14 de outubro de 2014 ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! Negócios de Impacto Social: Da estrutura da Empresa Nascente a sua aproximação com o Poder Público. ! Coordenação Acadêmica: Profa. Mônica Steffen Guise Rosina Coordenação Executiva: Alexandre Pacheco da Silva Pesquisador: Felipe Figueiredo Gonçalves da Silva Estagiário: Carlos Augusto Liguori Filho ! ! Apoio: ! ! !1 14 de outubro de 2014 Sumário: ! 1. LENT: Inovação dentro dos muros da Escola de Direito………………………………………………………..3 ! 2. Formação da Empresa Nascente…………………………6 ! 2.1. Entrada e saída de sócios……………………………….……13 ! 2.2. Estrutura de capital, investimento e crescimento da empresa nascente…………………………………………………..30 ! 2.3. Governança da Empresa Nascente……………………….…53 ! 2.4. Custos da Empresa Nascente………………………………..76 ! 3. Aproximação com o Poder Público………………………93 ! 3.1. Os desafios para a contratação da empresa nascente via Lei de Licitações Públicas (Lei n.º 8.666/1993)………………….96 ! 3.2. Terceirização: subcontratação de empresa nascente por empresas licitadas……………………………………………..….119 ! 3.3. Os riscos e os limites da contratação direta via inexigibilidade de licitação………………………………………138 ! 3.4. Modelo híbrido de Contratação: Convênios com o Poder Público patrocinados pela iniciativa privada…………………..153 ! 4. Considerações Finais………………………………..…163 !2 14 de outubro de 2014 ! LENT: Inovação dentro dos muros da Escola de Direito ! Em agosto de 2013 iniciaram-se as atividades do Laboratório de Empresas Nascentes de Tecnologia (LENT), um espaço de ensino multidisciplinar que oferece capacitação em prática jurídica aos alunos de graduação em Direito, Administração e Economia das Escolas da Fundação Getulio Vargas. ! O Laboratório é uma iniciativa ímpar que tem o objetivo de aproximar alunos de graduação do ecossistema de fomento à empresas nascentes de base tecnológica e capacitá-los para lidar com os desafios desse segmento. O LENT é desenvolvido no âmbito do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação (GEPI) da FGV DIREITO SP para identificar quais são os principais desafios jurídicos para o desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas de tecnologia no Brasil. ! Formatado como um espaço de ensino, o LENT oferece atividades de prática jurídica e empreendedorismo e serve como arena de interação e fomento ao ecossistema da inovação em micro e pequenas empresas desenvolvedoras de novas tecnologias no Brasil. ! As atividades do LENT são desenvolvidas a partir de casos reais concebidos pelos coordenadores do LENT em conjunto com entidades parceiras (empreendedores, aceleradoras e investidores), tendo como principal finalidade ensejar o intercâmbio entre empresas nascentes, aceleradoras, investidores e os nossos alunos. ! Parte da capacitação promovida no âmbito do LENT envolve a provocação para que os alunos se enxerguem não apenas como prestadores de serviços jurídicos, mas sim como verdadeiros parceiros de negócio em novos empreendimentos, auxiliando empreendedores, sobretudo, na viabilização de projetos inovadores. ! !3 14 de outubro de 2014 A primeira edição do Laboratório (agosto-dezembro/2013) focou suas atividades no universo de aceleração de micro e pequenas empresas de base tecnológica voltadas à oferta de serviços de comércio eletrônico. Em sua primeira edição o LENT foi patrocinado pela Buscapé Company e pelo escritório neolaw., tendo a colaboração das aceleradoras Wayra, Aceleratech e Artemísia, bem como do Instituto Inspirare. ! No desenvolvimento das atividades da primeira edição do LENT foi recorrente o aparecimento da temática dos negócios de impacto social como um desafio efervescente no Brasil. Das falas dos investidores aos perfis dos empreendedores, os negócios de impacto social entraram no radar dos participantes do LENT e serviriam para tematizar a segunda edição do laboratório. ! Em fevereiro de 2014 iniciaram-se as atividades da segunda edição do LENT, que teve por tema negócios de impacto social. O LENT - Negócios de Impacto Social foi concebido a partir de um esforço conjunto da Potencia Ventures e pelo Instituto Inspirare, que disponibilizaram além de tempo, toda a sua infra-estrutura de parceiros para possibilitar a realização da 2ª edição do Laboratório e a produção do presente relatório. Cabe aqui um especial agradecimento as duas entidades nas pessoas de Ana Flávia Castro, do Instituto Inspirare, e para Vivianne Naigeborin, da Potencia Ventures, pois sem elas o projeto não teria saído do papel. ! Durante suas as atividades, o Laboratório também contou com a generosa colaboração do fundo Virtuose, com a presença de Bernardo Gradin em nossos debates, bem como com a participação das aceleradoras Artemisia e Pipa, com as presenças de Renato Kiyama e Dhaval Chadha, e da Vox Capital, com a presença de Gilberto Ribeiro e de Daniel Izzo. Participaram também representantes das empresas nascentes Fábrica de Aplicativos, Catraca Livre, Geekie e Instituto de Pesquisas em Tecnologia e Inovação (IPTI). A segunda edição do laboratório foi estruturada em torno de dois grandes desafios jurídicos para os players que atuam com negócios de impacto social: a estruturação societária de empresas nascentes e as contratações destas com o Poder Público. Os alunos tiveram a oportunidade de ouvir dos parceiros laboratório os obstáculos que eles !4 14 de outubro de 2014 enfrentaram para o fomento de empresas nascente de base tecnológica no Brasil. Após estes encontros, foram criados planos de trabalho que tiveram como resultado o conteúdo presente neste relatório. ! O presente relatório é um primeiro esforço dos alunos do LENT em apontar variáveis relevantes na formação da empresa nascente e em sua aproximação com o Poder Público, de modo a qualificar a tomada de decisão do empreendedor no Brasil. ! Mesmo que o presente relatório tenha lidado com desafios apontados no âmbito dos negócios de impacto social, não se restringem a este universo, podendo ser também compartilhados por muitas startups que atuam no ecossistema de inovação do país. Daí talvez a dupla relevância dos objetos de estudo que nortearam as atividades do LENT. ! Cada tema foi abordado em um módulo do laboratório, o primeiro lidando com a formação da empresa nascente a partir de sua estruturação societária e o segundo a partir da aproximação entre a empresa nascente e o Poder Público, via contratações. ! Propôs-se aos alunos que, ao final de cada módulo, elaborassem em grupos um documento relatando a pesquisa realizada e apontando suas conclusões. Os resultados foram apresentados aos parceiros e cada um dos grupos ficou responsável por redigir dois capítulos do presente relatório. Este foi dividido em duas partes: a parte I com as questões sobre estruturação societária e a parte II com as questões sobre contratações públicas. ! O LENT, assim, se insere como espaço de formação dos futuros profissionais capazes de auxiliar empresas, aceleradoras, investidores, dentre outros profissionais que tem como objetivo o crescimento do ecossistema de inovação no país. ! ! ! !5 14 de outubro de 2014 2. Formação da Empresa Nascente ! Qual o melhor regime societário para constituir uma empresa nascente: o das sociedades limitadas ou o das sociedades anônimas de capital fechado? Esta é, fundamentalmente, a pergunta que se pretende responder nesta primeira parte do relatório de pesquisa. Muito embora a pergunta seja relativamente simples, sua resposta está longe de ser. ! A decisão sobre o regime societário de constituição da empresa nascente é fundamental e tem diversos impactos no processo de escalada da startup: da estrutura de custos da empresa à captação de investimentos externos, a forma societária pode igualmente ajudar a alavancar ou a obstaculizar o desenvolvimento do negócio. ! Muito embora a legislação brasileira permita a migração entre regimes societários após a constituição da empresa, o processo para alteração dos registros comerciais é altamente burocratizado. Além dos custos e entraves burocráticos, há que se levar em conta o dispêndio considerável de tempo para que se possam fazer as alterações necessárias em conformidade com a lei. Tempo é certamente um dos recursos mais escassos no ecossistema de inovação, razão pela qual a degladiação burocrática pode acabar comprometendo ou até inviabilizando a escalada da empresa nascente, sobretudo quando se está diante de tratativas para captação de recursos externos. ! A problemática não é inédita na literatura jurídica especializada. Há décadas a questão vem sendo abordada de diversas formas sem, no entanto, ser possível identificar algum posicionamento firme, conclusivo, respaldado no direito brasileiro. ! Em parte isso se deve à forma pela qual sempre se pretendeu responder à pergunta formulada: confrontando textos normativos em seu sentido abstrato com entendimentos doutrinários tradicionais, quase sempre abordando a problemática sob lentes estritamente teóricas, carentes da inserção de elementos pragmáticos na construção dos argumentos lançados. !6 14 de outubro de 2014 Além disso, quase não há material que enfrente a problemática inserida no contexto do ecossistema de inovação no país, considerando as peculiaridades do universo de operação das startups, sobretudo no que concerne à atração de investimentos externos para alavancagem da empresa. ! Diante desse contexto, os alunos do LENT foram desafiados a elaborar um documento que contemplasse um comparativo entre as características do regime societário das sociedades limitadas e das sociedades por ações fechadas, no contexto das empresas nascentes que buscam escalar seu negócio com ajuda de aceleradoras e/ou investidores externos. ! O desafio lançado aos alunos foi o de identificar na legislação, na jurisprudência e nas orientações normativas dos órgãos regulatórios/registrais das sociedades comerciais as características típicas de cada regime societário, suas aproximações e seus distanciamentos. ! Foram relacionados quatro grandes temas relevantes para a o processo de escalada das empresas nascentes, sobretudo as startups de negócios de impacto social1. Para cada tema relacionado os alunos deveriam apresentar as vantagens e desvantagens das características dos tipos societários no contexto das empresas nascentes. Além disso, a proposta de trabalho incluía dois desafios adicionais: ! (i) redação de um documento que seja útil a empreendedores, investidores e aceleradoras para que possam orientar de forma qualificada as tomadas de decisão sobre os arranjos societários das empresas nascentes; e ! ! (ii) identificação dos desafios jurídicos relevantes que potencialmente possam demandar alterações legislativas no contexto de fomento à inovação. A proposta incluiu a divisão dos alunos em grupos, que foram incumbidos de realizar as pesquisas e redigir o capítulo respectivo do Relatório sobre o tema sorteado. A versão 1 O tema da segunda edição do LENT é negócios de impacto social. Os temas tratados no relatório foram apresentados aos alunos no contexto da aceleração de negócios de impacto social. Muito embora o comparativo entre os regimes societários não seja específico para os negócios de impacto social, foi através da sua dinâmica que os alunos do LENT foram apresentados às questões do relatório e desafiados a enfrenta-las. !7 14 de outubro de 2014 final do documento, com a compilação das pesquisas sobre os temas selecionados, será disponibilizada aos aceleradores, empreendedores e investidores parceiros do LENT, bem como a qualquer outro interessado. ! A análise se deu em um contexto de empresas que tem como meta a geração de impactos sociais. O recorte temático do relatório se deu pela junção do referencial teórico de negócios de impacto social, aliado a questões relevantes para a formação de qualquer empresa nascente de base tecnológica. Nesse sentido, vale mencionar o conceito de negócios de impacto social utilizado pelo LENT em suas atividades. ! Negócios de impacto social são aqueles que se propõem a oferecer soluções reais e escalonáveis para problemas sociais da população de baixa renda. As soluções oferecidas precisam ser reais porque têm de operar no plano concreto e efetivo da realidade diária das pessoas de baixa renda, e precisam ser escalonáveis porque a mensuração do impacto social da ferramenta englobará, dentre outros fatores, a quantidade potencial de pessoas que podem ser beneficiadas pelo negócio. ! Muito embora seja difícil lançar uma definição inconteste do que sejam negócios de impacto social, algumas características são compartilhadas e geralmente aceitas pelos players envolvidos neste universo. Em primeiro lugar, os negócios de impacto social focalizam expressamente a população de baixa renda visando oferecer soluções de acordo com as necessidades e particularidades da população. É essencial que a empresa vise expressamente gerar impacto social dentro de sua missão e que a solução oferecida componha a atividade principal do negócio. ! Em segundo lugar, negócios de impacto social precisam ser escaláveis, ou seja, passíveis de ampliação do seu alcance e replicação em outras regiões. Por fim, por serem negócios, é preciso que sejam estruturados em um modelo robusto que permita a subsistência do projeto independentemente de doações, contribuições ou qualquer tipo de filantropia. ! !8 14 de outubro de 2014 Além disso, por se tratar de empresas que se dispõem a realizar atividades que geram impacto social, elas visam o lucro e é perfeitamente possível que operem a distribuição de dividendos para os seus sócios. ! É comum que a mensuração dos negócios de impacto social seja feita pelo sistema GIIRS2 (Global Impact Investing Report System), que apesar de ter muitas limitações é o mais usado na mensuração de impacto social. O método de avaliação de impacto GIIRS, em síntese, é composto por indicadores que se são divididos em 5 grandes blocos, tendo pesos diferentes e sendo definidos a partir de perguntas: ! A) Governança (como por exemplo ter um conselho de administração com responsabilidades definidas em estatuto); ! B) Colaboradores (por exemplo, percentual de funcionários satisfeitos com seu trabalho); ! C) Comunidade (como por exemplo se alguma parcela da empresa é de propriedade de trabalhadores); ! D) Meio ambiente (por exemplo, a presença de um sistema de gerenciamento ambiental); e ! ! E) Modelo de negócios com foco socioambiental (esse bloco não tem perguntas específicas, sendo definido a partir de uma avaliação das outras perguntas e do em que medida a empresa se volta para problemas socioambientais). Nem sempre, contudo, este é o método utilizado para mensuração do impacto. De qualquer forma, há ao menos duas grandes dimensões para avaliar a efetividade da solução ofertada: a quantidade de pessoas afetadas (ainda que potencialmente) e a qualidade da solução (o quanto a solução contribui para suprir as necessidades do público alvo). ! Nesse sentido, a primeira parte do Relatório contempla quatro temas relativos formação de empresas nascentes de base tecnológica que atuem com negócios de impacto social, apontando para quais os desafios de sua estruturação societária: 2 Para mais detalhes sobres o GIIRS, ver: http://giirs.org/about-giirs/how-giirs-works !9 14 de outubro de 2014 ! (a) Estrutura do Capital e Escalada da Empresa; ! (b) Organização e Governança da Empresa; ! (c) Desafios para entrada e saída de Sócios; e ! (d) Custos da Empresa Nascente. ! ! Cada tema foi abordado por um grupo de alunos do LENT, que se responsabilizou pelo comparativo dos regimes societários no que diz respeito à temática que lhes incumbe. Cada tema, portanto, corresponderá a um capítulo específico desta primeira parte e, ao final, serão apresentadas as conclusões a que chegaram os alunos, com a consolidação das pesquisas sobre os quatro temas selecionados. ! O primeiro capítulo discute os desafios e as possibilidades para entrada e saída de sócios na empresa, contrastando as características dos dois modelos societários em análise. A entrada e saída de sócios nas startups pode ser analisada através de diversas perspectivas. É possível observar o ingresso e a saída da perspectiva do agente (investidor, acelerador, força de trabalho etc.), bem como é possível analisar a questão pela perspectiva do instrumento utilizado para entrada (mútuo conversível em participação, opção de compra, debêntures conversíveis etc.) ou saída (alienação de participação com drag along, com tag along, put option, call option etc.). ! A discussão central do primeiro capítulo é como a escolha entre os tipos societários S.A. de capital fechado e sociedade limitada impacta nas formas pelas quais um sócio, em suas diversas dimensões, pode ingressar e se retirar de uma empresa nascente, tendo em vista as peculiaridades relativas às diferentes formas de participação que cada um deles pode exercer na empresa e o contexto de aceleração de negócios de impacto social. ! Além disso, discute-se a importância da retenção de talentos durante a entrada e saída de sócios na empresa nascente, em particular no que concerne ao papel das cláusulas de lock in que quase sempre comporão os contratos de investimento na startup. ! !10 14 de outubro de 2014 O segundo capítulo discute como o regime societário da empresa nascente pode impactar a estruturação do capital e a escalada do negócio. As startups buscam na aceleração o auxílio necessário para aprimorar suas virtudes e corrigir suas fragilidades, que muitas vezes nasceram com ela, tendo como um de seus principais desafios a produção de riqueza a partir de uma estrutura de capital que delimite com precisão a participação de cada sócio a partir de sua contribuição. ! Para estruturar a reflexão, seis tópicos foram relacionados para compor a estrutura do capítulo: (i) quem serão os sócios (fundadores, técnicos, prestadores de serviços etc.)? (ii) como cada tipo de contribuição (capital, bens, trabalho etc.) ingressa como participação societária? (iii) possibilidade da adoção de estrutura de capital a partir da lógica de vesting ou cliffs; (iv) responsabilidade de cada um dos sócios - em especial durante momentos de subscrição e integralização; (v) distribuição de lucros (dividendos mínimos e participação preferencial) vs. reinvestimento na empresa; e (vi) cláusulas de diluição de participação para a entrada de novos investidores. Os tópicos constituem a base da segunda parte do comparativo entre os regimes jurídicos da sociedade limitada e da sociedade anônima de capital fechado. ! O terceiro capítulo apresenta uma análise qualitativa sobre como a escolha do tipo societário (S.A. fechada ou Ltda.) restringe ou amplia as opções da empresa no que diz respeito à governança do negócio (quóruns de votação e possibilidade de estipulação de vetos), concentrando-se na formação e composição de seus órgãos sociais (conselhos e diretoria) nas sociedades limitadas e de anônimas de capital fechado. A análise leva em conta as necessidades e as possibilidades financeiras de estruturação da empresa nascente com enfoque em negócios de impacto social. ! Para organização das ideias no capítulo foram selecionados quatro aspectos de governança empresarial latentes no ecossistema dos negócios de impacto social: (i) uma análise acerca das vantagens e desvantagens da existência dos diversos órgãos de governança da empresa (Conselho Fiscal, Conselho Administrativo, Diretoria); (ii) sua competência e (iii) quórum necessário para tomada de decisões e vedações em cada um dos modelos sociais; (iv) os requisitos ou impossibilidades de participação de não-sócios !11 14 de outubro de 2014 na composição desses órgãos (a Aceleradora, por exemplo, pode participar como membro da diretoria como base no modelo societário escolhido? Como pessoa jurídica ou através de representante como pessoa física?). ! O quatro capítulo discute a plausibilidade jurídica de uma máxima disseminada no ecossistema de inovação: a sociedade anônima, mesmo a de capital fechado, é mais custosa (cara) a seus sócios do que a sociedade limitada, razão pela qual seria mais eficiente às empresas nascentes constituírem-se inicialmente como limitadas. A reflexão proposta gira em torno dos custos de constituição e manutenção dos tipos societários a partir do regime jurídico dos seus respectivos regimes jurídicos. ! Quatro perguntas nortearam a discussão deste capítulo: (i) quais os custos de integralização de ativos (bens, direitos, serviços etc.) na empresa no momento da integralização? (ii) quais as diferenças entre a S.A. de capital fechado e Ltda. quanto à possibilidade de escolha de regimes de apuração simplificada de tributos? (iii) quais são as exigências de publicação de informações previstas na legislação em relação a limitada e a S.A. de capital fechado? (iv) quais são as obrigações de registro entre os tipos societários? ! Por fim, o quinto capítulo apresenta algumas considerações finais. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !12 14 de outubro de 2014 2.1. Desafios para entrada e saída de sócios Equipe: Camila Valverde, Jessica Nemeth, Giulia Bonadio, Mariana Coutinho e Melina Tseng Oishi ! No direito societário, a questão da entrada e saída de sócios é tópico de grande debate em termos de estratégia e planejamento empresarial. No caso das empresas nascentes de tecnologia, há uma série de peculiaridades da intervenção de eventuais investidores nos momentos de entrada e de saída que podem impactar a escalada do negócio. Neste relatório são apresentadas as principais ferramentas jurídicas para entrada e saída de sócios e é discutido como estas ferramentas podem ser utilizadas pelas aceleradoras e startups do ecossistema de inovação. As principais questões abordadas são estruturadas da seguinte maneira: Entrada de Sócios Saída de Sócios Permanência de Sócios Opção de Compra Direito de Preferência Cláusula de lock-in Mútuo Conversível Cláusula de tag along Debênture Conversível Cláusula de drag along ! Em um primeiro momento será apresentada uma breve conceituação das ferramentas jurídicas para entrada e saída de sócios. Estabelecidas as premissas conceituais, o foco será a aplicação das ferramentas no contexto das empresas nascentes, levando em conta o método e processo da aceleração de negócios. Por trás há uma questão central que servirá de fio condutor da análise: como a escolha entre os tipos societários de sociedade limitada e S.A. de capital fechado afeta a entrada ou saída do sócio-investidor? Aceleração de startups As aceleradoras surgiram com o intuito de ajudar os empreendedores a construírem e consolidarem suas startups, e para que essas mesmas startups consigam lucrar e se manter no mercado. O intervalo de tempo entre a criação de uma empresa e seu break even – ou seja, quando elas conseguem atingir uma razoável sustentabilidade !13 14 de outubro de 2014 financeira sozinhas – costuma ser muito grande, e levando em conta que esse tempo pode determinar o sucesso ou fracasso da empresa, é nesse período que entra a aceleradora. Trata-se aqui de um investimento de risco, ainda que pequeno (gira em torno de R$10 mil e R$100 mil), e a aceleradora deve lidar com a ausência de regulamentação específica da atividade de empresas nascentes. Em geral, a aceleração ocorre da seguinte maneira: ! ! ! ! ! ! ! ! ! É na etapa da seleção que aplicamos as noções de entrada de sócios, enquanto na distribuição, geralmente aplicamos as de saída de sócios. ! Entrada e saída de sócios em startups ! As aceleradoras surgiram com o intuito de auxiliar os empreendedores a construírem e consolidarem suas startups, e para que essas mesmas startups consigam lucrar e se manter no mercado. O intervalo de tempo entre a criação de uma empresa e seu break even – ou seja, quando elas conseguem atingir uma razoável sustentabilidade financeira sozinhas – costuma ser muito grande, e levando em conta que esse tempo pode determinar o sucesso ou fracasso da empresa, é nesse período que entra a aceleradora. Trata-se aqui de um investimento de risco, ainda que pequeno (gira em torno de R$10 mil e R$100 mil), e a aceleradora deve lidar com a ausência de regulamentação específica da atividade de empresas nascentes. !14 14 de outubro de 2014 ! Entrada de Sócios (a) Opção de Compra ! Também conhecida como call, a opção de compra de ações é um acordo estipulado em contrato, na qual o seu titular (“tomador” da opção) pode, na forma prevista contratualmente, comprar as ações do “lançador” da opção. Através desta cláusula, o tomador da opção poderá a qualquer momento exercê-la, obrigando o sujeito que outorgou o contrato à venda de suas ações, com o preço ou a fórmula de preço previamente estabelecidos. ! Esse tipo de cláusula pode estar presente tanto em Sociedades Anônimas quanto Limitas. Uma particularidade das Sociedades Anônimas (ou Sociedades por ações) é a possibilidade de realizar um aumento de capital social pela opção de compra (art. 166, III da LSA), sem que haja a obrigatoriedade da deliberação do Conselho Fiscal para que haja esse aumento de capital (art. 166 § 2º da LSA). Isso acaba flexibilizando e simplificando os processos previstos no acordo de acionistas. No entanto, a única condição para que haja um aumento de capital social independente de reforma estatutária é por meio autorização prévia para aumento de capital social (art. 168 da LSA). De acordo com o art. 168, § 3º da LSA, essa predefinição do estatuto conterá um limite de capital autorizado, determinado em Assembleia Geral, podendo a companhia outorgar a opção de call dentro dessa limitação de aumento de capital social. Mesmo assim, essa previsibilidade pode ser vantajosa, por configurar-se numa maior segurança por definir como se dará a opção de compra. ! Em geral, as Sociedades Limitadas enfrentam alguns entraves para esses tipos de disposições contratuais não compartilhados pelas SAs, gerando alguns empecilhos nos contratos de aceleração, que demandam flexibilidade e agilidade para colocar em prática os termos contratados. ! !15 14 de outubro de 2014 Num contexto de aceleração, o call pode assegurar à aceleradora o direito de, em certo momento ou a qualquer tempo, exigir a venda compulsória de parte ou da totalidade das ações de propriedade da startup, nos termos do contrato. Essa opção é geralmente utilizada por investidores estratégicos, no caso a aceleradora, que tem por intuito abarcar parte do crescimento da startup por meio de participação societária. ! (b) Mútuo Conversível ! O mútuo conversível não é uma simples cláusula de opção de conversibilidade, mas sim um contrato híbrido e complexo. Híbrido, porque se caracteriza como um contrato de “dívida” que tem por principal objetivo a realização de um investimento. Complexo, pois se dá por meio do estabelecimento de uma série de previsões, como metas e regulação das rodadas de investimento, que determinarão como a relação entre as partes se desenvolverá ao longo da vigência do contrato. ! O funcionamento do contrato de mútuo conversível se dá seguinte forma: o investidor deseja realizar não só um investimento na empresa nascente, mas também um acompanhamento de metas, que levarão a empresa ao desenvolvimento desejado. Isso porque o real interesse do investidor é ter para si parte do proveito que a startup obtiver com a aceleração, o que se concretizaria com a conversão do mútuo em participação acionária. Desse modo, a principal função do cumprimento de metas associado à rodada de investimentos é, justamente, para que se retire o risco que o investidor poderia ter pelo possível fracasso da startup. Com isso, caso a empresa falhe com as metas o investidor tem o direito de cobrar pelo empréstimo concedido, terminando-se o contrato. ! O estabelecimento de metas e a regulação das rodadas de investimento são certamente as maiores vantagens desse tipo de contrato. A estrutura confere maior segurança ao investidor, viabilizando um aporte mais agressivo de capital, que talvez por outra via não fosse realizado. A segurança do investidor é de grande importância para que ele consiga enxergar benefícios na manutenção a longo prazo da relação e, assim, contribua para um crescimento maior e mais rápido da empresa. ! !16 14 de outubro de 2014 Como exemplo de previsão contratual que busca acompanhar as metas alcançadas pela empresa nascente investida e sirvam de parâmetro para o investidor converter seu investimento em participação societária, temos as cláusulas apresentadas a seguir, as quais foram retiradas de um contrato de aceleração desenvolvido pela Wayra e pelo escritório Derraik & Menezes Advogados: Metas 30 dias 60 dias 90 dias Produto Usuário Clientes Faturamento (total) ! 1- Considera-se Usuário a pessoa física ou jurídica que tenha realizado seu cadastro no sistema da Companhia. 2 – Considera-se Cliente a pessoa física ou jurídica que contratou os serviços ou o fornecimento de produtos da Companhia, mediante remuneração. 1.6. Não obstante, no caso das metas acima não terem sido cumpridas pela Companhia nos prazos e formas acordadas, a ACELERADORA se reserva no direito e a liberalidade de acordar eventual revisão das metas e prazos, restabelecendo no menor espaço de tempo possível e a seu critério, um novo calendário com a Companhia, em função do andamento do Projeto, não constituindo, em consequência, uma causa de rescisão automática.” [...] ! “Cláusula V – CONVERSÃO DO MÚTUO EM PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA: 5. 5.1.Salvo em caso de descumprimento das obrigações por parte da Companhia conforme previsto na Cláusula 9 do presente Contrato, a conversão do Mútuo Conversível em participação societária da ACELERADORA na Companhia (“Conversão”) ocorrerá (i) de forma obrigatória ou (ii) a critério e por opção da ACELERADORA, nas hipóteses previstas abaixo. 5.1.1.Pressupostos para Conversão a critério e por opção da ACELERADORA: a) Após decorrido o prazo de 18 (dezoito) meses e, em até 24 (vinte e quatro) meses a contar da data em que tiver ocorrido o desembolso da primeira parcela do Mútuo Conversível, sem que tenha ocorrido um Investimento Qualificado conforme definido abaixo; b) A qualquer tempo, no caso de uma operação de reestruturação societária que cause uma alteração de controle ou aquisição da Companhia. Na hipótese ora prevista, a ACELERADORA terá direito a capitalizar o valor do Mútuo Conversível de forma prévia à alteração de controle ou aquisição da Companhia. Para os fins da !17 14 de outubro de 2014 presente cláusula, entende-se como “alteração de controle” quando as pessoas ou entidades que detenham, direta ou indiretamente, ao menos 50% do capital social da Companhia, percam o direito de, de qualquer forma, efetivamente administrar e dirigir os negócios da Companhia. O prazo para a ACELERADORA manifestar seu interesse em realizar a Conversão se iniciará no dia seguinte ao recebimento da comunicação enviada pela Companhia e Equipe Desenvolvedora descrevendo e justificando a operação pretendida, ou; ! c) Na Data do Vencimento do presente Contrato, caso não tenha ocorrido a Conversão por qualquer outra hipótese.” Não existe um tipo contratual específico previsto em lei para o mútuo conversível. Seu cabimento no direito brasileiro é admitido pela regra geral do art. 426 do Código Civil. A ausência de regulamentação legal confere maior espaço para a arquitetura contratual mas, ao mesmo tempo, traz consigo o ônus da necessidade de se elaborar um contrato que seja efetivo e consiga regular os aspectos mais sensíveis da relação. ! Para que o mútuo conversível seja viável, no entanto, é fundamental que a startup esteja constituída como uma SA, para viabilizar o ingresso do investidor e permitir a regulamentação das rodadas futuras de investimentos. O contrato requer grande flexibilidade legal, por um lado pela viabilização da possível entrada do investidor na empresa, e por outro lado para que se estabeleça um acordo de acionistas, na qual a empresa poderá prever um maior aporte de capital no futuro, sem que seja necessária nova formalização. ! É possível concluir que o mútuo conversível se adequa perfeitamente ao contexto dos investimentos de impacto social. Além desse tipo de contrato conferir maior segurança ao investidor, o estabelecimento de metas pode ser associado à avaliação de impacto social do negócio. O amplo espaço para criação de mecanismos e regulação de aspectos da relação permite com que o instrumento seja adaptado a investidores com perfis diferentes, o que novamente se mostra muito produtivo no universo dos negócios de impacto social. ! Mas este amplo espaço de regulamentação nem sempre será proveitoso e pode acabar repelindo alguns empreendedores que têm receio do sistema amplo de controle que se pode estabelecer. O receio maior é o de desequilíbrio contratual, que poderia amarrar !18 14 de outubro de 2014 demais a startup. Certamente isto significa que a negociação deve ser cautelosa, mas de modo algum indica que o empreendedor necessariamente estará preso e controlado pelo investidor. As peculiaridades do negócio e do investimento definirão caso a caso o equilíbrio da relação. ! (c) Debênture Conversível ! Com previsão na lei nº 6.404/76, a Lei das SAs, debêntures conversíveis são títulos de créditos que possibilitam a conversão em participação acionária. Ou seja, podem configurar uma alternativa àquele que deseja investir nas empresas, que optará entre executar o título ou adquirir parte da empresa. A sua conversão em ações está prevista no art. 57 da lei das S/A. O art. 22 também prevê a conversibilidade das ações quando determinado pelo estatuto da empresa. ! Ao titular de debêntures conversíveis é conferida uma renda fixa, que independe do desempenho da sociedade, e ele passa a obter o título de credor com relação à empresa. É principalmente neste ponto que as debêntures se diferem das ações ordinárias, pois os adquirentes das ações não se tornam credores, e sim sócios, tendo uma renda variável conforme o desempenho da empresa. É válido ressaltar a maior proteção que se forma em torno do investidor debenturista quanto aos eventuais riscos que a atividade de investir pode trazer, já que, como dito anteriormente, o crédito da debênture independe dos lucros da empresa. ! É permito às S/A a emissão de debêntures conversíveis, dado que a redação do art. 52 da lei 6404/76 dispõe sobre o assunto com a seguinte redação: “A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado”. Contudo, existe um ponto de extrema divergência, pois não existe entendimento uniforme quanto à possibilidade de emissão títulos de crédito em uma sociedade limitada. É válido atentar para o fato de que tanto a Junta Comercial de São Paulo quanto a do Rio de Janeiro entendem que não é possível a emissão de debêntures por sociedade limitada. ! !19 14 de outubro de 2014 A Lei das SAs determina que as debêntures sejam emitidas apenas com a autorização dos acionistas, não podendo ser a decisão de emissão tomada pela diretoria isoladamente. ! No contexto de entrada de sócios em aceleradoras, as debêntures conversíveis podem ser vistas como uma alternativa ao empresário que necessita de recursos financeiros para financiar sua atividade em um prazo relativamente curto. Também são uma opção para uma possível classe de programadores que desenvolveram o primeiro protótipo do produto, dado que contratá-los como funcionários pode ser oneroso aos sócios fundadores devido aos custos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Ou seja, com a emissão de debêntures, é possível transformar essa classe de programadores em sócios que recebem uma renda fixa que independe do desempenho da sociedade, podendo ser vantajoso a ambas as partes. Ademais, esta é uma forma “rápida e menos burocrática para receber os investimentos” ! Saída de Sócios (a) Direito de Preferência O direito de preferência diz respeito à compra e venda de ações previstas em acordo de acionistas, em que o acionista vendedor se obriga a oferecer as ações ofertadas ante aos signatários do acordo, nas mesmas condições do que foi oferecida a terceiros. Nesse caso, se algum acionista decide se retirar da companhia, o acionista remanescente tem o direito de pagar o mesmo preço, prazo e condições de pagamento oferecido pelo terceiro interessado de forma a barrar sua entrada. ! Assim, o direito de preferência se constitui como um acordo de bloqueio. Ele cria uma dupla obrigação ao ofertante: a de comunicar aos demais pactuantes a intenção de vender, em concorrência com terceiros, e a de preferir o dos demais convenentes como beneficiários. ! !20 14 de outubro de 2014 Ademais, o direito de preferência contempla a existência de duas espécies: o Direito de Primeira Recusa (Right of First Refusal), que é o direito de preferência clássico em circulações de ações, e o Direito de Primeira Oferta (Right of First Offer): ! I. ! II. ! Direito de Primeira Recusa (Right of First Refusal): Consiste na obrigação de oferecer aos acionistas pactuantes as ações que foram alvo de uma oferta de compra por um terceiro. Neste caso, o acionista vendedor deve oferecer as ações ao demais acionistas membros do acordo, nos mesmos termos e condições da oferta do terceiro. Direito de Primeira Oferta (Right of First Offer): Ocorre quando o acionista vendedor deseja alienar suas ações, sem que tenha sido proposta a aquisição delas por terceiros. Neste caso, o acionista alienante deve oferecer as ações aos acionistas pactuantes antes de terceiros. Numa sociedade limitada pode haver uma cláusula que preveja o direito de preferência dos sócios remanescentes quando houver intenção de um dos sócios em vender suas cotas da sociedade. Neste caso, o sócio que deseja vender suas cotas deve oferecê-las aos demais sócios formalmente, informando o valor das cotas que pretende vender e a forma de pagamento. A partir dessa comunicação os demais sócios exerceriam seu direito de preferência na compra das cotas ofertadas ou a liberariam para venda a terceiros. ! Portanto, em uma primeira etapa do processo de aceleração, o direito de preferência é um instrumento jurídico através do qual é possível barrar a entrada de novos sócios cobrindo as ofertas de aquisição de participação societária dos sócios que estão presentes dentro da empresa. ! Uma aceleradora e uma startup compõem um pólo de interesses bastante diversificado, que nem sempre segue uma lógica empresarial tradicional. É possível que ocorra uma reunião de figuras de naturezas e interesses distintos, como fundadores que não atuam com papel técnico na operação da startup, de importante papel na criação e elaboração do empreendimento; fundadores técnicos da equipe, que conseguem elaborar o produto ou serviço que a empresa visa oferecer; investidores aceleradores, que realizam investimentos (sejam estes de infraestrutura ou financeiros) na empresa e possuem, assim como os fundadores, interesse que a empresa evolua e prospere; e investidores !21 14 de outubro de 2014 institucionais, que geralmente desejam realizar um arranjo do tipo venture capital e possuem um período de saída da empresa. ! Ao articular o direito de preferência com todos estes participantes, vê-se que, para um empreendedor que deseja angariar investimentos, barrar a entrada de novos investidores não parece muito útil. Já para um investidor acelerador que realizou esforços e investimentos para que a empresa evoluísse quando ela estava em seu início, ou seja, em uma época na qual um reconhecimento de seu potencial era difícil, possuir o poder de barrar possíveis investidores pode assegurar melhores condições para sua saída. Devido a estes investimentos por parte do acelerador, é interessante para ele em um primeiro momento que uma relação de crescimento inicial seja preservada. Para isto, pode ser realizado um compromisso com o empreendedor de não aceitar a entrada de terceiros nesta primeira etapa de crescimento, ou ao menos exigir aquiescência prévia do investidor. ! Do ponto de vista da opção de compra ou do mútuo conversível, é útil que seja previamente estabelecida a possibilidade da existência do direito de preferência uma vez que haja a compra ou conversão. Portanto, uma cláusula que estabelecesse que até a data limite do exercício da opção de compra ou da conversão de mútuo não haveria entrada de novos sócios na empresa também seria bastante interessante para resguardar uma primeira situação de reconhecimento entre empresa e investidor. ! Deste modo, seria possível estabelecer dois momentos diferentes no ciclo de aceleração: primeiramente, uma tentativa de estabelecer uma cláusula expressa na qual não se permita que outras pessoas, durante esse processo, entrem nesse empreendimento; e um segundo momento, após a opção de compra ou conversão, quando pode ser exercido um direito de preferência tradicional na condição de acionista, algo que interessa principalmente ao acelerador uma vez que fornece a ele instrumentos de resguardo para atrair pessoas que façam sentido para o empreendimento, e é benéfico que os investidores compartilhem dos mesmos valores ou teses de investimento. Se a intenção do empreendimento é gerar impacto social, por exemplo, empresas aceleradoras !22 14 de outubro de 2014 conhecem investidores que trabalham neste ramo e que possuirão conhecimento de mercado, expectativas e valores alinhados com os da aceleradora. ! É possível que um investidor inexperiente que enxerga a startup apenas como uma oportunidade imediata não tenha paciência em relação àquele empreendimento ou expectativas realistas em relação a seu crescimento. Assim, o direito de preferência é interessante como um instrumento para alinhamento de valores entre quem vai entrar na empresa, e para que o investidor acelerador possa proteger a situação da empresa através do bloqueio da entrada de um eventual participante que ele não considere benéfico para o progresso da empresa. ! (b) Cláusula de tag along ! O mecanismo da cláusula de tag along prevê a possibilidade de venda conjunta das ações de uma empresa pelo mesmo preço e condições daquele que as está alienando. O tag along é previsto na legislação brasileira (Lei das S.A., Artigo 254-A) e assegura que a alienação, direta ou indireta, do controle acionário de uma companhia somente poderá ocorrer sob a condição de que o acionista adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das demais ações ordinárias, de modo a assegurar a seus detentores o preço mínimo de 80% do valor pago pelas ações integrantes do bloco de controle, conforme entendimento dado pela BOVESPA. ! Sendo assim, se o acionista controlador, por exemplo, optar pela venda de ações a terceiro, os minoritários também o podem fazer, como podemos ver no exemplo a seguir. Vale lembrar que, conforme veremos abaixo, o tag along só surge a partir do momento em que se renuncia o direito de preferência àquela porção de ações a ser vendidas. ! “8. TAG ALONG ! 