FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
EM NOME DO PAI…
João de Deus Ramos e a Escola Nova
Graziela Maria Lopes de Brito Saraiva Barreto
Dissertação apresentada com vista à obtenção do Grau de Mestre em Educação
na área da supervisão e orientação pedagógica
sob a orientação do Prof. Doutor Joaquim Pintassilgo
LISBOA
2004
ÍNDICE
1.
1.1.
1.2.
1.3.
1.4.
1.5.
1.6.
2.
2.1.
2.1.1.
2.1.2.
2.1.3.
2.2.
2.2.1.
2.3.
2.3.1.
2.3.2.
2.4.
2.4.1.
2.4.2.
2.4.3.
3.
3.1.
3.2.
3.3.
3.4
3.4.1.
3.4.2.
3.4.3.
3.4.3.1.
3.4.3.2.
3.4.3.3.
3.4.3.4.
3.4.3.5.
3.4.3.6.
3.4.3.7.
3.5.
3.6.
4.
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Capítulo Primeiro — Introdução
Escolha do tema; motivações
Objectivos gerais
Justificação do título
Fontes
Metodologia
Estrutura do trabalho
Capítulo Segundo — Contexto do Enquadramento Teórico
Os Precursores da Escola Nova
As ideias pedagógicas de Rousseau
Pestalozzi, o ―Pai da Escola do Povo‖
Fröbel, o criador dos jardins-de-infância
A Educação Nova
A diversidade dos métodos da Educação Nova
A Educação Nova no contexto português
A Primeira República, Época de Ouro das Escolas Novas
Os Pedagogos Portugueses da Escola Nova
A educação de infância em Portugal
João de Deus e a Cartilha Maternal
A divulgação da Cartilha Maternal
Polémicas à volta da Cartilha Maternal
Capítulo Terceiro — o Filho do Poeta
João de Deus Ramos — origens e caracterização
João de Deus Ramos enquanto estudante
Outras polémicas à volta da Cartilha Maternal
As Escolas Móveis
João de Deus e as Escolas Móveis
Críticas às Escolas Móveis pelo Método João de Deus e às Escolas
Móveis Oficiais
Das Escolas Móveis aos Jardins-Escolas; algumas reformas
estatutárias
Primeira reforma — 1908
Segunda reforma — 1911
Terceira reforma — 1914
Quarta reforma — 1917
Quinta reforma — 1926
Sexta reforma —1940
Sétima reforma —1946
João de Deus Ramos e a divulgação da Cartilha Maternal no
estrangeiro
A Actividade Política de João de Deus Ramos
Capítulo Quarto — Pensamento e Acção Pedagógica
1
2
3
4
5
7
8
10
12
13
14
15
15
19
24
30
32
45
49
51
59
68
82
87
96
97
100
111
116
126
136
142
143
145
146
147
149
150
152
153
163
193
4.1.
4.2
4.2.1.
4.2.2.
4.2.3.
4.3.
4.4.
4.5
4.6.
4.6.1.
4.6.2.
4.6.3.
4.6.4.
4.7.
4.7.1.
4.7.2.
4.7.3.
4.7.4.
4.7.5.
4.7.6.
4.7.7.
4.7.8.
4.7.9
4.8
4.9.
4,10.
4.11.
4.12
4.13
5.
5.1
O pensamento e a acção pedagógica de João de Deus
Os Jardins Escolas João de Deus
Pessoal docente
Comissão de Assistência
Caixa Escolar
Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógicos e Artístico
Bairro Escolar do Estoril
O Lar Educativo João de Deus
Pensamento pedagógico; ambiente educativo e orgânica escolar
O edifício escolar
As secções ou classes
O ambiente educativo
As actividades por faixa etária
Práticas educativas
Lições de coisas
Educação sensorial
Desenvolvimento verbal
Leitura
Escrita
Jogos educativos
Iniciação à matemática
Trabalhos manuais
O desenho
Festas do final do ano lectivo
Disciplina
A religião e a escola
A acção da educadora do jardim-escola
O Curso de Didáctica Pré- Primária pelo método João de Deus
O fim do caminho, referência e ecos da morte de João de Deus Ramos
Capítulo Quinto - Conclusão
Considerações Finais
Bibliografia
Anexos
194
195
203
204
205
205
207
212
213
214
219
220
222
223
225
227
229
230
231
234
235
236
239
238
239
242
244
245
249
253
254
259
1
Agradecimentos
A meu Pai,
pelos conselhos sábios,
pelo incentivo,
pelo alento.
(fica a mágoa de não ter podido ver o resultado).
À minha Família mais chegada,
em especial à minha Mãe e ao meu Filho,
por terem estado quando eu não pude estar.
Ao Prof. Doutor Joaquim Pintassilgo,
pelo apoio incondicional
e pela paciência quase evangélica.
2
RESUMO
Começando por identificar os pedagogos e as pedagogias de raiz europeia
percursores da denominada Escola Nova, ensaia-se uma abordagem deste movimento,
que iria marcar a cena educativa ocidental no último quartel do século XIX e nas
primeiras décadas do século XX. Descrevem-se os fenómenos sociais, económicos,
políticos e científicos subjacentes à Escola Nova, elencam-se as suas características
mais marcantes e os seus cultores mais representativos, bem como as construções
teóricas por estes elaboradas e as práticas pedagógicas que em consequência
preconizaram. Outro tanto se tentou em relação ao panorama nacional português, tendo
como pano de fundo os últimos estertores da monarquia constitucional e a emergência
da República e dos seus ideais reformadores, tendentes à construção de um Homem
Novo, alfabetizado, detentor das ferramentas intelectuais que lhe permitissem assumir
uma cidadania de pleno direito.
O mesmo homem novo que João de Deus Ramos, republicano e pedagogo,
também queria que emergisse na sociedade portuguesa. João de Deus Ramos, que é a
figura central da presente dissertação e cujo pensamento e cuja obra são o seu objecto.
Não se pretendendo desenhar um retrato de João de Deus Ramos, traçar-lhe a
biografia, procurou-se, com recurso à elaboração de um quadro de análise categorial
temática e utilizando escritos seus e aquilo que de mais relevante escreveram sobre ele,
em livros, revistas e jornais, especialmente em jornais, em dezenas e dezenas de jornais
nacionais e estrangeiros, na forma de notícias, entrevistas e artigos de opinião, trazer à
luz, sistematizadamente, o seu percurso pessoal e também político, bem como as obras
que idealizou e que, em regra, conseguiu realizar, procurando-se por fim inventariar e
compreender as linhas de força estruturantes do seu pensamento pedagógico.
Investigados e categorizados os elementos da pesquisa, procurou-se sobretudo
saber se João de Deus Ramos, o universitário já atento aos problemas da educação de
infância, o jovem colaborador das missões de alfabetização das Escolas Móveis, o
criador da primeira rede portuguesa de jardins-de-infância e, também, da primeira
escola portuguesa para educadoras de infância, o legislador de reformas educativas, o
ex-ministro da instrução, o conferencista sobre temas de educação João de Deus Ramos,
contribuíra ou não para a construção do homem novo que a república preconizara e se
as suas convicções pedagógicas se inscreviam ou não no movimento da Escola Nova a
que acima se alude. A resposta a estas questões foi afirmativa.
3
ABSTRACT
After identifying the pedagogues and the pedagogy of European origin that were
forerunners of the so-called New School, an analysis is made of this movement, which
was to make a mark on Western education during the last quarter of the 19th century
and in the first decades of the 20th century. A description is made of the social,
economic, political and scientific phenomena underlying the New School and its most
distinctive features are detailed, as well as its most representative followers and the
theoretical constructions that they drew up and the educational practices that they
consequently advocated. An analysis is then made of the national scene in Portugal,
against the background of the death throes of the constitutional monarchy and the
emergence of the Republic and its reforming ideals aimed at the construction of a New
Man, literate, and endowed with the intellectual tools that allow him to exercise full
citizenship.
The same new man that João de Deus Ramos, republican and pedagogue, also
wanted to see emerge in Portuguese society. João de Deus Ramos, who is the key figure
of this dissertation and whose thought and works are its subject of discussion.
The intention of this dissertation is not to paint a portrait of João de Deus Ramos
or to give a biographical account of his life. The aim was, through a thematic, categorial
analytical framework and using his writings and the most important writings on the man
from books, magazines and newspapers, particularly newspapers, dozens and dozens of
national and foreign newspapers, in the forms of news, interviews and articles of
opinion, to bring to light, in a systematic fashion, his personal and political career, as
well as the works that he devised and, as a rule, managed to put into effect. Finally an
attempt is made to catalogue and understand the structural lines of his pedagogical
thought.
After researching and categorising the research elements, an analysis is made of
whether João de Deus Ramos, the university student already aware of the problems of
nursery education, the young man working for the Mobile Schools literacy campaign,
the creator of the first Portuguese network of nursery schools and, also, of the first
Portuguese school for nursery school teachers, the legislator of educational reforms, the
ex-minister of education, and the public speaker on education, contributed or not to the
construction of the new man that the republic advocated and whether his pedagogical
convictions belonged or not to the New School movement referred to above. The
answer to these questions is affirmative.
4
1. Capítulo Primeiro
Introdução
5
1.1. Escolha do tema; motivações
O exercício continuado da docência pré-escolar ao longo de mais de vinte anos e
a relação privilegiada que mantivemos com múltiplas gerações de pequenos alunos,
ensinaram-nos que aprender é uma coisa muito séria, cuja importância é se assim
podemos dizer, inversamente proporcional à idade de quem aprende. De quem aprende
a conhecer e a conhecer-se e, assim, vai aprendendo a ser. Daí termos concluído há
muito tempo, empiricamente embora, que a educação de infância é a fase mais
importante (determinante) do processo educativo.
Aquela conclusão — a de que a educação de infância é a fase mais importante
do processo educativo — pode parecer, aqui e agora, leviana, e mesmo arrogante ou até
sectária, corporativa. Mas não. Continuamos a mantê-la e enunciamo-la com humildade,
como um facto que se nos foi impondo dia a dia e ano após ano, tanto na observação
directa do desenvolvimento de centenas de crianças de três a cinco anos, como através
dos contactos que posteriormente pudemos manter com algumas delas, quando, já na
adolescência ou quase adultos, amiúde nos procuravam para conversar, para matar
saudades ou pedir um conselho. Sendo recorrente nestes contactos lembrarem o tempo
do jardim-de-infância e falarem dos percursos que depois fizeram, pudemos
testemunhar neles uma clara unanimidade: todos afirmavam, de uma forma ou doutra,
em maior ou menor medida, que o seu percurso fora facilitado, ou mesmo induzido,
pela vivência e aprendizagens do ensino pré-escolar.
Em contraposição e ao longo dos anos apercebemo-nos de que o Estado e a
Família, a quem a questão devia interessar sobremaneira, desvalorizavam a educação de
infância. Para o Estado, para os sucessivos detentores do poder político, fosse por
ignorância, ou por mera estratégia, tratava-se de algo dispendioso, de efeito mediato e
por isso irrelevante nos vários tabuleiros do jogo eleitoral. A Família, pressionada por
ritmos de vida cada vez mais alheios à biologia humana e ao próprio bom-senso, via o
jardim-de-infância como um depósito providencial e mais ou menos ajardinado onde
deixava as suas crianças antes de correr para as fábricas e para os escritórios.
Este antagonismo, que se nos foi tornando quase táctil, entre o que pensávamos e
a realidade política e, digamos, social, resumia-se no fundo à questão de saber quem era
o verdadeiro destinatário do jardim-de-infância: se a criança, a quem nos parecia assistir
todo o direito a um desenvolvimento físico, espiritual e intelectual tão elevados quanto
6
possível; se a Família, a quem o Estado guardava os filhos enquanto ambos os
progenitores alimentavam o processo produtivo.
Quando nos coube estudar estes temas mais detalhadamente, aquela questão
continuava a preocupar-nos e encontrámos respostas, muitas respostas, tanto na
bibliografia pedagógica estrangeira como naquilo que se foi pensando, escrevendo e
fazendo no nosso país. Aqui, o intervalo de tempo compreendido entre a viragem para o
século XX e o fim da Primeira República afigurou-se-nos como o mais fecundo, um
tempo de vigoroso confronto intelectual de onde emergia, nítido, um objectivo: o de
criar um homem novo, letrado e esclarecido, que pudesse contribuir de forma activa
para o surgimento de uma sociedade mais justa e onde ele próprio pudesse exercer as
prerrogativas de cidadão de pleno direito.
De entre os defensores deste homem novo, que havia de ser ―construìdo‖ a partir
do princípio, a partir da escola maternal, do jardim-escola, descobrimos uma figura
pouco nítida, mas com características que apelavam a uma investigação mais profunda:
a sua vida girara toda à volta do ensino e, em especial, do ensino da infância, de um
modelo português de ensino da infância, devendo-se-lhe ainda a criação da primeira
rede de jardins-escolas e da primeira escola para educadoras de infância. Também tinha
sido ministro de estado, inclusive, da Instrução Pública. Tratava-se de João de Deus
Ramos.
Quando se nos colocou a questão de eleger um tema para a dissertação de
mestrado, a escolha estava feita. Tentar conhecer tão profundamente quanto possível a
obra e o pensamento deste homem pouco conhecido (esquecido?) e, também, a sua vida,
enquanto suporte e cimento do que fez e de como pensou.
7
1.2. Objectivos gerais
Pretende-se, com o presente estudo, revelar tanto quanto possível João de Deus
Ramos, no sentido de descobrir o seu pensamento e de inventariar-lhe a obra,
estabelecendo a relação que obrigatoriamente há-de de existir entre um e outra. A sua
vida, alguns pormenores do seu percurso vital, irão interessar-nos na medida em que
contribuam para uma melhor compreensão daquelas duas realidades, e para, dentro do
necessário, humanizar o nosso objecto de estudo, com o propósito de estabelecer a
ligação entre a criatura e o criador.
Apesar dos muitos traços de carácter biográfico apresentados pelo presente
trabalho, não se pretende traçar aqui a biografia de João de Deus Ramos. Ela não
caberia no espaço, obviamente limitado, de uma dissertação de mestrado, nem para
tanto nos chegariam o engenho e o fôlego. Não colheremos por isso de saber que
amores teve, que amigos cultivou, como se relacionou com a família, onde passou
férias, que gostos musicais eram os seus, se praticava desporto ou se lia jornais antes do
pequeno-almoço.
Ramos viveu, coube-lhe viver, numa época de acentuada efervescência política,
social e económica, tendo conhecido de perto dois modelos (quase) antagónicos de
organização do Estado, a monarquia constitucional e a república, tendo assistido ao
derrube de uma e à instauração de outra. De um lado, o passado, glórias antigas que se
foram convertendo em bruma, organizado em torno de instituições que em vez de
promoverem o equilíbrio e o progresso da sociedade lhe foram tolhendo o passo; do
outro, o projecto de um futuro renovador, onde até as utopias pareciam encontrar-se
mesmo ali, ao alcance da mão.
É também por esta época que a pedagogia se vai impondo como ciência, aberta à
experimentação, e surge a denominada Escola Nova, movimento de ruptura com as
antigas práticas de educar e cuja vocação é também a de forjar um ―homem novo‖, com
as ―crianças evidenciando um ar livre e feliz‖ ensinadas através de ―métodos
pedagógicos baseados num ―estudo cientìfico da criança nos seus vários aspectos‖
(Candeias, 1995, p. 14).
Naquele pano de fundo, pretendemos indagar se João de Deus Ramos contribuiu
para a realização desse ―homem novo‖ que a República preconizava; se, pela sua prática
8
e pelas suas características pessoais, pode ser havido como um político; finalmente, se
as suas concepções pedagógicas se inscreviam na referida Escola Nova.
1.3. Justificação do título
O título de uma obra escrita não é como o nome de uma pessoa. A esta chamase-lhe Joana ou António logo após o nascimento e, não raras vezes, o nome já está
escolhido antes do nomeado nascer, ou porque a avó ou o padrinho têm o mesmo nome,
ou apenas porque sim, sem outra razão que o gosto — ao que parece, indiscutível — de
quem teve o privilégio ou o ascendente de determinar a escolha. Porque assim é, o nome
que se dá a uma pessoa não tem com esta uma verdadeira relação.
Com o título de uma obra escrita passa-se precisamente o contrário. O título de
uma obra escrita há-de reflectir, tanto quanto possível, o seu conteúdo, ou aquilo que a
torna marcante, a síntese da síntese, a nata da nata. Daí que o título, ainda que esteja
para a obra escrita como o nome está para uma pessoa, seja as mais das vezes a última
coisa a ser pensada, criteriosamente pensada e escrita.
Demos ao presente trabalho o título um tanto arriscado de Em Nome do Pai….
Os mais que nos ocorreram e constituíram uma lista de meia dúzia de títulos, não
tiveram esse condão de condensar e de expressar, de forma tão satisfatória, o que vai
escrito.
Porquê Em Nome do Pai…?
Vejamos: João de Deus Ramos, cujos pensamento e obra aqui nos ocupam, era
filho de João de Deus Nogueira Ramos, que sucessivamente abreviou o nome para João
de Deus Ramos e, depois, para João de Deus. Significa isto que o ―nosso‖ João de Deus
Ramos tinha o mesmo nome e apelidos de seu pai e esta coincidência, que sempre se
prestaria a uma que outra confusão, agrava-se sobremaneira quando se sabe que, no
caso, seu pai era João de Deus, o celebrado poeta do ―Campo de Flores‖ mas também o
autor da Cartilha Maternal.
Sucede que a mesma Cartilha foi, para João de Deus Ramos, a preocupação
primeira, a obra que pretendeu impor como método de leitura e escrita das primeiras
letras e que durante anos explicou e divulgou, em escritos e múltiplas prelecções, em
Portugal e no estrangeiro. A mesma Cartilha que veio a adoptar quando criou em
Portugal a primeira rede de jardins-escolas.
9
O nome de João de Deus Ramos encontra-se estreitamente associado à criação
daquela rede de jardins-escolas, que ele mesmo, Ramos, em homenagem a seu Pai,
impôs como Jardins-Escolas João de Deus. A confusão entre ambos foi, assim,
frequente e inevitável. Mas João de Deus Ramos não se quedou pela explicação e
difusão da Cartilha Maternal; a sua obra foi mais além e daí as reticências de Em Nome
do Pai….
O presente título não tem, obviamente, qualquer conotação religiosa.
10
1.4. Fontes
Exceptuadas algumas incursões pela administração pública e pelo exercício
esporádico de cargos políticos, Ramos dedicou-se, durante toda a vida, ao estudo e à
divulgação de temas relacionados com a alfabetização e com a educação, em especial
com a educação da infância, bem como ao desenvolvimento e à criação de instituições
escolares onde pôs em prática o seu ideário. Uma dessas instituições, ―O Bairro Escolar
do Estoril‖, veio a ser considerada como escola nova. Tendo deixado algumas obras
escritas sobre estes temas, não quis ou não lhe sobrou o tempo para compilar e organizar
metodicamente, em obra de maior envergadura, todo o seu pensamento pedagógico. Daí
que este se encontre disperso, quase diríamos pulverizado, por uma infinidade de
suportes, tanto na primeira pessoa, quando escreveu, proferiu conferências, concedeu
entrevistas ou preleccionou, como na terceira pessoa, quando outros se lhe referiram ao
percurso, ao pensamento e à obra. Foram as seguintes, por grandes grupos, as fontes que
utilizámos no presente trabalho:
a) as obras do autor;
b) textos de conferências por ele proferidas;
c) lições que proferiu enquanto docente do ―Curso de Didáctica Pré-Primária
pelo Método João de Deus‖;
d) obras de outrem acerca do seu pensamento pedagógico ou da sua vida;
e) jornais portugueses e brasileiros da época dos factos a investigar;
f) revistas;
g) estatutos e relatórios da direcção da ―Associação das Escolas Móveis pelo
Método de João de Deus‖ (sucessivamente redenominada);
h) prospectos de apresentação e propaganda do ―Bairro Escolar do Estoril‖;
i) actas de reuniões do governo civil da Guarda;
j) vários números do ―Diário do Governo‖;
k) legislação avulsa;
A pesquisa bibliográfica e documental realizámo-la em distintos locais, de que
destacamos os seguintes: a biblioteca do Museu Pedagógico João de Deus, em Lisboa,
onde acedemos a artigos de imprensa pedagógica, revistas, actas de palestras, lições
pedagógicas, prospectos, fotografias, e à documentação relativa à Associação das
Escolas Móveis.
11
A Biblioteca Nacional de Lisboa, onde consultámos jornais, obras de autores e
legislação.
A Hemeroteca Municipal de Lisboa, onde consultámos revistas e jornais.
As bibliotecas do Instituto de Inovação Educacional e da Escola Superior de
Educação de Lisboa, onde consultámos obras de autores.
O arquivo do Governo Civil da Guarda, onde acedemos a actas de reuniões
realizadas entre Maio e Julho de 1912 sob a presidência de João de Deus Ramos, na
qualidade de governador civil daquele distrito.
Tentámos a obtenção de material de pesquisa junto dos arquivos da Assembleia
da República e do Governo Civil de Coimbra, sem qualquer sucesso.
Visitámos vários alfarrabistas em Lisboa, onde adquirimos exemplares de obras
com interesse para a pesquisa a empreender.
12
1.5. Metodologia
Atenta a natureza do presente trabalho — investigar o pensamento e a obra de
um autor — e a despeito de duas das obras de maior vulto de João de Deus Ramos, os
Jardins-Escolas João de Deus e a agora Escola Superior de Educação João de Deus,
terem sido ampliadas e permanecido activas até aos nossos dias sem qualquer solução
de continuidade, limitaremos o estudo, no essencial, ao intervalo de tempo
compreendido entre a chegada de Ramos a Coimbra enquanto estudante universitário,
nos últimos anos de oitocentos, e a sua morte, ocorrida a 15 de Novembro de 1953. As
referências que possamos fazer fora deste intervalo serão meramente instrumentais,
tendentes a uma melhor contextualização de assuntos ou de factos.
Da pesquisa bibliográfica e documental realizada emerge um quadro de análise
categorial temática que comporta os seguintes temas: Dados Pessoais, Estudante,
Cartilha Maternal, Escolas Móveis, Estatutos e suas Reformas, Jardins-Escolas, Museu
João de Deus, Bairro Escolar do Estoril, Lar Educativo, Curso de Didáctica PréPrimária, Legislação, Acção Política e Pensamento Pedagógico (Bardin, 1977).
Relativamente a cada tema registaram-se transcrições parciais de textos de
periódicos, de revistas, de livros e/ou de outro material, por forma a obter-se um perfil
do homem, do pedagogo e do politico. Procurou-se também fundamentar a reflexão
sobre o seu pensamento e acção pedagógica versus a sua acção política.
Para o tratamento da informação recolhida procedeu-se à análise, esta
qualitativa, dos respectivos conteúdos, evidenciando indicadores conducentes a inferir
sobre as realidades aptas a dar resposta às questões suscitadas.
13
1.6. Estrutura do trabalho
O presente estudo começa por uma Introdução, capítulo onde se alinham as
razões da escolha do tema, se referem os propósitos que nos nortearam e se justifica o
título que elegemos; se apresentam as fontes que pesquisámos e se descreve a
metodologia adoptada. Em seguida desenvolvem-se quatro outros capítulos: no
segundo, o Contexto do Enquadramento Teórico, procurámos estabelecer um quadro de
inserção das linhas gerais de pensamento dos autores cujas afinidades com o tema a
investigar contribuíssem para favorecer a sua melhor compreensão; no terceiro capítulo,
que intitulámos O Filho do Poeta, traçámos um breve esquiço do autor, inventariámos
as obras que escreveu e fizemos referência à Cartilha Maternal e às polémicas que à
roda desta obra se desenvolveram; abordámos a acção das ―Escolas Móveis‖ e a
actividade aqui desenvolvida por João de Deus Ramos; acompanhámos os detractores
desta associação e seguimos-lhe o percurso programático através das sucessivas
reformas dos seus estatutos; fizemos referência aos esforços de Ramos em prol da
divulgação da Cartilha no estrangeiro e seguimo-lo no curto caminho que percorreu na
administração pública e, por último, inventariámos os cargos políticos que
desempenhou. No quarto capítulo, Pensamento e Acção Pedagógica, encontra-se tratada
a matéria que, relativa a João de Deus Ramos, é sugerida pelo próprio título.
O quinto e último capítulo do presente estudo é a Conclusão, seguindo-se-lhe a
Bibliografia e Anexos.
14
2. Capítulo Segundo
Contexto do Enquadramento Teórico
15
2.1. Os Precursores da Escola Nova
Embora a expressão Educação Nova comece a ser utilizada a partir dos finais do
século XIX e se refira a um produto acabado do século XX, tem os seus antecedentes e
precursores em épocas mais remotas, sendo certo que sempre houve, na história da
pedagogia, movimentos inovadores que trataram de reformar a educação existente. No
século XVIII, caracterizado por Luzuriaga (1984) o ―século pedagógico por excelência‖,
encontramos grandes nomes da pedagogia, de entre os quais avulta o de Jean-Jacques
Rousseou (p.149). Nos finais do século XVIII e no princípio do século XIX são de destacar
Itard, Seguin, Pestalozzi e, por fim, Fröbel, pedagogos que ―constituem como que o traço
de união entre a educação moderna e a educação contemporânea‖ (Planchard, 1960, p.
358). As ideias destes pedagogos irão inspirar vários autores no século XX, caracterizado
por Ellen Key ―como o século da criança‖, tanto na pedagogia dita nova como na criação
de novos métodos para o ensino pré-escolar (Suchodolski, 1984, p. 56).
Estes homens protestam contra o ensino livresco e os métodos rígidos e apresentam
novas propostas de orientação pedagógica. Reconhecem a necessidade de conhecer a
criança para a educar e defendem uma educação activa, realista, intuitiva. Opinam que as
matérias devem ser apresentadas de forma atraente para poderem despertar a curiosidade da
criança, e que ―em lugar de se exigir uma adaptação da criança à realidade educativa, é esta
que deve adaptar-se e pôr-se ao serviço da criança real‖ (Rocha, 1988, p. 40).
Cousinet, ao estudar as fontes da Educação Nova, distinguiu nesta três grandes
correntes: uma corrente ―mìstica‖, que atribui a Rousseau; uma corrente ―filosófica‖, da
qual são representantes Standley Hall e Dewey; e uma corrente ―cientìfica‖, fundada na
observação e na psicologia e de que hoje subsistem ainda múltiplos representantes. Das
referidas três correntes, Cousinet destaca a corrente ―mìstica‖, que considera ―a mais forte
das três e a que se encontrará ao longo da história da educação nova‖ (Cousinet, 1976, p.
27).
2.1.1. As ideias pedagógicas de Rousseau
De entre os percursores da Educação Nova, Jean-Jacques Rousseau foi sem dúvida
um dos pensadores que mais influenciaram a nova mentalidade pedagógica. Considera
16
Planchard (1960) que Rousseau é, incontestavelmente, o verdadeiro percursor da Educação
Nova, ―tanto pela sua filosofia naturalista como pelas suas intuições quanto à psicologia
evolutiva, sobre a diferença qualitativa entre o adulto e a criança‖ (p. 358).
Com o Contrato Social Rousseau inspirou a Revolução Francesa e, com Emílio, a
pedagogia moderna. Ao promover uma nova concepção da infância, anunciou uma nova
sociedade e chamou a atenção para a necessidade de uma nova política de educação.
Influenciado pelas ideias de Locke, Rousseau, em Emílio, descreve a educação de um
jovem baseada não no formalismo da sociedade da época, nas tradições sem sentido
ensinadas na escola ou na completa ignorância da infância, mas na verdadeira natureza do
Homem, relatando em pormenor como se operam as mudanças psicológicas que ocorrem
no ser humano, em função dos factores intrínsecos e extrínsecos que determinam o seu
comportamento. Emílio é retirado da família e da escola e isolado da sociedade, sendo
entregue a um preceptor ideal que o cria em contacto com as maravilhas da natureza.
Crítico da sociedade do seu tempo e da concepção antiga da educação, que tinha por
objecto refazer a natureza da criança forçando-a a afeiçoar-se aos moldes tradicionais,
Rousseau recusa a ideia de que a criança é um homem em miniatura e preconiza uma
educação respeitadora do seu natural desenvolvimento psicológico, ensinando que é através
da sua actividade espontânea que se vai construindo o processo da sua formação. Para este
autor, ―a natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens‖. E adianta:
―Se quisermos perverter essa ordem, produziremos frutos temporões, que não estarão
maduros e nem terão sabor, e não tardarão em se corromper; teremos jovens doutores e
velhas crianças‖ (Rousseau, 1999, p. 86).
Rousseau defende que o homem é naturalmente bom e que o dever da educação é
respeitar a sua natureza, ajudar a despertar os seus dons, e evitar agir antes de tempo. O
homem natural não é um ser selvagem, mas um homem governado e dirigido pelas leis da
sua própria natureza. No Contrato Social ensinava que os únicos direitos do homem eram
encontrados nas leis da sua própria natureza e, em Emílio, que a educação deveria ser
guiada por essas mesmas leis (Monroe, 1976).
É o primeiro filósofo a relevar e a respeitar o desenvolvimento do indivíduo desde a
infância até à idade adulta e, pela primeira vez, a educação é defendida com base num
processo de formação progressiva, ou de desenvolvimento. Considera ainda que a educação
é um processo contínuo, que dura toda a vida, sendo esse contínuo processo de crescimento
que permitirá a construção do homem razoável. Essa razoabilidade é um dos principais fins
da educação e anda associada à aprendizagem de pensar, porque o homem não aprende a
17
pensar naturalmente, mas, ―para aprender a pensar, devemos exercitar os nossos membros,
os nossos sentidos, nossos órgãos, que são os instrumentos de nossa inteligência‖
(Rousseau, 1999, p. 141).
Defende que a criança, ao nascer, traz consigo um lote de virtualidades vitais que
importa desenvolver, e diz-nos: ―Viver não é respirar, mas agir; é fazer uso de nossos
órgãos, de nossos sentidos, de nossas faculdades, de todas as partes de nós mesmos que nos
dão o sentimento da nossa existência‖ (Rousseau, 1999, p. 15). Assim, para Rousseau, a
educação não devia ter por objectivo a preparação da criança com vista ao futuro, ou
modelá-la de determinado modo, devia ser a própria vida da criança. Seria preciso ter em
conta a criança, não só porque ela é o objecto da educação mas, primordialmente, porque é
a própria fonte da educação. Na educação de um indivíduo, embora se trate de um processo
contínuo, é preciso ter em consideração que ―cada espìrito tem a sua forma própria,
segundo a qual precisa de ser governado‖ (Rousseau, 1999, p. 92).
Para Rousseau, a infância é uma etapa do desenvolvimento harmonioso da criança e
essencial no processo de construção do adulto. A criança é um ser natural por excelência,
com caracterìsticas especìficas e ―tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhe são
próprias; nada é menos sensato do que querer substituir essas maneiras pelas nossas‖
(Rousseau, 1999, p. 86).
A educação não é mais um processo anti-natural e repressivo de todas as inclinações
naturais através do qual a criança, como homem pequeno, se transforma num grande nas
mãos do educador. Ao invés, dando liberdade às suas forças naturais, respeitando o ritmo
da sua aprendizagem, a educação transforma-se num processo de vida agradável, racional,
harmoniosamente equilibrado e útil e, portanto, natural.
Trata-se, então, de facilitar os esforços da criança, de lhe despertar a curiosidade, de
lhe apresentar as noções de uma forma atraente. A educação toma, assim, um aspecto novo:
em lugar de se submeter a educação da criança às normas educativas, são estas normas que
hão-de modificar-se em função da criança.
Das matérias, dos conhecimentos, das ideias a ensinar, Rousseau leva o educador a
concentrar o seu esforço e a sua atenção sobre a criança. Deixou de ser o autor da educação
para assumir o papel de testemunha e protector. É a partir do desenvolvimento concreto da
criança, das suas necessidades e dos seus impulsos, dos seus sentimentos e dos seus
pensamentos, que se forma o que ela há-de vir a ser, graças ao auxílio do educador.
Também segundo Rousseau, é na infância que a educação deverá ser um largo treino
dos sentidos, obtido pelo contacto íntimo com os fenómenos da natureza, porque quando a
18
criança aprende a utilizar os dados sensoriais começa a ser capaz de condutas humanas
informadas pela razão. Defende que ―a primeira razão do homem é uma razão sensitiva; é
ela que serve de base para a razão intelectual‖ (Rousseau, 1999, p. 141).
A infância deve ser sinónimo de ociosidade, jogo e brincadeira. Toda a educação da
criança deve surgir do desenvolvimento livre da sua própria natureza, das suas próprias
potencialidades, das suas inclinações naturais. A criança, ao crescer num ambiente de
liberdade e ao ter oportunidade de exercitar os sentidos, facilmente atingirá a idade em que
começa a fazer uso da razão. Diz-nos Rousseau (1999): ―Quanto mais o seu corpo se
exercita, mais o seu espírito se ilumina; sua força e sua razão crescem juntas e se ampliam
uma à outra‖ (p. 130).
Nesta fase não são necessárias lições nem castigos, é apenas necessário que a criança
disponha de um ambiente protegido e de liberdade regulada; que aprenda com as
consequências dos seus actos. Diz-nos a este propósito: ‖não deis a vosso aluno nenhum
tipo de lição verbal. Ele deve receber lições somente da experiência; não lhes ordeneis
nenhum tipo de castigo, pois ele não sabe o que é ser culpado‖ (Rousseau, 1999, p. 89).
Em Emílio, Rousseau exprime mais nitidamente a necessidade de se fundar um
ensino sobre o interesse e sobre a acção. A criança só se interessa por aquilo que está ao
alcance dos seus sentidos. Defende a aprendizagem pela própria experiência, insistindo em
que a educação deve ser activa, que há-de realizar-se num ambiente de liberdade e deve
ensinar a viver; que há-de ter em atenção tanto o aspecto físico como o moral e intelectual
e, nela, a vida afectiva tem de ocupar um lugar muito importante. A educação deve ser
pois, integral, total, humana.
Ao condenar os métodos tradicionais de então, Rousseau dá-nos os conceitos de
―educação positiva‖ e de ―educação negativa‖. Enquanto esta tende a formar
prematuramente o espírito da criança, abrindo-lhe a mente aos vícios da sociedade e
procura fazer dela um homem antes do tempo, aquela não ensina a verdade mas previne os
erros, não transmite a virtude mas evita os vícios. E diz:
Se ela se enganar, deixai-a estar, não corrijais os seus erros; aguardai em silêncio que
ela esteja em condições de enxergá-los e de corrigi-los por si mesma, ou, no máximo,
numa ocasião favorável, empreendei alguma operação que faça com que ela os
perceba Se nunca se enganasse, não aprenderia tão bem (Rousseau, 1999, p. 211).
Rousseau, ao considerar a natureza, os instintos, as tendências e as capacidades
inatas do ser humano, em oposição às adquiridas através da convivência social, ao relevar
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que a educação pode conciliar-se com o prazer, com a natureza, com a alegria e com a
liberdade e, por outro lado, ao traçar o quadro de uma educação e de uma escola capazes de
formar o cidadão livre, respeitador da igualdade entre as pessoas, é considerado um
precursor dos movimentos progressistas e reformadores da educação, que influenciou
praticamente todos os modelos pedagógicos contemporâneos. Embora, segundo Luzuriaga
(1944) faltem em Rousseau ―as ideias da colectividade e de integração‖, faltando-lhe
também ―a visão da realidade educativa‖ (p. 17).
Estas são as bases do desenvolvimento mais importante e mais fecundo de toda a
história da educação, que haveriam de suportar a ideia fundadora de que a educação é um
processo natural. Pode dizer-se, assim, que as doutrinas de Rousseau foram a matriz da
Educação Nova, que veio a impor-se no século XIX e deu um claro impulso à formação das
concepções psicológica, sociológica e cientifica da educação.
As doutrinas de Rousseau exerceram grande influência no pensamento pedagógico
de Pestalozzi e de Fröbel, cujos trabalhos estão na génese das ideias educacionais modernas
em geral e, em particular, na educação pré-escolar. Irão servir de referência à maior parte
das reflexões e trabalhos pedagógicos do século XIX e do princípio do século XX em
Portugal. Num certo sentido pode dizer-se que, em relação ao saber pedagógico, eles vão
assegurar a passagem dum ―saber revelado para um saber cientìfico‖ (Nóvoa, 1987, p.
747).
2.1.2. Pestalozzi, o ―Pai da Escola do Povo‖
Pestalozzi, influenciado pelo movimento naturalista, especialmente pelo Émile,
torna-se um revolucionário, como revolucionários foram todos os humanistas de então.
Este pedagogo suíço-alemão resolve pôr em prática as ideias de Rousseau e dedica-se à
educação de seu filho, onde notou muitas das deficiências e também muitos dos méritos da
educação descrita em Émile. Em resultado da sua experiência escreve a obra intitulada
Diário de um Pai, ―um dos primeiros exemplos do estudo da criança‖ (Monroe, 1976, p.
280).
Segundo Luzuriaga (1944), em Pestalozzi aparecem iniciadas ou desenvolvidas
grande parte das ideias da Educação Nova, particularmente na ―concepção da unidade vital
da criança, na sua visão social de educação, na sua fundamentação da escola pública, nas
suas realizações activistas e sobretudo nos seu amor infinito pelas crianças‖ (p. 17).
20
Preocupado com os problemas sociais da época e perturbado pela degradação física
e moral das crianças que via errar pelas ruas, a mendigar e a roubar, e não podendo aceitar
que os valores que notava nesses desprotegidos se pudessem perder para sempre,
preocupou-se em melhorar a situação dessas crianças, a que se entregou inteiramente.
Segundo Pestalozzi, ―reconhecer, manter e promover em cada ser a dignidade da pessoa é o
princìpio em que reside toda a educação da humanidade‖ (citado em Meylan, s/d, p. 234).
Persiste, e a todos pretende convencer, em considerar que a transformação política e
social depende de uma profunda renovação pedagógica — o ensino associado ao trabalho e
uma educação para todos e não só para alguns. Nesta época eram raras as escolas para o
povo, e estas serviam apenas para ensinar a leitura, a escrita e o catecismo. Pestalozzi foi
quem primeiro fez notar a insuficiência destas escolas. Dizia ele que ―faltava o essencial:
faltavam escolas para formar homens‖ (citado em Ramos, 1916, p. 4).
Propõe-se reeducar crianças desprotegidas, transmitindo-lhes a essência do saber e
da cultura e ensinando-lhes um ofício que lhes permitisse ganhar a vida. No Instituto de
Neuhof, as crianças trabalhavam ao mesmo tempo que se educavam e aquele tornou-se,
assim, ―uma verdadeira escola activa ou do trabalho‖ (Luzuriaga, 1984, p. 174).
Criando um novo significado para o vocábulo Educação, Pestalozzi torna positivos
e concretos os princípios educativos negativos enunciados por Rousseau. Realiza as ideias
activas de Rousseau ao fazer as crianças trabalharem no campo, na oficina e noutras
ocupações, mas também as ocupa com a leitura, a memorização de trechos e a realização de
exercícios de matemática. A intenção de Pestalozzi foi desde logo reunir estes dois
predicados, ―a cultura literária e a preparação para um ofìcio‖ (Ramos, 1916, p. 5).
No livro Como Gertrudes Instrui os Seus Filhos, expõe um método de ―ensino
elementar‖ onde explica as suas ideias sobre a educação, ―os primeiros elementos do saber,
de maneira natural e intuitiva‖ (Abbagnano, Visalberghi, 1982, p. 592); acentua uma nova
finalidade da educação e formula um método inovador, baseado em novos princípios e
confere à escola um espírito inteiramente novo. Segundo Pestalozzi, a ideia do ensino
elementar ―deve consequentemente ser encarada como a ideia do desenvolvimento e do
cultivo das faculdades e tendências do coração, do espírito e do poder do homem, de
acordo com a natureza‖ (Meylan, s/d, p. 240).
Para Monroe (1976), Pestalozzi foi o primeiro pedagogo que tornou claro que o
problema da educação ―devia ser considerado do ponto de vista do desenvolvimento do
espìrito da criança‖ e quem dirigiu aquela que foi ―a primeira escola profissional para
pobres‖ (pp. 279-280).
21
Partindo da sua prática, começa a desenvolver princípios de ordem teórica. Para
Pestalozzi, ―a vida é que ensina‖ e esta formação é um processo psicológico e não
mecânico (Meylan, s/d, p. 235). Ao definir esta nova concepção, Pestalozzi começou como
Rousseau, pelo confronto entre as práticas educativas em voga e o desenvolvimento natural
da criança. Baseando-se na sua experiência pessoal, defendeu a necessidade da
fundamentação da educação e do ensino através da psicologia. Pestalozzi ―queria não só
psicologizar a educação, como ainda mecanizá-la‖ (Patrìcio, 1986, p. 24).
Defende que a educação deveria começar desde tenra idade e, ao considerar a
educação materna como ―a primeira e a mais necessária de todas as educações‖, pretende
impor às mães o dever de educar, o que faz na sua obra O Livro das Mães, onde desenvolve
uma concepção pedagógica de educação das faculdades das crianças em idade pré-escolar
(Cousinet, 1976, p. 41). Assinala que o papel da mãe é fundamental para a educação da
criança e considera a família como o ponto de partida de toda a educação. Segundo ele, na
família predominam o amor e o trabalho em comum — a base de toda a educação.
Para Pestalozzi, não é possível qualquer educação intelectual e artesanal se primeiro
não tiverem sido educados os sentimentos e as disposições práticas em geral. O amor e a
confiança necessitam de tanto ou mais cultivo do que a inteligência e o juízo. Diz-nos o
pedagogo que ―se, no despertar da vida sensorial da criança, se pode notar que os olhos
querem ver, que os ouvidos querem ouvir, que os pés querem andar e as mãos agarrar, não
esqueçamos que o seu coração quer crer e amar‖ (citado em Santos, 1946, p. 12).
Opina que a moralidade, os sentimentos morais de amor, de confiança, de
reconhecimento e de obediência nascem em casa e resultam da evolução dos primeiros
sentimentos de amor, das primeiras relações do bebé com a mãe. Entre o amor dos pais e a
fé religiosa existe uma plena continuidade, sendo a educação ético-religiosa da criança uma
responsabilidade dos pais. Reconhece o valor da educação religiosa, sem carácter
dogmático e confessional e a sua religiosidade é, antes de tudo, o amor. A educação
religiosa ―baseia-se no amor materno e daì se eleva à crença e ao amor cristão‖ (Luzuriaga,
1984, p. 178).
Fundava a moral na intuição e na experiência e, por vários processos, cultivava os
sentimentos de caridade, de fraternidade e de solidariedade. Defendia que compete às mães
dar as primeiras noções, cultivando os sentimentos de afeição, reconhecimento e confiança,
mas que a escola deve continuar a obra das mães e ser uma imagem da família; e que os
professores, intimamente ligados às famílias dos alunos, fossem os segundos pais.
