ESTUDANTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS NO CONTEXTO UNIVERSITÁRIO PIECZKOWSKI,* Tania Mara Zancanaro - Unochapecó [email protected] Resumo O texto apresentado fundamenta uma pesquisa em andamento que visa a analisar os limites e possibilidades do processo de inclusão de universitários com necessidades especiais deficiências, na percepção dos próprios estudantes. A pesquisa, de caráter qualitativo, caracteriza-se como um estudo de caso, envolvendo 19 estudantes com necessidades especiais vinculados à Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó). O critério para a eleição dos sujeitos da pesquisa é a própria identificação no Atento (Programa de atendimento ao estudante) e SERCA (Secretaria acadêmica). Partir-se-á de entrevistas semi-estruturadas, gravadas e transcritas na íntegra pela pesquisadora. Os dados coletados serão organizados em categorias e examinados com base na análise de conteúdo de Laurence Bardin. O estudo proposto apresenta como suporte teórico a psicologia histórico-cultural, com ênfase nas contribuições de Vygotsky. Pode-se afirmar que a inclusão de estudantes com necessidades especiais é um tema que tem ocupado crescente espaço nos debates educacionais. Educação inclusiva significa assegurar a todos estudantes a igualdade de oportunidades educacionais e trata-se de direitos humanos, mundialmente divulgados. As propostas de educação inclusiva têm se voltado mais especificamente à educação básica e poucas discussões têm acontecido no âmbito do ensino superior, o que instiga a investigar esta temática. Constata-se que o acesso ao ensino superior tem se democratizado nos últimos anos, especialmente para as classes populares e também para as pessoas com necessidades especiais. Ao mesmo tempo em que isso deve ser comemorado, pois representa maior democratização de acesso ao ensino superior, cria novas demandas, ou seja, necessidades de capacitação do corpo docente para atuar com a diversidade e a necessidade de oferta de apoio pedagógico para estudantes com deficiências no processo de aprendizagem (considerando questões sociais, culturais, econômicas que interferiram no acesso adequado à escolarização) ou quadros reais de deficiência, seja física, auditiva, visual ou mental. Palavras-chave: Estudantes com Necessidades Especiais; Deficiências; Inclusão no Ensino Superior. Refletir sobre a inclusão de estudantes com necessidades especiais no ensino superior remete à trajetória da democratização do ensino, desde a educação infantil à educação superior, especialmente no que tange à educação especial. Ao longo da história, pessoas com * Professora do Centro de Ciências da Educação – Unochapecó - nas disciplinas de Psicologia da Educação; Psicologia do Desenvolvimento Infantil; Fundamentos da Educação Especial; Estimulação Essencial e Estágios. Coordenadora do Curso de Pedagogia – Regime Especial no período de 2003 a 2006; Coordenadora do NAPNúcleo de Apoio Pedagógico da Unochapecó - no período de 2005 até a presente data; Especialista em Educação Especial pela Unoesc –Campus Chapecó; Mestre em Educação pela UPF – Universidade de Passo Fundo - RS; Pesquisadora do Grupo de pesquisa “Abordagens do processo educativo 4096 deficiências viveram situações de exclusão escolar, seja na escola básica ou, de forma ainda mais intensa, no ensino superior. Estudos acerca da inclusão de pessoas com necessidades especiais na educação básica se intensificaram, especialmente nas últimas duas décadas; porém, na educação superior, este debate ainda é insipiente. O amparo ao ingresso de estudantes com deficiências no ensino superior brasileiro aconteceu, principalmente, a partir da década de 1990. Uma das primeiras iniciativas por parte do Ministério de Estado da Educação e do Desporto é referente à Portaria nº 1.793 de dezembro de 1994. Em seu art. 1º menciona a inclusão da disciplina “aspectos ético-políticos educacionais da normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais”, prioritariamente nos cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as licenciaturas. Em seu art. 2º recomenda: [...] a inclusão de conteúdos relativos aos aspectos éticos, políticos, educacionais da normalização e integração da pessoa portadora de necessidades especiais nos cursos do grupo de ciências da saúde (educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, nutrição, odontologia, terapia ocupacional), no curso de serviço social e demais cursos superiores, de acordo com suas especificidades. Em seu art. 3º, essa Portaria recomenda a “manutenção e expansão de estudos adicionais, cursos de graduação e de especialização já organizados para as diversas áreas da Educação Especial”. Chacon (2001), em seu estudo de doutorado em Educação, analisou as grades curriculares dos cursos de Pedagogia e Psicologia das universidades federais de