8.1. Alternativamente aos direitos de primeira oferta ou de preferência dispostos acima, os ACIONISTAS RECEPTORES DE PRIMEIRA OFERTA ou os ACIONISTAS OFERTADOS (expressão esta que para os efeitos apenas desta Cláusula 8 incluirá todos os ACIONISTAS), conforme for o caso, terão o direito (mas não a obrigação) de exigir que o ACIONISTA OUTORGANTE DE PRIMEIRA OFERTA ou ACIONISTA OFERTANTE, conforme for o caso, inclua na ALIENAÇÃO, na mesma proporção das !23 14 de outubro de 2014 AÇÕES OFERTADAS, suas AÇÕES, pelo mesmo preço por ação e nos mesmos termos e condições (“TAG ALONG”). Para tanto, os ACIONISTAS RECEPTORES DE PRIMEIRA OFERTA ou os ACIONISTAS OFERTADOS, conforme for o caso, enviarão ao ACIONISTA OUTORGANTE DE PRIMEIRA OFERTA ou ao ACIONISTA OFERTANTE notificação manifestando sua intenção de exercer o direito de TAG ALONG no PERÍODO DE EXERCÍCIO (“NOTIFICAÇÃO DE TAG ALONG”), nos prazos previstos nas Cláusulas 6.2 e 7.3 acima. ! 8.2. Caso os ACIONISTAS RECEPTORES DE PRIMEIRA OFERTA ou ACIONISTAS OFERTADOS, conforme o caso, deixem de enviar a NOTIFICAÇÃO DE TAG ALONG dentro do PERÍODO DE EXERCÍCIO, ou tenham declinado quanto ao exercício do TAG ALONG, o ACIONISTA OFERTANTE ou outorgante terá o direito de realizar a ALIENAÇÃO para o terceiro interessado, nos mesmos termos e condições anteriormente informados. ! ! 8.3. Caso exercido o TAG ALONG, e o terceiro interessado não tenha manifestado interesse em adquirir as AÇÕES que, em decorrência do TAG ALONG, foram acrescidas às AÇÕES OFERTADAS, a quantidade de AÇÕES a ser ALIENADA ao terceiro interessado deverá ser proporcionalmente reduzida. Caso a alienação pretendida seja de ações representativas de 100% da participação do ACIONISTA OFERTANTE ou do ACIONISTA OUTORGANTE DA PRIMEIRA OFERTA, e o terceiro interessado não deseje adquirir todas as AÇÕES da COMPANHIA, o ACIONISTA OFERTANTE ou o ACIONISTA OUTORGANTE DA PRIMEIRA OFERTA poderá optar por, em lugar de reduzir proporcionalmente as AÇÕES a serem ALIENADAS, desistir do negócio.” Em geral, trata-se de uma cláusula vantajosa tanto para o investidor/acelerador como para a startup, especialmente porque é um mecanismo que garante a liquidez dos direitos do sócio minoritário e permite, no futuro, outros rounds de investimento, como, por exemplo, utilizando-se de opções de subscrição, opções de compra, direitos de não-diluição e direitos de primeira negociação. É um tipo de política de saída de investimentos após um determinado período para que, no momento da distribuição, a aceleradora tenha seu retorno ao encontrar um investidor interessado no empreendedorismo da startup. ! Pode ainda ser utilizada para prever eventuais mudanças no controle acionista da empresa, o que pode afetar os interesses da aceleradora no raro caso de um investimento a longo prazo. ! ! ! ! ! !24 14 de outubro de 2014 (c) Cláusula de drag along ! O drag along, ou obrigação de venda conjunta, é o dispositivo que estabelece que caso o acionista majoritário, em geral o empreendedor, receba uma proposta de compra, ele poderá condicionar à venda as ações dos minoritários (investidores). Ou seja, no caso do estatuto ter previsto tal cláusula, os minoritários terão a obrigação de vender sua participação acionária ao proponente pelo preço ofertado e aceito pelo controlador; ou por percentual desse preço previamente estabelecido. ! É o oposto do que acontece no tag along. Neste caso, os acionistas majoritários que pretende vender suas ações “arrastam”, isto é, têm o direito de obrigar que os demais acionistas signatários do acordo, vendam as próprias ações, nas mesmas condições de oferta. Geralmente, estipula-se um preço mínimo. Esta modalidade facilita a venda se o comprador pretende adquirir a totalidade das ações vinculadas ao acordo.” ! ! Vejamos um breve exemplo desse dispositivo em um estatuto de acionistas: “DA OBRIGAÇÃO DE VENDA CONJUNTA (DRAG ALONG) As Partes que, em conjunto, sejam titulares de 51% (cinquenta e um por cento) ou mais das Ações ON (“Controlador Alienante”), e que desejem Alienar o Controle da Companhia a Terceiro Interessado (não relacionado com as Partes), terão o direito de exigir que quaisquer dos Acionistas Minoritários Alienem as Ações ON de que são titulares, em conjunto com o Controlador Alienante, até a totalidade das Ações ON de que são titulares, de maneira proporcional à participação de cada um no capital social votante da Companhia, nas mesmas condições, inclusive de preço por Ação. Para os fins deste Acordo de Acionistas, o termo “Drag Along” significa o direito de determinar a venda conjunta das Ações. i) Para o exercício do Drag Along previsto nesta Cláusula, o Controlador Alienante deverá enviar ao(s) Acionista(s) Minoritário(s) notificação neste sentido, informando o nome do Terceiro Interessado, o preço por Ação, bem como os demais termos e condições pelos quais desejam Alienar suas Ações ON (“Notificação de Drag Along”). ii) O(s) Acionista(s) Minoritário(s) deverá(ão), no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias contados do recebimento da Notificação de Drag Along, quando se tratar de Parte Relevante, responder se deseja(m) exercer o Direito de Preferência a que se refere a Cláusula 6a acima, para adquirir a totalidade das Ações ON do Controlador Alienante, pelo preço por Ação constante da Notificação de Drag Along. No caso de resposta negativa ou de ausência de resposta no prazo aqui previsto, o Controlador Alienante poderá efetivar a venda da totalidade das Ações ON, nas mesmas condições previstas na Notificação de Drag Along, obrigando-se o(s) !25 14 de outubro de 2014 Acionista(s) Minoritário(s) a praticar todos os atos necessários à efetivação da Alienação de suas Ações ON. ! iii) O Drag Along previsto nesta Cláusula não se aplica na hipótese de Alienação de Ações ON de propriedade de Acionista para seu controlador, controlada ou seus herdeiros.” A cláusula frisa a possibilidade do exercício do direito de preferência pelos sócios minoritários. Portanto, caso esteja prevista cláusula de direito de preferência, o drag along, assim como o tag along, só poderá ser exercido após a negativa de compra da integralidade das ações pelos minoritários no direito de preferência. ! No caso da previsão dessa espécie de cláusula no acordo de acionistas, em um ambiente de aceleração, pode parecer em um primeiro momento que os acionistas majoritários, em geral os empreendedores, é que estão sendo protegidos. Entretanto, o drag along é uma cláusula mais adequada ao interesse dos acionistas minoritários que seriam os investidores. Isso porque os investidores realizam investimentos pensando no “desinvestimento”. Em algum momento, o investidor tem que devolver o dinheiro ao seu fundo. Nesse sentido o interesse do investidor é que esse retorno seja bem alto e rápido. Por conseguinte, é razoável que ele prefira dispositivos que aumentem a liquidez e a possibilidade de realização desses “desinvestimentos”. ! É nessa circunstância que surge a cláusula de drag along “inversa”: um dispositivo capaz de aumentar as chances de “desinvestimento”. É o investidor que obriga a venda do empreendedor. São recorrentes os casos em que o investidor, em processos de aceleração, sob pressão para realizar o “desinvestimento” devido a proximidade do prazo para “liquidar” o fundo, aceita uma proposta de venda por um preço abaixo do valor de mercado. O empreendedor nessa venda seria arrastado para essa mesma condição o que para ele seria extremamente desfavorável. ! Dessa forma, recomenda-se que haja um valuation mínimo para o exercício do drag along inverso pelo investidor. O investidor fica então impedido de vender a sua parte e arrastar os demais acionistas a um preço abaixo do fixado. Esse mecanismo evita que o empreendedor seja obrigado a vender o equity por um valor “depreciado”. O valuation mínimo pode ser fixado também em cláusulas de drag along tradicionais. !26 14 de outubro de 2014 ! As cláusulas de drag along tradicionais, na qual o majoritário, ou seja, o empreendedor força a venda do minoritário (aqui tido como investidor), também se coadunam de maneira mais favorável aos interesses dos investidores. Isso porque caso os empreendedores manifestarem-se no sentido de vender a integralidade de suas ações, demonstram que nem os próprios criadores do estabelecimento consideram uma boa idéia continuar com a empresa. Os fundadores de certa forma “desistiram”. Por consequência os investidores acabam também perdendo o interesse em continuar com ações dessa mesma empresa. Deve-se enfatizar que os investidores, em um contexto de aceleração, querem maximizar o retorno. A desistência dos fundadores pode significar então um sinal relevante para aqueles investidores que desejam fazem a melhor venda. ! Deve-se considerar também que a cláusula de drag along nem sempre é o melhor dispositivo para forçar o comprometimento dos empreendedores com a empresa se comparado a outros mecanismos como o de retenção de talentos (lock-in). ! Visto isso para que a operação de aceleração seja benéfica para ambos os lados, é importante que o investidor e o empreendedor entendam as preocupações um do outro. Tanto o investidor quando os empreendedores devem ponderar seus interesses a fim de que a saída dos acionistas não se torne um problema. ! Permanência de Sócios (a) Cláusula de lock-up Também conhecida como lock-up, é o dever de permanência mínima obrigatória, ou seja, o compromisso que o empreendedor assume frente a startup e seus investidores de permanecer na empresa como administrador e/ou sócio por período determinado de tempo. O lock-up é uma disposição contratual de blindagem, comum em acordos de investimento e acordos de sócios, sendo utilizada quando a permanência do empreendedor é primordial para o desenvolvimento da empresa. Veja-se, por exemplo: ! Seção I – Restrição à Transferência de Ações (Lock-Up) !27 14 de outubro de 2014 ! 5.1. Lock-Up dos Acionistas Existentes. Durante o prazo de 2 (dois) anos contados desta data (“Período do Lock-Up”), nenhum dos Acionistas Existentes poderá Alienar, sob qualquer forma, direta ou indiretamente, suas Ações ou seu direito de subscrição, total e/ou parcialmente, entre si e/ou para quaisquer terceiros, sem a prévia e expressa concordância da GP e da EIP, na forma desta Seção I (“Lock-Up”). 5.1.1. A restrição prevista no item 5.1. acima não será aplicável nas seguintes hipóteses (i) transferência por qualquer dos Acionistas Existentes de 1 (uma) ação ordinária, a qualquer título, com o intuito de possibilitar a eleição para cargo no Conselho de Administração da Companhia, bem como a posterior transferência de tal ação pelo referido conselheiro de administração, após o término do seu mandato, para o Acionista Existente ou para o seu sucessor no cargo; e (ii) transferência pelos Acionistas Existentes de Ações realizada para pessoa jurídica controlada, direta ou indiretamente, pelos Acionistas Existentes, sem prejuízo destes permanecerem solidariamente responsáveis com os respectivos cessionários pelo integral cumprimento das disposições deste Acordo. 5.1.2. O alienante e o adquirente das ações transferidas nos termos do item 5.1.1. acima serão considerados, para todos os fins e efeitos deste Acordo, um único Acionista. 5.2. Se desejarem Alienar suas Ações ou seu direito de subscrição, total e/ou parcialmente, durante o Período de Lock-Up, estes deverão notificar por escrito a GP e a EIP (encaminhando eventual cópia da proposta feita pelo terceiro interessado) especificando: (i) a qualificação completa do interessado, sua principal atividade e, se for pessoa jurídica, a composição de seu capital social, indicando, na medida do possível, o seu controlador final; (ii) a quantidade de ações e o percentual que as ações a serem alienadas representam em relação ao total do capital social da Companhia; (iii) os termos, o preço e as demais condições, inclusive de pagamento; e (iv) a confirmação de que este terceiro está ciente de todos os termos deste Acordo (“Notificação de Transferência no Período de Lock-Up”). 5.3. Em até 30 (trinta) dias a contar do recebimento da Notificação de Transferência no Período de Lock-Up, a GP e a EIP deverão encaminhar aos Acionistas Existentes uma resposta por escrito manifestando sua aprovação ou reprovação quanto à proposta de Alienação pelos Acionistas Existentes durante o Período do Lock-Up. 5.4. Caso a GP e/ou a EIP responda negativamente ou não responda a Notificação de Transferência no Período de Lock-Up rejeitando a Alienação proposta pelos Acionistas Existentes, estes estarão expressamente proibidos de promover a referida Alienação. 5.5. Após o decurso do Período de Lock-Up, os Acionistas Existentes poderão Alienar as suas ações, desde que observem e cumpram os procedimentos de Direito de Preferência e Direito de Venda Conjunta previstos nesta Cláusula Quinta. ! É possível perceber que, caso não cumpra tal dever por um determinado período de tempo, o sócio “preso” pela cláusula corre o risco de perder seus direitos sobre o capital, total ou parcialmente. Justamente pelas duras conseqüências, a cláusula de lock-in protege o investidor de eventual oportunismo. Um acordo de investimento sem garantias de que o empreendedor, com sua ideia inovadora, se dedicará de fato à implementação !28 14 de outubro de 2014 dela e não levará a ideia, o capital humano e os clientes para um veículo concorrente é extremamente perigoso e precário. ! Conclusão ! A entrada e saída de sócios é uma questão extremamente delicada, especialmente no que tange às startups e aceleradoras, cuja relação é tão próxima. Além das preocupações acima listadas, é importante destacar e observar os meios utilizados para retenção de talentos. ! Nas reuniões do Laboratório de Empresas Nascentes em Tecnologia (LENT), vimos o quão importante é o modelo de negócio da startup de negócios de impacto social, e portanto, a importância do capital humano. Não prevalece a empresa que não acreditar em sua ideia e em seu produto, e a busca pela aceleradora é justamente com o intuito de viabilizar o negócio e atingir massas. Ademais, a variedade de especialistas (dentre idealizador do projeto, especialista técnico, programador, empreendedor, etc) também melhora a performance do negócio, ampliando o know-how e a eficiência do negócio. ! Portanto, se o êxito da startup depende das pessoas que trabalham nela e se esforçam por ela, consequentemente a retenção de talentos é um aspecto relevante aos investidores, não só no momento da aceleração, como também da distribuição. A cláusula de lock-in é o melhor exemplo de retenção dos talentos, pois determina que a pessoa deve se manter na sociedade por um período pré-determinado: caso ela deseje sair da startup, a venda de sua cota de ações será tão mínima que lhe prejudicará, sendo mais vantajoso manter-se na empresa. ! Da mesma maneira, ressalta-se a importância de um bom desenho de mecanismos de saída para os investidores, com destaque, por exemplo, para a cláusula de drag along, que viabiliza a alienação de toda a empresa, mesmo quando os sócios fundadores da start-up são contrários. Outra cláusula relevante é a de tag along, que permite com que o investidor com participação minoritária possa acompanhar o controlador na alienação do bloco de controle. !29 14 de outubro de 2014 ! 2.2. Estrutura do Capital, Investimento e Crescimento da Empresa Nascente Equipe: Adolfo Marmoti, Laura Ceitlin, Helena Masullo e Sylvie Cadier. ! ! Uma empresa nascente de tecnologia tem como um de seus principais desafios equilibrar a produção de riqueza a partir de uma estrutura de capital que delimite com precisão a participação de cada sócio/acionista3 na sociedade. ! Tendo isto em vista, as seguintes variáveis serão analisadas neste capítulo: (i) quem serão os sócios do negócio? (ii) como cada tipo de contribuição (capital, bens, trabalho etc.) ingressa como participação societária? (iii) há possibilidade de se adotar uma estrutura de capital a partir da lógica de vesting-cliffs? (iv) como se dá a responsabilidade de cada um dos sócios (em especial, durante momentos de subscrição e integralização)? (v) qual é a melhor opção: distribuir lucros (dividendos mínimos e participação preferencial) ou reinvestir na empresa? e (vi) por que utilizar cláusulas de diluição de participação para a entrada de novos investidores? ! Essas variáveis serão aprofundadas a partir de reflexões sobre os aspectos relacionados à estrutura de capital de dois tipos societários: Sociedade Anônima fechada (SA fechada) e Sociedade Limitada (Ltda.) ! Quem são os sócios? ! Em uma empresa nascente de tecnologia, é importante delinear um standard para cada sócio, costurado pelo seu interesse e risco. Este modelo nos capacitará a entender o fluxo humano mais atraente para determinado escopo empresarial, nos induzindo a uma 3 Juridicamente, o termo sócio é utilizado para caracterizar as pessoas que têm participação social em uma sociedade limitada. O termo acionista, por sua vez, refere-se àqueles que detêm participação acionária em uma sociedade anônima. !30 14 de outubro de 2014 perceptibilidade das implicações presentes nas escolhas do empreendedor. Exploraremos o papel do Fundador, Sócio Prestador de Serviços e Investidor. ! A veia pioneira do Fundador é fundamental. É em seus atos que respalda o crescimento da empresa através de uma ideologia coesa e firme. Sua liderança, credibilidade, perseverança, cultura e carisma são essenciais para direcionar os comportamentos e atitudes dos demais agentes na concretude dos objetivos e metas corporativas. ! O Fundador será o próprio empreendedor (seja ele administrador, advogado ou programador), que reconhece os riscos do empreendimento e tentará costurar uma estrutura que os diminua, aumentando suas probabilidades de sucesso. No exercício de sua função é importante que ele detenha o controle na divisão societária da empresa, com grande influência no Conselho de Administração, Diretoria e Assembleia Geral para tomada de decisões, para determinar o rumo do negócio assim como suas perspectivas de acordo com o seu planejamento. ! Apesar de o Fundador estar ciente dos riscos do seu negócio, muitas vezes, acredita tanto no seu empreendimento que não consegue analisá-los com a clareza e a frieza necessárias. Aqui, insere-se a figura de Aceleradoras e Advogados, os quais podem auxiliar, desde o início do negócio, o empreendedor a enxergar os mais diversos riscos de acordo com a sua devida relevância. ! Normalmente, há diferentes perfis entre os próprios fundadores. Isso porque enquanto alguns estão mais diretamente conectados ao desenvolvimento da ideia outros preferem simplesmente colocar o capital necessário para que o negócio comece a funcionar. Ressalta-se que esses perfis podem ser identificados em um mesmo Fundador, que irá tanto gerir o negócio quanto investir nele. ! O Sócio Prestador de Serviços, por sua vez, normalmente, identifica-se como aquela pessoa imprescindível para a consecução do objeto social da empresa. Na grande maioria dos casos, no que se refere a start ups tecnológicas de negócios de impacto social, ele pode consistir em um programador que não auxiliou os fundadores no desenvolvimento !31 14 de outubro de 2014 da ideia. No entanto, nem sempre o programador é sócio em uma empresa de base tecnológica. Esse sócio não irá entrar com o capital necessário para que o negócio comece a funcionar, mas sim oferecer a sua mão de obra em troca de uma porcentagem no capital social da empresa. Normalmente, isso se mostra mais vantajoso do que contratar programadores como prestadores de serviços à sociedade, já que, ao se tornar sócio, o programador estará mais motivado a continuar trabalhando naquele negócio. Além disso, economiza-se uma soma relevante de dinheiro que seria despendida com a prestação de serviços de programadores. ! Nota-se que um sócio não pode ingressar no quadro social de uma Sociedade Limitada ou Sociedade Anônima com a mera prestação de serviços, mas somente com a subscrição e integralização de dinheiro, bens e créditos. Entende-se, então, que o parágrafo segundo do Artigo 1.055º, do Código Civil, não se admite a contribuição de um sócio fundada, nem parcialmente, na prestação de seus serviços, visto que se mantem, aqui, uma única categoria de sócios, todos chamados a vincular os valores investidos na pessoa jurídica e a satisfação dos credores, limitando sua responsabilidade a tanto. Ou seja, de todos os contratantes, exige-se, em resumo, de subsídios exclusivamente materiais para a formação do capital. De inicio, isso deve ser levado em consideração ao se pensar em estrutura de capital, pois o Sócio Prestador de Serviços não poderá monetizar a sua prestação de serviços para tornar-se sócio da empresa. ! No entanto, isso pode ser contornado a partir de uma estrutura de distribuição desigual de lucros em uma Sociedade Limitada, pois, de acordo com o art. 1.007 do Código Civil, o contrato ou estatuto pode declarar a parte que cabe a cada sócio nos lucros e perdas. Assim, considerando que o Sócio Prestador de Serviços terá uma parcela menor do capital social, ele poderá ter uma distribuição de lucros proporcional a dos outros sócios e não ao valor das suas quotas. Ressalta-se que, segundo o entendimento do DNRC (Instrução 98/03), é vedada a existência de quotas preferenciais. ! Também, na Sociedade Anônima Fechada, as ações ordinárias e as ações preferenciais poderão ser de uma ou mais classes, de acordo com as vantagens que elas confiram aos seus titulares, de modo que é possível emitir uma classe específica de ações ao !32 14 de outubro de 2014 programador, por um preço mais baixo, mas que lhe conceda determinadas vantagens, como a garantia de distribuição mínima de dividendos. ! O papel do Investidor é o de entrar no negócio com capital, de modo a viabilizar o seu sucesso. Em start ups, esses agentes podem ser tanto fundos de investimento quanto sujeitos com capacidade de injetar recursos financeiros na empresa nascente. Normalmente, eles entram na empresa quando ela já está solidificada há um tempo razoável. Diferente do fundador, o critério principal para a entrada desse agente é o risco que se apresentará caso o negócio não se desenvolva com desenvoltura. ! Considerando que o seu interesse reside na valorização da empresa para venda futura, parece-nos que a estrutura ideal para esse perfil é a Sociedade Anônima Fechada. Isso porque ela apresenta estratégias mais fáceis de entrada e saída da sociedade. ! O fato de poder-se emitir ações de diferentes espécies e classes aos acionistas é vantajoso, na medida em que, muitas vezes, o Investidor prefere possuir ações ordinárias para influenciar na consecução da gestão da empresa e aumentar o seu valor, para vender suas ações futuramente. E, em outras tantas, ele contenta-se com ações preferenciais que lhes garantem prioridade na distribuição de capitais ou no reembolso de capital (artigo 16, da Lei 6.404/76). Também, em uma Sociedade Anônima, há a vantagem de as ações poderem ser emitidas sem valor nominal (art. 11 e 14 da Lei nº 6.404/76), de modo que o valor dessas ações é flutuante, podendo aumentar e diminuir de acordo com o mercado. ! No que diz respeito à transferência de quotas, na Sociedade Limitada, o sócio pode optar por ceder as suas quotas para terceiros. Essa cessão pode ser disciplinada pelo contrato social. Todavia, na omissão de tal dispositivo no contrato, o art. 1.057 do Código Civil, disciplina a cessão de quotas, prevendo duas situações distintas: (i) cessão de quotas a quem seja sócio, que é livre da anuência dos demais sócios; e (ii) cessão de quotas a terceiros estranhos à sociedade, sendo que a cessão fica condicionada à inexistência de oposição de sócios que representem mais de 25% do capital social, restando, pois, à cessão a condicionante de aprovação de ¾ do capital social. Ou seja, percebe-se que, se !33 14 de outubro de 2014 no contrato social não existir disposição regulando a cessão de quotas, transferi-las para terceiros será pouco maleável. ! Ainda assim, o sócio tem o direito de sair da sociedade. Isso se dará mediante notificação, com antecedência de 60 dias (artigo 1.029 do Código Civil), tendo em vista a prevalência do interesse na preservação da empresa. Nesse caso, a saída do sócio sem cessão para terceiros também é pouco maleável. ! Por outro lado, em Sociedades por Ações Fechadas, a venda de ações é mais maleável, pois a regra é a livre circulação de ações. Em outras palavras, o sócio poderá alienar as suas ações livremente, sem estar ancorado ao assentimento dos demais membros da mesma sociedade. Todavia, permite a lei que o estatuto da sociedade fechada imponha certas restrições à transferência. Assim, é comum estabelecer, por meio de acordos de acionistas, que o acionista que desejar alienar suas ações deverá, primeiramente, oferecê-las aos demais, ou, ainda, condicionar o ingresso de terceiros à observância de determinados requisitos ou à concordância da totalidade dos acionistas Além disso, o sócio pode optar por sair da sociedade com maior facilidade, caso seja do seu próprio interesse a fim de gerar recursos próprios ou, destarte, permitir a entrada de um sócio estratégico. Assim, infere-se com a leitura do disposto artigo acima mencionado, que a vontade de extinguir o liame societário é, então, absoluta, pois ninguém pode ser compelido a permanecer indefinidamente associado. ! Como cada tipo de contribuição ingressa como participação societária? ! Para dar início à sua atividade econômica, a sociedade necessita de recursos, como máquinas, tecnologia, serviços, trabalho, etc. De modo geral, esses recursos podem ser obtidos de duas maneiras: pela capitalização ou pelo financiamento. Na capitalização, a companhia recebe dos sócios os referidos recursos, de modo que ela não tem o dever de restituí-los ou remunerá-los, pois em troca da capitalização os sócios/acionistas adquirem participação societária. Por outro lado, no financiamento, a companhia se torna devedora dos prestadores de recursos, por exemplo, de um banco. ! !34 14 de outubro de 2014 No início do negócio, o capital social deve ser formado pela contribuição de cada sócio na sociedade. O capital social consiste no montante necessário para se constituir e iniciar as atividades de uma nova empresa enquanto essa não gera recursos suficientes para se sustentar, sendo formado pela contribuição dos sócios. Normalmente, os sócios transferem capital, bens ou crédito do seu patrimônio ao da pessoa jurídica para que a sociedade comece a funcionar, de modo que o número de quotas/ações adquiridas será proporcional à sua contribuição no capital social. ! No que se refere à formação inicial do capital social, devem-se distinguir dois termos: a subscrição e a integralização. A subscrição consiste no montante de recursos prometidos pelos sócios para a formação da sociedade, enquanto a integralização consiste no montante que os sócios efetivamente lhe entregaram. Assim, ao constituir-se a sociedade, os sócios avaliam que ela precisa, por exemplo, de R$ 100.000.000,00 e, em seguida, estabelecem a proporção da contribuição de cada um, ou seja, a parte dos recursos que cada sócio se compromete a disponibilizar em favor da pessoa jurídica em formação. Esse é o capital subscrito. Na sequência, chegam ao acordo sobre quando o compromisso tem de ser atendido, isto é, o prazo para a entrega à sociedade dos recursos em questão. Se os sócios decidirem que, no início, é necessário apenas 1/4 daqueles recursos, o total do capital integralizado será de R$ 25.000.000,00, sendo inferior ao capital subscrito que equivale a R$ 100.000.000,00. ! Aqui, também se inserem os conceitos de quota e ação. A quota é a parcela constituída em bens ou dinheiro que cada sócio incorpora para a formação total do capital social de uma Sociedade Limitada. A ação é um título nominativo negociável que representa quem possui uma fração do capital social de uma Sociedade Anônima, sendo que ela pode ser ordinária nominativa (ON) ou preferencial nominativa (PN). Desse modo, a quota e a ação consistem em uma parcela do capital social que confere direitos patrimoniais e pessoais aos sócios. Os primeiros são direitos do sócio de participação nos lucros e no patrimônio líquido da sociedade após sua liquidação. Já os segundos correspondem ao direito de participação do sócio como na gestão do negócio. ! !35 14 de outubro de 2014 Quanto às diferenças principais entre quotas e ações, percebe-se que as primeiras não podem ser convertidas em entidade patrimonial autônoma, do mesmo modo que não podem constituir-se em valor mobiliário. Além disso, diz-se que a Sociedade Limitada “é uma sociedade de pessoas” e a Sociedade Anônima é “uma sociedade de capital”. ! Sociedade Limitada ! O capital social de uma Sociedade Limitada pode ser divido em quotas iguais ou desiguais. No caso de quotas iguais, consideremos o seguinte exemplo: o capital social da XYZ Ltda. será de R$ 150.000,00, dividido em 150.000 quotas, no valor nominal de R$ 1,00 cada uma, e assim distribuído entre os sócios: JOÃO - 75.000 quotas R$ 75.000,00 e PEDRO - 75.000 quotas R$ 75.000,00. Por outro lado, no caso de quotas desiguais, podese apresentar o seguinte exemplo: o capital social será de R$ 150.000,00, dividido em duas quotas nos valores nominais de R$ 100.000,00 e R$ 50.000,00, e assim distribuído entre os sócios: JOÃO - 1 quota R$ 100.000,00 e PEDRO - 1 quota R$ 50.000,00. ! Em uma Sociedade Limitada, os sócios podem comprometer-se mediante pagamento em dinheiro, conferência de bens ou créditos à sociedade, sendo lhes vedada, por lei, a contribuição que consista em prestação de serviços. Quanto à contribuição em dinheiro, não há qualquer previsão legal que exija a integralização de um percentual mínimo do capital subscrito no ato da constituição da sociedade, tampouco que fixe um prazo máximo para a sua integralização. Já em relação à contribuição mediante conferência de bens, a integralização com bens suscetíveis de avaliação em dinheiro não se submete obrigatoriamente à avaliação pericial, mas pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social. A não necessidade de avaliação de bens pode ser benéfica na medida em que dá espaço para os sócios decidirem sobre o valor do bem a ser integralizado, bem como diminui gastos com custos periciais. Quanto à contribuição mediante prestação de serviços, vedada pelo art. 1.055, § 2º do Código Civil, tem-se na prática que as sociedades permitem o ingresso de, por exemplo um pesquisador que tem em seu nome, em troca de seu trabalho, uma parte do capital subscrito da empresa. Pois neste caso não está havendo contribuição, mas sim uma mera participação societária como remuneração do trabalho sendo prestado. !36 14 de outubro de 2014 ! Sociedade Anônima Fechada ! Uma Sociedade Anônima tem seu capital social dividido em ações, que podem ser ordinárias ou preferenciais. Ações ordinárias dão direito a voto em Assembléia Geral. Ações preferenciais não dão direito a voto, mas sim preferência no recebimento de dividendos. ! Nessa modalidade jurídica, os sócios podem comprometer-se mediante pagamento em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. Em relação à contribuição em dinheiro, pelo menos 10% do capital social subscrito deverá ser integralizado em dinheiro, no ato da subscrição, podendo esse montante ser integralizado por um ou mais acionistas da companhia. Quanto à contribuição mediante conferência de bens, a integralização se submete obrigatoriamente à avaliação pericial, a qual deverá ser submetida à aprovação da Assembleia Geral. A obrigatoriedade da avaliação pericial é positiva na medida em que não abre espaço para discussões quanto ao valor do bem a ser integralizado, apesar de representar um custo adicional. Tem-se, ainda, a possibilidade de ingressar na sociedade apenas com trabalho, sendo o prestador de serviços, neste caso, responsável por uma parte do capital subscrito da empresa. ! Ambos os regimes são um tanto quanto parecidos quanto ao tipo de contribuição ingressando como participação societária, no entanto, a Sociedade Anônima Fechada ainda é mais vantajosa porque, à medida que apresenta um sistema um tanto quanto mais rígido e fiscalizatório, tem menos riscos de apresentar problemas na transformação da contribuição em participação societária, ainda que o sistema na Sociedade Limitada seja mais rápido e simples. ! ! ! ! ! ! !37 14 de outubro de 2014 (a) A lógica de vesting-cliffs ! Cliffs e vestings são mecanismos que ajudam a estruturar as participações societárias no contexto dinâmico da operação de uma startup. Eles auxiliam a definir as participações societárias de cada sócio, seja ele fundador ou funcionário, desde o início do negócio, a partir de critérios que determinam como se dará o caminhar de cada um na empresa. ! Exemplifiquemos com situações hipotéticas. Uma startup de negócios de impacto social foi criada por quatro fundadores – um administrador, um advogado e dois programadores. Todos contribuirão com capital e bens para o capital social. Porém, enquanto o administrador, o advogado e um dos programadores trabalharão exclusivamente para a startup, o outro programador não irá abrir mão do seu trabalho em outra empresa. Assim, os primeiros acabarão trabalhando muito mais do que o último. Na hora de formar a sociedade, os fundadores precisam definir qual será a estrutura societária, ou seja, qual será a participação societária de cada um na start up. No caso, não parece justo que todos tenham desde o início 25% de participação quando há um sócio que não se dedica exclusivamente ao negócio. ! Outra situação hipotética pode envolver funcionários da start up. Imagine que um dia os sócios resolvam embarcar um funcionário muito importante e dão para ele uma participação de 5% na sociedade. Um mês passa e esse funcionário/acionista resolve se desligar da empresa, mas mantém a sua participação acionária. Anos se passam e a empresa cresce de forma impressionante. Quando ela está no seu auge, esse funcionário retorna exigindo sua participação de 5%, apesar de ter ficado somente um mês na empresa após ter recebido a referida porcentagem do capital social. ! Ainda, pode-se imaginar a necessidade de um mecanismo de incentivo para que funcionários técnicos, como programadores, atinjam metas pré-determinadas pelos sócios. Isso porque os sócios podem desejar implantar um mecanismo que estabeleça critérios para a aquisição sucessiva de participação societária por esses funcionários. ! !38 14 de outubro de 2014 O que fazer em situações como essas? Eis que surge a lógica do vesting. Esse mecanismo é utilizado com relação a todos os acionistas que não compraram sua participação na empresa, o que inclui fundadores, funcionários, conselheiros e advisors. Vesting tem ligação com o verbo vestir, ou seja, significa que essas pessoas deverão vestir as ações que têm direito por um determinado período de tempo. Traduzindo, esse mecanismo consiste em um período de carência, no qual a sucessiva aquisição de participação societária é condicionada ao atingimento de metas ou critérios previamente estabelecidos. Há vários tipos de períodos de carência que podem ser utilizados, quais sejam: a carência com data pré-fixada (cliff-vesting), a carência direta (straight vesting), a carência de desempenho (performance vesting) e a carência em passos (step vesting). ! Aqui, optou-se por analisar em mais detalhes o cliff-vesting, muito utilizado por start ups. O período inicial para que acionistas possam adquirir qualquer participação acionária é denominado cliff. A aquisição por períodos sucessivos, após a consumação do cliff, é chamada de vesting. Por exemplo, determinada startup com um ano de vida contrata um Diretor de Marketing e lhe dá o “direito de vestir” 5% de ações em quatro anos. Assim, ele receberá 25% das ações de direito, ou seja, 1.25% da empresa (25% dos 5%) ao final do primeiro ano (12 meses) – que é o cliff. Caso ele saia da empresa antes do primeiro aniversário, portanto, não receberá nada. O prazo inicial de um ano, sem qualquer transferência de ações, é importante porque dá tempo aos acionistas de terem certeza do valor dessa pessoa. O restante (75% dos 5%) será dividido pelos 36 meses restantes – que é o vesting. Ou seja, o Diretor adquirirá 36 parcelas de 0.104166% a partir do décimo terceiro mês na empresa, de modo que quanto mais tempo nela ele permanecer, mais ações ele vestirá. No caso de ele sair antecipadamente, faz-se o cálculo para descobrir com quanto o acionista ficará e o saldo restante permanecerá com os acionistas que estavam originalmente diluídos. Há também que se ressaltar a possibilidade de estipular tanto o cliff quanto o vesting em torno de metas de performance específica do sujeito, de modo que ele só receberá as ações caso atinja as metas pré-determinadas. No exemplo acima, o Diretor de Marketing não receberia todo o mês a porcentagem de 0.104166%, pois esse ganho estaria condicionado a metas pré-estabelecidas, como a elaboração de um portfólio de produtos. ! !39 14 de outubro de 2014 Nota-se que existem situações que alteram o curso desse esquema, como a entrada de um investidor na empresa. Nesse caso, o vesting pode ser acelerado ou o acionista sujeito ao vesting pode ser diluído pelo valor de direito e não pelo valor vestido No último caso, todas as parcelas a receber serão reajustadas de acordo com a diluição. Afinal, se isso não for feito, quem possui um vesting longo receberia as mesmas parcelas de uma pizza bem maior que a originalmente acordada. ! O mecanismo de vesting pode ser tanto utilizado em Sociedades Limitadas quanto em Sociedades Anônimas. Em ambas isso pode ser feito por meio de dois mecanismos: (i) contrato de cessão de quotas/ações, que será utilizado quando um sócio (normalmente, o fundador) desejar transferir suas quotas ou ações diretamente ao indivíduo sujeito ao mecanismo de vesting; e (ii) aumento do capital social, sendo que por meio dessa opção os sócios originais serão diluídos pelas novas ações (se da mesma classe) ou quotas emitidas em decorrência do vesting. ! No caso de uma Sociedade Limitada, o contrato social pode prever um aumento do capital social da empresa. Ressalta-se que ele só poderá ser aumentado se todas as atuais quotas, ou seja, anteriores ao pretendido aumento, tiverem sido integralizadas (artigo 1.081 do Código Civil). O aumento deverá ser aprovado por membros que representam 75% do capital social e os sócios terão o direito de preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares, até trinta dias após a deliberação. ! O direito de preferência pode ser cedido, total ou parcialmente, a qualquer sócio ou terceiro, desde que não haja oposição de titulares de mais de 25% do capital social. Uma vez decorrido o prazo de preferência e havendo quotas que ainda não tenham sido subscritas, elas serão oferecidas a terceiros (no caso, que não obtiveram o direito de preferência). Subscrita a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembléia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato social. ! O mecanismo de vesting pode ser inserido no contrato social ao prever que o aumento do capital social estará condicionado à efetivação de alguns critérios, como o atingimento de !40 14 de outubro de 2014 metas por um terceiro, como um programador. No caso, o aumento do capital social seria aprovado e os sócios cederiam o seu direito de preferência ao programador, de modo que esse subscreveria as novas quotas (apesar de não integralizá-las em bens ou dinheiro) e seria aprovada modificação do contrato social para constar essas alterações. Os sócios originais podem optar por integralizar em bens e dinheiro as novas quotas subscritas por terceiros (no caso, o programador), mas não integralizadas por eles, com o propósito de “blindar” a responsabilidade, já que os sócios são solidariamente responsáveis até a integralização do capital social. ! Outra opção é firmar um contrato de cessão de quotas entre o sócio e terceiro. De acordo com o Código Civil, na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio (direito de preferência), independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Para que a cessão seja eficaz, deve ocorrer modificação do contrato social e sua respectiva averbação. Ressalta-se que até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. ! O grande problema de se utilizar o mecanismo de vesting em Sociedades Limitadas está no alto custo de transação. Isso porque é necessário modificar o contrato social para que a subscrição de novas ações se efetive, o que pode levar tempo. Além disso, o aumento do capital social e a cessão de quotas a terceiros estão muitas vezes condicionados a não oposição dos demais sócios. ! Portanto, acredita-se que o vesting tem mais sentido em Sociedades Anônimas. Afinal, as ações são mais maleáveis do que as quotas, de modo que para a sua transferência não é necessário alterar constantemente o estatuto social. Além disso, a diferenciação entre ações ordinárias e preferenciais é positiva, pois possibilita a criação de um pacote “criativo” de vesting. Já no caso da Sociedade Limitada, necessariamente deve-se aditar o contrato social, o que implica custo e tempo adicional para efetivar o vesting. ! !41 14 de outubro de 2014 Além disso, aumentar o capital social é mais fácil e rápido em Sociedades Anônimas. Normalmente, é através de alteração no estatuto social que ocorre um aumento do capital social, de modo que depois de aprovado por uma Assembléia Geral Extraordinária, as novas ações serão oferecidas aos acionistas (direito de preferência) e, as ações não subscritas pelos acionistas, serão oferecidas a terceiros. No entanto, a Lei das S/A prevê que em algumas situações ocorra aumento do capital autorizado. Ou seja, um aumento do capital social, com a emissão de novas ações, independentemente de alteração do estatuto. ! O estatuto social que contém cláusula de capital autorizado deve obedecer a certos dispositivos, como a obrigatoriedade do conselho de administração (art. 138 da Lei das S/ A). De acordo com o art. 168 da Lei das S/A, essa autorização do estatuto social deverá especificar: ! a) o limite de aumento, em valor do capital ou em número de ações, e as espécies e classes das ações que poderão ser emitidas; ! b) o órgão competente para deliberar sobre as emissões, que poderá ser a assembléia-geral ou o conselho de administração; ! c) as condições a que estiverem sujeitas as emissões; e ! d) os casos ou as condições em que os acionistas terão direito de preferência para subscrição, ou de inexistência desse direito (artigo 172). ! A partir da leitura desse artigo, percebe-se que o vesting já pode ser completamente estabelecido no estatuto social, determinando as condições para que o aumento se efetive, quando ele ocorrerá e qual espécie e classe de ações poderão ser emitidas, bem como excluindo o direito de preferência pelos acionistas (o que garante a subscrição por terceiros). ! Ressalta-se ainda, que de acordo com esse mesmo artigo: “o estatuto pode prever que o a companhia, dentro do limite de capital autorizado, e de acordo com plano aprovado pela assembléia-geral, outorgue opção de compra de ações a seus administradores ou !42 14 de outubro de 2014 empregados, ou a pessoas naturais que prestem serviços à companhia ou a sociedade sob seu controle”. Nesse sentido, a opção de compra de ações é uma forma jurídica que pode ser utilizada para efetivar o mecanismo de vesting, nesse caso, dando a opção de adquirir as ações ao sujeito beneficiário dessas. ! Exemplo de cláusula4: ! “Stock Vesting: Todas as ações e ações equivalentes emitidas após o encerramento para os funcionários, diretores, consultores e outros prestadores de serviços estarão sujeitos às disposições de aquisição abaixo, a menos que uma diferente aquisição seja aprovada pela maioria (incluindo pelo menos um diretor designado pelo investidor) consentindo do Conselho de Administração (a “Aprovação Requerida”): 25% no final do primeiro ano após a emissão desse tipo, com os restantes 75% para adquirir mensalmente ao longo dos próximos três anos. A opção de recompra deve prever que após a rescisão do cargo de acionista, com ou sem justa causa, a empresa ou seu cessionário (na medida do permitido em lei) mantém a opção de recompra pelo valor mais baixo do custo ou do valor atual de mercado, não exercidas quaisquer ações detidas por tal acionista. Qualquer emissão de ações em excesso para funcionários não aprovados pelo Conselho será um evento de diluição que necessita de ajuste do preço de conversão, tal como previsto acima, e estará sujeito a direitos de primeira oferta aos Investidores”. ! Como se dá a responsabilidade de cada um dos sócios? ! No que concerne à responsabilização dos sócios, observam-se diferenças importantes entre os dois tipos societários em análise. ! Sociedade Limitada ! Inicialmente, deve-se ressaltar que a integridade do capital social é a garantia dos credores da sociedade. Isso significa que o capital social se torna uma espécie de seguro, no limite do seu valor, que os sócios assinam perante os credores da sociedade. É nesse contexto que se insere a responsabilidade dos sócios. ! 