22
Pestalozzi concebia a educação escolar como um complemento da educação
familiar e como um meio de preparação para a educação pela vida e a escola era para ele
um lar onde se buscavam os mesmos fins: o desenvolvimento moral e intelectual e o bemestar da criança.
O pensamento essencial do seu método assentava na aprendizagem por meio de um
processo de observação ou impressão dos sentidos, aquilo que ele denominava intuição.
Embora acentuasse a importância dos valores sentimentais na educação, Pestalozzi
considerou sempre como valor fundamental a clareza do conhecimento fundada na
experiência, isto é, numa afectiva intuição das coisas. O método deve ser intuitivo, porque
todos os conhecimentos devem derivar da intuição. A intuição era, para Pestalozzi, ―o
fundamento próprio e verdadeiro da instrução, porque é o único fundamento do
conhecimento‖ (citado em Santos, 1946, p. 10).
Para o pedagogo, a educação depende do desenvolvimento das faculdades que
germinam dentro duma personalidade ainda indefinida e que é levada a agir pelos instintos,
sendo necessário que o ―instinto se converta em ciência‖ (citado em Soëtard, 1999, p. 39).
Testemunhou que, instintivamente, a mãe dá ao filho um ensino intuitivo. Tal como
Rousseau, defende que a intuição da natureza é o fundamento próprio e verdadeiro da
instrução mas enquanto que para este a natureza é a mestra que tudo pode ensinar ao
homem, Pestalozzi não lhe reconhece um tão absoluto poder.
Para Pestalozzi, a intuição começa desde o nascimento e compõe-se de três
elementos. O primeiro é o ―som‖; a criança apercebe-se dos sons desde o berço e deve
conhecer todos os sons antes de saber falar. Após o domínio da fala, segue-se o estudo das
palavras e, depois, o estudo da língua. A leitura, subordinava-a a exercícios orais. Para o
ensino da leitura empregava letras móveis, colocadas num cartão. ―Cada cartão com uma
letra do alfabeto era uma unidade‖ e, aproximadas umas às outras, formavam todas as
espécies de sílabas (citado em Ramos, 1916, p. 11). A soletração era ritmada. O segundo
elemento é a ―forma‖, o desenho; as crianças traçavam linhas, arcos e ângulos, para mais
tarde desenharem as letras. O terceiro elemento é o ―número‖. Para o ensino elementar do
número Pestalozzi considerava ―a unidade como elemento inicial do cálculo e base da arte
da intuição, para todas as transformações numéricas . . . toda a aritmética se reduz à adição
e à subtracção das unidades‖ (citado em Ramos, 1916, p. 11). O estudo da aritmética era
experimental e realizava-se por meios concretos.
A essência do seu método era a ―lição de coisas‖, uma lição objectiva e vivenciada
directamente com a natureza, que era usada como base para o completo desenvolvimento
23
intelectual da criança. Para ele, a observação, a percepção sensorial, é a base do saber; a
instrução deve então começar pela experiência imediata da criança, pelas ―lição de coisas‖,
e depois ligar-se à linguagem. Também a experiência, os factos concretos e o exercício
prático dos bons costumes e das virtudes serão a base da moral.
Pestalozzi atribuiu grande importância aos trabalhos manuais. A criança, ao manejar
a matéria e ao transformá-la em objectos úteis e agradáveis, exerce a atenção, desenvolve o
interesse, a imaginação, a reflexão, o sentido estético e ainda as faculdades psicológicas em
geral. Sob o aspecto moral e social, os trabalhos manuais desenvolvem na criança a
sinceridade, a confiança em si mesma e o sentido da solidariedade, para além de actuarem
sobre a formação do carácter. Valorizou de igual modo o desenho, afirmando que ―o
carácter individual e próprio da criança se exprime sobretudo no desenho‖ (Ferriére, 1934,
p. 50).
Pestalozzi preconizava uma pedagogia onde o acompanhamento do aluno era
progressivo, com a criança permanentemente colocada numa situação de acção, de
iniciativa. Além disso, procurava estabelecer uma íntima conjugação entre actividades
manuais e intelectuais, permitindo à criança observar, indagar, recolher material e
experimentar. Considerava a música e o canto excelentes auxiliares no ensino da moral e da
estética e dava a maior importância à ginástica.
Para Ferriére (1934), Pestalozzi ―foi um génio intuitivo e um percursor da escola do
futuro‖ (p. 19); para Luzuriaga (1985), foi ―a figura mais nobre da educação e da
pedagogia, o criador da escola do povo‖ (p.173); para João de Deus Ramos (1916), ele foi
―o primeiro e o maior de todos os construtores da escola popular‖ (p. 1).
Pestalozzi exerceu sobre a educação do seu tempo uma extraordinária influência e
foi, sem contestação possível, o criador da escola nova, o promotor da pedagogia moderna.
A sua obra influenciou a pedagogia na Alemanha, na França, na Inglaterra e, mesmo, nos
Estados Unidos. Mais tarde, os teóricos educacionais, especialmente Herbart e Fröbel,
deram a todo o trabalho de Pestalozzi uma penetração filosófica mais profunda e
construíram sobre a sua obra uma estrutura mais estável e mais extensa do que aquela que o
reformador suíço foi capaz de realizar.
24
2.1.3. Fröbel, o criador dos jardins-de-infância
Como Gertrudes Educa os Seus Filhos e o Livro das Mães, de Pestalozzi, terão
exercido uma influência determinante em Fröbel e servido de orientação essencial à sua
obra educativa. Com a intenção de estudar melhor o método pestalozziano este pedagogo
alemão parte para Yvernon, onde foi discípulo de Pestalozzi e, dois anos depois, regressa a
Frankurt, após ―uma completa rotura com Pestalozzi‖ (Abbagnano, Visalberghi, 1982, p.
606).
Daquela experiência nasceu a ideia de se devotar à reforma educacional, para a qual
se preparou completando o curso universitário. Em Keilhau, dedica-se à educação de
crianças e funda o Instituto Geral Alemão de Educação, uma escola-internato com
orientação humanística, onde instrução e educação se completavam. Esta foi uma obra
―muito mais substancial do que a obra análoga de Pestalozzi, porque era sustentada por um
conhecimento filosófico muito mais extenso e pela maior habilidade prática dos seus
auxiliares‖ (Monroe, 1976, p. 299).
Perseguido por causa das suas ideias liberais refugia-se na Suíça, onde funda outros
institutos e onde se ―ocupou de cursos de aperfeiçoamento para professores‖ (Patrìcio,
1986, p. 25). Dirige ainda um orfanato no Castelo de Burgdof, precisamente o mesmo onde
Pestalozzi havia realizado as suas experiências educativas. Regressa à Alemanha e, em
Blankenburgo, cria o Instituto para o Ensino Intuitivo com Finalidade de Auto-Instrução,
que mais tarde veio a denominar-se Instituto para a Educação do Impulso Activo das
Crianças. Não se tratava de uma escola; era antes uma quinta, onde Fröbel estudava e
produzia o seu material didáctico, ou ―autodidáctico‖, que concebera para a educação das
crianças pequenas. Neste Instituto, o pedagogo reunia ―crianças para experimentar o
material e mostrar a outros o seu uso‖ (Abbagnano, Visalberghi, 1982, p. 608). Chegou a
editar um jornal para dar a conhecer o seu novo material, para além de proferir
conferências demonstrativas.
É também em Blankenburgo que o pedagogo cria uma Instituição para os
Pequeninos, mais tarde denominada Kindergarten (jardim-de-infância), que lhe deu fama
universal. O objectivo de Fröbel era criar uma instituição pedagógica intermédia entre a
educação familiar e a educação escolar, onde pudesse aplicar o seu método, baseado este na
criatividade e na educação pelo jogo.
25
Fröbel defendia que a melhor educadora para as crianças deveria ser a mãe de
família e que era indispensável que esta tivesse uma formação específica. Para ele, o papel
de educadora era explicitamente para as mulheres e, inicialmente, preleccionou em cursos
destinados a mães.
Aquando da criação do primeiro Kindergarten o lugar para educadora foi dirigido
explicitamente a ―todas as mulheres e a todas as jovens raparigas alemãs‖ (citado em
Budde, 1999 p. 47). Mais tarde, quer profissionalizar a função de ―Educadora Fröbel‖ e
abre em Marienthal o Instituto da Unificação Integral da Vida mediante a Formação
Evolutivo-Educativa do Homem, sendo este ―a primeira escola de mestres de Jardins-deInfância‖, com o objectivo de formar educadoras aptas a prestar às crianças cuidados
educativos e pedagógicos (Patrício, 1986, p. 26).
Na continuidade de Rousseau e de Pestalozzi, Fröbel reclama uma concepção
romântica da criança, boa por natureza. As práticas educativas deviam ser elaboradas com
sensatez e precaução, para se adaptarem à especificidade da criança. Defende ainda que a
educação é o processo em que o indivíduo desenvolve a condição humana da sua
consciência em harmonia com a natureza e a sociedade, implicada num desenvolvimento
de evolução individual e universal. Assim, para Fröbel, a educação tem que se adaptar às
fases de desenvolvimento do indivìduo, reconhecer o valor de cada uma e ―particularmente
da infância, período em que o indivíduo inicia a verdadeira aprendizagem da sua
existência‖ (Luzuriaga, 1984, p. 201).
As ideias de Fröbel reflectiam a sua fé na unidade do indivíduo, de Deus e da
natureza, sendo importante para a criança chegar ao entendimento deste conceito de
unidade. Acreditava que a mesma unidade devia ser encontrada no mundo e que ela ―se
tornava para a criança um sìmbolo de toda a unidade superior de pensamento e vida‖
(Monroe, 1976, p. 301). A base do seu método é encontrada na evolução das actividades da
natureza infantil. A criança aprende fazendo e, através da acção, a aprendizagem é o
resultado da sua vida activa.
Em Fröbel encontram-se muitas das ideias de Pestalozzi aplicadas ao
desenvolvimento das crianças antes da idade escolar. À concepção do que Pestalozzi
chamava intuição, com aproveitamento e organização da experiência por actividades
coordenadas, Fröbel juntou a compreensão do papel educativo do brinquedo ou das
actividades lúdicas. Diz-nos Fröbel que ―o jogo é o mais puro e espiritual produto da
primeira fase de crescimento . . . o jogo produz consequentemente alegria, liberdade,
satisfação‖ (citado em Heiland, 1999, p. 47). A descoberta do jogo como uma modalidade
26
própria da criança, de apropriação e tomada de posse do mundo, conduziu Fröebel a
privilegiar uma ―cultura do jogo‖ (Budde, 1999 p. 48).
Fröbel é, assim, o primeiro pedagogo a reconhecer toda a importância educativa do
jogo, imaginando até vários tipos de materiais utilizáveis para os jogos educativos.
Concebeu materiais a que chamou ―dons‖ e ―ocupações‖, que representam simbolicamente
estas ideias. A grande vantagem que há a evidenciar nos ―dons‖ é a possibilidade que
davam à criança de cumprir a ―lei do desenvolvimento esférico‖, ―do desenvolvimento
interior para o exterior, por meio da corporização livre da sua actividade‖ (Patrício, 1986,
p. 27).
Para Fröbel, brincar é uma actividade espontânea e torna-se a base do processo
educativo desde o nascimento. Segundo o mesmo autor, a criança, desde os seus primeiros
dias de vida, deseja ―ardentemente qualquer coisa com que possa realizar todas as
expressões dos seus impulsos vitais, da sua unidade de vida‖. Assim, o primeiro brinquedo
ou objecto que ocupará mais a criança ―será o seu próprio corpo, primeiro e sobretudo a sua
própria mão, os seus dedos, o seu punho‖ (citado em Heiland, 1999, p. 52).
Defende que toda a actividade de desenvolvimento da criança deve ter por base o
jogo e considera que este, na primeira infância, ―não é um divertimento, é muito sério e tem
um significado profundo‖, sendo responsável por ―pequenos crescimentos de toda a vida
futura‖ (citado em Heiland, 1999, p. 47). A finalidade natural do jogo é o trabalho e a autoactividade, o método pelo qual se processa o desenvolvimento, sendo o trabalho uma
imitação da actividade. Para Fröbel há um duplo fundamento, ―um duplo motivo interior e
exterior para que o homem desde que nasce comece a desenvolver-se, aprenda quanto antes
a trabalhar, a produzir e a manifestar a sua actividade em obras exteriores. Assim o exige . .
. a natureza humana‖ (citado em Luzuriaga, 1944, p. 32). Só dá alegria o trabalho que
satisfaz a actividade humana e, para Fröbel, ―a finalidade do trabalho não está na produção
de coisas úteis, mas no desenvolvimento do homem‖ (Patrìcio, 1986, p. 27).
O trabalho tinha a virtualidade de revelar as tendências e impulsos interiores de
quem o desenvolvesse; era a finalidade natural do jogo e a auto-actividade era o método
pelo qual se processava o desenvolvimento. A auto-actividade é a actividade determinada
pelos motivos de cada um, que nasce dos próprios interesses e é sustentada pelo próprio
poder. Só ela pode ―produzir a evolução do espìrito, só ela pode assegurar aquilo que se
considera o alvo da educação . . . por isso tais actividades são livres e ao mesmo tempo se
verificam conforme a lei, as leis da natureza de cada um‖ (Monroe, 1976, p. 305). Na
escola, a auto-actividade significa o desejo da criança entrar na vida dos outros e na vida
27
que a rodeia, o desejo de auxiliar, de verificar, de descobrir, de participar nas actividades
comuns, de criar, de descobrir a identidade ou conexão entre si mesma e as actividades e
processos dos outros, descoberta que constitui o conhecimento.
Segundo Fröbel, a liberdade e o amor são também, a par da actividade, peças
importantes no desenvolvimento do indivìduo. ―Na boa educação, no ensino adequado, na
verdadeira doutrina, a necessidade leva à liberdade; a lei, à própria determinação; a
coacção, à vontade livre; o ódio exterior, ao amor interior‖ (citado em Luzuriaga, 1984, p.
202). A ideia da liberdade completava o trabalho. Esta actividade livre que é a conquista da
liberdade e do conhecimento é, para Fröbel, um jogo.
Os variadíssimos jogos imaginados por Fröebel eram ao mesmo tempo brinquedos e
instrumentos de trabalho, onde se incluíam, como vem dito, os ―dons‖ e as ―ocupações‖.
Os ―dons‖ são um material didáctico em madeira constituídos por uma bola, um o cubo e
um cilindro. A bola, o cubo e o cilindro, exercitam os sentidos e os músculos e dão ideia
das formas e propriedades da matéria. Todos estes materiais se destinavam a fazer
construções específicas, tratando-se de ―um material que permite à criança fazer extrinsecar
a sua actividade livremente‖ (Abbagnano, Visalberghi, 1982, p. 612). Com as construções,
a criança desenvolve a delicadeza dos movimentos e o sentido de ordem e de arrumação e,
―sob a condução e a ajuda da mãe, a jovem criança ia poder, pela prática e pela intuição,
descobrir o mundo nas suas dimensões concretas, matemáticas e estéticas‖ (Budde, 1999 p.
48).
As ―ocupações‖ são trabalhos manuais que satisfazem a actividade das crianças
porque são um jogo. Nas ―ocupações‖ incluíam-se entrelaçamentos de fitas, picotagem,
dobragem, recorte, colagem, enfiamento de contas, modelagem, tecelagem, trabalhos de
agulhas, etc. Tal como nos ―dons‖, as crianças deviam seguir as instruções especìficas da
educadora durante o exercício destas actividades, cuja finalidade era criar destreza manual,
habituar a criança a concentrar-se no trabalho e contribuir para o desenvolvimento
sensorial, sobretudo dos sentidos táctil e visual. Todas estas modalidades contribuíam para
o domínio da mão e desenvolviam a imaginação e o sentido de observação (Monroe, 1976).
A utilização de todas as formas de trabalho construtivo era análoga ao uso do
brinquedo. Representava a mesma espontaneidade do brinquedo e era um processo
construtivo e concreto de tornar real o processo de instrução, pois ―cada actividade era,
apenas, a expressão de alguma ideia ou propósito adquirido por meio da instrução‖
(Monroe, 1976, p. 307).
28
Os jogos ao ar livre, nomeadamente as marchas, as rodas e as canções, satisfazem
nas crianças a necessidade de movimento, habituam-nas a uma actividade de grupo, com
todas as suas regras, e levam-nas a conjugar as palavras, os movimentos e a música Os
jogos ao ar livre representam qualquer cena da vida quotidiana: trabalhos no campo, o voo
de uma ave, o comboio, etc., e são dirigidos pela educadora. As histórias, as poesias e os
contos de fadas, tanto do agrado das crianças, são um meio para incutir certos princípios
morais (Wolff, 1905, Novembro, Dezembro).
Para Fröbel, a escola tem uma função social e uma função individual e nela há-de
reinar a actividade e a liberdade, sendo o lugar onde a criança deve aprender as coisas
importantes da vida, os elementos essenciais da verdade, da justiça, da responsabilidade, da
iniciativa, das relações causais e outras semelhantes, não estudando mas vivendo-as. De
acordo com a ideia fundamental de unidade, a escola deve ser uma instituição onde a
criança descobrirá a sua própria individualidade, realizando a sua personalidade e
desenvolvendo o seu poder de iniciativa e de execução. A instrução não é por muito mais
tempo sinónimo de educação, nem mesmo de trabalho escolar. Torna-se o termo médio de
um processo que começa nas actividades espontâneas e interesses inatos da criança e
termina em algum uso criador ou expressão tangível do conhecimento conferido pela
instrução. Para Fröbel, ― não há antagonismos entre a escola e a vida‖ (Luzuriaga, 1984, p.
202).
Para este educador também era importante que nos espaços exteriores do jardim-deinfância houvesse um canteiro para cada criança, onde esta pudesse cultivar flores,
vegetais, frutos etc.. Nos seus trabalhos agrícolas as crianças desenvolviam o sentido da
responsabilidade, da solidariedade, do auxilio mútuo, do amor ao trabalho e, também, o
amor pela natureza. Além da aprendizagem da vida social, através da jardinagem as
crianças tinham uma série de ―lições de coisas‖ sobre a natureza. O mais importante era
para Fröbel o aperfeiçoamento moral, religioso e espiritual que a criança obtinha no
contacto com a natureza. A natureza ocupava um lugar instrutivo, permitindo actividades
variadas. Para Fröbel, nos seus ―Kindergarten‖ as crianças deveriam ter uma educação de
acordo com as leis universais de desenvolvimento, ―a exemplo das plantas no jardim; uma
educação na qual as crianças se assemelham às plantas frágeis e os educadores aos
jardineiros atentos‖ (citado em Heiland, 1999, p. 60).
Para o pedagogo, o indivíduo só se torna alguém depois de saber ler e escrever, mas
estas aprendizagens só devem ocorrer quando a criança tiver plena consciência de si
própria, ou seja, ―deve sentir alguma coisa antes que pretenda ser alguma coisa que não
29
conheça. Sem isto, os seus conhecimentos são vazios, ocos, estranhos, ilusórios,
mecânicos‖ (Wolff, 1905, Novembro Dezembro, p. 182).
Um dos pontos comuns em Pestalozzi e Fröbel é que ambos encaram a educação
como uma tarefa que não pode realizar-se de fora para dentro. Não seriam as impressões
externas que concorreriam por si mesmas para o desenvolvimento esperado, mas as
actividades que as próprias crianças exercessem, sentindo-se atraídas por elas. Dito de
outra maneira, ao invés de considerar o educando como um ser moldável por impressões
externas, ambos passam a vê-lo como um ser activo sujeito a um contínuo processo de
desenvolvimento.
O genial criador dos jardins-de-infância é, ao mesmo tempo que um clássico da
educação, um percursor da Educação Nova. Fröbel entendeu como poucos o valor da
primeira infância para a vida, acentuou a significação da actividade livre e criadora da
criança, revelou o papel decisivo da vida sensorial e orgânica da primeira educação, criou
os sistemas dos ―dons‖ e das ―ocupações ―, valiosos, ainda que talvez demasiado
esquemáticos e simbólicos, e reconheceu o valor da educação estética e emotiva. Fröbel
não escreveu uma obra sistemática sobre o seu jardim-de-infância, mas os princípios que
lhe subjazem estão de acordo com o pensamento educacional mais recente.
30
2.2. A Educação Nova
A Educação Nova emergiu, assim, de um espesso e riquíssimo caldo de cultura,
tendo como matriz a importante produção científica e pedagógica da viragem do século
XIX para o século XX. A consolidação da psicologia e da sociologia enquanto ciências
de pleno direito, por um lado, e, por outro, a imposição de um discurso científico mais
apurado em todas as ciências, quer as tradicionais, como a química a física ou a
biologia, quer as então novíssimas ciências humanas, contribuíram decisivamente para a
eclosão de novas concepções pedagógicas e de diferentes modelos educativos na
educação infantil. Centrando a sua acção educativa na psicologia da criança, a Educação
Nova conduzirá ao surgimento da pedologia e à ―constituição de uma pedotecnia
cientìfica‖ (Gomes, 1996. p. 192).
No seio da Educação Nova surgiram as mais diversas correntes políticas e
cientìficas, desde os ―anarquistas revolucionários‖ aos ―cristãos conservadores‖, desde
os ―institucionistas‖ aos ―experimentalistas‖ (Nóvoa, 1990, p.78). Ensina António
Nóvoa que as diferentes correntes da Educação Nova tiveram as seguintes duas
virtualidades: uma, a de fundar as ciências da educação e de impor a pedagogia como
ciência, ou seja, a de a fazer passar pelo crivo apertado e decisivo do trinómio hipóteseexperimentação-lei; outra, a de organizar um conjunto de referências que, a um tempo
culturais e científicas, haviam de constituir o cerne das preocupações dos professores, a
matriz nuclear do seu discurso enquanto oficiais do mesmo ofício e, mais do que isso,
haviam de desempenhar um papel preponderante na definição do que era (do que é) ser
professor. A Educação Nova foi ainda o veìculo privilegiado de uma série de ―saberes‖
e de ―saberes-fazer‖ (Nóvoa, 1995, p. 23) ―relativos à criança que possibilitaram a
aplicação de um conjunto de normas e valores aos quais os professores e educadores
não podem deixar de aderir‖ (Nóvoa, 1987, p. 730).
Três factores influíram decisivamente na criação das Escolas Novas: o primeiro
deles foi a assunção, pelo Estado, de um papel mais activo e concertado na função
educativa, ao mesmo tempo que instituía e multiplicava as escolas de massas; o segundo
teve a ver com os próprios professores, ao afirmarem-se como classe profissional,
associando-se para melhor defenderem os seus interesses comuns e proverem à sua
própria especialização; como último daqueles factores é apontado o esforço conjunto
31
que então se verificou no sentido de fazer da pedagogia uma ciência de pleno direito no
quadro mais alargado das ciências sociais e humanas (Nóvoa, 1995).
A Educação Nova nasce com o desígnio de fazer contra-vapor a uma educação
rìgida e de pendor punitivo, servida por uma pedagogia ―antinatural‖, tanto de um ponto
de vista psicológico como no plano físico, sobretudo neste, por recurso a
métodos de aculturação com o fim de procederem à domesticação do ser humano, e
em particular das crianças oriundas dos meios populares, vistas pelo pensamento
dominante como ―selvagens‖ a civilizar e a integrar numa ordem nova, a da
sociedade capitalista democrática industrialista burguesa (Candeias, 1995b, p. 14).
Ferrière tentara em 1889 aglutinar os pioneiros desta nova corrente pedagógica
onde quer que estivessem, ao criar em Genebra o Bureau International des Écoles
Nouvelles, instituição que em 1912 reivindicava como missão ―estabelecer relações de
auxílio mútuo científico entre as diferentes Escolas Novas, centralizar os documentos
que lhes respeitam, valorizar as experiências psicológicas feitas nesses laboratórios de
pedagogia de futuro‖ (Lima, s/d, p. 186). Em 1921, aquele Bureau veio a integrar a
Ligue International Pour l´Éducation Nouvelle.
O objectivo nuclear desta Liga Internacional das Escolas Novas era introduzir
em cada escola os seus métodos pedagógicos, o seu ideário e os seus princípios. Este
escopo havia de realizar-se, por um lado, através de uma aproximação cada vez mais
estreita entre os professores dos diversos graus de ensino e, por outro, por uma
cooperação também ela estreita entre pais e educadores. Enquanto cimento desta acção,
centrada na prática de cada dia, era ainda proposta a realização de um congresso bienal
de âmbito internacional e a publicação de revistas — de entre as quais se destacou A
Era Nova — que estabelecesse um laço entre os educadores de todos os países que
aderissem aos seus princípios e visassem objectivos idênticos aos seus (Lima, s.d). Na
opinião de Ferrière, (s.d) as Escolas Novas não deviam ser tidas como modelos das
escolas do futuro mas antes entendidas como laboratórios vivos de uma pedagogia
diariamente praticada. Também não deviam ser a cópia exacta umas das outras mas, ao
invés, reflectir as peculiaridades dos seus próprios países, ainda que retendo um certo
número de pontos em comum no propósito de satisfazer as necessidades fisiológicas e
psicológicas próprias da criança, de todas as crianças, preparando-as para viver o tempo
presente e, em especial, o futuro que as esperava. Chamo educação nova — diz-nos
Ferrière,
32
A um movimento pedagógico contemporâneo, que só é novo porque se adapta às
necessidades da sociedade de hoje. Não é teórico mas prático. Afirmou-se tanto na
Europa como na América . . . que, rompendo com a rotina escolar, tendem a tornar a
instrução e a educação, ao mesmo tempo, mais psicológicas e mais sociais‖ (citado
em Lemos, 1930, p. 3).
Efectivamente, a Escola Nova não é um repositório lógico de teorias
pedagógicas, antes se revelando um aglomerado de tendências psicológicas e sociais,
não raro em oposição umas com as outras, mas todas com uma imensa virtualidade: a de
mudar a escola.
2.2.1. A diversidade dos métodos da Educação Nova
Trazendo nos genes o respeito pelas exigências fundamentais da natureza da
criança, a Educação Nova vai-se apropriando das sucessivas descobertas que no âmbito
das várias ciências se vão fazendo no sentido de ampliar o conhecimento daquela
natureza. Não espanta, pois, que os nomes sonantes daquela Escola não sejam apenas,
nem especialmente, professores, mas outrossim médicos, psicólogos, investigadores,
criadores de métodos e de técnicas, tais como, entre muitos outros, Dewey, Binet,
Cláparede, Bovet, Ferrière, Piaget, Wallon e os fundadores de métodos, como
Montessori, Decroly, Freinet, Couisener, isto é, ―a melhor geração pedagógica de
sempre‖ (Nóvoa, 1995, p.26).
Através da observação directa dos comportamentos da criança, por um lado, e,
por outro, do conhecimento teórico da psicologia infantil (que aos poucos foi
conhecendo cultores de peso e, obviamente, ainda mais adeptos) a escola foi
consolidando a sua vocação de espaço de persecução dos interesses e de satisfação das
necessidades das crianças. Para ir ao encontro daqueles interesses, a educação passou a
centrar-se nas actividades infantis, propósito consubstanciado na denominada ―Escola
Activa‖, que é normalmente associada a outras expressões, tais como ―método activo‖,
―educação centrada na criança‖, ―autonomia dos educandos‖ ou ―pedagogias não
directivas‖ (Candeias, 1995b, p. 13).
33
De um modo geral, os primeiros métodos que integraram a Escola Nova
colocaram o acento tónico no trabalho individual da criança, como sucedeu, por
exemplo, com o método Montessori. Decroly, por seu lado e sem rejeitar de todo aquele
trabalho individual, introduziu no seu método uma certa vertente colectiva. Ao cabo de
anos e de investigações, essa vertente foi-se impondo cada vez mais e resultou em
métodos de trabalho decididamente colectivos, como sejam o trabalho de projecto e a
constituição de equipas. Mais modernamente, essa faceta colectiva evoluiu para um
quadro mais social e deu origem a experiências pedagógicas de outro matiz, como sejam
o da autonomia dos alunos e o da comunidade escolar. É, assim, mister que se diga que
―na evolução histórica dos métodos da educação nova caminhou-se do aspecto
individual para o aspecto colectivo e social‖ (Luzuriaga, 1984, p. 238).
Montessori, influenciada por Itard e Séguin, e depois de se ter interessado por
crianças deficientes, cria em 1907, em Roma, a primeira Casa dei Banbini, para
crianças normais. Segundo o seu pensamento pedagógico, a educação do indivíduo
deveria ser abordada de uma forma científica, com base na observação e na
experimentação.
A concepção de educação é, em Montessori, de crescimento e de
desenvolvimento, mais que de ajustamento ou integração social, sendo a criança,
quando nasce, um ser biológico e não um ser social. A criança não se desenvolve senão
a partir do interior, constrói em si o adulto e realiza a obra de união entre o espírito e a
carne (Montessori, s.d). Incarnar o espírito é harmonizar os movimentos com o
desenvolvimento psìquico. Para esta pedagoga, a criança recém nascida é ―um embrião
espiritual provido de directrizes psíquicas latentes‖, que deve viver à custa do meio e
como também é um embrião fìsico, ―tem necessidade de um ambiente especial‖ e traz
consigo um ―impulso vital‖que se manifesta na necessidade imperiosa de crescer e, por
consequência, de se instruir, de se aperfeiçoar (Montessori s.d, pp. 33-59).
A pedagoga define a mente da criança como ―mente absorvente‖, possuidora de
um poder activo e criativo. Enquanto que o adulto adquire os conhecimentos com a
inteligência, a criança absorve-os com a vida psìquica, ―é uma espécie de vida mental
que opera nela‖. A criança cria assim a sua própria ―carne mental‖, usando as coisas que
estão no seu ambiente (Montessori, 1972, p. 37). Considera que a criança, desde o
nascimento, atravessa ―perìodos sensitivos‖ que se podem comparar ―a um orifìcio
aberto sobre o trabalho ìntimo da alma em vias de formação‖, durante a qual a criança
assimila uma série de novas experiências (Montessori, s.d, p. 68).
34
A vida psíquica começa com as sensações e evolui segundo o mecanismo das
combinações sensoriais. Para esta educadora, os primeiros anos de vida da criança
constituem um período de preparação e, dos três aos seis, há um período de
aperfeiçoamento dos mecanismos adquiridos e de auto aperfeiçoamento do indivíduo.
(Montessori, 1972). Apelando para a capacidade de desenvolvimento da criança,
preocupada em lhe conservar e explorar a espontaneidade, apoia-se num sistema de
auto-educação ―como processo espontâneo‖ através do qual ―a criança, absorvendo do
ambiente o que a rodeia, plasma por si mesma o homem do futuro‖ e, com recurso a
materiais adequados, adaptados às capacidades infantis, sempre livremente escolhidos, a
compreensão da criança desponta e esta avança de descoberta em descoberta
(Montessori, 1972, p. 24).
Decroly, tal como Montessori, trabalhou com crianças deficientes antes de
trabalhar com crianças normais. As concepções pedagógicas de Decroly têm subjacente
uma filosofia naturalista e assentam numa base dupla: uma, bio-sociológica, e outra,
psicológica. Este pedagogo insiste no valor da hereditariedade e do meio. Admite que
tanto os factores hereditários como os do meio são importantes no desenvolvimento da
criança e que esta, ao nascer, possui ―virtualidades indeléveis influenciadas pelos pais e
antepassados . . . mas além disso é susceptível de sofrer a influência do meio material e
social‖ (citado em Pourtois, 1999, p. 130). Para este autor, é no meio que se encontram
os estimulantes criadores das necessidades e dos interesses da criança, os quais suscitam
nesta ―a energia vital, sustêm-na e asseguram uma actividade funcional, condição do
desenvolvimento fìsico e psìquico‖ (Bassan, 1978, p. 32).
Para Decroly, na educação devem ser tidos em conta três factores fundamentais:
primeiro, ―a criança‖, como centro de toda a educação; segundo, ―o meio‖, onde a
criança vive e age, uma vez que a educação é uma adaptação ao meio; terceiro, a
―sociedade‖, pois a criança não está destinada a viver isoladamente, sendo necessário
contar com as reacções recíprocas entre o indivíduo e a sociedade (Planchard, 1979, p.
245). Considera ainda este autor que ―não é a criança que é feita para a escola, é esta
que deve ser adaptada à criança‖ (Planchard, 1960, p. 397). Esta deve encontrar um
meio adequado que corresponda às suas necessidades e actividades.
Admirador de Dewey, Decroly seguiu a actividade científica e a prática da
escola psicológica e pedagógica, tendo impulsionado a pedagogia experimental. Em
1907 abre, perto de Bruxelas, a École de L’Érmitage, uma Escola Nova, e constrói, à luz
da observação das crianças e da experiência, um sistema de processos pedagógicos
35
―destinados a estimular e a formar a expressão, a qual deve simultaneamente satisfazer
as necessidades da criança, contribuir para o conhecimento da realidade e transformar
em aquisição aquilo que ela tenha apreendido‖ (Suchodolski, 1984, p. 85).
Contrariamente a Montessori, Decroly defende um ensino não exclusivamente
individual e, porque reconhece as vantagens do ensino colectivo na formação social e
moral da criança, ―prevê classes tão homogéneas quanto possìvel que as chega a
subdividir em grupos homogéneos para favorecer em primeiro lugar o sentimento
social‖ (Planke, s.d, p. 288).
Dewey, apologista da escola democrática, considera que qualquer educação
‖faz-se pela participação do indivìduo na consciência social da raça‖ e é realizada como
―um processo de vida, e não uma preparação à vida‖ (citado em Bertrand e Valois,
1999, pp. 108-111). A educação é essencialmente um processo social, um processo de
troca de experiências. A finalidade da educação, em Dewey, não era integrar o jovem na
sociedade mas dotá-lo de conhecimentos e competências que permitissem a sua
participação na transformação da sociedade. E diz-nos, a propósito, que
A escola se pode relacionar com a vida de forma a que a experiência que a criança
adquire de uma maneira familiar e natural seja transportada e utilizada na escola e o
que a criança aprende nela seja devolvido e aplicado na vida quotidiana, tornando a
escola um todo orgânico ao invés de um conjunto de partes isoladas (Dewey, 2002, p.
78).
Acreditava que a escola era em primeiro lugar uma instituição social, onde a
justiça e a democracia podiam ser promovidas eficientemente. Assim, a escola devia ser
encarada como uma ―sociedade embrionária‖ e funcionar como uma ―comunidade em
miniatura‖, empenhada no desenvolvimento de actividades socialmente úteis e capaz de
gerar um impacto positivo no desenvolvimento dos valores democráticos (Dewey, 2002,
p. 26). A escola devia ser uma comunidade onde se desenvolvesse o espírito de
cooperação, onde o próprio trabalho fosse a fonte da liberdade, da ordem e da
disciplina, transformando-se assim num ―viveiro de homens autónomos‖ (Patrício,
1986, p. 36).
Para este autor, os programas escolares de então não se relacionavam com a vida
social da criança. Defendia que os programas escolares não deveriam ser um fim da
36
aprendizagem mas um instrumento ou meio necessário e útil à criança na realização dos
projectos por ela idealizados, encontrando-se o saber e o fazer indissoluvelmente
unidos. Em relação aos conteúdos escolares para o ensino pré-escolar, Dewey entendia
que estes deveriam ser seleccionados ―em função das fases de vida e do modo como
estas se relacionam com o meio social da criança‖ e servir tanto quanto possìvel para
torná-la ―capaz de se expressar de uma forma social nas brincadeiras, jogos, ocupações
ou ofícios industriais em miniatura, histórias, imaginação pictórica e conversação‖
(Dewey, 2002, p. 91).
Em sua opinião, tanto o método de ensino do educador como o método de
aprendizagem dos alunos, estão compreendidos no método mais geral da investigação,
sendo que qualquer assunto de estudo apresentava dois aspectos, ―um para o
investigador enquanto investigador, e outro para o educador enquanto educador‖ (citado
em Bertrand e Valois, 1999, p. 115). Cada assunto deveria ser a resposta a uma
necessidade nascida espontaneamente no aluno ou habilmente despertada pelo
educador. A criança seria um pequeno investigador, que teria que descobrir ―novos
problemas, para instituir novas investigações e para prosseguir com elas até que obtenha
um determinado resultado, verificado e verificável‖ e o papel do educador seria o de
―intervir na experiência viva e pessoal‖ (citado em Bertrand e Valois, 1999, p. 115).
Dewey possuía uma visão experimentalista da experiência e a experiência compreendia
não só o processo conducente à prova, mas também o conhecimento. O método
experimental compreendia, assim, duas dimensões: fazer e experimentar.
Para Claparède, defensor da psicologia funcional, a escola deve incentivar o
gosto pelo trabalho, sendo ―portanto indispensável que a escola seja um meio alegre
para a criança, em que ela possa trabalhar com entusiasmo‖, escola que deve ser ―mais
um laboratório que um auditório‖ (Dottrens, s.d, p. 308).
Claparède, na mesma linha de Dewey e Decroly, defende que a educação deve
situar-se nas necessidades e nos interesses da criança em cada momento da sua vida. Se
a criança ―é um ser autónomo, completo, tendo a sua própria vida e as suas necessidades
específicas, pode concluir-se que a educação não é, do ponto de vista da criança, uma
preparação para a vida, mas uma vida‖ (citado em Rocha, 1988, p. 78); e, nesse sentido,
o educador não deveria moldar a criança mas ser, isso sim, ―um estimulador de
interesses, incentivador de necessidades intelectuais e morais‖ (Dottrens,s.d, p. 308).
37
Decroly considera, como aliás Claparède e Dewey, o desenvolvimento da
criança em função dos interesses, isto é, das suas necessidades. É o interesse ―que
desenvolve na criança os processos mentais, tendo em conta a sua significação
biológica, o seu papel vital, a sua utilidade para a acção presente e futura‖ (Bassan,
1978, p. 24). Para este pedagogo, o interesse está ligado às necessidades da criança,
defendendo que esta manifesta as suas primeiras necessidades desde o nascimento.
Segundo o mesmo autor, a primeira necessidade instintiva é a curiosidade, sendo
que esta ―é a pedra de toque do interesse e este é, em suma, a expressão das
necessidades da criança‖ (Bassan, 1978, p. 35). O conceito de interesse aparece em
Decroly bastante mais ligado às necessidades biológicas elementares do que estava em
Dewey, que este liga essencialmente ao gosto pela actividade. Para Dewey, ‖o interesse
é uma fonte da actividade, manifesta-se sob forma de actividade‖ (Bassan, 1978, p.48).
Partindo das leis da educação funcional e da finalidade da escola, Decroly
defende que cada uma das actividades constitui um ―centro de interesse‖ em redor do
qual gravitam todas as investigações, procuras e trabalhos necessários ao seu
desenvolvimento natural. ―Os centros de interesse‖ conseguem fazer concorrer todas as
actividades do espírito para a aquisição de um conhecimento ou de um conjunto de
conhecimentos.
É afinal o interesse, ou seja, o envolvimento da criança na relação social, na
descoberta da sua personalidade como parte integrante da sociedade, que constitui o
motor da educação. É ele que estimula a criança a observar, a associar e a exprimir-se.
Sobre este assunto, diz-nos Decroly:
Uma vez que tomámos o interesse como ponto de partida . . . sentimo-nos na
obrigação de proporcionar à criança ocasiões de observar, de associar as ideias e de
as exprimir. Nesta linha, dividimos os exercícios em três categorias: a observação, a
associação e a expressão‖ (citado em Rocha, 1988, p. 70).
Estes três exercícios, de observação, de associação e de expressão, são as
operações fundamentais do processo da inteligência que importa desenvolver na
criança, através de uma relação com a vida e com a natureza, indo ao encontro dos
―centros de interesse‖. A criança parte dos seus interesses espontâneos e aprende a agir,
a vencer dificuldades práticas, tanto nas actividades directamente úteis à vida como nos
38
jogos e nos brinquedos, graças aos quais se põe em condições de por si só apreciar se
soube ou não vencer a dificuldade proposta. À acção directa vai-se juntando pouco a
pouco um conhecimento ao mesmo tempo teórico e prático do mundo natural e social,
partindo da própria criança, do ser humano e das suas necessidades materiais e
espirituais (Médici, 1976).
O segundo grande princìpio que torna compreensìvel a prática dos ―centros de
interesse‖ é designado por Decroly por ―globalização‖, que este autor entende a como
―a concepção de uma atitude especial do ser mental relativamente ao ambiente‖ e que
usou para estudar a formação dos conhecimentos no indivíduo (Patrício, 1986, p. 33).
Para ele, a ―globalização‖ não é uma função ou mecanismo isolável, mas ―um processo
intelectual bastante complexo que é simultaneamente o oposto do ―analìtico-sintético‖
(Plancke, s.d, p. 289). Segundo Médicine (1976), Decroly ―foi o primeiro pedagogo a
dar o nome de globalização ao poder psíquico geral que consiste em realizar conjuntos
indiferenciados e aperfeiçoá-los depois por estruturas hierarquizadas‖ (p. 85).
Pode resumir-se em duas contribuições principais a renovação introduzida por
Decroly no domínio da pedagogia prática: a aprendizagem global das técnicas escolares,
sobretudo da leitura e da escrita, e o método dos ―centros de interesse‖. Descobriu o
―método global‖ ou ―ideovisual‖ para o ensino da leitura e da escrita, que se funda no
princípio segundo o qual a criança aprende a frase inteira ou a palavra, e só depois as
sílabas e as letras e, aos poucos, na medida das suas possibilidades, a análise vai sendo
favorecida pela relação com as palavras já adquiridas. Explica Decroly que o seu
método de leitura se inicia ―pelo emprego da frase em vez da letra e da sílaba, é uma
aplicação na ordem perceptiva visual e verbal da actividade globalizadora‖ (Bassan,
1978, p. 107).
A concepção montessoriana de educação faz convergir a acção do ambiente e a
do educador, já que ambos têm por missão fundamental desencadear e incentivar o
desenvolvimento do ―embrião humano‖. A escola deve aproximar-se, tanto quanto
possível, de uma autêntica casa familiar, onde é dada a primeira educação pelos
exercícios da vida prática e pelo material de desenvolvimento. Para Montessori, é o
ambiente que forma o indivíduo e, por isso, a acção educativa deve exercer-se sobre o
ambiente e não sobre o indivíduo. Para aquela pedagoga o adulto faz parte do ambiente
mas ―tem que se adaptar às necessidades da criança, e torná-la independente, para que
39
não constitua um obstáculo e a não substitua nas diferentes actividades que a criança
tem de desenvolver até chegar à maturidade‖ (Montessori, s.d, p.155).
Ainda segundo Montessori (s.d), a criança constrói por si mesma a sua própria
personalidade, não podendo o educador substitui-se a ela; ―esse trabalho incumbe à
natureza‖, sendo por isso necessário que o educador ―siga a criança nos seus primeiros
desenvolvimentos e a ajude . . . respeitando as suas manifestações, facilitando-lhe os
meios necessários para a construção, que ela podia obter por seus próprios meios‖ (p.