todo o Brasil e das estaduais e particulares dos estados de São Paulo e Mato Grosso, com vistas a identificar a resposta das universidades brasileiras à referida portaria. Observou que, dos 58 cursos pesquisados, apenas 13 apresentaram alterações, totalizando um índice de 22,5% do número de cursos analisados. Através do aviso circular nº 277/MEC/GM de maio de 1996, o MEC encaminha às reitorias de IES (Instituições de Ensino Superior) sugestões que visam a facilitar o acesso dos portadores de deficiência ao terceiro grau. A referida circular sugere encaminhamentos para o processo de ingresso, sobretudo no concurso vestibular e alerta para que as IES flexibilizem os serviços educacionais, promovam adequações na infra-estrutura, na capacitação de recursos humanos visando à permanência e à qualificação do processo para estudantes com necessidades especiais. Posteriormente, a Portaria nº 1.679, de 2 de dezembro de 1999, dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências para instruir os processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições. Convém 4097 mencionar que essa Portaria recentemente foi revogada, dando lugar à Portaria MEC/GM nº 3.284 de 07 de novembro de 2003, que mantém os mesmos termos. Em decorrência deste encaminhamento, muitas universidades se mobilizaram com vistas a fazer as adequações necessárias. Observa-se a adequação de calçadas, de sanitários, instalação de elevadores, aquisição de equipamentos para pessoas cegas, contratação de intérpretes para a língua de sinais, entre outras medidas de inclusão. Para Moreira (2005, p. 41), apesar de verificarmos avanços no ingresso de estudantes com necessidades especiais na universidade, a inclusão plena ainda não acontece. Não existem dados oficiais por parte dos censos educacionais de alunos com deficiência no ensino superior, e a maioria das universidades não registra sistematicamente o ingresso e a permanência desse alunado, nem possui serviços de apoio a esses estudantes. Afirma, também, que “a falta de dados oficiais impossibilita, portanto, precisar e até mesmo chegar a indicativos mais concretos sobre sua situação educacional no Brasil” (MOREIRA, 2005, p. 41). Convém mencionar, também, a Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, que institui diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores na educação básica, no nível superior, curso de licenciatura de graduação plena. Em seu art. 6º, § 3º, ao mencionar a construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes, recomenda a inserção de questões culturais, sociais e econômicas e aspectos do desenvolvimento humano, contemplando: II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e a das comunidades indígenas. Esse dispositivo legal influenciou a organização dos Projetos Políticos Pedagógicos de diversos cursos de graduação, dentre os quais os da Unochapecó, que inseriram em suas matrizes curriculares discussões referentes à educação de pessoas com deficiência, seja em forma de disciplinas ou de seminários. Embora a maioria das discussões não tenham a carga horária necessária para abordar uma temática tão ampla, possibilitam a sensibilização dos estudantes que freqüentemente afirmam nunca terem pensado na possibilidade de se deparar com futuros alunos que apresentam necessidades especiais. Se considerarmos o dados estatísticos acerca do número de pessoas com deficiência, veremos o quanto essa convivência é comum, o que nos faz pensar em como é contraditório o fato de muitos professores alegarem despreparo para atuar com tais pessoas. 4098 Segundo Carvalho (2000), referindo-se ao contexto da escola básica, a mudança de paradigma para a escola inclusiva, que deve atender a todos os alunos independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas e outras, tem causado muita polêmica. Essa polêmica se intensifica diante do argumento de que a presença de estudantes com deficiência nas turmas regulares beneficia a todos os demais, pois tais estudantes incluídos poderão provocar, em seus professores, mudanças metodológicas e organizativas da sala de aula e enriquecer o ambiente de aprendizagem. A autora segue dizendo que a reação dos educadores à inclusão de educandos com necessidades especiais é variada: alguns reagem com temor, outros com tolerância, e outros ainda com rejeição. De acordo com Mantoan (apud SIQUEIRA, 2003, p. 5), “todo professor, como qualquer profissional, topa com a diferença e diante dela tem que buscar seus recursos. Você é advogada e se depara com um caso que nunca viu, o que você faz? Diz que não vai atender? Pede para você esperar fazer um curso primeiro?” O que se entende por “estar preparado?” E a escola básica ou a universidade como se preparam? Elas não são instâncias abstratas, mas espaços físicos concretos, com pessoas concretas, construídos de ações