4 BAHIA, Ronaldo. DESVENDANDO O TERM SHEET – VOCÊ SABE O QUE É “VESTING”? Disponível em: http:// blog.ronaldobahia.com/tag/acoes/. Acesso em 07/04/2014. !43 14 de outubro de 2014 Se o patrimônio social da Sociedade Limitada for insuficiente para responder pelo valor total de dívidas que a companhia contraiu na exploração da empresa, os credores só poderão responsabilizar os sócios, executando bens de seus patrimônios individuais, até certo montante, qual seja, o valor do capital social subscrito, mas não integralizado5, ou seja, todos os sócios respondem solidariamente pela parte não integralizada do capital subscrito. Se a dívida for superior ao patrimônio social ou se todos os sócios tiverem integralizado as suas quotas, a perda é do credor. Portanto, na Sociedade Limitada cada sócio responde pelo valor de sua quota, porém, todos terão responsabilidade solidária pela integralização do capital social. ! Assim, enquanto não houver a integralização, todos os sócios respondem solidariamente pela quantia não integralizada pelo prazo de cinco anos, até mesmo aqueles sócios que já integralizaram suas quotas. Desse modo, os credores poderão cobrar o que falta à integralização do capital social de qualquer um dos sócios, tendo o sócio, que sofreu a cobrança, direito de regresso contra o sócio titular das quotas não integralizadas6. ! Por exemplo, se A, B e C formam uma sociedade limitada, com capital subscrito de R$ 100.000.000,00, arcando, respectivamente, com 50%, 30% e 20% desse valor, cada um deles é responsável pela soma das quantias não integralizadas. Se A integraliza R$ 30.000.000,00 de sua quota de R$ 50.000.000,00. B, R$ 20.000.000,00 da quota de R$ 30.000.000,00. E, C integraliza todo o valor devido por ele, R$ 20.000.000,00. Então, o total devido à sociedade pelos sócios é de R$ 30.000.000,00. Esse é o montante que os credores da sociedade podem cobrar do sócio para satisfação de seus direitos creditícios. Caso os três sócios tivessem integralizado a totalidade do capital subscrito, nenhum deles poderia ser responsabilizado com seu patrimônio pessoal por dívidas da sociedade. Nesse caso, só haveria responsabilidade pelas dívidas caso o sócio tivesse praticado algum ato com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos. ! ! 5 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa - 20. ed. - São Paulo: Saraiva, 2008. págs. 156 a 159 e 182. 6 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa - 20. ed. - São Paulo: Saraiva, 2008. págs. 156 a 159 e 182 !44 14 de outubro de 2014 Sociedade Anônima Fechada ! Na Sociedade Anônima Fechada, cada acionista responde apenas pela sua parte no capital social, não assumindo, senão em situações excepcionalíssimas (por exemplo, com a desconsideração da personalidade jurídica ou a imputação direta da responsabilidade pela prática de atos ilícitos), nenhuma responsabilidade pelas dívidas da sociedade. Portanto, a responsabilidade dos sócios é limitada ao preço de emissão das ações, de modo que a responsabilidade é integralizar as ações pagando o preço de emissão das ações. ! Sendo assim, pode-se dizer que a responsabilidade limitada dos acionistas de uma S/A é ainda mais limitada do que a responsabilidade limitada dos quotistas de uma Sociedade Limitada. Afinal, os acionistas respondem somente pelo preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, ou seja, pela integralização de suas próprias ações, cabendo aos sócios inadimplentes arcar com a parte não integralizada do capital. Logo, utilizando o mesmo exemplo da responsabilidade na sociedade limitada, os sócios A, B e C poderiam ser cobrados, respectivamente, até R$ 30.000.000,00, R$ 20.000.000,00 e R$ 20.000.000,00, valores de emissão que consistem no montante de capital subscrito por cada um. ! Considerando a responsabilidade dos sócios na Sociedade Limitada e na Sociedade Anônima Fechada, conclui-se que esta última é melhor para ingressar no mercado, visto que a primeira é muito rígida e traz riscos aos sócios que cumprem com suas obrigações. Tomando como exemplo um pesquisador que ingressa na sociedade com seu trabalho, ficando responsável por uma parte do capital subscrito da empresa, na Sociedade Limitada todos os sócios seriam solidariamente responsáveis por esta parte do capital, enquanto na Sociedade Anônima Fechada apenas aquele sócio pesquisador seria responsável por sua parte, não envolvendo nenhum outro sócio caso venha apresente algum problema. Com isso, o esquema de responsabilização na Sociedade Anônima Fechada é mais flexível, impedindo que um sócio consiga sozinho levar o negócio abaixo. ! !45 14 de outubro de 2014 Qual é a melhor opção: distribuir lucros (dividendos mínimos e participação preferencial) ou reinvestir na empresa? ! As empresas nascentes, desde antes de sua constituição, enfrentam situações nas quais a tomada de decisão é de suma importância para o futuro e sucesso da empresa, decisões essas que precisam ser adotadas levando-se em consideração o perfil e interesse dos sócios. Isto é, a primeira escolha a se fazer será concernente à estrutura societária a ser adotada, importando aqui a comparação entre Sociedade Anônima Fechada e Sociedade Limitada. ! Para decidir qual é a melhor opção para a empresa, os sócios precisam justamente deliberar o quanto de controle cada um deseja ter nos processos de decisão e no gerenciamento da atividade empresarial. Dependendo desse controle e de que forma ele se estrutura, alcança-se uma questão central sobre qual é a melhor opção para a empresa: a distribuição dos dividendos ou o reinvestimento dos lucros. Este item procura, portanto, explorar quais são as diferenças entre os dois tipos societários antes mencionados no que tange a tomada de decisão no momento de definir se deverão ser distribuídos os dividendos ou se serão reinvestidos os lucros na empresa. ! Em primeiro lugar, precisamos estabelecer algumas diferenças essenciais entre as duas estruturas societárias mencionadas anteriormente. Na Sociedade Limitada, de maneira geral, as decisões devem respeitar o que dispõe o art. 1010 do Código Civil, cuja redação diz que, quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. Considerando que cada sócio tem uma participação na empresa, podendo um deles ser sócio controlador, é nesse momento que encontramos o primeiro problema a ser discutido: o conflito de interesses. ! Considere-se então, a título de exemplificação, uma empresa nascente em tecnologia com 2 sócios, que toma a forma de Sociedade Limitada. Uma vez que os sócios dessa startup podem ter diferentes perfis e considerando que em uma Sociedade Limitada algumas decisões precisam de aprovação por maioria de sócios, em uma empresa com poucos !46 14 de outubro de 2014 sócios, a maioria pode significar unanimidade. Sendo assim, dado que não há diferenciação em espécie das quotas (não há de se falar em cotas preferências em sociedades limitadas, como se fala nas sociedades anônimas), se o interesse de um dos sócios for dissidente, haverá um impasse que dificulta a tomada de decisão. Essa dissidência pode derivar de uma situação em que um dos sócios participa da empresa somente com objetivos de obter lucros, enquanto os outros sócios, preocupados em alavancar os negócios da empresa, optam por reinvesti-los. Há, portanto, um conflito de interesses evidente. ! Nesse mesmo cenário, é preciso considerar o perfil do investidor, que tem como principal interesse aumentar o valor da empresa e gerar lucro. É certo que o investidor pode conferir ao empreendedor o poder de decisão, para que esse empreendedor ou administrador seja responsável pela gestão da empresa. Porém, se o investidor possuir o maior número de quotas da sociedade, poderá, arbitrariamente, tomar a frente da gerência. Dito isso, se os sócios da startup procuram uma estrutura na qual o investidor tenha menos poder de interferência em seus negócios, cabe então analisar as vantagens da Sociedade Anônima, visto que nesse tipo de sociedade as responsabilidades são diferentes para os detentores de distintas espécies de ações, uma vez que as ações ordinárias conferem direitos comuns aos sócios, enquanto as ações preferenciais conferem privilégios aos sócios titulares como prioridade no recebimento dos dividendos mínimos em detrimento do direito de votar, por exemplo. ! Passa-se, agora, à análise da estrutura da Sociedade Anônima. O art. 15 da lei das S/A dispõe que as ações podem ser classificadas em espécie de acordo com a natureza dos direitos ou vantagens que essas confiram aos seus titulares. Para nosso estudo, importa a diferença entre as ações ordinárias e as ações preferenciais, essencialmente no que tange o direito de voto. As ações ordinárias são aquelas que conferem aos acionistas o direito de voto, enquanto as ações preferenciais restringem esse direito, com a vantagem de que os titulares dessas ações detém a preferência, normalmente, no recebimento dos dividendos. ! !47 14 de outubro de 2014 Essa discussão é importante para uma empresa nascente em dois aspectos: o interesse financeiro e econômico dos sócios e o controle de gestão. Sob a ótica do empreendedor, é sem dúvida preferível que durante os primeiros anos da empresa o lucro seja reinvestido, a fim de alavancar os negócios da empresa e fazer com que ela se consolide no mercado, pois por ser uma empresa pequena qualquer investimento pode ser crucial. Note-se, contudo, que isso não é uma regra, uma vez que a decisão deve corresponder ao interesse do empreendedor. Assim, supondo que esse interesse seja atrair novos investidores, a distribuição de lucros e um bom percentual de retorno podem ser fundamentais para atraí-los, de forma que o retorno da empresa seja reinvestido para aumentar sua competitividade e seu crescimento. ! Do ponto de vista de gerenciamento, devido à possibilidade de estruturar a sociedade com diferentes composições de ações, os acionistas ordinários serão os responsáveis pela gestão da empresa, enquanto os donos das ações preferenciais não poderão interferir na gestão da empresa a não ser em casos expressos em lei. Sendo assim, esses preferencialistas terão direito somente aos lucros da sociedade. Observa-se, porém, que nem sempre os investidores tem interesse exclusivo nos dividendos da empresa, pois em vários casos ocorre que o investidor prefere ter pelo menos participação nos órgãos de tomada de decisão, para justamente ter certo grau de controle sobre o direcionamento das atividades. ! Também, devido às responsabilidades distintas que são atribuídas aos sócios conforme o tipo de ação, aqueles que detêm o poder de decisão poderão definir em Assembleia a porcentagem mínima de dividendos que serão distribuídos aos preferencialistas, desde que este mínimo conste no Estatuto Social da empresa (afastando a regra da Lei 6404/76 que obriga a distribuição de 25% do lucro anualmente). Dessa forma, a Sociedade Anônima passa a ser uma boa opção para aqueles empreendedores que procuram investidores que não estejam interessados nos processos de deliberação, deixando isto a cargo dos acionistas ordinários, ou seja, dos fundadores. ! Dado o exposto, o empreendedor deve ter em mente que o tipo de sociedade a ser escolhido impacta a decisão sobre reinvestir lucros ou distribui-los. Cada estrutura !48 14 de outubro de 2014 acionária apresentar vantagens e desvantagens, mas, a nosso ver, a ideal é a Sociedade Anônima por ser a mais maleável. ! Por que utilizar cláusulas de diluição de participação para a entrada de novos investidores? ! Inicia-se esse item definindo o conceito de cláusula anti-diluição. Essa cláusula, normalmente estipulada em acordos de acionistas, impede que o investidor tenha sua importância na empresa reduzida devido a aumentos no capital investido no negócio. Em outras palavras: se a participação societária do investidor for diluída por causa de aumentos no capital da empresa, inferiores aqueles inicialmente realizados por ele, esse poderá exigir a recomposição de sua participação. ! A cláusula anti-diluição, normalmente, é exigida por investidores de start ups, como fundos de investimento. Afinal, eles querem garantir que não perderão o valor da sua ação com o tempo. ! As formas mais comuns assumidas pelas cláusulas anti-diluição são: direito de participar pro-rata nas futuras rodadas de capitalização da empresa, direito de adquirir novas ações emitidas pela empresa a um preço de conversão igual ao preço das novas ações emitidas (full-ratchet), direito a subscrição a um preço de conversão ajustado ao tamanho das emissões anteriores e da atual (weighted-average). ! Para exemplificar, vamos assumir que uma start up levante R$ 2 milhões a partir da emissão de ações preferenciais (sem direito a voto), que são subscritas por um investidor. O investidor, portanto, adquire dois milhões de ações ao preço de R$1,00 por ação, ou seja, a taxa de conversão é de 1 (1:1). Dezoito meses depois, a referida start up levanta mais R$ 2 milhões em ações preferenciais, subscritas por um novo investidor, só que pelo preço de R$0,50 por ação, de modo que o novo investidor adquire quatro milhões de ações pelos mesmos R$ 2 milhões, de modo que a taxa de conversão é de 2 (1:0,5). Nesse caso, a start up emitiu o dobro de ações para gerar a mesma quantidade de dinheiro, de modo que diluiu a participação do primeiro investidor. Aqui, insere-se a !49 14 de outubro de 2014 cláusula anti-diluição, que pretende “recuperar” o pagamento em excesso feito pelo primeiro investidor, ajustando a taxa de conversão. ! No caso acima, a anti-diluição full-rachet, considerada draconiana para os fundadores, puxa para baixo o preço de conversão para o menor preço em que a ação é emitida após a emissão de ações preferenciais do investidor - independentemente do número de ações emitidas. No exemplo acima, o preço de conversão seria de R$0,50, de modo que a taxa de conversão seria de 2 (1 dividido por 0,50), de modo que o primeiro investidor receberia o dobro das ações inicialmente recebidas. ! A anti-diluição weighted-average, por sua vez, estabelece uma média ponderada levando em conta tanto o preço mais baixo da ação quanto o número real de ações emitidas na rodada para baixo. Por isso, é mais moderada e mais precisa que a full-rachet. Assim, quanto maior o número de ações que são emitidas a um preço inferior, mais significativo será o ajustamento à taxa de conversão. ! O último tipo de cláusula anti-diluição pode se basear em duas fórmulas principais: a broad-based weighted-average formula e a narrow-based weighted-average formula. Na primeira, a emissão decorrente da anti-diluição é ponderada em relação ao capital social totalmente diluído da empresa (ou seja, assume a conversão de todas as ações preferenciais, bônus de subscrição, opções de ações e outros valores mobiliários conversíveis). Na segunda, essa emissão está ponderada somente em função dos títulos em circulação e não inclui valores mobiliários conversíveis. Portanto, enquanto a broadbased weighted-average formula é mais atraente para os investidores que tiveram o valor das suas ações diluído, a narrow-based weighted-average formula é mais atraente para os acionistas fundadores. ! A cláusula anti-diluição só teria sentido em Sociedades Anônimas, isso porque as ações podem ser quase que livremente transferidas, quando comparadas a transferência de quotas. Afinal, as primeiras podem ser transferidas mediante o simples registro no Livro de Transferência de Ações, enquanto as segundas exigem alteração no contrato social e, logo, conhecimento dos demais sócios não envolvidos na transferência. Além disso, as !50 14 de outubro de 2014 ações não tem seu valor fixado a determinado valor, como as quotas, que apresentam um valor pré-definido no contrato social. ! Exemplo de cláusula7: ! “3.3.2 O número de Ações Preferenciais em circulação deverá estar sujeito a ajuste por meio de desdobramento de ações (ou de grupamento de ações, apenas no caso da Cláusula 3.3.2.2) pelos motivos descritos abaixo nesta Cláusula 3.3.2: 3.3.2.1 qualquer emissão de quaisquer Ações Ordinárias ou equivalentes a elas (incluindo, entre outros, qualquer emissão de ações preferenciais, opções, bônus de subscrição e outros valores mobiliários passíveis de conversão em, exercício ou troca por, Ações Ordinárias) a um preço por ação (doravante denominado “Preço de Diluição”) menor do que o Preço de Referência em vigor imediatamente antes da referida emissão deverá resultar em um desdobramento automático de Ações Preferenciais, de modo que, depois desse desdobramento, o número de Ações Preferenciais em circulação seja igual ao produto (x) do número de Ações Preferenciais em circulação emitidas imediatamente antes da referida emissão; e (y) uma fração cujo numerador seja o Preço de Referência em vigor imediatamente antes da referida emissão e o denominador seja o Preço de Diluição; ficando ressalvado que se o Preço de Diluição for menor do que o preço de subscrição por Ação Ordinária na Data de Fechamento (devendo o referido preço ser ajustado de acordo com os Eventos de Ajuste de Ação), o Preço de Diluição deverá ser considerado como sendo o preço de subscrição por Ação Ordinária na Data de Fechamento; e ficando ressalvado, ainda, que o efeito cumulativo dos ajustes previstos pelos termos desta Cláusula 3.3.2.1 não deverá reduzir o coeficiente (A) das Ações Ordinárias em circulação na ocasião detidas pela Fundadora em relação (B) ao total das Ações Preferenciais em circulação na ocasião mais as Ações Ordinárias em circulação na ocasião detidas pelos Investidores, em relação a um valor menor do que o coeficiente (C) do Investimento em Ações Ordinárias da Fundadora em relação (D) ao total de Investimento dos Investidores mais o Investimento Classe B da Fundadora, em cada caso, depois de levar em consideração a aquisição de quaisquer valores mobiliários adicionais da Sociedade pela Fundadora e por qualquer um dos Investidores. Qualquer ajuste ao Preço de Referência, conforme previsto por esta Cláusula 3.3.2.1., será doravante denominado, no presente instrumento, um “Evento Anti-Diluição”. 3.3.2.2 Se, conforme qualquer desdobramento de capital, exercício de opções, conversão de valores mobiliários, grupamento de ações, pagamento de dividendos em ações, bonificações às Ações Ordinárias ou outra transação similar (doravante denominados “Eventos de Ajuste de Ação”), o número de Ações Ordinárias da Sociedade for aumentado ou reduzido, o número de Ações Preferenciais também deverá ser aumentado ou reduzido, conforme for o caso, proporcionalmente, de forma que as Ações Preferenciais continuem representando a mesma porcentagem do 7 Acordo de Acionistas da OGX PETRÓLEO E GÁS PARTICIPAÇÕES S.A. Datado de 18 de dezembro de 2007. !51 14 de outubro de 2014 capital social em circulação da Sociedade depois de um Evento de Ajuste de Ação, como era antes do Evento de Ajuste de Ação”. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !52 14 de outubro de 2014 ! 2.3. Governança da Empresa Nascente Equipe: Gustavo Alvoreda, Letícia Penna, Lucas Padilha, Luíza Martinez e Maria Eugênia Lacerda. ! O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) define governança coorporativa como “as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital”8. ! Os desafios postos à frente da governança têm como parâmetros, por um lado, a relação interna, considerando tanto a estruturação dos organismos de controle, como também o trato interpessoal daqueles que possuem o controle (poder oriundo do contrato social ou até mesmo de um poder efetivo mediante acordo). Já, por outro lado, a análise sobre a relação entre a empresa e o ordenamento jurídico em que esta se insere, visto que suas especificações internas devem estar uniformes (ou no mínimo coerentes) às práticas normativas estabelecidas ao assunto. Sinteticamente: “um sistema de governança é considerado eficiente quando combina diferentes mecanismos internos e externos a fim de assegurar decisões no melhor interesse de longo prazo dos acionistas [ou quotistas]9”. ! A relação interna é vista como problemática à medida que os interesses de controle se controvertem ao logo do tempo, por exemplo, por mudanças de concepções entre os controladores ou com o ingresso de novos players. O importante a destacar é que, independente das divergências, a governança deve ser estabelecida para suportar essas oscilações. Na mesma lógica se pauta a relação externa da empresa com o ordenamento jurídico, estabelecendo de maneira clara as determinações no contrato social. ! Inicia-se, portanto, a discussão sobre questões referentes (i) a estrutura de interesses (levando em consideração os interesses da start-up de ascensão rápida no mercado e de 8 Cf. o site <http://www.ibgc.org.br>. 9 SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da. Governança corporativa no Brasil e no mundo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 10 !53 14 de outubro de 2014 busca de investimentos; e os interesses de seus investidores, tanto os de capital (aqueles iniciais na criação da empresa), como aqueles de know-how ou de rodadas de investimento (entre eles, as aceleradoras e os fundos de investimentos); e, questões referentes (ii) a tomada de decisão. ! Vale ressaltar, que a análise da estrutura de interesses e da tomada de decisão se dará na escolha do tipo societário, remetendo-se às limitadas (neste trabalho como Ltda.) e as sociedades anônimas de capital fechado (neste trabalho como S/A). Por meio dessa análise, serão discutidas: ! a. as vantagens e desvantagens da existência dos diversos órgãos de governança da empresa (Assembleia Geral, Diretoria, Conselho de Administração, Conselho Fiscal e Conselho Consultivo), especificando suas competências; ! b. os requisitos ou impossibilidades de participação oriunda do Acordo de Acionistas; e ! c. os interesses práticos na participação do poder de controle no mercado brasileiro de start-ups com impacto social (por exemplo, o quórum necessário para tomada de decisões). ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !54 14 de outubro de 2014 Tabela comparativa: Ltda. e S/A fechada10 Tipo Societário Sociedade Limitada ! (Ltda) Sociedade por Ações ! (S/A fechada) Regime Jurídico Código Civil Regra Subsidiária Lei n.º 6.404/76 (Lei das S.A.) e alterações. Estrutura Organizacional Interna Órgãos sociais: Órgãos sociais: !- - Reunião ou Assembleia de Sócios; Administração Una (Diretoria) ou Dual (Diretoria e Conselho de Administração); Conselho Fiscal. - 3/4; 2/3; Unanimidade; 1/2; Maioria simples; - Forma de Deliberação !- - Assembleia Geral: AGO e AGE; Administração Una (Diretoria) ou Dual (Diretoria e Conselho de Administração); Assembleia Geral. - 1/2; - Maioria simples; ! Obs: O estatuto social pode estabelecer quórum mais elevado para matérias Obs: O contrato social pode específicas. estabelecer quórum mais elevando para matérias específicas. ! Estrutura Administrativa - Administração cabe as - pessoas designadas no contrato social; Administrador pode ser sócio ou não sócio; e O contrato social deve definir a estrutura administrativa. - O estatuto social deve - definir a estrutura administrativa; Diretoria, com no mínimo 02 membros; Conselho de Administração, com no mínimo 03 membros; ! ! ! ! ! ! 10Tabela baseada nos trabalhos de Viviane Muller Prado, professora da FGV DIREITO SP, e nos dispositivos do Código Civil e da Lei das SAs. !55 14 de outubro de 2014 Discussão preliminar: supletividade da Lei nº 6.404/76 em Ltda. para governança corporativa ! A introdução de mecanismos de governança da SAs – Conselho de Administração, Conselho Fiscal, Acordo de Acionistas, Assembleia de Debenturistas, dentre outros – na Ltda pode ser desejável na dinamização da gestão de empresas nascentes de impacto social. Empreendedores, aceleradoras e fundos de private equity percebem na gestão societária, regulada pela Lei 6.404/76 (Lei das S/A), vantagens frente ao modelo mais popular em quase todos os mercados brasileiros, inclusive o de empreendimentos de impacto social, a Ltda, organizada pelo Código Civil. ! A discussão de custos e riscos de cada modelo deve incluir a hipótese de estruturação societária híbrida do empreendimento social de impacto: “o melhor dos dois mundos” seria possível? Daqueles mecanismos da S/A quais podem – e como podem - inovar o contrato social das Ltda? ! O Código Civil possibilitou aos empreendedores a inclusão de uma cláusula no contrato social da limitada de regulação supletiva da Lei 6.404/76. Se o contrato não eleger a Lei 6.404/76 como norma supletiva, o preenchimento de lacunas da lei ou do contrato (supletividade), se dará por meio das regras aplicáveis as Sociedades Simples11, a qual é estabelecida como base nas normas que caracterizam as sociedades. ! O risco de aplicar às Ltda. regras das S/A é menor no quesito governança que no quesito emissão de títulos (capitalização), por exemplo12. O entendimento predominante é de que não podem ser importados mecanismos de S/A estranhos ao capital social da Ltda. (debêntures, abertura de capital/ IPO, por exemplo) e aos direitos e deveres dos sócios 11 Código Civil, art. 1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”. 12 “(...) são plenamente aplicáveis às sociedades limitadas as regras da sociedade anônima no que respeita, sobretudo, à estrutura organizacional, aos direitos, deveres e responsabilidades dos administradores – por exemplo, as regras de organização e funcionamento dos órgãos da administração - , bem como aquelas que regem os pactos parassociais, como o acordo de acionistas.” CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos1052 a 1195), São Paulo: Saraiva, 2003, p. 45 !56 14 de outubro de 2014 (seriam a parte essencial da natureza da limitada)13. Ainda que nestes últimos quesitos o risco de inovação contratual seja relativamente maior, a lei não os proíbe, de forma que a própria praxe das juntas comerciais estaduais acaba por ser determinante na aceitação da escrituração de cláusulas deste tipo (por exemplo, cláusulas que tratem de emissão de debêntures por limitadas). ! O artigo da supletividade da Lei 6.404/76 será essencial para a análise que se segue. A inserção de cada instrumento de governança da S/A em Ltda. é um risco que varia para cada órgão ou, em termos mais gerais, mecanismos: por exemplo, há poucas controvérsias sobre a inclusão de Conselho Fiscal, nos moldes da S/A em Ltda.14. ! Ainda que o Código Civil traga a possibilidade geral de regência suplementar da Lei 6.404/76, cada uma das hipóteses de inovação em governança para empresas nascentes de impacto social e sua inclusão no contrato social da Ltda., deve passar por uma análise em separado dado que cada órgão e mecanismo pode conflitar com a natureza e a regulamentação da Ltda. Existem normas deste tipo societário que são indisponíveis e, em conflito com algumas hipóteses aventadas, prevalecerão àquilo disposto no contrato social. A análise de risco da inclusão de mecanismos de governança da S/A em Ltda. serve de parâmetro para a escolha ou de um modelo em detrimento do outro (Ltda. ou S/A, de maneira “conservadora”) ou de um modelo híbrido (órgãos de governança originários da S/A em Ltda.) que aproveite o “melhor dos dois mundos”. ! ! 13 “Assim, exemplificadamente, não podem ser aplicadas às sociedades limitadas as regras da sociedade anônima atinentes à constituição da sociedade; à limitação de responsabilidade dos sócios; aos direitos e obrigações dos sócios entre si e para com a sociedade; à emissão de títulos estranhos ao capital social, tais como debêntures, partes beneficiárias e bônus de subscrição; à abertura do capital com apelo à poupança pública; à emissão de quotas sem valor nominal; à emissão de certificados de quotas; e à subsidiária integral.” Ibidem. 14 O Código Civil trouxe expressamente a faculdade da inclusão de Conselho Fiscal em Limitadas, porém, sob regulação própria. Ora, se aqui a lei traz um modelo facultativo, há poucas dúvidas de que se pode, fazendo o uso do contrato social, importar o Conselho Fiscal das S/A. Critica-se, inclusive, a pretensão do legislador em fazer o Código Civil regular especificamente o Conselho Fiscal em Limitadas, o paradigma legal poderia, muito bem, ser a Lei das S/A. Assim entende o professor José Waldecy Lucena: “O CC/2002 (...) entendeu expressamente permissível à novel sociedade limitada instituir conselho fiscal, o qual disciplinou nos artigos 1.066 a 1.070. Um exagero grotesco veemente criticado, já que melhor teria sido manter o sistema anterior, isto é , relegada a sua criação ao contrato social, sua regência, uma vez instituído o conselho, dar-se-ia pelo que dispusesse o próprio contrato, e nas omissões deste, pela Lei das Anônimas”. LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Limitadas. Renovar, 2003, p. 563. !57 14 de outubro de 2014 Problemática na governança ! Considerando os órgãos estabelecidos de maneira obrigatória ou facultativa, tanto para Ltda., como para S/A, analisaremos as vantagens e desvantagens da sua existência e suas atribuições na governança da empresa. A Assembleia Geral foi qualificada como um órgão devido ao seu caráter deliberativo. ! (a) Assembleia Geral ! A Assembleia Geral é um órgão deliberativo e de tomada de decisão interna da empresa (à medida que são decididas matérias basilares para o funcionamento da própria empresa), em que se encontram de maneira formal (em menor grau nas Ltda.) todos os sócios ou acionistas. É necessário que esta ocorra ao menos anualmente nos dois modelos analisados, conforme art. 1.078 do Código Civil, e no art. 132 da Lei 6.404/7615. Um dos assuntos recorrentes nos encontros é, por exemplo, as contas da administração. Vale ressaltar que as decisões tomadas são sempre revogáveis em ambos órgãos podendo ser alterada segundo previsões legais e o indicado no Contrato (ou Estatuto) Social16. ! A função das Assembleias, tanto na Ltda., como na S/A, convergem no que tange o alinhamento de visões quanto ao futuro da companhia, assim como na conferência de inúmeros documentos tanto administrativos, quanto contábeis. ! Nas Ltda., há diferença entre a Assembleia e a Reunião. Enquanto a primeira é mais formal em inúmeros aspectos, que vão desde o modo de sua convocação (art 1.152, §3º, CC)17, passando pelas condições dos artigos 1.074 e 1.075, CC; as Reuniões apresentam mais liberdade de forma, posto que cabe ao Contrato Social estabelecer seu funcionamento, 15 É importante notar que um fator exclusivo das Ltda., é que as Assembleias (ou Reuniões) podem ser acionada em outros momentos (arts. 1.072 e 1.073, CC). 16 SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Das Assembleias/ Reuniões de sócios de sociedade limitada. 2005 Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6405/das-assembleias-reunioes-de-socios-de-sociedade-limitada# ixzz2yLfa0TVC>. 17 Notamos a referência sobre o art. 1.072, CC: “As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.” !58 14 de outubro de 2014 instalação, assentamento. Nos casos em que há omissão legal, aplica-se às Reuniões as regras da Assembleia (intepretação conjunta dos arts. 1.072 e 1.079, CC). ! Suas funções específicas para as Ltda. são: (i) deliberar sobre o Balanço Patrimonial, a Demonstração de Resultados do Exercício e conferir a conta dos sócios; (ii) destituir ou designar administradores, assim como tratar do modo de remuneração destes e; (iii) alterar o Contrato Social; além de tratar de outros assuntos pertinentes, segundo prescrito no artigo 1.078, CC. ! Já, nas SAs, há distinção entre Assembleias Ordinárias e Extraordinárias nas S/A. As Ordinárias são marcadas com antecedência, segundo previsão legal e ocorrem anualmente, tratando de assuntos pré-definidos; e, no segundo caso, o encontro é decorrente de situação imprevista e que deve ser abordada rapidamente, tratando, assim de temas excepcionais, urgentes18. ! Suas funções diretas nas S/A são: (i) analisar os resultados do exercício e as contas dos administradores; (ii) discutir a destinação do lucro líquido do exercício e a repartição dos dividendos; (iii) eleger membros do Conselho Fiscal e Administradores, quando assim necessário e; (iv) aprovar correção da expressão monetária do capital social, segundo roga o art. 132 da Lei 6.404/76. Também é de competência exclusiva deste órgão destituir administradores e alterar o Estatuto Social (art. 59 da mesma lei), mas deve-se atentar que nestes casos é necessário que se institua outra assembleia que não a anual (vide parágrafo único da lei), cujo quórum deverá ser decidido previamente. ! Pertinência para a start-up: ! A Assembleia é um órgão de controle, sendo pertinente às start-ups para garantir maior solenidade para as Reuniões (quando a empresa for Ltda.). Como os sócios costumam ser amigos, muitas vezes decisões importantes são tomadas em momentos de descontração. Apesar do bom relacionamento ser importante, é essencial que haja um momento de 18 Cf. JÚNIOR, Edgar Katzwinkel. Formalidades que a sociedade anônima deve cumprir para a regularidade da assembleia geral ordinária. 2012. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/22264/formalidades-que-a-sociedadeanonima-deve-cumprir-para-a-regularidade-da-assembleia-geral-ordinaria>. !59 14 de outubro de 2014 formalidade para que acordos sejam oficializados e não existam controvérsias no futuro (e nesse aspecto não consideramos a formalidade como burocracia, já que se faz necessária a documentação, por exemplo, de atas na tomada de decisões). ! (b) Diretoria ! Esse órgão se define como obrigatório em ambos tipos societários analisados. A Diretoria é responsável pela tomada de decisões na empresa, sua forma deve ser regulada no Contrato ou no Estatuto da empresa. Constituída por diretores, o órgão tem como função executar as metas da empresa, ou seja, concretizar os objetivos abstratos. ! Internamente, a Diretoria administra a empresa: estuda os obstáculos a serem ultrapassados e desenvolve meios para fazê-lo da forma mais eficiente possível. Externamente, o órgão expressa a vontade da pessoa jurídica, ou seja, os diretores manifestam, em nome da empresa19, as posições da mesma perante a sociedade20. ! Suas funções são desempenhadas em diferentes áreas da empresa; podem tratar da publicidade da empresa, estratégias de investimento, entre outras. Os diretores de cada área identificam formas de concretizar as diretrizes impostas pelo conselho administrativo. Por exemplo, se a empresa desejar lançar novo produto, os diretores estudam como esse projeto seria desenvolvido, os custos envolvidos, o mercado alvo e, a partir do panorama dos resultados, os diretores tomam decisões visando a concretização do produto da melhor forma possível para a empresa, ou seja, com baixos custos, de forma rápida, desenvolvendo a logística. Vale dizer que além dessas funções já elencadas, a Diretoria 19 “Nessa linha, Pontes de Miranda afirma que os sócios que administram a sociedade não são seus representantes, mas sim seus presentantes, pois quando atuam por ela na condição de órgão sociais é a própria sociedade que se faz presente(1965, v. 49, p.113 e 403)” In FINKELSTEIN, Maria Eugenia Reis e PROENÇA, José Marcelo Martins. Direito Societário: tipos societários. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 108. 20 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013. !60 14 de outubro de 2014 pode absorver as funções do Conselho de Administração, quando esse órgão não existe na empresa21 . ! A Diretoria é composta por um mínimo de duas pessoas naturais, ou seja, não sendo possível uma pessoa jurídica como diretora. Isso se dá pelas características da função, ou seja, o diretor responde a terceiros em nome da empresa22. Nas S/A especificamente, a própria lei deixa claro o impedimento em seu art. 146. Esse mesmo artigo é utilizado supletivamente para impedir a Diretoria de pessoas jurídicas também na Ltda.23. ! Pertinência para a start-up: ! Como explicitado, as start-ups não terão opção de adotar ou não esse órgão, uma vez que ele é obrigatório tanto para S/A quanto em Ltda. Contudo, os empresários têm discricionariedade ao decidir o número de Diretorias e quais suas funções. Assim, deve-se, ao escrever o Contrato ou o Estatuto Social, identificar quais as áreas mais relevantes para a empresa, para, então, criar as Diretorias24. . 21 O conselho administrativo é órgão facultativo formado por acionistas que tem como função o desenvolvimento de diretrizes a serem concretizadas pela diretoria. Portanto, quando este órgão não está presente, a diretoria delimita os objetivos e também os concretiza. Quando existir o Conselho de Administração, é importante notar que é possível que uma mesma pessoa faça parte do Conselho de Administração e da Diretoria, contudo deve-se respeitar a lei, a qual prevê que no máximo um terço dos integrantes do Conselho de Administração posam participar também da Diretoria (para que duas pessoas possam estar em ambos os cargos, é preciso que o Conselho de Administração tenha no mínimo 6 pessoas). 22 Os diretores não respondem com o patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade, exceto quando agem sem diligência e cuidado. Nesse caso, cabe responsabilização administrativa, civil e penal. Isto é, internamente o diretor pode ser destituído (não está condicionado ao processo judicial, a sociedade pode fazê-lo independente do resultado do processo); externamente cabe processo. Na esfera civil, caso comprovado o dolo e culpa do diretor, este pode ser obrigado a indenizar sociedade por perdas e danos e também a responder pelo prejuízo que causou em nome da sociedade. Na esfera penal, o diretor que atua com culpa ou dolo, está sujeito às sanções previstas em lei, como por exemplo fraude, crime contra sistema financeiro nacional ou crime contra ordem tributária. Disponível em: <http:// sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/diretoria.pdf.>. 23 Um exemplo concreto para demonstrar o impacto das decisões da diretoria na realidade é o caso de diretor de marketing, caso ele mude a forma de publicidade da empresa, a resposta do mercado consumidor também mudará, o que, consequentemente afeta as vendas e o lucro da empresa. 24 Vale dizer também que as Diretorias e a divisão de tarefas devem estar previstas no Contrato e no Estatuto, o qual também deve impor a quantidade mínima (não pode ser menor do que 2, como dispõe a lei) e máxima de diretores em cada Diretoria. Além disso, o Estatuto deve estabelecer o tempo do mandato, na S/A, o máximo para cada mandato é de 3 anos; e, na Ltda., não há previsão legal para limites; em ambos os casos, é possível reeleição. Além disso, o Estatuto e o Contrato deve constituir a forma como a substituição de diretores ocorrerá. !61 14 de outubro de 2014 ! Com a eleição de pessoas naturais para a composição da Diretoria, não há a restrição de nacionalidade para o cargo, uma vez que deve apenas ser residente do Brasil. Tal característica é relevante para as start-ups, na medida que o cargo de diretor possa exigir um conhecimento altamente especializado na área, possibilitando a contratação de algum estrangeiro qualificado. ! Dentro das start-ups, deve-se considerar o modo como as políticas da Diretoria serão revistas, a fim de garantir eficácia. São necessários mecanismos capazes de monitorar ações e corrigí-las. Também é essencial mecanismos de prevenção. Vale dizer que a construção de ambos mecanismos varia caso a caso, segundo o objeto da empresa. Um sistema amplamente utilizado para aumentar a eficiência da Diretoria (tanto de S/A, como de Ltda.) é o sistema de estabelecimento de metas. Este permite que a remuneração do diretor esteja atrelada à sua eficiência, por exemplo. Nota-se, assim, um resultado é positivo no sentido de alinhar interesses do diretor aos da empresa; além de funcionar como um serviço de monitoramento para perceber as qualidades e deficiências dos mesmos. ! (c) Conselho de Administração ! A adoção do Conselho de Administração é facultativa25 – salvo casos previstos em lei – em ambos tipos societários analisados. É mais perceptível sua atuação nas SAs, já que em Ltda se comportam por uma administração dual (unidos a Diretoria26). ! A importância do órgão revela-se na discussão, em elevada instância, do direcionamento econômico do empreendimento, o que abarca estratégias de investimento e 25 Como previsto no art. 138, §2º, Lei 6.404, para S/A e Ltda (em seu caráter supletivo). 