artigo original Associação entre a presença de síndrome metabólica e variáveis antropométricas, clinicobioquímicas e escore de risco cardiovascular em enfermeiras de um hospital universitário Karla Candice Aguiar Ferreira, Liliane Maria Messias Machado, Júlio Alves Pires Filho e Marília de Souza Araújo DOI: 10.14242/2236-5117.2014v50n4a224p302 RESUMO Objetivo. Diante da realidade de trabalho e da qualidade de vida dos profissionais de enfermagem, avaliou-se a relação entre a ocorrência de síndrome metabólica e variáveis antropométricas, clinicobioquímicas e escore de risco de Framingham em enfermeiras. Método. Estudo transversal com amostra de 69 enfermeiras, com idade de 28 a 59 anos, funcionárias do Hospital Universitário João de Barros Barreto, no município de Belém-PA. Resultados. Houve correlação positiva entre escore de risco de Framingham e perímetro da cintura (p = 0,05), pressão arterial sistólica (p < 0,02) e diastólica (p < 0,03), triacilgliceróis (p = 0,03) e correlação negativa entre escore de risco de Framingham e lipoproteína de alta densidade (p = 0,05). A síndrome metabólica correlacionou-se positivamente com o índice de massa corporal (p < 0,000), perímetro da cintura (p < 0,002) e razão cintura-quadril (p < 0,000). Por meio da análise de variância entre síndrome metabólica e demais variáveis, verificou-se diferença estatística significativa entre síndrome metabólica e índice de massa corporal (p < 0,000), perímetros da cintura (p < 0,000) e do pescoço (p < 0,001), razão cintura-quadril (p < 0,000), pressões sistólica (p < 0,000) e diastólica (p < 0,000), lipoproteína de alta densidade (p < 0,002), triacilgliceróis (p < 0,000) e glicemia (p < 0,001). Conclusão. Enfermeiras com síndrome metabólica e maiores percentuais de risco cardiovascular apresentaram os piores perfis antropométrico, 302 • Brasília Med 2013;50(4):302-311 Karla Candice Aguiar Ferreira – graduanda, curso de Graduação em Nutrição (bacharelado), Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém-PA Liliane Maria Messias Machado – nutricionista, doutora, professora adjunta nível I, Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém-PA Júlio Alves Pires Filho – nutricionista, profissional de educação física, mestre, professor da Escola Superior Madre Celeste e do ensino básico, técnico e tecnológico na Escola Tenente Rêgo Barros da Forca Aérea Brasileira, Belém-PA Marília de Souza Araújo – nutricionista, doutora, professora associada, Faculdade de Nutrição, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém-PA Correspondência: Liliane Maria Messias Machado. Av. Gentil Bittencourt, n.º 2.321, 301-D, São Brás, CEP 66063-090, BelémPA. Telefone: 91 99775155. Internet: [email protected] Recebido em 6-12-2013. Aceito em 28-12-2013. Suporte financeiro: O projeto de pesquisa base “Correlação entre perímetro do pescoço com os marcadores inflamatórios dos funcionários do Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), Belém-Pará”, foi financiado, em parte, pelo aluno de mestrado e pesquisador do projeto (Júlio Alves Pires Filho). O Hospital Universitário João de Barros Barreto forneceu os kits bioquímicos, além de ter disponibilizado o Laboratório de Análises Clínicas para a realização da pesquisa. Conflito de interesses: declaramos não haver conflito de interesses. Karla Candice Aguiar Ferreira e cols. • Síndrome metabólica em enfermeiras clínico e bioquímico do estudo, o que confere fator de risco em potencial à ocorrência de doenças cardiovasculares e suas comorbidades. Key words. Nurses; metabolic syndrome; Framingham score risk. Palavras-chave. Enfermeiras; síndrome metabólica; escore de risco de Framingham INTRODUÇÃO ABSTRACT Association between metabolic syndrome and anthropometric, clinical and biochemical variables, and cardiovascular risk score of nurses at a University Hospital Objective. Due to the working conditions and quality of life of nursing professionals, the authors evaluated the relation between the occurrence of metabolic syndrome and anthropometric, clinical and biochemical variables and the Framingham Score Risk among nurses in the João de