concretas, das pequenas até as de proporções maiores, e possuem políticas educacionais, explícitas ou não. Cunha (2005, p. 100) alerta para “as conseqüências da universalização do ensino e da deslegitimização da escola/universidade como depositária do saber sistematizado” em decorrência da proletarização dos quadros do magistério.”O olhar sobre essa proletarização torna possível entender a perversidade do sistema social na sua capacidade de exclusão (CUNHA, 2005, p. 101). Ou seja, a exclusão se aplica a ampla parcela da população e ainda mais às pessoas com necessidades especiais, e dessa forma, é compreensível que professores sintam inquietação na busca da sua profissionalidade. Cunha (2005, p. 101) entende a concepção de profissionalidade mais adequada do que a de profissão. Afirma que “o exercício da docência nunca é estático e permanente; é sempre processo, é mudança, é movimento, é arte; são novas caras, novas experiências, novo contexto, novo tempo, novo lugar, novas informações, novos sentimentos, novas interações”. Ressalata, também, que a concepção de profissionalidade, [...] contraria a histórica premissa construída para o trabalho do professor, materializada na idéia de que a função docente resume-se em ensinar um corpo de conhecimentos estabelecidos e legitimados pela ciência e cultura, especialmente pelo valor intrínseco que os mesmos representam. Para esta perspectiva a erudição seria a qualidade mais reconhecida no docente que representaria um depositário do saber cuja a palavra estaria pré-ungida de legitimização. O elemento fundante do ensino, nesta perspectiva, é a lógica organizacional do conteúdo a ser ensinado, suas partes e pré-requisitos, sem maiores preocupações com os sujeitos da aprendizagem e o contexto em que deveria acontecer. O conhecimento, tido como puro reflexo dos 4099 objetos se organiza sem a mediação dos sujeitos. Para tal profissionalidade, as características do trabalho docente, também advinham da lógica e da neutralidade: segurança, erudição, metodologia da demonstração, parâmetros únicos de avaliação, disciplina silenciadora dos estudantes, etc (CUNHA, 2005, p. 101). Porém, diante dos estudantes com algum tipo de deficiência o professor é solicitado a superar o paradigma positivista. Necessário se faz perceber que para dar iguais condições de aprendizagem e desenvolvimento a esses estudantes é preciso oportunizar recursos educacionais e metodologias distintas, prever temporalidade diferenciada e rever a concepção e a prática avaliativa. Concordo com Amaral (1994, p. 71) ao dizer que as pessoas com necessidades especiais não formam um gueto, “um grupo à parte da população em geral.” São diferentes entre si e, existindo a diferença, é necessário estar atento à singularidade de cada pessoa. “Os profissionais que atuam com tais pessoas também não constituem um grupo homogêneo, nem como profissionais, nem como pessoas” (AMARAL, 1994, p. 72). Por isso, alguns abraçam com entusiasmo a tarefa de educá-los, e outros sentem-se penalizados. Veiga-Neto (2001, p. 107) afirma que a diferença incomoda e que o conceito e o uso da norma são entendidos como forma de dominação. O autor faz referência à diferença “como aquilo que contamina a pretensa pureza, a suposta ordem, a presumida perfeição do mundo.” Diz, também, que a diferença é pensada como “uma mancha no mundo, na medida em que os diferentes teimam em não se manterem dentro dos limites nítidos, precisos, com os quais o Iluminismo sonhou geometrizar o mundo” (VEIGA-NETO, p. 107-108). Carvalho (2000, p. 77) reforça a idéia do autor citado ao afirmar que “o atípico incomoda, gera desconforto, na medida em que pouco se sabe a respeito do porquê alguns são ‘mais diferentes’ do que seus pares e, em decorrência, o quê fazer com eles, em sala de aula.” Atualmente, a universidade passa por grandes transformações, mas, apesar disso, é inegável que a universidade brasileira seja um espaço que historicamente lida com a exclusão. O ingresso, especialmente nas universidades pagas pelo estudante, está facilitado. As vagas no ensino superior aumentaram nos últimos anos, embora ainda não contemplem a demanda existente. Muitos estudantes em idade de freqüentar a universidade continuam excluídos, tenham eles deficiências ou não. Se quisermos refletir a realidade local, basta dialogar com estudantes do ensino médio em escolas públicas da periferia, estudantes que não apresentam deficiências, para constatar que o ensino superior é, para muitos, algo em que nem ousam sonhar. Para outros, mesmo após a conquista do ingresso, começa a maior batalha, ou seja, 4100 permanecer nas universidades pagas quando não são contemplados com bolsas de estudo ou quando os percentuais das bolsas são insuficientes em relação às suas condições econômicas. Engers e Morosini (2006, p. 538) apontam dados da Educação