo ou maldição e o
contato com pessoas com deficiência era evitado, às vezes proibido por rigorosas leis
religiosas e sociais” (PEREIRA, 2006, p. 56).
A fim de adensar a discussão, o autor divide esse modelo religioso em dois grandes
momentos separados por alguns séculos, os quais marcam as diferentes atitudes para
com as pessoas com deficiência. Em um primeiro momento, o que marcou foi a
segregação e por vezes a exterminação sumária dessas pessoas, ao serem consideradas
como impuras, ou mesmo pecadoras. Em um segundo momento elas passaram a ser
vistas como seres angelicais, como alguém que possuía aspectos de santidade.
As explicações a partir da visão religiosa variam muito, a depender do período histórico,
do tipo de sociedade e, por conseguinte, do modelo cultural de cada povo, entretanto, o
que foi constatado pelo autor, principalmente a partir dos próprios relatos presentes no
livro sagrado dos cristãos, a Bíblia Sagrada, é que muitas vezes havia um processo de
exclusão dessas pessoas, pois entendia-se que as mesmas estavam relacionadas com a
ideia de pecado, impureza, visão essa que prevaleceu até por volta do século XVI e que
mesmo ainda hoje pode-se notar alguns resquícios dessa forma de pensamento.
No modelo explicativo baseado na medicina constatou-se que a ideia de que as
deficiências eram resultado de alguma disfunção do corpo, de um desvio ou de
anormalidade, sendo que no contexto pós-iluminista e pós-revolução industrial,
momento em que já havia uma concepção “cientificamente” determinada sobre a
deficiência, esta “passou a ser considerada e tratada como um sofrimento físico,
concepção fundamentada predominante no discurso médico e científico, bem como na
prática nele inspirada” (Ibid., p. 68). Logo, na perspectiva médica, a deficiência está
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associada à ideia de anormalidade, logo, a pessoa com deficiência seria aquela que não
atendia aos padrões de normalidade que os demais indivíduos.
Os dois modelos foram dominantes durante bastante tempo, mas isso não significa que
suas conotações não tenham mais espaço em nossa sociedade contemporânea, por isso é
importante analisar outro modelo explicativo, que é o sociocultural, o qual amplia as
discussões acerca da deficiência.
A riqueza desse Modelo Cultural deve-se à qualidade de suas críticas e argumentos, bem
como a sua facilidade de penetração em outros campos teóricos. Por não se tratar de uma
formulação hermenêutica, a leitura cultural da deficiência enriquece nossa compreensão
acerca do assunto, ao mesmo tempo em que fornece elementos para a estruturação teórica
de outros modelos explicativos (Ibid., p. 87).
Seguindo essa linha de construção e desconstrução acerca da palavra deficiência, outro
termo que é utilizado para definir essas pessoas é o de "pessoas com necessidades
especiais" ou, ainda, “pessoas especiais”. Essas expressões referem-se às pessoas com
deficiência, mas também acolhem os idosos, as gestantes, enfim, qualquer situação que
implique em tratamento diferenciado.
No Brasil, foi adotada pela Constituição Federal de 1988 a expressão "pessoa portadora
de deficiência". Mas em 2008, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou a
Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual decidiu abandonar a
expressão "pessoa portadora de deficiência", visto que a deficiência não se porta, mas
está com a pessoa ou na pessoa, o que tem sido motivo para que se use, mais
recentemente, a expressão "pessoa com deficiência". A partir de então, o país assumiu a
mudança conceitual referente à definição de deficiência.
O que se pode observar é que tanto na perspectiva da religião, da medicina, como no
próprio contexto da linguagem cotidiana, a deficiência está sempre associada a algo
depreciativo e, etimologicamente falando, a própria origem do termo, o qual deriva do
latim deficiens, cuja tradução significa ter uma falta, ou ter uma falha, contribui ainda
mais para se ressaltar aspectos negativos sobre a pessoa com deficiência.
Todas essas concepções acerca da deficiência retratam uma condição inferior, e por
vezes demonstram uma transformação de tratamento que vai da invalidez e
incapacidade à tentativa de incluir essas pessoas nos mais diversos segmentos da
sociedade.