Barros Barreto University Hospital, in the city of Belém, Pará, Brazil. Method. This was a cross-sectional study of a sample of 69 nurses, aged from 28 to 59 years. Results. There was a positive correlation between the Framingham Score Risk and waist circumference (p = 0.05), systolic (p < 0.02) and diastolic (p < 0.03) blood pressures, and triglycerides (p = 0.03). There was a negative correlation between the Framingham Score Risk and high-density lipoprotein (p = 0.05). The occurrence of metabolic syndrome was positively correlated with body mass index (p < 0.000), neck circumference (p < 0.002), and waist-hip ratio (p < 0.000). Through variance analysis of metabolic syndrome and other variables, there were statistically significant differences between metabolic syndrome and body mass index (p < 0.000), waist (p < 0.000) and neck (p < 0.001) circumferences, waist-hip ratio (p < 0.000), systolic (p < 0.000) and diastolic (p < 0.000) blood pressures, high density lipoprotein (p < 0.002), triglycerides (p < 0.000), and glucose (p < 0.001). Conclusions. Nurses with metabolic syndrome and higher rates of cardiovascular risk had the worst anthropometric, clinical and biochemical profiles in this study, which potentially increases their risk of having cardiovascular disease and its comorbidities. A síndrome metabólica refere-se a diversos fatores de risco de origem metabólica que têm tendência a se agruparem. São eles: obesidade abdominal, triacilgliceróis elevados, lipoproteína de alta densidade (HDL-c) baixa, intolerância à glicose e hipertensão arterial.1 Sendo assim, a síndrome metabólica consiste em transtorno complexo representado por um conjunto de fatores de risco cardiovasculares, usualmente relacionados à deposição central de gordura e a resistência à insulina, que levam ao aumento da mortalidade, especialmente de origem cardiovascular.2 Dados de 2007 do Vigitel mostraram que a síndrome metabólica atingiu 14,2% da população pesquisada. A maior prevalência foi encontrada entre as mulheres (15,2%) quando comparadas aos homens (13,2%).3 Em populações como mexicana, norte-americana e asiática as prevalências de síndrome metabólica variam de 12,4% a 28,5% entre os homens e 10,7% a 40,5% entre as mulheres.4-6 Em revisão sistemática e metanálise, foi encontrada associação entre síndrome metabólica e aumento de risco de doença cardiovascular, em que a síndrome metabólica aumentou em duas vezes a ocorrência de eventos cardiovasculares.7 A determinação do risco cardiovascular global do indivíduo, levando-se em consideração a idade e as variáveis que compõem os diferentes fatores de risco cardiovascular, é interessante na avaliação do portador de síndrome metabólica.7 Portanto, a aplicação do escore de risco de Framingham tornase ferramenta útil. O estresse ocupacional, aos quais profissionais enfermeiros podem estar sendo submetidos, é importante fator de risco ao bem-estar psicossocial, bem como pode constituir fator determinante de transtornos depressivos, síndrome metabólica e doenças cardiovasculares.8 São poucos os estudos sobre a prevalência da síndrome metabólica com dados Brasília Med 2013;50(4):302-311 • 303 artigo original representativos da população brasileira, tampouco desse grupo específico de profissionais da saúde. Vista a deficiência de dados sobre as características epidemiológicas e clínicas da síndrome metabólica nesses profissionais, tornam-se importantes estudos que analisem tal situação nessa categoria.9 Portanto, neste estudo, analisou-se a associação entre a presença de síndrome metabólica e variáveis antropométricas, clinicobioquímicas e escore de risco cardiovascular em enfermeiras de um hospital universitário. MÉTODO O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa “Correlação entre perímetro do pescoço com marcadores inflamatórios em funcionários do Hospital Universitário João de Barros Barreto BelémPará”,10 realizado no período de 30 de maio a 30 de dezembro de 2011. Tratou-se de estudo transversal, de amostragem por conveniência, aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário João Barros Barreto (HUJBB), protocolo n.