Superior brasileira que denunciam a exclusão. Revelam que “de uma população de 24.072.318 jovens entre os 18 e 24 anos, estão matriculados neste nível 4.163.733, o que representa uma taxa de escolarização superior bruta de 17,3%. Como dado comparativo pode-se apontar a taxa dos Estados Unidos em torno de 73%”. Atualmente, está em debate o caráter público, privado e comunitário da IES (Instituições de Ensino Superior). A Unochapecó caracteriza-se como uma instituição comunitária, quer dizer, a iniciativa de sua criação não surgiu da esfera pública, não é mantida pelo estado e seu patrimônio pertence à comunidade. A definição do que seja uma universidade comunitária ainda é motivo de discussões, seja entre docentes, seja entre acadêmicos. O artigo 20 da LDB/96, ao definir as instituições privadas de ensino, considera como comunitárias “as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e alunos que incluam em sua entidade mantenedora representantes da comunidade.” Um esforço para melhor conceituar as universidades comunitárias, que permite apontar diferenças fundamentais com outras categorias de organização do ensino superior, consta no documento das “Universidades Públicas Não-Estatais, Comunitárias-Fundacionais”, produzido em Passo Fundo em 1998, por ocasião de uma reunião dos reitores integrantes do Comung – Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (apud FRANTZ, 2004). Valter Frantz subsidiou as discussões do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional da Unochapecó), em 14/10/2004. Segundo o documento do Comung, apesentado por Frantz nessa ocasião: e) As atividades de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidas por essas instituições, têm uma vinculação privilegiada com a comunidade regional, destacando-se projetos ligados à promoção humana e social de segmentos excluídos ou de camadas da população de menos poder aquisitivo: menores, idosos, deficientes, analfabetos, moradores de periferia, pequenos agricultores, indígenas, doentes, presidiários etc. Como se pode observar, as universidades comunitárias têm como princípio a educação inclusiva. Mas como garantir esse princípio em uma sociedade marcadamente excludente? Afirma Buarque que a universidade ainda representa patrimônio intelectual, independência política e crítica social. “Graças a essas características, a universidade é a 4101 instituição mais bem preparada para reorientar o futuro da humanidade” (BUARQUE, 2003, p. 22). Porém, a formação universitária que há algum tempo representava uma segurança para o sucesso profissional “é, na melhor das hipóteses, um colete salva-vidas a ser usado no conturbado mar em que se chocam as ondas do neo-liberalismo, da revolução científicotecnológica e da globalização” (p. 25-26). Portanto, a exclusão social é uma realidade até mesmo para os estudantes que têm acesso à educação superior, o que dizer então dos que não chegam a ela ou, mesmo inseridos em instituições de ensino superior, não estão incluídos de fato? A exclusão histórica de uma parcela da população no ensino superior, nos últimos anos, deixa de ser naturalizada. Essa polêmica se torna mais intensa com a presença de estudantes com deficiência, pois neles a diferença “se mostra” de forma mais explícita. Como fomentar a discussão sobre a inclusão de estudantes com deficiências no contexto das IES? Não há dúvida de que os desafios são muitos, especialmente nas universidades comunitárias, nas quais o estudante paga pelo seu curso. O respeito à temporalidade própria, um dos princípios da educação inclusiva, pode tornar-se um fator de punição ao estudante que necessita de tempo maior para apropriar-se de conhecimentos, ou seja, mais tempo implica maior investimento financeiro. Essa lógica de colocar “a culpa no sujeito” pela própria deficiência é própria do conceito de integração, cabendo a ele, individualmente, adequar-se às estruturas existentes. Já, na lógica da inclusão, cabe à instituição organizar-se de forma que todos os estudantes, com ou sem deficiências, possam beneficiar-se do processo educacional. Na retórica, a inclusão parece simples, porém, sua aplicabilidade impõe desafios. Muitas perguntas podem ser lançadas: Como capacitar os docentes do ensino superior para atuar com alunos com deficiências? Como não penalizar os estudantes com deficiências pela falta de adequação institucional? Como superar barreiras arquitetônicas, atitudinais e de comunicação? Como preencher lacunas na formação de estudantes com necessidades especiais que ingressam na universidade, destacando-se o não-domínio da língua de sinais para surdos, déficit nas habilidades de leitura, escrita, interpretação de textos, cálculo entre outras habilidades básicas? Onde buscar os recursos necessários, seja humanos, seja de equipamentos? Como adequar os currículos para ensinar a todos