Para entendermos esse movimento pela inclusão social destas pessoas é preciso saber
quando, como e por que, houve esse interesse. Tal postura implica em historicizar os
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diversos fatores envolvidos nesse processo e identificar os elementos propulsores dessa
mudança de percepção.
Na tentativa de entender esse movimento pela inclusão social dessas pessoas é preciso
atentar para o fato de que isso remete a uma breve discussão sobre a ideia de direitos e,
por conseguinte, sobre a noção de cidadania. Para melhor compreensão do termo
cidadania são utilizadas as abordagens do historiador José Murilo de Carvalho (2004)
presentes em sua obra “Cidadania no Brasil: o longo caminho”. Para este autor, a
cidadania inclui várias dimensões, como por exemplo, social, política, econômica, civil,
etc., sendo que uma dimensão pode estar presente sem as outras.
Mas, o Ocidente tem buscado o ideal de cidadania plena, que contemple liberdade,
participação e igualdade para todos, o que talvez seja inatingível, na visão deste autor.
Ainda de acordo com Murilo de Carvalho, costumeiramente, a cidadania é desdobrada
em direitos civis, políticos e sociais, sendo que o cidadão pleno seria o que possuísse
esses três direitos. Os que possuíssem um ou dois destes direitos seriam cidadãos
incompletos. Enquanto que aqueles que não usufruíssem de nenhum direito seriam os
não cidadãos.
Os direitos civis são os fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade
perante a lei, em que o princípio régio consiste na liberdade individual, garantindo,
desta forma, a vida em sociedade. Já os direitos políticos se resumem na participação do
cidadão no governo da sociedade. Geralmente, quando se fala em direitos políticos, está
se referindo ao direito ao voto, enquanto os direitos sociais incluem o direito à
educação, ao trabalho, à saúde, entre outros. Nesta lógica, a ideia central dos direitos
sociais está pautada na justiça social.
Esses direitos e, por conseguinte, a própria noção de cidadania, são construções
históricas, sendo estes alcançados mediante um processo, que pode ser longo, e mesmo
haver lutas, embates, enfrentamentos, para que sejam efetivados, e os percursos são
diferentes, podendo ter momentos de desvio e de retrocesso dessas conquistas,
conforme apontado por Carvalho (2004, p. 11).
O surgimento sequencial dos direitos sugere que a própria ideia de direitos, e, portanto, a
própria cidadania, é um fenômeno histórico. O ponto de chegada, o ideal da cidadania
plena, pode ser semelhante, pelo menos na tradição ocidental dentro da qual nos movemos.
Mas os caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta. Pode haver também
desvios e retrocessos (...).
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No decorrer do processo histórico, observamos que os direitos sociais, civis e políticos,
na forma como foram definidos, muitas vezes não são assegurados a todos, isto é, ficam
restritos a determinados indivíduos, e, ainda assim, não são plenamente realizados,
como é o caso das pessoas com deficiência física que, durante muito tempo, foram
excluídas de muitas áreas da sociedade.
A ideia de exclusão referente ao não acesso aos direitos de cidadania é corroborada por
Avelino da Rosa Oliveira (2004, p. 118), ao fazer a seguinte afirmação:
Na esfera das relações político-sociais, todas as modalidades de não acesso aos serviços de
saúde, educação, previdência, habitação, amparo legal etc. podem ser descritas como
aspectos, singulares ou acumulados, de exclusão dos direitos de cidadania.
Entendendo que a utilização de alguns termos de forma indefinida e imprecisa, tomados
isoladamente e sem aprofundamento teórico, pode trazer conotações diferentes do
sentido real, torna-se necessário entendê-los em suas múltiplas relações entre os sujeitos
envolvidos, não dissociados do contexto em que são aplicados. A esse respeito, Avelino
da Rosa Oliveira (2004, p. 160), assevera:
Tendo se tornado um conceito de utilização tão disseminada, paga o preço
da indefinição. Na verdade, desde que o uso da exclusão começou a se
difundir e principalmente agora, quando chegamos a uma situação em que o
termo é empregado por quase todo mundo, para designar quase todo o
mundo, reveste-se de imprecisão e carece de rigor conceitual.