º 2417/10. Foram critérios de inclusão: ser enfermeira do citado hospital, concordar em participar do estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram critérios de exclusão: diagnóstico prévio de doença cardiovascular, gestação, uso de medicamentos com potencial influência sobre o perfil lipídico ou hemograma devido ao método do projeto de pesquisa de origem10 prever a dosagem de marcadores inflamatórios. Foram avaliadas 69 enfermeiras sem diagnóstico prévio de doença cardiovascular e com idade de 28 a 59 anos. As medidas de peso e estatura foram realizadas como recomendado11 e utilizadas para calcular o índice de massa corporal, o qual foi classificado conforme o padrão de referência para adultos.12 O perímetro da cintura foi mensurado e classificado de acordo com a International Diabetes Federation. 13 A razão dos perímetros cintura e 304 • Brasília Med 2013;50(4):302-311 quadril foi classificada conforme publicado anteriormente. 14 Para a aferição do perímetro do pescoço, o indivíduo ficou em posição ortostática, e se passou a fita logo abaixo da epiglote para anotação de sua medida.15 Os valores obtidos foram classificados como adequados quando menores que 34 cm.16 A mensuração e a classificação da pressões arteriais sistólica e diastólica foram feitas conforme a VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial.17 Coletaram-se amostras de sangue venoso periférico após jejum de doze horas, no Laboratório de Patologia Clínica do HUJBB, para as dosagens de glicemia, colesterol total, HDL-c, lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e triacilgliceróis. Foram usados como padrões de referência para a glicemia de jejum os valores adotados pela Sociedade Brasileira de Diabetes,18 e para o colesterol total, LDL-c, HDL-c e triacilgliceróis, os valores adotados pela V Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose.19 Para o diagnóstico de síndrome metabólica foram utilizados os critérios estabelecidos pelo International Diabetes Federation,13 que considera o perímetro da cintura elevado (igual ou superior a 80 cm para mulheres e igual ou superior a 90 cm para homens) como componente obrigatório, além da presença de pelo menos mais dois dos seguintes componentes: pressão arterial sistólica igual ou superior a 130 mmHg ou pressão arterial diastólica igual ou superior a 85 mmHg ou uso de anti-hipertensivo; glicemia de jejum igual ou superior a 100 mg/dL ou diagnóstico de diabetes melito tipo 2; triglicerídeos igual ou superior a 150 mg/dL; e HDL-c inferior a 40 mg/dL para os homens e inferior a 50 mg/dL para as mulheres. Para análise do risco cardiovascular, utilizou-se o escore de risco de Framingham, em que cada variável apresenta faixas de valores dotados de pontuações específicas, positivas ou negativas. A pontuação total do escore leva em consideração as seguintes variáveis: sexo, idade, tabagismo, diabetes melito, HDL-c, colesterol total, pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica. O escore obtido corresponde a um percentual de Karla Candice Aguiar Ferreira e cols. • Síndrome metabólica em enfermeiras probabilidade de ocorrência de doença arterial coronariana nos próximos dez anos. Assim, os indivíduos são classificados nas seguintes categorias de escore de risco de Framingham: baixo risco apresenta probabilidade menor que 10% de eventos cardiovasculares em dez anos; médio risco, de 10% a 20%; e, alto risco, mais de 20%.20,21 A base de dados foi digitada no programa Excel (Microsoft Office 2010) e analisado no programa SPSS, versão 20.0. Foi verificada a normalidade das variáveis do estudo por meio de gráficos de probabilidade normal (Normal Probability Plot). Apenas a variável escore de risco de Framingham mostrou-se assimétrica em potencial. Assim, foi realizada análise descritiva dos dados e usado o teste t de Student para verificação da existência de diferença estatística significante entre a presença ou ausência de síndrome metabólica e as variáveis antropométricas, clínicas e bioquímicas, e o teste de Mann-Whitney para verificação da relação entre escore de risco de Framingham e síndrome