74).
Montessori foi quem primeiro descobriu a importância do ambiente da sala de
aula no desenvolvimento da aprendizagem e quem concebeu novos equipamentos e
materiais de ensino adaptados à idade e à estatura das crianças. Os materiais de ensino
eram seleccionados de tal forma que cada sentido pudesse ser exercitado. A grande
finalidade de todos estes materiais consistia em provocar na criança actividades
educativas que lhe educassem os sentidos, base primária do raciocínio, e de desenvolver
a livre actividade das crianças e o seu auto-controlo. Em relação a este último diz
Montessori (1972) que ―uma das maiores conquistas da liberdade psìquica é o darmonos conta de que podemos cometer e controlar o erro sem ajuda‖ (p. 289).
Para a pedagoga, o interesse da criança leva-a a um esforço adequado ao seu
poder intelectual e à dignidade da sua pessoa. O educador não se dirige à criança como
um instrutor, mas como o companheiro de um processo de auto-aprendizagem, que lhe
satisfaz as necessidades e a orienta. Nas próprias palavras de Montessori (1972), ―a
professora deve manter-se silenciosa e quieta, numa expectativa paciente, quase
retraindo para anular a sua própria personalidade, para que o espírito da criança possa
ter campo onde se expandir livremente‖ (p. 306).
Nesta perspectiva, a criança seria o agente gerador de um método auto-criativo,
escolhendo livremente as suas ocupações e os seus movimentos. O pequeno ser, em
cada fase da sua maturação natural, busca sucessivamente, na multiplicidade das
situações ambiente, as que são mais favoráveis ao seu desenvolvimento e à organização
da sua personalidade. Segundo Montessori, a criança deve ser colocada num ambiente
adequado e, se tal acontecer, a actividade que realizar será coordenada pelos seus
interesses naturais. Assim, a escola deve estar adaptada e organizada para que a criança
encontre e exerça a sua plena liberdade.
40
Para Montessori, a liberdade da criança não pode ser um abandono mas deve
permitir o desenvolvimento das suas manifestações espontâneas, isto é, das suas
actividades. Quando se refere à liberdade não é à liberdade de fazer o que quer que seja
mas à liberdade de fazer o que se deve, isto é, ao primado da autonomia da vontade e da
razão, do império da consciência reflexiva sobre a espontaneidade do ser subconsciente,
que é a pura impulsão e intuição. Montessori (1972) considera a este propósito que a
liberdade é uma ―consequência do desenvolvimento; é o desenvolvimento de guias
latentes, ajudados pela educação (p. 242).
Para Ferriére (s.d) a Escola Activa exige a liberdade da criança, em oposição à
―proibição‖ de tudo o que é preconcebido e artificial. Não a liberdade de fazer o que lhe
ditarem os seus instintos não educados ou os seus caprichos insensatos, mas ―a
liberdade de fazer o que se deve, ou seja a autonomia da vontade e da razão‖ (p. 60).
Montessori condena a disciplina passiva e, em contraposição, defende uma
disciplina activa, aquela que a criança criará por si mesma, induzida pelo interesse que
lhe advém do trabalho escolar. A indisciplina é vista por Montessori como uma
actividade desenvolvida sem interesse. Para esta pedagoga, a actividade só se organiza e
se transforma em verdadeira liberdade num meio objectivamente organizado, em que o
seu exercício encontre naturalmente, quer estímulos, quer uma ordem e uma disciplina
aparentemente involuntárias e insensíveis. Sobre este assunto, defende que ―a disciplina
nascerá quando a criança concentrar a sua atenção no objecto que a atrai e permite não
só um útil exercìcio, mas a verificação do erro‖ (Montessori, 1972, p. 307).
Para Montessori (s.d), um ambiente favorável gerará uma disciplina espontânea,
uma obediência feita de prazer, e ―a ordem e a disciplina [andam] tão intimamente
unidas que [chegam] à liberdade‖ (p. 185). A criança torna-se calma, silenciosa,
independente, activa, paciente.
Na pedagogia de Montessori não há lugar para as sanções nem para os prémios,
ali se defendendo a adopção de uma disciplina consciente com a máxima liberdade, a
par da máxima responsabilidade. A disciplina nasce do trabalho que ocupa as crianças,
sendo que ―os prémios e os castigos, estranhos ao trabalho de desenvolvimento da
criança, suprimem e lesam a espontaneidade do espìrito‖ (Montessori, 1972, p. 286).
Também Claparéde defende que o estímulo educacional não deve residir no
receio do castigo nem no desejo da recompensa, mas no interesse, no interesse por algo
que se deseja assimilar ou executar. ―A criança não deve trabalhar nem demonstrar um
41
bom comportamento para obedecer a outrem, mas porque deseja esta forma de actuar. . .
a disciplina interior deve substituir a exterior‖ (Dottrens, s.d, 307).
Para Dewey, e uma vez que o verdadeiro conhecimento é o que decorre da
experiência, a actividade da criança constitui o motor da aprendizagem. Dewey
considera que a actividade da criança é o único critério válido para estabelecer uma
meta educativa, ou seja, as finalidades educacionais só são válidas na medida em que
possam ser facilmente cooptadas pela actividade da criança ou, que o mesmo é dizer, na
medida em que correspondam aos seus interesses e respeitem o seu estádio de
desenvolvimento (Dewey, 2002).
Decroly também atribui grande relevo à actividade da criança, sendo que a sua
ideia principal foi a de utilizar ―o mais possìvel no ensino os processos naturais de
aquisição do aluno‖, dando aos ―centros de interesse‖uma grande importância. (Bassan,
1978, p. 60).
Montessori incluía no seu programa o ensino da leitura e da escrita e,
contrariamente a Decroly, defende a aprendizagem da escrita antes do início da leitura.
Aos cinco anos é posto à disposição das crianças um material especial. A criança
observa as formas das letras e palpa-as, maneja-as em relevo, combina-as e familiarizase com elas. Pela utilização deste material a criança apodera-se fácil e visualmente das
formas do alfabeto, que é constituído por letras móveis, através das quais a criança vai
formando palavras A educadora começa por pronunciar palavras simples, a criança
escolhe as letras no alfabeto e compõe a palavra respectiva. A criança vai
desenvolvendo gradualmente esta aptidão e, de súbito, ocorre aquilo que Montessori
apelidou da ―explosão da escrita e da leitura‖, caso em que a criança começa de repente
a ler e a escrever palavras (Montessori, 1972).
O ensino da aritmética é realizado através de jogos sensoriais mas a
aprendizagem do desenho dos números processa-se da mesma forma que a
aprendizagem da escrita. A criança palpa os algarismos, sopesa-os, move-os, ordena e
desloca objectos, opera com quantidades concretas e forma números de base intuitiva.
Os jogos educativos de Montessori respondem, sem dúvida, a uma certa etapa da
evolução sensório-motriz da criança, e permitem-lhe exercer gratuitamente as suas
funções antes de se integrarem em estruturas mais complexas (Montessori, 1972).
Montessori atribui grande importância à educação social, embora o processo que
nesta área preconiza seja fortemente individualizado. Esta individualização é em parte
42
compensada com os exercícios de ajuda mútua e as actividades colectivas mas, no
essencial, o trabalho das crianças continua a ser individual, ou seja, trata-se de um
método essencialmente individual quanto ao trabalho mas que também evidencia uma
vertente social quando atende a certos aspectos da colaboração das crianças em
ambiente escolar.
Tal como Fröbel, também Montessori acreditava que o desenvolvimento da
criança decorria naturalmente. Contudo, em vez de considerar que o conhecimento
derivava da manipulação de objectos representando símbolos abstractos, achava que o
conhecimento devia emergir das percepções que as crianças tinham do mundo. Por esta
razão, defendia que os sentidos das crianças deviam ser treinados. A criança que educa
os vários sentidos separadamente por meio de estímulos externos concentra a sua
atenção e desenvolve pouco a pouco as suas actividades mentais, ao mesmo tempo que,
por movimentos separadamente preparados, educa as suas actividades musculares.
O jogo, que constitui uma actividade tão ―funcional‖ na vida da criança, tão
universal e tão poderosa, foi quase sempre considerado como um divertimento. Foram
no entanto os séculos XIX e XX que fizeram do jogo um autêntico instrumento
educativo e didáctico, ―de uma forma sistemática ao serviço da escola, não só para a
educação física e social mas também par a educação intelectual e a instrução
propriamente dita‖ (Planchard, 1960, p. 424). Para provar esta afirmação basta evocar as
realizações de Fröbel, de Montessori e de Decroly. O jogo é o primeiro instrumento de
desenvolvimento próprio da criança e aparece desde que ela nasce; desempenha um
enorme papel pedagógico e assume extrema importância no desenvolvimento
intelectual, motor e social da criança, sendo, antes de tudo e sempre, uma manifestação
da sua personalidade, porque a criança, projectando nas personagens e nas situações
ficcionadas aquilo que vive, o que é e o que gostaria de ser, vai criando e recriando as
suas próprias regras e valores.
Não devemos esquecer que a finalidade do jogo educativo não está no jogo em
si, na brincadeira propriamente dita, mas nas capacidades que se pretende ensinar ou
fazer adquirir. Para Ferrière (1934), ―a etapa dos interesses disseminados ou etapa do
jogo‖ corresponde à idade pré-escolar; ―o jogo deve ser uma repetição das actividades
ancestrais . . . se a vida é feita de lutas e vitórias, o jogo será uma admirável preparação
para a vida, pois ele é feito de lutas e vitórias‖ (pp. 113-114).
43
Porque é naturalmente activa, a criança manifesta grande interesse pela
actividade. Esta pode revestir a forma de trabalho ou tomar feição de jogo. Claparéde
adoptou a teoria de Groos ao afirmar que se ―se chamar jogo a todo o trabalho
espontâneo coordenado para a persecução dum fim, pode-se afirmar que o jogo será a
forma primitiva do trabalho‖ (Ferrière, 1934, p. 115).
O material de auto-educação criado por Montessori, embora engenhoso e
adaptado às necessidades da criança, foi criticado por ser limitado e por Montessori ter
atribuído um lugar demasiado restrito ao jogo espontâneo e à imaginação infantil. Sobre
este assunto diz-nos Dewey: ―Fisicamente falando, os alunos de uma escola
montessoriana são mais livres que os educandos americanos, mas intelectualmente sãono menos. . . com efeito, o material compõe um número limitado de objectos que devem
ser utilizados de uma maneira determinada‖ (Planchard, 1979, p. 256).
Cada jogo-brinquedo montessoriano constitui um trabalho, representa uma
dificuldade a vencer, importando pouco que a dificuldade seja concreta ou abstracta. Os
jogos educativos montessorianos respondem sem dúvida a uma certa etapa da evolução
sensorial e motriz da criança e permitem-lhe exercer gratuitamente as suas funções antes
de ela se integrar em estruturas mais complexas.
Comungando do princípio fröbeliano de que o jogo é fundamental no
desenvolvimento da criança, também Decroly dará lugar de destaque aos jogos
educativos, recorrendo a jogos para o desenvolvimento sensorial e para o
desenvolvimento da aptidão motora da criança. Enquanto auxiliar do seu método,
procura fazer do trabalho um jogo. Para Decroly, o jogo ―associa-se a todas as nossas
tendências, compreende-se por isso o seu valor no desenvolvimento da criança‖
(Bassan, 1978, p. 89). Para aquele pedagogo o ambiente enriquece os jogos educativos e
constitui um ―centro de interesse‖ por excelência no qual se apoiam o desenvolvimento
físico e o impulso psíquico. A observação da natureza está na base do ensino e os
―centros de interesse‖ magnetizam toda a actividade da criança. Foi conferindo ao
trabalho a qualidade de jogo, pelo livre exercício das actividades infantis, que Decroly
concebeu o seu método e a sua concepção, que fez com que ele elaborasse uma série
dos jogos infantis. Os jogos educativos de Decroly são feitos pelas professoras, são
variados e adaptados aos programas. ―Não há jogos bons para todos, indistintamente; há
é jogos adaptáveis e sobretudo criados à feição do jogador. Estes jogos baseiam-se
44
naturalmente sobre tipos gerais: o loto, a paciência ou puzle, o dominó‖ (Lisboa, 1933,
p. 166).
Uma outra reivindicação da escola nova respeita à união da actividade manual
com o trabalho do espírito, porque era preciso ―fornecer às crianças a ocasião de
trabalharem com o seu corpo e com as suas mãos‖ (Ferriére, 1934, p. 10). A Escola
Nova pretende desenvolver as faculdades criadoras das criança e, sob o rótulo das
actividades livres, vai introduzir toda uma série de trabalhos destinados a desenvolver
na criança a imaginação, o espírito de iniciativa e, numa certa medida, também a
audácia criativa, o que faz nomeadamente através de desenhos, pinturas, moldagens e
trabalhos manuais livres.
Montessori aboliu nas suas escolas o trabalho manual mas não a actividade
manual, e substituiu o trabalho manual por jogos sensoriais e motrizes muito variados.
Mas a educação manual e motriz não ficou limitada a estes jogos; as ocupações
domésticas completá-las-iam e Montessori explorou a actividade manual, mas
combatendo, por meio dela, a mecanização do ensino. Sujeitou a actividade manual
infantil aos juízos pessoais, determinativos dela, como sejam a estimulação elementar
(sensorial) de qualidades físicas dos objectos, e a consciência de atitudes. Mas deixou
ainda de parte, ou até chegou a combater, a desapreciar e a desaproveitar, a imaginação
infantil (Montessori, 1972).
Decroly valorizou o trabalho manual como uma das actividade de expressão das
crianças em que melhor se pode controlar o grau e a qualidade das suas aquisições.
Dewey, por outro lado, dá grande importância ao trabalho manual como um meio de
aprendizagem das matérias não só como uma informação com vista a fins escolares,
mas como um conhecimento saído das situações da vida real. Segundo Dewey (2002) os
diferentes trabalhos manuais envolvem ―competências diferentes, exigindo diferentes
tipos de atitudes intelectuais por parte da criança‖ para além de promoverem nesta o
―treino ao nìvel dos órgãos dos sentidos, do tacto, da vista e da capacidade de coordenar
a mão e a vista‖(p. 147).
O que mais importante se verificou nesta forma de ver e conceber a educação foi
a individualização da relação pedagógica entre o professor e o aluno. Foi esta
individualização que permitiu que cada criança se fosse adaptando a planos mais ou
menos específicos de aprendizagem, que pretendiam, em muitos casos, que as
avaliações fossem sistematizadas, padronizadas, que se pudessem realmente respeitar os
45
ritmos de desenvolvimento da criança. Fez-se também a distinção entre os conteúdos a
transmitir e os métodos a utilizar e, aos poucos, estes foram-se adequando às matérias
das disciplinas a ensinar.
2.3. A Educação Nova no contexto português
No início do século vinte, os ventos de mudança que se pressentiam e os últimos
estertores da monarquia constitucional portuguesa proporcionaram aos intelectuais
republicanos, no que tocou aos caminhos tortuosos da educação lusa de então, um
amplo campo de debate. Havia problemas de sobra nesta área mas não é menos certo
que abundavam nas hostes republicanas pedagogos de muito elevada craveira, bem
como não faltavam projectos inovadores para a educação, eivados já dos valores, dos
conceitos e dos métodos aportados pelo recente movimento das Escolas Novas. Na
prática e já bem hasteada a bandeira verde-rubra, ―o espìrito da Escola Nova vai estar
presente no segundo ímpeto reformador republicano, nomeadamente nas reformas dos
ensino primário e normal‖ (Nóvoa, 1988, p. 53).
É nesta época que muitos e conceituados pedagogos se perfilam para encabeçar
múltiplas iniciativas tendentes a uma radical mudança da Educação, quer de carácter
oficial, quer privado, mas todas elas sustentadas por sólidos fundamentos científicos.
Como afirma Fernandes (1979) um dos aspectos mais emblemáticos do movimento
pedagógico português durante a primeira república ―é o seu vigoroso impulso em ordem
à constituição de uma pedagogia cientìfica‖ (p. 11). Ainda segundo o mesmo autor, já
no século XIX se adivinhava essa tendência para um certo cientismo na Educação,
revelado este quando se pretendeu averiguar dos méritos ou deméritos da Cartilha
Maternal através de uma alargada experiência pedagógica e, também, aquando da
polémica que se gerou a propósito dos hipotéticos malefícios do grafismo da mesma
Cartilha (em tons de preto e de cinzento) que alguns detractores, quase sempre os
mesmos, consideravam prejudiciais à saúde visual dos alunos. ―Ambos os factos
depõem sobre o avanço da consciência pedagógica portuguesa em direcção à
fundamentação cientìfica das práticas adoptadas‖ (Fernandes, 1993, p. 160).
Como vem dito, a ―cientificação‖ da acção educativa não se operou apenas
através de instituições oficiais, tendo ocorrido também e em larga medida por impulso
46
de muitas instituições privadas que, as mais das vezes, constituíam verdadeiros fóruns
de debate e de reflexão especializada, ao mesmo tempo que se constituíam como
―estabelecimentos de ensino livre cujos projectos pedagógicos contrastavam em regra
com os modelos desgastados do ensino oficial‖ (Fernandes 1993, p. 163).
Nóvoa considera a Escola Nova o mais importante movimento pedagógico que
atravessou a sociedade portuguesa, o qual ―teve em João de Deus um dos seus mais
notáveis percursores‖ (Nóvoa, 1991, p. 9).
A divulgação e o desenvolvimento da pedagogia científica em Portugal fizeramse por duas vias: pela teorização e pelo trabalho de campo levado a cabo por alguns
pedagogos e também e em larga medida pelos contactos que foram sendo estabelecidos
com instituições estrangeiras de reconhecido mérito. Em 1907, João de Barros e João de
Deus Ramos deslocaram-se ao estrangeiro e, através dos contactos que estabeleceram
com diversos colegas puderam tomar conhecimento directo do que ao nível das
realidades educacionais e pedagógicas se passava em vários países europeus
(Fernandes, s.d).
Segundo Fernandes (1992), de entre os muitos pedagogos de então, são de
referenciar Adolfo Lima, defensor de uma educação progressiva; César Porto, a quem se
deve o ―primeiro estudo português sobre a pedagogia soviética‖; Álvaro de Lemos, que
se ocupou com a actividade da Liga Internacional para a Educação Nova e foi fervoroso
adepto da pedagogia de Freinet; Irene Lisboa, autora de interessantes escritos
pedagógicos‖; João de Deus Ramos, pela luta que travou para a criação de um modelo
português de escola infantil; João de Barros, acérrimo defensor ―da laicização do
ensino‖; Faria de Vasconcelos, o maior vulto da escola nova, ― autor de uma experiência
pedagógica de interesse inquestionável‖; António Sérgio, paladino de uma ―pedagogia
experimental e pela renovação da escola portuguesa‖ e Alves dos Santos, fundador do
primeiro ―laboratório português de psicologia e pedagogia experimental‖ (pp. 125-128).
Gomes (1996) dá-nos conta que a 29 de Abril de 1913 o deputado pelo círculo
do Porto, Dr. Vítor José de Deus Macedo Pinto, apresentou à Câmara de Deputados
uma proposta de lei para a criação de Escolas Novas em Portugal, a título de experiência
e do tipo das que existiam noutros países. Esta proposta de lei, redigida pelo pedagogo
João Diogo, veio a ser foi rejeitada.
A Educação Nova está na origem da ―pedagogização da sociedade‖, tendo
constituído, por motivos vários, um dos mais assinaláveis marcos culturais do século
47
XX: alterou por completo a forma como até aí eram vistas a criança e a profissão de
professor e teve assinalável repercussão em todas as práticas sociais (Nóvoa, 1987, p.
750). Nóvoa considera que esta é ―uma época de glória do modelo escolar e também o
perìodo de ouro da profissão docente‖ (Nóvoa 1991, p. 16). A Educação Nova, para
além de ―eco de uma notável evolução cultural‖ (Nóvoa, 1987, p. 753), veiculou, por
assim dizer, um novo ―código‖ de ideias e de princìpios, tendo-se constituído ainda
como factor primordial de consciencialização dos professores acerca da instituição
escolar e de como haviam de exercer a sua própria profissão.
A implementação da Educação Nova na maioria dos países europeus fez-se à
custa de experiências escolares deveras consistente e credíveis, tanto de um ponto de
vista técnico como de uma perspectiva pedagógica, as mais das vezes realizadas no
âmbito restrito de escolas e de colégios particulares. O caso português é bem diferente.
Com efeito e segundo o estudo de Nóvoa (1995), não existem Portugal experiências
pedagógicas de razoável consistência, merecedoras de ser pontuadas pela famosa bitola
dos trinta pontos. Para este autor, a Educação Nova portuguesa,
teve expressão sobretudo nas escolas da rede oficial do ensino e não em instituições e
colégios privados; adquiriu uma dimensão significativa nas instituições de formação
de professores e não apenas em círculos pedagógicos restritos; articulou-se de forma
relativamente harmoniosa com o importante movimento associativo dos professores
(p. 35).
A circunstância de tais experiências pedagógicas haverem sido desenvolvidas no
âmbito de instituições públicas pode ter-lhes subtraído uma boa parte da sua
consistência teórica e do seu rigor conceptual mas, simultaneamente, facilitaram uma
razoável, ainda que difusa, propagação destas ideias junto de sectores alargados do
professorado.
Para Pintassilgo, (1998) a existência, neste período, de um ambiente propício ao
florescimento da educação gerou também outro efeito positivo, consubstanciado na
eclosão de uma multiplicidade de iniciativas de índole cultural: a publicação de artigos
na imprensa dedicados a temas educativos, tanto em jornais como em revistas, a
dinamização de associações com fins educativos e culturais e a criação de
Universidades Livres e Populares. Importantes foram ainda, no mesmo período, o
surgimento de grupos e correntes intelectuais — a Renascença Portuguesa, a Seara
Nova, o Integralismo Lusitano… — e de manifestações várias de cultura popular.
48
É logo no início dos anos vinte que se envidam esforços com o propósito de criar
uma secção portuguesa da Liga Internacional para a Educação Nova e neste sentido se
mobilizam vários dirigentes da Associação dos Professores de Portugal. Foi também por
esta altura que surgiram em Portugal as primeiras referências a Célestin Freinet, que
manteve com Álvaro de Lemos uma correspondência regular. Lemos, que era o
representante português na Liga Internacional para a Educação Nova e foi considerado
por Ferrière um ―pioneiro da Educação Nova‖, introduziu em Portugal a imprensa
escolar e outras técnicas de Freinet, o que sucedeu na Escola Normal de Coimbra, onde
leccionava (Nóvoa, 1995, p. 68).
Regressemos agora ao fim da primeira república, para referir que a partir do
golpe de estado de 28 de Maio de 1926 e da consequente imposição da ditadura, deixou
de haver condições para o exercício do livre pensamento e para a acção pedagógica
progressista, que eram o fermento e a farinha dos ideais da Escola Nova. Em 1927 e em
1930 Álvaro de Lemos, António Sérgio e Faria de Vasconcelos tentam ainda
reorganizar a secção portuguesa da Liga Internacional para a Educação Nova e o
Movimento, sem recurso à sua voz de outrora, tenta adaptar-se à situação de penúria
intelectual que o Estado Novo depressa aprendeu a impor a quem tentava pensar por
conta própria.
Ferrière desloca-se a Portugal em 1930 e esta visita, acolhida a princípio com
sérias reservas, provoca nas autoridades uma mudança no tom com que até ai haviam
tratado a questão da Educação Nova. Em vez do repúdio e da repressão tentam agora
afeiçoá-la aos seus próprios interesses, numa reinterpretação livre que passaria por uma
colagem descarada de algumas correntes pedagógicas de cariz religioso e conservador,
descaracterizando um movimento que, de uma forma determinada, sempre se havia
revisto no seu pendor laico e assumidamente progressista (Nóvoa, 1987).
A preparação daquela visita de Ferrière denuncia, sem margem para dúvidas, a
extrema dificuldade em descobrir escolas onde (ainda) se praticassem os ideais da
Educação Nova. Numa carta a Álvaro de Lemos, Adolfo Lima sugere a visita a alguns
estabelecimentos de ensino que considera inovadores e onde se pratica aquela
pedagogia. ―Não há por onde escolher‖ — lê-se naquela carta— : ―Escola Oficina n.º 1,
Jardim-Escola João de Deus, Escola n.º 76 (Calçada da Tapada) e talvez, se houver
vento de feição até lá, a escola do Magistério Primário e o Instituto Feminino de
Odivelas‖ (citado em Figueira, 1995, p. 137).
49
Em plenos anos trinta a secção portuguesa da Liga Internacional para a
Educação Nova é organizada por Cruz Filipe, lídimo representante de uma corrente
católica e conservadora do professorado.
As puras e duras concepções político-sociais em que assentava e se estruturava a
Escola Nova — anarquistas e revolucionárias, integralistas e liberais, materialistas e
laicas — darão agora lugar a um discurso perigosamente melìfluo que apregoa ―uma
escola onde a autoridade do professor e da ordem social não são postas em causa, onde
a moral e a religião têm um grande lugar e onde os aspectos técnicos tomam o lugar das
reflexões filosóficas e ideológicas‖ (Nóvoa, 1987, p. 744). Entretanto, vai-se
marginalizando e perseguindo os pedagogos que até aí haviam defendido os
(verdadeiros) princípios da Educação Nova.
Não só em Portugal mas também no estrangeiro se assiste a uma radical
mudança nas concepções da Educação Nova, a que obviamente não é alheia a
emergência dos governos totalitários de Salazar, de Hitler, de Mussolini e de Franco.
No caso português, e a par das já referidas perseguição e marginalização dos
educadores, é construída uma pedagogia de cariz nacionalista que, talvez para procurar
alguma dignidade, mergulha umas tantas raízes nos ideais da Educação Nova. Apesar de
tudo e mau grado as vicissitudes que experimentou, a Escola Nova pôde transmitir à
modernidade dos tempos de hoje uma vasta paleta de ideias e de práticas que ainda têm
assento, aliás com pleno direito, no nosso mundo educativo.
2.3.1. A Primeira República, Época de Ouro das Escolas Novas
De entre os intelectuais e pedagogos deste período, Nóvoa (1995, p. 36) destaca
três grandes nomes que vão liderar, sob a batuta atenta de Álvaro de Lemos, ―o processo
de renovação pedagógica‖. São eles Adolfo Lima, António Faria de Vasconcelos e
António Sérgio, que aquele autor já denominara por ―os três Mosqueteiros da Educação
Nova em Portugal‖ (Nóvoa,1988, p. 53).
Ainda segundo Nóvoa (1987), a estadia de Alves dos Santos no Instituto JeanJacques Rousseau, em Genebra, nos anos de 1912 e 1913, onde lhe foi dado trabalhar
com Claparède, estabelece o início de uma privilegiada colaboração com os pedagogos
suíços.
50
Alves dos Santos, António Sérgio, Álvaro de Lemos, Faria de Vasconcelos e o
próprio Cruz Filipe, estagiaram no Instituto Jean-Jacques Rousseau durante a época da
Primeira Grande Guerra e integraram o Movimento Pró-Educação Nova. Cerca de duas
décadas mais tarde, pelos anos trinta, também Irene Lisboa e Áurea Amaral, enquanto
bolseiras da Junta de Educação Nacional, ali estagiaram, tendo alguns deles trabalhado
com Claparède e Ferrière. O conhecimento e a divulgação de experiências pedagógicas
realizadas além-Pirinéus muito haviam de contribuir para a tomada de consciência de
soluções alternativas em Portugal, tendo criado um clima adequado à introdução de
reformas inovadoras. Segundo Nóvoa (1987), durante duas dezenas de anos Genebra
será uma ―etapa obrigatória para os portugueses na causa da escola nova ou de uma
pedagogia inovadora‖ (p. 731).
Na sua intervenção pública enquanto representante ao Congresso de Locarno da
Liga Internacional da Educação Nova, Álvaro de Lemos descreve e enaltece as Escolas
Novas em Portugal, dando especial relevo à actividade pedagógica levada a cabo nas
últimas décadas da monarquia. Dá ainda especial ênfase ao trabalho realizado nas
escolas normais, ao associativismo na educação, à acção de alguns pedagogos e, bem
assim, ao pioneirismo de algumas instituições educativas, entre as quais releva a Escola
Oficina N.º 1 (Nóvoa, 1995). Chamando a si, designadamente, a heranças de Feliciano
de Castilho, de João de Deus e de António Costa, das sociedades fröbelianas, da EscolaOficina N.º 1 e das Universidades Livres e Populares, Álvaro de Lemos bem sabe que
―a Educação Nova é o resultado de uma lenta evolução do pensamento pedagógico e
dos hábitos culturais‖(Nóvoa, 1987, p. 731).
Quanto a João de Deus Ramos, para além dos Jardins-Escola João de Deus,
funda no Estoril, em 1928 e de parceria com João Lopes Soares, uma vasta escola onde
se ministravam os ensinos infantil, primário e secundário, inspirada na École des
Roches e onde foram postos em prática muitos dos princípios da Educação Nova.
Segundo um estudo de Figueira (2001), Ferrière chegou a receber informações sobre
aquela instituição e manifestou um vivo interesse em visitá-la aquando da sua estadia
em Lisboa, em 1930. Neste mesmo ano a revista Pour L’Ere Nouvelle, órgão pró
Educação Nova, publicava uma elogiosa notícia sobre o Bairro do Estoril, inspirada em
elementos que lhe haviam sido fornecidos por Viana de Lemos e que o mesmo recolhera
em visita que fizera à sobredita escola. Aquela notícia ―constitui de certo modo uma
caução à Escola do Estoril como Escola Nova‖ (Figueira, 2001, p. 494).
51
Apesar de pontualmente terem surgido em vários pontos do território nacional
estruturas educativas que levaram à prática algumas das ideias da Educação Nova, o
certo é que este movimento foi, em Portugal, um sucesso cultural essencialmente
urbano, divulgado as mais das vezes através de jornais e revistas a que a grande parte
dos professores da província não tinha acesso.
Já com um razoável grau de amadurecimento, os princípios da Educação Nova
constituíram, ao longo dos anos vinte, as ideias dominantes no discurso dos professores
de instrução primária, forçados a adoptá-las como único caminho para a reivindicação
de um verdadeiro estatuto profissional (Nóvoa, 1987).
Já nos anos trinta, os bolseiros da Junta de Educação Nacional seriam motivados
por temas relacionados com os ensinos infantil e primário, nomeadamente as
professoras Áurea Judite do Amaral, Ilda Moreira e Irene Lisboa. A primeira ocupou-se
da organização do ensino primário, a segunda frequentou o curso internacional
Montessori e Irene Lisboa veio a especializar-se em ensino infantil no já aqui muitas
vezes nomeado Instituto Jean-Jacques Rousseau e na Maison des Petits, ambos em
Genebra, onde foi discípula de Piaget, Bovet e Claparède (Pinheiro 1985).
2.3.2. Os Pedagogos portugueses da Escola Nova
Contrariamente à dos outros ―Mosqueteiros da Educação Nova‖, a obra teórica
de Álvaro de Lemos não é muito extensa, embora este fosse um homem de acção e um
grande propagandista da Educação Nova. Segundo Nóvoa (1990), que o apelidou de
―apóstolo da Educação Nova‖, Álvaro de Lemos, através de uma ampla troca de
correspondência com nacionais e estrangeiros e de relações com diversos pedagogos da
Educação Nova, conseguiu ―manter a dinâmica inovadora em Portugal e assegurar boas
ligações com as redes internacionais‖, para além de ter sido um dos pedagogos
portugueses da Educação Nova que esteve presente em vários eventos pedagógicos
internacionais (pp. 72-73).
A imprensa, nas primeiras décadas do século XX, foi um veículo privilegiado
para a difusão das ideias da Educação Nova. Tal como João de Deus Ramos, o seu
grande amigo Álvaro de Lemos escreveu artigos em vários jornais e revistas
52
pedagógicas sobre temas relacionados com a educação, através dos quais foi divulgando
o seu pensamento pedagógico.
Defensor da área técnico-artística do Desenho e dos Trabalhos Manuais na
escola como meios privilegiados de articular as aprendizagens de forma diferente, com
finalidades de uma pedagogia científica, faz a distinção entre o trabalho manual
educativo e o trabalho manual profissional e afirma: ―o trabalho manual educativo é um
meio. O trabalho manual profissional é um fim. O trabalho manual educativo tem de ser
sempre consciente, racional, integral e progressivo. O trabalho manual profissional pode
ser um trabalho puramente mecânico‖ (citado em Figueira, 2003, p. 721). Desenvolve
uma actividade notável de divulgação dos trabalhos manuais educativos do ponto de
vista teórico e prático, tanto no nosso país como no estrangeiro. Segundo Figueira
(2003) ―os Manuais Educativos foram a porta de entrada de Álvaro de Lemos na
Educação Nova‖ (p. 721).
Para Álvaro de Lemos, uma escola onde não houvesse trabalhos manuais,
música e uma associação escolar, ―pode dizer-se que não é escola no sentido moderno
do termo‖. Para ele, só era digno do ―nome de educador aquele que ensina todos os
conhecimentos da escola primária por meio de trabalhos manuais‖ (citado em Nóvoa,
1995, p. 76). Em relação aos trabalhos manuais na escola infantil afirmava o pedagogo
que tudo ―deve naturalmente vir a propósito conforme . . . os interesses e necessidades
da criança. Sem estas ocupações manuais variadas e bem escolhidas nunca é possível
fazer uma boa educação dos sentidos‖ (citado em Figueira, 2003, p. 723).
Adolfo Lima, grande companheiro de Álvaro de Lemos, foi um ―dos eixos
principais das tentativas de inovação educativa‖ no nosso paìs no que respeita à
instrução da modernidade nas ciências da educação em Portugal (Candeias, 1995a, p.
64).
Lima era defensor de uma pedagogia libertária. Tal como os pedagogos
libertários, defendia uma ―educação integral‖ no seio de ―uma escola única‖ (Candeias,
2003, p. 742) e distinguiu-se tanto de um ponto de vista teórico como no plano prático.
Como teórico da educação escreveu livros pedagógicos, artigos, e criou a revista
Educação Social. No campo prático e enquanto professor leccionou em várias
instituições, tanto oficiais como particulares. Foi criador de um novo tipo de escola, a
Escola Oficina n.º 1, na qual pôs em prática os princípios da Escola Nova. Foi ainda
professor na Voz do Operário, no Liceu Pedro Nunes e director e professor da Escola
53
Normal Primária de Lisboa. Dirigiu a Biblioteca-Museu do Ensino Primário e prestou
serviços educativos na Associação de Professores de Portugal, na Sociedade de Estudos
Pedagógicos, na Liga da Educação Educativa, etc. (Candeias, 1994), para além de ter
sido ― o primeiro responsável da secção portuguesa da Liga Internacional Pró-Educação
Nova. (Nóvoa, 1990). Segundo Candeias (1995a) este pedagogo, embora comungasse
ideias anarquistas, ―foi-o sempre de uma forma muito discreta, reservando o essencial
da sua intervenção pública para o campo da educação‖ (p. 52). Adolfo Lima, na esteira
de Dewey, Claparède, Ferrière e de outros cultores da Escola Nova, tinha as suas
convicções educativas assentes nos estudos da Psicologia de então e defendia ―que para
melhor educar a criança, necessário seria compreender as leis do seu desenvolvimento
psicológico, afectivo, mental e físico, a fim de ir adaptando as matérias aos diversos
estádios do seu desenvolvimento‖ (Candeias, 2003, p. 741).
António Sérgio, outro pedagogo da Escola Nova, será fortemente influenciado
por um conjunto de teses inovadoras e, contrariamente a outros pedagogos portugueses
do princípio do século XX, como Adolfo Lima e Faria de Vasconcelos, ―não foi um
produtor de ideias pedagógicas inovadoras‖ mas foi sobretudo um dos mais persistentes
divulgadores, entre nós, das correntes pedagógicas da escola activa, ―um pensador capaz
de inserir a questão educativa num âmbito social mais vasto e perspectivar a
organização do ensino no quadro de uma revolução cultural-social‖ (Hameline, Nóvoa,
1990, p. 166). Advogou a escola da pedagogia activa, o que marca o traço de união que
o ligou a Rousseau e a Pestalozzi. Segundo Hameline e Nóvoa, (1990) ―no retrato da
―famìlia pedagógica‖ da Educação Nova, Sérgio encontra-se em lugar de destaque, ao
lado de Kerschensteiner, Jonh Dewey, Ferrièrre e Montessori (p. 165).
Crítico da escola portuguesa, António Sérgio (1984), influenciado por Dewey,
defende uma educação adaptada a uma ―escola de trabalho‖ e à ―organização do
trabalho‖ (p. 29). Opinava que assim deveria ser ―a verdadeira educação portuguesa . . .
a verdadeira educação nacional‖ e defendeu até ao fim da sua vida a dita ―escola do
trabalho‖, cujo primeiro adepto havia sido Pestalozzi (Sérgio, 1984, p. 29).
Tal como John Dewey, ardente defensor da ―escola democrática‖, também
Sérgio (1918) defende que a escola ―deve ser uma fonte de juventude, onde se vai beber
para toda a vida o dom da constante renovação‖ (p. 31). Para ele, é a escola que prepara
o cidadão, enquanto comunidade educativa com vida social própria, onde o aluno
aprenderia pela prática o auto-governo e a democracia, investindo o pequeno educando
54
no sentimento da liberdade e da disciplina. Sérgio (1984), baseando-se nos princípios
activistas de Dewey, defende que a criança não deve ―ser adestrada para um dever
social sem a fazer quinhoeira de uma vida de sociedade‖ (p. 40) e, logo, que o objectivo
da educação‖ é desenvolver um ser humano em cada espírito, emancipar os indivíduos,
servir o progresso social; é treinar as inteligências cada vez mais plásticas, adaptáveis,
como exige a moderna democracia‖ (Sérgio, 1918, p. 18). Na mesma linha de
Montessori, o pedagogo defende que o professor deve ser um conselheiro e auxiliar o
aluno no trabalho realizado por este último, o mais activa e pessoalmente possível, mas
deverá sentir-se-lhe a intervenção somente no mínimo indispensável. O aluno trabalha e
cria; o professor inspira e guia. O professor sugere habilmente, critica mas não impõe
nenhum trabalho, porque o objectivo é incentivar as capacidades de iniciativa e a
autonomia na resolução dos problemas que se deparam.
Sérgio defende que os métodos pedagógicos até então usados nas escolas
portuguesas não se encontravam de acordo com os novos conceitos pedagógicos da
época e afirma que em Portugal não existe um ensino infantil mas ―uma espécie de
instrução de via reduzida‖ (Sérgio, 1918, p. 16). Propõe o método de Montessori para a
actuação pedagógica nas escolas infantis portuguesas e, neste sentido, prescreve como
aprendizagens na Casa das Crianças — como lhe chama Sérgio — quatro grandes
centros de actividades, a saber: o material de Montessori, a boneca como interesse
espontâneo da criança, o conto (ouvir e contar histórias pode ser a instrução natural da
leitura), a jardinagem e os animais enquanto iniciação aos fenómenos da vida e da
natureza (Sérgio, 1939).
O pedagogo era crítico em relação à formação dos professores primários edos
educadores de infancia. Segundo ele, seria necessário formar professores que soubessem
―usar os bons método de ensino‖, sendo que dispor de ―professores de pedagogia
prática, não é ter cientistas; é ter professores que senhoriem a técnica, os modernos
processos da sua arte‖ (Sérgio, 1939, p. 20). Para que tal acontecesse seria necessário,
no seu entender, haver boas escolas de preparação de professores, com aulas
experimentais de psicologia e de didáctica, escolas normais dignas desse nome, onde se
formassem os professores no treino da psicologia e da pedagogia da criança, pelo que
defende a formação de educadores no estrangeiro e sugere que se aproveite ―o pessoal já
habilitado que estudou em Barcelona com Montessori‖, apontando claramente para
55
profissionais formados através de novas técnicas e processos modernos e actuais
(Sérgio, 1918, p. 43).
António Faria de Vasconcelos, ―pedagogo e psicólogo de categoria e reputação
mundial‖ (Patrìcio, 1984, p. 58) foi também o ―mais internacional dos pedagogos
portugueses‖, (Nóvoa, 1988, p. 53) autor de uma obra pedagógica ―de interesse
inquestionável‖ (Fernandes 1992, p. 127) que abrange as mais diversas áreas, tais como
a Psicologia, a Sociologia, a Biologia e a Antropologia. Tendo sido uma das figuras
mais significativas na experimentação e divulgação de orientações e práticas educativas
das correntes pedagógicas da Educação Nova, Faria de Vasconcelos desenvolveu
intensa actividade, como professor, especialista, investigador, conferencista e publicista,
quer em centros universitários portugueses, quer estrangeiros (Bandeira, 2003).
Mantém relações privilegiadas com os pedagogos do Movimento das Escolas
Novas e cria em 1912 a Escola Nova de Bièrges-lez-Wavre, situada nos arredores de
Bruxelas, tornando-se conhecido no mundo da educação. Ferrière considerou esta escola
como ―um dos mais perfeitos exemplares da Escola Nova, alcançando quase os trinta
pontos da Escola Nova perfeita‖ (Patrìcio, 1984, p. 58).
Faria de Vasconcelos (1921) refere que a pedagogia contemporânea tem um
carácter essencialmente ―cientifico, dinâmico, genético, funcional e diferencial‖,
apresentando ainda uma outra caracterìstica: o seu pendor ―social‖. Para Vasconcelos, a
pedagogia deve ser social porque ―é um instrumento de conservação e aperfeiçoamento
da civilização‖ (p. 15).
Para aquele pedagogo a escola ―deve ser um lar, deve ser uma casa familiar . . .
dever ser agradável . . . deve ser alegre‖, deve estar situada num local arejado onde não
haja à volta nem construções nem trânsito. A escola deve possuir edifícios próprios e
para que tal aconteça será conveniente ―formar arquitectos escolares, que além da sua
percepção técnica e profissional tenham ideias bem definidas e orientadas sobre
educação e higiene escolar‖ (Vasconcelos, 1921, pp. 35-40).
Considera o pedagogo que a população escolar não deve atingir proporções
exorbitantes, pois quanto menos alunos tiver uma sala de aulas mais facilmente se
podem realizar os princípios fundamentais da psicopedagogia moderna, isto é, a
individualização dos processos e métodos de ensino, a flexibilidade e a adaptabilidade
dos programas, a mobilidade das classes, o trabalho fundado sobre a observação e a
experiência (Vasconcelos, 1921).