26 Na Ltda. possui competência deliberativa interna, em contraposição à Diretoria, que trata de matérias de representação externa. O Conselho recebe poderes oriundos dos sócios a partir de delegação de matérias da Assembleia Geral, devendo prestar contas acerca do desempenho da empresa e da eficiência de seus órgãos, por meio de um parecer. Os membros do conselho são eleitos pelos sócios, ressaltando que em Ltda. o Contrato Social pode permitir administradores não sócios (conforme art. 1.061, CC); e, em caso de não determinação em tal sentido, aplicase o art. 1.013, CC, que prevê que a sociedade será administrada pelos sócios. !62 14 de outubro de 2014 monitoramento de riscos27. O Órgão, logo, é atrelado à prevenção de riscos e à manutenção da sustentabilidade da empresa a longo prazo. ! Na Ltda a Lei define28 os temas – embora não seja taxativa em relação às matérias – que devem estar sujeitos à deliberação dos sócios. É possível classificá-los em três temas centrais 29 relacionados à governança: (i) os relacionados com a administração da sociedade, (ii) a modificação do contrato social e da estrutura societária e (iii) a autorização para o pedido de recuperação judicial e extrajudicial30. Dentre esses, o primeiro tema é o único passível de ser delegado ao órgão colegiado, dado o fato de que este pode ser composto por não sócios. ! Há controvérsia interpretativa em relação a essa capacidade do órgão em Ltda., porém entende-se, predominantemente31, que os órgãos desse tipo empresarial possuem certo grau de flexibilização contratual na estrutura societária em relação ao formalismo das disposições da lei, em abstrato. Portanto, é possível que se estabeleça em Contrato Social que a competência para eleger e destituir os diretores seja delegada dos sócios para deliberação do Conselho de Administração, caso esteja em atividade na Ltda. ! Na S/A, principalmente, define-se de competência do Conselho de Administração 32a eleição e destituição de administradores (diretores). Assim, há autonomia de gestão do Conselho de Administração, pois não há interferência em matéria privativa da Assembleia que não lhe for delegada (sendo possível a deliberação do Conselho). Suas funções nesse tipo societário são33: (i) fixar a orientação geral dos negócios da companhia, (ii) fiscalizar a 27 Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Código das melhores práticas de governança. 4 ed. 28 Código Civil, art. 1.071. 29 WALD, Arnold. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p. 424 e 425. 30 Cf Lei 11.101/06. 31 WALD, Arnold. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p. 428 32 Lei nº 6.404/76, art. 142, II. 33 Lei nº 6.404/76, art. 142. !63 14 de outubro de 2014 gestão dos diretores, (iii) manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o Estatuto assim o exigir, e (iv) convocar a Assembleia Geral34. ! Retornando ao que cabe à Ltda., além da função mencionada – de eleger e destituir diretores –, é possível que se importem as regras do órgão natural de S/A, seguindo a linha de interpretação das normas do presente trabalho. Essa importação de regras deve se dar, portanto, por meio de eleição de cláusula no Contrato Social da Ltda. de regulação supletiva da Lei 6.404/76, que será válida enquanto não conflitar com os direitos e deveres dos sócios. Sendo assim, não acreditamos em um possível risco de não reconhecimento em junta, ou invalidação de partes do Contrato Social em juízo, dada as funções aqui destacadas35. ! Pertinência para a start-up ! O conselheiro deve ser um profissional altamente capacitado para emitir pareceres neutros e objetivamente construídos, além de críticos e técnicos em relação aos demonstrativos (resultados da gestão da empresa). Cabe dizer que aos conselheiros cabem as mesmas especificidades de responsabilização de administradores. ! Lembrando que o Contrato Social, em Ltda., poderá prever que sócio cumpra função de administrador na empresa, o cargo, sendo bem desempenhado, preenche os anseios dos investidores de start-ups, como, por exemplo, executivos de aceleradoras, que podem compor a Assembleia Geral, cujas decisões dependem qualitativamente de bons pareceres do Conselho de Administração. Desse modo, é de interesse de um investidor (como as aceleradoras) a manutenção de um Conselho de Administração de forma responsável e atenta às mudanças na empresa, transmitindo aos sócios uma moldura verdadeira da situação e a prospecção da start-up. Vale notar também que os investidores, assim como as aceleradoras, possuem o know-how para o desenvolvimento e 34 Lei nº 6.404/76, art. 123: “Compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, observado o disposto no estatuto, convocar a Assembleia-geral”. 35 Para nós há uma harmonia entre os arts. 1.071, II e III, CC e 142, II, Lei 6.404, à medida que convalidamos as funções do Conselho de Administração, quando não existente, e a Assembleia Geral. Ou seja, considerando que, os diretores são escolhidos pelo Conselho de Administração, e se esse não existir a tarefa cabe à Assembleia Geral, acreditamos que há uma coerência entre as funções. !64 14 de outubro de 2014 rápida ascensão das start-ups, o que é uma vantagem para o fundador que não precisaria se preocupar com as pendências de competência do Conselho de Administração. ! É essencial, do mesmo modo e em outra análise, atentar a certas matérias que são delegáveis de apreciação e deliberação pela Assembleia Geral ao Conselho de Administração36, pois haverá interesses conflitantes de novos investidores, provenientes de nova rodada de investimentos. De maneira concreta, investidores iniciais, vide aceleradora, têm interesse em garantir participação relevante na empresa durante sua evolução, mesmo após a entrada de novos (e, muitas vezes, maiores), como investidores por meio de fundos, venture capital ou até private equity. ! O Conselho de Administração mostra-se, portanto, uma excelente ferramenta interna de análise detalhada dos riscos do empreendimento, assim como permite aos sócios, membros da Assembleia Geral, maior embasamento para a tomada de decisões que impactem o futuro de crescimento da empresa. ! Há previsão formal para seu funcionamento em Ltda. e S/A, disposto em normas infraconstitucionais como o Código Civil e a Lei 6.404/76. Embora haja um exercício de interpretação comparativo entre as duas leis (não simples, como já relatado neste trabalho com a questão da supletividade), é um órgão cujas funcionalidades estão razoavelmente pacificadas na Doutrina, o que representa vantagem em relação ao Conselho Consultivo, o qual possui atribuições em diversos aspectos semelhantes ao Conselho de Administração. Assim, analisamos como útil para ambos os tipos societários. ! ! 36 Lei nº 6.404/76, art. 59 §4º: Nos casos não previstos nos §§ 1º e 2º a assembleia geral pode delegar ao conselho de administração a deliberação sobre as condições de que tratam os incisos VI a VIII do caput e sobre a oportunidade da emissão V - a conversibilidade ou não em ações e as condições a serem observadas na conversão; VI - a época e as condições de vencimento, amortização ou resgate; VII - a época e as condições do pagamento dos juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver; VIII - o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das debêntures. Especialmente: § 2o O estatuto da companhia aberta poderá autorizar o conselho de administração a, dentro dos limites do capital autorizado, deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações, especificando o limite do aumento de capital decorrente da conversão das debêntures, em valor do capital social ou em número de ações, e as espécies e classes das ações que poderão ser emitidas (grifos nossos). !65 14 de outubro de 2014 (d) Conselho Fiscal É um órgão colegiado – monitorador e fiscalizador de informações de gestão da empresa37 - elegido por maioria de sócios ou acionistas, de existência facultativa em Ltda.38, e de exercício facultativo em S/A39. ! ua função é de: (i) fiscalizar atos da Diretoria e da administração observando as disposições contratuais/estatutárias e legais40. Assim, compreende-se pela análise de balancete e demais demonstrações financeiro-contábeis produzidas no exercício social; (ii) produzir pareceres opinativos sobre: relatório anual da administração (diretoria, administrador ou conselho de administração); e, modificações estruturais na sociedade (aumento ou diminuição do capital social, distribuição de dividendos, operações de M&A, por exemplo). Ambas as opiniões tem por destinatário a Assembleia Geral podendo, os pareceres sobre o relatório anual, serem enviados para diligências em órgãos interessados na questão opinada, ou responsáveis pela área (ex. parecer sobre deliberações da administração em matéria de marketing, destina-se um destes pareceres a área de marketing); (iii) realizar a denúncia de erros, fraudes ou crimes aos órgãos de administração e caso estes não tomem as devidas providências às autoridades públicas competentes. ! Pertinência para a start-up: ! Ainda que os Conselhos Fiscais sejam custosos e mais comuns em S/A, há alguma pertinência do órgão em start-ups, tanto por serem escaláveis – pensamento de médio/ longo prazo na vida da empresa –, quanto pelas características dos empreendedores e sua 37 GORGA, Érica. Direito Societário Atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 264. 38 Código Civil, art. 1.066. Sem prejuízo dos poderes da assembleia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no País, eleitos na assembleia anual prevista no art. 1.078. (grifo nosso) 39 Há obrigatoriedade de existência de Conselho Fiscal em Companhias, abertas ou fechadas, porém seu funcionamento pode ser permanente ou não. Ou seja, a obrigatoriedade é de que o estatuto traga o órgão, e não que este exista efetivamente na realidade da empresa. (Art. 161, Lei 6.404/76). 40 Art. 103 da Lei nº 6.404/76 e art. 1.066 e seguintes do Código Civil. !66 14 de outubro de 2014 relação de extrema proximidade com o empreendimento desde antes da constituição da empresa. ! Em geral, o Conselho Fiscal contribui na redução de riscos decorrente de problemas de agência. Servem para a compreensão, por parte dos sócios, do fluxo de informações (contábeis, gerenciais, etc.) sobre a gestão do empreendimento41. ! Por meio de pareceres e representações (funções de análise e exame de demonstrações financeiro-contábeis) fundos, aceleradoras e acionistas/quotistas minoritários em geral, compreendem de maneira sistematizada as ações dos agentes de gestão (administradores, conselheiros e diretores). São dirimidas, aqui, assimetrias informacionais, porque os agentes ficam obrigados a fornecer informações a seus principais (sócios em geral) via Conselho Fiscal. ! O Conselho Fiscal pode ser constituído de maneira a compreender todos os players tanto da fase de aceleração, quanto futuros investidores e sócios (quotistas ou acionistas): o Estatuto ou Contrato Social, poderá prever que o fundo, por exemplo, nomeie um conselheiro fiscal, por mais que o órgão esteja inativo. ! A administração de empresas nascentes é feita, muitas vezes, pelo próprio fundador, ou empreendedor; fundos, aceleradoras com participações, e outros sócios, podem se sentir mais seguros se houver, pelo menos, a previsão de um Conselho Fiscal em que sejam representados. ! Ainda que com treinamento jurídico fornecido por aceleradoras e auxílio jurídico para constituição da empresa, seja Ltda. ou S/A, há um risco de o empreendedor comprometer a empresa, ou vice e versa, patrimonialmente. Esta confusão entre pessoa física e pessoa jurídica acarreta desconsideração de personalidade jurídica inclusive por interesses da 41 Este texto inspira-se na análise de Érica Gorga sobre a prática do Conselho Fiscal em Mercado de Capitais. Porém, servem os instrumentos e algumas conclusões da obra para análise – de Law and Economics - de empresas em geral, inclusive das limitadas e anônimas de empreendimentos de impacto social. !67 14 de outubro de 2014 própria empresa e de outros sócios42. O Conselho Fiscal pode ter papel de correção de confusão patrimonial, observando notas fiscais, balancetes em geral, que exponham a situação econômico-jurídica da empresa em detrimento da daquele sócio mais engajado, normalmente o empreendedor43. ! Conquanto existam outras válvulas de escape para problemas agente/principal – incentivos contra o oportunismo do agente, por exemplo, via mecanismos de remuneração – o Conselho Fiscal é órgão importante, pois resolve também problemas de informação e atua amparado em disposições estatutárias/contratuais e legais, podendo exercer, de maneira única, fiscalização, monitoramento e, em geral, garantia da integridade do empreendimento44. Estas atividades têm custos de manutenção de um Conselho ativo (remuneração dos conselheiros, produção propriamente dita de relatórios, além de custos implícitos de transação) que devem ser levados em conta. ! Por mais que não haja estudos empíricos conclusivos, entende-se que o Conselho Fiscal, principalmente o permanente, impacta positivamente na valuation da empresa45. Os conselheiros podem ser qualquer pessoa física eleita, assim, eles próprios podem ter um comportamento oportunista: em contato com balancetes, relatórios anuais decisivos, estes indivíduos podem se apropriar da informação de forma a prejudicar o empreendimento46. 42 Código Civil, art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 43 Essa mesma tarefa pode – e deve – ser realizada pelos administradores competentes, validada pelos sócios 44 Lei das S/A, art. 163. Compete ao conselho fiscal: IV - denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleia-geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia; 45 Analisando a Lei n 10.303/2001, Gorga entende que poderia ter sido oportuna a regulação da instalação do Conselho Fiscal permanente. Sugere, que há benefícios, sob perspectiva da economia dos custos de transação e dos custos de agência, inclusive sobre o valuation de Companhias com Conselho Fiscal Permanente. Neste nosso texto, valuation foi tomada em acepção lata, ou seja, precificação da ação/quota mesmo fora de mercado secundário. GORGA, Érica. Direito Societário Atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 275. 46 “(...)embora indicado pelos sócios, o Conselheiro tem o dever de lealdade e eficiência em relação à sociedade, devendo atuar sempre e exclusivamente no interesse social.” WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 409. !68 14 de outubro de 2014 A lei ainda garante o comportamento desejável do conselheiro usando dos mesmos padrões de conduta do administrador, ou seja, com prudência e diligência47. ! Finalmente, note-se que a existência do Conselho Fiscal em Ltda. não é a única forma de garantir os direitos dos minoritários frente à administração. Caso não seja instituído um Conselho Fiscal na sociedade, o controle sobre a gestão poderá ser exercido individualmente mediante solicitação de informações diretas pelos sócios aos administradores48. ! Acordo de acionistas/ quotistas ! O acordo de acionistas é o instrumento49 pelo qual os acionistas poderão dispor contratualmente sobre seus direitos, a serem acordados de maneira prévia50. Estabelecese como um controle definido que influi nos mecanismos de governança da empresa51. ! As matérias a serem estipuladas serão (i) a compra e venda de suas ações; (ii) a preferência para adquiri-las; (iii) o exercício do direito a voto; (iv) ou do poder de controle, sendo que 47 Ainda que o regime de responsabilidade do conselheiro seja parecido entre o regime das limitadas e das anônimas, a responsabilização por analogia ao administrador da Lei das S/A, art. 165, difere da responsabilização do código civil caso não haja a regulação da Lei das S/A como suplementar no contrato social. A disposição da responsabilidade do Conselheiro da Limitada é o mesmo da Sociedade Simples: há solidariedade quando os Conselheiros empenham-se na produção de um relatório único, por exemplo, ao contrário do que haveria na S/A aonde a responsabilidade, neste caso, seria individualmente imputada considerando os elementos de responsabilidade de cada um dos sócios. Ibidem, p. 420 e seguintes. 48 Ibidem, p. 406 49 Artigo 118 da Lei 6.404, Lei das S/A 50 Acordo de acionistas se define como: “Um contrato submetido às normas comuns de validade de todo negócio jurídico privado, concluído entre acionistas de uma mesma companhia, tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos referentes a suas ações, tanto no que se refere ao voto como à negociabilidade das mesmas”. CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 9. Nesse mesmo sentido, como: “os ajustes parassociais, ou seja, celebrados sem a interveniência da sociedade e alheios a seus atos constitutivos e alterações posteriores, mediante os quais os acionistas livremente convencionam cláusulas relativas à compra e venda de suas ações, à preferencia para adquiri-las ou ao exercício do direito de voto”. TEIXEIRA, Edberto Lacerda, e GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no Direito brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1979, p. 303. 51 “Além das matérias indicadas no caput do art. 118, os acionistas podem firmar acordos mais amplos (composição dos órgãos de administração, política de dividendos, por exemplo), mas tais acordos não terão eficácia plena perante terceiros, salvo no que puder ser incorporado legitimamente no estatuto da sociedade”. TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Sociedade limitadas e anônimas no Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 57. !69 14 de outubro de 2014 o acordo deve ser arquivado na sede da companhia, estando acessível a todos os demais sócios juntamente com suas rescisões e alterações, como determina a lei das S/A52. ! É relevante ressaltar, nesse momento, os impeditivos à livre disposição contratual pelos sócios das sociedades por ações53. O acordo não poderá restringir o exercício do direito de voto de quaisquer membros do Conselho de Administração, sendo que seus membrosadministradores devem cumprir seus deveres de responsabilidade e representação dos interesses da empresa, sendo que não poderão sofrer influência por interesses particulares daqueles que os indicaram54. Do mesmo modo, deve abster-se de indicar quaisquer diretores, o que se entende – como já comprovado nos capítulos específicos – de competência da Reunião de sócios e do Conselho de Administração, se existente55. Outro impeditivo importante é o que se refere à restrição de direito de negociação na bolsa de valores ou no mercado de balcão das ações mencionadas para o acordo de acionistas. ! A transposição desse instituto jurídico de S/A para a sociedade Ltda. se dá por meio da aplicação dos dispositivos da Lei 6.404/76 ao Acordo de Quotistas (questão de 52 Artigo 118 da Lei 6.404, Lei das S/A. 53 Limites objetivos de validade: “alguns exemplos mais comuns de ilicitude do acordo em razão do objeto, vejamos: a.) indeterminação do objeto. Ele não pode conter imprecisões ou indeterminações que o tornem inespecífico ou inaplicável; b.) cessão de direito de voto sem a transferência da titularidade da ação. O acordo não pode implicar uma cessão do direito a voto. Não se admite que alguém mantenha a propriedade da ação e transfira em definitivo o direito de voto a ele inerente; c.) negociação do voto. O objeto do acordo não pode estipular que o voto seja negociado em troca de vantagens para o seu titular. Isso configuraria, inclusive, ilícito penal (art. 177, §2º, do Código Penal Brasileiro), tipificando pela comercialização do voto nas assembleias; d.) violação dos direitos essenciais dos acionistas. O acordo não pode ter o objeto a exclusão de direito que a lei assegura aos acionistas; e.) violação da legislação antitruste e de proteção à economia popular. São vetados os negócios que tenham por finalidade o aumento arbitrário dos lucros ou a eliminação da concorrência; f.) exercício abusivo do poder de controle. O acordo que assegure aos seus signatários o controle da companhia não pode ter por objeto a prática que a lei considere como exercício abusivo do desse poder; g.) acordo danoso ao interesse social. É ilícito o objeto prejudicial ao interesse da companhia ou da coletividade de acionistas; h.)acordos que tenham por objeto declaração de verdade. Os acionistas não podem pactuar o exercício do voto relativo a matérias concernentes à aprovação ou rejeição de contas dos administradores, as quais não são negociáveis”. BARRETO, Celso de Albuquerque. Acordo de Acionistas. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 64 In FILHO, Celso Barbi. Acordo de acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 97-98. 54 Na prática isso deve ser bem observado e controlado pelo sócio-fundador, já que um acordo estabelecido entre ele e os investidores tende a ser mais amplo. Deve-se observar portanto, a pertinência, a validade e a legalidade desse instrumento quando posto de maneira abusiva. Assim, “O acordo deve explicar bem os seus objetivos e o sentido do exercício uniforme do voto. Repudia-se a validade dos chamados acordo em aberto, nos quais inexiste a prévia definição desses objetivos ou do sentido do voto uniforme”. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 574 In FILHO, Celso Barbi. Acordo de acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 97-98. 55 Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Código das melhores práticas de governança. 4 ed. !70 14 de outubro de 2014 supletividade da Lei 6.404/76, quanto este não dispuser a matéria de maneira contrária ou de forma explícita). ! Quórum Sociedade Limitada O regime de quórum da Ltda. – mínimo de capital social para que uma deliberação de sócios, seja em Reunião, Assembleia ou acordo em separado (Acordo de Quotistas), ou contrato específico cujo objeto seja a deliberação qualificada – é obrigatório e amplo, tocando todas as matérias da vida da empresa56. A regra residual de quórum é a maioria absoluta, ou seja, mais da metade do capital social57. A tabela a seguir consolida os quóruns legais para Ltda58. ! Há severas críticas ao modelo, pois “quórum” deveria ser como era no regime anterior ao atual59: dispositivo, ou seja, contratualmente disposto pelo menos em grande parte das matérias deliberativas60. Uma análise estratégica da estrutura complexa de quórum (são ao menos cinco espécies) mostra uma desvantagem em flexibilidade para tomada de decisão da Ltda. frente à S/A: a sociedade fica sujeita na maioria das matérias à ¾ de capital social 56 LUCENA, Waldecy. Das Sociedades Limitadas. São Paulo: Renovar, 2005, p.540. 57 Ibidem. Porém, deve-se anotar que a opinião de LUCENA é a de que o quórum de maioria absoluta não representa necessariamente ¾ do capital social. Opinião diversa desta, ainda que desarrazoada, é a da Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) que entende que “As modificações do contrato social que não tratem de sua adaptação ao Novo Código Civil devem obedecer o quórum mínimo previsto na lei vigente (3/4), se outro maior não estiver previsto no Contrato Social” (Enunciado 43). Ainda que a Junta se refira aos contratos sociais anteriores à 2002, o padrão ficou fixado na prática em ¾ do capital social enquanto quórum residual. Enunciados da JUCESP. Disponíveis em < http:// www.jucesp.fazenda.sp.gov.br/empresas_legislacao_enunciados.php>. 58 Tabela elaborada pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) em documento de uniformização de critérios de julgamento. Disponível em < http://www.jucesp.fazenda.sp.gov.br/downloads/enunciados_2012.pdf>. 59 “No regime antecedente ao Código Civil de 2002, a questão relativa ao quórum deliberativo apresentava-se com cristalina simplicidade. O princípio legal que vigorava para as limitadas era o da maioria absoluta, traduzida na vontade de sócio ou sócios representantes de mais da metade do capital. Inexplicavelmente, como neste trabalho já se registrou, o novo Código veio inundar a questão, antes simplória, de grande complexidade gerando em muitos o sentimento de que as vantagens de simplificação da sociedade limitada estariam comprometidas.” CAMPINHO, Sérgio. O Direito Societário à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008 p 263. 60 “A crítica já pode há muito ser sentida por quem convive com a regra. O administrador viu-se engessado pela norma. E o Direito Societário atual, que em sua essência deve ser marcado pela flexibilidade, e pela força da autonomia da vontade e pelo princípio majoritário, tornou-se limitado por normas cogentes e inflexíveis.” CARNEIRO, Danilo de Araújo. O quórum qualificado nas limitadas: um grande equívoco do legislador, p. 11 Disponível em < http:// www.ccdm.adv.br/wp-content/uploads/2012/02/O-Quorum-Qualificado-nas-sociedades-Ltdas.pdf>. !71 14 de outubro de 2014 para mudança, em geral, no Contrato Social maximizam-se os riscos inerentes aos conflitos societários principalmente em sociedades nas quais não haja interesses homogêneos e relações afetivas e invioláveis. Por sua lógica mais capitalística que personalíssima (discussão de se a Ltda. é sociedade de capitais ou de pessoas), as startups são empresas que, no que tange ao quórum, sofrem dificuldades de gestão por seu administrador-fundador à medida que as deliberações de uma enormidade de matérias passarão pelo crivo do minoritário61. ! As empresas nascentes geralmente têm poucos sócios. Mais ainda, elas podem ter poucos sócios e estes formarem um número ímpar (p.ex. 3, 5 ou 7 sócios). Aqui o quórum apresentará problemas: por exemplo, uma start-up que tenha sete sócios, por exemplo, e precise deliberar para aprovar modificações importantes no Contrato Social (quórum de 3/4), precisa da aprovação de 5,25 sócios, teoricamente. Na prática, arredonda-se sempre para o próximo número inteiro, ou seja, seis sócios devem ser favoráveis á alteração, no exemplo dado. ! Outra situação hipotética: Em uma sociedade de dois sócios delibera-se a destituição de administrador não sócio e nomeação de administrador sócio, ambas as alterações no Contrato Social dependem de aprovação de maioria simples. No caso dado, ambos os sócios devem acordar em relação a ambas as alterações. Ou seja, a regra aqui, na prática, depende da unanimidade. ! Como se vê, os Contratos Sociais, caso a caso, poderiam estabelecer quóruns adequados à realidade dos interesses, nem sempre primordialmente pessoais, mas predominantemente capitalistas. A presunção da lei restringe o tipo societário Ltda. somente àquelas sociedades personalíssimas nas quais sócios afins não veriam problemas em concordar unanimemente em relação a matérias de radical importância. ! 61 “Dessa forma, o legislador criou minorias perniciosas, caprichosas e em diversos casos (que a prática já demonstra) até mesmo chantagistas. Titulares de uma parcela do capital, com a qual nada podem fazer, mas tudo podem impedir que seja feito. É, pois, a instalação da inércia social dentro de uma estranha operação que buscou proteger a vítima e a transformou em algoz.”, CARNEIRO, Danilo de Araújo. O quórum qualificado nas limitadas: um grande equívoco do legislador, p. 17 Disponível em < http://www.ccdm.adv.br/wp-content/uploads/2012/02/O-Quorum-Qualificado-nassociedades-Ltdas.pdf>. !72 14 de outubro de 2014 Sociedade Anônima ! O quórum de instalação de Assembleia Geral Extraordinária é de, no mínimo, ¼ do capital social votante e, em segunda convocação, com qualquer número de presentes, ressalvadas exceções (art. 125 da Lei 6.404/76). O quórum de reforma do Estatuto é de, em primeira convocação, no mínimo de 2/3 do capital social votante, em segunda convocação, com qualquer número. (art. 124 da Lei 6.404/76); O quórum das deliberações serão tomadas pela maioria absoluta de votos dos presentes, não computados os votos em branco. ! Contudo, é necessário quórum qualificado, como segue, para os casos indicados: metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quórum não for exigido pelo Estatuto da S/A, para deliberação sobre: (i) criação de ações preferenciais ou (ii) aumento de classe existente sem guardar proporção com as demais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; alterações em preferenciais, fusões e aquisições, dentre outras62. ! A Lei 6.404/76 não prevê alto quórum qualificado, ou unanimidade, facultando os altos quóruns ao Estatuto Social. Em primeiras convocações de Assembleia Extraordinária – foro de deliberação dos sócios sobre matérias estratégicas a serem adotadas pela estrutura orgânica da companhia – a regra geral é de ¼ do capital votante para convocação. Em matéria de deliberações para alteração do Estatuto, em segunda convocação, há ainda menor rigidez no quórum. ! Há algumas questões sobre quórum que favorecem as startups na regulamentação das SAs: a variedade de interesses de sócios, a natureza de união capitalística não personalíssima, e a especificação de temas a serem vetados por alguns sócios – via Acordo de Acionistas – encontra melhor alojamento na SA. ! Ainda que uma Ltda. preveja, em seu contrato social, o regimento suplementar da Lei 6.404/76, o quórum é visto como expressão de direitos políticos essenciais do quotista 62 LUCENA, Waldecy. Das Sociedades Limitadas. São Paulo: Renovar, 2005, P.523-526 e RIZZARDO, Arnoldo. Direito de Empresa. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.472-474. !73 14 de outubro de 2014 sendo que, o máximo que se pode fazer – ainda sob risco de não registro, ou de invalidação judicial – é modular o quórum via Contrato Social, para a previsão de relaxamento do quórum em segundas convocações. ! Conclusão ! O novelo de interesses díspares e, eventualmente, em choque de vários agentes-sócios, e até credores/não sócios, põe à prova qualquer estrutura societária que se desenhe. Se há dificuldade de, conhecendo o mercado de startups, traçar um comparativo entre os tipos de sociedades empresárias, resta flagrante a quase impossibilidade de uma lei hermética, rígida, e dificilmente modulável – muito mais por causa da leitura da lei do que sua própria letra – mostrar-se atraente para um empreendedor. ! O empreendedor, entre Ltda. e S/A, deve fazer escolhas de organização dos processos de tomada de decisão que são peculiares a cada tipo e foram, à medida do possível, abordadas ao longo deste texto. Porém, a gestão – e aqui somos amplos na acepção do termo – não se dá autonomamente, ou seja, a empresa nascente nem sempre é o núcleo de escolhas sobre seu próprio futuro: decisões de fusões, aquisições, entradas de novos sócios, colocação em mercado de novos produtos (em sentido amplo). ! Concluímos que nas Ltda o Contrato Social ganha mais autonomia que o Estatuto Social nas S/A, principalmente pelo auxílio da supletividade que necessita de confirmação dos sócios envolvidos. Entretanto, é preciso destacar que há o risco de enfrentamento de óbices registrais para a startup nas Juntas Comerciais (em outras palavras, por causa os riscos da Junta não conhecer a flexibilização de quórum ou a mudança em alguns órgãos, principalmente devido a supletividade da norma). Um contrato social demasiadamente inovador em uma sociedade limitada pode vir a ter seu registro barrado pelas Juntas, sobretudo em razão da rigidez de entendimentos do Departamento Nacional de Registros Comerciais (“DNRC”63). ! 63 O DNRC é o órgão que regula a atividade registral comercial em âmbito federal. !74 14 de outubro de 2014 A decisão sobre qual modelo adotar caberá a cada empreendedor, considerando os elementos aqui mencionados. Não é possível estabelecer de antemão qual o caminho a ser seguido. É preciso identificar as variáveis relevantes e tomar a decisão com base nas particularidades concretas de cada caso. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !75 14 de outubro de 2014 ! 2.4. Os Custos da Empresa Nascente Equipe: Bruna Menezes, Fernando Rudge, Lucas Conrado e Tomas Queiroz de Alvarenga. ! Há quatro dimensões principais sobre os custos envolvidos na operacionalização de uma empresa nascente: ! (a) quais os custos de integralização de ativos (bens, direitos, serviços etc.) na empresa no momento da integralização? ! (b) quais as diferenças entre a S.A. de capital fechado e Ltda. quanto à possibilidade de escolha de regimes de apuração simplificada de tributos? ! (c) quais são as exigências de publicação de informações previstas na legislação em relação a limitada e a S.A. de capital fechado? ! ! ! (d) quais são as obrigações de registro entre os tipos societários? Custos de Integralização ! Como apontado anteriormente, a integralização do capital social pode ser feita pela contribuição em dinheiro ou outros bens, desde que estes sejam suscetíveis de avaliação pecuniária. Tal regra vale tanto para as S/A (art 7°, Lei 6.404/76), como para as Limitadas (art 997°, Código Civil). Vale lembrar que a contribuição por serviços é vedada a ambos os tipos societários (art.1055, parágrafo 2°, Código Civil). Como tratado em tópico próprio, as Start Ups encontraram uma solução para dar participação a aqueles que não contribuem com dinheiros ou bens, como é o caso de muitos programadores, onde é utilizada a cláusula vesting para a retenção de talentos. ! Reafirmado isto, partamos então para a análise dos possíveis custos que cada tipo de integralização (dinheiro ou bens passiveis de avalição pecuniária) incorre nos dois tipos societários em análise. ! !76 14 de outubro de 2014 A integralização em dinheiro é a forma mais simples de integralização, bastando a entrega da quantia para o caixa da sociedade mediante recibo. A integralização fica mais cara quando se trata da contribuição em bens suscetíveis de avaliação pecuniária. ! Tratando-se de SA, a lei 6.404/76 afirma que a avaliação dos bens será feita por três peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembleia-geral dos subscritores, sendo que o laudo deve ser aprovado em assembleia futura (art. 8° caput e §1). ! Temos então, desde já, custos contábeis seja na contratação da tal empresa especializada para avaliação destes bens, seja com os honorários devidos aos peritos nomeados. Para exemplificar, temos a Portaria nº 1200/2006, do Conselho Regional de Corretores de Imóveis, que elenca valores mínimos a serem pagos aos corretores, a titulo de honorário, em virtude dos laudos de avaliação de imóveis na condição de perito64. Um imóvel integralizado por uma startup, por exemplo, costuma ser simples, de valor não superior a R$ 300.000,00. Dito isso, seria devido ao menos (já que este é o piso salarial) o valor de R $3.065,83 em razão dos honorários do corretor. Evidentemente, os custos contábeis variam de acordo com o tipo do bem a ser avaliado, valor do bem e demais peculiaridades do mesmo. ! ! 64 Segue a lista completa: VALOR DO IMÓVEL HONORÁRIOS até R$ 35.000.00 R$ 882.63 de R$ 35.001.00 até R$ 45.000.00 R$ 970.89 de R$ 45.001.00 até R$ 55.000.00 R$ 1.067.98 de R$ 55.001.00 até R$ 65.000.00 R$ 1.174.78 De R$ 65.001.00 até R$ 75.000.00 R$ 1.292.25 De R$ 75.001.00 até R$ 85.000.00 R$ 1.421.48 De R$ 85.001.00 até R$ 105.000.00 R$ 1.627.50 De R$ 105.001.00 até R$ 110,000.00 R$ 1.719.66 Tabela Presente em: http://www.crecisp.gov.br/documentos/tabela_comissoes.pdf !77 14 de outubro de 2014 De R$ 110.001.00 até R$ 120.000.00 R$ 1.837.59 De R$ 120.001.00 até R$ 130.000.00 R$ 1.935.67 De R$ 130.001.00 até R$ 140.000.00 R$ 2.024.13 De R$ 140.001.00 até R$ 150.000.00 R$ 2.106.40 De R$ 150.001.00 até R$ 200.000.00 R$ 2.466.23 De R$ 200.001.00 até R$ 250.000.00 R$ 2.779.25 De R$ 250.001.00 até R$ 300.000.00 R$ 3.065.83 De R$ 300.001.00 até R$ 400.000.00 R$ 3.589.50 De R$ 400.001.00 até R$ 500.000.00 R$ 4.069.69 De R$ 500.001.00 até R$ 600.000.00 R$ 4.520.08 De R$ 600.001.00 até R$ 700.000.00 R$ 4.948.12 De R$ 700.001.00 até R$ 800.000,00 R$ 5.358.46 De R$ 800.001.00 até R$ 900.000.00 R$ 5.754.24 De R$ 900.001.00 até R$ 1.000.000.00 R$ 6.137.73 De R$ 1.000.001.00 até R$ 1.500.000.00 R$ 7.919.12 De R$ 1.500.001.00 até R$ 2.000.000.00 R$ 9.544.10 De R$ 2.000.001.00 até R$ 3.000.000.00 R$ 12.505.98 De R$ 3.000.001.00 até R$ 4.000.000.00 R$ 15.217.28 De R$ 4.000.001.00 até R$ 5.000.000.00 R$ 17.757.94 De R$ 5.000.001.00 até R$ 10.000.000,00 R$ 28.973.48 ! Observação: Valores superiores aos acima previstos deverão ser obtidos mediante aplicação de simples regra de três. ! Já nas Sociedades Limitadas, não há previsão legal de formalidades quanto à avaliação dada ao bem, conforme dispõe o próprio Departamento Nacional de Registros Comerciais (“DNRC”)65, apenas a anuência dos demais quotistas, lembrando apenas que 65 http://www.dnrc.gov.br/servicos_dnrc/sociedade_empresaria/alteracao_contratual.htm !78 14 de outubro de 2014 os sócios são responsáveis pela correta estimações dos bens conferidos ao capital social, respondendo todos solidariamente por esta obrigação pelo prazo de 5 anos (Código Civil, Art 1.055, §1º). Logo, seria então recomendável a contratação de pessoa capaz de dar esta avalição da forma mais correta possível, aos olhos de serem responsabilizados por uma estimação incorreta, caso os quotistas ou administradores de determinada empresa não sejam capazes de realizar tal ato. ! Avaliados os bens seguindo as formalidades exigidas pela S/A e pela Limitada, incorrem alguns outros custos referentes a transmissão destes bens da pessoa física para a pessoa jurídica (ou da pessoa jurídica para outra pessoa jurídica)66. ! Como exemplo disso, temos os custos tributários. Alienação de bens ou direitos para a pessoa jurídica, a titulo de integralização do capital social, configura alienação. Sendo assim, há de se falar que a pessoa jurídica fica responsável por verificar se houve ganho de capital em tal operação. Por exemplo: um indivíduo comprou o imóvel por R$ 100.000,00 (cem mil reais) em 2001, em 2012 resolveu integralizar tal imóvel ao capital social de sua empresa nascente. Feita avalição do presente imóvel, constatou-se que o mesmo detém um valor presente de R$1.000.000,00 ( um milhão de reais). Assim, houve um ganho de capital referente a à diferença entre valor pago e valor alienado, incorrendo, então, todos os tributos normais a esta operação ( ganho de capital)67-. O imposto de renda devido a título de ganho de capital deve ser suportado por aquele que alienou o imóvel (no caso exemplificado). O promitente sócio poderá calcular o imposto devido por meio de uma ferramenta simples, disposta pela própria Receita Federal, através do link presente na nota de rodapé68. ! Alguns outros exemplos de custos decorrentes da operação referem-se à transmissão daquele bem para a empresa. Ao transferir um automóvel para a empresa como forma de 66 http://www.jucesc.sc.gov.br/index.php/legislacao/leg-jucesc/doc_view/2-manual-de-atos-de-registro-mercantilsociedade-limitada 67 Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, art. 23; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999– Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999, art. 132, visto em Tópico 557 - http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaFisica/ IRPF/2014/perguntao/assuntos/ganho-de-capital.html 68 http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaFisica/GanhoCapital/2014/GCapital/ProgramaGCMultiplataforma2014.htm !79 14 de outubro de 2014 integralizar o capital social, é necessário que a operação seja feita junto ao DETRAN, que emitirá um novo certificado de propriedade (no caso, o CRV) em nome da sociedade. De forma semelhante ocorre com patentes ou registro de marcas, com a diferença de que o órgão responsável é o INPI. ! Não caberia elencar todos os tipos de bens que podem ser transferidos e quais custos incorrem em cada um, já que são inúmeros e cada um possui suas particularidades. É importante apenas destacar que a empresa incorrerá nestes custos, principalmente custos decorrentes do registro/transferência de tais bens (Registro de Imóveis, JUCESP, Detran, Cartório de Títulos e Documentos, etc), e de que tais custos são comuns às SAs de capital fechado e as Limitadas, com a ressalva de que a Limitada não possui custo pela estimação do bem ( já que a estimação incorre aos próprios sócios). ! Apuração simplificada de tributos (Simples) nas SAs e Ltdas ! A Lei Complementar 123 de 2006 trata, dentre outras coisas, do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, o chamado Simples Nacional. ! Essa forma diferenciada de arrecadação está descrita nos arts. 1269 ao 16 da Lei 123/06. Como esta é uma forma simplificada de apuração de tributos, não são todas as empresas que estão sujeitas a ele. Assim, o art. 16 da Lei estabelece quem, de modo geral, pode se tornar sujeito passivo do Simples Nacional70. Esse enquadramento considera apenas as microempresas ou empresas de pequeno porte que possuem receita bruta dentro dos limites previstos no art. 3o dessa Lei Complementar. ! 69 Art. 12. Fica instituído o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional. 70 Art. 16. (...) § 1º Para efeito de enquadramento no Simples Nacional, considerar-se-á microempresa ou empresa de pequeno porte aquela cuja receita bruta no ano-calendário anterior ao da opção esteja compreendida dentro dos limites previstos no art. 3º desta Lei Complementar. !80 14 de outubro de 2014 Além de especificar os valores máximos da receita bruta71 é justamente neste artigo que encontramos a possibilidade de uma Sociedade Ltda. escolher o regime de apuração simplificada de tributos, sempre respeitando os limites de receita bruta previstos no art. 3o. Além disso, esse mesmo artigo também estabelece a vedação à Sociedade por Ações optar por esse regime simplificado (art. 3o, §4o, X, Lei 123/06)72. ! Tendo em vista expressamente as startups vale a pena uma análise sob a real possibilidade de seu enquadramento no regime do Simples Nacional. Em primeiro lugar, para que isso ocorra deve ela ser constituída na forma de sociedade limitada tendo em vista a vedação a sociedade por ações. Em segundo lugar, deve a empresa também respeitar a limitação quanto ao máximo de receita bruta legalmente permitida pela Lei 123/06. ! Não bastasse a necessidade de respeitar essas características a lei ainda impõe uma série de exceções e vedações ao enquadramento no Simples Nacional. Essas vêm expressas nos arts. 17 e 18 da LC 123/06 que estabelecem que algumas atividades podem e outras não utilizar o regimes de apuração simplificada de tributos independe da forma com que se constitui a empresa. Dentre esse rol de possibilidades dá-se destaque aquelas 71 Art. 3o. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011 ) (Produção de efeitos – vide art. 7º da Lei Complementar nº 139, de 2011 ) II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Redação dada pela Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011 ) (Produção de efeitos – vide art. 7º da Lei Complementar nº 139, de 2011 ) 72 § 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta Lei Complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica: X - constituída sob a forma de sociedade por ações. !81 14 de outubro de 2014 relacionadas ao escopo do trabalho73. De forma exemplificativa algumas dessas atividades são: aquelas decorrentes do exercício de atividade intelectual, técnica, científica ou cultural. O que se percebe é que a lei não determina de forma taxativa e concreta as atividades. Ela acaba por fazer uma vedação de modo abstrato baseada, por exemplo, na finalidade da prestação de serviço. Assim, a lei não fornece quais parâmetros devem ser utilizados, por exemplo, para determinar o que seria uma atividade intelectual ou científica. Portanto, essa função acaba recaindo sobre a própria startup que fica refém dela própria ter que fazer essa escolha. ! Tendo em vista esse cenário, a escolha entre uma S/A e uma Ltda., no que tange aspectos de simplificação tributária, deve ser feita analisando a empresa no caso concreto. Se ela for uma S/A não é possível que se opte pelo enquadramento no Simples Nacional. Já no caso de uma Ltda., esse enquadramento é possível, mas não é automático. Antes de declarar a possiblidade ou não é preciso analisar qual a receita bruta e qual o tipo de atividade que a empresa irá exercer para só depois concluir se a empresa pode se beneficiar desse regime tributário. ! 73 Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: (...) XI - que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios; § 1º As vedações relativas a exercício de atividades previstas no caput deste artigo não se aplicam às pessoas jurídicas que se dediquem exclusivamente às atividades referidas nos §§ 5º-B a 5º-E do art. 18 desta Lei Complementar, ou as exerçam em conjunto com outras atividades que não tenham sido objeto de vedação no caput deste artigo. Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa e empresa de pequeno porte comercial, optante pelo Simples Nacional, será determinado mediante aplicação da tabela do Anexo I desta Lei Complementar. § 5º-B. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 desta Lei Complementar, serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar as seguintes atividades de prestação de serviços: I - creche, pré-escola e estabelecimento de ensino fundamental, escolas técnicas, profissionais e de ensino médio, de línguas estrangeiras, de artes, cursos técnicos de pilotagem, preparatórios para concursos, gerenciais e escolas livres, exceto as previstas nos incisos II e III do § 5º-D deste artigo; § 5º-D. Sem prejuízo do disposto no § 1º do art. 17 desta Lei Complementar, as atividades de prestação de serviços seguintes serão tributadas na forma do Anexo V desta Lei Complementar: (...) IV - elaboração de programas de computadores, inclusive jogos eletrônicos, desde que desenvolvidos em estabelecimento do optante; V - licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; VI - planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas, desde que realizados em estabelecimento do optante; !82 14 de outubro de 2014 Considerando que a empresa se enquadre nas exigências legais do Simples Nacional é preferível que ela se utilize dele. Isso ocorre, pois o Simples Nacional utiliza uma base de cálculo mais ampla74, o que diminuiu o trabalho de um contador ou advogado, e uma alíquota menor75 o que resulta no pagamento de um valor menor de tributos. Essa forma simplificada também é mais benéfica no que se refere às obrigações acessórias, já que não é preciso atende-las para cada imposto individualmente, e sim uma obrigação geral que se refere apenas ao Simples Nacional. ! Exigências de publicação nas SAs e Ltdas ! Todas as sociedades empresárias devem obrigatoriamente elaborar um balanço patrimonial que expresse claramente as contas de ativo e passivo. ! As demonstrações financeiras obrigatórias para a sociedade limitada são: (i) o balanço patrimonial e (ii) o balanço de resultado econômico. As normas imperativas para a elaboração dessas demonstrações constam nos artigos 1.188 e 1.189 do Código Civil. ! Ante omissão do Código Civil, e enquanto a lei especial mencionada no artigo 1.189 não for elaborada, aplica-se à sociedade limitada as normas do capítulo XV e XVI da Lei das Sociedade Anônimas. Aplica-se supletivamente a Lei das SAs por ser essa a principal fonte legal usada pelos contabilistas para a elaboração das demonstrações financeiras das pessoas jurídicas. ! 74 A base de calculo no Simples Nacional é o faturamento da empresa. Assim, é utilizada uma base de cobrança do imposto simplificada que é o faturamento e não utiliza, como nas outras formas de tributação, operações específicas. 75 Essa alíquota é determinada pelos Anexos a LC 123/06. Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa e empresa de pequeno porte comercial, optante pelo Simples Nacional, será determinado mediante aplicação da tabela do Anexo I desta Lei Complementar. § 1º Para efeito de determinação da alíquota, o sujeito passivo utilizará a receita bruta acumulada nos 12 (doze) meses anteriores ao do período de apuração. § 2º Em caso de início de atividade, os valores de receita bruta acumulada constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar devem ser proporcionalizados ao número de meses de atividade no período. Anexo I - Partilha do Simples Nacional – Comércio Anexo II - Partilha do Simples Nacional – Indústria Anexo III - Partilha do Simples Nacional - Serviços e Locação de Bens Móveis Anexo IV - Partilha do Simples Nacional - Serviços !83 14 de outubro de 2014 Contudo, a publicação das atas de reunião, da assembleia de sócios ou do instrumento firmado por todos os sócios só é obrigatória nos seguintes casos: (i) redução do capital (CC, art. 1.084, §1º); (ii) dissolução da sociedade (CC, art. 1.103, I); (iii) liquidação da sociedade (CC, Parágrafo Único, art. 1.109) e (iv) incorporação, fusão ou cisão da sociedade (CC, art. 1.122). ! Já quanto às sociedades anônimas de capital fechado, o artigo 176 da lei das S/A elenca as quatro demonstrações financeiras obrigatórias para a companhia fechada: balanço patrimonial; demonstração dos lucros e prejuízos acumulados; demonstrações de resultado do exercício; demonstrações das origens e aplicações de recursos e demonstrações dos fluxos de caixa. A lei estipula o lapso temporal de um ano, mas a datas de início e fim ficam a critério da companhia, e devem ser fixadas no Estatuto. ! Esses documentos contábeis visam justamente retratar o desenvolvimento da empresa quanto a seus aspectos patrimoniais e resultados positivos e negativos acerca de tais aspectos devem ser publicados. Para as companhias fechadas não há penalidade prevista para o descumprimento dessa obrigação; contudo, a comprovação da publicação é necessária para o registro da ata de Assembleia Geral Ordinária na Junta Comercial, e ainda pode ser solicitada pelos credores da sociedade, como bancos. ! Além disso, a Lei das SAs prevê que as demonstrações financeiras, o relatório da administração e, caso haja, o parecer de auditores independentes, devem ser disponibilizados aos acionistas um mês antes da realização da assembleia geral ordinária e publicados 5 dias antes de sua realização. ! Contudo, o artigo 294 do mesmo diploma legal excepciona, para as companhias fechadas que possuam menos de vinte acionistas e patrimônio líquido inferior a RS 1.000.000,00, a publicação dos documentos elencados no artigo 133, desde que sejam, por cópias autenticadas, arquivados no registro de comércio. ! Referido art. 294 da Lei das SAs traz uma grande vantagem para as sociedades anônimas de capital fechado, haja vista que praticamente iguala as exigências legais para publicação !84 14 de outubro de 2014 de informações com as da sociedade limitada. Portanto, retifica-se o senso comum tão difundido de que a sociedade anônima fechada apresenta maiores custos devido a suas publicações obrigatórias. ! Obrigações registrais ! O registro de sociedades empresarias se dá na Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP. Diretamente na internet, por meio do “Cadastro Web”, disponível no endereço eletrônico www.jucesp.sp.gov.br, que dispõe de sistema que gera os formulários necessários para a inscrição das sociedades. ! Anteriormente ao registro da sociedade, tanto para as Sociedade Anônimas, quanto para as Limitadas, deve-se atentar tanto para denominação e para a sede escolhida, além de é claro, a definição do objeto social. ! Primeiramente, é vital a definição do objeto social da sociedade. Ele deverá indicar com precisão e clareza as atividades a serem desenvolvidas pelo empresário, sendo vedada a inserção de termos estrangeiros, exceto quando não houver correspondente em português ou se o termo já foi incorporado à língua pátria. O objeto social é elemento constitutivo da empresa, por meio do qual se estabelecem os fins para os quais a sociedade foi constituída e, portanto, a denominação da sociedade deve designar o objeto social e ser integrada pelas expressões que indiquem a natureza jurídica da empresa, conforme as exigências da legislação. ! Ainda, de acordo com o art. 35, V da Lei 8.934/94, que dispõe primordialmente sobre o Registro Público de Empresas Mercantis , é vedado o arquivamento de atos de empresas com nome idêntico ou semelhante a outro já existente no mesmo ramo de atividade e dentro do mesmo Estado. Portanto, é imprescindível uma pesquisa previa sobre a existência do nome empresarial escolhido, esta podendo ser realizada tanto no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas, quanto pelo website da JUCESP76. 76 Se a consulta for feita no Cartório, há um custo de R$9.00 para o fornecimento impresso da pesquisa. Entretanto, se a consulta e emissão forem feitas pela internet não há custo algum. !85 14 de outubro de 2014 ! O efetivo arquivamento dos atos constitutivos da sociedade levarão à automática proteção do nome empresarial dentro de todo o Estado de São Paulo. Todavia, caso pretenda-se pela exclusividade do nome para todo o território nacional, é necessário o registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). ! Ademais, é necessário atentar para as pendências e eventuais restrições da sede empresarial escolhida. É importante verificar junto às Praças de Atendimento da Prefeitura Municipal se o imóvel possui Certidão de Conclusão, Habita-se e Alvará de Uso do Solo e, ainda, se a atividade pretendida é compatível com a Lei de Zoneamento da cidade de São Paulo77. ! Então, para se registrar a criação de uma pessoa jurídica e, dessa forma, receber o Número de Identificação do Registro de Empresas (NIRE), é necessário o registro junto à Junta Comercial, no caso de São Paulo, a JUCESP. ! A sociedade limitada, diferentemente da sociedade anônima (exceção feita a questões pontuais) não necessita realizar publicações legais. Na sociedade anônima todo e qualquer ato que possa causar efeito em terceiros, a começar pela constituição, passando pelas atas de assembleia geral e reuniões do conselho de administração, se existente, até as demonstrações financeiras, deve ser publicado. Portanto, de início, existe uma desvantagem financeira entre um modelo e outro. ! Importante lembrar que a publicação é dispensada para as companhias de capital fechado com menos de vinte acionistas e com patrimônio líquido inferior a um milhão de reais (art. 294 da Lei das SAs), as quais poderão deixar de publicar o relatório da administração, as demonstrações financeiras, o parecer de auditores independentes78, se houver, o parecer do conselho fiscal, se instalado, e demais documentos relativos à ordem do dia, bem 77Lei n° 13.885/04. 78 Não ter que publicar o parecer de auditores pode tanto representar uma grande diminuição de custos como pode ser uma mudança não muito significativa. Isso porque existe uma grande variedade de prestadores desse serviço sendo que os valores cobrados podem variar consideravelmente. Assim, cabe a empresa avaliar a necessidade de contratar uma auditoria mais ou menos custosa e saber que isso pode interferir de modo relevante nos custos da empresa. !86 14 de outubro de 2014 como a convocação para a assembleia quando todos os acionistas se comprometerem a comparecer ao conclave79. ! Quanto às sociedades anônimas, é importante distinguir as sociedades constituídas por subscrição particular e subscrição pública em Assembleia Geral, da constituída por subscrição particular mediante Instrumento Público. Para as primeiras, a Lei das SAs exige a publicação tanto de um anúncio de convocação para Assembleia Geral para constituição da companhia (art. 86, parágrafo único), quanto da publicação da Ata de Constituição da Sociedade (art. 94 e 98). Cabe lembrar que, segundo o art. 289, as publicações deverão ser feitas no órgão oficial do Estado e em outro jornal de grande circulação editado na localidade da empresa. Para fins de pesquisa, foram contatados o Diário Oficial e o Jornal Empresas e Negócios. O valor para publicação depende do tamanho do documento, sendo no primeiro cobrados R$92,19 por centímetro, enquanto no segundo o custo é de R$86,00 por centímetro. Deve-se levar em conta que os Atos Constitutivos devem ser publicados apenas uma vez, enquanto o anúncio de convocação de Assembleia geral para constituição deve ser publicado no mínimo três vezes, com antecedência de 8 dias da 1a convocação, e 5 dias da 2a convocação. ! Para exemplificação dos custos de publicação, foi feita uma pesquisa com uma agência de publicação de matérias legais, MV Publicidade Legal, a qual informou o preço de R $5.439,80 para publicação da Ata de Assembleia de Constituição no Diário Oficial de São Paulo e no Jornal Empresas e Negócios para determinada companhia. ! Por fim, com o NIRE em mãos, é necessário o registro da empresa como contribuinte, o que o faz, em âmbito nacional, por meio do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e, em âmbito estadual, por meio da Inscrição Estadual. O registro no CNPJ é feito exclusivamente pela internet, no endereço eletrônico da Receita Federal do Brasil, de acordo com as orientações dos próprios formulários. O registro estadual é, em regra, feito junto à Secretaria Estadual da Fazenda, entretanto, o Estado de São Paulo possui 79 NEVES, Sillas Battastini , “Constituição de sociedade: sociedade limitada ou sociedade por ações?” Disponível em: http://zna.adv.br/artigos/2012/06/21/constituicao-de-sociedade-sociedade-limitada-ou-sociedade-por-acoes/ Acesso em 07.05.14 !87 14 de outubro de 2014 convênio com a Receita Federal, sendo possível obter a Inscrição Estadual junto com o CNPJ, por meio de um único cadastro via internet. ! Abaixo estão excertos da Tabela de Preços da JUCESP que estima os custos de arquivamento da documentação necessária a cada tipo societário. Tanto os custos de proteção ao nome empresarial, quanto os de arquivamento de documentos obrigatórios ou de interesse da sociedade se aplicam tanto à Sociedade Limitada, quanto à Sociedade Anônima. Cabe ressaltar que existe um custo um pouco mais elevado para o arquivamento dos documentos da Sociedade Anônima, como é possível observar na tabela. ! Vale destacar, de um modo geral, que não há uma diferença significativa nos custos registrais strictu sensu entre Sociedades Anônimas e Sociedade Limitadas. Entretanto, os custos de publicação devem ser considerados, visto que dependendo do tamanho dos documentos, a divulgação pode tornar-se dispendiosa. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !88 14 de outubro de 2014 ESPECIFICAÇÃO DE ATOS DARE/GARE DARF PERTINENTES AO REGISTRO PÚBLICO Proteção ao nome empresarial: Registro, alteração e cancelamento de proteção ao nome empresarial, empresa individual de responsabilidade limitada, sociedades empresárias e cooperativas em unidade da federação diferente daquela em que se localiza a sede. R$37,00 R$15,00 Documentos de arquivamento obrigatório ou de interesse da sociedade: Procuração, emancipação, instrumento de nomeação, renúncia e destituição de administrador, nomeação e destituição de gerente por representante ou assistente, declaração de exclusividade, alvará, publicação ou anotação de publicação de ato de sociedade, empresa individual de responsabilidade limitada ou de empresário, ata de reunião de conselho fiscal, acordo de acionistas ou coristas, atos já arquivados em uma junta comercial e levados a arquivamento em outra junta comercial para abertura, alteração, transferência ou extinção de filial de sociedade, comunicação de funcionamento, comunicação de paralisação temporária de atividades, balanço patrimonial e ou balanço de resultado econômico, pacto ou declaração antenupcial de empresário, título de doação, herança ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalterabilidade, sentença de decretação ou de homologação de separação judicial do empresário e de homologação de ato de reconciliação; contrato de alienação, usufruto ou arrendamento de estabelecimento, documentos de interesse de leiloeiro, tradutor público e intérprete comercial, administrador de armazém-geral, e outros atos. R$37,00 ————————- Sociedades empresárias, exceto as por ações: Contrato social, alteração contratual, ata de reunião de sócios, ata de assembléia de sócios, documento substitutivo da ata de reunião ou de assembleia de sócios, distrato social. R$54,00 R$21,00 Sociedade por ações e empresa pública: Ato constitutivo, Ata de AGO, Ata de AGE, Ata de AGO/AGE, Ata de Assembleia Geral de Fusão, Cisão, Incorporação, Transformação e Liquidação, Ata de Assembleia de Debenturistas, Ata de Assembleia Especial, Ata de Reunião de Conselho de Administração, Ata de Reunião de Diretoria. R$128,00 R$21,00 ! !89 14 de outubro de 2014 Considerações Finais: Afinal, S.A. ou Ltda.? ! Mas afinal, o que é melhor: constituir a startup como uma ltda ou como uma SA? Se há algo que este estudo é capaz de comprovar é que não existe fórmula pronta, receita bolo ou caminho do sucesso. Existem, sim, questões importantes que devem ser consideradas caso a caso na determinação de qual modelo societário será utilizado pela empresa nascente. Muito embora seja possível a alteração do regime quando a operação da empresa já estiver em curso, o processo pode ser trabalhoso ao ponto de comprometer potenciais ciclos de investimento e oportunidades de negócio. ! Neste estudo buscou-se analisar os pontos mais sensíveis que são afetados diretamente pela escolha do tipo societário. Pretendeu-se aqui ir além dos pré-conceitos e do senso comum, esmiuçando em detalhes a operacionalização dos instrumentos típicos de cada um dos regimes societários para compreender qual o seu alcance. ! Da estrutura de custos aos mecanismos de governança da empresa, há diversos fatores que devem ser sopesados pelos empreendedores e seus consultores (sobretudo os jurídicos) caso a caso. Há vantagens e desvantagens na adoção de cada um dos modelos que se tornam mais ou menos evidentes a depender das características particulares do negócio. Espera-se que o presente estudo possa servir de guia para auxiliar a tomada dessa decisão tão sensível para a escalada e a prosperidade da empresa. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !90 14 de outubro de 2014 ! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ! BARRETO, Celso de Albuquerque. Acordo de Acionistas. Rio de Janeiro: Forense, 1982. ! BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1977. ! BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.406 (Código Civil Brasileiro). Brasília, 10 de janeiro de 2002. ! ______. Congresso Nacional. Lei nº 6.404 (Lei das SAs). Brasília, 15 de dezembro de 1976. ! ______. Departamento Nacional dos Registros Comerciais. Manual de Atos de Registro de Sociedade Limitada, aprovado pela Instrução Normativa n.º 98, de 23 de dezembro de 2004. ! BULGARELLI, Waldirio. Regime Jurídico do Conselho Fiscal. São Paulo: Renovar, 1998. ! CAMARA, Bernardo Prado da. O direito de retirada da sociedade limitada. 113p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, 2007. ! CAMPINHO, Sérgio. O Direito Societário à Luz do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. ! CARNEIRO, Danilo de Araújo. O quórum qualificado nas limitadas: um grande equívoco do legislador, p. 11 Disponível em < http://www.ccdm.adv.br/wp-content/uploads/ 2012/02/O-Quorum-Qualificado-nas-sociedades-Ltdas.pdf>. Acesso em: Abr. 06, 2014. ! CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984. ! _____________. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos1052 a 1195), São Paulo: Saraiva, 2003. ! COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2013. ! NASCIMENTO, João Pedro Barroso do. Direito Societário Avançado. Fundação !91 14 de outubro de 2014 Getulio Vargas Direito Rio,2012. Disponível em: http://academico.direito-rio.fgv.br/ ccmw/images/5/53/Direito_Societario_Avan%C3%A7ado_2012-2.pdf. Acesso em: 08/04/2014. ! FILHO, Celso Barbi. Acordo de acionistas. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. ! FINKELSTEIN, Maria Eugenia Reis e PROENÇA, José Marcelo Martins. Direito Societário:tipos societários. São Paulo: Saraiva, 2009. ! GONÇALVES, Alcindo. O conceito de governança. Disponível em: <http:// conpedi.org.br/ manaus/arquivos/ anais/XIVCongresso/078.pdf>. Acesso em: Abr. 06, 2014. ! GORGA, Érica. Direito Societário Atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 264 Governance and Development. Disponível em: <http://www.gsid.nagoya-u.ac.jp/ sotsubo/ Governance_and_Development_1992.pdf>. Acesso em: Abr. 06, 2014. ! IBGC. Código das melhores práticas de governança. Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, 2009. ! JÚNIOR, Edgar Katzwinkel. Formalidades que a sociedade anônima deve cumprir para a regularidade da assembleia geral ordinária. 2012. Disponível em: < http://jus.com.br/ artigos/ 22264/formalidades-que-a-sociedade-anonima-deve-cumprir-para-aregularidadeda-assembleia-geral-ordinaria>. Acesso em: Abr. 06, 2014. ! LUCENA, Waldecy. Das Sociedades Limitadas. São Paulo: Renovar, 2005 ! SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da. Governança corporativa no Brasil e no mundo: teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. ! ________. et al. Direito societário: estratégias societárias, planejamento tributário e sucessório. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. (Série GVlaw). ! TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Sociedade limitadas e anônimas no Direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1987. ! WALD, Arnold. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010 ! ! !92 ! 14 de outubro de 2014 3. Aproximação com o Poder Público ! No universo dos negócios de impacto social a aproximação entre a empresa nascente e o Poder Público é essencial para a escalada, desenvolvimento e maturação do empreendimento. Isto porque o estabelecimento de relações junto a entes estatais permite tanto que a empresa nascente ofereça seu serviço ou seu produto a um número maior de pessoas, quanto que ela obtenha uma remuneração minimamente razoável por tanto. Diferente de outros segmentos, nos negócios de impacto social a aproximação com o Poder Público, nas suas três dimensões (federal, estadual e municipal), pode ser determinante para o efetivo crescimento da empresa e a geração dos impactos por ela almejados. ! A escala da oferta do produto/serviço e o retorno financeiro são, portanto, as duas grandes dimensões nas quais a interface entre Poder Público e startups de impacto social é latente. ! No que diz respeito à escala, a aproximação é essencial por dois motivos. Em primeiro lugar, boa parte dos serviços e produtos ofertados por startups de impacto social insere-se na esfera de prestação de serviços públicos ou serviços de interesse público pelo Estado. As quatro principais áreas de atuação em negócios de impacto social são saúde, educação, habitação e serviços financeiros, todas marcadas pela forte atuação estatal e pelo grande interesse social. Considerando os negócios de impacto social são direcionados ao público carente, que não tem acesso a produtos e serviços nestas áreas, é através da prestação de serviços públicos que a solução trazida pela empresa nascente pode atingir o maior número de pessoas. ! Além disso, a aproximação junto ao Poder Público permite que a atividade desenvolvida pela startup alcance lugares mais remotos e desprovidos de um sistema de acesso aos serviços básicos. A empresa nascente pode não só conseguir se aproveitar da !93 14 de outubro de 2014 infraestrutura já existente, provida pelo Estado, como também pode apresentar uma solução que permita ampliar o alcance da estrutura de prestação de serviços públicos. ! A dimensão do retorno financeiro também indica a essencialidade da interface entre startup e entes estatais. Tendo em vista que o público alvo das empresas nascentes de negócios de impacto social é a população que carece de acesso aos serviços básicos, é altamente improvável obter uma remuneração alta diretamente do consumidor final. A aproximação junto ao Poder Público, neste sentido, permite que a contratação englobe uma remuneração razoável para a startup, a depender do grau de efetividade e da utilidade da solução por ela apresentada. ! Se não parece ser controvertida a assertiva de que a interface entre startup e entes estatais é essencial no universo dos negócios de impacto social, o mesmo não se pode dizer a respeito das formas jurídicas para realização desta aproximação. Quais instrumentos jurídicos e de que forma eles podem ser utilizados na contratação com o Poder Público? Quais os riscos? Quais as vantagens e desvantagens? Quais os custos? Estas e outras questões foram apresentadas aos alunos do LENT no Módulo II da edição sobre Negócios de Impacto Social, destinado a discutir as questões principais sobre contratações públicas no âmbito dos negócios de impacto social. ! Os alunos do LENT foram divididos em grupos e a cada grupo foi sorteado um tema predefinido. Os temas apresentados foram: ! (a) Os desafios para a contratação da empresa nascente via Lei de Licitações (Lei n.º 8.666/93); ! (b) Terceirização – Subcontratação da empresa nascente por empresas licitadas; ! (c) Os riscos e os limites da contratação direta via inexigibilidade de licitação; ! (d) Modelo híbrido de contratação: Convênios com o Poder Público patrocinados pela iniciativa privada. ! ! !94 14 de outubro de 2014 O desafio lançado aos alunos do LENT envolveu basicamente duas etapas: a primeira, de pesquisa, e a segunda, de redação de um relatório no formato de um documento que possa ser útil para empreendedores, investidores, aceleradores e quaisquer interessados na área que não tenham domínio total da linguagem jurídica. Os esforços de pesquisa dos alunos foram direcionados para a compreensão dos regimes jurídicos envolvidos nas contratações com o Poder Público, suas características e sua aplicabilidade ao contexto das startups de impacto social. ! Os documentos apresentados pelos grupos foram compilados nesta segunda parte do Relatório, que está dividida em quatro capítulos subsequentes, cada qual correspondente com quatro temas identificados acima. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !95 14 de outubro de 2014 3.1. Os desafios para a contratação da empresa nascente via Lei de Licitações (Lei n.º 8.666/93) Equipe: Adolfo Marmoti, Laura Ceitlin, Helena Masullo e Sylvie Cadier. ! ! Modalidades de Licitação ! A licitação é um certame ou um processo promovido por entidades governamentais em que se abre uma disputa entre os interessados para, ao final, ser eleita pelo poder público a proposta mais vantajosa ao interesse público subjacente. As diferentes modalidades diferenciam-se pelo objeto, preço e critérios de julgamento. ! Nesta seção serão apresentadas as modalidades licitatórias de concorrência, tomada de preços, pregão, convite e leilão, explorando suas principais características transportadas ao ecossistema de inovação do país. ! (a) Licitação por concorrência ! A licitação por concorrência é designada para contratações de bens e serviços com valor acima de R$650.000,00. É a mais conhecida entre todas as modalidades. Visa contratações de alto valor que atendam às conveniências sociais, podem habilitar-se quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir as condições mínimas de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto80. ! Dentre as principais características da concorrência, destacam-se: seu caráter de ampla participação, a admissão de pré-qualificação dos licitantes, a admissão de qualquer tipo de licitação e um Sistema de Registro de Preços. ! A concorrência deve ser utilizada para obras e serviços de engenharia acima de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) compras e serviços acima de 80 Lei nº 8.666/93, art. 22, §1º. !96 14 de outubro de 2014 R$650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). Observa-se que para contratações por concorrência acima de R$150.000.000,00, (cento e cinquenta milhões de reais) faz-se obrigatória a realização de uma Audiência Pública, 15 dias antes da publicação do edital. ! (b) Licitação por tomada de preços ! Visando a contratação de bens e serviços de valor médio, a tomada de preços, por seu turno, é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atendam a todas as condições exigidas para cadastramento até o três dias antes à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. ! A tomada de preços é amplamente utilizada para contratações que possuam um valor estimado médio, compreendidas até o montante de R$ 650.000,00 para a aquisição de materiais e serviços, e de R$ 1.500.000,00 para a execução de obras e serviços de engenharia. ! Por tais características, pode-se assumir, portanto, que a tomada de preços pode ser vantajosa para startups por ter um procedimento mais simples e célere em relação a modalidade concorrência. Em especial por sua principal característica, a necessidade de cadastro prévio, que pode permitir com que uma empresa nascente seja chamada a participar de certames, eliminando custos de mapear editais de licitação na modalidade concorrência que sejam publicados pelo país. ! (c) Licitação por convite ! O convite é a licitação que visa a contratação de bens e serviços de menor corpo, feito pela própria autoridade pública para interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual fixará, em local definido, a cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de 24 (vinte e quatro) horas da apresentação de propostas. !97 14 de outubro de 2014 ! A aquisição de materiais e serviços tem o limite de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), e para a execução de obras e serviços de engenharia até o valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). ! Os convidados podem ser cadastrados ou não, mas precisam ser do mesmo ramo do objeto. Os cadastrados não convidados que tomarem conhecimento do procedimento poderão manifestar seu interesse de participar em até 24 horas antes da apresentação das propostas. Sua publicidade é reduzida, haja vista a não exigência de publicação no diário oficial ou em jornais de grande circulação. ! Esta modalidade se destina a interessados que pertençam ao mesmo ramo de atividade, que poderão ou não ser cadastrados no órgão que promoverá o certame, tendo como principal exigência o convite feito pela Administração81. ! Uma premissa para a modalidade por convite é que para sua validação, é necessária a existência de pelo menos três convidados na disputa. Com apenas dois ou um, o certame não poderá ser validado. Um alerta para os licitantes que optarem por esta modalidade é que ela deve, sempre, observar ao princípio da supremacia do interesse público e não de interesses individuais, sob pena de se caracterizar um desvio de finalidade82. ! Embora a modalidade seja mais simples, para que seja eficaz, é fundamental a apresentação de três propostas válidas. Caso não sejam apresentadas, repete-se o processo de convocação. Nesse sentido, se o produto ou serviço é de ponta, tão inovador que não existem outros concorrentes no mercado disputando espaço com ele, esta não é uma modalidade adequada ao empreendedor, uma vez que o processo de sua contratação não será validado em razão da ausência de concorrentes. ! Neste ponto, vale ressaltar outro desafio relevante: definição correta do objeto da licitação. Isto porque, os produtos/serviços desenvolvidos por empresas nascentes de 81 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo : Malheiros, 2003. 82 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São Paulo : Malheiros, 1999. !98 14 de outubro de 2014 base tecnológica tem o potencial de alterar as características de mercados. Basta pensarmos que hoje utilizamos aplicativos em nossos celulares para chamar taxis e há 2 anos atrás o mercado era dominado por cooperativas de taxistas em que a comunicação se dava por telefone. Nem sempre o Poder Público acompanha o desenvolvimento de novas tecnologias e o incorpora no desenho do objeto de sua contratação. ! Nesse sentido, o cadastro prévio da empresa nascente associado a tentativa da empresa em educar órgãos públicos, apresentando as características de novos mercados ou a alteração destes, pode facilitar o desenho de objetos de contratação mais próximos das inovações tecnológicas desenvolvidas por empresas nascentes. ! (d) Licitação por concurso ! O concurso é a modalidade de licitação feita por uma comissão especializada no ramo, a ser prestada entre quaisquer interessados, que apresente um trabalho pronto, de cunho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco dias). ! No final do procedimento, em regra, não há contratação, mas premiação ou remuneração. O prêmio pode ser um bem economicamente mensurável ou um honorário de outra natureza. ! Esta modalidade está ligada a ideia de reconhecimento por bons trabalhos já realizados. Poderia ser aplicada ao contexto de empresas nascentes de base tecnológica, em particular em contextos em que já houve a prestação de serviços ou disponibilização de produtos em redes públicas de educação, saúde e moradia. ! Não haveria nenhum empecilho na oferta pelo Poder Público de concursos para premiação de iniciativas de empresas nascentes que tenham gerado impactos sociais relevantes, definidos e estabelecidos pelo próprio Poder Público. Neste caso, na opinião !99 14 de outubro de 2014 do grupo haveria uma falta de iniciativa em propor tais premiações, mas estas facilitariam e muito a aproximação da empresa com o Poder Público. ! (e) Leilão ! O leilão é o meio pelo qual se vende bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou empenhados, ou para a alienação de bens imóveis previstas no artigo 19, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação. Ou seja, o leilão poderá ser utilizado para vender bens móveis, apreendidos ou empenhados, e bens imóveis, adquiridos por procedimentos judiciais ou por dação em pagamento. Utiliza o tipo de licitação ‘’maior lance’’. ! Mencionamos o leilão apenas como curiosidade, tendo em vista que a modalidade guarda pouca relação com o ecossistema de fomento à empresas nascentes voltadas à negócios de impacto social. ! (f) Licitação por pregão ! O pregão é a modalidade instituída pela Lei nº 10.520/02 e regulamentada, no âmbito federal, pelo Decreto nº 3.555/00 e pelo Decreto nº 450/05 (pregão eletrônico). Ele pode ser definido como o meio de licitação pelo qual se “adquire bens e serviços comuns qualquer que seja o valor estimado da contratação, em que a disputa pelo fornecimento é feita por meio de propostas e lances em sessão pública”83. ! É realizado em sessão pública, para a contratação de bens e serviços comuns, mais célere, admite apenas o tipo menor preço. Bens e serviços comuns são definidos pelo Decreto nº 3555/00 como “aqueles cujo padrão de desempenho e qualidade possam ser concisa e objetivamente definidos no objeto do edital, em perfeita conformidade com as especificações usuais praticadas no mercado”. ! 83 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 574. !100 14 de outubro de 2014 O pregão pode ser presencial ou eletrônico. No primeiro, os licitantes devem apresentar declaração de que cumprem os requisitos de habilitação. Além disso, os licitantes deverão possuir dois envelopes, um com a proposta e outro com a documentação. Os licitantes entregam ao pregoeiro o envelope com a proposta, que será aberta imediatamente e seus requisitos serão analisados. O autor da proposta com o valor mais baixo e os autores das propostas com preço 10% (dez por cento) superiores à proposta de valor mais baixo passarão para a fase de lances. ! Exemplo: Empresa I – R$200,000 Empresa II – R$185, 000 Empresa III – R$194,000 Empresa IV – R$215,000 A proposta de menor valor é da Empresa II, R$185,000. 10% da proposta de menor valor é R$ 18,500, então irão para a fase de lances as propostas até R$ 203,000 Portanto, só vão para a fase de lances as empresas I, II e III. Tão logo, a empresa IV ficará de fora da fase de lances por apresentar um valor superior aos 10%. O critério de julgamento no pregão presencial, portanto, é o menor preço. ! No pregão eletrônico, por seu turno, os procedimentos são extraídos do Decreto nº 5.450, que regulamente o pregão eletrônico no âmbito federal. Os interessados deverão se credenciar no SICAF (Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores) e remeter, dentro prazo, as propostas por meio eletrônico. Posteriormente, os licitantes deverão obter sua chave de acesso e sua senha para participar do certame. ! Além disso, são desclassificadas as propostas que não atendam aos requisitos expostos no edital. Por óbvio, somente as propostas classificadas irão para a fase de lances. Após a fase de lances, o pregoeiro encaminhará ao licitante que apresentou o menor preço, uma contraproposta. Assim, de imediato, o pregoeiro analisará a proposta e, posteriormente, os documentos de habilitação. Só será declarado vencedor caso os documentos de !101 14 de outubro de 2014 habilitações estiverem, também, de acordo com o edital. Caos seja necessário para os licitantes, eles têm o direito de manifestar sua intenção de recorrer. As seguintes fases são a adjudicação, e a homologação, respectivamente. ! Assim, o certame licitatório via pregão diferencia-se dos demais procedimentos de licitação e apresenta algumas vantagens evidentes84. No pregão não há obrigação do Poder Público se encaixar em uma faixa do valor estimado para o futuro contrato, tal qual as modalidades concorrência, tomada de preços e convite. ! Considerando que uma das maiores dificuldades iniciais para uma empresa nascente é o estabelecimento de um preço para determinado bem tecnológico de uma empresa nascente, o pregão permite maior maleabilidade com a Administração Pública e os demais concorrentes, permitindo maior leque de negociação por preços e vantagens decorrentes deste processo. ! Contudo, o conceito de bem comum pode ser um empecilho para a participação de empresas nascentes em contratações via pregão. Como já dito na reflexão sobre a modalidade convite, o produto ou serviço desenvolvido pela empresa nascente muitas vezes é inovador, muito diferente do que está presente no mercado ou até não havia o mercado que agora passa a existir. Se o critério de definição de bem comum permanecer como produtos cuja qualidade e especificações são usuais no mercado, empresas nascentes de base tecnológica não terão sequer acesso a esta modalidade. ! Além disso, também é importante lembrar que a qualificação técnica do pregoeiro deve ser rígida, pois as diferenças programadas podem parecer tênues, mas são fundamentais. Por isso, é importante avaliar a capacitação técnica dos pregoeiros, e determinar maior rigidez técnica no edital. ! ! ! 84 Joel de Menezes Niebuhr – As Vantagens do Pregão – < http://www.mnadvocacia.com.br/assets/pdf/ artigo_pregao.pdf> !102 14 de outubro de 2014 Elaboração do Edital ! Segundo Hely Lopes Meirelles, “o Edital é a lei interna da licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tantos os licitantes como a Administração que o expediu”85. O Edital é o documento que fixa as condições específicas para realização de cada licitação, determinando o seu objeto, discriminando as garantias e os deveres de ambas as partes e regulando todo o certame público. No art. 40 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) consta o que o edital deverá indicar obrigatoriamente86. ! 85 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 266. 