metabólica. Realizou-se teste de correlação de Spearman, que é não paramétrico, pois se desejou observar a correlação entre as variáveis estudadas e o escore de risco de Framingham. Além disso, foi realizada análise de variância pelo método one-way Anova entre as categorias de síndrome metabólica e as demais variáveis do estudo, com exceção do escore de risco de Framingham. Em todos os testes realizados, os valores de p considerados significativos foram iguais ou inferiores a 0,05. RESULTADOS Foram avaliadas 69 enfermeiras com a média de idade de 42,4 ± 8,8 anos. O valor médio do índice de massa corporal foi 26,8 ± 4,4 kg/m2, que indicou sobrepeso. O perímetro da cintura médio foi 82 ± 10 cm, que equivaleu a risco de complicações metabólicas. A média da glicemia foi 105,7 mg/dL, que esteve acima do valor de referência considerado adequado. As demais variáveis apresentaram valores médios dentro dos parâmetros de normalidade (tabela 1). Tabela 1. Análise descritiva das variáveis demográficas, antropométricas e bioquímicas entre as profissionais de enfermagem estudadas, em um hospital universitário em Belém-PA Parâmetros Média Desvio-padrão Mediana Mínimo Máximo Idade (anos) 42,4 8,8 42 21 59 Índice de massa corporal (kg/m²) 26,8 4,4 26,1 19,3 40,2 Perímetro da cintura (cm) 82 10 81 68 114 Perímetro do pescoço (cm) 33 3 33 29 43 Razão cintura-quadril 0,80 0,06 0,80 0,68 0,93 Pressão arterial sistólica (mmHg) 120 13 120 100 161 76 10 75 60 110 200,7 44,5 200 120 379 HDL-c (mg/dL) 58,1 12,2 58 32 93 LDL-c (mg/dL) 120,6 40,3 115 42 293 Triacilgliceróis (mg/dL) 112,3 60,4 100 22 359 Glicemia (mg/dL) 105,7 38,5 100 86 410 2,8 3,2 1,0 1,0 20 Pressão arterial diastólica (mmHg) Colesterol total (mg/dL) Escore de risco de Framingham Brasília Med 2013;50(4):302-311 • 305 artigo original Na tabela 2, pode-se verificar a distribuição de frequências, de acordo com presença ou ausência de síndrome metabólica, de aspectos clínicos, bioquímicos e antropométricos. Houve diferença estatística significativa entre o índice de massa corporal (p < 0,000), o perímetro da cintura (p < 0,000), o perímetro do pescoço (p < 0,001), a razão cintura-quadril (p < 0,000), e as categorias de síndrome metabólica. Apenas uma tendência foi observada entre escore de risco de Framingham e síndrome metabólica (p < 0,078). A maioria das enfermeiras consideradas eutróficas, segundo o índice de massa corporal (95,8%), perímetro da cintura (96,8%), perímetro do pescoço (80,5%) e razão cintura-quadril (94,1%) não tinham síndrome metabólica. Também se pode observar diferença significativa entre as variáveis triacilgliceróis (p < 0,000), HDL-c (p < 0,000) e pressão arterial (p < 0,000) com as categorias de síndrome metabólica. A maioria das enfermeiras com valores normais de pressão arterial (79,3%), triacilgliceróis (81,5%) e HDL-c (82,4%) fazia parte da categoria sem síndrome metabólica (tabela 2). Tabela 2. Distribuição de parâmetros antropométricos, clínicos e bioquímicos de acordo com a presença ou ausência de síndrome metabólica na população de profissionais de enfermagem estudadas em um hospital universitário em Belém-PA Síndrome metabólica Parâmetros Presença n Ausência % n p* % Índice de massa corporal (kg/m2) 18,5 – 24,9 25 – 29,9 Igual ou superior a 30 1 10 9 4,2 33,3 60 23 20 6 95,8 66,7 40 0,000 Perímetro da cintura (cm) Inferior a 80 Igual ou superior a 80 1 19 3,2 50 30 19 96,8 50 0,000 Perímetro do pescoço (cm) Inferior a 34 Igual ou superior a 34 8 12 19,5 42,9 33 16 80,5 57,1 0,001 Razão cintura-quadril Inferior a 0,80 0,80 – 0,84 Igual ou superior a 0,85 2 9 9 5,9 56,3 47,4 32 7 10 94,1 43,8 52,6 0,000 Pressão arterial (mmHg) Inferior a 130 e inferior a 85 Igual ou superior a 130 e igual ou superior a 85 12 8 20,7 72,7 46 3 79,3 27,3 0,000 Escore de risco de Framingham (%) Inferior a 6 Igual ou superior a 6 14 6 24,6 50 43 6 75,4 50 0,078 Glicemia (mg/dL) Inferior a 100 Igual ou superior a 100 3 17 9,4 45,9 29 20 90,6 54,1 0,741 Triacilgliceróis (mg/dL) Inferior a 150 Igual ou superior a 150 10 10 18,5 71,4 44 4 81,5 28,6 0,000 LDL-c (mg/dL) Inferior a 160 Igual ou superior a 160 18 2 29,5 25 43 6 70,5 75 0,574 HDL-c (mg/dL) Igual ou superior a 50 Inferior a 50 9 11 17,6 61,1 42 7 82,4 38,9 0,000 Colesterol total (mg/dL) Inferior a 200 10 29,4 24 70,6 0,785 *Todos os valores de p foram obtidos por meio do teste t de Student, exceto para a variável escore de risco de Framingham, que foi obtido pelo teste Mann-Whitney, devido ter distribuição assimétrica de seus valores. Consideraram-se significativos os valores de p iguais ou inferiores a 0,05. 