Desta forma, o conceito de exclusão apresenta várias definições, o que não o torna
homogêneo, sendo usado em vários contextos. Até mesmo o seu aparecimento nas
ciências sociais é questionado, não havendo consenso sobre onde e como surgiu. De
acordo com Oliveira (2004), existem três posicionamentos distintos sobre a utilização
do termo exclusão nas ciências sociais.
O primeiro destes posicionamentos tem como representante o francês Jacques Donzelot,
o qual afirma que a palavra exclusão surgiu na França na década de 1970, em escritos
referentes às políticas públicas nesse país, mais precisamente na obra de Remir Lenoir,
Les exclus: un français sur dix, onde o termo serviu para designar os excluídos do
progresso, a fim de moderar a euforia da sociedade francesa, que vivia sob a lógica do
bem estar, e convocá-la para o alargamento da reponsabilidade social.
Existe ainda um grupo que considera ser este um conceito recente, todavia, sem datar o
seu surgimento. Os autores que defendem essa ideia colocam em dúvida a autoria do
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termo à Remir Lenoir, . Dentre estes autores, destacam-se: Serge Paugam, que defende
que esse conceito tem sido usado de forma imprecisa, para designar várias questões, e
Alceu Ferraro, o qual afirma que o reconhecimento do fenômeno não surge na mesma
época em que o termo passa a ser frequentemente empregado.
Finalmente, há o posicionamento no sentido de que, mesmo não tendo sido obra da
sociologia francesa e muito menos ser recente, foi a partir das preocupações dos
franceses em estabelecer políticas públicas que compensassem o bem estar social em
meados de 1970 que o termo passou a figurar nas discussões, principalmente nas
ciências sociais.
A partir do que foi exposto, entendemos que exclusão e inclusão são construções sociais
e históricas elaboradas para classificar determinados grupos sociais. Nestes termos, “(...)
só temos conseguido operar com o conceito exclusão colocando como horizonte a
inclusão” (Ibid., p. 179). Mas, falar em exclusão e inclusão, sem lhes conferir um
significado mais amplo, é adotar uma perspectiva dualista. Assim, postulamos que esses
termos são categorias generalizadas de interpretação da realidade social.
Se o termo exclusão social diz respeito ao ato de excluir, de colocar à margem
determinado grupo social, sociologicamente, é um processo social de
reconhecimento do outro,
não
de rejeição, ou, até mesmo, de intolerância. Em outras
palavras, trata-se de uma representação que tem dificuldades de reconhecer, no outro,
direitos que lhes são próprios.
Esta é uma perspectiva bem mais ampla e que considera três acepções, segundo Elimar
Pinheiro do Nascimento (1994). A primeira acepção diz respeito às dificuldades de
reconhecer os direitos das outras pessoas, direitos estes que já lhes pertencem. Na
segunda acepção, o não reconhecimento se traduz numa clara exclusão de direitos. A
terceira acepção é denominada de nova exclusão.
Dessa maneira, a exclusão social tem múltiplas dimensões, como a dos direitos do
homem e a dimensão histórica. Para uma melhor compreensão dessa última dimensão é
importante considerar a afirmação de Bobbio (2004, p. 18):
Os direitos do homem constituem uma classe variável, como a história destes últimos
séculos demonstra suficientemente. O elenco dos direitos do homem se modificou, e
continua a se modificar, com as mudanças das condições históricas, ou seja, dos
carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização
dos mesmos, das transformações técnicas.
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Nesse sentido, os direitos do homem são o produto, não da natureza, mas da civilização
humana e, enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, isto é, suscetíveis das mais
variadas transformações, assim como podem ser ampliados. Mas, “(...) uma coisa é falar
dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los
com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva”
(BOBBIO, 2004, p. 60).
Este pensamento também está presente nas abordagens de Rosita Edler Carvalho (1997,
p. 176).