86 “Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara; II - prazo e condições para assinatura do contrato ou retirada dos instrumentos, como previsto no art. 64 desta Lei, para execução do contrato e para entrega do objeto da licitação; III - sanções para o caso de inadimplemento; IV - local onde poderá ser examinado e adquirido o projeto básico; V - se há projeto executivo disponível na data da publicação do edital de licitação e o local onde possa ser examinado e adquirido; VI - condições para participação na licitação, em conformidade com os arts. 27 a 31 desta Lei, e forma de apresentação das propostas; VII - critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros objetivos; VIII - locais, horários e códigos de acesso dos meios de comunicação à distância em que serão fornecidos elementos, informações e esclarecimentos relativos à licitação e às condições para atendimento das obrigações necessárias ao cumprimento de seu objeto; IX - condições equivalentes de pagamento entre empresas brasileiras e estrangeiras, no caso de licitações internacionais; X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48; XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; XIII - limites para pagamento de instalação e mobilização para execução de obras ou serviços que serão obrigatoriamente previstos em separado das demais parcelas, etapas ou tarefas; XIV - condições de pagamento, prevendo: a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela; b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros; c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento; d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos; e) exigência de seguros, quando for o caso; XV - instruções e normas para os recursos previstos nesta Lei; XVI - condições de recebimento do objeto da licitação; XVII - outras indicações específicas ou peculiares da licitação.” !103 14 de outubro de 2014 O Edital não pode: (i) conter cláusulas ou condições que comprometam a competição; (ii) ser genérico, impreciso ou omisso em pontos essenciais; e (iii) apresentar exigências excessivas ou impertinentes ao seu objeto. Caso isso seja verificado, podem-se solicitar esclarecimentos ou a impugnação do edital. ! Após a divulgação do Edital, passa-se à licitação propriamente dita. De acordo com o procedimento licitatório, em primeiro lugar, ocorrerá a habilitação dos concorrentes, de modo que esses deverão comprovar sua regularidade jurídica e fiscal, sua qualificação financeira e sua qualificação técnica. Em segundo lugar, depois de estabelecido quais concorrentes estão habilitados, passa-se ao exame e classificação das propostas, de modo que um ganhador é selecionado por ter apresentado a proposta de menor preço ou de melhor técnica e preço. Em terceiro, homologa-se o procedimento até então realizado, o que consiste na ratificação da sua legalidade. E, por fim, ocorre a adjudicação. ! (a) Termo de Referência ! O Termo De Referência é o documento pelo qual membro da Administração Pública requisita e detalha algo que precisa adquirir ou contratar. De modo geral, traz a definição do objeto, o orçamento detalhado de acordo com os preços estimados de mercado, a estrutura de custos, a forma e prazo para entrega do bem ou realização do serviço contratado, as condições de sua aceitação, os deveres do contratado e da contratante, os mecanismos e procedimentos de fiscalização do serviço prestado, entre outras informações. ! Assim, pode-se afirmar que o Termo De Referência constitui o planejamento inicial da licitação, definindo seus elementos básicos, ainda mais ao se considerar que é através dos dados constantes desse documento que se elaborará o Edital. Ressalta-se que, quando publicado o edital, o Termo de Referência assume a forma de um anexo desse. ! Vale mencionar uma discussão interessante sobre a elaboração de termos de referência e a classificação de softwares, formato de produto/serviço oferecido por diversas empresas nascentes de base tecnológica. !104 14 de outubro de 2014 ! Há uma controvérsia sobre a designação de softwares como mercadorias ou serviços. As leis tributárias tratam mercadorias e serviços de formas distintas, e por isso softwares podem ter tratamentos diferentes. Considerados como serviços, sujeitam-se ao imposto municipal ISS e, se forem mercadorias, devem pagar o imposto estadual ICMS (já que esses impostos não podem incidir simultaneamente). ! A vantagem da tributação do ISS, em tese, é que a alíquota (máxima de 5%) é menor que a alíquota do ICMS (17 ou 18%, dependendo do Estado), apesar de que, na legislação do ISS, não há direito de crédito, como no ICMS. ! A Lei Complementar nº 116/2003 previu, na lista tributável pelo ISS (subitem 1.05), a incidência do imposto no licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação. ! Não obstante, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que: “os programas de computação, feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme são mercadorias de livre comercialização no mercado passíveis de incidência do ICMS. Já os programas elaborados especialmente para certo usuário exprimem verdadeira prestação de serviço sujeita a ISS”. Ou seja, softwares podem se enquadrar tanto como ISS quanto como ICMS. ! Em princípio, “softwares de prateleira”, normalmente associados a contratos de adesão, são considerados mercadorias, incidindo ICMS, ao passo que “softwares sob encomenda” são considerados serviços, incidindo sobre eles ISS. ! De acordo com a Nota Técnica SEFTI/TCU nº 05, serviços de software são designados como todo tipo de serviço contratado de desenvolvimento ou manutenção de software sob encomenda, ou seja, aquele cuja propriedade intelectual pertença ao contratante, nos termos do art. 4º da Lei 9.609/1998. Portanto, aqui não estão incluídos os softwares vendidos prontos, com ou sem customização. ! !105 14 de outubro de 2014 O Termo de Referência aqui se insere porque é ele que definirá as características do software contratado, determinando se ele consistirá em uma mercadoria ou em uma prestação de serviços. Essa diferenciação impactará não só os tributos a serem pagos pela startup, mas também o preço do objeto licitado, pois “softwares sob encomenda” costumam ser mais caros pela sua diferenciação. Na maio parte dos casos, startups oferecerão softwares customizados que muito provavelmente serão enquadrados na categoria de “serviços de software”. ! Considerando as peculiaridades dos softwares oferecidos por startups, bem como os problemas até então dissociados de soluções tecnológicas que elas pretendem resolver, é razoável admitir que a Administração Pública poderá enfrentar sérias dificuldades na elaboração de um Termo de Referência que possa abarcar as atividades de startups de base tecnológica. ! Neste aspecto é interessante notar que no desenho do termo de referência esta diferença tem de estar muito clara, uma vez que a depender do formato do software (prateleira ou sob encomenda) a modalidade de licitação será distinta. Software de prateleira poderia ser objeto da modalidade pregão, vantajosa em vários aspectos ao empreendedor por sua maior celeridade, não podendo ser aplicada para os softwares por encomenda, tendo em vista a definição de bem comum necessária para a realização da modalidade pregão, restando o convite, tomada de preço e a concorrência. ! Assim, seria possível que a própria startup elaborasse o Termo de Referência para a Administração ou, ao menos, auxiliasse-a nesse processo criativo? Em princípio, não. Isso porque princípios estariam sendo gravemente feridos, tais como: o princípio do julgamento objetivo (Lei nº 8.666/1993, art. 3º, caput), a obrigatoriedade da pertinência e relevância da exigência do edital Lei nº 8.666/1993, art. 3º, §1º, I) e o princípio da isonomia entre os licitantes/interessados (CF/1988, art. 37, XXI; Lei nº 8.666/1993, art. 3º). Afinal, seria como se um parceiro privado da Administração Pública estivesse determinando o que ela precisa e o que irá contratar. ! !106 14 de outubro de 2014 (b) Reuniões de Apresentação da Plataforma ! É interessante para uma empresa nascente ter a possibilidade de apresentar a sua plataforma tecnológica à Administração Pública antes da realização da licitação. Isso porque tal fato comprovará a sua capacidade técnica, bem como a utilidade do serviço oferecido. Inclusive, caso o serviço mostre-se eficaz e eficiente, a Administração Pública ficará mais inclinada a realizar uma licitação que exija as características do serviço apresentado, o que pode beneficiar a startup ao considerar a existência de características exclusivas. ! As reuniões de apresentação da plataforma devem ser feitas antes de iniciada a licitação, porque essas reuniões podem ser consideradas como ilegais no curso de uma licitação, por ferirem a isonomia e a concorrência, ao não se aplicarem a demais participantes do certame. ! (c) Abertura da Plataforma (Serviços Gratuitos) ! O oferecimento de serviços gratuitos pela startup é uma porta de entrada para negociação com a Administração Pública, pois ela poderá comprovar a eficácia e eficiência do serviço oferecido. Também, dependendo do público alvo direcionado, há a possibilidade de que uma demanda por esse serviço seja criada, o que incentivará a contratação pela Administração Pública. Por exemplo, professores de escolas públicas podem exigir a instalação permanente de software de educação nas escolas, os quais já foram testados por tempo determinado. ! Porém, a abertura da plataforma não pode ser um critério para habilitação em uma licitação nem pode ser determinante no julgamento de propostas. É inválida a inserção de cláusulas que determinem a prática antecipada de atos como condicionante da participação da licitação, por ferir a isonomia e a competitividade. ! O oferecimento de serviços gratuitos se dará por meio de uma parceria tradicional entre a startup e o ente público, por meio da qual se formalizará a abertura da plataforma em !107 14 de outubro de 2014 troca do acesso a serviços públicos. A startup não pode ignorar que ao negociar com o Poder Público ela deverá pensar na “rede”, ou seja, na universalidade do serviço. É possível que uma exigência da Administração seja abrir a plataforma para toda a rede de serviço público. Se a startup não puder ou não estiver disposta a realizar isso, gratuitamente, não só poderá ser impedida de realizar um projeto piloto, mas também passará uma mensagem negativa para o Poder Público, indicando possível incapacidade de atingir toda a rede. (d) Obrigatoriedade de Apresentação de um Protótipo (Amostra) e de Certificações Técnicas ! Apresentar um protótipo poderia ser uma exigência técnica do edital de licitação, pois evitaria a entrada de possíveis empreendedores que desejam entrar na licitação, mas que não são capazes de desenvolver o referido produto ou serviço. Com isso, evitar-se-ia que esses empreendedores oferecessem menores preços e ganhassem a licitação apesar de não apresentarem o produto ou serviço nos moldes técnicos exigidos. ! Inexiste dispositivo na Lei 10.520/02 e na Lei 8.666/93 que regulamente a exigência de amostra do objeto a ser contratado. Apesar disso, de acordo com a Nota Técnica nº 04/2009 - Sefti/TCU o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu que “a exigência de amostras, na fase de habilitação, ou de classificação, feita a todos os licitantes, além de ilegal, poderia ser pouco razoável, porquanto imporia ônus que, a depender do objeto, seria excessivo a todos os licitantes, encarecendo o custo de participação na licitação e desestimulando a presença de potenciais licitantes”87. ! Não obstante, o TCU julgou que “a solicitação de amostra na fase de classificação apenas ao licitante que se apresenta provisoriamente em primeiro lugar, ao contrário, não onera o licitante, porquanto confirmada a propriedade do objeto, tem ele de estar preparado para entregá-lo, nem restringe a competitividade do certame, além de prevenir a ocorrência de inúmeros problemas para a administração. Não viola a Lei 8.666/93 a exigência, na fase de classificação, de fornecimento de amostras pelo licitante que estiver provisoriamente 87 TCU, Decisão nº 1237/2002 – Plenário. !108 14 de outubro de 2014 em primeiro lugar, a fim de que a Administração possa, antes de adjudicar o objeto e celebrar o contrato, assegurar-se de que o objeto proposto pelo licitante conforma-se de fato às exigências estabelecidas no edital”88. ! Dessa forma, a aceitação da amostra constitui condição para adjudicação do objeto do certame. Consequentemente, caso a unidade amostrada não seja aprovada mediante as condições pré-estabelecidas no procedimento de testes, o licitante é desclassificado, e o próximo é convocado, na ordem de classificação (art. 4º, inciso XVI, Lei nº 10.520/2002). ! Em síntese: a exigência de apresentação de amostras é admitida apenas na fase de classificação das propostas (mesmo na modalidade pregão) e somente do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, desde que de forma previamente disciplinada e detalhada no instrumento convocatório. ! Além de apresentar um protótipo, questiona-se se é possível exigir certificação de terceiros para habilitação técnica de um participante na licitação. De acordo com a Nota Técnica SEFTI/TCU nº 05 entende-se que a adoção das normas técnicas brasileiras relativas à Engenharia de Software como referência é recomendável para alcançar a eficácia e a efetividade na realização dos objetivos da contratação de serviços de software (ex. Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT). ! Nesse sentido, as normas técnicas brasileiras para avaliação da qualidade de processo e de produto de software conferem objetividade à avaliação das contratações de serviços e podem ser usadas para verificação da conformidade das propostas ofertadas pelos licitantes com os requisitos estabelecidos no edital. ! No entanto, a referida nota técnica considera que é vedada a exigência de avaliação ou certificado de qualidade de processo de software (ex. CMMI e MPS.BR) como requisito para habilitação em licitação. Isso porque inexiste previsão legal e essa exigência implicaria em despesas anteriores à contratação, que poderia ferir a competição e a isonomia entre os licitantes. Ou seja, o entendimento é de que não é possível exigir 88 Decisão nº 1237/2002 – Plenário. !109 14 de outubro de 2014 avaliações ou certificações técnicas como condição para habilitação técnica dos participantes. ! Ora, então, como se comprova a capacidade técnica dos licitantes? O TCU considera ser possível tomar por base atestados, que reflitam a execução satisfatória de objeto compatível com as características do objeto licitado. O método de avaliação de atestado constará do edital, sendo que a apreciação de avaliação oficial de qualidade de processo de software (como MPS.BR e CMMI) poderá ser usada para sanar dúvidas e avaliar as características dos atestados. Porém, a simples ausência dessa avaliação não poderá invalidar o atestado apresentado. ! Conclui-se, portanto, que nas licitações de serviços de software não é possível exigir avaliação ou certificado de qualidade de processo de software como requisito técnico obrigatório da proposta técnica. No entanto, é possível incluir, na especificação técnica dos serviços a serem realizados, todos os resultados esperados que, segundo modelos de qualidade de processo aderentes à norma ABNT NBR ISO/IEC 15.504, tais como CMMI ou MPS.BR, caracterizam um dado nível de capacidade de processo de software. ! Em outras palavras, a avaliação (ou certificado) em si não pode ser exigida, mas pode definir os resultados esperados necessários à execução do serviço no termo de referência, pois implementa as normas técnicas e consolida as melhores práticas de garantia de qualidade em processo de software. ! Ressalta-se que, em decorrência do disposto no art. 23 da Lei nº 7.232/1984 e no art. 75 da Lei nº 8.666/1993, é permitido exigir, para solução de conflitos contratuais, a avaliação de artefatos específicos por avaliador independente oficialmente autorizado, a custo da contratada, desde que justificado. ! ! ! ! !110 14 de outubro de 2014 (e) Precificação ! A modalidade de licitação varia conforme o preço, de modo que a startup deve ter em mente essa limitação ao participar de determinada modalidade de licitação. A seguir, descrevem-se as modalidades e seus respectivos limites de preço: a) Convite: até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); b) Tomada de Preços: até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais); c) Concorrência: acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais). O Pregão, por sua vez, não tem limites de preço para contratação. ! A título de exemplo, percebe-se que na área de Tecnologia da Informação (TI) não mais se verifica a obrigatoriedade de adoção de licitação do tipo técnica e preço para bens e serviços de informática, conforme consta do art. 45, § 4º, da Lei nº 8.666/1993. ! Vige, atualmente, a regra geral de contratação por meio da modalidade pregão (sobretudo, eletrônico), do tipo menor preço, na medida em que muitos bens e serviços de informática geralmente apresentam padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos no edital, aos moldes do software de prateleira, por meio de especificações usuais no mercado, conforme disposto pela Lei nº 10.520/2002, art. 1º, c/c Decreto nº 5.450/2005, art. 4º. ! As startups, porém, inserem-se num contexto peculiar que nem sempre será adequado a estes modelos de contratação. Startups oferecem serviços que não são facilmente avaliados no mercado, de modo que o critério do menor preço não se mostra suficiente para avaliar o objeto da licitação. Nesse sentido, o pregão eletrônico pode ser incompatível com a realidade de algumas startups ao desconsiderar o critério de melhor técnica na consecução do objeto contratual. ! A precificação do serviço parece ser uma das questões mais desafiadoras a serem enfrentadas pela startup. Afinal, o software por ela oferecido é inovador e, provavelmente, não possui uma precificação madura no mercado. O desafio, portanto, está em como determinar em uma proposta de licitação o que compõe o preço final apresentado pela startup. !111 14 de outubro de 2014 ! Acreditamos que uma possibilidade é que, antes de participar de uma licitação, a startup tente vender o seu serviço para empresas privadas, a fim de estabelecer um preço de mercado que poderá ser utilizado como referência na licitação. Afinal, a Administração Pública pode vir a realizar uma pesquisa de mercado do serviço oferecido, o que indicará o valor cobrado de entes privados. Assim, inicialmente, o preço pode ser definido a partir de determinados métodos, dentre os quais o preço mensal fixo por usuário e o pagamento fixo anual. ! Os Termos Aditivos ! Em regra, toda e qualquer modificação contratual deve dar-se mediante a celebração de termo aditivo, seja ela unilateral ou consensual. Os requisitos formais para a celebração de contratos administrativos, inclusive a formalização de aditamentos aos ajustes originários, constam no art. 60, caput, e 61, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93. ! “Art. 60. Os contratos e seus aditamentos serão lavrados nas repartições interessadas, as quais manterão arquivo cronológico dos seus autógrafos e registro sistemático do seu extrato, salvo os relativos a direitos reais sobre imóveis, que se formalizam por instrumento lavrado em cartório de notas, de tudo juntando-se cópia no processo que lhe deu origem. (...) ! Art. 61. (...) Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.”89 ! ! Qualquer alteração nas cláusulas ou prorrogação de prazos deverá obedecer a estas formalidades, estando alguns casos expressos no art. 65 da Lei nº 8.666/93. No § 8º deste dispositivo, constam casos que não caracterizam alteração do contrato, dispensando a 89 Lei nº 8.666/93. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. !112 14 de outubro de 2014 celebração de aditamento e podendo ser formalizados mediante apostila, afinal, pelo aditamento são realizadas apenas as modificações das condições inicialmente pactuadas. ! Além disso, toda prorrogação ou alteração contratual deve ser precedida de justificativa competente, contento a descrição detalhada das razoes fáticas que ensejam a modificação do ajuste, e da análise jurídica da minuta do termo aditivo, a fim de se resguardar a legalidade dos atos praticados. (a) Ampliação do Preço Contratado ! No caso de ampliação do preço contratado, a Lei nº 8.666/93 traz, em seu art. 65, inciso I b, e inciso II d, que: ! “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I – unilateralmente pela Administração: b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; II – por acordo das partes: d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”90 ! Segundo este artigo, a Lei permite a ampliação do preço anteriormente estabelecido tanto unilateralmente quanto consensualmente. A questão que tem surgido, no entanto, é o limite ao qual este valor recontratado está submetido. Embora a Lei nº 8.666/93 aponte, nos parágrafos subsequentes ao inciso II do art. 65, que o contratado fica obrigado a aceitar os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus 90 Lei nº 8.666/93. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. !113 14 de outubro de 2014 acréscimos, os Tribunais têm entendido que, em casos específicos de acréscimo, pode ser aplicado o Acórdão 215/99 do Tribunal de Contas da União, de modo que pode haver limites que extrapolem aqueles contidos no art. 65 da Lei de Licitação. ! A partir do acórdão supracitado, decidiu-se que tanto as alterações contratuais quantitativas que modificam a dimensão do objeto quanto as unilaterais qualitativas que mantém intangível o objeto, em natureza e dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei. ! No entanto, abriu-se uma exceção nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, facultando à Administração ultrapassar os limites aludidos na Lei, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos: ! “I – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razoes de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; V - ser necessária à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes; VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra - que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;” ! !114 14 de outubro de 2014 Contudo, deve-se ressaltar que esta é uma medida excepcional, podendo-se admitir a extrapolação dos limites estabelecidos pela Lei nº 8.666/93, desde que reste demonstrado que a alternativa a tal medida extraordinária acarretaria prejuízo insustentável à Administração Pública e à coletividade, devendo, porém, ser evitada. ! (b) Subcontratação ! A subcontratação é uma contratação de terceiros, pelo particular, para a execução de atividades correlatadas ao serviço público, mas no interesse da contratante. Ela não depende de autorização do Poder Público, de modo que este não responde pelas obrigações contratuais assumidas pela contratante em relação ao terceiro. A Lei nº 8.666/93 permite ao contratado, em seu art. 72, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, a subcontratação de partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido pela Administração. ! No entanto, mais abaixo no art. 78, inciso VI, da referida Lei, consta que a subcontratação total ou parcial do objeto do contrato, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato, constituem motivo para rescisão do contrato. ! Assim, a Lei expressa que a subcontratação, embora permitida, deve seguir os parâmetros estabelecidos pela Administração e pode, caso estes não sejam seguidos, ser utilizada como motivo para rescisão contratual estabelecida com o particular. Ou seja, a subcontratação pode ser realizada mediante termo aditivo, contanto que respeito o contido no art. 65 da Lei nº 8.666/93, de modo que, havendo discordância entre as partes a respeito, é obrigatório firmar novo contrato a partir da rescisão do atual. ! (c) Documentos ! Para satisfazer os requisitos legais das licitações públicas, a startup precisa ter uma maior capacidade de organização para poder competir com outras empresas já estabelecidas no mercado. Sendo assim é recomendável que a empresa tenha documentos e certidões já !115 14 de outubro de 2014 providenciados e atualizados para participar de licitações. Muitos dos documentos necessários demoram para serem expedidos, o que dificulta a participação de quem não se organizou antecipadamente. Logo, deve-se ter arquivadas cópias autenticadas de todos os documentos previstos nos artigos 27 e seguintes da lei nº 8.666/93, incluindo a certidão negativa de falência e concordata, com exceção daquelas que podem ser emitidas via internet. ! Ressalte-se, contudo, que os documentos exigidos dependem da modalidade licitatória, mas sempre constarão no documento convocatório para que o participante possa providencia-los. ! Os documentos exigidos pela lei para comprovar a regularidade fiscal da empresa são: ! Prova de Inscrição no Cadastro de Pessoas Física e Jurídica: Cadastro de Pessoa Física – CPF e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídicas – CNPJ. Ambos são expedidos pela Secretaria da Receita Federal. ! Prova de Inscrição no cadastro de contribuíntes, ICMS/ISS: Inscrição Estadual ou Municipal, relativo ao domicilio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto da licitação. A Inscrição Estadual é emitida pela Secretaria de Estado da Fazenda e Planejamento. ! Prova de Regularidade com a Fazenda Federal: Apresentação da Certidão Negativa de Débitos de Tributos e Contribuíções Federais emitida pela Receita Federal. Poderá ser solicitada na Agência da Receita Federal, em qualquer localidade do respectivo Estado, cuja validade é de 180 (cento e oitenta) dias. Também poderá ser emitida pelo site www.receita.fazenda.gov.br , com validade de 30 (trinta) dias a contar da sua emissão. ! Prova de Regularidade com a Fazenda Estadual: Certidão emitida pela Secretaria da Fazenda Estadual, podendo ser solicitada em qualquer posto de atendimento da Secretaria de Fazenda Estadual. Esta certidão tem validade de 90 (noventa) dias a contar de sua emissão. !116 14 de outubro de 2014 ! Prova de Regularidade com a Fazenda Municipal: Esta certidão deverá ser solicitada na Secretaria de Estado Municipal de sua cidade. ! Prova de Regularidade com a Procuradoria da Fazenda Nacional: Apresentação da Certidão Quanto a Dívida Ativa da União, emitida pela Procuradoria da Fazenda Nacional e tem seu prazo de validade de 180 (cento e oitenta) dias. Também pode ser solicitada por meio eletrônico através do site www.pgfn.fazenda.gov.br porém seu prazo de validade é de 30 (trinta) dias. ! Prova de Regularidade com a Seguridade Social: Apresentação da Certidão Negativa de Débitos – CND emitida pela Previdência Social . Também pode ser solicitada por meio eletrônico através do site www.mpas.gov.br . Esta certidão tanto emitida pelo INSS ou pelo site, tem validade de 60(sessenta) dias a contar da sua data de emissão. ! Prova de Regularidade com FGTS: Esta Certidão poderá ser solicitada em qualquer agência da Caixa Econômica Federal ou por meio eletrônico no site da Caixa: www.caixa.com.br . Ambas terão prazo de validade de 30 (trinta) dias da data de sua emissão. ! Qualificação Econômica Financeira: A comprovação da qualificação econômica-financeira da empresa tem o objetivo de garantir ao órgão licitante que os produtos ou serviços serão fornecidos , já que o vencedor da licitação terá capacidade para cumprir com o contrato. São exigidos por Lei limitando-se os seguintes documentos para comprovação: ! 1. Balanço Patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício; 2. Exigência de Certidão Negativa de Falência, Concordata e de execução patrimonial; 3. Garantia, que poderá ser em depósito prévio a data de realização da licitação de até 1% do valor do contrato a ser licitado; 4. Capital Social mínimo até o limite de 10% do valor total do contrato; 5. Índices de Liquidez; !117 14 de outubro de 2014 ! Documentação Complementar: São duas as declarações exigidas em certames licitatórios a qual faz obrigatoriedade na apresentação: a Declaração de Superveniência de Fatos Impeditivos e a Declaração de Emprego de Menores. ! Cabe ainda salientar que, quantos aos custos em que incorrerão as empresas participantes da licitação, o art. 32 da Lei de Licitações em seu parágrafo 5º determina que não será exigido prévio recolhimento de taxas ou emolumentos, a não ser aqueles referentes ao fornecimento do edital, quanto solicitado, com seus elementos constitutivos, limitados ao valor do custo efetivo de reprodução gráfica da documentação fornecida. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !118 14 de outubro de 2014 ! 3.2. Terceirização: subcontratação de empresa nascente por empresas licitadas Equipe: Gustavo Alvoreda, Letícia Penna, Lucas Padilha, Luíza Martinez e Maria Eugênia Lacerda. ! ! A subcontratação se caracteriza pelo contrato privado entre a subcontratada e a contratada da Administração Pública, assim, não se verifica uma relação direta entre a subcontratada e a própria Administração, uma vez que apenas os Tribunais de Contas (municipais, estaduais e federal, encarregados da fiscalização orçamentária e executória, dentro outros deveres que serão elencados no decorrer do trabalho) limitam os encargos do serviço91. ! Devido a inexistência de vínculo direto com a Administração, é desnecessária o processo de licitação, já que a atividade principal não será o objeto do contrato. Este capítulo se dedica a investigar quais são os riscos e vantagens de uma subcontratação para uma empresa nascente de base tecnológica. ! ! Elaboração do Edital de Licitação ! A Lei 8666/93 é a lei federal que rege os processos de licitação no Brasil, ainda que existam leis estaduais, as quais são subsidiárias e específicas a cada ente federativo estadual. A Lei 8.666/93 trata diretamente da subcontratação em seus arts. 72 e 78, in verbis: ! 91 Não se forma, pois, vínculo ou relação jurídica de qualquer natureza entre o poder concedente e o terceiro contratado, conforme se pode depreender do art. 25, §2º, e 31 da Lei nº 8.987”. LANIUS, Danielle Cristina. Da necessidade de licitação nos casos de subcontratação, subconcessão, transferência da concessão ou do controle acionário da concessionária de serviços públicos. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/ id/608/r147-06.PDF?sequence=4>. !119 14 de outubro de 2014 “Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração. ! Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato” ! O entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) dos dispositivos é, em linhas gerais, o de que a subcontratação nunca pode ser total92. A total terceirização da execução do contrato com a Administração pela subcontratação confrontaria os princípios garantidos pelo processo licitatório (eficiência na contratação e igualdade de concorrência como garantes da probidade93), pois o que haveria seria a execução de um contrato público sem que tivesse havido o devido processo para esta contratação94. Devido à sua natureza e à sua função de promover o bem social, o erário público deve ser objeto de otimização inclusive quando for dispendido para remuneração daquele privado que executará obra ou prestará serviço público95. ! 92 “(...) a sub-rogação plena, como operada, simplesmente substitui o juízo da Administração - único e soberano, formado durante e por meio do procedimento licitatório - pelo juízo do licitante vencedor, o qual, por ato próprio, escolhe - agora sem qualquer critério e sem empecilhos - terceiro para executar o objeto a ele adjudicado e responder pelas obrigações e direitos previstos no contrato administrativo, passando a assumir a posição de contratado. Esse sacrifício do princípio da eficiência por ato unilateral de pessoa alheia à Administração Pública - única constitucionalmente autorizada a laborar juízos nessa área - representa ato diretamente atentatório à eficácia e à própria validade do preceito constitucional. A mera anuência da Administração à sub-rogação contratual não substitui nem supre o juízo anteriormente formulado na escolha do contratado, em rigoroso procedimento licitatório (...)”. (grifamos) (TCU, plenário, Decisão 351/2001). 93 Estes princípios são longamente tratados pela literatura publicista. Cremos mais oportuno trazer o tratamento que a lei 8.666/93 deu a estes princípios que ao mesmo tempo que fundam o processo licitatório, lhe dando causa, constituem seus objetivos: só será lícita aquela contratação eficiente, e ainda, proba por ter sido realizada conforme a legalidade enquanto processo. Nos referimos aos princípios, in verbis: art. 3o “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. 94 “É irregular a sub-rogação do contrato celebrado entre a Administração, que representou fuga ao procedimento licitatório.” (TCU, Plenário, Acórdão 247/2005) 95 Note-se que a qualificação (“melhor”) do contrato público, no sentido de cumprir com o princípio da eficiência, é mais compreensiva que a análise da economicidade (menor preço, por exemplo) da oferta que será aquela vencedora do processo licitatório: “Enquanto a economicidade busca o melhor contrato, a eficiência cuida do melhor resultado em função do bem contratado (...). É, pois, controle de resultado, que se submete à parâmetros objetivos” VILELA SOUTO, Marcos. Direito Administrativo Contratual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000. p. 20. !120 14 de outubro de 2014 A terceirização da execução do contrato público deve ocorrer de forma limitada, de maneira que se assegure aquele que venceu a licitação, ainda seja o responsável pelo contrato e seu executor, pelo menos na maioria das fases da obra ou dos serviços a serem prestados. ! Veda-se a cessão do contrato administrativo, a caracterização do subcontratado enquanto contratado, muito por haver a presunção – por princípio e por valor, ainda que jurídica – de que a subcontratação não pode ser uma contratação simulada, intermediada, comissionada, sob pena da contratação não cumprir com os princípios aludidos no parágrafo anterior. Qualquer exceção ao dever de licitar deve ser previsto pela própria lei – referimo-nos, às hipóteses de dispensa e inexigibilidade. ! A subcontratação parcial, contudo, é permitida e, em certos casos, é até obrigatória96. Para que isso ocorra, é essencial a previsão desta possibilidade no edital; se o contratado subcontratar empresa quando vedado pelo edital, a Administração Pública pode rescindir o contrato, como é perceptível no artigo 78 inciso VI supracitado. ! Em geral, os editais limitam a subcontratação a 30%97 do valor do contrato de licitação, mas não há dispositivo expresso que impeça aumento da porcentagem98. A subcontratação depende de autorização expressa, caso a caso, do órgão licitante ou aquele que foi designado no edital como responsável por aprovar possível 96 Editais exemplificando a obrigatoriedade da subcontratação disponíveis em: <http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2012-08/pregao-eletronico_002_-2012_material-grafico.pdf>. e <https:// www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=9&cad=rja&uact=8&ved=0CHsQFjAI&url=http%3A%2F %2Fwww2.sad.pe.gov.br%2Fc%2Fdocument_library%2Fget_file%3Fp_l_id%3D4042990%26folderId%3D4043084%26name %3DDLFE-31660.docx&ei=U9pvU8LQBaLJsQSgs4CQCA&usg=AFQjCNHnKSfgTIN6dfibjFrWMKYB5HOzNQ&sig2=WGnGr 83JwVtR0icvZIqQSg&bvm=bv.66111022,d.cWc.>. 97 Edital exemplificando a limitação a 30% disponível em: <https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/ 59/EDITAL%20-%20003-2012-MPPA%20-%20Obras%20e%20servi%C3%83%C2%A7os%2003%20Lotes.pdf>. 98 Tem-se a identificação dos limites entendidos pelo TCU concedidos em tratamentos diferenciados: “existir regulamentação específica na esfera legislativa para o ente no qual se insere o órgão ou entidade contratante; for expressamente previsto no ato convocatório; for vantajoso para a Administração e não representar prejuízo para o conjunto do objeto a ser contratado; houver, no mínimo, três competidores que se enquadrem na condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, sediada na região ou no local da licitação, com capacidade para cumprir as exigências do ato convocatório; não se enquadrar nos casos de dispensa e inexigibilidade de licitação previstos nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/1993.” Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU/Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010, pág.: 792. !121 14 de outubro de 2014 subcontratação. A falta de autorização pode levar à rescisão do contrato e multa para a contratada. ! A subcontratada deve apresentar documentos que comprovem sua regularidade fiscal, trabalhista. Além disso, nenhum de seus funcionários pode ter relação de parentesco com funcionários do órgão licitante. Os documentos exigidos pelo órgão licitante são semelhantes àqueles exigidos no edital para a contratada, muitos deles já mencionados no capítulo anterior. ! Quanto à responsabilidade, a contratada responde perante a Administração Pública e perante terceiros pelas ações da subcontratada, como, por exemplo, ações trabalhistas e irregularidade fiscal. Por isso, a subcontratada fica sujeita à fiscalização da contratada, a qual pode prever no contrato a forma como se dará e as possíveis sanções99. ! Não existe relação contratual entre a Administração Pública e a subcontratada. Trazendo para a lógica das empresas nascentes, que, vi de regra, ocupariam a posição de subcontratada, não haveria qualquer vínculo entre ela e a Administração Pública. Devido à inexistência de vínculo direto entre esses entes, os cofres públicos ficam protegidos, por exemplo, contra casos de extrapolação do valor da contratação inicial. ! Isto é, se a subcontratada passa a ter mais despesas do que as previstas em seu contrato e por isso passa a exigir mais recursos para a entrega de um produto ou serviço, não cabe ao Estado pagar, o controle de gastos da subsidiária também é de responsabilidade da contratada (vale dizer que esses pontos serão mais profundamente analisados no subitem sobre riscos administrativos). ! A regra geral é a de que não pode haver subcontratação se esta não for permitida pelo edital. O TCU, no entanto, admite em certos casos a possibilidade de subcontratação 99 Alguns editais preveem expressamente a não vinculação da administração pública ao subcontratado, como por exemplo: <http://www1.dnit.gov.br/anexo/Edital/Edital_edital0570_11-03_1.pdf>. !122 14 de outubro de 2014 ainda que não esteja permitida expressamente no edital. No AC 5532/2010100. No caso, a Primeira Câmara do TCU, julgou um caso em que uma contratada havia supostamente agido ilicitamente ao subcontratar, pois o edital não previa esta hipótese expressamente101. O tribunal entendeu que ainda que o edital não previsse, tampouco vedava, decidindo pela licitude da subcontratação. O acórdão ressalta ainda a importância de adimplir a obrigação sem onerar os cofres públicos. Além disso, o órgão licitante pode vetar a subcontratação em qualquer caso, desde que de forma justificada. ! Ademais, existem casos em que a subcontratação é obrigatória, em tais casos a licitante deve levar na proposta os documentos da subcontratada. ! A previsão de subcontratação deverá atender o requisito da impessoalidade: deve-se, ao prever, não especificar – ainda que de forma indireta – o sujeito que será subcontratado. O objeto do contrato por mais específico que seja em seus requisitos de qualidade – cremos que a contratação com empresas de tecnologia rende editais com algum grau de técnica exigida, portanto, expressiva especificação tecnológica – deve ser suficientemente abrangente, compreensivo, genérico, para que haja alguma competição entre sujeitos a serem identificados como possíveis contratados pela Administração. ! Sabe-se que quem contrata o privado, na relação de subcontratação, é o privado contratante com a Administração, porém, deve-se cuidar de que esta, por meio do edital, não expresse sua predileção por qualquer agente de mercado que possa vir a ser subcontratado102. Os editais estudados exigem subcontratação de empresas de micro e pequeno porte, ou seja, é uma exigência geral que não fere a impessoalidade. As 100 “Sumário: REPRESENTAÇÃO. RECURSOS DO FUNDEF. TRANSPORTE ESCOLAR. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA QUE NÃO ERA DO RAMO COMPATÍVEL COM O OBJETO LICITADO. SUBCONTRATAÇÃO DOS SERVIÇOS ADJUDICADOS. REALIZAÇÃO DE LICITAÇÃO SEM ORÇAMENTO BÁSICO. PAGAMENTO ANTECIPADO. CONTRATAÇÃO DIRETA DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. NÃO ATENDIMENTO A DILIGÊNCIA DO TRIBUNAL. PROCEDÊNCIA PARCIAL. ACOLHIMENTO DE PARTE DAS RAZÕES DE JUSTIFICATIVA. MULTA. COMUNICAÇÃO. 1. A subcontratação parcial de serviços contratados não necessita ter expressa previsão no edital ou no contrato, bastando apenas que não haja expressa vedação nesses instrumentos, entendimento que se deriva do art. 72 da Lei 8.666/1993 e do fato de que, na maioria dos casos, a possibilidade de subcontratação deve atender a uma conveniência da administração.”(grifamos). 101 Acórdão 5532/2010 - Primeira Câmara. Processo: 004.716/2008-2. nº interno: AC-5532-31/10-1. 102 O entendimento do TCU pode ser bem resumido no seguinte trecho: “Considera-se exigência sem amparo legal que os concorrentes estejam limitados a indicar apenas uma empresa subcontratada e que esta seja identificada já na proposta da licitante”.(grifamos) (TCU, plenário, Decisão 819,2000). !123 14 de outubro de 2014 pequenas e micro empresas, em geral, nos processos licitatórios, têm preferência, é uma forma de fomentá-las (tema que será abordado mais a frente no item de desenvolvimento regional). ! Quem pode ser contratante? ! A Lei 8.666/93 permite a subcontratação em seu artigo 72, deixando claro que esta não pode causar qualquer prejuízo as responsabilidades assumidas pela contratada. Na realidade, o artigo 78, VI, indica que uma subcontratação não admitida no edital e no contrato, pode até dar ensejo a rescisão do que foi acordado com a Administração Pública. ! Pode ser subcontratante, assim, qualquer empresa que tenha vencido licitação da Administração Pública onde, no edital, estava prevista essa possibilidade. Rigolin ressalta que “a subcontratação deve revelar-se [...] desejavelmente vantajosa para a Administração e o particular contratado, ou no mínimo indiferente para a Administração ou no mínimo indiferente para a Administração com relação à contratação mesma, ou seja ‘não pior’ para o Poder Público que aquela contratação originária”103, neste caso, ela só. ! O aval da Administração Pública para essa subcontratação deve estar prevista no Edital, tornando lícita essa medida. Ainda assim, é essencial ter em mente que a admissão de subcontratação por parte da Administração, não é uma decisão efetiva. Cabe a ela definir todos os contornos da relação de acordo com as suas necessidades104. Por isso que muitos afirmam que quem contrata é a Administração Pública e não o contratado. ! Às vezes o objeto licitado é muito complexo e neste caso, a Administração precisa recorrer à subcontratação para obter o que busca. Desta maneira, a subcontratada 103 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Subcontratação. Revista Zênite nº 449/171/MAI/2008. Disponível em: <http:// www.institutozenite.com.br/. In Breves Apontamentos Sobre Subcontratação. Disponível em: <http://jus.com.br/ artigos/22430/breves-apontamentos-sobre-subcontratacao>. 104 ALCOFORADO, Luis Carlos. Licitação e Contrato Administrativo: comentários à lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 (com as alterações introduzidas pelas Leis 8.832/94, 9.032/95 e 9.854/99). 2ª edição, Brasília-DF: Editora Brasília Jurídica, 2000, pág. 366. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22430/breves-apontamentos-sobresubcontratacao>. !124 14 de outubro de 2014 complementa o produto vencedor da licitação. Fato é que a subcontratação acaba tendo uma nova forma quando o produto não é produzido integralmente por uma empresa sozinha e é muito raro que um único negócio domine todo o processo de produção105. ! Especialmente no que tange às startups, que possuem tecnologia muito específica e comumente inovadora, é típico que a subcontratação ocorra, onde o software desenvolvido é empregado de forma a complementar o de uma empresa já existente, vencedora de Licitação, ou até em serviços complementares. ! É vedada a subcontratação de sócios ou ex-sócios (agora em empresas diferentes), parentes próximos, empresas de um mesmo grupo, ou, no caso de obras, a elaboradora do Projeto Base para construir o que projetou. ! Riscos da Subcontratação na Licitação ! Por mais que haja preocupações, tanto da empresa licitada, quanto da subcontratada, com aqueles riscos decorrentes da relação com a Administração Pública que venham a culminar com uma sanção administrativa e/ou penal, é interessante notar os riscos próprios da atividade negocial de subcontratação: ao contratar empresa para realização de serviço, ou parte de obra, a empresa licitada se encontra em uma relação de outsourcing que envolve riscos e bônus próprios desta relação que se assemelha, em sua estrutura, à terceirização da prestação de serviços. ! As razões para a subcontratação, as expectativas envolvidas e riscos próprios da relação empresa licitada e subcontratada, além de impactos imediatos na gestão do contrato com a Administração Pública (AP), podem causar problemas graves que aumentem os riscos administrativos e penais, como se demonstrará. ! 105 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição, São Paulo: Dialética, 2009; Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/22430/breves-apontamentos-sobre-subcontratacao>. !125 14 de outubro de 2014 As vantagens da subcontratação – relação de outsourcing106 com a subcontratada – sob a perspectiva da empresa licitada decorrem da maior concentração e dedicação da empresa licitada na sua atividade principal, deixando as outras tarefas de apoio a empresas que são realmente especialistas nessas funções facilitando todo o processo dentro da companhia. ! As principais razões econômicas, de estratégia de negócios, que levam qualquer empresa, inclusive aquelas com relação ao poder público, a subcontratar são: (i) focar a empresa no negócio principal; (ii) reduzir custos operacionais e garantir maior controle e melhor orçamento de custos; (iii) encontrar profissionais especializados em algumas áreas do produto ou serviço, assim como tecnologias não disponíveis na organização; (iv) disponibilizar, dentro da empresa, recursos humanos para tarefas mais lucrativas ou mais inovadoras; (v) responder a picos de atividade; e, (vi) transferir/partilhar riscos de parte da atividade para/com terceiros107. ! A racionalidade do outsourcing é, a principio, favorável à subcontratação de empresas de tecnologia (nascentes ou já estabelecidas), principalmente aquelas com propósito de impacto social: os contratos públicos tendem a envolver questões de relevo municipal, estadual ou nacional prevendo a execução de vários serviços ou obras complexas que demandem soluções inovadoras ou até mesmo destrutivas para aquela área da Administração (educação, por exemplo). Neste cenário, as empresas especializadas, inovadoras e desejosas de se afirmarem dentre os big players de seus mercados, encontram terreno fértil para relacionamentos de médio e longo prazo com empresas que já tenham experiência em contratos públicos. ! Há de se considerar, ainda, as desvantagens e riscos da atividade de outsourcing das empresas de inovação no ambiente de contratação pública: (i) perda de controle da 106 Considerando uma definição ampla, o outsourcing é um processo através do qual uma organização (contratante), em linha com a sua estratégia, contrata outra (subcontratado), na perspectiva de um relacionamento mutuamente benéfico, de médio ou longo prazo, para o desempenho de uma ou várias atividades que a primeira não pode ou não lhe convém desempenhar e na execução das quais a segunda é tida como especialista. 107 “As razões por trás da subcontratação podem ser diversas. Podem ter a ver com a necessidade de aquisição de conhecimento técnico, mas também podem simplesmente estar ligadas à redução de custos.” European Federation of Public Service Unions. Resumo sobre subcontratação. 2010. Disponível em: < http://www.epsu.org/IMG/pdf/ Outsourcing_Briefing_Note_for_Reg_Conf_PT.pdf>. !126 14 de outubro de 2014 execução das atividades e maior necessidade de controle da subcontratada e dependência em relação a esta; (ii) perda de confidencialidade e, eventualmente, de know-how tanto técnicos (processos internos) quanto sobre os procedimentos de contratação pública; (iii) custos mais elevados do que se as atividades tivessem sido executadas com os meios internos; (iv) custos de um eventual regresso ao desempenho interno das atividades subcontratadas; (v) a inexperiência do subcontratado, principalmente em relação ao contrato de subcontratação e relações com o poder público; (vi) tendência em considerar o outsourcing como um fim, ou como parte principal da obra executada ou serviço prestado para o poder público. ! O contrato celebrado entre subcontratada e empresa executora de prestação de serviço para órgão público deverá apreciar as tensões decorrentes da natureza da atividade de outsourcing, levando em conta os riscos decorrentes deste tipo de terceirização. O contrato pactuado com a Administração Pública deve pautar toda a relação de forma a preservar a natureza de execução de prestação de parte do serviço, deve-se buscar, finalmente, a descaracterização da transferência dos principais serviços contratados com a AP para a empresa subcontratada. ! A empresa inovadora com propósito de impacto social deve ter em mente os aspectos negociais e econômicos que dão sentido as subcontratações em geral para que se analisem os riscos específicos quando o projeto desenvolvido conjuntamente com a empresa contratante for financiado pela Administração Pública. ! Riscos administrativos: ! a) pagamento direto da Administração Pública à subcontratada; b) cessão contratual; c) subcontratação de empresa que tenha feito o projeto executivo; d) dever de regularidade fiscal; e ! e) dever de continuidade na prestação do serviço público. !127 14 de outubro de 2014 A subcontratação é relação entre privados – contratante e subcontratada –regulada como qualquer contrato tanto por regulação de tipo específico (ex. prestação de serviços, empreitada, etc), quanto pela disciplina geral dos contratos. ! Não se trata, sob nenhum aspecto, de contrato público, ou contrato administrativo. Há, porém, de se considerar o importante ponto de convergência entre este contrato privado e os interesses e direitos envolvidos no contrato entre a empresa subcontratante e a Administração Pública (contrato administrativo): a origem pública dos recursos que, em última análise, remunerará tanto empresa contratada quando a subcontratada por esta. ! A tutela do erário público, realizada principalmente pelos Tribunais de Contas, sem prejuízo do Ministério Público e outros entes, pode eventualmente possibilitar a necessidade de prestação de contas pela subcontratada e, havendo irregularidades (das mais variadas), na execução do contrato de subcontratação sanções administrativas e/ou penais. ! Abaixo serão analisadas tanto práticas arriscadas durante a execução do contrato administrativo que possam levar a multas e responsabilizações imprevistas – o princípio é de que a subcontratada não se responsabiliza, mas a contratada sim, em especial (itens “a, b, c”) quanto deveres implícitos da subcontratada na execução de prestação de parte do serviço (itens “d, e”). ! a) Pagamento direto da AP à Subcontratada ! Considerando a importância da fonte pública da remuneração para efeitos de fiscalização por órgãos de controle da AP, vale notar que o entendimento do Tribunal de Contas da União é de que não pode haver pagamento direto à subcontratada108. Esta nota, e toda a discussão que envolve esta conclusão, mostram que ainda que não haja um vínculo tipicamente pessoal, contratual entre AP e subcontratada, ambos se relacionam ora mais 108 Acórdão TCU 502/2008: falta de amparo legal ao pagamento direto; Acórdão TCU 282/2007: impossibilidade do pagamento direto, por falta de relação jurídica entre contratante e subcontratado; !128 14 de outubro de 2014 (caso de dever de prestar com continuidade serviços públicos), com se verá adiante; ora menos, justamente pelo fato de não se poder pagar diretamente à subcontratada109. ! Considerando o risco, parece sensata a tese de Cláudio Altounian, jurista e técnico do TCU, de que “o órgão ou entidade pública não realize pagamentos ou outras ações diretamente à subcontratada”110. Deve-se, pois, evitar a remuneração direta, pois há o risco de, no mínimo, haver a devolução do valor pago, ou pior, a assunção dos deveres e responsabilidades da empresa contratada publicamente111. Esta última hipótese, assunção dos deveres e responsabilidades da empresa contratada perante Administração Pública – ainda que esdrúxula e desarrazoada, à medida que não há relação contratual entre AP e subcontratada –, deve ser considerada como risco plausível, de modo que a ânsia de fiscalizar e os amplos poderes de fiscalização concedidos ao Tribunal de Contas possibilitem, na prática, uma direta fiscalização da subcontratada como se contratante fosse112. ! Acima se analisou os riscos decorrentes do pagamento direto da Administração Pública à subcontratada bem como os riscos de fiscalização da subcontratada, ainda que se reconheça a inexistência de contrato público entre Administração Pública e subcontratada. 109 Em sentido contrário ao dos órgãos de controle: “Vemos, portanto, a subcontratação com pagamento direto como solução válida, lícita, representando otimização na dinâmica e na gestão contratual, e apresentando-se como instrumento apto à superação de patologias hoje injustificadamente observadas nas necessárias relações de subcontratação.” MOTTA, Carlos; BICALHO, Alécia. Possibilidades de Transferência a Terceiro de Contrato Público. Limites da Sub-Rogação e Subcontratação. A Hipótese do Pagamento Direito da Administração às Empresas Subcontratadas. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n 24, 2010. Disponível em < http:// www.direitodoestado.com/revista/REDAE-24-NOVEMBRO-2010-CARLOS-MOTTA-ALECIA-BICALHO.pdf>. 110 ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras públicas: licitação, contratação, fiscalização e utilização. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 230. 111 O argumento de tutela de interrupção do equilíbrio econômico financeiro do contrato – ou seja a estabilidade da empresa contratada pela AP frente a mudanças fáticas que onerem o contrato – de que poderia lançar mão a empresa contratada no caso de não pagamento direto a subcontratada; ainda que previsto em contrato, não encontra espaço no entendimento do TCU: “A empresa contratada, por seu turno, alega que o pagamento direto encontra amparo no contrato e que, sua eventual revisão implicaria oneração tributária de seus custos, reclamando o reequilíbrio econômico-financeiro da avença (...) [determina-se que] não conceda reequilíbrio econômico-financeiro em função do não pagamento direto à subcontratadas”. TCU, Acórdão 282/2007, Plenário. 112 Pode-se entender que no artigo 67 da Lei 8.666/93 a obrigação da Administração a fiscalizar e acompanhar a execução contratual pode estender-se a subcontratada, mas para ser obrigatória e vinculante, deve estar prevista no edital e no respectivo contrato. Entende assim o TCE de Pernambuco em resolução própria. Disponível em: <http:// www.tce.pe.gov.br/internet/index.php/2013-05-30-15-40-36/2013-06-11-11-04-23/resolucoes/204-jurisprudencia/ licitacoes/outros/1713-subcontratacao>. !129 14 de outubro de 2014 O maior problema prático, porém, não é o pagamento direto, mas a caracterização de cessão de contrato administrativo ao invés de subcontratação. ! b) Cessão de Contrato Administrativo/Subcontratação ! Em termos gerais, na subcontratação, como já se explorou, o subcontratado assume uma parcela da execução contratual, permanecendo o contratado originário como responsável pelo resultado mantendo suas obrigações e direitos inerentes à execução contratual113. ! Na cessão de contrato administrativo, por sua vez, substitui-se integralmente, para todos os fins e efeitos, o contratado da Administração, assumindo o cessionário todas as obrigações e direitos inerentes à execução contratual, como se fora o próprio contratado pela Administração Pública sub-rogando-se integralmente em tudo, e para todos os efeitos. ! A diferença entre cessão de contrato administrativo e subcontratação é importantíssima para determinar a licitude da atividade da empresa, bem como, consequentemente, os riscos em relação à Administração Pública. ! Entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que “A parcial sessão do objeto contratado, pela vencedora da licitação, é ato jurídico previsto no art. 72, da Lei 8.666/93, não constituindo tal procedimento, por si só, desrespeito à natureza intuitu personae dos contratos114”. Ou seja, se há subcontratação (cessão da parte de uma parte da execução do objeto de determinado contrato administrativo), e não cessão, nada há de ilícito, em princípio. ! 113 “Não custa ressaltar que na subcontratação não há sub-rogação, ficando os subcontratados obrigados somente frente ao contratado principal – o qual, consoante anterior citação de Enterría, ‘segue sendo plenamente responsável ante a Administração pela totalidade da obra, serviço, ou fornecimento’. Com efeito, é o que resguarda expressamente a Lei n. 8.666/93 no art. 72, que permite a subcontratação “sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais” do contratado”. MOTTA, BICALHO, op.cit. p. 8. 114 REsp 468.189/SP, 1 T, rel. Min. José Delgado, julgado em 18/03/2003. !130 14 de outubro de 2014 A cessão de contrato – trespasse de encargos contratuais a terceiro, com liberação do contrato original – é, por sua vez, vedada sem prévia anuência da Administração115. Esta anuência deverá ser concedida durante o certame licitatório, com previsão expressa em seu edital, para que se diminua o risco de eventual sub-rogação da subcontratada nos deveres da contratada seja dada por ilícita durante a execução do contrato. ! Eventual condenação da subcontratada por cessão imprevista e ilícita do contrato administrativo pode acarretar o dever de solidariedade, ou seja, cobrança da subcontratada juntamente a empresa contratada, além de pagamento de multa individual aos envolvidos116. ! Geralmente os riscos de punição administrativa decorrem da caracterização da subcontratação enquanto cessão: o que se deve evitar é a figura da contratação sem licitação em hipóteses não previstas por lei (hipóteses de dispensa de licitação). Logo, o que se deve afastar, para que se evitem riscos de responsabilização e multa, é a figura da contratação sem licitação em hipóteses não previstas por lei, diferente do caso da subcontratação, prevista de forma expressa117. ! Pode-se, durante a execução do contrato, evitar indesejada cessão de contrato afastando os aditivos ao contrato, “extensões quantitativas” tanto no pagamento quanto na referida “parte” do serviço, ou seja, a execução de parte substancialmente maior do que a prevista em edital e, consequentemente, pagamento correspondente. ! ! ! ! ! ! 115 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p.212. 116 TCU, Acórdão 834/2014-Plenário, TC 033.061/2010-6, relator Ministro-Substituto André Luís de Carvalho, 2.4.2014. 117 Neste sentido, TCU, Acórdão n 3.475/2006, 1 C, rel. Min. Marcos Bemquerer; e Acórdão n. 909/2003, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman. !131 14 de outubro de 2014 Em apertada síntese, a distinção entre a subcontratação e a cessão de contrato administrativo: ! Subcontratação Cessão de Contrato Administrativo (sub-rogação do subcontratado no lugar do contratado) Transferência parcial da execução do objeto do contrato, com anuência da Administração. Transferência total do contrato, nos direitos e obrigações a um terceiro. Não se transfere responsabilidades, perante a Administração, do contratado ao subcontratado. Cessionário assume direitos, obrigações e responsabilidades como se contratado fosse. ! c) Subcontratação de empresa que tenha feito o projeto executivo. ! A princípio o projeto básico e o projeto executivo deverão ser feitos, nos termos dos artigos da Lei 8.666/93, para obras públicas de construção civil. Entendemos, porém, que a terminologia propriamente do mundo da engenharia civil e das empreiteiras tem uma lógica que se aplica a quaisquer obras públicas e, em interpretação alargada de serviços públicos. A falta de precisão técnica, aqui, visa assegurar ao máximo a empresa de impacto social dos riscos: se determinada empresa de inovação e impacto social auxiliar a Administração no feitio do edital de licitação, elaborando, por exemplo, o projeto (lato senso) a ser executado, corre-se o risco de que em eventual subcontratação esta participação seja dada como ilícita. ! A posição do TCU é no sentido de que “É ilegal a subcontratação, pela empresa executora da obra ou do serviço, de autor do projeto básico para elaboração do projeto executivo”118. A racionalidade de tal vedação estaria em se “admitir que a empresa responsável pela execução da obra possa subcontratar autor de projeto básico para confecção de projeto executivo, por si só, contempla o grave risco de transferência de informações privilegiadas da projetista à entidade construtora, permitindo a essa 118 Informativo TCU número 172. !132 14 de outubro de 2014 sociedade auferir vantagens indevidas oriundas, muitas vezes, de imprecisões ou omissões no projeto básico do empreendimento”119. ! d) Dever de Regularidade Fiscal ! Dever comum a quaisquer empresas sujeitas as autoridades tributárias brasileiras, a regularidade fiscal é considerada, por entendimento jurisprudencial, dever da subcontratada podendo os órgãos de fiscalização da Administração exigir sua regularidade desde o edital. O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, a exemplo de outros, assim entende a matéria: ! “(...) considerando as características e a complexidade de determinados objetos contratuais, é possível - e, em alguns casos, até recomendável que a Administração, como política de controle interno e de efetividade da gestão contratual, exija da empresa contratada a comprovação da capacidade da empresa subcontratada, a exemplo de sua regularidade fiscal perante a Fazenda. Tal exigência encontraria amparo no artigo 67 da Lei 8.666/93, que obriga a Administração a fiscalizar e acompanhar a execução contratual, tratando-se, contudo, de uma faculdade do poder público, que, para ser obrigatória e vinculante, deve ser prevista no edital e no respectivo contrato.”120 (grifou-se). O TCU, por sua vez, entende que “a exigência da regularidade fiscal da possível subcontratada é decorrência lógica do requisito legal da comprovação da regularidade fiscal da empresa contratada. Se terceiros, que não o contratado, vão executar serviços, ainda que indiretamente, para o Poder Público, tal prestação não pode ser oriunda de empresa irregular”121. 119 Ibidem. 120Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Decisão Tribunal de Contas nº 0363/09, Rel. Valdecir Pascoal. Disponível em: < http://www.tce.pe.gov.br/internet/index.php/2013-05-30-15-40-36/2013-06-11-11-04-23/resolucoes/ 204-jurisprudencia/licitacoes/outros/1713-subcontratacao>. 121 “o Superior Tribunal de Justiça, interpretando a citada proibição da invocação da exceptio inadimpleti contractus em contratos administrativos nos casos de corte no fornecimento de água e energia, já externou a correta aplicação da proibição em caso de serviços públicos essenciais. Da mesma forma, os subcontratados não podem fugir à prestação dos serviços contratados pela contratada principal em benefício da Administração Pública, na medida em que a entrega do serviço público deles dependa.”(grifo nosso). LEITE, Carlos Henrique. A subcontratação nos contratos administrativos e a vinculação dos subcontratados aos princípios da Administração Pública. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/21989/a-subcontratacao-nos-contratos-administrativos-e-a-vinculacao-dos-subcontratadosaos-principios-da-administracao-publica#ixzz31Vj78TFz>. !133 14 de outubro de 2014 e) Dever de continuidade na prestação de serviço público ! Quando serviço de interesse público – dotado de essencialidade em sua prestação, tal qual saúde, educação, segurança, energia elétrica – for objeto do contrato administrativo e houver subcontratação de prestação de parte deste serviço, entendemos ser arrazoada a posição mais conservadora de que há vinculação do subcontratado aos princípios ligados a prestação de serviços públicos, com maior importância o da continuidade. ! Quando a parte do serviço executado pela subcontratada for determinante na prestação do serviço público contratado, deverá a subcontratada prestá-lo ainda que sem previsão no contrato de subcontratação ou no próprio contrato administrativo sob o argumento de urgência e essencialidade do serviço prestado. ! Entendemos serem abstratas tais categorias (supremacia do interesse público, serviço público, continuidade do serviço público) e de difícil equação para juristas e, principalmente, empreendedores. Assim, apontamos que a execução ininterrupta dos serviços subcontratados, a boa fé na prestação do serviço e a generosa consideração dos interesses públicos envolvidos são atitudes que ajudam a diminuir os riscos de eventual responsabilização judicial. ! Poder de influência estatal e o desenvolvimento regional ! Independentemente dos temas abordados, a influência do poder público nos contratos administrativos representa a busca pelo interesse público (em que se pode notar uma conectividade do Estado com o ente privado). Esse interesse é tido como o essencial, à medida que existe uma necessidade de promover a satisfação (de maneira eficiente) do bem comum. ! Entretanto, mesmo que haja essa supremacia do interesse público (colocando o Estado em vantagem nas contratações), esta não se caracteriza como absoluta e ilimitada, uma vez que se faz necessária a proporcionalidade perante a atuação estatal nos contratos públicos (por exemplo, como barreira às cláusulas exorbitantes). Nas subcontratações, !134 14 de outubro de 2014 mesmo que o Estado não tenha um vínculo direto com a subcontratada, tem-se a ideia que essa proporcionalidade deve também estar presente122. ! O Estado, desta forma, sempre deve agir com cautela nas contratações públicas, cumprindo todos os requisitos postos sob a licitação (e nesse sentido, orientado as práticas específicas da subcontratação). Vale dizer que: ! “O descumprimento contratual pela Administração, sem o oferecimento de contrapartida necessária aos contratantes privados, acarreta como consequências práticas um grave impacto no mecanismo de preços públicos e a elevação dos custos de transação, além de produzir gastos extraordinários, criar insegurança jurídica e lesar um dos principais ativos imateriais do Estado: a confiança.” 123 ! ! Valendo-se dos pressupostos de obrigação do Estado nas contratações (e paralelamente nas subcontratações), analisaremos o seu poder de influência nas subcontratações. Como já relatado neste trabalho, na subcontratação não há a realização da atividade principal, desvinculando a contratação via licitação. Entretanto, apesar da não obrigatoriedade de licitação, ainda notamos uma grande influência do Estado sobre a subcontratação. ! O Estado pode reconhecer a possível empresa subcontratada por meio de Termo de Referência124, o que facilita sua contratação com a empresa licitada. Assim, o Estado fornece uma certa segurança no adimplemento perante a licitada. ! Tomemos um exemplo: o Estado lança edital de concorrência para contratação de empresa de publicidade para uma campanha anual, evento que se mostra recorrente no planejamento orçamentário da Administração Pública. Entretanto, uma das exigências para a prestação do serviço é a tradução para linguagem de libras, em prol da inclusão de 122 BRITO, Naiana Bezerra de. O interesse público nos contratos administrativos e suas implicações no desenvolvimento do país. In CORRÊA, André Rodrigues e JÚNIOR, Mario Engler Pinto. Cumprimento de contratos e razão de Estado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 61-64. 123 Ibidem, p. 63. 124 De acordo com o art. 40, §2º da Lei 8.666, tem-se como anexo do edital o Termo de Referência ou o Projeto Bésico se demonstra na fixação de limites que permitirão a subcontratação. Ou seja, no edital devem haver os ditames prefixados, não podendo ser modificados posteriormente. Vale dizer que a subcontratação deve ser muito bem delimitada, já que qualquer descumprimento dos limittes impostos pode gerar a rescisão contratual. !135 14 de outubro de 2014 deficientes auditivos no público alvo da campanha informativa, um serviço público. Nesse sentido, sabendo que não há tal grau de especialização de serviço na estrutura interna de qualquer empresa que venha a ser contratada, o órgão licitante prevê no edital a possibilidade de subcontratação, autorizando-a expressamente, ou ao menos não a vetando. ! Startups se aproximam do Estado e a subcontratação é uma maneira natural dessa aproximação que demanda especialização técnica em um tipo de serviço, contido no âmbito maior do serviço contratado. Para startups isso é relevante pois a Lei 8666/93 em seu artigo 3º, parágrafo 2º, inciso IV dá preferência aos bens e serviços “produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País”. Trata-se de critérios de desempate, contudo fica claro que o legislador queria incentivar e dar preferência àqueles que desenvolvessem tecnologia. ! Não é ilegal a subcontratação de empresas de novas tecnologias, desde que prevista no edital, pois estaria de acordo com a vontade do legislador e não feriria a impessoalidade. ! Ainda que a aludida preferência se dê na concorrência em âmbito de contratação, entendemos haver uma hipótese do edital trazer como critério a ser sopesado pelo privado o desenvolvimento nacional e regional: a subcontratação deverá ser feita com razoável liberdade de escolha pelo privado (contratado), não sendo correta a escolha da Administração. Ainda assim, o órgão licitante – não contrariando o valor escolhido pelo legislador enquanto critério de escolha para contratação pública – poderá inserir na previsão da subcontratação algum critério que compreenda, e valorize, o desenvolvimento regional. ! O possível problema seria definir o que são empresas de novas tecnologias, já que não há legislação que defina o termo. Isso, portanto, representa um risco, pois o entendimento seria dado nos casos específicos julgados pelo judiciário e Tribunais de Contas, abertos à discricionariedade. !136 14 de outubro de 2014 Ademais, deve-se atentar ao fato de que muitas vezes startups são únicas, ou seja, elas não tem concorrentes diretas; nesse caso há o risco de ser considerado infração à impessoalidade125, mas esse entendimento também será construído pela jurisprudência, nos casos concretos. ! Conclusão ! A terceirização na execução do contrato público deve ocorrer de forma limitada – sugerese o limite de até 30% de cessão do objeto do contrato – de maneira que se assegure aquele que venceu a licitação, ainda seja o responsável pelo contrato e seu executor, pelo menos de importante maioria das fases da obra ou dos serviços a serem prestados. ! As empresas especializadas e inovadoras que desejam não só ser big players de seus mercados, mas também gerar impactos positivos no desenvolvimento nacional (principalmente naqueles serviços públicos ou de interesse público) devem considerar a subcontratação como: (i) uma possível via aproximação do Poder Público e (ii) uma oportunidade de participação na execução de um serviço público conjuntamente a uma empresa que já tenha experiência em contratos públicos. A subcontratação trata-se, portanto, de uma possibilidade de trabalhar no sentido de impactar a(s) sociedade(s) – com menos obrigações e deveres em relação à Administração que por meio de contratação. ! 125 É importante notar que a influência da Administração no conhecimento de apenas uma empresa capaz de realizar um serviço subcontratado tangencia o cumprimento da obrigação principal. Além disso, tem-se conforme Carlos Motta: “O sentido da impessoalidade compatibiliza-se, entretanto, com o fato de que, em condições e hipóteses determinadas em lei possa estabeleces preferências destinadas a salvaguardar determinados setores ou facilitar aquisição de certos bens; a exemplo, nas seguintes situações: (…) na aquisição de bens e serviços de informática e automoção, conrforme o art. 1º da Lei 10.176, de 11/1/01, que dá nova redação aos arts.3º, 4º e 9º da Lei 8.424, de 23/10/91. A Lei 10.176/01 foi regulamentada pelo Decreto 3.800, de 20/4/01, e foi por sua vez alterada pela Lei 11.077, de 30 de dezembro de 2004. (…) Deverá então prevalecer o disposto no inciso IX do art. 170 da Constituição Federal com a redação dada pela Emenda Constitucional 6/95, fixando, como um dos princípios da ordem econômica: ‘tatamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País’. Tais dispositivos deverão, certamente, ser lidos com o srt. 179 da Contituição Federal. (…) Pode-se dizer, em síntese, que a Administração Pública Federal, direta e indireta, fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e demais organizações sob o controle direto ou indireto da União dão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação, de acordo com a seguinte ordem, a: I – bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país; II – bens e serviços produzidos de acordo com o processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo.” MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. 10. ed. São Paulo: Editora del Rey, 2005, p. 79-83. !137 14 de outubro de 2014 ! 3.3. Os Riscos e Limites da Contratação Direta via Inexigibilidade Equipe: Camila Valverde, Jessica Nemeth, Giulia Bonadio, Mariana Coutinho e Melina Tseng Oishi ! Uma das primeiras percepções da startup voltada a negócios de impacto social é a importância e necessidade de se estabelecer uma relação com o Poder Público. A priori, é do governo o papel de manter e melhorar o sistema educacional brasileiro, mas o enorme “gap” de investimentos no setor torna essencial a atuação das startups, que estão presentes no mercado fomentando a inovação e desenvolvimento por meio de uma base tecnológica. ! Cada vez mais investimentos são alocados nas startups, sejam eles provenientes de aceleradoras, incubadoras, investidores-anjo, e ainda assim, o significado de uma contratação pública é extremamente grande para esse tipo de empresa: traz estabilidade financeira e pode consolidar a posição da startup como empresa atuante no mercado. ! Há diversas formas de contratação com o Poder Público, dentre as quais iremos destacar a contratação direta via inexigibilidade de licitação. A seguir, abordaremos as características principais da inexigibilidade como tipo de contratação, bem como os riscos e limites que ela pode trazer. Ademais, será possível identificar estratégias advocatícias para trazer maior segurança possível à inexigibilidade, voltando os termos vagos dos requisitos legais em favor da startup. ! Caso simulado ! Utilizaremos para os fins da presente reflexão um caso real sem, contudo, identificar as partes para não expor desnecessariamente nenhuma das empresas envolvidas. Nosso intuito com o caso é apontar para riscos inerentes à contratação direta. ! !138 14 de outubro de 2014 ! A start-up A Ltda. é uma startup que atua no desenvolvimento de soluções em tecnologia da informação por todo o território nacional, tendo sido contratada pela Secretaria de Educação do Estado X para o fornecimento de 5.000 licenças perpétuas de uso do software Profissional 2.0 para a rede municipal de ensino de Y que atende portadores de deficiência na fala; ela é um dos casos de sucesso do processo de aceleração de startups de tecnologia no município de Y. ! A Start-up A desenvolveu ao longo dos últimos anos diversas soluções tecnológicas para educação e serviços financeiros para públicos das classes C, D e E. Tendo em vista que a Start-up A é a única distribuidora do Profissional 2.0 no Brasil, fornecendo seu produto para entidades do setor privado (escolas, hospitais e entidades filantrópicas) espalhadas pelo país, a Secretaria de Educação do Estado X optou pela contratação sem a realização de certame licitatório. ! A empresa, para atestar a exclusividade e singularidade de seu aplicativo, obteve uma recomendação da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), sua principal cliente nos últimos meses. ! Entretanto, como veremos posteriormente, a contratação direta em geral é sempre questionável, apresenta diversos riscos para o empreendedor. Sendo assim, a empresa paulista Start-up B, vencedora do prêmio Maratona de Negócios, se sentiu prejudicada por não ter sido consultada pelo Governo do Estado X, visto que este produto oferecido pela Start-up B é quase idêntico ao Professional 2.0, sendo inclusive direcionado para o mesmo público. Segundo tal empresa, o mercado de soluções tecnológicas de acessibilidade para pessoas com deficiência na fala conta com algumas empresas brasileiras e estrangeiras que podem atender todas as necessidades da rede de ensino pernambucana. ! Diante disso, a empresa Start-up B procurou identificar junto ao TCE e MP possíveis irregularidades na contratação direta via inexigibilidade de licitação realizada pelo Estado X com intuito de anular o contrato entre o Poder Público e a Start-up A. !139 14 de outubro de 2014 ! Sobre a Inexigibilidade de Licitação ! A licitação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público, “no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato”126. Um de seus princípios é a garantia de igualdade e competitividade. ! A licitação, no entanto, não é exigida em casos especificados na legislação. No artigo 25 da lei nº 8.666/93 estão previstos os casos de inexigibilidade de licitação, em que não se tem a possibilidade de competição, o que tornaria a licitação inviável: ! Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. ! ! O conceito da inviabilidade da competição é primordial para a caracterização da inexigibilidade, e a redação ampla do artigo permite tanto o entendimento de que as hipóteses trazidas pelos incisos do artigo são taxativas quanto o entendimento de que são exemplificativas. ! Basicamente, a viabilidade da competição depende dos critérios estabelecidos no que tange à natureza do objeto ou do sujeito a ser contratado. A partir do artigo, temos que a 126 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Direito Administrativo”. 25a edição. São Paulo: Atlas, 2012. !140 14 de outubro de 2014 inviabilidade da competição, e, portanto, inexigibilidade da licitação, decorre (i) ou da singularidade do objeto (o bem ou serviço é especificamente determinado, sem quaisquer correspondentes, não sendo lógico obtê-lo de outro fornecedor); ou (ii) da exclusividade do fornecedor (há uma ausência da pluralidade de sujeitos que possam ser habilitados para a contratação, e portanto existe um único sujeito que pode ser contratado); ou ainda (iii) da especificidade da operação (ocasiões em que a licitação torna-se inexigível por entender-se que a operação possa ser urgente, trazer riscos à segurança nacional, ou tratar de situação excepcional, por exemplo)127. ! Riscos e Limites ! É importante considerar que as contratações públicas seguem o princípio da legalidade, de maneira que a condição para a regularidade da contratação direta é o integral respeito às determinações da lei, sob pena de sujeitar-se às penalidades do art. 89 da Lei nº 8.666/93. Ao não se utilizar do certame licitatório, a contratação será verificada constantemente por órgãos como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, assim como pela própria concorrência ou quem mais se interessar. ! A contratação da Start-up A, no entanto, apresenta algumas fragilidades. Exige-se certo grau de conhecimento técnico para que um produto seja adquirido via inexigibilidade, para que seja possível certificar a qualidade, a singularidade e exclusividade dele. Apesar de, na visão da Secretaria, não existir outros meios para contratar a Start-up A além da inexigibilidade, o argumento de que a startup é a desenvolvedora e distribuidora exclusiva do Profissional 2.0, o software adquirido o que é referência no auxílio a portadores de deficiência na fala, possui certa força para ser sustentado, ainda que se deva atentar às minúcias que serão analisadas no item (a) deste tópico. ! Ademais, uma fraqueza que ainda pode ser apontada é a obtenção de certificações não emitidas por órgãos oficiais, que atestem a exclusividade ou o ineditismo do produto trazido ao mercado. No caso em tela, a recomendação emitida por uma entidade como a 127 SUNDFELD, Carlos Ari. “Licitação e Contrato Administrativo – de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94”. São Paulo: Malheiros, 1994. !141 14 de outubro de 2014 Associação Assistência à Criança Deficiente poderia servir como comprovação de exclusividade para a Start-up A? Seria uma boa opção para substituir a certificação por órgão oficial por uma certificação privada? Vejamos. ! (a) O conceito de exclusividade e singularidade/notoriedade do produto/serviço ! Muitas contratações feitas com startups são viabilizadas pelo critério de inexigibilidade, dada a natureza íntima do objeto e, portanto, a impossibilidade de se submeterem ao processo licitatório128. Os aplicativos e programas criados pela startup se acomodam na definição de bem singular fornecida por Celso Antonio Bandeira de Mello, sendo ela: aqueles bens que possuem individualidade tal que se tornam inassimiláveis a quaisquer outros, caracterizados pelo estilo ou cunho pessoal de seu autor129. ! A singularidade dos aplicativos e programas elaborados pelas startups afasta completamente parâmetros objetivos que possam nortear uma eventual licitação, que se torna faticamente impossível de realizar. Ora, se a finalidade do procedimento licitatório é justamente permitir a escolha da melhor proposta e do negócio mais vantajoso, se não há critérios objetivos para determinar tal escolha, não há sentido na licitação. ! Em relação ao quesito da notoriedade, trata-se da aceitação geral em seu próprio meio profissional sendo demonstrada pelos trabalhos feitos, clientela angariada, experiência adquirida e resultando na capacidade do candidato. É um critério de “índole subjetiva, no sentido de ser um atributo ligado ao agente, profissional ou empresa e não possui forma legal própria, exclusiva, específica de documentação”130. No caso simulado, a singularidade e exclusividade do aplicativo, bem como a recomendação dada ao governo pela AACD, maior cliente da startup, foram as principais bases para se enquadrarem na hipótese de inexigibilidade. ! 128 CORRÊA, Antonio Celso Di Munno. “Licitação” in: “Doutrinas Essenciais – Direito Administrativo Vol. IV”, organizado por DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella e SUNDFELD, Carlos Ari. 129 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Licitação”. São Paulo: RT, 1985 130 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem Licitação. Belo Horizonte: Fórum, 2008. !142 14 de outubro de 2014 Para garantir maior segurança em relação a esses quesitos, é importante acumular todo e qualquer tipo de instrumento probatório que possa fortalecer a contratação direta por inexigibilidade. Atestados de qualidade do serviço prestado, registros em relação à especialidade do aplicativo, pareceres embasados em pesquisa de mercado, e quaisquer outros documentos que possam auxiliar o Poder Público em seu dever de diligência podem ser apresentados junto à justificativa de inexigibilidade131. A startup deve se prevenir quanto ao risco de anulação munindo-se desses instrumentos probatórios, dada a falta de uma entidade que verse especificamente sobre esse mercado. ! (b) Certificação ! Certificado de Qualidade/Exclusividade ! Sabe-se que a capacitação técnica do proponente, isto é, do empreendedo, pode ser um dos requisitos de participação deste na licitação. Tanto isso é verdade que o art. 30 da Lei de Licitações diz que a documentação referente à qualificação técnica deverá ser emitida por uma entidade profissional competente, e apesar do artigo prescrever a possibilidade dessa entidade ser pessoa jurídica de direito público ou privado, não foi esse o entendimento no caso simulado. Em situações ordinárias, como é o caso de licitações para obras e serviços, a certificação não é por si só um problema, já que o registro em uma junta comercial e a comprovação de trabalhos já realizados pode ser suficiente para comprovar a capacitação do proponente. ! Entretanto, tratando-se da contratação direta de startups, a certificação ou atestado de capacidade pode se tornar um ponto de enorme controvérsia. Existe uma tendência do empreendedor em acreditar que uma entidade especializada pode emitir um atestado de exclusividade, todavia isto não é pacificamente aceito. A Administração não tem a capacidade de conhecer todos os produtos ofertados no mercado, sendo assim, ela não consegue emitir um atestado verídico para garantir ao Poder Público que o produto ofertado pelo empreendedor é singular e exclusivo. O atestado por si só não consegue 131 REsp nº 942.412/SP, 2a T., rel. Min. Herman Benjamin – “Sem a demonstração da natureza singular do serviço prestado, o procedimento licitatório é obrigatório e deve ser instaurado.” !143 14 de outubro de 2014 fundamentar a inexistência de concorrência necessária para caracterizar uma das hipóteses de dispensa da licitação, apenas que não houve nenhuma crítica negativa quanto ao serviço prestado. ! Ademais, como não há uma única entidade certificadora para startups, o atestado de qualidade pode não ser tão juridicamente sólido quanto parece. No caso em voga, discute-se a possibilidade da AACD ter competência para testar a qualidade do produto, pois ainda que seja uma entidade privada, é importante levar em conta sua relevância nacional. Diante dessa dúvida, há o risco de o atestado emitido pela AACD perder a eficácia. É entendimento do TCU de que cabe à Administração tomar as devidas medidas para averiguar a veracidade das declarações apresentadas no atestado, e acatá-las ou não, sujeitando-se ao controle do TCU ou do MP132. ! Verificamos ainda que quando a Lei nº 8.666/93 foi criada, estava-se pensando na realidade do CREA enquanto entidade certificadora da atividade de construção civil. O CREA-SP é responsável pela fiscalização de atividades profissionais nas áreas da Engenharia, Agronomia, Geologia, Geografia e Meteorologia, além das atividades dos Tecnólogos e das várias modalidades de Técnicos Industriais de nível médio. No caso das startups, o órgão equivalente ao CREA é o INPI. Entretanto, a sistemática deste órgão é diversa do CREA: no INPI não é obrigatório o registro de software, uma vez que ele já se encontra sob proteção do direito autoral Além disso, este registro define o marco temporal e não implica na aquisição de propriedade. ! Outro ponto relevante é o dever de diligência do Poder Público: ele não pode se eximir de verificar os fatos apresentados para a inexigibilidade. Para que a contratação direta seja mais segura, a justificativa para adequação à inexigibilidade deverá ser robusta e não pode ser passível de maiores questionamentos. A diligência é importantíssima não só em termos de certificação, mas em todo o procedimento de contratação direta133. ! 