306 • Brasília Med 2013;50(4):302-311 Karla Candice Aguiar Ferreira e cols. • Síndrome metabólica em enfermeiras Na tabela 3, observa-se que houve correlação positiva entre escore de risco de Framingham e síndrome metabólica (p = 0,02), perímetro da cintura (p = 0,05), pressão arterial sistólica (p < 0,02), pressão arterial diastólica (p < 0,03) e triacilgliceróis (p = 0,03); e correlação negativa entre escore de risco de Framingham e HDL-c (p = 0,05). A variável síndrome metabólica correlacionou-se significativamente e positivamente com o índice de massa corporal (p < 0,000), perímetro do pescoço (p < 0,002) e razão cinturaquadril (p < 0,000). Tabela 3. Correlação entre a ocorrência de síndrome metabólica e o risco cardiovascular, determinado pelo escore de risco de Framingham, com parâmetros antropométricos, clínicos e bioquímicos da população de profissionais de enfermagem de um hospital universitário em Belém-PA Parâmetros Síndrome metabólica Perímetro da cintura (cm) – Pressão arterial sistólica (mmHg) – Pressão arterial diastólica (mmHg) – HDL-c (mg/dL) – Triglicerídeos (mg/dL) – Índice de massa corporal (kg/m2) Perímetro do pescoço (cm) Razão cintura-quadril Síndrome metabólica vs escore de risco de Framingham Escore de risco de Framingham r = 0,237 p = 0,05 r = 0,276 p < 0,02 r = 0,250 p < 0,03 r = -0,211 p = 0,05 r = 0,260 p = 0,03 r = 0,447 r = 0,226 p < 0,000 p = 0,05 r = 0,363 p < 0,002 r = 0,453 p < 0,000 r = 0,270 p = 0,02 – – – Não foram apresentados os valores das variáveis que não obtiveram correlação significante e das variáveis que compõem o diagnóstico da síndrome metabólica (pressão arterial sistólica e diastólica, HDL-c e triacilgliceróis). Os valores de p foram obtidos pelo teste de correlação de Spearman e foram significativos quando iguais ou superiores a 0,05. Brasília Med 2013;50(4):302-311 • 307 artigo original Na tabela 4, verifica-se a análise de variância (Anova) realizada entre a presença de síndrome metabólica e as demais variáveis do estudo. Houve diferença significante entre síndrome metabólica e as variáveis índice de massa corporal (p < 0,000), perímetro da cintura (p < 0,000), perímetro do pescoço (p < 0,001), razão cintura-quadril (p < 0,000), pressão arterial sistólica (p < 0,000), pressão arterial diastólica (p < 0,000), HDL-c (p < 0,002), triacilgliceróis (p < 0,000) e glicemia (p < 0,001). Tabela 4. Análise da variância entre síndrome metabólica (variável-dependente) e parâmetros antropométricos, clínico, bioquímicos e percentual de risco cardiovascular de amostra de enfermeiras estudadas em um hospital universitário de Belém-PA Síndrome metabólica Parâmetros F p 25,6 ± 3,9 15,959 0,000 90 ± 9 78 ± 8 30,291 0,000 35 ± 3 33 ± 2 12,742 0,001 0,84 ± 0,04 0,78 ± 0,06 16,007 0,000 130 ± 16 117 ± 10 18,466 0,000 Pressão arterial diastólica (mmHg) 82 ± 11 73 ± 8 13,511 0,000 Colesterol total (mg/dL) 198 ± 39 202 ± 47 0,075 0,785 HDL-c (mg/dL) 51 ± 11 61 ± 12 9,990 0,002 LDL-c (mg/dL) 116 ± 36 122 ± 42 0,320 0,574 Triglicerídeos (mg/dL) 154 ± 77 95 ± 42 16,768 0,000 Glicemia (mg/dL) 108 ± 13 105 ± 45 12,913 0,001 Presença Ausência 29,8 ± 4 Perímetro da cintura (cm) Perímetro do pescoço (cm) Índice de massa corporal (kg/m2) Razão cintura-quadril Pressão arterial sistólica (mmHg) Não pode ser realizada a análise de variância entre síndrome metabólica e escore de risco de Framingham, pois esta é uma variável assimétrica, quebrando a premissa de normalidade entre as variáveis exigida pelo teste paramétrico one-way Anova. Valor de p obtido por meio do teste one-way Anova e significativo quando ≤ 0,05. DISCUSSÃO Neste estudo, foram avaliadas apenas mulheres, profissionais de