CULTURA: ENLACES CONTEMPORÂNEOS Paulo Miguez Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos (IHAC) Universidade Federal da Bahia (UFBA) [email protected] o que estamos chamando de CONTEMPORANEIDADE antes mundo era pequeno porque terra era grande hoje o mundo é muito grande porque terra é pequena do tamanho da antena parabolicamará (Parabolicamará, de Gilberto Gil, 1991) CULTURA OCUPA UM LUGAR SINGULAR E RELEVANTE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO embalando promessas … “...el mundo en este siglo se constituirá no en torno a lo geopolítico, ni a lo geoeconómico, sino principalmente en torno a lo geocultural” (Pensamento Renovado de Integração – Conv. Andrés Bello, 2002) mobilizando ameaças … “... a fonte fundamental de conflitos neste mundo novo não será principalmente ideológica ou econômica. As grandes divisões entre a humanidade e a fonte dominante de conflitos será cultural” (Samuel Huntington) atestando a centralidade da cultura na contemporaneidade questão-chave TRANSVERSALIDADE a cultura transborda as fronteiras do campo cultural propriamente dito e alcança outras dimensões societárias estabelecendo enlaces e constituindo conjunções a transversalidade e seus enlaces politização da cultura disputa pela hegemonia (direção intelectual/moral) disputa de visões de mundo disputas culturais culturalização da política incorporação de demandas político-sociais com teor cultural: ecologia; gênero; orientação sexual; modos de vida; estilos de sociabilidade e comportamentos; diferenças étnicas, religiosas e nacionais; diversidade cultural; etc. tecnologização da cultura a reprodução técnica de textos / imagens / sons e as novas formas culturais (fotografia, cinema, etc.) aplicação da tecnologia industrial à produção de bens simbólico-culturais: cultura produzida industrialmente (reproduzida em série mesmo quando não submetida a uma lógica de indústria cultural) emergência da CULTURA MIDIATIZADA emergência da CIBERCULTURA reterritorializações da cultura emergência dos espaços culturais macro-regionais (ibérico, francófono, anglófono, lusófono, etc.) ampliação dos fluxos migratórios (circulação / hibridização de estilos de vida e de formas culturais) enlace-chave (I) CULTURA / ECONOMIA mercantilização da cultura da economia das artes (séc. XIX) à economia da cultura & economia criativa o mercado global de bens e serviços simbólico-culturais etapas da mercantilização da cultura: lógica do capital adentra o universo dos bens simbólicos momento 1 rev. industrial séc. XVIII momento 2 a partir de meados do séc. XIX esfera da circulação dos bens simbólico-culturais esfera da produção dos bens simbólico-culturais INDÚSTRIA CULTURAL lógica mercantil inerente ao modo de produção capitalista X lógica inerente à criação cultural (Adorno & Horkheimer) Economia Criativa Indústrias Culturais (setores clássicos) Indústrias Criativas (ampliação do campo) Economia da Cultura ___ CULTURA enlace-chave (II) CULTURA / ECONOMIA culturalização da mercadoria secundarização dos aspectos estritamente físico-técnicos crescente papel de elementos simbólicos na determinação do valor das mercadorias (design, marca, etc.) sinalizando o enlace-chave a agenda contemporânea OMC (anos 1990) GATT (“Rodada Uruguai” ) / debate “exceção cultural”: retirada dos serviços audiovisuais da alçada dos acordos de livre comércio e homologação do direito dos países à implementação de políticas nacionais de fomento à produção audiovisual Banco Mundial (1998-99) Seminários (Washington e Florença): “a cultura como catalisadora do desenvolvimento” (James D. Wolfensohn) PNUD (2004) Relatório do Desenvolvimento Humano adotou como tema “Liberdade Cultural num Mundo Diversificado” UNCTAD (2004) XI Conferência (SP) discute a questão das indústrias criativas e sugere a criação do Centro Internacional de Economia Criativa, no Brasil OMPI (2004) início do debate sobre a “Agenda para o Desenvolvimento” BID (2005) criação da Inter-American Culture and Development Foundation BNDES (2005-06) criação do Departamento de Economia da Cultura lançamento do PROCULT - Programa de Apoio à Cadeia Produtiva do Audiovisual “as batalhas da economia serão travadas no campo da CULTURA” Jack Lang experimentos no âmbito das políticas públicas governamentais no campo de ação de agências e organizações da sociedade civil ambiente acadêmico crescimento do número estudos e pesquisas Frederic Jameson cultura se transformou na própria lógica do “capitalismo contemporâneo” David Harvey singularidades culturais de uma região ou de um produto são o componente fundamental à