Em que pese a história da humanidade nos mostrar que o problema fundamental, em
relação aos direitos do homem, não está em justificá-los e consagrá-los em textos
aprovados no consenso mundial, certamente que o fato de serem afirmados e reconfirmados
em declarações representa um grande avanço político e social. A contradição não está no
como reivindicar ou inserir direitos em textos; o problema está em protegê-los, em
conquistar sua execução, o que, geralmente, é fruto das lutas de determinados grupos que se
sentem desrespeitados.
Assim, para que alguns dos direitos da pessoa com deficiência fossem reconhecidos foi
necessário um longo percurso, que resultou do esforço não apenas do setor público,
mas, sobretudo, da sociedade civil. Um desses direitos em disputa diz respeito à
acessibilidade para essas pessoas nos transportes públicos coletivos, o que em certa
medida conduz a uma discussão sobre o termo mobilidade.
Diante do exposto, o transporte público coletivo se destaca como um dos elementos que
permitem a mobilidade urbana para as pessoas. Todavia, a despeito o caráter necessário
dessa mobilidade e do reconhecimento legal de que se trata de um direito fundamental
(Constituição Brasileira) ou direito humano (Declaração Universal dos Direitos
Humanos), historicamente, há pessoas ou grupos sociais que não o tem assegurado e,
por conta disso, acumulam a privação de vários outros direitos, relacionados
à
educação, ao trabalho, ao lazer, entre outros. É o caso das pessoas que têm algum tipo
de deficiência física, que sofrem, assim, um processo de exclusão social.
Recentemente tem havido um movimento pela inclusão dessas pessoas, inclusive no
âmbito dos transportes coletivos, o que envolve os aspectos de mobilidade urbana.
Também são levados em conta outros aspectos, como o biológico, psicológico e social
presentes na vida das pessoas, além de valores humanistas e pluralistas, alicerçados no
dispositivo legal de dignidade da pessoa humana.
Tal movimento pode ser decorrente do momento em que vivemos, ou seja, da expansão
das lutas sociais, hoje
empreendidas em nível internacional, e da necessidade de
regulação dos direitos de cidadania, especialmente os direitos sociais (que contemplam
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o acesso à saúde, educação, trabalho, moradia, lazer, segurança e assistência aos
desamparados).
Há um longo processo histórico de lutas e reivindicações, por parte dos mais variados
segmentos da sociedade, para que começasse a haver preocupação em adotar medidas
de inclusão para esses indivíduos. Assim, diversas leis foram criadas, a exemplo da Lei
nº 10.098 (Lei de Acessibilidade), de 19/12/2000, que estabelece normas gerais e
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com
mobilidade reduzida e dá outras providências, determinando para o transporte coletivo,
em seu Art. 16, que os veículos de transporte coletivo deverão cumprir os requisitos de
acessibilidade estabelecidos nas normas técnicas específicas. Esta Lei, de certa forma, é
decorrente da Constituição Federal de 1988.
Todo esse movimento em torno da inclusão dessas pessoas e da afirmação de seus
direitos é um dos indicativos de que, parafraseando Norberto Bobbio (2004), estamos
vivendo em uma era de direitos. Para esse autor, “(...) uma coisa é falar dos direitos do
homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos
convincentes; outra coisa é garantir-lhes proteção efetiva” (BOBBIO, 2004, p. 60).
Assim, no entendimento desse autor, o desafio maior da contemporaneidade é menos a
questão dos fundamentos dos direitos humanos, e mais a implementação dos mesmos.
A partir do que foi exposto, entendemos que exclusão e inclusão são construções sociais
e históricas elaboradas para classificar determinados grupos sociais. Nestes termos, só
tem se conseguido operar com o conceito de exclusão ao colocar como horizonte a
inclusão. Mas, falar em exclusão e inclusão, sem lhes conferir um significado mais
amplo, é adotar uma perspectiva dualista. Assim, postulamos que esses termos são
categorias generalizadas de interpretação da realidade social.
Como se pode observar, as formas de denominar as pessoas mudam com o passar do
tempo e até mesmo alguns conceitos são modificados no decorrer do processo histórico,
assim como os direitos e garantias também sofrem alterações. Portanto, é pertinente que
seja feita uma reflexão mais densa, focada nos mais variados aspectos de alguns
conceitos, tais como o de mobilidade e acessibilidade.