enfermagem, atuantes em área clínica hospitalar. Como pode ser observado, trabalhadoras de enfermagem constituem uma categoria essencialmente feminina como comprovam outras pesquisas realizadas no Brasil. Dados publicados pelo Ministério do Trabalho e Emprego indicam que as mulheres representam 73% dos empregos formais da área da saúde.22 Pode-se verificar que houve associação significante entre as variáveis antropométricas analisadas e a presença de síndrome metabólica. À medida que houve aumento do índice de massa corporal, 308 • Brasília Med 2013;50(4):302-311 perímetro da cintura, perímetro do pescoço e escore de risco de Framingham, o percentual de enfermeiras com síndrome metabólica se elevou. A síndrome metabólica corresponde a um grupo de fatores de risco inter-relacionados, de origem metabólica.23 É um transtorno complexo e a sua causa ainda não é totalmente conhecida, bem como todos os mecanismos de sua fisiopatologia. Contudo, é consensual que sua patogênese é multifatorial e seu desenvolvimento, dependente de uma complexa interação entre fatores metabólicos, genéticos e ambientais.24,25 Além de permitir a avaliação de risco de eventos cardíacos, o escore de risco de Framingham também é de grande importância em caracterizar a Karla Candice Aguiar Ferreira e cols. • Síndrome metabólica em enfermeiras síndrome metabólica, cujo termo descreve uma série de alterações que se manifestam em um indivíduo e ainda aumentam as possibilidades de desenvolvimento de doenças cardíacas. É descrito que a associação entre obesidade e doenças cardiovasculares se mostra mais forte e mais frequente quando a obesidade predomina na região abdominal.26 Após ajuste para índice de massa corporal, idade e escolaridade, encontrou-se que mulheres com diabetes tipo 2, não insulino-dependentes, tinham 4,6 mais chances de estarem nos percentis mais altos de razão cintura-quadril, do que quando comparadas aos menores percentis.27 O índice de massa corporal, a razão cintura-quadril e o perímetro da cintura são preditores fortes e independentes para o diabetes tipo 2 em mulheres norte-americanas. A aferição do índice de massa corporal e do perímetro da cintura (com razão cintura-quadril ou não) são ferramentas de grande utilidade para os profissionais de saúde da área clínica utilizarem como instrumentos para prevenir ou reduzir o risco de diabetes tipo 2 em pacientes.28 Pode-se observar associação significante entre as variáveis triacilgliceróis, glicemia, HDL-c e pressão arterial com a presença de síndrome metabólica. Observou-se aumento do percentual de enfermeiras com síndrome metabólica à medida que se elevaram os valores das variáveis triacilgliceróis, glicemia e pressão arterial. O inverso pode ser verificado na dosagem de HDL-c, pois no grupo de mulheres com síndrome metabólica foram mais frequentes baixas taxas dessa lipoproteína. No grupo de enfermeiras sem síndrome metabólica, verificase maior percentual destas nas faixas desejáveis das variáveis. Quanto ao colesterol total e LDL-c, houve equilíbrio entre as categorias de síndrome metabólica, o que corrobora outro estudo,29 o qual destaca que o perfil lipídico clássico da síndrome metabólica se caracteriza por dislipidemia, com elevação dos níveis de colesterol total, triglicerídeos e LDL-c, bem como redução do HDL-c, condições essas que se somam aos demais componentes para determinar risco cardiovascular elevado. Houve correlação significante entre as variáveis: escore de risco de Framingham com perímetro da cintura, pressão arterial sistólica, pressão arterial diastólica, triacilgliceróis e síndrome metabólica; e síndrome metabólica com índice de massa corporal, perímetro do pescoço e razão cinturaquadril. Mostrou-se forte correlação entre o perímetro do pescoço e o índice de massa corporal, perímetro da cintura, razão cintura-quadril, triacilgliceróis, LDL-c, colesterol total e glicemia.16 Sabese que os elementos que definem a ocorrência de síndrome metabólica são perímetro da cintura, glicemia de jejum, pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica, triacilgliceróis e colesterol total.30 Portanto, a