formação do “rendimento monopólico” contemporâneo Antonio Negri e Giuseppe Cuocco capitalismo cognitivo “a cultura não tem só um expressivo peso econômico”, é a própria “economia como um todo [que] depende cada vez mais, em seu conjunto, das dimensões culturais” ampliando o enlace na perspectiva de uma CONJUNÇÃO CULTURA E DESENVOLVIMENTO George Yúdice CULTURA COMO RECURSO . para promover a inclusão social, . para requalificar centros urbanos, . para estimular a geração de emprego e renda, etc. RECURSO PARA ATIVAR POLÍTICAS QUE SE OCUPAM DO DESENVOLVIMENTO o que estamos chamando de CULTURA ① dilema como conciliar UNIDADE BIOLÓGICA & DIVERSIDADE CULTURAL da espécie humana? ② problema ALTERIDADE outro / o diferente “na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra” Montaigne (1533-1572 hierarquização exclusão ③ uma saída CULTURA instrumento para compreender as diferenças entre os homens e as sociedades não decorrem da RAÇA não decorrem do MEIO GEOGRÁFICO decorrem de diferentes configurações ou relações que cada sociedade estabelece ao longo de sua história ④ polissemia cultura x natureza cultura x arte senso comum x categoria intelectual • E. Tylor (1871) – definição pioneira • A. Krober (1952) – 50 definições • A. Moles (1972) +100 definições CULTURA “a multiplicidade das definições [de cultura] acompanha a diversidade dos interesses institucionais ou disciplinares” (Sodré, 1988, p.43) “uma das três palavras mais complexas da nossa língua” (Williams, 2000, p.87) ⑤ consensos a percepção de que a cultura não resulta de capacidades e atributos herdados biologicamente (recusa do DETERMINISMO BIOLÓGICO); a percepção de que a cultura não é condicionada por fatores geográficos uma vez que a cultura age seletivamente e não casualmente sobre o meio ambiente (recusa do DETERMINISMO GEOGRÁFICO); a compreensão, em conseqüência, de que a cultura é uma construção HISTÓRICA – que decorre da história das relações entre os grupos sociais; a percepção de que a cultura tem uma natureza DINÂMICA, MUTÁVEL e PLURAL; a percepção de que a cultura, enquanto conjunto dinâmico, mutável e plural, é aprendida e difundida socialmente – ou seja, culturas são carregadas de códigos e convenções socialmente transmitidos; a compreensão de que a pluralidade e a diversidade de culturas não se compadecem de lógicas hierarquizantes – segundo as quais existiriam culturas superiores e inferiores; e a compreensão de que a cultura diz respeito a mentefatos (idéias, valores) & artefatos. ⑥ compreensão CULTURA dimensão ampliada (antropológica) • interação social cotidiana • usina de signos e símbolos • sentidos, artefatos, mentefatos dimensão restrita CAMPO da CULTURA âmbito especializado (Bourdieu) o que estamos chamando de DESENVOLVIMENTO marcos remotos antiguidade clássica desenvolvimento modernidade a idéia iluminista de progresso natureza & espírito marcos modernos aplicação, pela ONU, na Ásia, África e América Latina, das teorias & políticas elaboradas para a reconstrução dos países ocupados durante a II Guerra Mundial capitalismo & socialismo: diagnósticos semelhantes sobre países periféricos o modelo: receituário economicista fé nas virtudes do mimetismo processo exógeno referências retóricas aos aspectos não-econômicos do desenvolvimento críticas isoladas (Myrdal, etc.) anos 1970 a consciência do desastre ambiental Nova Ordem Econômica Internacional (“Que Fazer”, ONU, 1975) DESENVOLVIMENTO a noção de sustentabilidade ambiental eco-desenvolvimento CAPITAL NATURAL endógeno (ñ mimético) auto-confiante e autônomo (ñ dependente) lógica das necessidades (ñ do mercado) harmonia com a natureza aberto aos câmbios institucionais anos 1990 a ampliação / requalificação do conceito de sustentabilidade incorporação da sociedade civil organizada imbricação desenvolvimento / universalização e efetivação das três gerações de Direitos Humanos • Direitos políticos, civis e cívicos • Direitos econômicos, sociais e culturais • Direitos coletivos (meio ambiente, infância, etc.) os debates sobre a “exceção cultural” na OMC papel das agencias multilaterais (BM, BID, Sistema ONU) que passam a reconhecer a importância da cultura para o desenvolvimento noção de sustentabilidade incorpora o CAPITAL CULTURAL uma analogia necessária CAPITAL NATURAL legado dos processos criativos da natureza (recursos naturais renováveis e não-renováveis) CAPITAL CULTURAL Provem do legado dos processos criativos da ação humana (recursos naturais renováveis e não-renováveis) conectando a conjunção CULTURA POLÍTICAS DESENVOLVIMENTO conjunto de intervenções práticas capaz de articular