No entendimento de autores contemporâneos, como Vasconcellos (2001), a mobilidade
é considerada como a facilidade (ou dificuldade) com que os locais da cidade são
atingidos pelas pessoas e mercadorias, medida pelo tempo e pelo custo envolvido. Logo,
seria a facilidade, em distância, tempo e custo, de se alcançar fisicamente, a partir de um
ponto específico na cidade, os destinos desejados. Ainda de acordo com esse autor,
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existem várias visões de mobilidade e acessibilidade. Na visão tradicional, a mobilidade é
tida simplesmente como a habilidade de movimentar-se, em decorrência de condições
físicas e econômicas. Neste sentido, as pessoas pobres, idosas ou com limitações físicas
estariam nas faixas inferiores de mobilidade em relação às pessoas de renda mais alta ou
sem problemas físicos de deslocamento. (Vasconcellos, 2001, p. 40)
Essa interpretação restrita de mobilidade não deve ser entendida isoladamente, por isso
o mesmo autor reitera que:
(...) é possível chegar a uma definição mais útil, que relacione a mobilidade no sentido
tradicional a um outro conceito mais amplo, o da acessibilidade. Esta é aqui entendida
como a mobilidade para satisfazer as necessidades, ou seja, a mobilidade que permite à
pessoa chegar aos destinos desejados (Ibid., p. 30).
Outro termo analisado se refere à acessibilidade, que em certa medida está relacionado
com a mobilidade. A este respeito, Carme Miralles-Guasch (2002) afirma que a
acessibilidade é a dimensão espacial da mobilidade. Ainda de acordo com a autora, “A
relativa facilidade para superar a distância é uma variável relacionada às características
físicas de um espaço, às oportunidades de uso de certas atividades ou às características
individuais dos cidadãos” (MIRALLES-GUASCH, 2009, p. 41), sendo que isto implica
em uma acessibilidade física, social e econômica, ou seja, mobilidade e acessibilidade
são categorias que envolvem vários aspectos.
Para Garcia 2012, ao se referir ao termo acessibilidade, não significa que seja algo
restrito, ou seja, a autora amplia a noção de acessibilidade, a qual a compreende tanto
como a possibilidade de entrar em edificações ou outros equipamentos, mas também
engloba outros aspectos, como o fato de haver entendimento e atendimento adequados a
cada situação. Logo, consiste na “possibilidade de utilizar todos os serviços e
dispositivos existentes e ter condições de segurança, tudo isso considerando que seja a
particularidade do indivíduo (físicas, sensoriais e mentais), deve dispor das mesmas
oportunidades de qualquer outro usuário” (GARCIA, 2012, p. 63).
Considerando os aspectos apontados acima, Cunha (2010, p. 77), ao se referir aos
indivíduos que possuem alguma deficiência chama a atenção para “a possibilidade de
reações dos ditos excluídos está relacionada de forma direta às prerrogativas de escapar
do turbilhão do tempo rápido, normalmente seu ritmo é lento, seus espaços são opacos,
tornando-os mais abertos a um debate, às vezes silencioso, noutras vezes ruidosos, com
as populações e as coisas já presentes”.
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Tal pensamento pode ser corroborado pelas constatações de Miralles-Guasch (2002)
quando discorre sobre o deslocamento das pessoas nas cidades, entendendo que tal
deslocamento, ao estar diretamente relacionado com a utilização dos vários meios de
transporte, provoca uma nova fonte de desigualdade na cidade, pois:
Aquelas pessoas com uma maior capacidade para utilizar os transportes mecânicos se
deslocam com mais facilidade e, portanto, tem mais acesso às atividades urbanas. Há
circunstâncias pessoais, como o nível de renda e características individuais, como a idade, o
gênero ou as capacidades mentais e físicas, que determinam a competência na utilização
dos meios de transportes mecânicos. (MIRALLES-GUASCH, 2002, P. 29)
Assim, entende-se que o ritmo acelerado da vida urbana e, por conseguinte, a
necessidade das pessoas se locomoverem de forma mais rápida gera tensões com a
condição objetiva das pessoas com deficiência, cujo ritmo tende a ser mais lento e
contribui para que haja preocupações em promover a mobilidade e acessibilidade no
meio urbano, principalmente quando se trata das pessoas que apresentam alguma
limitação física e motora, como as pessoas com deficiência física, especialmente as que
dependem de transporte público coletivo.