56
Considera que um dos princìpios da pedagogia moderna ―é a necessidade
primacial e o altíssimo valor educativo dos jogos e dos exercìcios‖, jogo que é ‖uma
verdadeira ciência de arte‖, entendendo com isso que a direcção dos jogos deveria ser
confiada a ―um educador especialista‖, como sucedia nos Estados Unidos. Defende
ainda que as escolas devem ter um campo de jogos ―com uma extensão amplamente
suficiente para múltiplos e variados jogos, individuais e colectivos‖. Para além dos
jogos, os cantos e as danças populares são um resultado de experiências colectivas e
―traduzem tendências da alma do povo, estão perto da fonte de onde brota a sua vida,
têm raízes profundas do seu ser, são forças vivas do seu ambiente espiritual‖
(Vasconcelos, 1921, pp. 61-73).
Também para aquele pedagogo os trabalhos manuais são ―um dos mais
poderosos agentes educativos, destinados a renovar não só os métodos, mas o próprio
espìrito da escola‖. Opõe-se a alguns educadores, entre os quais António Sérgio, quando
consideram o trabalho manual escolar a preparação para um ofício. Defende que
introduzir na escola primária a aprendizagem de ofícios e dar ao ensino um carácter
profissional ―é violar o fim da escola primária, desviá-la da sua verdadeira missão,
transformá-la numa escola especial quando ela não deve ser senão uma escola de cultura
geral‖. Para este autor, o trabalho profissional deve ser ministrado ―em verdadeiras
oficinas industriais e por artífices preparados‖ (Vasconcelos, 1921, pp. 75-103).
Na sequência da aprendizagem realizada no estrangeiro e tendo por base a sua
experiência na educação escolar, Irene Lisboa propõe um programa para a ensino
infantil onde se encontram bem explícitos os conceitos pedagógicos da Escola Activa. O
seu trabalho Bases para um programa da escola infantil reveste-se de particular
interesse, tratando-se de um notável documento pedagógico. Segundo Pinheiro (1990)
―pela primeira vez em Portugal são lançadas as bases correctas para a criação de um
Programa de Escola Infantil, baseada nos princípios da psicologia e pedagogia
modernas, respeitando-se, com grande sensibilidade e inteligência, os direitos da
criança‖ (p. 7). Irene considera que a principal função da escola infantil é favorecer o
desenvolvimento da criança, satisfazendo a sua tendência activa e construtiva, devendo
a escola ―procurar os meios naturais de os fazer expandir, pelo que deve ser neutra e
paciente. A sua função é de estimular, de animar, mas os seus estímulos serão
escolhidos entre os objectos e os factos mais aparentados com os desejos das crianças‖
(Lisboa, 1933, p. 140).
57
João de Barros, amigo e colaborador de João de Deus Ramos, republicano
convicto, embora não fosse pedagogo ―no sentido técnico da palavra, apreendera desde
cedo, mercê da intuição que é a característica distintiva do educador, o valor
humanizante do ensino e o potencial formidável que a criança representa‖ (Fernandes,
s.d, p. 65). Para João de Barros a actividade educativa visava em primeiro lugar a
criação de um ―homem novo‖.
Segundo João de Barros impunha-se ―republicanizar‖ o paìs e ―republicanizar‖ a
escola desde o jardim-de-infância, erigindo uma educação republicana de acordo com
princípios educativos absolutamente contrários àqueles que dantes se seguiam e ensinar
ao aluno o mais arreigado amor à sua pátria. Para ele, a expressão ―educação
republicana‖ significa essencialmente educação patriótica, entendendo por patrióticos
―todos os sentimentos, actos ou resoluções que sirvam para assegurar e desenvolver as
qualidades da raça e a prosperidade do paìs‖ (Barros, s.d, p. 8). A democratização da
escola parecia-lhe, com efeito, um dos objectivos que a República não poderia deixar de
concretizar.
Para este autor, as bases do ensino deveriam ser nacionais, como nacionais
deveriam ser as suas finalidades. Seria através do desenvolvimento do indivíduo que o
ensino havia de se revestir de um valor social e nacional. Para Barros, (1911) ―o
principal, senão o único fim da educação, é dar à criança todas as possibilidades de
viver fortemente, completamente no seu meio, de desenvolver a sua personalidade em
harmonia consigo própria e com o seu meio‖ (p. 23).
João de Barros salienta a importância do ensino infantil no sistema geral da
escolaridade, desde que o ensino seja adaptado às necessidades do desenvolvimento
integral da criança. Na escola primária, afirma, ―não há tempo para ‗educar‘ como seria
preciso porque já há muito que estudar‖. O professor primário, com tanto que tem que
ensinar, não tem tempo para ―corrigir no aluno todos os defeitos, todos os desvios que
ele trás da educação da famìlia ou da rua‖ e uma das vantagens das escolas para a
primeira infância é ―impedir a deformação ou a viciação, mais tarde incorrigíveis, da
personalidade da criança‖ (Barros, s.d, p. 81).
João de Barros (1911, Abril, Maio, Junho), ao comparar o Jardim-Escola João de
Deus com as Escolas Maternais que visitou em Inglaterra e França, esclarece que estas
eram apenas um lugar de recreio, com a ―função pedagógica apenas dependente da
higiene‖. No Jardim-Escola de Coimbra, pelo contrário, embora a criança também
tivesse tempos de recreio, era fácil ―aprender como ela respira, como brinca, como
58
dança, como se alimenta, como de dia para dia cresce e se modifica o seu organismo.
Aprender — mas não ser moldada...‖. Assim, na opinião de Barros, o Jardim-Escola
João de Deus acumulava duas funções, ―a educativa e a higiénica‖ (p. 46). Ainda para
este autor, no Jardim-Escola João de Deus em Coimbra,
respira-se uma atmosfera absolutamente nacional, pelo simples cuidado em excluir
todo e qualquer vestígio do estrangeiro, quer na construção do arranjo da casa, quer
nas decorações, quer no método de ensino, que é baseado nos princípios admiráveis
da obra genial de João de Deus‖ (Barros, s.d, p. 25).
Para João de Barros, (1916) as ideias de Montessori, divulgadas no nosso país
por António Sérgio e sua mulher, Luísa Sérgio, significavam uma nova interpretação da
criança e uma nova aplicação das últimas descobertas da psicofisiologia, mais
considerando que aquele método, pela audácia da sua concepção, pelo grande sopro de
liberdade que representava, pelo extraordinário, encantador carinho maternal que
traduzia, exprimia talvez ―o estádio mais avançado da pedagogia moderna‖ (p. 161).
Ao comparar o método de Maria Montessori com as concepções pedagógicas de
João de Deus considera que aquele método não provocou um espanto excessivo no
nosso país, sabida já a existência dos nossos Jardins-Escolas João de Deus, ―tão
semelhantes às Case dei Bambine pelos princípios educativos em que se inspiram, se
bem que tão essencialmente, tão fundamentalmente portugueses pela aspiração
nacionalizadora que realizam‖ (Barros, 1916, p. 162).
Barros (1916) considera que a base moral de ambos os métodos é a mesma,
fundada na alegria da criança em vez de o ser na imposição. Para este autor, a alegria da
criança ―é a função da sua liberdade, do livre e racional desenvolvimento do seu espírito
e do seu corpo (p. 168).
Era, assim, nos Jardins-Escolas João de Deus, que João de Barros via as ― bases
da escola nacional moderna‖, onde se fornecia à criança um ensino concreto, realístico.
Ali, a criança vivia ―num ambiente de alegria, de higiene e de harmonia artìstica que lhe
afina a sensibilidade, que lhe aviva a inteligência e que lhe vigoriza o corpo‖ e ali se
praticavam três grandes virtudes da democracia: ―a liberdade, o civismo e a
solidariedade‖ (Barros, 1916, pp. 14-15).
59
2.4. A educação de infância em Portugal
A escola infantil, ou jardim-de-infância, nasceu com a revolução industrial, em
consequência das profundas transformações sociais operadas na sociedade de então,
tendo o desenvolvimento da educação pré-escolar ficado a dever-se, sobretudo, à
necessidade de assegurar a guarda das crianças enquanto as mães trabalhavam. Esta
situação começou a verificar-se em resultado da mobilização da mão-de-obra feminina
pelos grandes centros fabris e, ao mesmo tempo, de uma crescente preocupação
assistencial tendente a garantir melhores condições de vida às crianças oriundas de
meios desfavorecidos, sobretudo no seguimento da concentração da população nos
centros urbanos.
Naquelas instituições, essencialmente destinadas a dispensar os cuidados
mínimos de saúde e bem estar que a família já não podia assegurar, começaram a ser
ensaiados determinados métodos e técnicas pedagógicas que visavam responder às
necessidades do desenvolvimento das crianças que as frequentavam, de modo a
favorecer o seu processo de aprendizagem.
Em Portugal, a educação infantil percorreu etapas semelhantes às dos outros
países da Europa, embora com um significativo atraso, sobretudo em relação à criação
de instituições oficiais, o que ficou a dever-se à sucessão de acontecimentos políticos e
económicos em que o nosso país foi mergulhando durante grande parte do século XIX.
A este facto não é também alheia a circunstância de a revolução industrial aqui ter
chegado muito mais tarde, se é que pode dizer-se que chegou verdadeiramente. Tal
como nos outros países europeus, também aqui as instituições destinadas a acolher
crianças em idade pré-escolar começaram por estar ao cuidado de congregações
religiosas e revestiram aspectos eminentemente assistenciais e sociais. Recordemos, a
este propósito, mas numa fase muito mais recuada, a Rainha D. Leonor, que a partir de
1458 criou as ―Misericórdias‖, uma obra essencialmente caritativa e assistencial
destinada a crianças abandonadas, pobres e doentes (Cardona, 1997).
Em 1834, com a expulsão das ordens religiosas do nosso país, foi criada a
primeira instituição para crianças, a ―Sociedade das Casas de Asilo da Infância
Desvalida de Lisboa‖, fundada no mesmo ano sob a protecção de D. Pedro IV, com a
60
finalidade de ―dar protecção e educação às crianças pobres de ambos os sexos, desde
que tenham acabado a criação de leite‖ (citado por Rocha, 1984, p. 98).
Nos finais do século XIX observa-se uma grande preocupação em desenvolver a
instrução popular e reconhece-se a necessidade de criar instituições para crianças em
idade pré-escolar. Começa a valorizar-se a função educativa atribuída às instituições
destinadas à guarda de crianças pequenas, ―observando-se gradualmente a substituição
do espírito caritativo e assistencial por uma nova concepção educativa‖ (Cardona, 1997,
p. 27).
Em 1882, foi criado em Lisboa, no jardim da Estrela e pelo lápis do arquitecto
José Luís Monteiro, um jardim-de-infância público durante o ano comemorativo do
centenário do nascimento de Fröbel. ―Com a intenção de servir de modelo para futuras
construções, o edifício erigiu-se em forma de chalé, tendo como princípios seguidos
pelo arquitecto a modéstia e a elegância‖ (Durão, 2001, pp. 36-37). Esta ―Universidade
da Meninice‖ foi, entre 1882 e 1892, frequentada por crianças de ambos os sexos, dos
três aos sete anos, divididas em quatro classes, tal era a premência deste tipo de apoio à
família (Rocha, 1984, p. 158).
A partir da segunda metade do século XIX Portugal enfrenta uma profunda crise,
tanto política, como económica e financeira. As contradições da monarquia
constitucional agravam-se com o passar dos anos, atravessam toda a sociedade, e a sua
ideologia desencanta cada vez mais cidadãos, em especial os mais esclarecidos das
camadas jovens.
No tocante às influências estrangeiras que estão na génese da Geração de 70,
avulta desde logo uma nova corrente filosófica cujos mentores são, em França, Augusto
Comte, Littré e Proudhon e, na Inglaterra, Darwin, Spencer e Stuart Mill, entre outros,
tanto de um como do outro lado do Canal. Trata-se do positivismo, nascido com a
ingente tarefa de fazer face à profunda crise económica, política e ideológica do
capitalismo, de ―obter uma regeneração dessa crise através da salvaguarda dos valores
fundamentais da sociedade burguesa‖ (Catroga, 1977a, p. 308). Secundando os paìses
mais avançados da Europa, com especial destaque para a França, também Portugal
―começa a fundir num todo a nova filosofia com o movimento republicano (Catroga,
1977b, p. 287).
Refere Fernando Catroga (1977b) que o positivismo aparece em Portugal
―intimamente ligado ao surto organizativo do movimento republicano; e sabe-se que tal
61
emergência está correlacionada com o despertar político das classes médias e da
pequena burguesia urbana‖ (p. 289). Os espìritos mais vanguardistas sentiam a
necessidade imperiosa de erigir e pôr em prática um plano de regeneração que, abalando
com o necessário vigor as caducas estruturas do poder instituído, abrangesse os planos
intelectual e moral, político e económico. Em consonância com o idealismo filosófico
que perfilhavam, defendiam que a solução assentava na prévia reforma intelectual e
moral da sociedade e que tal reforma traria, como que por arrasto, as necessárias
alterações nos planos político e económico, sendo que qualquer projecto regenerador
―devia basear-se no enquadramento da sociedade portuguesa como um todo, totalidade
que se exprimia naquilo que para os nossos intelectuais era o principal problema do
século XIX: a questão social‖ (Catroga, 1977a, p. 311).
No plano educativo, o racionalismo positivista irá pôr o acento tónico na
necessidade de generalizar a educação popular, obrigatória e laica e, desta feita,
combater a influência das ideias religiosas propugnando o afastamento da Igreja do
processo educativo. Quanto à pedagogia propriamente dita, virá a ser fortemente
marcada pelo positivismo quando, rompendo de forma drástica com as concepções
escolásticas então dominantes, defende o estudo da criança e do seu desenvolvimento
cognitivo, físico e afectivo como a base em que deve assentar uma verdadeira ciência da
educação.
As ideias mestras do racionalismo positivista hão-de ainda inspirar os
reformadores liberais que, agrupados ―nas associações de carácter mais ou menos
maçónico, ou mais ou menos religioso no mundo protestante, vão tentar melhorar as
condições de vida populares através das escolas, creches, sociedades mutualistas, sem
nunca porem em causa, no entanto, as bases da economia capitalista‖ (Candeias, 1994,
p. 171).
Implantada a República, dir-se-á que a influência política e social da maçonaria
foi ―de vento em popa‖, sendo que falar da maçonaria portuguesa nos alvores da
República é falar da própria República Portuguesa, dos homens que lhe deram corpo e
que lhe deram voz. Com a proclamação da República, a Maçonaria ―passou a ser olhada
como qualquer coisa de útil, de pragmaticamente necessário no curriculum a candidato
a ministro, a deputado ou a simples funcionário público‖ (Marques, 1998a, p. 42).
Durante os últimos anos da Monarquia foram adoptadas diversas medidas
legislativas visando a reforma e a melhoria do sistema educativo. Porém, a situação
62
mantinha-se crítica e a propaganda republicana anterior a 1910 insistia na necessidade
urgente de resolver o problema cultural do País. Grande parte das ideias inovadoras
surgidas no século XIX e das reformas então propostas não chegaram a ter expressão
prática devido à inércia da acção governativa e, também, aos problemas económicos
com que o país se debatia. Embora tivesse sido publicada, nos finais da Monarquia,
variadíssima legislação relacionada com a modernização do sistema educativo, visando
a criação de instituições estatais de educação pré-escolar e vinculando estas ao o ensino
primário, ―na prática a concretização destas boas intenções foi quase inexistente‖
(Cardona 1997, p. 34).
Após a implantação da República a 5 de Outubro de 1910, o poder político
valoriza finalmente as questões educacionais, genuinamente interessado em encontrar os
meios através dos quais pudesse ser gerado o ―homem novo‖. Depressa se percebeu que
a criação deste ―homem novo‖ passava por novas formas de educação e por ―iniciativas
progressistas de extensão cultural ou na procura de novos modelos pedagógicos‖
(Fernandes, 1979, p. 121). Esta ambição republicana de ―formar um homem novo
concedeu aos professores um papel simbólico de grande relevo‖ (Nóvoa, 1992, p. 17).
Verificou-se a partir de então uma genuína preocupação com a pequena infância
e com o enquadramento da sua educação pelo Estado. Logo após a revolução, António
José de Almeida, então ministro do Interior, encarregou João de Barros, então DirectorGeral da Instrução Pública, e João de Deus Ramos, que chefiava a Repartição
Pedagógica, para procederem ao estudo e à redacção da reforma do ensino primário.
Pouco antes da sua publicação, aquele projecto acabou por ser alterado. A
discordância em relação a aspectos de fundo e também de forma conduziram ao
afastamento de João de Deus Ramos e de João de Barros da administração pública.
Entretanto, a 29 de Março de 1911, é publicada no Diário do Governo a versão alterada
do aludido projecto de reforma, onde a instrução é valorizada como meio privilegiado
de promoção da evolução social. Os republicanos tentam, assim, valorizar a instrução,
promovendo a educação popular e o ensino infantil. Oliveira Marques, ao abordar este
assunto, é de opinião que as reformas republicanas do ensino primário e ―o espírito que
as animava influenciaram consideravelmente a qualidade da instrução oficial aberta a
todos‖ (Marques, 1998a, p. 357). Para Barreto e Mónica (1999, p. 603) o ensino infantil
é ―uma criação da Primeira República‖. Esta valorização da instrução estava
63
intimamente ligada ao contexto social e ao atraso sócio-cultural que caracterizava o
nosso país neste período.
Durante os primeiros dezasseis anos do regime republicano foram tomadas
diversas medidas e levadas a cabo várias reformas educativas, entre as quais é de
assinalar a reforma de 1911, que integra essencialmente as ideias republicanas. O ensino
infantil aparece como uma preparação para a escola primária, mas com características
diferenciadas para a educação pré-escolar e para a escola primária e estabelece-se a
criação de escolas infantis nos bairros de Lisboa e Porto, bem como em todas as capitais
de distrito. Em relação à formação das professoras das escolas infantis, é ―definido que
estas serão formadas nas escolas normais, responsáveis pela formação das professoras
do ensino primário‖. Após o curso geral, as professoras que quisessem optar pelo ensino
infantil deveriam realizar ―um curso de dois anos de duração para a realização de uma
formação mais especìfica para o ensino em escolas infantis‖ (Cardona, 1997, p. 38).
Enquanto que o ensino infantil oficial não passou de uma boa intenção em forma
de lei, após a assinatura do decreto da reforma da instrução pública é inaugurado em
Coimbra, a 2 e Abril de 1911, o primeiro Jardim-Escola João de Deus.
Faria de Vasconcelos critica a estrutura e o funcionamento dos jardins-deinfância então existentes em vários países. Segundo o autor, a grande maioria dos
jardins-de-infância não realiza as condições mais elementares de higiene geral, pessoal e
escolar, afirmando que ―são mais depósitos e estufas do que verdadeiros jardins e que a
obra que neles se realiza longe de ser educativa é de puro dressage‖ (Vasconcelos,
1922, p. 54).
Descreve os objectivos que deviam nortear a estrutura e o funcionamento dos
jardins-de-infância e, a final, faz referência a dois jardins-escolas, um em Coimbra e
outro em Lisboa, fundados ambos por João de Deus Ramos, e diz:
Num país como o nosso onde as obras de acção são escassas — diz-nos Vasconcelos
—- é para louvar o espírito de iniciativa que não se contenta com o agitar e pregar
ideias, mas que as transforma em acto...um tal esforço é digno de aplauso e de alento
(idem, p. 56).
Os republicanos tentaram dar expressão prática aos princípios pedagógicos que
defendiam, encontrando novas formas de educação, combatendo desta feita o ensino
64
tradicional e defendendo uma Educação Nova, influenciada pela divulgação de
experiências pedagógicas realizadas por pedagogos estrangeiros. Este conhecimento
contribuiu para a ―tomada de consciência de soluções alternativas‖ e ―criou uma
atmosfera favorável à introdução de reformas inovadoras‖ (Fernandes, 1993, p. 162).
Em 1919, Leonardo Coimbra é nomeado Ministro da Instrução Pública, procedese a uma nova Reforma e, em 10 de Maio de 1919, através do Decreto n.º 5.787-A, é
ordenada a ―a abertura da primeira escola primária superior no ano-lectivo de 19191920‖, já prevista, aliás, na Reforma de 1911 (Nóvoa, 1988, p. 38). Em muitos aspectos
daquela Reforma é patente o espírito da Educação Nova e Nóvoa (1988) considera que
os programas do curso normal aprovados em 1919 ―constituem hoje um notável
documento pedagógico, talvez o mais coerente do ponto de vista metodológico
produzido durante o período republicano e, sem dúvida, o que denota uma melhor
fundamentação cientìfica‖ (p. 40).
Em relação à educação de infância, prevê aquele diploma que as escolas infantis
passam a ser organizadas em três secções, considerando-se o ensino infantil como
preparação para o ensino primário. A 29 de Setembro do mesmo ano é publicado um
novo decreto, que continua a considerar o ensino infantil como auxiliar preparatório
para o ensino primário geral, nele se definindo, de forma mais detalhada, as novas
regras de funcionamento, as condições das instalações e dos equipamentos escolares. É
aconselhado o ensino sob a forma de ―lições de coisas‖ e, como preparação para o
ensino primário, prevê-se a utilização do material fröbeliano e a adopção do método
Montessori, mais se prevendo que o ensino infantil seja dirigido ou ministrado por
professoras diplomadas com essa especialização. A 8 de Julho de 1920, Augusto Pereira
Nobre, Ministro da Instrução Pública, regulamenta através do Decreto n.º 6.732 o
funcionamento dos cursos de aperfeiçoamento ministrados nas Escolas Normais
Primárias para professores oficiais efectivos de ensino infantil e primário geral (Gomes,
1986).
Devido à falta de educadoras especializadas para este nível de ensino, Irene
Lisboa e Ilda Moreira são convidadas pelos serviços oficias a prepararem-se para
ministrar o ensino infantil nas duas ―classes preparatórias‖ da Escola da Tapada. Estas
aceitam o convite e preparam-se estudando obras de Montessori, Decroly e Félix Klein
e, em 1921, começam a exercer o ensino infantil na referida escola, onde, ―pela primeira
65
vez em Portugal, são experimentados com êxito os processos e as técnicas preconizadas
por Montessori e Decroly‖ (Pinheiro, 1991, p. 2).
Em 22 de Junho de 1923, é apresentada ao parlamento pelo Ministro da
Instrução em exercício, João Camoesas, uma proposta de lei sobre a Reorganização da
Educação Nacional, que determina a conversão das Escolas Normais Superiores em
Faculdades de Ciências de Educação, integradas no ensino universitário e onde se realça
―a formação de todos os docentes, começando pelas jardineiras de infância, das escolas
infantis‖ e se exprime ―a necessidade de serem criados jardins de infância públicos,
tendo em conta que as poucas escolas existentes surgiram, na sua grande maioria, a
partir de iniciativas privadas‖ (Cardona, 1997, p. 42). João Camoesas lamentava não
existirem, no nosso pais, ―fora do âmbito da iniciativa particular, jardins-de-infância,
apesar de a educação infantil ser um serviço público, ou tentar a sê-lo, nos países mais
adiantados‖ (citado em Rocha, 1984, p. 275). No mesmo ano aquele ministro determina,
através do Decreto n.º 9.223, de 6 de Novembro, que ―as classes preparatórias das
escolas primárias serão regidas sempre por professoras diplomadas com o curso de
ensino infantil‖ (citado em Gomes, 1986, p. 80). A queda do governo impossibilitou a
discussão e a votação deste projecto de reforma, que no entanto continuou a ser
defendido em Congressos de Professores e na imprensa pedagógica. O regime
republicano, incapaz de resolver as suas contradições internas e de definir uma
estratégia de desenvolvimento para o país, deixou de poder contar com a classe média, o
que criou as condições de eclosão do movimento revolucionário de 28 de Maio de 1926.
Contrariamente às ideias defendidas pelos republicanos, que preconizavam uma
educação para todos e promoviam a igualdade recrutando alunos de todas as classes
sociais, o Estado Novo, não possuindo um aparelho político unificado, utilizará a Escola
e a Igreja como aparelhos ideológicos do Estado, e virá a considerar a educação não
como um direito individual, ―mas como uma necessidade do estado, como agente de
doutrinação moral e polìtica‖ (Mónica, 1978, p. 116). A escola nacionalista de Salazar
―deixa de ser vista como instrumento de transmissão de conhecimentos (instrução), mas
como uma agência de transformação da consciência (educação)‖ (Nóvoa, 1987, p 555).
Definindo como grandes princípios ideológicos a unidade, a ordem e o
nacionalismo, vai introduzi-los através da trilogia Deus, Pátria e Família, que deve
começar a ser ensinada às crianças pela escola e pela a igreja. Passa a ser tarefa da
escola a propaganda das ideias defendidas pelo estado, sendo esta vista como meio
66
privilegiado para a doutrinação do povo. Ao Estado competia formar a mente da criança
e a escola ―assentava na concepção de um ensino destinado a formar homens dóceis,
com um grau de cultura rudimentar‖ (Fernandes, 1979, p. 141).
A Constituição de 1933 não garante a gratuitidade da educação infantil e ―atribui
à famìlia o cargo primordial da acção formativa‖, de que o Estado seria apenas
cooperador (Gomes, 1986, p. 94). Com a preocupação de generalizar a instrução pública
de uma forma mais económica, são definidas ―medidas drásticas para reduzir o dinheiro
gasto na educação‖ que vão afectar também o ensino infantil (Cardona, 1997, p. 43).
Dificulta-se assim o investimento na escola enquanto lugar de mobilidade social,
ao mesmo tempo que se consolidam estratégias restritivas de acesso aos diferentes
níveis de ensino. Apesar de tudo, entre 1926 e 1937, ainda continua a existir grande
interesse pela educação de infância.
Com a entrada de Carneiro Pacheco no Governo, em 1936, vai verificar-se uma
mudança de rumo, resultado, ao menos em parte, de uma certa filosofia segundo a qual
a educação, e de modo especial a educação da infância, era missão da família.
A 15 de Agosto de 1936 são aprovados por decreto-lei os estatutos da ―Obra das
Mães pela Educação Nacional‖. A esta ―Obra‖ cumpre a ―defesa da chamada célula
social básica‖, a família. (Serrão, Marques, 1992, p. 401), sendo-lhe cometida a
responsabilidade de restaurar na família a consciência da sua indeclinável ―missão de
educar os portugueses de amanhã e para aumentar a sua capacidade educadora‖
(Barreto, Mónica, 1999, p.603). À Obra das Mães pela Educação Nacional, para além
de estimular a acção educativa na famìlia em ―defesa dos bons costumes‖ cumpre
organizar a Mocidade Portuguesa Feminina, interiorizando nas jovens portuguesas ―a
devoção ao serviço social e o gosto da vida doméstica‖ (Serrão, Marques, 1992, p. 401).
Em 1937 o governo decide extinguir os jardins de infância oficiais, sendo
promulgado o decreto Lei de 9 de Outubro, em cujo preâmbulo o governo de Salazar,
através do seu já referido Ministro da Educação, Carneiro Pacheco, a pretexto da grande
recessão económica de 1929, dos elevados custos da educação infantil e da sua
fraquíssima cobertura (1%), pretende fundamentar a extinção dos jardins de infância
oficiais (Gomes, 1986). O Estado passava a ter apenas o dever de estimular a acção
educativa da família e auxiliar as instituições particulares que promovessem a
assistência educativa pré-escolar e, bem assim, estabelecer a fiscalização desta.
67
O encerramento das escolas infantis oficiais e a transferência da educação
infantil para o controlo da Obra das Mães foram acompanhados de um novo movimento
da iniciativa privada para promover ―a segurança, a higiene e a educação das crianças‖
(Magalhães, 1997, p. 137).
Apesar de tudo não deixava de ser reconhecido o papel da iniciativa particular,
designadamente o dos Jardins Escolas João de Deus. A Câmara Corporativa reconhece
que ―a escola infantil não chegou a existir no nosso ensino oficial, a não ser com um
carácter demonstrativo e meramente pragmático‖, pelo que, neste âmbito, privilegia a
iniciativa privada (Gomes, 1986, p. 95).
Segundo Sampaio, (1968) a inexistência de um ensino infantil oficial explica
que a preparação de educadoras de infância se venha circunscrevendo a
estabelecimentos de ensino particular. Segundo Cardona (1997), observou-se durante o
Estado Novo a existência de ―um grande controlo sobre o ensino privado. Mesmo
quando o catolicismo era a religião oficial, as instituições não escapavam‖ (p. 53).
Em 1943, a Associação dos Jardins-Escolas João de Deus, perante a necessidade
de formar educadoras para os seus jardins-escolas, cria um curso de formação para
funcionar de acordo com as linhas de orientação pedagógica defendidas pelo seu
método de trabalho. Este Curso, denominado Curso de Didáctica Pré- Primaria pelo
Método João de Deus, ainda hoje persiste, integrado na Escola Superior de Educação
João de Deus.
Entretanto, em 1949, é publicado um decreto que determina a criação de um
departamento encarregado de realizar a inspecção do ensino privado, a Inspecção-Geral
do Ensino Particular e, no mesmo ano, é promulgado o Estatuto do Ensino Particular.
Se bem que durante os anos 40 se tenha mantido quase estacionário o número de
instituições de ensino privado, este sofreu um grande incremento na década seguinte,
sobretudo a partir da iniciativa de movimentos católicos. Em 1954, são criadas em
Lisboa duas escolas particulares de educadoras de infância, o Instituto da Educação
Infantil — que tinha anexo o jardim-de-infância denominado Escola do Beiral — cuja
fundadora foi Maria Teresa Guedes de Andrade dos Santos e ficou conhecido por
―Mitza‖, tendo deixado de funcionar em 1974; e a Escola de Educadores de Infância,
que tinha anexo o jardim-de-infância O Nosso Jardim, hoje designada por Escola
68
Superior de Educação Maria Ulrich, cuja fundadora foi Maria Mayer Ulrich (Cardona,
1997).
2.4.1. João de Deus e a Cartilha Maternal
João de Deus de Nogueira Ramos, filho de Pedro José Ramos, comerciante, e de
D. Isabel Gertrudes, nasceu no Algarve, em S. Bartolomeu de Messines, a 8 de Março
de 1830. Simplificou o seu nome para João de Deus Ramos e, a partir de 1868, reduziuo apenas a João de Deus. Era o quinto filho do casal, mas não deixou por isso de herdar,
do pai, a autoridade inquebrantável de carácter e a firmeza na defesa dos seus ideais; e
de herdar de sua mãe a bondade, que era um dos traços mais marcantes do carácter
desta. (Braga, 1930) João de Deus passou a infância na sua terra natal, ―num berço de
amor‖ (Braga, 1930, p. 7), recebendo em casa a primeira instrução e ingressando
posteriormente no seminário de Faro, ―onde recebeu ordens menores e onde cedeu o
lugar a um irmão que veio a ser sacerdote‖ (Magalhães, 1995, p. 7).
Cedo abandonaria os estudos eclesiásticos, não porque as suas convicções
religiosas tivessem sofrido algum abalo, mas porque o seu desejo de liberdade e a sua
maneira de ser não se coadunavam com o espírito fechado do ambiente eclesiástico de
então. Em 1849 parte para Coimbra, com o propósito de se formar em Direito, onde
―convive com outros moços, como ele amigos da poesia e da vida descuidada, que era a
de então, que estuda alguma coisa e lê os poetas que gosta, que se informa de alguns dos
que no passado histórico escreveram versos e que escolhe os de quem se sente irmão e
continuador‖(Magalhães, 1995, p. 8).
A sua deslocação para Coimbra e o consequente e vívido contacto com o meio
universitário deixaram intacto o seu arreigado catolicismo. Do mesmo jeito, também a
prolongada demora em concluir os estudos jurídicos em nada alterou a sua vida
exemplar. Dele diz Teófilo Braga (1930) que se tornou ―um tipo lendário de escolar,
dizia-se o seu nome como uma divisa simpática - João‖ (p. 15).
Em Coimbra, onde viveu a mocidade, ―começou a sua consagração. Nela
mostrou a nobreza da sua alma e a generosidade do seu coração‖ (Nunes, 1996, p. 9).
Torna-se conhecido como poeta, publicando em jornais e revistas as primeiras poesias.
A mulher e Deus são as suas fontes de inspiração, tendo-lhe a sua obra lírica valido a
69
rendida admiração dos contemporâneos e um dos primeiros lugares na história da poesia
portuguesa. A primeira poesia escrita por João de Deus parece ter sido A Pomba, em
1851, publicada primeiro no Eco do Lima e, depois, no Campo de Flores (Braga,1930).
Mas, se foi profundamente admirado pela sua sensibilidade poética, João de
Deus possuìa outros dons: dedilhava a viola, que ―tocava à maravilha, que dominava
quase tanto como José Dória, o melodista extraordinário‖ e desenhava. Ficaram célebres
as suas caricaturas e desenhos, alguns dos quais chegaram aos nossos dias. As paredes
da ―república‖ ―onde morou são referidas em escritos de muitos dos seus
contemporâneos como autênticas obras de arte. (Braga, 1930, p. 15). Ainda sobre este
assunto diz-nos Teófilo Braga (1930) que ―se a palavra nos seus lábios desenhava, se a
viola coloria as canções do povo, João de Deus tinha outras aptidões artísticas que o
tornavam amado e admirado: desenhava à pena como poucos‖ (pp. 15-16).
Em 1862 é contratado para a redacção do Jornal ―O Bejense‖ e, para além da sua
regular colaboração, ali deixou muitas composições líricas.
O poeta importava-se muito pouco com os seus escritos. Com efeito, compunha
os seus poemas, recitava-os aos amigos, e foram estes que tiveram, felizmente, o
cuidado de os compilar. Em 1868 aparecem as suas poesias num volume intitulado
Flores do Campo, publicado por José António Garcia Blanco. Mais tarde, em 1893, é
editado um novo livro, desta vez intitulado Campo de Flores e constituído por dois
grupos de poesias avulsas reunidas sob o título Ramos de Flores e Folhas Soltas, sob a
organização de Teófilo Braga (1893), que sobre este assunto escreve: O Campo de
Flores resultou do exame das colecções manuscritas particulares e dos jornais coevos da
provìncia‖ (p. X).
Em 1869, influenciado por José Garcia Blanco e Domingos Vieira, o poeta é
eleito deputado por Silves, o que o levou a fixar residência em Lisboa. A política não o
seduz, a função de deputado não se coadunava com a sua maneira de ser, pelo que
―fugiu a tempo dos partidos médios, e contentou-se com ser um simples homem de
bem. Não tornou a ser eleito deputado‖ (Braga, 1930, p. 24).
Por esta altura, João de Deus casa-se com Guilhermina Battaglia, de ascendência
italiana, vinte anos mais nova e senhora ―de grande ilustração e alto espìrito‖ (Azevedo,
1975, p. 7). Para além de esposa foi educadora e, após a morte do poeta, dedicou a sua
vida à obra pedagógica do marido. Guilhermina Battaglia prestou inúmeros serviços à
causa da instrução portuguesa e, durante alguns anos, foi presidente da Caixa de Auxílio
70
a Estudantes Pobres do Sexo Feminino. Em 8 de Março de 1930 foi condecorada com a
Grã-Cruz da Ordem da Instrução.
Do casamento teve quatro filhos: Maria Isabel, José Espírito Santo, João de
Deus Ramos e Clotilde Rafaela, que herdara de seu pai o gosto poético e faleceu com 21
anos, com o ―terrìvel mal do século, doença contraìda depois de um desgosto amoroso.
(Deus, 1979, p. 8).
Em 1865, M. Rovere, gerente da editora Rolland, de Lisboa, convida João de
Deus a escrever um método de leitura para as primeiras letras. A editora Rolland vem a
abrir falência e fecha as suas portas sem ter editado a obra. Mas o poeta abraça com
entusiasmo esta missão e, em Março de 1876, A Cartilha Maternal ou Arte de Leitura é
editada pela Livraria Universal Magalhães & Moniz (Carvalho, 1991).
Segundo Gomes (1986), é sobretudo neste período que surgem em Portugal duas
grandes preocupações: por um lado, a preocupação de criar mais escolas primárias, num
país onde a maior parte dos cidadãos é analfabeta; e, por outro, a preocupação de
encontrar um método adequado para ensinar as primeiras letras. Neste contexto, são
publicados, no nosso paìs, ―vários livrinhos para ensinar a ler, cada um dos quais
procura apresentar o melhor método‖ (p. 156). De entre esses livrinhos para a
aprendizagem da leitura e da escrita, destacam-se três métodos de ensino: o Método de
Ensino Mútuo, de João Crisóstomo do Couto e Melo, o Método Repentino ou Método
Português, de António Feliciano de Castilho, e a Cartilha Maternal, de João de Deus.
A educação do povo era para João de Deus uma grande preocupação, com o
analfabetismo a atingir cerca de 80% da população portuguesa. Cedo o poeta se
apercebeu de que o ensino da leitura e da escrita constituíam objectivos que decorriam
da intenção primacial de educar, ou seja, de formar, moral e espiritualmente, o ser
humano. ―Um certo socialismo humanista orientou a obra João de Deus, para quem o
acesso à cultura devia permitir melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos‖
(Carvalho, 1991, p. 10).
Para o poeta, não era necessário que os filhos do povo falassem como
académicos, essencial era ―fazê-los quebrar o círculo da animalidade, dando-lhes por
meio da leitura e da escrita o horizonte infinito do homem‖ (Deus, 1876, p. 41).
Em 1862, João de Deus, referindo-se ao martírio das crianças com o ensino da
leitura, escrevia: ―Simplificai e regularizai a lìngua de Camões, e vereis, não só todos
71
saberemos ler, senão dentro de cem anos o nosso prelo em correspondência com os
livreiros do mundo‖ (O Mundo, 1902, Julho 13, p. 2).
Crê-se que a elaboração da Cartilha Maternal lhe absorveu uma boa parte do
tempo, o que o terá feito abrandar o seu labor poético, porquanto, para fundamentar o
seu método, procede durante oito anos a um minucioso estudo da língua nos seus
aspectos fonológico e fonético. A este propósito diz-nos a neta do poeta:
João de Deus debruçou-se sobre a língua portuguesa como um escultor estuda
anatomia, para dar verdade e atitudes naturais às suas esculturas. A letra, a sílaba, a
palavra, eram a matéria-prima das suas composições, representavam a expressão
plástica que revestia a ideia (Carvalho, 1997, p. 36).
Comenta João de Barros (1911), um dos grandes defensores e incansável
propagandista dos ideais do poeta:
a arte de leitura de João de Deus é um caso de intuição genial, é também o produto
de um longo e reflectido estudo da mentalidade infantil. Foi evidentemente ao ter de
ensinar a ler os seus filhos que o poeta se persuadiu de quanto eram perniciosos os
métodos antigos. E foi decerto sobre os seus próprios filhos que iniciou as suas
observações (pp. 97-98).
A publicação da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura foi amplamente divulgada
pela imprensa. No jornal Democracia pode ler-se, a respeito, a seguinte notícia:
Sob este modesto título acaba o Sr. João de Deus, a mais viva e espontânea inspiração
poética da nossa literatura contemporânea, de dar à estampa uma obra eminentemente
revolucionária e original, a reforma completa e racional dos antigos métodos de
ensino das primeiras letras. É revolucionária esta obra, porque, cortando francamente
pela rotina dos velhos processos, funda o seu método de ensino em princípios
perfeitamente racionais e crìticos, habituando a criança a procurar a razão das coisas‖
(citado em Deus, 1877, p. 5).
João de Deus, guiando-se intuitivamente pelo seu amor à infância, pelo valor
que atribuía à educação familiar e ao condenar uma pedagogia muitas vezes contra a
natureza, compreendeu que a escola elementar devia inspirar-se antes de tudo nos
interesses reais da criança e aproximá-la, tanto quanto possível, do ambiente familiar.
72
Dedica o seu método às mães, porque era de opinião que ―as mães que nos
ensinam a falar é que nos deviam ensinar a ler . . . A fala é a língua da família: quem se
aparta do lar doméstico, deve já saber a lìngua social‖ (Deus, 1877, p. 27).
Os pressupostos do método do poeta eram três: o ensino primário compete às
mães; o ensino da leitura deve ser absolutamente racional; e, a lei fundamental da Arte
da Leitura é a análise da fala aplicada. Considera o saber ler como vital para o ser
humano e sobre este assunto, afirma: ―Posso ser um homem sem saber retórica: o que
não posso é ser verdadeiro homem sem saber ler. . . Ser homem é saber ler e nada mais
importante, nada mais essencial que esta modesta e humilde coisa chamada - primeiras
letras‖ (Deus,1881, p. 8).
Delfim Santos (1991) diz de João de Deus que ―não era um homem de ciência,
mas um poeta de penetrante imaginação concreta. Era um poeta libertador, não só para a
criança, mas também para a sociedade de então, que era analfabeta‖ (p. 6). Para Maria
Isabel Baptista (1998), a Cartilha Maternal era o único método para o ensino das
primeiras letras que ―podia acabar com o analfabetismo dos adultos e ministrar à
infância um ensino racional‖ (p. 119).
A sua ternura para com a infância, que se exprime em toda a sua obra literária,
conduziu-o naturalmente a condenar os métodos abstractos que a escola portuguesa
praticava, alicerçados mais na memória do que na inteligência. Segundo o poeta, a
criança, ao aprender a ler de cor, pelos métodos adoptados nas escolas de então,
aprendia de uma forma mecânica.
Para o poeta, a aprendizagem da leitura deveria seguir os processos naturais e
espontâneos e diz-nos (1897), sobre este assunto, o seguinte:
A leitura mecânica é absolutamente condenável. Se a arte de leitura não fosse ao
mesmo tempo um curso de lógica, não desse que fazer ao raciocínio e pelo contrário
insinuasse no espírito hábitos mecânicos, essa cartilha devia ser proscrita como uma
fonte de depravação moral (p.14).
Assim, reagindo contra a tradição do aprender de cor, contra o tradicional
método mecânico de ensino da leitura pela soletração, desprovida de sentido e de
reflexão, João de Deus procura criar um método para o ensino das primeiras letras
73
baseando-se antes na decomposição da palavra nos seus elementos componentes. Diznos o autor:
Quando pensei numa cartilha, isto é, numa arte de ler, e não de gaguejar, vi logo que
só podia admitir palavras, e não sílabas soltas, geralmente incertas e ilegíveis. Porque
se o professor diz que m a é má, engana o discìpulo em ―mata‖; se diz que é má,
engana-o em matou; se diz que é mâ ou má, engana-o em mano; etc. (Deus, 1881, p.
21).
Numa época em que os estudos de pedagogia ainda não estavam iniciados, João
de Deus cria o seu método ―fundando-se na natureza, sem fatigar o espírito das crianças,
nem lhes atrofiar a inteligência, desde todo o princípio as habitua a racionar; e, sem
maior esforço do mestre, nem fadiga do discípulo, pode este aprender a ler em trinta
lições‖ (Deus, 1877, p. 1). A Cartilha Maternal torna-se numa ―espécie de renovador do
ensino mais difícil e mais essencial que é o das primeiras letras‖ (Magalhães, 1995, p.