múltiplos saberes e atores explorando a conjunção (I): ampliada e restrita CULTURA a cultura como dimensão estratégica do desenvolvimento constitui as identidades molda os comportamentos (trabalho, poupança, consumo) embasa a ação política constrói valores (sustentabilidade, riqueza) argamassa dos pactos celebrados entre os vários atores sociais que deve lastrear as POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO CULTURA deve marcar presença em todos os centros de decisão governamental e, assim, cortar de maneira TRANSVERSAL o conjunto das POLÍTICAS PÚBLICAS que se ocupam do DESENVOLVIMENTO a reinvenção do desenvolvimento como um conceito: histórico, processual, pluridimensional, transdisciplinar submetido ao duplo imperativo ético: solidariedade sincrônica com a geração presente solidariedade diacrônica com as gerações futuras com abrangência multiescalar: o local (territorializado) o regional-nacional o global necessariamente: includente (socialmente) sustentável (ambiental e culturalmente) sustentado (economicamente) capaz de crescer e REPARTIR explorando a conjunção (II): a cultura como “recurso” para o desenvolvimento “recurso” como valor simbólico que pode ser agregado aos negócios “culturalização da mercadoria” “recurso” na forma de bem ou serviço (simbólico-cultural), que pode vir a ser, ele mesmo, negócio “mercantilização da cultura” economia da cultura dificuldades da conjunção diálogo desafiador CULTURA DESENVOLVIMENTO domínio do simbólico domínio da razão outras dificuldades ‘purismo ideológico’ do campo da cultura economicismo das teorias do desenvolvimento incipiência do campo abordagens, métodos e métricas, políticas, informações etc barreiras disciplinares o poder das disciplinas x exigências multi-inter-trans dessintonias práticas discurso x ação riscos da conjunção sedução do gigantesco mercado global de bens e serviços simbólico-culturais contribui com aproximadamente 7% para a formação do PIB mundial e deverá crescer em média 10% nos próximos anos (Banco Mundial) compreensão balizada por teorias e modelos de desenvolvimento ancorados no reducionismo economicista as chaminés da indústria clássica dariam lugar, livros, discos, filmes à mancheia para uma conjunção sustentável recusa da adoção de uma visão meramente instrumental da relação entre cultura e desenvolvimento: estímulo às atividades produtivas da cultura = crescimento econômico geração de riquezas materiais não pode subordinar a geração de riquezas simbólicas reprodução do viés economicista (via economia da cultura), em detrimento da criação de condições propícias ao aumento da diversidade reforça os interesses dominantes (majors) impede ganhos (culturais e econômicos) gerados pela produção e circulação ampliadas de repertórios simbólicos não-hegemônicos (inclusive, diferentes modelos de desenvolvimento) reforçando a centralidade da cultura / potencializando a conjunção Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais 33ª Conferência Geral da UNESCO out. 2005 a Convenção dupla natureza dos bens e serviços culturais: simbólica & econômica direito soberano dos países estabelecerem políticas culturais a não-subordinação da Convenção a outros tratados equilíbrio das trocas internacionais de bens e serviços culturais não-inclusão de compromissos adicionais em PI mecanismos internacionais de cooperação direitos das populações tradicionais sobre seus conhecimentos a conjunção e a Convenção: políticas muitos os obstáculos a superar distintas dimensões e escalas e múltiplos atores do campo cultural demandam políticas específicas a necessidade de identificação de um foco de ação política um caminho produtivo para garantir a sustentabilidade da relação entre diversidade cultural e desenvolvimento atenção aos setores da produção de bens e serviços culturais que, caracterizados pela grande quantidade de atores, pela carência de recursos de toda ordem e pela fragilidade das condições em realiza suas atividades, enfrentam dificuldades em alcançar visibilidade, obter reconhecimento e encontrar canais de distribuição a conjunção e a Convenção: imperativos uma visão de cultura enquanto dimensão constitutiva da vida social e usina geradora de riquezas simbólicas políticas de desenvolvimento que afirmem, simultaneamente, a necessidade de proteção e de promoção da diversidade cultural / reconhecimento das identidades e a criação de mecanismos que possibilitem que as riquezas simbólicas sejam transformadas em riquezas materiais “uma política de desenvolvimento deve ser posta a serviço do processo de enriquecimento cultural” Celso Furtado Fim