O termo acessibilidade já é mais recente e em certo sentido remonta à ideia de inclusão
social, principalmente quando se refere às pessoas com deficiência, uma vez que estas
possuem certas limitações, conforme o exposto por essa autora:
A população com deficiência tem algumas dificuldades que as diferenciam da população
em geral. Apesar de utilizar serviços como todos os cidadãos tidos comuns, muitas vezes,
tem impedimentos no acesso aos serviços por barreiras físicas como escadas, falta de
rampas ou portas suficientemente largas, por falta de conservação das calçadas, com
sinalizações sensoriais, guias rebaixadas, transportes sem adaptações. (CUNHA, 2010, p.
78)
Garcia 2012 constatou que o termo acessibilidade normalmente vem acompanhado do
adjetivo universal, dando a ideia de que a condição de acessibilidade deve ser estendida
a qualquer localidade, produto ou serviço, sem exceção, e que todos os cidadãos,
independentemente de suas condições, devem ter direito de acesso a essas localidades,
produtos ou serviços. Assim, a autora entende que “a acessibilidade universal inclui a
ideia de conceber sem barreiras tudo o que se cria ou se desenha novo, mas também
incorpora a adaptação progressiva daquilo que já está feito, mas que coloca barreiras
para a utilização de todos” (GARCIA, 2012, p. 63).
Dando continuidade às discussões sobre o termo acessibilidade, retomamos as
abordagens de Vasconcellos 2001, o qual subdivide esse termo em dois tipos:
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macroacessibilidade
e
microacessibilidade.
Nesse
sentido,
postula
que
a
macroacessibilidade diz respeito à relativa facilidade de atravessar o espaço para atingir
as localidades e equipamentos urbanos desejados, refletindo a variedade de destinos a
serem alcançados, logo, tem um largo interesse para a realização de análise sociológica
sobre o transporte urbano, uma vez que tem relação direta com a abrangência espacial
do sistema viário e dos sistemas de transporte e também porque está diretamente
relacionado com ações empreendidas no nível do planejamento do transporte.
Já a microacessibilidade, no caso do transporte público, diz respeito à facilidade relativa
de acessar os veículos ou destinos desejados, isto é, a microacessibilidade pode ser
representada pelo tempo de acesso ao ponto de ônibus/trem/metrô, ou pelo tempo de
acesso ao destino final, após deixar o último veículo de transporte público.
Nesse sentido, são amplas as formas de pensar a mobilidade e acessibilidade,
especialmente em nosso contexto e considerando a questão dos transportes coletivos
(ônibus) para aqueles usuários que possuem alguma especificidade no atendimento,
como as pessoas com deficiência física.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, na presente discussão, foi realizada, entre outras coisas, a tarefa de
problematização, a partir do processo de construção e desconstrução de alguns conceitos
que são fundamentais para entender o processo da mobilidade e acessibilidade, nos
ônibus, para as pessoas com deficiência física. Alguns conceitos discutidos são:
deficiência, cidadania, inclusão, exclusão, mobilidade, acessibilidade.
Observou-se que são muitos os tipos de discursos sobre o conceito de deficiência
envolvidos nesse processo, os quais são construídos a partir de modelos explicativos,
como o modelo religioso, médico e sociocultural e todos eles apresentam definições que
variam no decorrer do processo histórico e do tipo de sociedade, havendo diversidade de
perspectivas, que vão desde a ideia de pensar essas pessoas como inválidas, incapazes,
até a tentativa de incluir essas pessoas nos mais diversos segmentos da sociedade.
Todavia, apesar dessa constatação de que essas pessoas precisam ser incluídas, ainda
persistem as dificuldades de concretização desse processo inclusivo, especialmente no
que diz respeito ao acesso aos transportes coletivos (ônibus), onde muitas vezes esses
sujeitos não têm os seus direitos atendidos em sua plenitude, apesar de estarem
constitucionalmente assegurados.
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