9).
A Cartilha Maternal é constituída por vinte e cinco lições e termina com um
poema da autoria do poeta, ―O Hino de Amor‖. Segue-se, como segunda parte do
método, ou seja, como livro de leitura, Os Deveres dos Filhos, uma obra francesa da
autoria de Barrau, traduzida pelo poeta.
Para melhor compreendermos o método de leitura de João de Deus (1881),
ouçamo-lo:
Se em cada dia me mostrarem uma letra, em 25 dias posso saber 25 letras; mas se em
50 dias me mostrarem simultaneamente 25 letras, é mais do que provável que eu não
consiga distingui-las todas.
Logo, dessas 25 letras, escolham-se as principais.
As principais são as vogais . . . que são as letras mais usuais e até indispensáveis,
porque sem vogal não há sílaba; que nos limites da linguagem usual, devia logo com
essas vogais formar palavras, para dar ao espírito do aluno ideias, assim como lhe
dava à vista imagens . . . Passamos em revista as alternativas das consoantes, e, para
as primeiras combinações, preferimos as mais simples, as mais singelas, as mais
apreciáveis ao ouvido . . . e, assim postas por ordem segundo a natureza e
simplicidade dos seus valores, ei-las apresentando de uma em uma encorpando-as
com as vogais e invogais já conhecidas, sempre em palavras de preferência usuais:
74
por fim apresentar e empregar o alfabeto maiúsculo, entremeando na marcha as
regras prosódicas necessárias (pp. 2-20).
No prefácio da Cartilha Maternal explica-nos a razão pela qual o seu método
não apresenta, no início, o abecedário:
Este sistema funda-se na língua vivia. Não apresenta os seis ou oito abecedários do
costume, senão um, do tipo mais frequente, e não todo, mas por partes, indo logo
combinando esses elementos conhecidos em palavras que se digam, que se oiçam,
que se entendam, que se expliquem; de modo que, em vez do principiante apurar a
paciência numa repetição banal, se familiariza com as letras e os seus valores na
leitura animada de palavras inteligíveis. Assim ficamos livres do silabário, em cuja
interminável série de combinações mecânicas não há o penetrar de uma ideia. Esses
longos exercícios de pura intuição visual constituem uma violência, uma amputação
moral contrária à natureza (Deus, 1876, p. VII).
Defendendo ainda que é essencial que a criança aprenda o valor das letras para
melhor aprender a ler, acrescenta:
O valor das letras é tão necessário para ensinar a ler, como o valor das notas para
ensinar música . . . Toda a leitura sem a interpretação individual e exacta dos
caracteres é uma mistificação prejudicial, seja qual for o resultado prático, porque é
levar o ente racional à leitura, mais ou menos como se leva a foca a fazer
cumprimentos. É depravar o ensino e depravar as inteligências (Deus, 1897 pp. 7896).
João de Deus (1876), nas notas da sua Cartilha Maternal, dita uma das primeiras
regra do seu método: ―lede-as e nunca soletreis; que mal sabeis como a soletração
confunde o principiante e lhe deprava o raciocìnio com somas falsas‖ (p. 10).
Mais adiante reprova a soletração antiga e diz-nos:
A soletração antiga vai chamando as letras pelos seus nomes, para apresentar depois,
não a soma desses nomes, mas a soma dos valores dessas letras. Esta soletração é
absurda e desmoraliza o raciocínio do principiante. Como quereis vós que uma
75
alminha, ainda com aquela luz tão pura que trás de Deus, entenda que cê, agá, á, junto
somado, é Xá? (Deus, 1876, p. 37).
Para o poeta, a criança deveria aprender primeiro os sinais (as letras) e neles,
raciocinando sempre, devia descobrir a sua significação. Defendia assim ―uma leitura
reflectida e analìtica das letras na sìlaba e da sìlaba na palavra‖ (Baptista, p. 119). Foi
esta forma de ler, com uma soletração interiorizada, que levou o autor a apresentar dois
tipos de letra de igual tamanho, mas diferentes no aspecto; um é liso, e outro lavrado,
para assim se distinguir a sílaba na palavra sem desmembrar a palavra. Esta
apresentação tipográfica foi alvo de grandes críticas por parte de alguns professores e
intelectuais, assunto que abordaremos mais tarde.
Segundo o autor, só podia admitir palavras e não sìlaba soltas, uma vez que ―a
palavra desmembrada não é palavra.‖ Preferiu a diferença dos tons preto e cinzento
porque ―a diversidade da cor tinha muitos inconvenientes; menos metódica, menos
económica e menos exequìvel‖ (Deus, 1881, pp. 21-22).
Diz-nos Henri Campagnolo (1979, p. 57) sobre este assunto: ―o método João de
Deus apresenta as palavras decompostas em sílabas gráficas, e utiliza um artifício
simples — sílabas alternadamente pretas e cinzentas — para obter esta decomposição
sem quebrar a unidade gráfica da palavra‖ (p. 57). Carolina Michaëlis (1976), uma
pedagoga contemporânea do poeta, considera que uma das inovações do método de
João de Deus é precisamente a apresentação tipográfica, e diz:
Outra inovação feliz está no processo tipográfico, para evidenciar à criança de um
modo, por assim dizer, plástico, a decomposição da palavra em sílabas. Isto consegue
o autor por meio de tipo de mesmo tamanho alternadamente liso e lavrado, e obtém
assim a vantagem essencialíssima de representar as palavras sem solução de
continuidade, ao contrário do método seguido até hoje, que as desmembrava
barbaramente (pp. 76, 77).
Na realidade, a Cartilha Maternal começa pelas palavras mais simples e parte
destas para as mais complexas. Depois da aprendizagem das vogais, que são únicas e
devem ser aprendidas em si próprias, a criança, através de palavras simples, mas com
significado, vai aprendendo de forma aplicada e criativa todas as letras do alfabeto.
76
Todo o método é explicado fazendo apelo ao raciocínio lógico e, assim, a criança
aprende as letras e as suas combinações mas também aprende a pensar e a traduzir o seu
pensamento correctamente.
João de Deus, na Cartilha Maternal, usou um discurso a um tempo lúdico e
pedagógico. Não desprezando o aspecto lúdico, a base do método é a análise da língua,
feita através de um processo sério e graduado que se baseia num raciocínio lógico. A
descoberta de valores e regras a aplicar é um jogo que as crianças vão progressivamente
descobrindo, numa atitude construtivista que lhes dá muita satisfação.
Justino Magalhães (1997), ao fazer uma abordagem da Cartilha Maternal
afirma:
A palavra ordena o pensamento. Com as palavras há a comunicação. Desenvolve-se
um jogo entre o sujeito racional e pensante e a realidade, através do simbólico. É este
o segredo da leitura e não outro. Não é um trabalho mecânico ou técnico, mas um
trabalho de significação, um trabalho criativo (p. 129).
Segundo Maria da Luz de Deus (1979), na Cartilha Maternal ―tudo é racional,
tudo é lógico, tudo é explicado, o que tem valor até para a formação das estruturas
mentais da criança‖ (p. 16). Emília de Sousa Costa (1924), por seu turno, acrescenta que
com o método João de Deus surge pela primeira vez no nosso paìs ―a certeza que o
ensinar a ler não se deve fazer mecanicamente, automaticamente, barbaramente . . . As
letras não são mais valores abstractos. Cada uma tem o seu nome próprio, a sua
personalidade especial‖ (p. 17). Para João de Barros (1911), ―a arte de leitura de João de
Deus é a única que foi feita para seres pensantes, e não para cãezinhos de regaço‖ (p.
120). Já Deusdado (1995) entende que a Cartilha Maternal representa ―uma grande
caminhada no desenvolvimento intelectual e moral do país, equivale à emancipação da
rotina de velhos métodos‖ (p. 398). Para Manuel Laranjeira (1915 Janeiro, Fevereiro,
Março, p. 168) a Cartilha Maternal, sendo ―uma obra de ciência educativa, pensada e
reflectida, é também um poema grande e carinhoso‖ (p. 168).
Defende João de Deus (1897) que a leitura ―não passa de um complemento da
fala‖, mas que só se deve ensinar a criança a ler quando esta tiver a necessária
maturidade. Considera um ―crime ensinar a ler a quem não sabe falar, porque seria
77
ensinar duas coisas ao mesmo tempo, impondo a essas mimosas existências um esforço
prejudicial à sua saúde tantas vezes sacrificada nas escolas, e ao seu espírito tantas
vezes obscurecido a tìtulo do ensino‖ (p. 31).
Para o poeta, a aprendizagem da leitura devia seguir os processos naturais e
espontâneos, como aliás a aprendizagem seja do que for e assim acontece com a
linguagem falada. Por pura intuição e muita observação, João de Deus compreendeu a
necessidade de uma ordem de progressão no ensino da leitura, ordem essa que não deve
ser alterada, devendo processar-se por etapas. E recomenda ao professor que respeite o
ritmo próprio de cada criança na sua descoberta do mundo, da linguagem e dela mesma.
Segundo o autor, durante o percurso de aprendizagem da leitura ―o que importa
principalmente e essencialmente é levar o principiante de degrau em degrau pelas
dificuldades da arte, e não contrariar a natureza humana com processos e afirmações
absurdas; é lisonjear, favorecer, desenvolver as nossas faculdades, em vez de as torcer e
atrofiar‖ (Deus, 1881, p. 11).
Defende mais: que a aprendizagem da leitura não se devia iniciar em tenra idade
mas culminar num processo de crescimento; e diz:
Se o aluno, pela sua tenra idade, é incapaz de aprender as regras e de as aplicar, então
a sua presença na escola apenas atesta a ignorância dos pais e a incúria da autoridade.
Até aos sete e oito anos de idade todos andamos numa fervorosa elaboração física,
que só reclama alimento, movimento e sono; assim como andamos nesse profundo e
imenso estudo da língua, e nessa insaciável investigação do mundo exterior, que
absorve totalmente a faísca mais brilhante que possa iluminar uma cabeça infantil.
Complicar esse duplo movimento quase vertiginoso com o ensino primário — leitura
escrita e contas — passa de absurdo a cruel (Boletim Propaganda, 1911 Outubro,
Novembro, Dezembro, p. 68).
Para Ana Mira (1995), o modo como o poeta investe a linguagem e o estatuto
que lhe confere, demonstra como ele compreendeu a sua importância como
impulsionadora, não só de comunicação e de conhecimento, mas também do próprio
desenvolvimento cognitivo do ser humano. Considera ainda Maria Isabel Baptista
(1998) que este método se funda nas leis psicológicas da evolução mental da criança,
organiza-se ―à volta dos princìpios da Psicologia, da racionalidade e da alegria no
78
aprender. Apela à inteligência, à compreensão, ao desejo de aprender, mobilizando o
educando na tarefa de aprendizagem‖ (p. 119).
João de Deus (1876), recomenda aos professores que ao lerem as palavras das
lições façam sentir às crianças o funcionamento dos seus órgãos fonatórios para melhor
entenderem a imagem sonora. ―As vozes‖ — diz o poeta — ―pertencem à garganta, e
representam-se nas vogais; os modos pertencem aos órgãos mudos, como lábios, dentes,
língua, etc., e representam-se nas outras letras‖ (p. 15).
Para Mira (1995), a preocupação do poeta em levar a criança a tomar
consciência da sua articulação é de uma grande modernidade, é ―uma atitude
pedagógica susceptível de induzir a estimulação interna para a descoberta da língua
falada, podendo mesmo contribuir para a correcção de perturbações articulatórias‖ (p.
16).
Carolina Michaëlis (1976) em 1877, ao fazer um estudo comparativo entre a
Cartilha Maternal e os outros métodos de ensino das primeiras letras de então,
considera que, com a Cartilha Maternal,
entramos num mundo novo; tudo mudou de aspecto, tudo se tornou simples, lúcido,
transparente. O novo pedagogo vai guiando o discípulo passo a passo, não o mete
num labirinto; apresenta-lhe um plano disposto na melhor ordem e assenta no seu
lugar, uma a uma, as pedras do edifício, os elementos da língua (pp. 74-75).
Em seguida, a pedagoga expõe os seis pontos em que a Cartilha Maternal é
inovadora: 1.º, é abolida a antiga apresentação imediata do analfabeto; 2.º, dá-se uma
nova ordem às letras; 3.º, anima-se o desenho tipográfico das sílabas, dando-se-lhe
diferentes aspectos de relevo; 4.º, é abolida a soletração; 5.º, procede-se ao enterro das
sílabas mortas e 6.º, atribui-se uma nova nomenclatura às letras.
Carolina Michaëlis (1976) considera ainda que a Cartilha Maternal, para além
de servir o ensino das primeiras letras às crianças portuguesas, poderá também ser
utilizada no estrangeiro e, a este propósito, diz –nos:
O sistema de leitura, o sistema universal, será o do Sr. João de Deus, somente mais
simplificado, mais purificado; será o método ideal que está em crisálida na sua obra. .
79
A reputação da cartilha irá crescendo com o tempo; o livro irá penetrando em todas as
escolas da cidade, passará às vilas e aldeias, aos lugares e aos casais, enfim, até onde
houver uma mãe e um filho, a sede de uma ideia e um vestígio de amor; esses
prosélitos, dispersos por todos os recantos de Portugal, farão ao poeta a apoteose que
merece e darão uma prova bem mais eloquente do que tudo quanto dizemos a favor
do mágico livrinho (pp. 86-89).
Na mesma linha de Carolina Michaëlis, Francisco Adolfo Coelho, em 1877,
após o ―uso prático‖ que deu à Cartilha Maternal, considera-a ―como o maior serviço
que em Portugal se fez à infância‖, para além de considerar que ―todo o método é claro,
luminoso princìpio e aplicação‖ e que poderia ainda ser ―aplicado em qualquer das
principais lìnguas europeias‖, dando ao autor ―vantagens de toda a espécie, com que ele
não pode contar nesta terra de nossos pecados‖ (Deus, 1897, pp. 264-265).
Manuel Laranjeira (1909), afirma sobre o assunto que ―se há método cujo
espírito educativo esteja de acordo com os princípios gerais e definitivamente
estabelecidos sobre a educação, esse método é a Cartilha Maternal‖ (p. 48). Embora
João de Deus não conhecesse as teorias da psicologia e da psico-linguística, pressentiu
que são as sucessivas etapas evolutivas, tanto cognitivas, como linguísticas, como ainda
afectivas, no processo de maturação da criança, que devem determinar o tempo, o ritmo,
os método e os conteúdos das primeiras aprendizagens.
Henri Campagnolo (1979), ao fazer um estudo aprofundado sobre a Cartilha
Maternal, concluiu o que segue:
O método de João de Deus se baseia num conjunto de normas correspondendo a
aquisições da linguística moderna, tendo muitas delas penetrado insuficientemente a
maioria dos outros métodos de leitura; procurámos fazer compreender que este
método leva o aprendiz a tomar consciência de factos linguísticos, tais como: a
existência de fonemas, o fenómeno da homografia expresso em termos de valores das
figuras e dos factores condicionando a interpretação dos homógrafos (contexto
gráfico: «há regras para estes valores», contexto semântico: «não há regras para estes
valores»). Estes dois aspectos do método de João de Deus — carácter cientifico da
análise da língua subjacente ao método e consciência dada ao aprendiz da realidade
linguística — são essenciais e explicam que, recorrendo pouco a técnicas mais
«modernas» de estimulação externa, tenha conseguido suscitar nos aprendizes um
grau elevado de estimulação interna (p. 76).
80
João de Deus defendia, como vem dito, que não se devia ensinar ler a quem não
soubesse falar, porque seria ensinar duas coisas ao mesmo tempo, o que seria prejudicial
à criança, mais defendendo ainda que não se devia ensinar a ler e a escrever em
simultâneo, pelo que era contra o chamado ―método legográfico‖, ou seja, o método do
ensino da leitura e da escrita em simultâneo. Para o poeta, esse método ―não passava
dum processo mais ou menos engenhoso, não o considerava método por ser contra a
natureza das coisas‖ (Laranjeira, 1909, p. 44).
Diz João de Deus (1897) ainda sobre o mesmo assunto, que ―pode-se saber ler
sem saber escrever, mas não se pode saber escrever, sem se saber ler; a leitura é
portanto o alicerce da escrita . . . Ler não é escrever. Aprender a ler escrevendo é
aprender duas coisas ao mesmo tempo, e tanto basta para condenar a priori o método
legográfico‖ (pp. 231-232). Segundo o autor, a aprendizagem da leitura e da escrita
carece de uma propedêutica centrada na fala, na conversação, na oralidade, e a Cartilha
Maternal constitui a primeira fase da alfabetização, pelo que só lentamente a criança se
liberta dos suportes gráficos e elabora uma leitura sistemática. Segundo o poeta, para se
estabelecer a relação entre a fala e a escrita seria necessário saber o valor das letras, pelo
que afirma:
Não basta ler; é necessário ler com conhecimento de causa. Quem não tem a análise
das letras, quem não sabe as regras dos seus valores, não pode ensinar bem . . . O que
nos falta é a análise da língua, para estabelecer as regras a que se presta, e alguns
sinais para os casos refractários (Deus, 1881, pp. 8-13).
A correspondência entre a língua falada e a língua escrita era tema constante da
sua reflexão; e se a ortografia se devia ajustar à fala, considerava João de Deus que a
língua escrita devia induzir à rectificação da língua falada. Após empreender uma
reflexão profunda sobre a língua portuguesa e com a colaboração de António José
Carvalho, o poeta publica o Dicionário Prosódico Luso-Brasileiro, obra que ―é uma
demonstração evidente das sua preocupações linguísticas e correspondeu certamente a
uma necessidade ressentida na época‖ (Mira, 1995, p. 17). Diz-nos ainda Mira (1995) a
este respeito que ―tanto o Dicionário Prosódico como a Cartilha Maternal reflectem a
evidência por ele ressentida de que a correcta aprendizagem da língua, falada e escrita, é
81
a chave mestra que permite o acesso à ciência e à moral (a tal instrução educativa)‖ (p.
11).
Homem, humanista, poeta e educador, João de Deus cultivou a música e o
desenho enquanto complementos do desenvolvimento geral da sua inteligência. Nos
seus escritos ―revela, pelo pensamento e pela ideia, ser um prestigioso educador, um
educador poeta, um poeta-educador‖ (Nunes, 1996, p. 6).
Se é verdade que um grande número de crianças portuguesas não sabia ler, não é
menos certo que ainda não tinham aparecido poetas e escritores que se lhes tivessem
dedicado. João de Deus também foi um pioneiro da literatura infantil. Segundo Marques
do Vale (1994), ―a produção escrita‖ foi iniciada no nosso paìs no século XIX ―por João
de Deus e incrementada pelos escritores da denominada geração de 70‖ (p. 10).
Segundo Teófilo Braga (1893), após a propaganda da Cartilha Maternal, em
1878, o poeta, preocupado unicamente com os problemas educativos,‖submete a poesia
a esse serviço, já compondo pequenos cânticos religiosos para crianças‖ (p. X).
A educação do sentimento religioso e da consciência moral encontraram na sua
poesia fácil e carinhosa uma expressão adequada. A Cartilha Maternal termina com um
poema e, em Campo das Flores, o poeta destina poemas que se tornam populares entre
as crianças — Conto Infantil, Maria da Graça, Sonho Dourado, Miséria, Crucifixo, A
Enjeitadinha, são alguns deles — para além das fábulas em verso intituladas A Cigarra
e a Formiga, Cão e Presa, Ossos do Ofício e O Leão Moribundo, entre outras (Deus,
1893).
Neste período, o livro começa a ser reconhecido como veículo por excelência de
divulgação do saber, sendo imprescindível a ênfase posta no combate ao analfabetismo
e na promoção da presença do texto impresso junto das massa incultas e das crianças,
mais uma vez irmanadas. As edições para crianças entram numa fase de grande
expansão: Adolfo Coelho, em 1883, com Jogos e Rimas Infantis, Guerra Junqueiro, em
1877, com os Contos para a Infância, Antero de Quental com O Tesouro Poético da
Infância (Rocha, 1992). Segundo Natércia Rocha (1992), ―foi talvez a poesia de João de
Deus a que mais prontamente tocou as crianças; a fluidez do estilo, o pictórico da
imagética e a simplicidade dos temas, aproximam do poeta os simples e os jovens‖ (p.
53). Para Rosa Araújo (1995), João de Deus foi ―como que o iniciador poético de uma
era em que a Criança começa a ter voz. Foi como que o poeta emblemático da Infância‖
(p. 9).
82
O método defendido por João de Deus incluiu também a Arte de Contar, que,
embora começada por ele, foi sistematizada e completada pelo seu discípulo Frederico
Caldeira. Ambos desenvolveram o processo de graduar os exercícios da soma e os da
divisão por coluna. No prefácio do livrinho Arte de Contas, João de Deus Ramos
(1914), filho do poeta, faz a seguinte observação:
O processo de graduar os exercícios de soma e o da divisão por coluna faziam parte
dos ensaios de João de Deus. Tudo o mais, que representa uma tentativa de valor,
merecendo-me especial referência o engenhoso processo da soma por dezenas, é da
autoria do professor Frederico Caldeira e de sua responsabilidade (p. 1).
2.4.2. A divulgação da Cartilha Maternal
Antes da Cartilha Maternal estar impressa já se davam lições pelo método João
de Deus e este, em sua própria casa, oferecia já o seu saber e a sua pedagogia a
professores e a alunos. Diz-nos Deusdado (1995) a este respeito, que ―A casa do poeta
foi durante anos um alfobre de professores, que saíam por toda a parte a pregar a
cruzada redentora das primeiras letras‖ (p. 398).
O poeta também se preocupou com a difusão da Cartilha Maternal alématlântico. O Visconde de Arcozelo, radicado no Brasil, interessou-se pela divulgação do
método e ―foi o fundador da primeira escola onde este sistema foi adoptado‖ (Gomes,
1986, p. 166). Para além do Visconde de Arcozelo, muitas outras figuras contribuíram
para a difusão do método, sendo de salientar a acção do padre Cândido, e do Dr.
Zeferino. Este, em 1878, escreve a João de Deus dizendo-lhe que ―a Cartilha é já hoje
um livro sagrado para o Brasil. Falei ao Imperador e parece-me que devo contar com o
seu apoio‖ (Deus, 1900, p. 157).
D. Manuel de Portugal também apoiou a divulgação do método e, em 1879, do
Recife, escreve a João de Deus, dando-lhe a conhecer o seguinte: ―Esteve hoje em
minha casa o director da instrução pública, acompanhado dos lentes da faculdade de
direito e de diversos professores. Aproveitei a ocasião para lhes mostrar os imensos
progressos que têm feito os analfabetos mandados pelo governo‖ (Deus, 1900, p. 172).
83
Em 1882, o progressista Casimiro Freire, um dos fundadores do primeiro Centro
Republicano, em 1876, e incansável lutador contra o analfabetismo, cria a Associação
das Escolas Móveis, com o objectivo de divulgar o ensino das primeiras letras veiculado
pela Cartilha Maternal. As Escolas Móveis surgiram assim por iniciativa particular,
sustentadas por um grupo de beneméritos, correligionários políticos que desse modo
combatiam a ineficiência das instituições monárquicas no campo do ensino. Propunha
Casimiro Freire que ―se enviassem a esses lugares pessoas habilitadas no uso do
Método João de Deus e aí se congregassem crianças e adultos, em recinto apropriado de
modo a organizar-se uma escola que, pelas suas características, se designaria Escola
Móvel‖ (Carvalho, 1986, p. 612). Mais adiante voltaremos este assunto.
Aquela Associação promoveu missões que se prolongaram por quase quarenta
anos e se estenderam até à África Portuguesa, às Ilhas adjacentes e ao Brasil e a
Cartilha Maternal foi experimentada um pouco por toda a parte, no Continente, nas
Ilhas da Madeira e dos Açores e nas então denominadas colónias portuguesas.
Em Moçambique e Angola a Cartilha Maternal foi adaptada às línguas
indígenas; em Moçambique, pela Missão de São José de Lhanguene, em Lourenço
Marques; em Angola, pela Missão de Huambo, mais concretamente pelos Padres João
Ninguém e Domingos Vieira, ―para o ensino dos indìgenas da lìngua mbundu nas
escolas rurais das missões católicas‖ (Gomes, 1986, p. 168).
O interesse pela obra de João de Deus não se confinou apenas a personalidades
portuguesas. Também em alguns países da Europa, a Cartilha Maternal produziu uma
assinalável repercussão, tendo interessado a alguns filólogos espanhóis e franceses.
Com efeito, a 28 de Junho de 1879 D. Francisco Giner, de Madrid, escreve a João de
Deus comunicando-lhe que ―Um dos professores do Instituto do Ensino Livre, D.
Joaquim Sama, professor de filosofia, vai estudar o seu método de leitura e escrita, e ver
se pode adoptá-lo na nossa escola primária‖ (Deus, 1900, p. 170). Também em França a
obra do poeta não foi ignorada e, em 1897, E. Levasseur afirma que ―o método de
leitura composto por João de Deus, o grande poeta português, deu muito bons resultados
e tende a tornar-se o sistema nacional de ensino‖ (citado em Gomes, 1986, p. 168).
Maria Manuela Delille (1976) no seu estudo ―João de Deus na Alemanha‖
afirma que, em 1892, algumas poesias líricas do poeta foram traduzidas por Wilhelm
Storck, um estudioso camoniano. Depois da morte de João de Deus, em 1896, Hedwige
Wigger, jornalista alemã e autora de numerosos artigos de crítica literária da época,
84
traça uma biografia de João de Deus, exaltando a sua obra enquanto poeta lírico e
pedagogo, dando grande relevo às tarefas de alfabetização em que o poeta se empenhou
com zelo apostólico.
O prestígio de João de Deus neutraliza a oposição dos mais incrédulos e, porque
não, também a dos que lhe invejavam o talento e a obra. Portugal adere ao seu método e
os resultados são visíveis: o poeta, o pedagogo, o republicano, o simpatizante cristão do
socialismo, o polemista em defesa da Cartilha Maternal — porque saber ler era o
começo da libertação — bem ajudado por amigos fiéis, ―ganha uma espécie de auréola
do santo laico‖ (Nunes, 1996, p. 15).
A Cartilha Maternal veio a ser adoptada em escolas oficiais e particulares.
Efectivamente, por carta de lei de 2 de Agosto de 1888, D. Carlos, então príncipe
regente, nomeia o poeta como ―Comissário-Geral do Método de Leitura pela Cartilha
Maternal de João de Deus‖, nomeação que, com carácter vitalìcio, recairá na pessoa do
seu autor, estipulando-se-lhe o vencimento anual de 900$000 reis (Gomes, 1986). No
exercìcio deste cargo competia a João de Deus ―promover o ensino da Cartilha nas
Escolas Normais para a preparação do professorado, e nas escolas primárias, públicas e
particulares‖ (Carvalho, 1986, p. 612). O poeta beneficiou desta benesse durante muito
pouco tempo, porquanto, poucos anos depois, Oliveira Martins, enquanto Ministro da
Fazenda no Gabinete presidido por Dias Ferreira, para ―salvar a nação do abismo da
bancarrota‖, apresentou ao Parlamento, a 30 de Janeiro de 1892, um programa de
austeridade económica, onde foi extinto o lugar de ―Comissário-Geral do Método de
Leitura pela Cartilha Maternal de João de Deus‖ e, pelos vistos, a nação livrou-se do
abismo da bancarrota e o ilustre ministro da Fazenda deve ter vivido o resto da vida
muito satisfeito com o seu eficiente golpe de… génio (Braga, 1930, p. 27).
Aquando da celebração dos sessenta e cinco anos do poeta o Rei D. Carlos
distingue-o com a Grã-Cruz de Santiago e Espada, a mais alta condecoração portuguesa,
normalmente atribuída aos que mais se destacam no campo das Letras, das Artes e das
Ciências. Os estudantes de todos os graus de ensino não quiseram deixar passar em vão
a efeméride e fizeram-lhe uma sentida manifestação, a que se associou a população de
Lisboa, que assim consagrou em vida um poeta que foi um também um pedagogo. ―Os
estudantes da Universidade de Coimbra não faltaram. E, pela voz inconfundível e
melodiosa de Hilário, fizeram ouvir a canção coimbrã, cantada, de joelhos, em
respeitosa postura ao venerando poeta português‖ (Nunes, 1996, p. 15).
85
Para Manuela Azevedo (1975), nunca a Europa e o nosso paìs ―assistiram a uma
homenagem, prestada em vida pelo autêntico povo a um educador que é poeta!‖ (p. 11).
A despeito da grandiosa homenagem prestada a João de Deus, que por muitos foi
distinguido como o ―educador da mocidade‖, e apenas poucos meses mais tarde, em
Novembro daquele mesmo ano de 1995, o então director-geral da Instrução Publica,
José Azevedo Castelo Branco, publica uma circular onde ―ordenava que das escolas
oficiais de Lisboa e Porto fosse retirado o método de João de Deus‖ (Freire, 1906
Janeiro, p. 225). Esta atitude do governo magoou o poeta profundamente, agravando-lhe
a doença. Queixando-se ao Dr. Carlos Tavares, seu médico e amigo, diz-lhe João de
Deus: ―Versos, muitos os fazem e a poucos deleitam; a Cartilha é a única coisa que eu
fiz que pode ser útil aos meus concidadãos. Monarcas e Ministros a louvaram e se agora
se entende que deve ser banida, ao louvor que não provoquei substitui-se a irrisão que
não mereço‖ (Boletim Propaganda, 1917, Julho Agosto Setembro, p. 254). Em 11 de
Janeiro de 1896, João de Deus, que vinha sofrendo desde havia algum tempo de uma
grave lesão cardìaca, ―amargurado por tanta incoerência dos nossos governantes,
falecia‖ (O Mundo, 1902, Julho, 13, p. 2).
João de Deus morreria sem ter visto o seu método de leitura divulgado de forma
expressiva, como almejara que sucedesse, e sem que o Estado o houvesse proposto
como o método de leitura a adoptar nas escolas primárias. O poeta foi alvo de grande
manifestação funerária e o seu corpo, sepultado no Mosteiro dos Jerónimos, é
posteriormente trasladado para o Panteão Nacional.
Dois dias após a morte de João de Deus, na sessão do Parlamento de 13 de
Janeiro de 1896, o Presidente da Câmara dos Deputados propôs que se consignasse na
acta das sessões ―um voto de profundo sentimento‖. O deputado Luìs Osório leu uma
moção, na qual a Câmara dos Deputados da nação portuguesa lamentava ―a morte do
grande, do poeta único, do modestíssimo cidadão, do sublime e desinteressado amigo
das crianças, que foi João de Deus, alma e suprema encarnação literária no século XIX.‖
(Gomes, 1986, p. 194). Na mesma sessão parlamentar, Hintze Ribeiro, então Presidente
do Conselho de Ministros, leu uma proposta de lei do Governo onde foram
reconhecidos os serviços prestados ―às letras pátrias e à instrução popular pelo grande
poeta João de Deus, o benemérito autor da Cartilha Maternal. No mesmo projecto de
diploma propunha o Governo que o tesouro público pagasse as despesas do funeral,
86
para além de conceder à viúva e a seus filhos ―a pensão anual de 1.000$000 reis‖
(Gomes, 1986, p. 194).
Na casa do poeta foi colocada pela Câmara Municipal de Lisboa uma placa de
mármore onde se pode ler que ‖Nesta casa faleceu João de Deus aos 11 de Janeiro de
1896, passando a viver para a imortalidade dos Poetas das Almas Belas‖ (Deus e
Monteiro, 1996, p. 13).
Após a primeira edição da Cartilha Maternal não faltaram encómios ao poeta,
bem como lhe não faltaram detractores. Durante grande parte da sua vida lutou para que
o ―Método‖ fosse reconhecido pelos professores e intelectuais da época como o método
ideal para o ensino das primeiras letras.
Assistindo, por dever de ofício, às exéquias em honra de João de Deus, o então
Director-Geral da Instrução — o mesmo que banira das escolas oficiais de Lisboa e
Porto a obra do poeta-educador — afirmou: ―A Cartilha Maternal enterra-se hoje com o
seu autor‖ (Boletim Propaganda, 1917 Julho Agosto Setembro, p. 254). Não foi, porém,
o que veio a suceder. Após o decesso de João de Deus, os seus seguidores, quer
professores, quer intelectuais e também membros da sua família, a esposa e o seu
próprio filho, João de Deus Ramos, continuaram a lutar pelos ideais do poeta.
Volvidos cerca de três anos, em 1899, ordenava-se por portaria e sob as mais
severas penas, que nas escolas públicas e particulares do reino fossem adoptados só os
livros constantes de uma lista publicada no Diário do Governo. Dessa lista apenas
constava a Cartilha Maternal, tendo sido posto de lado Os Deveres dos Filhos. Sobre
este assunto, diz-nos Casimiro Freire (1906 Janeiro): ―Sabendo-se que o método de
leitura de João de Deus se compõe de duas partes, a primeira a ―Cartilha Maternal‖, e a
segunda, ―Os Deveres do Filhos‖, banindo e condenando o segundo livro,
implicitamente condenado estava o primeiro‖ (p. 226). Esta atitude do Governo feriu,
como a Casimiro Freire, os outros muitos seguidores do poeta.
Só a 11 de Maio de 1903, em sessão da Câmara dos Deputados, o então
Director-Geral da Instrução Pública, Conselheiro Abel Andrade, apresenta uma
proposta de lei na qual se estabelece a adopção ―nas escolas oficiais e particulares do
reino o método de João de Deus, que se compõe da Cartilha Maternal e dos Deveres dos
Filhos‖. No relatório daquele projecto legislativo a Cartilha Maternal é considerada
―uma obra pedagógica consagrada, sendo o seu valor cientìfico confirmado por
autoridades nacionais e estrangeiras‖ (Instrução do Povo, 1905 Fevereiro, p. 26).
87
Embora haja sido proposta, como referimos, a adopção do método João de Deus nas
escolas, este não é decretado como único,
sendo necessário conservar ao professorado a liberdade da adopção de métodos,
incluindo o de leitura, não só por ser este um principio pedagógico de grande alcance,
mas porque qualquer imposição seria atentatória da liberdade do pensamento e um
obstáculo ao progresso da ciência (Instrução do Povo, 1905 Fevereiro, p. 26).
Cerca de três semanas mais tarde, a 5 de Junho de 1903, é publicada uma Carta
de Lei que revoga o projecto legislativo a que antes se alude e a 13 de Agosto do
mesmo ano, através de uma circular subscrita pelo Director-Geral da Instrução Pública,
vem a reconhecer-se ―a eficácia do método João de Deus e das excepcionais vantagens
da sua vulgarização, tanto para o ensino racional da leitura e da escrita‖, e a aconselharse os sub-inspectores escolares a obter o maior número de professores que quisessem
adoptar nas suas escolas a Cartilha Maternal, os quais deviam habilitar-se a ensinar
pelo método João de Deus. Recomendava ainda que o método só deveria ser adoptado
pelos professores que tivessem dele perfeito conhecimento, pois ―somente nesses casos
é que o método João de Deus se desentranhará em frutos de bênção‖ (Instrução do
Povo, 1905 Fevereiro, p. 28).
2.4.3. Polémicas à volta da Cartilha Maternal
Os finais do século XIX seriam marcados por um vigoroso e apaixonado debate
em torno dos métodos de ensino, que então suscitavam o maior interesse na sociedade
portuguesa. Vários foram os autores que publicaram as suas cartilhas para o ensino das
primeiras letras que, tal como a Cartilha Maternal, originaram acesas polémicas entre
os intelectuais e professores da época. João Crisóstomo de Couto e Melo sugere na
primeira década do século XIX a adopção do Método de Ensino Mútuo que, embora não
fosse original, representava ―a primeira tentativa de implantação do ensino de massas‖
(Baptista, 1998, p. 113).
88
Em 1850, vinte cinco anos antes da publicação da Cartilha Maternal, outro
poeta, António Feliciano Castilho, publica o seu próprio método, denominando-o
Leitura Repentina, o qual, em edições posteriores, reaparece indistintamente com os
títulos Método Castilho e Método Português. Apesar da cegueira o ter vitimado ainda
em criança, não deixou de intervir activamente na vida literária nacional e, bem assim,
no campo da pedagogia, ―onde teve uma presença de grande relevo no nosso ensino
primário‖ (Carvalho, 1986, p. 582). Considera Fernandes (1992) que o método de
Castilho não é original, tendo-se tratado de uma adaptação do Método Lemare para o
ensino
das
primeiras
letras,
―introduzindo-lhe
modificações
copiosas
mas
frequentemente infelizes‖ (p. 115). Em 1876, aquando da publicação da Cartilha
Maternal, iniciam-se renhidas polémicas entre intelectuais e professores, uns
defendendo a Cartilha Maternal, outros pugnando pelo Método Português.
Augusto Coelho (1898), um dos defensores de Castilho e, obviamente, também
um dos grandes opositores ao método de João de Deus, comparando os dois métodos
considera o Método Português ―uma bela conquista pedagógica‖ (p. 359). Depois de
encarar a Cartilha Maternal no seu ―espìrito geral‖, José Augusto Coelho apreciou-a na
―especialidade‖. Começou por analisar a classificação dos fonemas feita por João de
Deus e considerou-a ―empìrica e não cientìfica‖ e, em seguida, escalpelizou a forma
como na Cartilha Maternal se desenvolvia o ensino da leitura em todos os seus
elementos e na natureza dos sinais gráficos. Em relação à apresentação do tipo
impresso, embora defensor do método de Castilho, critica-o por misturar ―caracteres
maiúsculos com minúsculos — o que é evidentemente absurdo‖, elogiando João de
Deus por este ter escolhido, ―para uma primeira apresentação o tipo redondo e, de entre
o tipo redondo, o minúsculo e, de entre o tipo minúsculo, as letras destinadas a
representar as vozes orais‖ (Gomes, 1986, pp. 205- 207).
Ainda para José Augusto Coelho (1898) a Cartilha Maternal ―representa, na
corrente pedagógica do paìs, um lamentável retrocesso‖. Censura João de Deus por se
julgar pedagogista e afirma que ―este foi o seu erro, erro donde derivam todos os
defeitos contidos na Cartilha Maternal. Se para ser um grande lírico basta, com efeito, a
inspiração pura, para ser pedagogista é, além dela, indispensável essa erudição, mais ou
menos vasta, que há-de fornecer os princípios orientadores; ora, esses princípios
faltaram a João de Deus; daì as imperfeições do seu livro‖ (p. 374).
89
Aquele autor, embora crítico do poeta João de Deus, reconheceu-o como um
―crente e um grande amigo da infância‖. Considerou ainda que, depois do Método
Português, a Cartilha Maternal foi o método que mais agitações causou no
professorado e nos intelectuais da época e que tais polémicas foram um bem que ―atraiu
a atenção do público para essa nobre instituição que se denominou escola primária‖
(Coelho, 1898, p. 371).
Contrariamente a José Augusto Coelho, António Leitão, professor de pedagogia
da Escola Normal de Coimbra e defensor da Cartilha Maternal, considera o método do
poeta João de Deus ―em teoria absolutamente racional e científico, na prática
incontestavelmente vantajoso‖. Reprova o Método Português por este ser mecânico, e
porque ―torna morosa a aprendizagem, pode divertir, mas é confuso, e deixa o espìrito
vacilante quando lhe for preciso actuar sem auxìlio‖. Contrariamente, o método de João
de Deus, que ―tem uma lógica inabalável‖ . . . ―educa a disciplina e a inteligência . . . é
de tal maneira concludente e racional que se chega ao fim conhecendo todos os segredos
da leitura sem esforços inúteis da memória‖ (Leitão, 1905 Março, pp. 46-47).
Como até então os autores de métodos de leitura criavam os seus sistemas
influenciados por outros autores, havia quem afirmasse que a Cartilha Maternal era
―um plágio, uma ampliação, uma imitação‖, ou uma ―simples cópia de outros métodos‖
(Deus, 1897, p. 7). Sobre este assunto, Carolina Michaëlis (1976) defende o poeta,
considerando a Cartilha Materna um método original, e declara: ―é falso tudo quanto se
tem dito sobre os supostos plágios do Sr. João de Deus, feitos à custa da cartilha alemã.
Os acusadores mostram simplesmente desconhecer a cartilha de que falam e que o poeta
ultrapassou até certo ponto‖ (p. 69).
Uma das grandes críticas feitas ao método de João de Deus consistia em declarálo uma ferramenta muito difìcil de usar. O próprio João de Deus o confirma: ―a minha
Cartilha é simplíssima, mas ensinar por ela é difícil. Justamente porque a cartilha é
simplíssima, é que o professor há-de saber mais‖. Para o poeta, era necessário que os
professores aprendessem e conhecessem primeiro o seu método, para só depois o
compreenderem e reconhecerem que não era tão difícil como afirmavam. Considera
ainda João de Deus que ―ensinar o que não se aprova corresponde a ensinar o que não se
sabe‖ (citado em Laranjeira, 1909, pp. 47-48).
João de Deus, apercebendo-se da dificuldade de compreender a sua Cartilha
Maternal, apresenta algumas notas para melhor se perceber o método. Segundo ele,
90
―essas notas foram feitas mais para justificar o plano que para dirigir a prática,
tornando-se necessárias mais explicações, especialmente orais . . . Desde o princípio que
fiz tenção de publicar um guia prático, já duas ou três vezes encetei esse trabalho
embargado por diversas causas‖ (Deus, 1897, p. 31). Coube mais tarde a seu filho João
(de Deus Ramos) concretizar este propósito do poeta, ao publicar, como vem referido, o
Guia Prático e Teórico da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura de João de Deus, e ao
permitir, finalmente, uma melhor compreensão do método.
Outro dos grandes opositores do poeta foi o pedagogo Francisco António do
Amaral Cirne Júnior. Professor do ensino livre, influenciado pelo positivismo de Conte
e pelo evolucionismo de Spencer, foi autor de um Método de Leitura inspirado em obras
de Jacobs e de Castilho e organizou ― um estabelecimento de ensino privado, onde
ensinaram entre outros, Guerra Junqueiro e João de Deus (Fróis, 2003, p. 213). Segundo
Pinheiro (1998) este pedagogo ficou ―celebre na história da pedagogia de Portugal pelas
críticas que fez à Cartilha Maternal‖ (p. 13).
Após a análise da Cartilha Maternal, Amaral Cirne criticou o método de leitura
do poeta João de Deus num relatório apresentado ao Comissário de Estudos do Distrito
do Porto, publicado a 17 de Julho de 1879 e denominado Exame da Cartilha Materna.
A Arte de Leitura de João de Deus e Verdades sobre a Cartilha Maternal, foram outros
textos de Amaral Cirne em que este critica violentamente a obra pedagógica do poeta.