132 Decisão nº 47/1995, Plenário, rel. Min Homero Santos; Decisão nº 578/2002, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler. 133 Súmula nº 255/TCU: “Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público, responsável pela contratação, a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade.” !144 14 de outubro de 2014 Termo de Referência ! Em decorrência da dificuldade do Poder Público em redigir um edital de licitação para as startups, o termo de referência mostra-se uma estratégia alternativa para aqueles empreendedores que consideram a contratação direta extremamente arriscada e desejam diminuir seus riscos. Muito embora o Termo seja elaborado pelo Poder Público, qualquer empreendedor pode auxiliar na elaboração do edital. No formato de sugestão ou conselho do particular sobre o que deve constar no edital e quais devem ser as exigências e características para que o produto seja adequado, pode o empreendedor se aproximar do Poder Público para elaborar o documento base da contratação. ! Se é verdade que o termo de referência diminui as chances de impugnação do edital ou até mesmo a eventual anulação deste, é também verdade que o risco não deixa de existir. Isso porque, assim como qualquer outro procedimento licitatório, a licitação baseada no termo de referência estará submetida a meticulosa análise e condições impostas pela Lei nº 8.666/93. Vale ressaltar que o termo de referência não é um documento vinculante: o Poder Público não necessariamente é obrigado a corresponder às sugestões feitas pelo empreendedor, já que tal instrumento é meramente sugestivo. ! A questão do desenvolvimento tecnológico regional e do impacto social ! O caso tratado evidenciou uma questão de grande relevância para o processo de dispensa de licitação. Por se tratar de uma contratação entre Secretaria de Educação do Estado X e a Start-up A, empresa que possui grande reconhecimento pelo sucesso do processo de aceleração de startups de tecnologia no município de Y, questiona-se neste ponto do relatório o seguinte: existe a possibilidade da questão do desenvolvimento tecnológico regional ser um fator relevante para que possa ser caracterizada a dispensa de licitação? ! Outra questão relevante é a possibilidade do impacto social ser utilizado como critério de diferenciação de produto. Ou seja, seria possível usar o conceito de impacto social para caracterizar o produto ou serviço como singular? Ademais, questiona-se se seria possível !145 14 de outubro de 2014 caracterizar singularidade do produto por meio de critérios como eficiência e experiência de mercado. ! Com base na Lei nº 8.666/93, a lei de licitações, foi possível constatar que, tanto quanto ao critério de desenvolvimento regional quanto ao critério de impacto social, não é possível classificá-los dentro da hipótese de inexigibilidade prevista no art. 25 da lei. Por se tratar de critérios amplos e pouco objetivos, eles não podem ser usado para definir a singularidade e tampouco usados para dispensar o processo licitatório. Contudo, veremos a seguir que estes critérios podem ser utilizados dentro da fase de qualificação, sendo, portanto, aptas a eliminar os candidatos, ou então podem ser enquadrados dentro da fase de julgamento do processo, sendo, portanto, utilizados como critério de desempate. ! O art. 27, II da lei prevê que para a fase de habilitação deve ser exigido documentação relativa à qualificação técnica. Já o art. 30 da mesma lei determina qual será a documentação exigida para avaliação do quesito qualificação. Sendo assim, a lei determina com exatidão quais serão as exigências analisadas para classificação das licitantes, justamente para que não nenhum dos concorrentes seja prejudicado, e seja sempre garantido um procedimento mais justo, no qual todos os licitantes sejam qualificados por critérios técnicos e objetivos. ! Após analisadas as qualificações dos licitantes, o Poder Público poderá fazer o julgamento das propostas apresentadas. De acordo com o previsto no art. 40, VII da lei, é obrigado constar previamente no edital quais serão os critérios para julgamento das propostas, “com disposições claras e parâmetros objetivos”. Cabe aqui o questionamento quanto à possibilidade do órgão licitador poder acrescentar como critério para julgamento a questão do desenvolvimento regional. Por ser um critério claro e objetivo, o melhor momento em que este poderá ser utilizado é o da fase de julgamento. Ao escolher o critério regional como determinante do julgamento, e não da habilitação, o órgão licitante prioriza as empresas tecnológicas de sua região, sem ocasionar na restrição da entrada de concorrentes de outras regiões por causa desse critério. Ou seja, o critério regional seria levado em conta no caso de empate no procedimento licitatório, mas não poderia ser considerado para a inexigibilidade. !146 14 de outubro de 2014 Paralelamente, no que diz respeito ao critério de impacto social, é necessário ter em vista a dificuldade de se definir com clareza o seu conceito. Também é necessário reforçar que o critério de julgamento apresentado no edital deve conter “parâmetros objetivos”, e portanto, é entendimento do grupo que o impacto social, por si só, não pode ser utilizado como parâmetro para julgamento das propostas. Entretanto, se com a ideia de impacto social estiver atrelada o conceito de experiência de mercado, é possível que este critério seja uma previsão válida para o critério de julgamento. Ou seja, se o órgão contratante apresentar de forma clara e objetiva no edital que a experiência é um fator diferencial na hora de executar o objeto licitado, é permitido que esta seja utilizada como fator de desempate. ! O prazo de validade da contratação direta ! Verifica-se que o produto oferecido pelas startups, por ser de base essencialmente tecnológica, está sempre em desenvolvimento. Um software - ou um hardware - deve se adaptar à realidade dos sistemas de uma maneira rápida, sendo diretamente estimulado pela concorrência com outros fornecedores. Logo, a vida “útil” desses produtos sofre os efeitos da obsolescência e a inovação acaba tornando-se uma condição essencial para que a startup permaneça no mercado. Essa característica inerente dos produtos oferecidos pelas startups gera consequências relevantes em todas suas relações contratuais. ! Em relação à contratação direta com o Poder Público, dada a natureza tecnológica dos produtos da startup, pode ser reduzido o prazo da contratação, já que o objeto do contrato pode ser plagiado ou desenvolvido por outras empresas, mesmo que inicialmente a startup contratada seja a única fornecedora. Tal fato independe da propriedade de direitos autorais e patente. ! Pode-se concluir, portanto, que o prazo da contratação direta tende a ser reduzido se comparado à lictação. Pode ser que, à primeira vista, a dispensa seja uma maneira de tornar o produto conhecido no mercado, mas deve-se considerar que, uma vez utilizado esse método, a divulgação do produto, fator que consequentemente criará concorrentes, pode impedir que inexigibilidade seja arguida novamente. !147 14 de outubro de 2014 ! Consequências e Conclusão ! Tendo consciência da importância da relação entre uma startup e o Poder Público, é preciso tomar extremo cuidado com a contratação direta. A caracterização da empresa como inidônea fecha muitas portas à startup, podendo chegar ao limite de “matá-la” no mercado. A fim de evitar tal situação, é imprescindível que o empreendedor consiga munir sua contratação direta com o maior número de instrumentos que lhe confiram segurança jurídica, seguindo as estratégias traçadas ao longo do relatório. No caso simulado, o questionamento quanto ao contrato celebrado entre a startup e a Secretaria de Educação do Estado X foi feito por uma startup concorrente, a qual mobilizou o Ministério Público e o Tribunal de Contas do dito estado, e tratar-se-á neste tópico das conseqüências que esse questionamento pode trazer à tona. ! A lei 8.666/93 traz em sua seção III os crimes que são previstos para garantir a idoneidade dos licitantes e evitar quaisquer fraudes. Mais especificamente, no que tange à inexigibilidade, o art. 89 dispõe o seguinte: ! Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. ! ! Em caso de incidência do dito artigo, Tribunais Superiores têm orientado suas decisões no sentido de punir apenas a conduta dolosa do agente, com conseqüente prejuízo à Administração. No que diz respeito à Start-up A, é evidente que não há dolo específico da !148 14 de outubro de 2014 startup em dano à Administração Pública134. As sanções previstas seguem um sistema gradual, da mais leve (advertência) até a mais severa (declaração de inidoneidade135). A penalidades supracitadas não são vinculadas a fatos determinados, ficando ao Administrador Público, com cunho discricionário, estabelecer a punição dentro de proporcionalidade com a conduta infratora, lembrando que sempre deverá ser assegurado o contraditório e a ampla defesa. ! É importante ressaltar também a preocupação de que a startup seja considerada inidônea e que haja uma conseqüente proibição de futuras contratações com o Poder Público, o que seria extremamente danoso para a empresa. Entretanto, esta declaração de inidoneidade seria proveniente de condutas ilícitas da empresa, como fraudes na licitação; ou inexecução contratual. ! A fraude pode ser conceituada como um tipo de ato ilegal no qual o agente obtém algo de valor mediante uma declaração falsa intencional; como logro, engano, dolo, abuso de confiança, contrabando, manobra enganosa para enganar alguém; obtenção de vantagens de forma ilícita; engano, malicioso, promovido por má-fé, a fim de ocultar a verdade ou 134 Na decisão APN 323/CE – STJ : “CRIMINAL. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. JULGAMENTO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS. REGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. 1 - O entendimento pretoriano é no sentido de que a falta de observância das formalidades à dispensa ou à inexigibilidade do procedimento licitatório de que trata o art. 89 da Lei 8.666/93, apenas será punível "quando acarretar contratação indevida e retratar o intento reprovável do agente". "Se os pressupostos da contratação direta estavam presentes, mas o agente deixou de atender à formalidade legal, a conduta é penalmente irrelevante". 2 - O julgamento pelo Tribunal de Contas, atestando a regularidade do procedimento do administrador, em relação ao orçamento da entidade por ele dirigida, ou seja, a adequação à lei das contas prestadas, sob o exclusivo prisma do art. 89 da Lei 8.666, é, em princípio, excludente da justa causa para a ação penal, quando nada pela ausência do elemento mínimo da culpabilidade que viabiliza seja alguém submetido a um processo criminal, dada a falta de probabilidade ainda que potencial de uma condenação. Somente a intenção dolosa tem relevância para efeito de punição. O dolo no caso é genérico, mas uma consciência jurídica mais apurada não pode e nem deve reconhecer, quando da dispensa da licitação, como no caso, movida pelo justificado açodamento na conclusão e inauguração das obras, motivação ilegítima que a acusação não aponta e cifrada em vantagem pecuniária ou funcional imprópria.3 Denúncia rejeitada.”; REsp 1349442 PI 2012/0218248-2:“A jurisprudência atual da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, estribada em decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, entende que, para fins da caracterização do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93, é imprescindível a comprovação do dolo específico do agente em causar dano à Administração Pública, bem como o efetivo prejuízo ao erário, não sendo suficiente apenas o dolo de desobedecer as normas legais do procedimento licitatório.” 135 Art. 46 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União: verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal. !149 14 de outubro de 2014 fuga ao cumprimento do dever, provocando lesão a terceiros ou a coletividade. Portanto, em casos semelhantes ao estudado, a conduta da startup dificilmente seria classificada fraude ou como dolosa, o que tornaria a anulabilidade ou nulidade do contrato uma possibilidade muito mais provável do que uma eventual declaração de inidoneidade. ! O resumo jurisprudencial do TCU, instância federal para casos de licitação, se mostra à favor da inexigibilidade para softwares, como se observa nas seguintes decisões: Decisão nº 648/1996, Decisão nº 305/1997, Decisão nº 704/98, Decisão nº 846/98. Contrárias: Decisão nº 441/1998, Decisões nos 123/1997, 357/1995 e 150/2000 e Acórdãos nºs 064/1996 e 098/1997136 . Os fatores em comum das empresas onde a inexigibilidade foi aceita foram: (i) inviabilidade de competição do software; (ii) necessidade de manutenção específica; (iii) exclusividade do serviço. ! Há, inclusive, uma súmula que versa quanto ao tema: ! Súmula nº 264/TCU: A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993. ! ! Quanto à anulabilidade do contrato, deve-se atentar à súmula nº 473/ STF, a qual versa acerca da anulabilidade de atos viciados da Administração Pública: 136 “Quando se tratar de aquisição de bens e serviços de informativa, o assunto deve ser tratado com cautela. A jurisprudência do TCU, sobre o tem pode ser sintetizada da seguinte forma: 1) Decisão nº 648/1996: admitiu que para software pode ocorrer a inviabilidade de licitação; 2) Decisões nºs 123/1997, 357/1995 e 150/2000 e Acórdãos nºs 064/1996 e 098/1997: não admitiu justificativa da contratação direta, por notória especialização em conhecimento técnico do assunto, de empresa contratada para prestar serviços de processamento de dados, em face do amplo desenvolvimento do serviço de informática; 3) Decisão nº 305/1997: em sentido contrário, posteriormente decidiu que o desenvolvimento e produção de equipamentos de informática não são, em princípio, fatores que gerem inviabilidade de licitação; 4) Decisão nº 441/1998: considerou irregular a compra de software que melhor atendia às necessidades do SERPRO, havendo no mercado vários softwares capazes de realizar a tarefa. A opção de compra foi justificada subjetivamente; 5) Decisão nº 704/98: considerou a alegação de que o projeto implantado em administrações anteriores somente poderia ter continuidade por meio de softwares adquiridos. A uni. técnica considerou aceitáveis as justificativas apresentadas, e elidida, portanto, a irregularidade, que consistia na injustificada inexigibilidade de licitação; 6) Decisão nº 846/98: administração do TCU contratou a empresa DataLink para fazer o registro de bens patrimoniais, seu gerenciamento e a obtenção de informações histórias. Houve denúncia ao próprio TCU, que reafirmou a inexigibilidade.” (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. “Contratação Direta sem Licitação”. 6a Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007. !150 14 de outubro de 2014 ! Súmula nº 473/STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. ! ! Ademais, a Lei 8.666/93, em seu artigo 49, atenta para as possibilidades de revogação da licitação explicitando o devido procedimento: ! Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. § 1º A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. § 2º A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. § 3º No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa. § 4º O disposto neste artigo e seus parágrafos aplica-se aos atos do procedimento de dispensa e de inexigibilidade de licitação. ! ! A anulação do processo licitatório ou do contrato não gera imediata obrigação de indenização por parte da administração, mas também não a exonera do dever de indenizar o particular pelo que este houver executado até a data em que a anulação for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, como se vê no artigo 59 da Lei 8.666/93. ! Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo Único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. ! ! !151 14 de outubro de 2014 Desta forma, deve a administração indenizar o particular pelos serviços/fornecimento executados até a data em que a nulidade foi declarada, desde que este não tenha dado causa à esta nulidade. No caso da presença de elementos suficientes de irregularidades na contratação, esta perpetrada por agente da administração pública, para os servidores envolvidos na prática da irregularidade apontada (como no exemplo da contração de prestador de serviços sem a observância da Lei de Licitação), pode ser instaurado processo disciplinar para apurar suas responsabilidades administrativas. ! É possível concluir que tanto o legislador quanto os Tribunais Superiores trataram de prever a punição exemplar dos servidores ou particulares envolvidos em ilegalidades na licitação/contratação com o poder público, explicitando normas de conduta que devem ser seguidas rigorosamente, sob pena de responsabilização nas esferas administrativa, civil e penal, independentemente do pagamento por indenização ao particular ou ao ente público. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !152 14 de outubro de 2014 3.4. Modelo híbrido de Contratação: Convênios com o Poder Público patrocinados pela iniciativa privada Equipe: Bruna Menezes, Fernando Rudge, Lucas Conrado e Tomas Queiroz de Alvarenga. ! ! Convênio e natureza jurídica do patrocínio ! (a) conceito clássico ! Os convênios são disciplinados pelo art. 116 da Lei 8.666/93, segundo o qual as disposições dessa lei são aplicáveis, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. ! Em sede constitucional, constam expressos no art. 37, XXII, no artigo 39, parágrafo 2°, no artigo 71, VI, e no artigo 241. Apesar de tal modalidade ser possível entre o Poder Público e entidades públicas e entidades privadas, o presente trabalho terá como objeto apenas a segunda forma. ! A caracterização do convênio é diversa na doutrina. Parte dela, com a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o entende como modalidade contratual em que “as partes se compõem para pela comunidade de interesses, pela finalidade comum que as impulsiona”137. ! Por outro lado, a o entendimento mais difundido é o de que convênio é forma de ajuste entre o Poder Público e entidades públicas e privadas, e será essa a compreensão adotada pelo presente trabalho. ! Maria Sylvia Di Pietro, por exemplo, acredita que do art. 166 depreende-se que a regulação dos convênios é diversa da regulação dos contratos administrativos. Se tivessem natureza contratual, não haveria a necessidade de tal norma, uma vez que 137 MELLO, Celso Antônio Bandeira, “Curso de Direito Administrativo”, 25 ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 654. !153 14 de outubro de 2014 aplicação da Lei decorreria dos art. 1° e 2° da mesma lei, com efeito, haveria a exigência de licitação para celebração de convênios. Da mesma opinião partilha Hely Lopes Meirelles, que apresenta que convênio “é acordo, mas não é contrato”138. ! O convênio, assim como os contratos administrativos, mostra-se como um instrumento utilizado pelo Poder Público para associar-se a outras entidades públicas ou privadas, entretanto certas peculiaridades o distanciam do segundo. ! Não existem interesses opostos no convênio; há o chamado ato coletivo, em que evidencia-se a conjunção de interesses das partes para a realização de objetivos institucionais comuns, que serão usufruídos por todos os partícipes. Verifica-se a mútua colaboração, e por essa razão não se cogita preço ou mesmo remuneração. ! O elemento fundamental de um convênio é a cooperação entre as partes, enquanto no contrato o elemento fundamental é a obtenção do lucro. Dessa maneira, só podem ser firmados convênios com entidades privadas se estas forem pessoas sem fins lucrativos. Se o particular tivesse objetivos lucrativos, sua presença na relação jurídica não teria as mesmas finalidades do sujeito público. ! É importante lembrar que os convênios entre o Poder Público e entidades particulares, não é possível como forma de delegação de serviços públicos, visto que essa delegação é incompatível com a própria natureza do ajuste; na delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que não a possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos. Portanto, apresenta-se como modalidade de fomento a algum assunto de interesse público139. ! O parágrafo 1° do art. 116 da Lei de Licitações Públicas exige prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, que deverá conter 138 MEIRELLES, Hely Lopes, “Direito Administrativo Brasileiro”, 24 ed. (atual. Eurico Azevedo et al.). São Paulo, Malheiros, 1998, p. 354 139 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, “Direito Administrativo”, 27 ed. , São Paulo: Atlas, 2014, p. 354. !154 14 de outubro de 2014 certas informações básicas imprescindíveis, essas dispostas nos incisos do art. Como expõe Maria Sylvia, tais exigências do plano de trabalho devem ser cumpridas já que o objetivo evidente do dispositivo é o de estabelecer normas sobre a aplicação e controle de recursos repassados por meio do convênio. Para a autora, o legislador provavelmente teve em vista precisamente as hipóteses em que o Poder Público repassa verbas para as entidades conveniadas140. ! Como elucidado por Maria Sylvia , a exigência de licitação para a celebração de convênios não se aplica, uma vez que nele não há viabilidade de competição; esta não pode existir quando se trata de mútua colaboração, sob variadas formas, como repasse de verbas, uso de equipamentos, recursos humanos, imóveis. Não se cogita de preço ou de remuneração que admita competição141. ! O Decreto 6.170, de 25-7-07 (alterado pelos Decretos 6.428, de 4-4-08, 6.619, de 29-10-08, e 7.568, de 16-9-11) dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, com exigência diversa do Decreto 5.504/05. ! O último, em linhas gerais, demanda licitação por pregão, preferencialmente na forma eletrônica para contratações decorrentes de convênios. Adversamente, o Decreto 6.107 determina em seu art. 11, que “para efeito do disposto no art. 116 da Lei 8.666/93, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação previa de preços no mercado antes da celebração do contrato.” ! Evidencia-se, assim, que o convênio entre o Poder Público e o ente privado sem fins lucrativos não demanda licitação. Tal compreensão decorre do entendimento de que o Decreto 5.504/05 foi implicitamente revogado pelo decreto 6.107 na parte em que impõe o processo licitatório. 140 Ibdem, pg. 355. 141 Ibdem, pg. 356. !155 14 de outubro de 2014 ! O atual processo de celebração de convênio com entidade privadas sem fins lucrativos é, portanto, regido tanto pelos Decretos supracitados, quanto pela Portaria Interministerial 507. A realização deve ser precedida de chamamento público ou concurso de projetos a ser realizado pelo órgão ou entidade concedente, visando à seleção de projetos ou entidade que tornem eficaz o objeto do ajuste. ! Além disso, como anteriormente exposto, é imprescindível, no mínimo, a cotação prévia de preços a ser realizada no Sistema de Gestão de Convênios, Contratos de Repasse e Termos de Parcerias (SINCOV), no qual as entidades interessadas devem se cadastras previamente. ! (b) novidade ! Como explicitado, no modelo tradicional do convênio, há um ajuste entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas que, por colaboração recíproca, buscam a realização de objetivos comuns. ! Uma das características mais marcantes do convênio é a inexistência de persecução de lucro. Nesse sentido, as entidades do terceiro setor se tornaram grandes parceiras do Poder Público na realização de convênios para suprir a oferta de serviços sociais, funcionando como importantes complementos para a prestação de serviços públicos. ! Por essa definição mais clássica, note-se que dificilmente a startup poderia se inserir no modelo de convênio, haja vista se apresenta como uma empresa com fins lucrativos, apesar de seu significativo cunho social. ! Contudo, por intermédio de um ente do terceiro setor, acredita-se ser perfeitamente cabível semelhante arranjo. Ou seja, a novidade no modelo de convênio proposto é e inserção da startup através do financiamento de uma entidade do terceiro setor, como uma fundação. Sendo assim, nesse modelo proposto, a startup figuraria não como !156 14 de outubro de 2014 conveniada propriamente, mas sim como uma prestadora de serviços, financiada pela fundação, que executaria os propósitos do convênio. ! Resta saber se, e até que ponto, um ente do terceiro setor pode financiar uma entidade lucrativa, no âmbito de um convênio com o Poder Público sem desnaturar sua função precípua, qual seja, o desenvolvimento de atividades de interesse social. ! Note-se que o que caracteriza uma entidade como lucrativa é principalmente a distribuição de resultados aos sócios. Nesse sentido, é permitido a uma associação a realização de negócios que, por exemplo, proporcionem superávit para a entidade, desde que não haja percepção de lucros para os associados. Sendo assim, resta claro que a entidade do terceiro setor pode eventualmente praticar atos de comércio, desde que não se desvirtue de seu cunho social. ! Uma vez que é possível às entidades de interesse social a realização de atividades econômicas, desde que intrinsecamente ligadas às suas finalidades sociais, é perfeitamente cabível supor que não desnatura sua natureza jurídica o financiamento de startups para fornecer produtos de interesse público no âmbito de um convênio com o Poder Público. ! O relativo estranhamento ocasionado por esse modelo híbrido decorre justamente da novidade que representa semelhante arranjo e da dificuldade de enquadrá-lo em um dos modelos convencionais de convênio. ! Na verdade, mesmo nos modelos mais tradicionais há grande dificuldade de classificação, inclusive contábil, dos aportes públicos envolvidos por transferência ou renúncia fiscal, para as entidades do terceiro setor, em virtude das inúmeras funções a que se prestam. Desse modo, a ausência de diferença explícita entre as inúmeras modalidades de convênios entre o Poder Público e os entes do terceiro setor já ocasiona o uso muitas vezes inadequado de instrumentos jurídicos disponíveis. ! !157 14 de outubro de 2014 Essa relativa desordem institucional decorre principalmente das dificuldades que os órgãos estatais enfrentam ante o engessamento da Constituição de 1988. Com o surgimento de possíveis novos arranjos institucionais, muitas vezes é necessária a inovação legislativa para os enquadrá-los em institutos jurídicos mais adequados. Dessa maneira, evita-se a proibição dessas inovações por meio do enquadramento indevido em vedações de institutos convencionais pré-existentes. ! Especificamente no caso da introdução das startups no âmbito dos convênios com o Poder Público, podar o novo arranjo devido à vedação do terceiro setor ao financiamento de entidades lucrativas, que supostamente se aplicariam ao caso, parece pouco razoável. ! No momento da elaboração da maior parte da legislação vigente, era inimaginável o surgimento de startups de impacto social tão significativo, especialmente as tecnológicas. Portanto, é perfeitamente possível supor que na realidade um convênio entre Poder Público, ente do terceiro setor e startup é uma nova modalidade de convênio ainda não precisamente regulada, para a qual podem ser excetuadas muitas vedações. ! Ademais, o cunho social das startups é considerável a ponto de não desvirtuar o interesse social visado pelo convênio; pelo contrário, a parceria com a startup pode ser a medida mais adequada para a persecução de determinada finalidade. Função do Convênio para o Poder Público e para a Empresa Nascente (“Cartão de Visita” da Start-up) ! Um grande problema do convênio clássico, com desvio de verba pública, é a obrigação de prestar contas à União. As transferências voluntárias estabelecem, junto dos deveres materiais de prestação de serviço, também centenas de deveres formais de atuação e de prestação de contas, que engessam a atividade dos entes privados, e transformaram entidades privadas prestadoras de serviços em entidades privadas prestadoras de contas142. 142 MÂNICA, Fernando Borges, “A nova regulamentação dos convênios”. Disponível em: http:// fernandomanica.com.br/wp-content/uploads/2010/08/A-nova-regulamenta%C3%A7%C3%A3o-dos-conv %C3%AAnios.pdf Acesso em: 15.06.14. !158 14 de outubro de 2014 ! Fernando Mânica explicita este problema: ! ! ! “Essa publicização absoluta do regime das entidades privadas conveniadas acabou por gerar efeito inverso. Ao invés de fortalecer o controle estatal, enfraqueceu-o. Hoje não basta ao Estado apenas incentivar atividades prestadas pelo Terceiro Setor; o Estado deve garantir a materialização de tais prestações, muitas das quais garantidoras de direitos fundamentais. Nesse cenário, com o surgimento e proliferação de novos atores sociais, os convênios passaram a ocupar lugar de destaque como mecanismo de ajuste capaz de gerar desvio de recursos e dificultar a fiscalização de sua execução. As sucessivas alterações em sua disciplina tentaram, sem sucesso, por meio da exigência de uma série infindável de deveres burocráticos, evitar esse quadro. Não obstante, mesmo após a série de alterações no tratamento infra-legal dos convênios, é retumbante sua inadequação para disciplinar ajustes do Estado com entidades privadas sem fins lucrativos.143” O convênio entre o poder Público e o ente privado de negócios de impacto social (descrito no item 1.b) presta-se à inovação e dinamicidade que só um negócio com fins lucrativos pode oferecer, conjuntamente com uma assistência na execução de serviços públicos vitais, sem que haja a necessidade de gasto de verba pública. Dessa forma, o Tribunal de Contas da União não gastará tempo fiscalizando e as entidades privadas poderão focar na execução do serviço ao invés da prestação de contas ao Estado. ! Essa nova estrutura de convênio oferece auxílio ao Poder Público para execução de serviços públicos. Sendo o presente trabalho focado no âmbito da educação, é visível que tal modalidade contribui de forma inovadora para o melhoramento dos indicados das escolas públicas, o que, em última instância, também garante uma satisfação popular e melhores resultados nas eleições. ! Riscos do modelo convênio (Arranjo Vs. Fragilidades) ! Dos modelos que permitem a parceria entre as startups e o poder público, o que pode parecer mais adequado para a relação é o convênio patrocinado pela iniciativa privada. O 143 Ibdem. !159 14 de outubro de 2014 arranjo desse convênio, como explicitado, é excelente. Com ele o poder público tem acesso a um serviço de qualidade que consegue trazer uma melhora na prestação de um serviço público e, ainda melhor, isso não custa nada para ele. Assim, isso garante um grande interesse em contratar os serviços dessas empresas nascentes cuja atividade é voltada para realizar impacto social. ! Essa forma de organização, apelativa para os órgãos públicos, deveria ser bem vista pelo olhar dos empreendedores. Contudo, mesmo o arranjo do modelo sendo excelente, ele é extremamente instável para os empresários. Algumas das fragilidades são: desistência do patrocinador privado (data de validade), desistência do poder público (mudança no contexto político- eleições- mudança de governo), entrada de novos concorrentes com tecnologia similares, e a dificuldade de escalada da empresa e a continua fiscalização (não mais pelo TCU, mas pelo MP). ! Todas as fragilidades apresentadas demostram a posição difícil em que o empreendedor se encontra. Enquanto, por exemplo, através de uma licitação o contratado do poder público assina um contrato por um período extenso com diversas garantias, no caso do convênio patrocinado existe apenas a celebração de um contrato civil comum, regulado pelo Código Civil. ! Assim, tanto a desistência do patrocinador privado como a do poder público pode ser algo facilmente realizado levando em conta apenas as normas sobre rescisão contratual. Esses vínculo é constantemente ameaçado nesse mercado tanto do lado do privado que financia como do poder público. No lado do financiador do projeto o problema reside na questão da multiplicidade de projetos em que ele pode decidir investir. Como o desenvolvimento tecnológico, rápido e constante, em um pequeno espaço de tempo um projeto que se destacava pode ser superado por outro com uma ideia inovadora. Desse modo, o interesse do financiador pode rapidamente se direcionar a outro projeto que apresente uma ideia mais atraente e ele decidir que aquele antigo projeto, que parecia inovador, já está ultrapassado. No lado do poder público, por exemplo, em um contexto de eleições podem ser rompidos os vínculos com projetos que não interessam a gestões que assumem o poder. !160 14 de outubro de 2014 ! Em oposição ao modelo do convênio, os vínculos que se formam, por exemplo, entre o poder público e um particular no caso de uma empresa que vence uma licitação são muito mais rígidos. Além disso, as consequências de um rompimento não colocam o particular em uma situação tão ruim em razão das diversas garantias que estão presentes nos contratos entre o poder público e o vencedor da licitação. Essa situação decorre da rigidez dos contratos administrativos. Como esses envolvem a utilização de verba pública para realização de um serviço que tem como finalidade suprir uma demanda do poder público, existe uma necessidade de não serem modificados a todo tempo e uma preocupação na sua execução continuada. Depois de feito o processo de seleção da empresa privada e acordado preço e objeto tanto o poder público como o privado se comprometem com esse acordo. Esse é um processo tão regulamentado que existem diversas leis para tratar do assunto. A mais tradicional é a Lei 8.666/93 que traz toda essa rigidez as contratações entre poder público e privado. ! Para permitir maior maleabilidade, outras leis vieram com instrumentos que permitem maior flexibilidade. Desse modo, dependendo do modelo adotado, as características do contrato e as consequências do seu rompimento vão variar, mas é certo que em qualquer cenário existe uma rigidez maior nessa estrutura do que no modelo em que se celebra um contrato próprio do direito privado. ! Além disso, existe ainda a questão da escalada da empresa. Ao expandir seu negócio ela acaba por depender de um crescente fluxo de capital do seu investidor privado. Caso esse não se interesse por aumentar a quantia paga a startup essa irá enfrentar grandes dificuldades para expandir sua atuação. Desse modo, a longo prazo, o modelo de convênio pode representar um empecilho ao desenvolvimento da startup. ! Existe ainda o risco decorrente de uma fiscalização do modelo. Como não há a utilização de verba pública a startup não precisa se preocupar com uma fiscalização pelos Tribunais de Contas. Contudo, ele não está livre de análise por parte do poder público, pois pode ser que o modelo adotado seja alvo de contestação pelo Ministério Público. Essa !161 14 de outubro de 2014 fiscalização seria feita, pois o desenho criado por esse arranjo não segue a lógica tradicional do modelo de convênio. ! Assim, pelo aparente “desrespeito” à lógica do convênio descrito na lei e interpretado pela doutrina e jurisprudência, o Ministério Público poderia questionar a legalidade da estrutura utilizada. A empresa nascente poderia ser acusada de estar utilizando os instrumentos associados ao convênio de modo ilícito, já que na realidade ela não estaria seguindo o que a legislação estabelece a esse modelo. Essa fiscalização não é certa, pois pode ser que essa adaptação feita pela empresa nascente para se adequar as suas exigências seja aceita. ! Mesmo com todas essas falhas, esse modelo não deve ser deixado de lado. Existem alguns exemplos concretos e atuais de sucesso e ainda algumas sugestões com relação a como podem as partes proceder para implementar esse modelo efetivamente. ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !162 14 de outubro de 2014 4. Considerações Finais ! A reflexão realizada no presente relatório não teve a intenção de exaustão, ao contrário, buscou oferecer um primeiro conjunto de ideias para o debate sobre os desafios jurídicos que impactam o crescimento de empresas nascentes de base tecnológica. Por esta razão, o relatório contém conclusões e reflexões que por mais que ainda preliminares, podem servir de primeiro parâmetro para um debate amplo envolvendo a superação de obstáculos jurídicos no fomento à inovação, bem como a qualificação da tomada de decisão do empreendedor. ! Houve uma preocupação muito grande da equipe do Laboratório em preservar a pesquisa, o texto (redação e estilo) e as conclusões dos alunos da FGV - Direito SP. O relatório é fruto do esforço e da reflexão do conjunto de seus membros, tendo como principais protagonistas, os alunos. Nesse sentido, dada a extensão da pesquisa realizada, antes de uma retomada de todas as conclusões e reflexões feitas neste documento, vale a pena um breve apontamento sobre a relevância dos temas estudados. ! Na primeira parte do relatório, a formação da empresa nascente, os alunos do Laboratório criaram um conjunto de variáveis relevantes para a tomada de decisão do empreendedor na modelarem societária por ele escolhida. Por exemplo, quais são os custos envolvendo a formação de uma empresa nascente como uma sociedade limitada e quais são os custos dela em ser formada como uma sociedade anônima? Qual é o diferencial de se estar no regime de apuração tributária do Simples nacional, e quais as restrições aos tipos societários investigados? ! No campo da entrada e saída de investidores, quais são e como estão construídas as cláusulas que permitem a entrada (conversão do investimento em participação) e as que viabilizam a saída (tag along, drag along, dentre outras) presentes em contratos de opção e de mútuo conversível. ! !163 14 de outubro de 2014 Na esfera da governança, como a legislação prevê a tomada de decisão dentro da empresa sob os formatos de sociedade limitada (orientada aos sócios) e na sociedade anônima de capital fechado (mais flexível a delegação de poderes a órgãos administrativos). ! Na formação da estrutura do capital da empresa, como avaliar a contribuição de cada sócio na formação de valor da empresa, em especial como planejar o crescimento da empresa a partir da escolha de um formato societário de limitada ou anônima. ! Em todos estes temas, não há uma fórmula preestabelecida ou um conjunto fechado de recomendações. Há sim percepções fortes, como por exemplo, que do ponto de vista de governança, entrada e saída de investidores e de estruturação de capital, o formato sociedade anônima de capital fechado oferece maior flexibilidade e alternativas para captação de investimentos do que a sociedade limitada. Contudo, a sociedade limitada por permitir que o empreendedor possa aderir ao regime de apuração de tributos do Simples Nacional, representa um diferencial importante, em especial para as empresas que estão em estágios iniciais de construção ou ainda não possuem faturamento. ! Na segunda parte do trabalho, os alunos tiveram o desafio de refletir sobre a aproximação entre empresas nascentes de base tecnológica voltadas a negócios de impacto social a partir da sistemática de contratações públicas. ! Um desafio que perpassou as modalidades de licitação, a definição de seu objeto, a classificação de produtos e serviços tecnológicos (em particular o software), a formação de uma estratégia de abordagem do Poder Público (reuniões de apresentação, abertura da tecnologia para redes públicas, apresentação de protótipos etc.) até a definição de preço. Variáveis que precisam dar conta de um ecossistema inovador que muitas vezes cria novos mercados ou altera os já existentes, em que a definição do objeto da contratação, bem como o apontamento de concorrentes pode até ser impossível de ser feito. ! Os alunos buscaram compreender e analisar os riscos de formas alternativas de aproximação com o Poder Público, subcontratação, convênio e dispensa de licitação, !164 14 de outubro de 2014 todas com suas vantagens e desvantagens tanto para a empresa nascente, quanto para os demais envolvidos. Algumas conclusões foram enfáticas, como o limite de 30% para a subcontratação, contato a partir do valor do contrato licitado, ou o fato de que o Poder Público não responde em caso de aditamentos contratuais exigidos pelo subcontratado. ! Desta forma, o Laboratório, como espaço de ensino/extensão, tem como intuito produzir documentos em que seus alunos possam dialogar e sugerir estratégias, ideias, leituras, formulações sobre o ordenamento jurídico ao qual eles e todos os atores do ecossistema de inovação estão inseridos. Eles passam a estar na “linha de frente” do debate jurídico sobre os temas relevantes ao ecossistema de inovação. ! Além disso, o aluno como autor das informações que produziu também se sentirá responsável pelo conteúdo produzido e capaz de fazer parte dos debates sobre o tema na sociedade (eventos, conferências, whorkshops etc.), não apenas como um momento de sua formação, mas e, sobretudo, como uma agenda permanente de suas preocupações jurídicas. ! Nesse sentido, vale refazer o agradecimento feito no início deste trabalho aos apoiadores do projeto, o Instituto Inspirare e a Potencia Ventures, ressaltando o cuidado e o esforço oferecidos pelas parcerias de projeto Ana Flávia Castro (Instituto Inspirare) e Vivianne Naigeborin (Potencia Ventures), aos quais tornaram o projeto possível e proveitoso para todos os envolvidos. Não há palavras para descrever o entusiasmo e o carinho que ambas demonstraram com a FGV - Direito SP e com seus alunos. !165