contribuição deste artigo, segundo os autores, é a indicação de associação entre a medida do perímetro do pescoço com os fatores da síndrome metabólica. Outros autores31 mostraram que o perímetro da cintura correlacionou-se significativamente com uma série de fatores de risco (r = 0,24, p < 0,0001), escore de risco de Framingham (r = 0,24, p < 0,001), doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. A síndrome metabólica é um fenômeno de crescente preocupação em todo o mundo, tendo em vista que os portadores dessa síndrome trazem achados clínicos e laboratoriais que são fortes preditores de agravos à saúde, particularmente doenças cardiovasculares. Apesar da existência de componentes bem definidos para o seu diagnóstico, a presença de fatores causais diversos para o desenvolvimento da síndrome metabólica torna a comparação de prevalência entre diferentes populações relativamente complicada, já que, em populações específicas, componentes distintos podem permear a presença dessa síndrome.9. Apesar de a amostra estudada neste trabalho ser pequena e composta exclusivamente de mulheres, ela retrata a situação de saúde de enfermeiras atuantes em importante hospital universitário em Belém-PA. Somada à necessidade de realização de mais estudos acerca da ocorrência de síndrome metabólica na população brasileira, os achados deste estudo constituem referência relevante para outros estudos que venham a ser conduzidos em contextos diferentes ou semelhantes. Outrossim, torna-se referencial importante para a determinação da incidência da síndrome metabólica em Brasília Med 2013;50(4):302-311 • 309 artigo original profissionais de enfermagem, atuantes na área clínica hospitalar, no município estudado. Portanto, por meio da análise de variância executada, verifica-se a presença de diferença estatística significante entre síndrome metabólica e as variáveis antropométricas (índice de massa corporal, perímetro da cintura, perímetro do pescoço e razão cintura-quadril), clínicas (pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica) e bioquímicas (HDL-c, triacilgliceróis e glicemia). O grupo de enfermeiras com síndrome metabólica apresentou o pior perfil de saúde, pois grande maioria das variáveis apresentou valores médios acima dos parâmetros de normalidade entre as enfermeiras dessa categoria. Exceto o HDL-c, cujo valor médio foi maior no grupo de enfermeiras sem síndrome metabólica. Sabe-se que a obesidade central associa-se com resistência à insulina e à síndrome metabólica. A obesidade contribui para hipertensão, níveis elevados de colesterol total, baixo HDL-c e hiperglicemia, e isso está associado de forma independente com elevado risco cardiovascular.28,32 O perímetro do pescoço é correlacionado positivamente com fatores da síndrome metabólica e, portanto, sua elevação está associada ao aumento do risco de doença cardíaca coronariana.16 O risco de sérias consequências à saúde advindas da presença de diabetes tipo 2, doença arterial coronariana e outras várias condições crônicas, tem mostrado elevação com o aumento do índice de massa corporal. Contudo, o acúmulo de tecido adiposo na região abdominal, aferido pelo perímetro da cintura, é um melhor dado indicativo de síndrome metabólica do que o índice de massa corporal.33,34 Diante deste contexto, os resultados obtidos no presente estudo mostram o elenco de fatores de risco que podem acometer o indivíduo com doença crônica não transmissível e chamam à atenção a severidade da síndrome metabólica, principalmente quando se trata de um grupo de indivíduos que já apresentam risco elevado, como é o caso de pacientes com doença crônica não transmissível, bem como para a necessidade de atenção aos indivíduos nessa faixa etária, a fim de evitar futuros agravos à saúde. Assim, enfatiza-se a importância 310 • Brasília Med 2013;50(4):302-311 do diagnóstico precoce de síndrome metabólica, pois quando é alcançado, causas e fatores, isolados ou associados, podem ser corrigidos e, assim, contribuir para prevenção e redução da ocorrência de doença cardiovascular posteriormente. 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