Segundo Ferreira Gomes (1986), de todas as críticas formuladas sobre a Cartilha
Maternal as mais impetuosas foram sem dúvida as de Amaral Cirne, ―talvez porque se
situam num nìvel cientìfico não imediatamente apreensìvel pela mera intuição poética‖
(p. 204). Quanto àquelas críticas, Deusdado (1995) refere-se-lhes dizendo que se tratava
de ―. . . artigos muito severos provocaram rudes epigramas da parte do grande poeta‖ (p.
393). A estes reparos o poeta respondeu numa série de artigos em versos satíricos
publicados no jornal Novidades, na Cartilha Maternal e a Crítica, no Campo de Flores
e em Prosas.
Amaral Cirne (1879) insurge-se contra o tipo de propaganda feita à Cartilha
Maternal pela a imprensa e acrescenta que ―a imprensa periódica saudou o método com
expressões da mais viva simpatia, e até a câmara dos deputados não desafinou do coro
quase geral dos louvores‖ (p. 309). Lamenta não haver no nosso paìs uma imprensa
pedagógica que permitisse debates de carácter científico sobre o método e prossegue
afirmando que ―a imprensa periódica polìtica, na sua maior parte sem capacidade
91
técnica na matéria, adoptou o expediente do costume em casos tais: fez frases banais e
ocas para encobrir a pobreza das ideias‖ (citado em Gomes, 1986, p. 195).
Para aquele analista, só os professores das Escolas Normais possuíam
competência para se manifestar publicamente acerca da validade científica dos métodos
de ensino destinados à aprendizagem da leitura e da escrita. Advogava ainda que as
Escolas Normais eram ―verdadeiros laboratórios dos métodos, e era nesses
estabelecimentos que se adquiriam conhecimentos teóricos e muito especialmente
práticos, sobre a arte de ensinar‖ (citado em Pinheiro, 1998, p. 13). Considerava que o
método de João de Deus não obedecia aos princípios mais elementares da pedagogia
moderna e que o poeta desconhecia as leis do desenvolvimento da criança baseadas no
―método genético‖ (Cirne, 1879).
Como já referimos, João de Deus emprega no seu método dois tipos de letra de
igual tamanho, mas diferentes no aspecto; um é liso, o outro é lavrado, e esta forma de
apresentação das letras deu origem a grandes críticas. O Dr. José Carlos Lopes, o Dr.
José Osório, Augusto Guerra, Emídio da Cruz e Amaral Cirne, entre outros,
condenaram o novo processo tipográfico considerando-o prejudicial à visão das
crianças.
Amaral Cirne defendia que o governo não deveria permanecer indiferente
perante uma questão de tal magnitude, sendo conveniente o parecer de pessoas
entendidas, isto é, de oftalmologistas que pudessem estudar até que ponto aqueles tipos
de letra prejudicavam a vista das crianças. Consegue ―pareceres de três médicos do
Porto, um de Paris e um de Londres, os quais foram unânimes em condenar o artifício
utilizado por João de Deus‖ (Gomes, 1986, p. 201).
Para Rogério Fernandes (1993) é significativo que se tenha pretendido decidir
dos méritos e deméritos da Cartilha Maternal através de uma experiência pedagógica e
que se tenha sugerido uma investigação médica em ordem a apurar os efeitos da
apresentação tipográfica do respectivo texto na fadiga visual dos alunos. ―Ambos os
factos dispõem sobre o avanço da consciência pedagógica portuguesa em direcção à
fundamentação cientìfica das práticas adoptadas‖ (p. 160).
Teófilo Ferreira, director e professor da Escola Normal de Lisboa, escreve ao
poeta num artigo de jornal dizendo-lhe que após o estudo de vários pedagogos concluiu
que a Cartilha Maternal era a modificação do método de leitura de Neél. Desafia então
o poeta a ensinar o seu método às crianças analfabetas que frequentam a escola anexa à
92
Normal de Marvila, para assim demonstrar a eficácia do tão apregoado sistema de
leitura; feita a demonstração, e se fossem verdadeiros os resultados, seria o primeiro a
recomendar o método a todos os alunos-mestres. A esta acusação o poeta responde com
ironia (Deus, 1881). Em apoio de Teófilo Ferreira estiveram os professores Simões
Raposo e João da Silva Correia, este último considerando o método de João de Deus
errado ―nos aspectos linguìstico, pedagógico e psicológico‖, atribuindo este facto ao
―acanhado horizonte pedagógico do autor‖ (citado em Pinheiro, 1998, p. 17)
De acordo com Nóvoa (1986), a Cartilha Maternal ―suscitou acesos debates no
seio das escolas normais‖ (p. 29). Na realidade, a publicação deste método provocou
uma larguíssima polémica, como atestam as obras A Cartilha Maternal e o Apostolado
e A Cartilha Maternal e a Crítica. Para Maria da Luz de Deus (1979), neta de João de
Deus, ―essa luta ainda hoje não está completamente extinta‖ (p. 16).
O que também gerou grande celeuma foi uma crítica de João de Deus à
formação dos professores saídos das Escolas Normais. ―Mostra-me a experiência‖,
afirma o poeta, ―que os professores e professoras saìdos das escolas normais têm ideias
falsas sobre pontos fundamentais como são os elementos da língua e os valores das
letras‖ (Deus, 1881, p. 35).
Esta crítica fez com que doze professores (entre eles Simões Raposo), a quem
João de Deus chamou sarcasticamente ―os doze apóstolos‖, publicassem no Jornal do
Comércio um comunicado onde consideram graves as acusações feitas pelo poeta aos
professores, ao ponto de afirmarem que ―João de Deus nunca jamais haveria de chegar
aos calcanhares de Castilho, nem literária, nem pedagogicamente‖(Deus, 1881, p. 42).
Em Abril de 1878, o comissário de estudos Augusto José da Cunha apoia os
professores primários ao nomear uma comissão de professores normalistas ―para, em
vista dos resultados atribuídos no ensino da leitura à cartilha publicada pelo Sr. João de
Deus, dar o seu parecer acerca dos merecimentos que possam ter esse livro e o método
proposto pelo seu autor‖ (Deus, 1881, p. 100). Propõe a comissão que se escolha o
maior número de analfabetos, a dividir em duas classes iguais, para numa classe se
ministrar o método da Cartilha Maternal pelo próprio poeta e na outra classe se
ministrar outro método à escolha do professor. O parecer desta comissão põe em causa
mais uma vez o método João de Deus. Como é de prever, o poeta reagiu violentamente.
Esta atitude dos professores de Lisboa caiu mal em certos meios e vem
comentada no relato da inauguração de uma escola fundada pela Associação Liberal,
93
onde seria aplicada a Cartilha Maternal. O Professor Pereira Dias, Lente Catedrático da
Faculdade de Medicina ―dirigiu ao assunto da festa, onde com muita verdade fez a
apoteose da Cartilha de João de Deus, louvando-lhe a iniciativa, e castigando
incisivamente o charlatanismo normalista que por ali tem aparecido no jornalismo da
capital, escrevendo a página mais demonstrativa da nossa decadência profissional‖
(Deus, 1881, p. 58).
Mas se alguns professores normalistas de Lisboa não se cansavam de denegrir a
Cartilha Maternal, bem diferente foi a atitude do governo português. Na sessão de 20
de Março de 1878, na câmara dos deputados, os deputados Osório de Vasconcelos, e
Pires de Lima, na presença do Ministro do Reino Rodrigues Sampaio, indicaram as
vantagens daquele método de leitura e lembraram a aceitação que este tinha tido no
estrangeiro. E, segundo a ideia de Pires de Lima, o ministro do reino deveria convidar
João de Deus ―a ir por esse paìs fora ensinar, explicar e apostolar o novo método de
leitura‖ (Gomes, 1986, p. 187).
Em várias sessões parlamentares foram apresentadas propostas para a adopção
oficial do método João de Deus, inclusive nas escolas normais e, a 7 de Maio de 1879, o
deputado Alfredo Peixoto apresentou uma proposta de oficialização do método, repetida
a 9 de Maio pelo deputado Rodrigues de Freitas e, poucos dias mais tarde, a 12 de
Maio, pelo Visconde de Sieuve de Meneses (Gomes, 1986).
Em Maio de 1879, através do parlamento, os professores da instrução primária,
na senda do que haviam sugerido no ano anterior, pedem ao governo que constitua uma
comissão para estudar as vantagens da Cartilha Maternal em relação aos métodos
anteriormente adoptados nas escolas primárias.
Em Dezembro de 1879, José Luciano de Castro, para dar satisfação a este
pedido, decide proceder a uma rigorosa e imparcial confrontação, mandando comparar o
método de João de Deus com o método usual, confrontação que, todavia, nunca chegou
a realizar-se. Segundo Gomes (1986), este parecer ―poderá ser considerado o primeiro
projecto de pedagogia experimental pensado no nosso paìs‖ (p. 191).
Uma grande defensora e discípula do poeta João de Deus foi sua esposa,
Guilhermina de Battaglia Ramos. Esta, ao tomar conhecimento de que alguns autores
haviam plagiado a Cartilha Maternal, sai em defesa da honra de seu falecido marido ao
publicar a brochura denominada Método João de Deus – Protesto. Neste documento,
94
Guilhermina de Battaglia Ramos (1901) escreve, com manifesta indignação, a certo
passo:
A publicação de diversos livros de leitura, onde se encontram alguns princípios e
inovações que constituem a originalidade da Cartilha Maternal, o que, triste é dize-lo,
bem atesta da parte dos seus autores a falta do natural decoro que todo o escritor
público tem por dever prezar, obriga-me, como viúva e representante do falecido
pedagogista, a vir à imprensa lavrar o meu protesto e chamar para estes factos a
atenção dos que em Portugal ainda se interessam pela dignidade das letras e pelos
progressos do ensino, lamentando que a minha situação me não permita recorrer à
justiça (p. 1).
Ainda na mesma brochura, Guilhermina de Battaglia Ramos (1901) defende os
direitos do Autor, e recorda que ―em qualquer das quinze edições da Cartilha Maternal
se encontra sempre a declaração explícita: todos os direitos reservados, compreendendo
a distinção silábica‖ (p. 2).
O poeta considerou sempre a distinção silábica como uma inovação
exclusivamente sua, de que ninguém se podia utilizar sem sua licença. Para o poeta João
de Deus (1897), ―o plágio é estéril e esterilizador; estéril porque não traz novidade,
antes lhe convém disfarçá-la, sofismá-la, embrulhá-la; esterilizador, porque ataca os
estìmulos da inovação‖ (p. 224).
Na brochura anteriormente referida, Guilhermina de Battaglia Ramos (1901),
acusa Trindade Coelho de ter plagiado a Cartilha Maternal, pois ―a distinção silábica,
que é uma invenção incontestada de João de Deus, aparece agora expressa e confessada
no ABC do Povo . . . De todos os abusos e desrespeitos cometidos contra a obra de João
de Deus, o que temos por mais grave é da responsabilidade do Sr. Trindade Coelho,
com a publicação do ABC do Povo, e por isso a ele se refere principalmente este
protesto‖ (p. 6). Guilhermina, ainda no mesmo folheto, acusa Cândido Teixeira de
Morais e Simões Lopes como outros plagiadores da Cartilha Maternal.
Considera Delfim Santos (1991) que a grande diferença que separa os
adversários de João de Deus das concepções do poeta é que,
Uns estavam bem informados acerca das ideias vigentes sobre a criança e João de
Deus, com a sua profunda intuição, atingiu o que era essencialmente a criança sem
necessitar para isso de ter percorrido os caminhos da erudição, que, decerto lho
teriam dificultado como acontecera com os opositores‖ (p. 10).
95
À medida que o método se expandia, a imprensa noticiava as adesões e as
críticas que iam surgindo. Mas, apesar dos seus detractores, este novo sistema foi aceite
por alguns professores primários, e ―tornou-se uma espécie de bandeira para os
propagandistas culturais republicanos‖ (Marques, 1980, p. 84).
Segundo Rocha (1984), o método preconizado pela Cartilha Maternal, embora
contestado por alguns, foi acolhido por outros com entusiasmo e difundiu-se
rapidamente pelo paìs, sendo ―posto em prática por diferentes professores em diversas
escolas e favoravelmente apreciado pelo público, subsidiado pelas municipalidades e
recomendado por algumas Juntas Gerais de Distrito em vista dos resultados da sua
aplicação‖ (p. 163).
As críticas tecidas à Cartilha Maternal e a polémica que esta suscitou haviam de
reproduzir-se nas décadas futuras, pelo que tornaremos a este assunto.
96
3. Capítulo Terceiro
O Filho do Poeta
97
3.1. João de Deus Ramos – origens e caracterização
Durante o século XIX e princípios do século XX assiste-se em Portugal, no que
à educação diz respeito, a sucessivos avanços e recuos, a uma sucessão de reformas
escolares que quase nunca passaram do papel. A partir sobretudo da década de 70 do
século XIX, surgem em todo o país associações do pensamento socialista, grupos
republicanos, associações de professores, onde, a par das reivindicações políticas e
sociais, se empreende uma consistente luta contra o analfabetismo. Segundo António
Nóvoa (1986), durante o século XIX a ―educação torna-se praticamente sinónimo de
escolarização‖ e aquele passa a ser reconhecido como ―o século da escola‖ (p 33). O
―século da escola‖ alarga-se à República e constitui um ― perìodo em que a crença nas
potencialidades de uma educação escolar atingiu o auge‖ (Nóvoa, 1988, p. 35).
É durante este período fecundo que nasce João de Deus Ramos, o terceiro filho
do poeta e pedagogo João de Deus e de Guilhermina Battaglia, numa casa da Rua do
Salitre, em Lisboa, a 26 de Abril de 1878, cerca de dois anos após a apresentação
pública da Cartilha Maternal, método para o ensino das primeiras letras da autoria de
seu pai, a mesma cartilha que há-de servir-lhe de mote e de bússola na sua incessante
tentativa de dotar os portugueses iletrados da capacidade de ler e de escrever, em
especial as crianças.
Decididamente marcado pelo ambiente familiar e pelos valores humanistas,
cívicos e culturais que o enformavam, cedo começou a conviver com as figuras
destacadas das letras e da cultura que frequentavam o círculo de seu pai, firmado em
torno do estudo e da discussão da dita Cartilha Maternal e das técnicas de leitura das
primeiras letras. Esse ambiente pouco comum fez dele um homem integral, ciente dos
seus direitos e deveres de cidadão, nele bebendo os fundamentos do liberalismo de
Herculano e do socialismo de Antero, ao mesmo tempo que nele se enraizava um
profundo idealismo educativo.
Antes de abordar a acção de João de Deus Ramos, que foi vasta e importante em
vários domínios, nomeadamente na educação de infância, na formação de professores e,
ainda que em mais curta medida, também na intervenção política, iremos retratá-lo com
alguns testemunhos daqueles que com ele conviveram:
98
O Dr. João de Deus Ramos não é um bacharel metido numa sobrecapa fria e negra e
que olha com os olhos altivos para o professor, é um crente, um fanático pela
instrução, um filósofo e, como tal, é um modesto e vive no coração dos professores
como estes vivem na alma divina do grande poeta, filho do maior poeta do século
XIX.‖
(Vanguarda, 1905, Janeiro 21, p. 1)
A sua filha descreve o pai como um homem ―modesto, sincero, ìntegro, nunca
aspirou ao reconhecimento público. Quando lhe chamavam ―apóstolo‖ da instrução,
sorria dizendo em tom gracejo, que não deixava de esconder um pouco de amargura:
decomponham a palavra apóstolo! Sim, após-tolo . . .‖ (Carvalho, 1997, p. 40).
O Dr. João de Deus Ramos não é, felizmente, homem de desvaire com louvores
Tem bastante probidade intelectual para não se envaidecer e muita fé na sua obra para
perder o tempo a coleccionar elogios (O Mundo, 1905, Outubro 3, p. 1).
Marcos Algarve (1956, Novembro 29), colaborador da revista A Instrução de
Povo, conheceu João de Deus Ramos em 1906, por intermédio de Casimiro Freire, e
caracteriza-o como ―um elegante rapaz de 27 anos de idade, de barba à Guise e
maneiras distintas‖ (p. 3). Afirma ainda aquele articulista que ―O excelente humor de
João de Deus Ramos, para a família e para os amigos, herdou-o directamente do pai e
do avô paterno ―o seu humorismo era fagueiro e generoso como o lirismo de seu pai‖
(Correio do Sul, 1956, Dezembro 13, p. 2).
Fernando Figueiredo (1953, Dezembro 20), que conheceu o nosso autor de
perto, descreve-o como um homem ―inteligente e culto, dotado de um grande poder de
crítica, tolerante com as ideias opostas às suas, correcto, afável, com aprumo moral, tais
os traços caracterìsticos da sua personalidade‖ (p. 1).
Ferreira de Castro (1972) caracteriza-o como ―um homem magro, a sobrelevar
de pouco uma estrutura meã, e de expressão concentrada, levemente austera,
condizendo com a sua voz profunda, tão compreensiva como bondosa. . . Tinha uma
personalidade muito forte, muito rica e muito dele‖ (p. 6).
A Dr.ª Maria Lúcia Rosa (1961), que o conheceu de perto, dele diz que,
Além de educador insigne, João de Deus Ramos era uma pessoa encantadora, de uma
delicadeza e distinção raras. Orador fluente e elegante, servido por uma bela voz de
ricas modelações e uma dicção primorosa, a sua presença, a um termo simples e
dominadora, atraía, e o seu discurso empolgava. Pronunciados por ele, certos
99
vocábulos saíam da banalidade, vibravam, profundos e coloridos, abriam-se,
revelavam-se. Quando dizia Poeta, Infância, Amor, Beleza, era como se pela primeira
vez apreendêssemos todo o significado destas belas palavras (p. 12).
Segundo Aquilino Ribeiro (1955), João de Deus Ramos,
Era um homem tolerante, nimbado de todas as suas faculdades morais, que lhe legou
o seu pai à falta de outros haveres. . . A tolerância personificava-se nele. Espelho de
ternura, ao mesmo tempo reflectia no seu claro lume o prazer de ser útil e amável.
Com as crianças o seu carinho acrisolava-se como o de um jardineiro pelas rosas (p.
XV).
Conta-nos ainda Ferreira de Castro (1972) que um dia disseram a João de Deus
Ramos que se encontrava à venda, numa livraria de obras antigas, um valioso
manuscrito de seu pai. Foi imediatamente adquiri-lo, mas logo verificou que tal
manuscrito tinha sido escrito por ele e não por seu pai. Este episódio fez com que João
de Deus Ramos se auto-denominasse algumas vezes por ―João sem nome‖, quiçá com
alguma amargura. Na verdade, ainda hoje a confusão persiste e não é raro depararmonos com ela, ou seja, com o erro de ser havida como do pai alguma da obra que ao filho
se deve.
100
3.2. João de Deus Ramos enquanto estudante
Órfão de pai com apenas 17 anos, teve no entanto a maturidade necessária para
chamar a si a ingente tarefa de continuar a obra pedagógica do progenitor. O seu irmão
mais velho, mais tarde Visconde de São Bartolomeu de Messines, era doente e ―um
pouco instável na sua vida nervosa, passava da extrema alegria quase estúrdia, até à
extrema tristeza e concentração‖ (Carvalho, 1997, p. 39).
Um ano após da morte do poeta João de Deus, é publicada num jornal da época
uma declaração que considera a sua obra literária como pertença da família.
Guilhermina do Battaglia Ramos, por si e como representante de seus filhos menores
João e Clotilde, Maria Isabel Ramos e José do Espírito Santo de Battaglia Ramos, na
qualidade de herdeiros de seu falecido marido e pai, o Dr. João de Deus Ramos,
declaram para todos os efeitos legais que procederão civil e criminalmente nos termos
das leis (art. 607 a 612 do Código Civil e 457 1º e 2º do Código Penal) tanto em
Portugal como no estrangeiro, e nomeadamente no Brasil, contra os que usurparem,
contrafizerem, venderem ou expuserem à venda, no todo ou em parte, as obras
literárias do seu falecido marido e pai, sem ficarem exceptuados os que, sob qualquer
pretexto, insidiosamente pretendam fazer imitações de todas ou de algumas daquelas
obras, nem os que vendam ou exponham à venda.
Lisboa, 30 de Janeiro de 1897
Guilhermina de Battaglia Ramos
Maria Isabel Ramos
José do Espírito Santo de Battaglia Ramos
(O Século, 1897, Fevereiro 4, p. 1)
João de Deus Ramos frequentou a instrução primária num colégio de Jesuítas e
já por essa altura demonstrava possuir grandes qualidades intelectuais. No período em
que frequentou o colégio jesuíta põe em dúvida alguns princípios da religião católica, o
que implicou a sua expulsão. Ao concretizar os seus estudos liceais, vai cursar Direito
em Coimbra, cidade universitária onde, em lugar das habituais praxes de iniciação, é
recebido com capas negras atapetando-lhe o caminho e uma apoteótica aclamação,
decerto muito mais dirigidas ao poeta do Campo de Flores do que ao caloiro João de
Deus Ramos.
101
Sobre este episódio, escreve Rocha Martins (1947, Abril 12):
O filho mais novo do poeta, João de Deus Ramos, foi frequentar a Universidade de
Coimbra, e a recepção de caloiro foi ainda um acto de carinho em memória do pai.
Muito pode o entusiasmo pela justiça nas almas moças; imprime-se-lhes, grava-se,
modela-se como um selo bem talhado na cera purificada. Levaram-no ao colo (p. 1).
Ainda sobre o mesmo assunto, escreve Cardoso Valadão (1920, Janeiro 20):
Contou-nos um dia o Dr. João de Deus Ramos, com justificado envaidecimento, que
quando fora para Coimbra a frequentar a faculdade de Direito, praticava-se ainda
todo o ritual de uma tradição, aquela usança medieva, canelada aos caloiros que,
pela primeira vez, transpunham a Porta Férrea. João de Deus Ramos assistia transido
ao martirológio dos seus condiscípulos, aguardando a sua vez de ser sacrificado em
holocausto àquele costume, que a fúria canibalesca dos executores tornara terrorista.
Quando a figura minúscula de João de Deus Ramos se dispunha a transpor a Porta
Férrea, uma voz retumbante e dominadora disse: Respeite-se, que é filho de João de
Deus e, imediatamente, toda a Academia irrompeu numa calorosa ovação, que
redundou numa magnificente apoteose (p.1).
Enquanto estudante manifesta a sua faceta de poeta e, em 1899, publica o seu
primeiro livro de poesias, que denominou A Cruz d’Amar, dedicando-o a seu pai e aos
poetas Teixeira de Pascoais e João Lúcio (Ramos, 1899). Teófilo Braga (citado em
Azevedo, 1997), grande amigo de seu pai, após a leitura do pequeno livro escreve a
João de Deus Ramos um bilhete-postal, dando-lhe o seguinte parecer:
Recebi o mimoso presente do seu opúsculo Cruz d‘Amar em que o poeta faz o
tentâneo das asas para liberar-se ao ideal. É uma esperança auspiciosa. A grande
tradição implícita no seu nome chega-o a muito, e por isso trate sempre de fazer com
que as vacilações do voo não sejam conhecidas do vulgo, que só quer admirar o
definitivo (p. 169).
Mas aquela não havia de ser a única incursão de João de Deus Ramos pela
poesia. Após a sua morte, em 1955, foram publicados, na mesma altura, dois outros
102
livros seus: Poetas, com prefácio de Aquilino Ribeiro, e um livro de fábulas em verso
destinadas às crianças, denominado Fábulas para a Gente Moça. A publicação destas
obras mereceu uma elogiosa referência no diário O Século (1955, Julho 4), de que
destacamos o seguinte passo:
Foi uma comovente iniciativa a de editar dois livros em cuja portada se lê o nome de
João de Deus Ramos, que dedicou a vida inteira, com fervor, amorosamente, a
realizar, a apostolar a educação e a instrução da infância, a espalhar uma obra para a
qual se impõe, primeiro que tudo, ser-se um bom cidadão e possuir-se uma alma de
poeta . . . Os dois livros agora aparecidos intitulam-se Poetas e Fábulas para Gente
Moça (p. 2).
No livro Poetas João de Deus Ramos (1955) evoca alguns dos mais destacados nomes
da poesia portuguesa. Traz-nos o Minho e os seus poetas Diogo Bernardes, Frei Agostinho da
Cruz, João Penha, António Feijó e Álvaro Feijó, para além de descrever as gentes e as paisagens
minhotas, as suas lendas e os seus cantares. Evoca em seguida Antero — o poeta-filósofo;
Camilo e Guerra Junqueiro, o poeta da Pátria, de quem a certo passo diz:
A República, de que se conserva o nome, a bandeira e o hino, foi gerada no espírito
moço da geração de setenta do século passado e teve como principais arautos dois
poetas e um caricaturista: Junqueiro e Gomes Leal, pela pena, e Rafael Bordalo, pelo
lápis‖ (p. 57).
Fala-nos ainda de Afonso Lopes Vieira — o poeta do Bartolomeu Marinheiro —
que descreve como ―um jardineiro de estrelas, cultivou os amoráveis motivos da
epopeia nacional‖ (Ramos, 1955, p. 63). Integra também, nesta curta peregrinação por
algumas terras e por algumas obras de poetas portugueses, o seu amigo inseparável,
João de Barros — o poeta da Vida Vitoriosa, considerando-o como ―um poeta lìrico que
cultivou a alegria de viver ante o espectáculo enternecedor da terra florida, mas que
soube ajustar esse ideal às contradições humanas que as realidades lhe antepunham‖
(Ramos, 1955, p. 83).
Por último, recorda os poetas algarvios João Lúcio, Cândido Guerreiro,
Bernardo de Passos e João de Deus. Sobre seu pai, comenta:
João de Deus reagiu no seu tempo (e por isso Teófilo Braga lhe chamou o renovador
do moderno lirismo) contra os exageros do romantismo, por este não corresponder à
103
sentimentalidade equilibrada da alma popular, equilíbrio que se verifica, de sul a
norte, no vasto exemplo do nosso folclore . . .os melhores versos de João de Deus não
são os mais conhecidos do grande público, nem por este os mais apreciados (Ramos,
1955, p. 97).
Sobre o livro Poetas escreve Matilde Rosa Araújo (1955, Agosto 1), em artigo
publicado no jornal Terra Minhota, nomeadamente, o seguinte:
Este livro . . . é como que um halo de luz sobre a fronte honestíssima e torturada do
Pedagogo-Poeta que foi João de Deus Ramos. Fala de Poetas seus irmãos desde o
luminoso Algarve ao nosso Minho com aquela subtileza e seriedade com que se
devem entender as obras de espírito e de coração . . . Parece que João de Deus Ramos
toca uma harpa com inteligência nos dedos, mas uma harpa toda coração quando nos
fala de todos estes homens seus irmãos, no talento e no Amor (p. 2).
Fábulas para Gente Moça é um livro de fábulas em verso para crianças, sendo
algumas delas adaptações das fábulas de La Fontaine. As ilustrações são da autoria de
Leal da Câmara e António Duarte de Almeida. Sobre as mesmas Fábulas diz Manuela
Azevedo (1978) que ―As fábulas, os apólogos, as metáforas de João de Deus Ramos são
exercício sadio para a imaginação da criança, o cerne metafísico da humanidade. Talvez
por isso, este livro me parece feito de pequeninas gotas da sua mentalidade ferida‖ (p.
13).
Em 1949, João de Deus Ramos, em parceria com Jaime Lopes Dias, editara um
livro de contos e poemas para crianças intitulado O Livro de Capa Verde, com
ilustrações de Álvaro Duarte de Almeida e capa da autoria de José Espinho, que veio a
ser adoptado nos Jardins-Escolas João de Deus. Nele se podem encontrar também
alguns poemas e desenhos do poeta João de Deus. Tanto as Fábulas para Gente Moça
como O Livro de Capa Verde são veículos privilegiados de valores essenciais como a
bondade, o respeito, a coragem, a generosidade e a liberdade, entre outros.
Mas é ainda em Coimbra, numa época de idealistas, que nos bancos da
Faculdade de Direito ou no aconchego dos muros da velha Universidade, convive com
alguns dos jovens que haviam de transformar-se em homens reconhecidamente ilustres.
João de Deus Ramos cria uma longa amizade com Joaquim Manso, que, já ordenado
padre, frequenta o curso de Direito, o mesmo sucedendo com João de Barros, o seu
inseparável companheiro de incontáveis lutas em prol da cidadania, da instrução e da
educação. Segundo Manuela Azevedo, (1997) estes três homens criam uma ―trìplice
104
aliança sem protocolo assinado nem condições de caminhos comuns para as suas
diferenças ideológicas‖ (p. 17).
Mais tarde, durante décadas, em defesa do acesso do povo à instrução, João de
Deus Ramos colabora com artigos no Diário de Lisboa, fundado e dirigido por Joaquim
Manso. Neste mesmo jornal criou-se uma ―tertúlia literária e polìtica de cariz
oposicionista‖, de que faziam parte grandes nomes da época tais como João de Barros,
Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, Ferreira de Castro, Azevedo Gomes, Pulido Valente,
entre outros‖ (Figueira, 2003, p. 1152).
Entre os seus amigos e admiradores é de realçar o nome de António Joyce,
maestro do Orfeão Académico de Coimbra. Foi em muito devido aos saraus promovidos
por este musicólogo que se reuniram as verbas que possibilitaram a criação do primeiro
Jardim-Escola João de Deus, que havia de abrir as suas portas precisamente em
Coimbra, em 1911.
João de Deus Ramos, tal como seu pai, também demonstrou faceta de músico,
tendo escrito letras e músicas, passando do fado às canções populares e às canções
infantis. Começou por escrever letras e músicas para Fado e, posteriormente, fez outras
para crianças, de que citaremos algumas: para piano escreveu Caprichos, Canto do
Fado e Variações do Fado; para guitarra, em variações de mi menor, escreveu Fado;
Recordações de Coimbra, escrito para piano por Isidro Aranha, com letra de João de
Deus Ramos e Fado das Praias, com letra de João de Deus Ramos e música de
Reinaldo Varela. Escreveu também canções para crianças, tais como Rancho de
Esperança, com letra sua e música de Isidro Aranha; Marcha Escolar, com letra e
música de sua autoria; A Lágrima Celeste, letra do poeta João de Deus, música de João
de Deus Ramos; O Hino do Sol, música de João de Deus Ramos e letra de Tomás
Ribeiro (Ramos, s.d). ―As músicas de João de Deus Ramos, algumas das quais foram
popularizadas pelo Orfeão de Coimbra . . . ainda hoje consideradas por muita gente
como obra do grande poeta, mas que pertencem ao filho‖ (Diário Popular, 1954, Junho
13, p. 6).
Em Coimbra, João de Deus Ramos e João de Barros pertenceram à mesma
―república‖, situada na Rua da Couraça, onde meio século antes se tinha instalado
Camilo Castelo Branco com o propósito de completar o curso de medicina (Azevedo,
1997). Desde os bancos da universidade e no dizer do mesmo João de Barros, João de
Deus Ramos evidencia um crescente interesse pelas questões pedagógicas, em especial
105
pela ―formação da criança pobre portuguesa, abandonada de amparo escolar na idade
em que se forma a inteligência e em que se plasma a sensibilidade‖ (Barros, 1933, p. 8).
Já neste período, ao reconhecer que a educação e a instrução deveriam começar
antes da escola primária, projecta a criação de uma escola para a criança pequena e
partilha as suas ideias com João de Barros, seu grande amigo, que no início o achava
um ―fazedor de teorias‖. João de Barros confessa o pouco entusiasmo com que nos
primeiros tempos de estudante ouvia os ideais pedagógicos de João de Deus Ramos.
Sobre este assunto, conta-nos o próprio João de Barros (1920):
Quando, em Coimbra, ambos ainda estudantes da Universidade, começámos a ser
amigos, João de Deus principiou a falar dos seus planos educativos — planos que
abrangiam todo o nosso problema de ensino, mas que, por lógica natural ao seu
espírito, incidiam, primordialmente, no ensino infantil — confesso que muitas vezes
achei nublosa a ideologia com que ele me justificava os seu pontos de vista. Duvidei
e sorri da sua possível realização. Cheguei a convencer-me, sem nunca deixar de
respeitar a fé e o raciocínio seguro do que ouvia, de que todo aquele sistema
pedagógico era inexequível entre nós . . . João de Deus Ramos falava, falava,
detalhava o seu plano, descia a minúcias insignificantes (assim eu julgava, pelo
menos) — e como que afogava em discursos e em afirmações categóricas a
probabilidade da sua futura execução (pp. 12-13).
Mas o entusiasmo e os ideais pedagógicos de João de Deus Ramos haviam de
contagiar João de Barros. As suas ideias coincidiam, ambos amavam o povo e a
liberdade, ambos eram poetas e viriam a ser dois grandes educadores.
Para além dos ideais pedagógicos, partilhavam ambos os mesmos ideais
políticos, tendo pertencido ao mesmo Partido, o Partido Republicano Português, e
também à Maçonaria. João de Deus Ramos inicia-se, em 1909, na Loja Solidariedade,
de Lisboa, com o nome simbólico de Antero e, em 1913, pertence à Loja Redenção. Em
1922 regressa à Loja Solidariedade onde, em 1924, atinge o 7º e último grau do rito
francês. João de Barros faz a sua iniciação maçónica na mesma Loja Solidariedade, em
1910, com o nome simbólico de João de Deus (Marques, 1986).
Ambos acompanham a expansão dos novos ideais lançados pela geração que os
procedera. Unem-nos, principalmente, os conceitos de Liberdade, Democracia, Justiça,
Pátria e Família. Comungam do socialismo de Antero, e o omnipresente João de Deus
ainda os comove e identifica. São homens de reflexão e pensamento humanistas, até no
106
apego aos projectos que João de Deus Ramos confidenciara a seu pai quanto a expandir
o método de leitura pela Cartilha Maternal.
O filho do poeta muito cedo sentiu, como ninguém, o valor da Cartilha
Maternal, considerada por alguns ―a Bìblia da Infância, os Lusìadas da Escola‖ (A
Pátria, 1920, Janeiro 20). Empenha-se na defesa do método de seu pai e, a par dos
estudos de Direito, começa por completar-lhe a obra, publicando alguns livros sobre a
Cartilha Maternal, tais como o Guia Prático e Teórico da Cartilha Maternal ou Arte de
Leitura de João de Deus e, os Altos Princípios do Método João de Deus.
O Guia Prático e Teórico da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura de João de
Deus, a sua primeira obra, é constituída por duas partes: a primeira, denominada Guia
Prático, é uma recolha das lições da Cartilha Maternal, completada pelas cartas a
Henrique das Neves publicadas em Novidades, onde são apresentadas todas as lições e,
sucessivamente, todas as regras de leitura; na segunda parte, intitulada Guia Teórico,
expõe o método de leitura de João de Deus, para melhor dar a conhecer a originalidade
do pensamento pedagógico do poeta João de Deus (Ramos, 1901).
Esta obra foi posteriormente actualizada pela filha de João de Deus Ramos,
Maria da Luz de Deus (1997), através do Guia Prático da Cartilha Maternal.
Como ensinou Raposo (1993), no prólogo do Guia Prático e Teórico da
Cartilha Maternal ou Arte de Leitura de João de Deus João de Deus Ramos exprime
bem ―o ideário pedagógico que orientava já seu Pai e que ele tão bem concretizou:
educar o Povo‖ (p. 8).
No prólogo do antes mencionado Guia Prático e Teórico . . ., escreve João de
Deus Ramos (1901):
Julguei, ao princípio, que acharia as ideais que pretendia assimilar, mas que teria de
fazer redacção minha em muitos pontos. Porém, vi depois que a doutrina, ainda que
dispersa, estava tão completamente tratada, que não seria muito difícil assimilar não
só as ideias como as próprias frases do autor da Cartilha Maternal. Mas este trabalho
precisava de ser rigorosamente orientado; e a orientação achava-se em textos
separados (p. XIII).
Aquando da publicação do Guia pode ler-se, num jornal da época, a seguinte
passagem:
107
Temos sobre a mesa o Guia prático e teórico da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura
de João de Deus. Trata-se de um trabalho do filho de João de Deus, completando a
monumental obra de seu pai ainda por consagrar justamente. Esse trabalho, que o
autor declara ser uma compilação do que seu pai disse e se encontrava disperso, tem o
maior valor, por vir, repetimos, completar a obra em que se encontra a solução do
analfabetismo. O livro é dedicado à benemérita Associação das Escola Móveis — tão
relativamente desamparada.
(O Mundo, 1901, Dezembro 9, p. 1)
Sendo a Associação das Escolas Móveis a instituição que tinha como objectivo
promover o ensino das primeiras letras pelo método de João de Deus, é a ela que o Guia
Prático e Teórico da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura de João de Deus é dedicado,
podendo ler-se ainda no respectivo preâmbulo o seguinte:
Dedicando à Benemérita Associação das Escolas Móveis este opúsculo, que se
destina a auxiliar a propaganda da Cartilha Maternal, julgo obedecer a meu Pai,
porque sei, e afirmo, que lhe era mais querido quem por factos apostolasse a sua obra,
do que aquele que a enaltecesse falando ou escrevendo (Ramos, 1901, p. VII).
Carolina Michaëlis, filóloga e grande admiradora do poeta João de Deus, que
anos atrás, com já referimos, fizera um estudo sobre a Cartilha Maternal onde a
considerara um método inovador para o ensino das primeiras letras, após a análise do
Guia Prático e Teórico da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura de João de Deus, vem
agora opinar, num cartão de visita que endereça a João de Deus Ramos, que esta obra é
―um livro precioso e indispensável aos que ensinam‖ (citado em Azevedo, 1997, p. 79).
João de Deus Ramos, por ter demonstrado desde os bancos da faculdade um
acentuado interesse pelas questões pedagógicas, pela poesia e pela música, é
reconhecido como herdeiro espiritual de seu pai, como pode ler-se em extenso artigo de
O Mundo (1902, Julho 13): ―Tivemos a ocasião de observar a sincera estima e
admiração que, ao novo bacharel, testemunhavam os seus condiscípulos e
contemporâneos, na Universidade de Coimbra, reconhecendo-lhe um nobre carácter e
um belo espìrito.‖E mais adiante, ―o saber-se que João de Deus, no campo das letras,
108
deixou um sucessor (os primeiros trabalhos o demonstram) que o há-de honrar pelo
talento e pela inteireza de carácter, é consolador‖ (p. 2).
Naquele mesmo ano, João de Deus Ramos publicara o opúsculo pedagógico
Altos Princípios do Método João de Deus, a sua segunda obra em defesa dos ideais de
seu pai e complemento do seu já referido Guia Prático e Teórico da Cartilha Maternal
ou Arte de Leitura de João de Deus, onde expõe os princípios gerais do método de João
de Deus e dá a conhecer os fundamentos do seu pensamento pedagógico, que mais tarde
abordaremos.
Sobre a publicação de Altos Princípios do Método João de Deus e no artigo que
antes parcialmente se transcreve, pode ainda ler-se:
Propõe-se o filho mais novo de João de Deus publicar uma série de opúsculos
pedagógicos, o primeiro dos quais, sob epígrafe que encima esta notícia,
desenvolvendo as seguintes teses: I – o ensino primário compete às mães; II – o
ensino de leitura deve ser absolutamente lógico e racional; III – a lei fundamental da
verdadeira arte de leitura é a análise da fala aplicada à ortografia . . . Vemos que o
filho de João de Deus, cumprindo o piedoso legado de seu pai, se propõe consagrar as
suas belas faculdades intelectuais e dotes de coração, à defesa da obra do grande
educador nacional . . .Tal deliberação há-de trazer-lhe desgostos, porventura afrontas
e calúnias, como as sofreu seu pai, mas, na consciência do dever cumprido,
encontrará o novo apóstolo da instrução do povo a mais legítima das recompensas.
(O Mundo, 1902, Julho 13, p. 2)
A obra é dedicada a sua mãe, embora no prefácio homenageie o seu pai como ―o
primeiro poeta de amor não só de Portugal mas de toda e Europa do século XIX‖. Para
ele, o pai, ―se não foi um poeta-filósofo, foi um poeta com filosofia‖. Para além de
reconhecer no pai um grande poeta, propõe-se continuar a divulgação da Cartilha
Maternal, considerando o método de leitura como a obra mais querida de seu pai
―porque o fez vitorioso através das maiores privações e insultos‖. No preâmbulo deste
trabalho João de Deus Ramos refere ainda alguns dados essenciais para a compreensão
das vicissitudes por que passou a adopção oficial da Cartilha Maternal, em 1888, a
qual, já depois da homenagem nacional prestada a João de Deus em 1895, veio a ser
banida, como já tivemos ocasião de referir (Ramos, 1902, pp. VII- X).
109
Aquando da publicação de Altos Princípios do Método João de Deus, João de
Deus Ramos (citado em Azevedo, s. d), escreve uma carta ao seu amigo João de Barros,
onde confessa que a obra não o satisfaz.
O meu livro não me satisfez bem. E, se não fosse a oportunidade, não sairia tão cedo.
No entanto, devo dizer-te que só a prática te daria um óptimo esclarecimento do que
ele quer dizer. Por isso antepus no opúsculo o Guia Prático ao Teórico (p. 143).
Segundo João de Barros (1920), Ramos, enquanto estudante, para além de
publicar as obras que vêm citadas, quase simultaneamente, ―iniciava as suas
conferências de propaganda. Chamava à defesa e à compreensão do seu ideal de
educador os maiores nomes da literatura e da política; entusiasmava a mocidade de
Coimbra‖ (p. 13) Depois da sua formatura, e ainda em relação à defesa dos ideais do seu
pai, escreve a Prosódia Portuguesa.
Em 1899 o irmão do poeta João de Deus, padre António Espírito Santo, publica
o opúsculo Leis de Prosódia Portuguesa, com notas retiradas da Cartilha Maternal ou
Arte de Leitura de João de Deus. O irmão do poeta reconhece que o seu livrinho está
incompleto por ter utilizado apenas, para a sua concretização, as notas da Cartilha
Maternal ou Arte de Leitura de João de Deus. Pensa em melhorá-lo e publicar uma
segunda edição, mas morre entretanto. E vem a ser o sobrinho João de Deus Ramos
quem, em 1909, através da recolha das notas de seu pai dispersas por diversos jornais,
dos livros de polémica O Apostolado, a Critica da Cartilha Maternal e o Dicionário
Prosódico, bem como do manuscrito para a segunda edição deixado por seu tio, publica
um estudo prévio de ortografia denominado Prosódia Portuguesa. Este pequeno
opúsculo é dedicado a seu tio, o dito padre António Espírito Santo, também este um dos
grandes apóstolos da obra de seu pai (Ramos, 1909).