os estudantes? Como tornar inclusiva a educação superior? Thoma (2006) pesquisou sobre alunos com distintas demandas (necessidades especiais) de acessibilidade no ensino superior em dez universidades do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung). O objetivo da pesquisa foi mapear acadêmicos em situação de inclusão, analisar e problematizar as representações e discursos 4102 sobre os sujeitos incluídos. Ao analisar discursos e representações sobre as alteridades deficientes e, com base nos Estudos Culturais pós-estruturalistas, a autora identificou diferentes categorias de discursos: clínico-patológicos, pedagógicos, psicológicos, lingüísticos, religiosos, estatísticos e jurídicos. Concluiu a autora que as instituições e os docentes necessitam, além de uma postura de aceitação das diferenças, “conhecimentos técnicos para saber trabalhar com aquelas relacionadas às necessidades educacionais especiais decorrentes de problemas de aprendizagem, de deficiências mentais, físicas ou sensoriais, de altas habilidades, de síndromes, condutas típicas e outras.” (Thoma, 2006, p. 16). Afirma, também, que as reformas legais não têm sido suficientes para garantir a acessibilidade aos bens e serviços disponíveis na sociedade, pois as representações sociais sobre a deficiência continuam cristalizadas, enfocando aquilo que falta às pessoas deficientes, na lógica da negação do direito de ser diferente. Estes, entre outros estudos, reafirmam minha convicção de que é necessário provocar o debate sobre a estruturação das instituições educacionais e perceber que a exclusão não atinge minorias, pois se somarmos as minorias veremos que a ampla maioria é, de alguma forma, excluída do sistema educacional e da sociedade, por influência de diferentes fatores. A presença de estudantes com deficiência na universidade fomenta a reflexão de como acontece a aprendizagem, uma vez que permite o confronto com especificidades na forma de aprender, implicando, igualmente, especificidades na forma de ensinar. Vygotsky (1989) realizou estudos sobre questões que ainda hoje estão presentes no cotidiano da educação de sujeitos que apresentam deficiências, alertando para a tendência de se ver a pessoa com necessidades especiais a partir dos aspectos da deficiência. O autor considera o desenvolvimento da pessoa com deficiência com base em pressupostos gerais que orientam a sua concepção de desenvolvimento humano. Defende que elas têm um desenvolvimento diferenciado dos sujeitos tidos como “normais”, não que sejam “menos desenvolvidas”. Segundo o autor, “el niño, cuyo desarrollo se ha complicado por un defecto, no es sencillamente menos desarrollado que sus coetáneos normales, es un niño, pero desarrollado de otro modo.” (VYGOTSKY, 1989, p. 3). Portanto, a deficiência não deve ser vista como uma insuficiência, mas como uma organização peculiar. Outro conceito central na teoria vygotskiana a necessidade da mediação semiótica no desenvolvimento humano. No dizer de Beyer (2005, p. 79): Vygotski sempre entendeu que o desenvolvimento humano seria um vetor resultante de duas principais linhas genéticas, a biológica, por um lado, e a social, por outro. Entendia que o ser humano encontrava-se acabado no que tange à linha biológica ou orgânica, particularmente o cérebro, com todas as condições estruturais para 4103 alcançar os níveis mais elevados de desempenho mental. O ponto crucial e de definição seria a linha social, isto é, como, com que qualidade, com que histórico individual, ocorreria a influência da esfera social no desenvolvimento individual (ou como o fator social interferiria no desenvolvimento ontogenético). Os pressupostos Vygotskyanos apontam para a importância das interações sociais, um dos fundamentos da educação inclusiva. Com o presente estudo busca-se conhecer e analisar como acontecem as interações de estudantes com necessidades especiais/deficiências Unochapecó, identificando, conseqüentemente, como acontece o processo de inclusão. Para responder ao problema que se coloca, destacam-se algumas questões de pesquisa, entre as quais: Que medidas adotadas pela instituição são apresentadas por educandos com necessidades especiais, matriculados, na Unochapecó como sendo inclusivas? Que barreiras à inclusão são apresentadas por educandos com necessidades especiais? Que atitudes docentes são apontadas pelos universitários com necessidades especiais como inclusivas? O que sugerem universitários com necessidades especiais como posturas institucionais de inclusão? É com o propósito de ouvir os sujeitos dessa pesquisa que se pretende sinalizar caminhos para a inclusão. REFERÊNCIAS AMARAL, Lígia Assunção. Pensar a diferença / deficiência. Brasília: Corde, 1994. _____. Ministério da Educação. Portaria nº 1.793, de dezembro de 1994. 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