É de recordar que o poeta João de Deus, ao concluir que em cada região do país
se pronunciava as palavras de formas diferentes e que as pessoas tinham tendência para
as escrever tal como as pronunciavam — o que as levava a cometer erros ortográficos
— defendia o estabelecimento de regras claras para a ortografia de modo a que todos
escrevessem da mesma forma, regras como as que estabeleceu para a aprendizagem das
primeiras letras: e se a ortografia se devia ajustar à fala, considerava João de Deus que a
língua escrita devia induzir à rectificação da língua falada. Após uma reflexão profunda
da língua portuguesa e com a colaboração de António José Carvalho, o poeta publica o
110
Dicionário Prosódico Luso-Brasileiro. Segundo o seu filho João de Deus Ramos,
(1909), foi a ―análise da fala, aplicada à ortografia comum, que serviu de base à Arte de
Leitura de João de Deus‖ (p.19).
João de Deus Ramos (1902), na mesma linha de seu pai, considera que a
ortografia ―depende fundamentalmente da maneira como as palavras são pronunciadas.
Sendo diferente a pronúncia, diferentes letras ou sinais são aplicados graficamente‖. A
forma como se pronuncia uma palavra pode ser divergente da escrita, logo, esta
desarmonia ―contraria o princìpio primordial do estudo e determinação da ortografia —
a unidade da lìngua‖. Daí a necessidade de criar regras ou leis como base da ortografia,
pois a imposição dessas regras e dessas leis ―é a determinação da prosódia portuguesa‖
(pp. 46-47).
A publicação deste opúsculo é notícia num dos jornais da época e dá-nos a
conhecer os seus objectivos, em texto de que transcrevemos parte:
O nosso distinto amigo, Sr. Dr. João de Deus Ramos, filho do inolvidável poeta do
Campo de Flores, o benemérito autor da Cartilha Maternal, de há muito que vem
consagrando a sua profícua actividade à divulgação da obra pedagógica de seu pai.
Novo ainda e de um espírito lucidíssimo, entendeu, e muito justamente, que não havia
ocupação mais nobre para o seu talento do que a de se devotar com amor à
propaganda do método de leitura de João de Deus . . . No livro que temos presente,
um valioso trabalho sobre filologia portuguesa deixado pelo grande poeta e
coordenado por seu filho, encontramos curiosas observações e notas muito
interessantes que servem de subsídio para o esclarecimento do problema, tão
complexo, da nossa linguagem. Segundo o coordenador ilustre deste importante
estudo, ele visa os seguintes fins: 1º orientar a questão ortográfica; 2º confirmar a
ortografia da Cartilha Maternal, servindo de base para a modificar conforme a
evolução natural da linguagem falada e escrita; e 3º facilitar aos que ensinam pelo
método João de Deus, e de uma maneira geral, aos que ensinam a escrever, a
sistematização de regras indispensáveis para evitar, quanto possível, o fastidioso
trabalho da cópia, que por um processo mecânico de aprendizagem, repugna a quem
aprende, e está fundamentalmente condenado pelo espírito educativo da Cartilha
Maternal.
(O Primeiro de Janeiro, 1909, Agosto 7, p.1)
111
Também reviu e alterou a Arte da Escrita, um conjunto de caderninhos
elaborados por seu pai e destinados à aprendizagem da escrita segundo o Método João
de Deus, a que mais adiante voltaremos.
João de Deus Ramos, mais propenso a fazer do que a escrever, deixou-nos
apesar de tudo, para além das já referidas, um bom punhado de outras obras, entre livros
e artigos de opinião, quais sejam: A Reforma da Instrução Primária (1911), A Reforma
do Ensino Normal (1912), O Estadismo e o Ensino Público (1914), ABC Maternel —
l’Art de la Lecture (1920), O Estado Mestre-Escola e a Necessidade das Escolas
Primárias (1924), Era um Vez um Colégio... (1941), A criança em Portugal antes da
Escola Primária (1940), O Minho e os seus Poetas (1943), O Analfabetismo nas Beiras
(s.d), e Miúdos da Minha Terra (1941). Foi director das revistas Boletim das Escolas
Móveis e A Instrução do Povo e colaborou em outras revistas e jornais, de que
destacamos A Escola Nova, Atlântida, A Higiene Popular, Académico Figueirense,
Jornal do Bairro do Estoril, A Capital, O Combate, O Mundo, O Povo, A Manhã,
Diário de Lisboa, Diário da Tarde, O Diabo, O Comércio do Porto, República e
Correio do Sul, obras, artigos e periódicos que iremos referindo ao longo do presente
trabalho.
3.3. Outras polémicas à volta da Cartilha Maternal
A publicação da Cartilha Maternal, já o dissemos, precede o nascimento de
João de Deus Ramos, que tem nela o seu livro das primeiras letras e seu pai como o
primeiro professor. Aquela obra, em que o poeta João de Deus investira tanto tempo e
tanta dedicação, congregou desde logo inúmeros e entusiásticos apoiantes mas também
não deixou de reunir alguns ilustres detractores, não admirando, pois, que João de Deus
Ramos tivesse assistido, desde a infância, a acesas discussões em torno da Cartilha
Maternal. Foram essas polémicas e a certeza de que aquele método, para além de
original, era o melhor método de leitura para o ensino das primeiras letras, que o
levaram a divulgá-la e a defendê-la durante a maior parte da sua vida.
João de Barros (1911), na tese que apresentou ao 2.º Congresso Pedagógico, em
Abril de 1909, e subordinou ao tema ―João de Deus, o único educador nacional‖, diz, a
certo passo: ―Se dermos à palavra educador o seu sentido mais restrito, mas também
112
mais significativo, mais intenso, o de pedagogo, em suma . . . só João de Deus nos
aparece, na história das ideias em Portugal, como merecendo realmente esse nome‖; e,
mais adiante: ―A Cartilha Maternal é o único método de leitura que perfeitamente se
adapta, se ajusta à psicologia e à fisiologia da criança‖ (pp.91-98). Ainda no mesmo
estudo, afirma:
―Cabe a João de Deus a glória de ter compreendido e proclamado a gravidade
especial de não atender desde o primeiro ensino, ao instintivo desejo de raciocinar que
tem a criança‖ (Barros, 1911, p. 99).
Em ―Cartas Leves sobre Temas Graves – Educadores, Pedagogistas e
Cartilhistas‖, carta publicada na Seara Nova e subscrita por António Sérgio (1926,
Fevereiro) em resposta a uma outra que o Prof. César da Silva endereçara àquela revista,
pode ler-se:
De César da Silva:
João de Deus não foi um pedagogista mas tão-somente um metodista. A Cartilha
Maternal, embora magistralmente organizada para o ensino da leitura, estabelece
uma forma rígida e demasiadamente didáctica para a realização desse ensino; e por
tal modo, que mais cansa do que atrai os estudantinhos a quem é aplicada.
Enfim, é um método e não um sistema de organização escolar (citado em, Sérgio,
1926, Fevereiro, p. 77)
De António Sérgio:
E Castilho? Se o não coloquei, como viu, nas falange dos pedagogistas, tê-lo-ia posto
sem dúvida nenhuma na primeira fila dos educadores. Estamos de acordo: Castilho
sentiu, como poucos, a verdadeira reforma da educação. Tudo se perde no nosso país .
. . .Por desgraça, tal desenvolvimento foi sustado por intervenção de outro poeta, que
não era, esse, nem pedagogista nem educador; que caminhou, até, no sentido oposto ao
da pedagogia: João de Deus. A entrada em cena de João de Deus, após a iniciativa de
Castilho, foi um recuo catastrófico, e representa para o nosso país uma muito funesta
calamidade (Sérgio, 1926 Fevereiro, p. 78).
113
E Sérgio, após referir algumas opiniões de Augusto Coelho sobre a Cartilha
Maternal, termina, verberando:
Para progredirmos na instrução primária, o livro de João de Deus ―terá de
desaparecer fatalmente‖. Pois ainda se fala na Cartilha, — para atestar a funda
ignorância em que mergulha este país; e não há quem, por amor do Poeta, peça
perdão para aquele livro — e o esquecimento do ―pedagogista‖ (Sérgio, 1926
Fevereiro, p. 78).
Não fora porém esta a conclusão de outros estudos que sobre a Cartilha
Maternal se haviam feito já, nomeadamente por Carolina Michaëlis, Manuel Laranjeira,
Francisco Adolfo Coelho e Henri Campagnolo, entre outros já citados. Quanto a
Carolina Michaëlis, já em 1877 profetizara, sobre a Cartilha Maternal, que ―reinará em
breve na escola portuguesa; terá conseguido uma vitória sem exemplo em Portugal‖ (p.
93). Carolina Michaëlis viria a ter razão: o método constituiu efectivamente uma vitória,
porquanto, apesar de já não ser praticado nas escolas públicas portuguesas, ainda hoje,
volvido bastante mais de um século, é aplicado nos Jardins-Escolas João de Deus.
As críticas tecidas em redor da Cartilha Maternal tornam a vir a público alguns
anos após a morte do poeta. Com efeito, a 11 de Abril de 1909, o jornal O Mundo
publica um artigo a anunciar o programa do Segundo Congresso Pedagógico promovido
pela Liga Nacional da Instrução, intitulado ―As Teses do Congresso Pedagógico —
prevê-se uma discussão renhida sobre o método João de Deus - o filho do poeta dirigese ao ―Mundo‖. Aquele artigo dá a conhecer alguns dos temas propostos à discussão no
dito Congresso Pedagógico e os nomes de alguns dos congressistas. (O Mundo, 1909,
Abril 11, p. 3).
No mesmo número daquele jornal é publicado um artigo de João de Deus Ramos
(1909, Abril 11) que, ao tomar conhecimento do conteúdo de alguns relatórios e dos
temas que iriam ser debatidos no Congresso, mormente os relacionados com a Cartilha
Maternal, escreve:
Tendo lido hoje no Mundo uma notícia desenvolvida sobre alguns dos relatórios que
hão-de ser discutidos no próximo Congresso Pedagógico, e cujas opiniões V.
resumida e brilhantemente pôs em confronto, impressionou-me sobremaneira a
afirmação, tantas vezes injustamente feita contra a Cartilha Maternal, de que este
114
livro está condenado pelos melhores oftalmologistas nacionais e estrangeiros. Não é
verdade. É para o provar (sem o menor intuito de provocar polémicas na imprensa,
tanto mais desnecessárias quanto é certo que em breves dias pode o assunto ser
largamente debatido) que eu lhe envio cópia de um atestado do nosso primeiro
médico oftalmologista, o Dr. Gama Pinto, que diz em poucas palavras tudo o que é
preciso para que saibamos qual é a sua autorizadíssima opinião, clara e definida.
Segue o atestado:
―Atesto sobre juramento que, tendo examinado os livros que compõem o Método
João de Deus, a Cartilha Maternal e Deveres dos Filhos, nada encontrei neles, quer no
tamanho quer na forma, quer na cor dos tipos, que seja nocivo à vista‖ — Lisboa 13
de Maio de 1903 — Dr. Gama Pinto.
Parece-me que este atestado diz tudo independentemente de outros trabalhos
científicos, que, apreciando entusiasticamente a obra educativa de João de Deus, hãode ser presentes no congresso pedagógico. Alguém disse ao autor da Cartilha
Maternal, meses antes da sua morte, que era indispensável que ele não retardasse a
publicação da Arte da Escrita prometida há anos. E João de Deus, numa ironia triste,
apresentou esta desculpa para não cuidar do caso:
— Se eu fiz um método de leitura que torna as crianças gagas e cegas, bem deve
você compreender que não devo publicar a Arte da Escrita para não as fazer mancas
(p. 3).
Além de João de Deus Ramos, os oradores que naquele Congresso Pedagógico
defenderam a Cartilha Maternal foram João de Barros, Manuel Laranjeira e Elísio de
Campos. A tese apresentada por João de Barros intitulou-se ―João de Deus, o único
educador nacional‖, texto incluìdo no seu livro A Nacionalização do Ensino. A tese
apresentada por Manuel Laranjeira intitulava-se ―A Cartilha Maternal e a Fisiologia‖ e
examinava o método de leitura de João de Deus à luz dos critérios fisiológicos então
conhecidos, sendo o respectivo texto posteriormente editado numa brochura com o
mesmo nome.
João de Barros (1911), na sua intervenção, de que acima respigámos já dois
pequenos excertos, começa por considerar o autor da Cartilha Maternal ―como o nosso
único educador nacional, tão grande como os maiores de todas as épocas e de todos os
paìses‖ e compara o método de leitura de Castilho com o método de João de Deus. Para
João de Barros, a amenidade do ensino era o único princípio do método de Castilho,
autor que, nunca se apercebera da ingénita racionalidade da criança. Ao contrário, ―cabe
a João de Deus a glória de ter compreendido e proclamado a gravidade excepcional de
115
não atender desde o primeiro ensino ao instintivo desejo de raciocinar que tem a
criança‖ (pp. 91-99).
Propõe que o congresso aprove o estudo da Cartilha Maternal e os princípios
educativos de João de Deus contidos no Guia Prático e Teórico da Cartilha Maternal
ou Arte de Leitura, que deverá tornar-se obrigatório nas Escolas Normais, ―como base
indispensável para todo o ensino das primeiras letras e, em geral, como doutrina
orientadora para os nossos professores‖. Propõe ainda que, dado o atraso da educação
da mulher no nosso país, e para que a concepção educativa de João de Deus se ponha
inteiramente em prática, o Estado deveria ―subsidiar a criação dos Jardins-Escolas, onde
a Cartilha Maternal seja ensinada nas condições mais aproximadas daquelas que o seu
autor desejava e preconizava, isto é, num meio tanto quanto possível familiar‖ ( Barros,
1911, pp. 112-113).
Após a intervenção de João de Barros, os adversários do método ―Malsinaramna, atribuindo-lhe o propósito de obter do congresso a conclusão de que o método João
de Deus devia ser obrigatório na escola primária‖ (A Instrução do Povo, 1909 Abril,
Maio e Junho, p. 55).
Durante o debate que se seguiu, Domingos José Cerqueira foi um dos oradores
que se pronunciaram sobre o método e a sua intervenção mereceu de um articulista de O
Mundo (1909, Abril 14) a referência que a seguir se transcreve:
O Sr. Domingos José Cerqueira, falando, diz que, durante o tempo em que exerceu o
magistério, começou por usar esse método, não continuando, porém, a empregá-lo
por ver que lhe não dava os resultados que ele esperava, afirmação esta que é
recebida com manifestações de agrado e desagrado, como já sucedera ao serem lidas
as conclusões que eram favoráveis ao método.
O Sr. Cerqueira acha que o método é muito difícil de ensinar e parece atribuir a
defeito do método o facto de haver professores que o não saibam ensinar.
O Sr. Cerqueira não é contra o método, mas contra o quererem torná-lo obrigatório.
Quer que o professor primário tenha a plena liberdade da escolha do método pelo
qual irá ensinar os seus alunos. Também é da sua opinião que nas escolas normais se
devem ensinar, não um, mas todos os métodos a fim de que possa cada professor
fazer a sua escolha consciente com o perfeito conhecimento de causa, que só um
aturado estudo comparativo pode dar-lhe (p. 3).
Após a intervenção de Domingos José Cerqueira, como se refere no mesmo
artigo, João de Deus Ramos (1909, Abril 14) defendeu calorosamente a obra de seu pai:
116
Não movido por interesse nem apenas pelo desejo de consolidar uma glória de que
ele,orador, nada tem a partilhar, mas levado a isso pela sua convicção de que é aquele
método o que maiores vantagens oferece para os alunos, embora com mais trabalho
para os professores. Estranha que, 33 anos depois de publicada a Cartilha Maternal,
ainda contra ela se mova tão crua guerra. Frisa que os seis relatórios que se
pronunciaram contra o método de seu pai são feitos por autores de outros métodos.
Referindo-se aos seis que lhe são favoráveis, trata em especial dos Drs. João de
Barros e Manuel Laranjeira, que se ocupam da questão sob o ponto de vista
cientifico, especialmente o segundo, que o encara como o que melhor se coaduna
fisiologicamente com a compleição das crianças (p.3).
As críticas tecidas à Cartilha Maternal nunca foram novidade para João de Deus
Ramos e, quanto à afirmação de que o método era difícil de praticar, há muito que
defendia que era ―muito difìcil ensinar por ele — exactamente porque é muito fácil
aprender por ele‖ (Ramos, 1901, p. XI). Sobre as polémicas em redor da Cartilha
Maternal, afirma Ramos (1902):
Houve desde a publicação uma prolongada e fatigante polémica com falsos apóstolos
do antigo e rotineiro ensino primário; falsos se não todos na sinceridade das suas
afirmações, pelo menos nas suas ideias pedagógicas.
Este antagonismo foi, porém, menos prejudicial e menos perigoso que um outro
lutando anónima e traiçoeiramente em defesa de interesses mesquinhos e, pode dizerse, anti-sociais . . . Não foram os políticos, não! — mas os facciosos cobardes e
egoístas que pela falta de carácter se fazem temer, aqueles que provocaram e
conseguiram aí alguns factos dos mais incoerentes da política portuguesa dos últimos
anos! (pp. X-XI).
3.4. As Escolas Móveis
Embora formado em Direito, João de Deus Ramos nunca mostrou tendência para
a advocacia nem para a magistratúra, ou sequer para o exercício de qualquer outra
profissão jurìdica. A sua ―entrada no campo da pedagogia faz-se como professor no
Liceu Camões, em 1902, após terminar o curso de Direito em Coimbra‖, mas durante
muito pouco tempo (Figueira, 2003, p. 1152). Empenha-se duma forma intensa em
acções de promoção da educação popular e de alfabetização, nomeadamente no âmbito
117
da Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, fundada em 1882 por
Casimiro Freire, seu tio por afinidade, e com ele colaboram João de Barros e Joaquim
Manso. No dizer de Ferreira de Castro (1972), João de Barros e João de Deus ―são
sinónimos um do outro‖ (p. 9). Cremos poder afirmar que foi a partir daquela
Associação que João de Deus Ramos iniciou o apostolado em defesa da Cartilha
Maternal, pelo que nos parece conveniente descrever a sua história, ainda que em
breves linhas.
Segundo Pintassilgo (1998), no século XIX, ―a crença na instrução como fonte
de progresso contribuíra para uma grande expansão da rede escolar, expansão esta que
provocou uma intensa valorização das aprendizagens escolares elementares — o famoso
ler, escrever e contar‖ (p. 62). Mas o Estado, por seu turno, torna a instrução cada dia
mais difìcil, e ―nestas condições parece racional e seria patriótico substituir a inércia do
Estado pela iniciativa privada‖ (Carvalho, 1991, p. 14).
O Estado era pobre e os problemas económicos eram evidentes. Havia poucas
escolas e a percentagem de analfabetos era enorme, tornando-se necessário arranjar
alternativas à educação tradicional, designadamente fomentando a iniciativa particular.
Neste quadro, o recurso a ―mestres ambulantes‖, com o objectivo de lançar escolas
itinerantes que chegassem aos recantos do nosso país onde não existissem escolas fixas,
poderia ser a solução para resolver o gravíssimo problema do analfabetismo.
Como antes de algum modo se disse, Casimiro Freire foi um dos progressistas
da época. Republicano desde 1862, foi fundador do primeiro Centro Republicano no
nosso país, em 1876, de parceria com Oliveira Marreca, Sousa Brandão, Bernardino
Pinheiro e Elias Garcia, entre outros, e desde sempre lutou pela instrução popular e
pelos princípios republicanos. Estreou-se em 1873 como polemista de imprensa,
escrevendo no jornal Democracia, de Elias Garcia. Em 1881 publicou em O Século os
artigos denominados a ―A Instrução do Povo e A Monarquia‖, que deram origem às
Escolas Móveis‖ (Boletim Propaganda, 1918-1919, p. 1). Este benemérito ―comerciante
possuidor de sólida cultura publicou no Século uma série de artigos sob o título João de
Deus e a Gratidão Nacional. Dessa persistente e humana campanha resultou a apoteose
ao imortal lìrico português‖ (Correio do Sul, 1958, Fevereiro 13, p. 2). As suas
campanhas sobre a instrução continuaram nos jornais O Século, Vanguarda e O Mundo,
entre outros.
118
Grande amigo e admirador de João de Deus, este homem, jornalista e industrial
de espírito activo e progressista, incansável lutador contra o analfabetismo, contesta o
estado lastimável em que se encontra o país, em especial no campo da instrução, e
mantém-se firme na velha crença de que não pode ter a nítida compreensão do que seja
a liberdade um povo de analfabetos sem educação cívica.
Assente naquela convicção, resolve criar a Associação das Escolas Móveis, a
qual, agindo pelo método João de Deus, tinha como escopo levar a instrução e o ensino
das primeiras letras a todos os lugares carecidos, utilizando a Cartilha Maternal.
Secundando João Lopes Soares (1909) ―esta associação, alheia a fins polìticos e
religiosos, propôs-se levar o pão do espírito a milhares de famintos de luz que, de um
extremo ao outro do paìs, nos colocam a par da Turquia‖ (p. 143).
Para que aquele projecto se tornasse exequível é lançada em 1881, pelo jornal O
Século, uma subscrição pública para a criação de uma Escola Nacional pelo Método
João de Deus. A partir desta iniciativa Casimiro Freire lança, a 18 de Maio de 1882, as
bases da Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, cujos estatutos
viriam a ser aprovados pelo governador civil de Lisboa, Caetano Alexandre de Almeida
Albuquerque, por Alvará emitido a 16 de Agosto de 1882. Na redacção daqueles
estatutos estiveram envolvidos, para além do poeta João de Deus, que mostrou grande
interesse pelas actividades da novel Associação, os Drs. Jacinto Nunes e Bernardino
Pinheiro (Ramos, 1907 Janeiro a Maio). O respectivo texto era constituído por vinte e
cinco artigos e através deles eram regulados os objectivos e o funcionamento da refrida
Associação. Constituíram a primeira Direcção Bernardino Pereira Pinheiro, como
presidente, Francisco Ferraz Macedo, vice-presidente, Guilherme Henrique de Sousa,
secretário, Casimiro Coelho Seabra, vice-secretário, Casimiro Freire, tesoureiro, e ainda
os vogais António Oliveira, Manuel da Costa Lima, João Garcia e Augusto Crespo
(Relatório, 1882,1883).
Cumpridos os respectivos procedimentos de legalização, do almejado alvará
constava que o Governador Civil do Distrito de Lisboa determinava, como era de regra,
que ―a Associação fica sujeita nos termos de direito à fiscalização administrativa, e a
ser-lhe retirada a aprovação logo que se desvie dos fins para que se constitua, ou deixe
de cumprir os deveres que lhe são impostos pelos seus estatutos (Alvará, 1882).
A Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, única do género
em terras portuguesa, foi a entidade responsável pela organização de missões de
professores habilitados a ensinar crianças e adultos pelos métodos de aprendizagem da
119
leitura e da escrita propostos pela Cartilha Maternal. Esta instituição realizou as suas
missões de alfabetização em Portugal Continental, nas Ilhas Adjacentes, nas Províncias
Ultramarinas e no Brasil e, de acordo com as suas possibilidades, era sustentada por um
grupo de beneméritos e correligionários políticos, que desse modo combatiam a
ineficiência das instituições monárquicas no campo do ensino; sobrevivia também das
quotas dos sócios. No artigo 2.º do Estatutos (1882) pode ler-se que ―a cota mìnima para
os sócios de primeira classe é de 100 réis por mês, pagáveis ao semestre ou ao ano‖ (p.
4).
Para além do valor das quotas, a Associação beneficiou de muitos donativos e
legados, vindos de todo país e, também e principalmente, do Brasil, apesar do que
nunca desfrutou de uma vida financeira desafogada. Embora com poucos recursos,
nunca perdeu continuidade e foi a ―tenacidade e a dedicação do seu fundador‖ que a fez
vingar (Barros, 1911, p. 121).
Pode ler-se num dos jornais da época um agradecimento dirigido aos nossos
compatriotas no Brasil, que na sua parte útil dizia:
A Direcção da Associação das Escolas Móveis pelo método João de Deus, não poderá
deixar de agradecer-vos uma vez mais o valioso auxílio de um conto de reis fortes
que acabais de enviar-lhe, por conta da subscrição aberta entre os nossos beneméritos
compatriotas, o que prova não só o altruísmo e o patriotismo sempre vivo dos
portugueses que residem no Brasil, como também as vossas superiores qualidades de
homens intelectuais e amantes da instrução.
Nem sempre os governos portugueses têm dedicado à instrução pública o cuidado que
ela deve merecer; as lutas partidárias e quiçá a preguiça têm permitido que o ensino
não alcançasse ainda entre nós o desenvolvimento que tem em outras nações.
(O Mundo, 1905, Setembro 29, p. 2)
Apesar de, como vem dito, alguns professores e intelectuais da época criticarem
o método do poeta João de Deus, muitos foram os que o apoiaram. Para João de Barros
(1911) ―foi a compreensão da racionalidade e da facilidade da Cartilha Maternal que
levou Casimiro Freire . . . à fundação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus‖.
Esta ideia foi baseada numa experiência desenvolvida na Suécia, que foi fervorosamente
abraçada por destacadas personalidades do nosso país (p. 120).
Ainda segundo João de Barros (1915, Janeiro, Fevereiro e Março), quando
Casimiro Freire lança as bases da Associação das Escola Móveis pelo Método João de
120
Deus, ela não representava apenas um esforço de ordem pedagógica ou ―uma
propaganda organizada de um método de leitura‖, nela participavam também forças
republicanas que desabrochavam e ganhavam cor e carácter, sobretudo em Lisboa e no
Porto. ―Politicamente, representavam a aspiração oculta do povo por uma era de
liberdade e de moralidade governativa. Representavam também o desejo duma
orientação pública nitidamente nacional e nacionalizadora‖ (p. 1).
Considera Ambrósio Neto (1907, Maio, 18), um jornalista, também ele
republicano e patrocinador da Associação das Escolas Móveis, que:
Ser analfabeto é não ter vida social; é viver por si e para si; é ignorar a grandeza como
bem-estar da sociedade; é desconhecer os méritos dos seus semelhantes; é não saber
utilizar-se do apoio e auxílio e produto dos seus compatrícios; é viver uma vida de
retrógrado, uma vida estacionária, uma vida paralítica (p. 2).
Para Lopes de Oliveira (1913 Outubro, Novembro, Dezembro) o poeta João de
Deus ―criara um maravilhoso método para emancipar a criança da servidão escolar. E
Casimiro Freire utilizou-a como elemento de emancipação política e social . . . Se João
de Deus é o génio criador, Casimiro Freire é a força organizadora; se um é o
pensamento, o outro representa a acção.‖ Ainda para aquele autor, por onde passaram as
missões desta instituição, gerou-se um clima de liberdade, e a ―acção das Escolas
Móveis foi eminentemente educativa e superiormente revolucionária‖ (p. 1).
Os estatutos (1882) da Associação tinham como objectivo primeiro ―ensinar a
ler, escrever e contar, pelo método João de Deus os indivíduos que o solicitarem, até
onde o permitam os seus meios económicos, enviando neste intuito às diversas
povoações da nação portuguesa professores, devidamente habilitados‖ (p. 1).
Ler, escrever e contar, não constituíam senão o objectivo prévio: a leitura, a
escrita e o cálculo seriam apenas instrumentos necessários a uma educação popular. E
foi com o fito de uma educação popular que Casimiro Freire pretendeu abranger o país
prosseguindo com persistência o ensino móvel, na tentativa de tirar Portugal do
baixíssimo nível cultural em que este se encontrava.
A primeira missão da Associação foi organizada em Castanheira de Pêra a 24 de
Novembro de 1882, com dois cursos, um diurno e outro nocturno, com a frequência
global de cinquenta alunos, e foi a resposta a um pedido do Visconde de Castanheira de
121
Pêra, um industrial abastado que, preocupado com a falta de instrução dos operários da
sua fábrica, e dos seus conterrâneos em geral solicitou que ela ali se realizasse e para
tanto ―forneceu, com notável generosidade, casa, mobìlia e a importância das despesas
de expediente, tendo a Associação apenas sobre si o ordenado dos professores‖
(Relatório e Contas, 1882-1883, p. 1).
Após um curso de quatro meses, são realizados exames nos quais ―os alunos
efectuam correctamente a operação difícil da divisão, copiam com uma boa caligrafia e
uma ortografia regular do texto indicado e lêem facilmente algumas linhas do livro
Deveres dos Filhos‖ (Carvalho, 1991, p. 12).
Por regra, os exames finais tinham lugar nos ―Paços do Concelho, com a
presença de todas as autoridades, discursos, desfiles populares festivos, bandas de
música e outras manifestações‖. Embora, no início, as Escolas Móveis se revestissem de
um carácter de mera iniciação à leitura e à escrita, situando-se o nível da sua formação
aquém do das escolas fixas, vieram a alargar a matéria da sua actividade pedagógica.
Com efeito, um pouco mais tarde as matérias ministradas já se situavam ao nível do 1º e
2º graus do ensino primário (Deus, 1979, p. 17).
As ―missões‖ de ensino das Escolas Móveis eram normalmente desencadeadas a
partir de solicitações oriundas de entidades públicas ou particulares, tais como Câmaras
Municipais ou Juntas de Paróquia. Não raro, também a Associação enviava
espontaneamente, ou a pedido de uma ou outra comissão, um professor seu
devidamente habilitado à localidade para que fora requisitado ou onde a Associação
entendesse por bem instalar uma escola.
As Escolas Móveis podiam funcionar em escolas oficiais, em horários que não
colidissem com os das ditas escolas, ou então em casas particulares que eram arrendadas
para esse fim (Relatório e Contas, 1882-1883).
O estabelecimento de uma missão nem sempre era fácil, as mais das vezes pela
emergência de problemas relacionados com as instalações, como a propósito nos
descreve Marcos Algarve (1906, Julho 9):
A casa em que funciona a missão é de acanhadas dimensões, todavia é uma das
maiores da aldeia e foi obtida com dificuldade. Caso elucidativo: para nos cederem
aquela casa tivemos de alugar outra para o inquilino da primeira ir habitar nos quatro
meses em que a missão aqui se deve conservar; pois a dona desta casa, que tem na
missão dois filhos, exigia o dobro do aluguer do que até ali o outro inquilino havia
pago! E como este, outros casos idênticos se deram, e que revelam, na sua muda
122
eloquência, o ingrato reconhecimento que nos tributam. Enfim são estas
contrariedades ligeiros contratempos que ligeiramente se desvanecem (p. 1).
Devido às dificuldades em arranjar um lugar onde se ministrassem as aulas,
Elísio de Campos (1913, Outubro, Março), no intuito de melhorar o funcionamento das
Escolas Móveis, propõe uma nova orientação: a criação de pavilhões desmontáveis, que
―fariam giro dentro de cada concelho, percorrendo as paróquias e lugares onde mais se
fizesse sentir a falta do edifìcio escolar‖. Esta aspiração nunca veio a realizar-se, por
falta de verbas (p. 1).
Aliás, a ―falta de verbas‖, a carência de ―recursos necessários‖, parecem ter sido
uma constante na vida da Associação, como nos testemunha o seguinte extracto:
As Escolas Móveis apenas, modestamente, sem pompas e sem estourar de foguetes,
se dispõe a ir por essas terras fora deste país de analfabetos levar um pouco do pão
espiritual que faz cidadãos, da luz que faz almas. Apenas se dispõe a ensinar a ler,
escrever e contar no intuito nobilíssimo de concorrer para que se ilumine um pouco o
céu moral português até hoje e ainda hoje encoberto pelas trevas espessas e
vergonhosas da ignorância mais criminosa.
E sendo esta a sua missão, e sendo esta a missão mais alta, a mais bela e a mais
nobre, ela não pode ser cumprida como devia de ser porque à Associação não afluem
os recursos necessários.
(O Combate, 1912, Março 4, p. 1)
Foram apesar de tudo muitos os republicanos que apoiaram dedicadamente esta
Associação. Francisco Grandela foi um deles: para além de solicitar a realização de
várias missões, custeou com o seu irmão a construção de uma escola em Aveiras, sua
terra natal, para aí ser ministrado o ensino das primeiras letras pelo método João de
Deus (A Instrução do Povo, 1906 Fevereiro, Março).
Das inúmeras missões realizadas pela Associação das Escolas Móveis pelo
Método João de Deus, uma delas realizou-se na Guarda após a implantação da
República, a pedido da Associação 1.º de Maio. Esta Associação havia sido fundada por
um operário republicano, Amândio Alves, defensor da causa da instrução e educação do
povo. O objectivo desta missão foi a de ministrar cursos nocturnos a operários daquela
cidade.
123
Aquando da inauguração da Associação 1.º de Maio, da Guarda, João Lopes
Soares (1912, Novembro 23), um dos sócios das Escolas Móveis, amigo de João de
Deus Ramos e então Governador Civil daquela cidade, elogiou a acção das Escolas
Móveis pelos grandes benefícios que esta instituição trouxe às terras do nosso país por
onde passou, como pode ler-se no seguinte extracto:
Esses benefícios têm sido consideráveis, mas bem longe do que poderiam ter sido se
não fosse a indiferença dos governos da monarquia; mais do que a indiferença a
perseguição, pois as Escolas Móveis foram sempre perseguidas sob capciosos
pretextos de ateísmo.
É que a regimens de tirania e de corrupção somente convém obscurantismo,
ignorância, e a monarquia portuguesa volveu-se em tal regime. A escola era-lhe
antipática porque a pressentia adversa. Esquivava-se a instruir e a educar o povo
porque não se sentia capaz de viver com um povo culto. Povo de analfabetos, povo de
escravos.
Ora a Associação das Escolas Moveis propunha-se instruir e educar esse povo.
Dentro em dez anos, o analfabetismo desapareceria de Portugal, se os governos lhe
proporcionassem os meios indispensáveis ao seu funcionamento.
Proposta sublime, cívica e patriótica. Devia ser ouvida e acatada com amor e
entusiasmo. A monarquia tremeu e os seus servidores, pequeninos e enfezados de
alma e de carácter, redobraram no zelo da perseguição, atiçados e açulados ainda pela
mão magra do clericalismo . . . .
Diz-se agora que a acção das Escola Móveis deve desenvolver-se dentro do regime
republicano, pois que os homens da Republica não podem deixar de dar-lhe os
elementos precisos para essa acção, indo por todas as terras do país estabelecer
missões até que o analfabetismo, o nosso grande mal, seja extinto. Pena é que a
República encontre os embargos que lhe deixou o velho regime, vendo-se
assoberbada com mil necessidades a satisfazer para poder sair do atoleiro onde estava
com os cofres vazios e o povo empobrecido (p. 12).
Considera Lopes de Oliveira (1913, Outubro, Novembro e Dezembro) que
Casimiro Freire foi um dos homens que mais defendeu a causa da República,
emancipando o ensino popular com a criação das Escolas Móveis:
João de Deus criara um maravilhoso método, emancipando a infância da servidão
escolar. Casimiro Freire utilizou-o como elemento de emancipação política e social.
Nas terras onde passaram as Missões da Associação das Escolas Móveis o amor da
instrução com o amor da liberdade se gerou.
124
A obra das Escolas Móveis não se encerra somente no ensino que ministrou a alguns
milhares de portugueses. Ela foi sobretudo um grande exemplo cívico que,
desprezado pelos dirigentes monárquicos, logo de si, naturalmente contra eles criou
corrente, ao mesmo tempo tornou-se um incentivo para todos os patriotas que pela
república combatiam. A acção das escolas Móveis foi eminentemente educativa e
superiormente revolucionária (p.1).
João de Barros (1916) reconhece a obra das Escolas Móveis e considera-a
―como uma bela tentativa de educação republicana‖(p. 118). Concordando com João de
Barros, Proença (1998) vê nesta instituição um importante veículo da propaganda
republicana, e apelida de ―injusta a crìtica que lhes era movida pela organização
associativa de professores primários sobre a deficiente preparação dos seus docentes‖
(p. 60).
A larga experiência e o sucesso obtidos pelas Escolas Móveis pelo Método de
João de Deus tiveram um grande significado nas décadas da viragem do século, indo
―influenciar a polìtica republicana no plano da educação popular, nomeadamente
através da criação de ―escolas móveis oficiais‖ (Paulo 2003, p. 358).
Meses após a implantação da República, a 30 de Março de 1911, é publicado um
decreto emanado da Direcção-Geral da Instrução Pública, em cujo preâmbulo pode lerse que ―o homem vale, sobretudo, pela educação que possui, porque só ela é capaz de
desenvolver harmonicamente as suas faculdades, de maneira a elevarem-se-lhes ao
máximo em proveito dele e dos outros . . . Educar uma sociedade é fazê-la progredir‖.
Este decreto, para além de, designadamente, estruturar todos os graus do ensino
primário, então em número de três, atende ao êxito das Escolas Móveis criadas por
Casimiro Freire e institui as ―escolas móveis oficiais‖, como se prevê na parte final do
seu artigo 31º: ―Não podendo, por quaisquer motivos, estabelecer-se, em determinadas
freguesias, escolas primárias fixas, nos termos do artigo antecedente, criar-se-ão cursos
temporários ou escolas móveis, que funcionarão, pelo menos, dez meses consecutivos‖.
Segundo Carvalho (1986), a criação das Escolas Móveis Oficiais veio ―enfraquecer a
actividade das Escolas Móveis particulares‖ (p. 672).
As escolas móveis oficiais, que no início da sua implantação foram apoiadas
pela Maçonaria e pelos republicanos conservadores, passam, a partir de 1915, a ser
fortemente criticadas pelos professores dos ensinos primário e normal e por alguns
pedagogos, entre os quais Álvaro de Lemos e João da Silva Correia. O professorado
125
advogava que os professores que leccionavam nas escolas móveis não tinham formação
suficiente e insurgia-se contra a forma como tais escolas foram organizadas, dado que
estas ―inseriram-se contra a corrente do processo de profissionalização do professorado,
cuja lógica conduzia a uma maior formação, à valorização dos critérios técnicos e
cientìficos e mesmo a uma autonomia profissional cada vez mais assumida‖. Entretanto,
as controvérsias provocadas pela criação destas Escolas Móveis Oficiais ―tiveram o
mérito de alertar a população para o pavoroso cancro do analfabetismo, contribuindo
para o aumento da procura da educação‖ (Nóvoa, 1988, p. 33).
António Nóvoa (1988) considera que a criação das Escolas Móveis Oficiais foi
uma das realizações mais notáveis da obra educativa republicana no combate ao
analfabetismo. E diz:
Mas a concepção destas escolas baseia-se em pressupostos ‗redutores‘ e
‗voluntaristas‘, por um lado, porque restringem as aprendizagens escolares à
alfabetização, abrindo um precedente de que o Estado Novo se apropriará
abusivamente em 1931 para criar os postos de ensino; por outro lado, porque
valorizam na contratação do pessoal docente a lealdade política e ideológica em
detrimento de critérios técnicos e profissionais‖ (p. 32).
Aquando da morte de Casimiro Freire, em Outubro de 1918, a revista Boletim de
Propaganda (1918-1919) dedica-lhe um extenso artigo, do qual reproduzimos o
seguinte excerto:
Com a morte de Casimiro Freire perde a Associação das Escolas Móveis, de que foi o
fundador, o seu maior amigo e o seu mais dedicado propagandista. O desaparecimento
desse português de lei representa para nós em particular, e para a instrução pública em
geral, uma perda enorme, tanto maior quanto é certo que no nosso país poucos, bem
poucos são os que, como Casimiro Freire, gastam toda uma vida na patriótica, alevantada
e generosa tarefa de combater o analfabetismo . . . A sua vida é um glorioso exemplo das
virtudes máximas de um povo, consagrada inteiramente ao seu país, no mais fecundo e no
mais nobre de todos os apostolados . . . A sua memória acompanhar-nos-á sempre, como
um incitamento, certo de que a melhor homenagem a prestar-lhe será prosseguir na obra
que nos legou — obra tão grande e tão bela, de tão admiráveis e fecundos resultados, que
bem merece o aplauso, o apoio e a dedicação de todos os portugueses (p. 1).
126
Mas a sua obra, nos moldes originais, durou apenas mais três anos. Como se
disse, embora a Associação das Escolas Móveis fosse sustentada pelos sócios e por
donativos de origem vária, sempre lutou com dificuldades financeiras, agravadas estas
pela crise que abalou o país após a Primeira Guerra Mundial. Com a implantação da
República, os cidadãos achavam que era da responsabilidade do governo acabar com o
analfabetismo. Esta ideia fez com que a Associação fosse perdendo sócios e outros
apoiantes, pelo que a crescente diminuição de recursos acabou por paralisar a acção das
Escolas Móveis pelo Método João de Deus, cuja última missão teve lugar no ano
escolar de 1920-1921. No total, foram alfabetizados 28 941 alunos (Carvalho, 1986).
3.4.1. João de Deus Ramos e as Escolas Móveis
Como já realçámos, só a 11 de Maio de 1903, em Sessão da Câmara dos
Deputados, o Director-Geral da Instrução Pública, então o Conselheiro Abel de
Andrade, apresenta e vê aprovado um projecto de lei no qual se estabelece a adopção
nas escolas oficiais e particulares do reino do método de João de Deus, composto pela
Cartilha Maternal e pelos Deveres dos Filhos. Esta deliberação tem vida curta,
porquanto, logo a 5 de Junho do mesmo ano, é publicada uma Carta de Lei que a
revoga.
Sobre este assunto afirma João de Barros (1907, Junho, Dezembro) que
João de Deus Ramos,
tendo conseguido que a Cartilha fosse oficialmente aprovada pelo governo, procura
espalhá-la por toda a parte; e em conferências e artigos mostra bem que sabe
compreender e avaliar todo o valor de uma herança que, se é pesada, é também para
honrar quem a mantenha com brilho e dignidade (p. 20).
Com o propósito de divulgar a Cartilha Maternal e de preparar os professores
para a sua utilização, João de Deus Ramos colabora com Casimiro Freire na Associação
das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, realizando uma série de Conferências
Pedagógicas de Norte a Sul do país e Ilhas, prontificando-se a ir às sedes dos Círculos
Escolares ou de quaisquer conselhos, sempre que fosse convidado. O ―filho do poeta
127
João de Deus presta-se ir, gratuitamente, dar explicações do método de seu pai a todas
as partes onde a sua presença seja reclamada pelos professores e todas as cabeças do
concelho que o chamem‖ (Soberania do Povo, 1905, Setembro 24, p. 1).
Sobre estas actividades pedagógicas realizadas por João de Deus Ramos, João
Meneses (1905, Outubro 3) faz a seguinte observação:
E quem anda alegre e contente é o nosso Casimiro Freire, fundador das Escolas Móveis.
O rapaz lá vai para Braga, o rapaz não descansa, diz ele enternecido. O rapaz é o Dr.
João de Deus Ramos, que anda a fazer bem sem olhar a quem (p. 1).
João de Deus Ramos realizou a sua primeira conferência pedagógica como
colaborador da Associação das Escolas Móveis a 14 de Setembro de 1903, em Viseu, a
convite do sub-inspector escolar local, António de Bastos Pinto, autor da Gramática
Intuitiva. Esta conferência foi proferida em cinco sessões, onde participou ―o maior
número de professores do respectivo círculo escolar, assistindo muitas outras pessoas de
elevada categoria, que não desdenharam de conhecer de perto esse monumento da
escola primária que muita gente supõe só interessar aos professores das primeiras letras‖
(A Instrução do Povo, 1905 Fevereiro, p. 21).
No Relatório e Contas (1897-1904) pode ler-se um elogio da Direcção ao
trabalho prestado por João de Deus Ramos àquela instituição, do seguinte teor:
Nestas publicações, assim como nas conferências públicas que tem feito em diversos
círculos do país, mostra-se o Dr. João de Deus Ramos digno continuador da gloriosa
e imortal obra de seu pai, que foi sócio honorário da nossa associação. Temos como
acto de justiça conferir igual diploma a seu filho, pela brilhante propaganda que está
fazendo em favor da instrução popular (p. 9).
As conferências eram geralmente realizadas no salão nobre dos Paços do
Concelho ou nas Escolas Normais e eram ouvidas pelos professores primários dos
círculos escolares e por pessoas ilustradas e distintas que se interessavam pela causa da
instrução, um dos problemas mais complexos do Portugal de então.
Em alguns periódicos da época são notícia algumas das conferências realizadas,
nomeadamente em Viseu, Tondela, Moimenta da Beira, Castelo Branco, Beja, Coimbra,
Porto, Faro, Lisboa e Vila Nova de Gaia. Como confirma Maria da Luz, sua filha, ―João
128
de Deus Ramos realizou conferências sobre o Método João de Deus nos quatro cantos
de Portugal e até nas ilhas‖ (Carvalho, 1997, p. 40).
Alguns sub-inspectores de círculos escolares tais como o Dr. José Martins, subinspector do círculo escolar de Tondela, o Sr. Manuel Lopes Pimental, sub-inspector do
círculo escolar de Castelo Branco, o Dr. Emídio da Costa Cabral, sub-inspector do
círculo escolar de Moimenta da Beira, entre outros, ao reconhecerem a Cartilha
Maternal como o melhor método para o ensino das primeiras letras, convidavam o filho
do poeta para a realização de conferências sobre este tema. Aliás, o mérito de João de
Deus Ramos como conferencista e, neste particular, o de expor de forma rigorosa e
atractiva tudo quanto tinha a ver com a Cartilha Maternal, é amplamente reconhecido,
como emerge da nota jornalística de Eduardo Duarte (1903, Dezembro 17) , que em
parte se transcreve:
Para se evangelizar uma doutrina, para se propagandear uma ideia, para se fazer
escola e acariciar prosélitos, é mister ter-se a fé que abala montanhas, o ardor e o
entusiasmo que geram convicções profundas, a lógica que convence e persuade, a
eloquência que comove, arrasta e, por assim dizer , hipnotiza o espírito das multidões.
Ora, todos estes requisitos, todas estas qualidades excepcionais e complexas, se
reúnem em adorável conjunto no ilustre conferente a que me refiro.
O Sr. Dr. João de Deus Ramos é o ideal dos apóstolos, o evangelizador por
excelência. Orador exímio, a sua presença é agradável, a sua voz bem timbrada, a sua
exposição nítida e clara, a sua dicção correcta e elegante.
Explicando a Cartilha Maternal, o conferente discorre fácil e fluentemente, com
desembaraço, perfeitamente senhor do assunto, que trata com proficiência, em
linguagem primorosa, elevada, científica, e simultaneamente ao alcance de todas as
inteligências.
O objecto das conferências é árido, seco, pouco atraente, e, todavia, o sábio
conferente ameniza-o, imprime-lhe uma feição agradável, de forma que a assembleia,
composta na sua maioria de professores, escuta-o com religiosa atenção: tal é a magia
da sua direcção, o encanto da sua palavra fácil, o poder da sua eloquência
arrebatadora e empolgante. O ilustre conferente, que para além de ser um
propagandista devotado é um filólogo eminente, refere-se com encarecimento, com
enternecido afecto à obra do seu saudoso pai. . . . O método da Cartilha Maternal tem
sido estudado por sábios conspícuos, por professores ilustres, por pedagogistas
eminentes, por filósofos abalizados. Só isto vale bem uma consagração. Mas há mais,
muito mais ainda, porque ele tem já produzido excelentes resultados práticos e é
principalmente pelos resultados que se há-de conhecer a excelência da obra (p. 1).
129
Quanto ao interesse que estas conferências despertavam na classe docente, diznos outro articulista:
E o professorado inteligente que o escutou encantado, prestando-lhe toda a atenção e,
diríamos até, aplaudindo-o numa intensa e única ovação espiritual, se, como é de crer,
não apanhou nas suas minúcias todos os segredos e regras do método, ficou ao menos
conhecendo a linha geral da sua constituição e soube avaliar, também, das suas
grandes e incontestáveis vantagens.
E isto é já alguma coisa, é muito até, para que o professor possa estabelecer um
paralelo verdadeiro entre os métodos que conhece, e conclua por fim que nenhum
outro existe que o suplante, nem tão pouco se confunda com esse que constitui o mais
extraordinário, o mais eloquente e poderoso testemunho de quanto trabalhou e quanto
pôde, pela causa sacratíssima da instrução primária — base de todo o progresso e
desenvolvimento — o cérebro genial de João de Deus — o primeiro poeta não só em
Portugal mas em toda a Europa no século XIX, como lhe chamou Marco António
Canini, e que, mais ainda que poeta foi educador, e mais que cérebro foi coração.
(Notícias da Beira, 1904, Dezembro 25, p. 2)
Quanto à dedicação de João de Deus Ramos na divulgação do Método, pôde lerse quase um ano mais tarde:
Ser filho de um grande homem é uma situação cómoda em Portugal. Autoriza muitas
patifarias e dá proveito sem trabalho. Para um rapaz brioso como João de Deus
Ramos, ser filho do grande João de Deus representa uma grande responsabilidade.
Ele assim o compreendeu e, tão nobremente, que raros nas mesmas condições
poderiam igualá-lo.
Nunca vi quem, com tanto amor, tratasse de perpetuar a obra de seu pai. É admirável
esse rapaz que, constantemente escrevendo ou falando, faz propaganda do único
método de leitura racional que tem aparecido neste país. E não obedece a cálculos
interesseiros no seu apostolado. … Em qualquer país, João de Deus Ramos não teria
uma hora de sossego. Todos procurariam ouvi-lo e aprender com ele a ensinar a ler,
sem dificuldade, sem aborrecimento. Aqui temos de celebrar como um facto
extraordinário a realização das suas conferências. Pois bem merecem ser ouvidas
porque, muitos que falam no método João de Deus o não conhecem, o que aliás, não
os impede de o criticarem com toda a fúria dos invejosos.
(O Mundo, 1905, Setembro 25, p. 2)
130
Ainda sobre o mesmo tema, volvidos mais dois anos, continua patente o eco da
acção ―apostólica‖ do conferencista:
O Sr. Dr. João de Deus Ramos tem sido um activo propagandista da Cartilha
Maternal, precioso livro que faz sobreviver a memória do seu autor e tem em cada
professor, que dele usa, e em cada aluno, que por um modo racional aprende a ler, um
agradecimento amigo a prestar reverente culto de consideração e respeito à memória
gloriosa do homem que tão extraordinária obra legou à sua pátria. . . .
É um benemérito que procura consolidar a obra de seu pai, e, dedicadamente, com
um zelo admirável, despreza a carreira que lhe oferece a burocracia, e hei-lo com uma
abnegação extraordinária a ser o verdadeiro continuador da obra do seu progenitor,
pela propaganda escrita e oral, finalmente por todos os meios com que se possa
mostrar o valente apóstolo da obra imortal do poeta que se impôs e impõe à
consagração de nacionais e estrangeiros.
Novo, já conta cinco anos de apostolado, deste apostolado que no futuro a todos háde unir pelos fortes laços de solidariedade e este só será um facto, quando a educação
social se faça de um modo integral e deixe de ser uma utopia de que só lucram as
oligarquias que geram o mais feroz absolutismo que não permite compreensão de
direitos sociais e cumprimento de deveres. João de Deus Ramos, dedicado, corajoso,
inteligente, tem-se entregado com todo o ardor da sua alma ao progresso da Educação
Nacional. É por isso que tem justa mas elevada consagração, que por todo o país lhe
tem sido feita, com o mais sincero sentimento de justiça.
(Vanguarda, 1907, Agosto 5, p. 1)
Na comemoração dos 25 anos da Associação das Escolas Móveis, um jornal da
época refere a acção pedagógica de João de Deus Ramos e a sua contribuição para o
sucesso daquela instituição, nos seguintes termos:
João de Deus Ramos é filho do inimitável lírico e provado pedagogo que João de
Deus foi e tem provado a sua actividade extraordinária, na propaganda do método.
Vêmo-lo, ora ao norte do país, ora ao sul, conferenciando sempre, esclarecendo
sempre e expondo com brilhantismo a Cartilha, e fazendo impor pelo agrado inactivo
da sua palavra eloquente. O seu grande fito é completar de uma vez a obra grandiosa
de seu pai. E segue, de facto, as linhas gerais por ele tracejadas. Novo, dotado de uma
inteligência robusta, com uma actividade sem limites e animando-o sobretudo a glória
de seu pai, de quem era filho estremecido, a sua obra antolha-se-nos fecunda e
próspera. Do seu trabalho de propaganda tem resultado em grande parte a
prosperidade da Associação, nestes últimos tempos.
131
Ele estuda com cuidado e afinco o melhor meio de conseguir a dilatação do império
da Cartilha. Vemo-lo, por isso, a produzir amiudadamente obras que muito a
auxiliam.
(Democracia do Sul, 1907, Junho 1, p. 1)
Para além de ter calcorreado os quatro pontos cardeais de Portugal Continental,
João de Deus Ramos proferiu igualmente conferências na Madeira e Açores, onde
também se desenvolveram Missões das Escolas Móveis. Aquando da sua partida para as
Ilhas, é noticiado que:
No vapor S. Miguel, que em 20 de Junho seguiu para a Madeira e Açores, seguiu em
viagem, à sua custa, o Dr. João de Deus Ramos, que a convite da Sociedade
Promotora de Instrução vai fazer algumas prelecções em Angra do Heroísmo,
visitando depois, para o mesmo fim, Ponta Delgada e Funchal.
(Revista de Abrantes, 1907 Abril a Junho, p. 17.)
A par das conferências que então proferiu, Ramos visitou algumas missões das
Escolas Móveis em São Miguel, onde assistiu a exames finais dos alunos, como vem
referido no extracto que a seguir reproduzimos:
Chegou a S. Miguel o Sr. Dr. João de Deus Ramos que a convite da Sociedade
Promotora de Instrução e do Sr. Sub-inspector, veio a esta cidade para assistir aos
exames dos alunos das missões de S. Bartolomeu e Terra Chã e fazer conferências
sobre o método de João de Deus.
(O Dia, 1907, Junho 26, p. 1)
Na Ilha da Madeira, a convite do Coronel Joaquim Maria Alves, realizou
algumas conferências na Escola Regimental de Infantaria, tendo como principais
assistentes ―oficiais do regimento, oficiais inferiores e representantes da imprensa local‖
(Diário de Noticias, 1907, Julho 6, p. 1).
Aquando a sua passagem pelos Açores, é notícia que, para além de ter proferido
várias conferências, fez questão de visitar a sepultura de um grande poeta e amigo de
seu pai, Antero de Quental, como consta do relato que em parte transcrevemos:
De passagem para a Ilha Terceira, onde foi realizar algumas conferências, esteve dia
e meio em Ponta Delgada o Sr. Dr. João de Deus Ramos.
132
Visitou a ilha e o cemitério, onde permaneceu por algum tempo junto à sepultura de
Antero de Quental, sepultura que, como se sabe, tem gravada a conhecida quadra que
para a mesma compôs seu pai:
Aqui jaz pó; eu sou quem fui,
— Raio animado dessa luz celeste;
À qual a morte as almas restitui,
Restituindo à terra o pó que as veste.
O Sr. Dr. João de Deus gostou muito da parte da ilha que visitou, fazendo muitos
elogios a Ponta Delgada, às Furnas e a Vila Franca do Campo, cujo aspecto o
encantou.
(A Folha, Junho, 1907 30, p. 29)
Através de Portaria emanada da 2.ª Repartição da Direcção-Geral da Instrução
Pública e publicada no Diário do Governo de 23 de Abril de 1906, é oficialmente
reconhecido o afã propagandístico de Ramos em favor da Cartilha Maternal, sendo
aquele diploma do seguinte teor:
Convindo desenvolver quanto possível o conhecimento do método de leitura e escrita
de João de Deus, do qual tão importantes e eficazes resultados se podem conseguir
para apressar a extinção do analfabetismo no país; e atendendo aos relevantes
serviços já prestados à nação na propaganda do referido método pelo bacharel João
de Deus Ramos: à Sua Majestade El-Rei por bem determinar que o mencionado
bacharel seja oficialmente encarregado da continuação da propaganda aludida, em
todas as escolas primárias do pais e muito especialmente junto das escolas normais e
escolas distritais de habilitação para o magistério primário, devendo de tal comissão
de serviço, a qual será gratuitamente desempenhada, apresentar anualmente ao
Governo o respectivo relatório.
Paço, em 16 de Abril de 1906 ==Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro
Num artigo da Revista Abrantes (1907, Abril a Junho) sob o tìtulo ―João de Deus
Ramos‖, faz-se referência à publicação daquela Portaria e às acções por este
desenvolvidas a favor da instrução popular, como segue:
A Portaria de Abril de 1906, publicada no diário de governo n.º 89, de 23 do mesmo
mês e ano, encarregou oficialmente o bacharel João de Deus Ramos da propaganda
do Método João de Deus nas escolas primárias normais e distritais em comissão
gratuita.
133
Da forma brilhante como o nomeado se tem desempenhado de tal comissão, fala a
imprensa local dos círculos escolares, onde o Sr. Dr. João de Deus tem realizado as
suas conferências.
O mais leigo nas letras e nos processos jornalísticos sabe como se assopram vaidades
e criam reputações. Em regra o cabotino é que escreve os próprios elogios, dando-se
foros de eminente e distinto escritor, poeta etc. O Dr. João de Deus Ramos, com uma
probidade que faz honra ao verdadeiro talento, rejeitou até hoje tais processos.
Mais de um pontífice da pedagogia indígena teria que aprender com este rapaz os
processos racionais de instruir e educar a criança e o povo (p. 18).
Para além de, como vem dito e ilustrado, divulgar a Cartilha e respectivo Método,
João de Deus Ramos também conferencia sobre temas afins, tais como o analfabetismo, a
instrução popular e o ensino da primeira infância. Neste sentido, O Primeiro de Janeiro
(1909, Março, 21) anuncia uma conferência pedagógica denominada ―As várias soluções
do problema do analfabetismo em Portugal‖, a ser proferida por João de Deus Ramos (a
um domingo) no Ateneu Comercial de Lisboa, notícia que em parte transcrevermos:
O ilustre pedagogo filho do grande poeta e do grande educador que foi João de Deus,
é, como ninguém, uma autoridade no assunto, não só porque os seus conhecimentos
teóricos são profundos e vastos, mas também porque observou de perto o país, que
tem percorrido, na carinhosa propaganda da obra de seu pai, quase por completo.
Ele é um dos poucos, senão o único, que tem elementos para orientar definitivamente,
na resolução do problema de que se ocupará na sua conferência, a opinião pública e
os governos. É preciso ir ouvi-lo com atenção e com o entusiasmo que devemos ter
sempre diante de todos aqueles que se preocupam com a decadência da nossa terra e
que trabalham honestamente e persistentemente pelo seu engrandecimento (p. 2).
Para além do filho do poeta, outros houve que também promoveram
abnegadamente o Método. É o caso do sub-inspector do círculo escolar de Faro,
António da Conceição, que no tempo que lhe sobrava das inspecções às diversas escolas
oficiais e particulares do concelho, se dedicava à divulgação da Cartilha Maternal,
―cavalheiro bastante instruìdo e dotado duma rara habilidade para a boa explicação do
método, que acabou de imortalizar o seu autor, tem a faculdade de o saber expor com a
máxima clareza e precisão‖ (A Instrução do Povo, 1905 Fevereiro, p. 20).
É também de referir o capitão Homem Cristo, grande defensor da instrução
pública e principalmente da instrução do soldado, autor de vários artigos na imprensa
134
sobre a defesa da Cartilha Maternal. Organizou conferências sobre o método,
nomeadamente para os professores primários do círculo escolar de Aveiro.
Também o professor primário Manuel Esteves Canilho proferiu conferências
sobre o método em São Tiago de Cacém e Grândola, o mesmo sucedendo com António
dos Santos Gomes, antigo missionário das Escolas Móveis, que proferiu idênticas
conferências em Tomar (A Instrução do Povo, 1905 Fevereiro).
João de Deus Ramos contou com dedicados amigos e valiosos colaboradores,
dentre os quais destacamos a sua mãe, senhora inteligentíssima que muito trabalhou
pela divulgação dos métodos pedagógicos de seu marido e de seu filho.
Guilhermina Battaglia Ramos dava aulas gratuitas principalmente para crianças
do sexo feminino, em sua casa, como testemunha o artigo que a seguir parcialmente
transcrevemos:
Realiza-se amanhã, pelas 9 horas na Escola João de Deus, à rua de S. António à
Estrela, 50, 1º, a inauguração desta missão escolar, que tem por fim ensinar a ler,
escrever e contar as meninas pobres da freguesia da Lapa que se inscreveram para tal
fim.
Esta bela iniciativa deve-se à Sr. D. Guilhermina Battaglia Ramos, viúva do imortal
poeta que se chamou João de Deus, que fazendo-se rodear de algumas senhoras das
mais distintas da freguesia da Lapa, conseguiu organizar a benemérita comissão que
promove esta missão de ensino.
É um grande patriótico exemplo que deve ser seguido por todos quantos amam a
instrução.
(O Mundo, 1905, Dezembro 3, p. 2)
D. Guilhermina Battaglia Ramos, para além das aulas a crianças do sexo
feminino a que acima nos referimos, também dava aulas gratuitas do método de leitura e
escrita a adultos que desejassem possuir o diploma que os habilitava para se
candidatarem a leccionar as primeiras letras na Associação das Escolas Móveis, bem
como cedia, também gratuitamente, os respectivos livros escolares, como nos conta
Gomes Leal (1905, Novembro 20):
A Ilustração do Povo, revista de educação e de ensino, deu-nos a gratíssima notícia de
que a ilustre viúva do grande poeta João de Deus concede gratuitamente os livros
escolares do Método, para serem distribuídos pelas classes proletárias. Além disso
abriu um curso também gratuito em sua casa (p.2).
135
A par da sua actividade como conferencista, João de Deus Ramos inicia em
Fevereiro de 1905 a edição de uma revista mensal, A Instrução do Povo, cujo objectivo
principal é o de ―contribuir eficazmente para a extinção do analfabetismo advogando os
ideais pedagógicos de João de Deus‖ (A Instrução do Povo, 1905 Fevereiro, p.2).
Os temas mais abordados por aquela publicação centram-se nas ideias de João
de Deus, no analfabetismo, nas questões da educação popular, nas questões
metodológicas do ensino e nos encontros e congressos pedagógicos realizados ou a
realizar. A parte mais substancial da revista é dedicada à propaganda da Associação das
Escolas Móveis, nela se contendo também abundantes notícias sobre a actividade desta
Associação no Brasil, relatórios de missões, actas de reuniões, correspondência enviada
por professores, bem como a transcrição de textos literários em prosa e verso.
Para além de João de Deus Ramos, foram colaboradores assíduos da revista,
entre outros, Casimiro Freire, Homem Cristo, Jaime Batalha Reis, João de Barros, João
Sincero, José Salazar, Tomás da Fonseca, Elísio de Campos e António Leitão.
Em 1907 a Associação das Escolas Móveis passa a publicar um boletim, dirigido
igualmente por João de Deus Ramos e denominado Boletim das Escolas Móveis, que
tem por fim promover e divulgar os objectivos e a obra da instituição. Este boletim veio
substituir A Instrução do Povo, mas durou apenas um ano. Em 1908 A Instrução do
Povo reaparece e termina a sua edição em 1910, com o aparecimento de uma nova
revista, o Boletim de Propaganda, que foi sucessivamente dirigida por Elísio de
Campos, Casimiro Freire e Mário Salgueiro. A última edição desta revista foi dada à
estampa em 1919.
Reconhecendo o trabalho prestado ao país pela Associação das Escolas Móveis
pelo Método João de Deus, o Parlamento aprova duas leis, publicadas respectivamente
em 10 de Agosto de 1908 e 15 de Setembro do mesmo ano, nas quais se lhe concedem
vários benefícios e isenções e a cujos projectos legislativos se refere o extracto noticioso
que a seguir se transcreve:
O Sr. João de Sousa Tavares apresenta um projecto de lei destinado a premiar o
louvável esforço da Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus. Esta
associação, fundada há 26 anos, nos limites da sua receita anual, ao presente
computada em 2:000$000 reis, tem prestado excelentes serviços em toda a parte onde
eles tem sido reclamados . . . Presta homenagem à viúva do insigne poeta João de
Deus, D. Guilhermina Bataglia Ramos, a qual em 12 anos tem ensinado
136
gratuitamente o método a 1056 colegas de ensino livre e oficial; aos professores que
têm realizado as missões e aos que têm ensinado o método em terras do Brasil, onde
mourejam irmãos nossos acalentados pela vida da Pátria, e no fervor culto das suas
instituições.
Aplaudimos com entusiasmo a iniciativa do Sr. João de Sousa Tavares, em favor da
benemérita e valiosíssima Associação das Escolas Móveis, dirigida hoje pelo ilustre
filho do imortal autor da Cartilha Maternal, Dr. João de Deus Ramos, que tão altos
serviços tem prestado à instrução nacional, desajustada e desprezada pelos governos.
O projecto
Art. 1º É o governo autorizado a mandar imprimir na Imprensa Nacional, à custa do
Estado, o relatório anual da Associação das Escolas Móveis pelo método João de
Deus. A tiragem não excederá a 2:000 exemplares de 100 páginas quanto muito, em
8.
Art. 2º Fica isenta a referida Associação do pagamento de contribuição de registo, por
quaisquer doações, heranças ou legados que haja de receber, e bem assim do
pagamento de franquia da sua correspondência oficial.
Artº 3.º Fica revogada a legislação em contrário.
(O Mundo, 1908, Julho 30, p. 3)
3.4.2. Críticas às Escolas Móveis pelo Método João de Deus e às Escolas
Móveis Oficiais
Apesar do muito reconhecimento granjeado ano após ano pelo trabalho que
desenvolveu em prol da instrução popular, a Associação das Escolas Móveis pelo
Método João de Deus não se livrou de duras críticas, como aliás já acontecera com a
Cartilha Maternal, como nos testemunha Ambrósio Neto (1907, Maio 18) em artigo
que parcialmente transcrevermos:
As lutas titânicas que João de Deus sustentara contra os normalistas para defender o
seu livrinho, vieram, longe de subtrair-lhe algum mérito, torná-lo muito mais
conhecido e despertar o estímulo patriótico, aumentando desta arte a simpatia pública
de João de Deus e o número dos seus amigos.
Uma plêiade de gigantes, compreendendo bem, por um lado, os gravíssimos danos
que o analfabetismo causando vinha ao país inteiro, e tomados, por outro lado, de
indignação contra o procedimento indecoroso dos normalistas, conluiaram-se e
planearam organizar a Associação.
137
Foi-lhe para logo alma grandiosa como afinal o tem sido até hoje o seu tesoureiro Sr.
Casimiro Freire.
Uma guerra, ora declarada ora surda, mas sempre grande em qualquer das hipóteses,
mas sempre encarniçada, se levantara desde logo contra a nova instituição.
Na brecha, sempre dispostos ao que desse e viesse, os seus fundadores resistiram
impávidos a tão solenes ataques, convertendo, pela sua atitude enérgica
extremamente perspicaz, as calúnias e depreciações em reclamos de um altíssimo
valor (p. 1).
Conta-nos Elísio de Campos (1910, Junho, Agosto e Setembro) que embora
houvesse quem apoiasse as Escolas Móveis, e as considerasse uma instituição
alternativa às escolas primárias, outros havia que as hostilizavam, entre estes se
contando os párocos das freguesias e alguns professores primários:
Há duas entidades oficiais que poderosamente e com utilíssima vantagem podiam
contribuir para a maior propaganda da instrução elementar nas aldeias: são os párocos
e os professores.
Mas é tal a infelicidade, que, algumas vezes, são precisamente o pároco e o professor
que hostilizam as missões das Escolas Móveis!
Aquele, que ouviu dizer que nas missões escolares se fala contra a religião e contra
Deus. Este, porque um injustificado despeito o leva a considerar o professor da
missão como um importuno concorrente ao seu prestígio (p. 1).
João Lopes Soares (1909), sócio e benemérito da Associação das Escolas
Móveis, dela diz que ―injustamente sofreu uma guerra sem tréguas e, por vezes, infame‖
(p. 144).
Segundo João de Deus Ramos, a Escola Móvel não tinha por fim especial suprir
a falta da escola fixa. O programa da Escola Móvel e o programa da escola oficial eram
absolutamente distintos. Num, havia que ensinar a ler, a escrever e a contar. No outro,
havia mais que isso, havia que instruir a criança com os elementares conhecimentos da
língua materna e da geografia e história que a habilitassem a entrar nos liceus, nas
escolas especiais ou na prática de qualquer profissão. Conta-nos João de Deus Ramos
(1913 Agosto 21) que ―o cancro português foi sempre o analfabetismo. Mas não basta
ensinar a ler, escrever e contar, é preciso também atender na forma como se ensina‖ (p.
1).
Ainda segundo Ramos, a Escola Móvel destinava-se a crianças e adultos e tinha
sobretudo o fim de suprir ―as consequências nefastas do analfabetismo na vida
138
económica, social e polìtica do paìs‖ Quanto muito, ―a escola móvel pode considerar-se
um auxiliar da escola fixa, um desdobramento desta cujo funcionamento não importa
saber se passa fora ou dentro de um edifìcio do Estado‖ (Ramos, 1915 Outubro,
Novembro, Dezembro, p. 1).
Ainda sobre este assunto, argumenta João de Deus Ramos (1913, Agosto 21):
As Escolas Móveis não são, de forma nenhuma, a última palavra como elemento da
extinção do analfabetismo em Portugal. Espanta-o talvez, a declaração formulada por
um homem que às escolas móveis se tem dedicado de alma e coração. É que eu não
me deixo cegar pela paixão, e por muito grande que ela seja em mim, há-de
encontrar-me sempre livre para todo o raciocínio.
Evidentemente que as escolas moveis têm a sua acção, e não pequena é ela se a
colocarmos no seu verdadeiro plano: auxiliar das escolas primárias oficiais no
desdobramento do aluno.
Eu explico: geralmente na escola primária há quatro classes de alunos, que são
constituídos pelos analfabetos, pelos que sabem ligar as sílabas, pelos que vão a
caminho do exame do segundo grau e, finalmente, pelos que se habilitam ao exame
de admissão dos liceus. É evidente que um professor não pode, simultaneamente,
ministrar a instrução a estas quatro categorias de alunos. Assim, sucede que o
professor, na melhor das hipóteses, se torna assíduo em volta dos candidatos a exame,
abandonando os outros à desenvoltura dalgum estudante mais adiantado . . . .
As nossas escolas primárias, com todos os seus defeitos, nem sempre têm cumprido
integralmente o papel que lhes compete. Da sua insuficiência, principalmente nasceu
a génese das escolas móveis, fundadas por Casimiro Freire; e não se julgue que
pequena acção têm elas tido, pois que, com os seus curtos anos de existência, alguma
coisa se tem já feito (p.1).
A generalizada incapacidade de resolução dos problemas da instrução, a taxa de
analfabetismo elevada e a inexistência de um corpo docente dotado de uma formação
adequada levaram Alves dos Santos, em 1906, a dirigir um grupo da elite pedagógica de
então no sentido de promover o primeiro Congresso Pedagógico, com a finalidade de
traçar ―um quadro de instrução para Portugal e encontrar os meios para pressionar o seu
desenvolvimento‖; mas o governo ditatorial de João Franco proibiu tal evento. Só após
a queda deste executivo foi possível organizar o primeiro Congresso Pedagógico de
Instrução Primária e Popular, que ocorreu em Abril de 1908 promovido pela Liga
Nacional da Instrução (Nóvoa, 1987, p. 526).
139
Naquele Congresso, cujo fim era apresentar alternativas para erradicar o
analfabetismo no nosso país, ignorou-se pura e simplesmente a acção da Associação das
Escolas Móveis e dos seus serviços, ―sobre os quais, e em todas as secções, se fez um
completo silêncio‖ (Relatório e Contas 1907-1908, p.3). O mesmo acontecera com os
jornais que então publicaram extractos do Congresso, o que constituiu uma verdadeira
afronta para os mentores daquela instituição, empenhados que estavam desde 1882 na
realização de missões para o ensino das primeiras letras pelo método João de Deus, num
combate permanente contra o analfabetismo. E, para mais, sendo consabido que o
Método de João de Deus havia sido publicado três décadas antes e votado nas cortes de
1888 e de 1903 como um dos métodos de leitura a aplicar nas escolas primárias e que a
Associação havia promovido, até então, 217 missões de escolarização. Apenas um
congressista fez referência ao método João de Deus, para dizer que ―a Cartilha Maternal
não é a ultima palavra em pedagogia‖ (Relatório e Contas 1907-1908, p. 3).
Segundo os dirigentes da Associação, ignorar a acção das Escolas Móveis
equivaleu a rejeitar a Cartilha Maternal como um dos métodos de leitura aplicáveis ao
combate contra o analfabetismo. Um articulista, ao comentar os trabalhos do 1.º
Congresso Pedagógico, chegou a afirmar que este serviu apenas ―para os jornais
gravarem, em destaque, alguns nomes obscuros, e esqueceram outros nomes ilustres que
ao respeito de todos se impõem. Foi um simples concurso de vaidades, de que não
resultou uma escola, um livro, um folheto, uma ideia‖. Conta ainda que o Sr. Borges
Grainha, ao expor a sua tese, indicando os meios para combater o analfabetismo no
nosso país, fez referência às Escolas Móveis da Suécia esquecendo-se da acção das
Escola Móveis pelo Método João de Deus, o que foi uma grande injustiça. (J. D., 1909
Janeiro, Fevereiro e Março, pp. 33-34).
No entendimento de João de Barros (1916) e apesar de muita gente pretender
contrariar os eficazes resultados das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, ―a
percentagem do analfabetismo nos adultos tende, com efeito, a diminuir muitìssimo‖ (p.
118).
Nesta altura e decorridos que iam 32 anos após a publicação da Cartilha
Maternal, o Método era já reconhecido por algumas autoridades pedagógicas nacionais
e estrangeiras. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, em 1877, havia considerado a
Cartilha Maternal como ―uma obra genial‖; Göran Björkman, em 1896, considerara
João de Deus como ―um dos mais dignos homens do mundo inventando a arte de
140
aprender a ler, do modo mais simples e rápido possìvel‖ (Relatório e Contas, 1907 1908, p. 5).
Também em 1896, L. Pilate de Brinn Gausbast opinara que João de Deus era ―o
maior dos poetas líricos de Portugal depois de Camões, e o educador nacional da
infância e dos iletrados deste país … a mais surpreendente das suas obras, a mais
simples e a mais lógica de todos os métodos de leitura, atractiva, rápida, intuitiva, sem
soletração ridícula, resumidamente, esta Cartilha Maternal onde não se deixa nem por
um instante de sentir o pedagogo, o grande poeta e um grande coração‖ (Relatório e
Contas, 1907 -1908, p. 5).
Em 1895, Valentim Magalhães (Relatório e Contas 1907-1908), escritor e
professor brasileiro, estranha que o governo português não tenha reconhecido a
necessidade de preparar professores para ministrar a Cartilha Maternal e afirma:
Se eu fosse português e tivesse, nessa qualidade, o direito de me dirigir aos poderes
públicos desse lindo país, pedir-lhes-ia que, numa folga da politicância, lessem a
Cartilha Maternal de João de Deus e se dignassem compreender o seu valor
intelectual e moral. Com esses dois livros Campo de Flores e Cartilha Maternal já há
com que fazer uma glória e fundir um monumento na admiração de um povo (p. 6).
Assis Brasil, outro estrangeiro, considerou a Cartilha Maternal de João de Deus
―o mais encantador dos seus poemas‖ (Relatório e Contas, 1907-1908, p. 6).
Depois destas observações e dos resultados obtidos nas missões até então
realizadas pelas Escolas Móveis no Continente, Açores e Madeira, não é de admirar a
indignação das forças vivas desta instituição quando, no referido Primeiro Congresso de
Pedagogia, cujo objectivo era encontrar soluções para combater o analfabetismo, veio a
ser completamente ignorada a sua a acção.
Um ano mais tarde, em Abril de 1909, durante os trabalhos do já referido
Segundo Congresso Pedagógico, o método de João de Deus foi um dos temas em
discussão e, também, o mais polémico. Mais uma vez este método teve o condão de
provocar acesas reacções, umas contra e outras a favor. Assim o testemunha Lopes
d‘Oliveira, quando diz que um dos assuntos mais versados neste congresso ―foi o
método João de Deus, (atacado pela Reacção, ferida pela Instituição das Escolas
Móveis, cuja proficuidade de ensino minava o analfabetismo…)‖ (citado em,
Fernandes, s/d, pp.16-17).
141
Fernando Palyart Pinto Ferreira, pedagogo e autor de várias obras centradas na
didáctica das matérias escolares, foi um profícuo divulgador do pensamento pedagógico
de Maria Montessori e de Alfred Binet e um dos pioneiros na organização da educação
especial no nosso país (Fróis, 2003). Foi também um dos maiores críticos das escolas
móveis oficiais e, embora não negasse a importância delas, criticou o seu
funcionamento, a localização das mesmas e o facto dos critérios de recrutamento dos
seus professores não serem tão rigorosos como eram para os professores das escolas
fixas.
Em comunicação à Sociedade de Estudos Pedagógicos, na sessão de 29 de
Março de 1916, Palyart Pinto Ferreira (1916) reconheceu o valor das escolas móveis
oficiais, que apelidou de ―escola de socorro‖. Reprovou porém que estas se fixassem
nos grandes centros, perto de escolas fixas. Para ele, a escola móvel é ―uma instituição
que leva a instrução ao camponês das pequenas e, por vezes, pobríssimas povoações, a
muitos quilómetros das escolas fixas‖ (p. 260).
Ao compará-las com as escolas móveis da Suécia, da Alemanha, da Noruega e
de Espanha, considerou as nossas escolas móveis ―muito piores que as chamadas
pequenas escolas de alguns países estrangeiros. São, em verdade, escolas a fingir‖.
Considerou-as ainda ―antipatrióticas‖ e condenou-lhes a ―falta de orientação
pedagógica, de uma péssima administração do nosso ensino perante o mundo
civilizado‖, embora também as visse ―como uma necessidade do nosso paìs‖ (Ferreira,
1916, pp. 259-263).
Em relação ao recrutamento dos docentes, critica-as por aceitarem os professores
sem um concurso documental, como era exigido aos professores que leccionavam nas
escolas fixas, e diz: ―A lei orgânica das escolas móveis não obriga a escolha pelas
aptidões pedagógicas, consentindo, assim, que quem a faz possa olhar mais para os
interesses partidários ou dos amigos, ainda quando seja o mesmo que contrariar os
interesses da educação nacional, da sua e da nossa pátria‖ (Ferreira, 1916, pp. 259-261).
No final da sua intervenção Palyart Pinto Ferreira (1916) conclui que as escolas
móveis oficiais só deveriam existir em locais onde não se pudesse instalar escolas fixas,
que a sua permanência em cada localidade não deveria exceder seis meses e que os seus
professores deveriam ser recrutados da mesma forma que os professores das escolas
fixas.
142
3.4.3. Das Escolas Móveis aos Jardins-Escolas; algumas reformas
estatutárias
João de Deus Ramos, embora reconhecendo a inegável valia das acções
promovidas pela Associação das Escolas Móveis na luta contra o analfabetismo, ao
defender que a educação e a instrução deviam começar antes da escola primária, tenta
pôr em prática o projecto inovador que acalentava desde os seus tempos de estudante,
ou seja, o de alargar o ensino à educação pré-escolar através da criação de JardinsEscolas, com a finalidade de prosseguir com mais eficácia os ideais pedagógicos de seu
pai.
Para que tal fosse possível, João de Deus Ramos propõe à Associação das
Escolas Móveis pelo Método João de Deus a alteração dos seus estatutos, proposta que
vem a ser acolhida.
Na inauguração da Escola da Praia do Ribatejo, doada à Associação das Escolas
Móveis pela família Tomaz da Cruz, João de Deus Ramos (1907, Janeiro a Maio), no
discurso que então profere, dá conta da reforma da Associação das Escolas Móveis pelo
Método João de Deus e do propósito da criação dos Jardins-Escolas, como consta do
seguinte extracto:
Em 1882, quando a nossa associação se lançou, pensou-se primeiramente em fundar
a associação de propaganda do método João de Deus. E, então, alvitrou-se uma
Escola Nacional pelo método.
A alma e o princípio da instituição foi a Cartilha Maternal. Ora esta obra, salvo casos
isolados, nunca até hoje pôde ser aplicada com todo o rigor da sua doutrina. . . .
Querendo, pois, a Associação das Escolas Móveis, dar o primeiro exemplo do
verdadeiro e completo ensino de leitura e escrita pelo método de João de Deus,
reunida a Assembleia Geral, resolveu reformar os estatutos, a fim de organizar
melhor as missões para analfabetos (essa grande obra social — transitória — cujos
resultados práticos são incalculáveis), e instituir (além de bibliotecas ambulantes,
aproveitando os professores como portadores de livros de vulgarização para as
associações operárias) algumas escolas maternais — a obra definitiva — onde se
mostrará toda a elevação e proficuidade do referido Método. Consequentemente esta
escola, a todo o tempo, deverá transformar-se em escola maternal, sem prejudicar,
143
antes facilitar, o nosso compromisso de entrada — a habilitação das meninas ao
exame do 1º grau e no conhecimento prático dos lavores (pp. 33-34).
O texto inicial dos estatutos da Associação das Escolas Móveis pelo Método de
João de Deus, elaborado em 1882, irá sendo modificado ao longo do tempo, alterandose algumas das suas disposições e introduzindo-se outras. Com efeito, estes estatutos
serão reformados a 13 de Fevereiro de 1908, a 12 de Junho de 1911, a 26 de Junho de
1914, a 8 de Julho de 1917, a 17 de Janeiro de 1926, a 22 de Junho de 1940 e a 10 de
Fevereiro de 1946. Posteriormente a estas, outras reformas houve no articulado daqueles
estatutos, que não referiremos por ultrapassarem o âmbito temporal do presente estudo,
ou seja, a duração da vida de João de Deus Ramos. Passaremos em revista os aspectos
mais relevantes da primeira daquelas reformas, a qual, em nosso entender, se revelou
mais profundamente transformadora e, em seguida, faremos a síntese dos aspectos mais
marcantes das reformas posteriores.
3.4.3.1. Primeira reforma — 1908
A 30 de Maio de 1907 é nomeada uma comissão especial de revisão, cujos
trabalhos, submetidos à Assembleia-Geral de 13 de Fevereiro de 1908, vêm a ser
aprovados e em resultado do que a Associação das Escolas Móveis pelo Método de
João de Deus passou a denominar-se Associação de Escolas Móveis pelo Método João
de Deus, Bibliotecas Ambulantes e Jardins-Escolas.
As alterações estatutárias então levadas a cabo centraram-se sobretudo na
ampliação dos fins da Associação (Art.º 1.º) e no prazo de duração das missões de
alfabetização (Art.º 17.º), prazo que passou de um máximo de três meses para um
máximo de cinco meses, ainda passível, em determinadas circunstâncias, de
prorrogação por um máximo de três meses. Para melhor compreensão do alcance desta
reforma passamos a transcrever o texto original do Art.º 1.º e a sua versão reformada em
1908. Assim:
Art.º 1.º (do texto fundador de 1882)
A associação das escolas móveis tem por fim ensinar a ler, escrever e contar pelo
método João de Deus os indivíduos que o solicitarem, até onde o permitam os seus
meios económicos, enviando neste intuito às diversas povoações da nação portuguesa
professores, devidamente habilitados.
144
§ único—A associação não se envolverá em assuntos políticos, nem em
quaisquer outros alheios ao seu fim.‖.
A ampliação dos fins da Associação veio a concretizar-se na aprovação de uma
nova redacção daquele preceito, como segue:
Art.º 1.º (do texto da primeira alteração estatutária—1908)
A Associação de Escolas Móveis tem por fim:
1.º Ensinar a ler, escrever e contar pelo método de João de Deus, os indivíduos
que o solicitarem, até onde o permitam os meios económicos do cofre social,
enviando nesse intuito às diversas povoações da nação portuguesa, professores
devidamente habilitados;
2.º Organizar, nas localidades a que forem enviados os professores, em
associações de classe operárias, comerciais ou de recreio, gabinetes de leitura que
deverão funcionar durante o tempo da respectiva missão escolar, fornecendo para tal
fim, às mesmas associações, bibliotecas populares de vulgarização, que ficarão sob a
guarda e responsabilidade destas;
3.º Promover conferências e palestras populares, de preferência nas freguesias
rurais, sobre a necessidade e utilidade da instrução, proporcionando ao povo
trabalhador noções do progresso económico e social;
4.º Instituir Jardins-Escolas para crianças de três a sete anos, onde seja
aplicado, em toda a sua plenitude, o espírito e doutrina da obra educativa de João de
Deus, modelando assim um tipo português de escola infantil.
§ único. A associação não se envolverá em assuntos políticos, nem em
quaisquer outros alheios aos seus fins.‖.
A comparação do conteúdo daqueles dois textos permite-nos concluir que esta
primeira reforma estatutária correspondeu a uma verdadeira refundação da Associação
das Escolas Móveis. Com efeito, mantendo embora o seu fim original — ―ensinar a ler,
escrever e contar pelo método de João de Deus, os indivìduos que o solicitarem‖ — a
Associação dilata os seus propósitos, atribuindo-se funções completamente novas, quais
sejam as de:
a) Organizar gabinetes de leitura;
b) Criar bibliotecas populares de apoio àqueles gabinetes;
145
d) Promover conferências e palestras populares sobre a necessidade e utilidade da
instrução, proporcionando ao povo trabalhador noções do progresso económico e
social;
e) Instituir jardins-escolas para crianças de três a sete anos;
f) Modelar um tipo português de escola infantil.
Ainda que a redacção do parágrafo único do artigo 1.º — ―a associação não se
envolverá em assuntos polìticos, nem em quaisquer outros alheios aos seus fins‖ —
pudesse ser, à época, uma ―frase feita‖ e corresponder a uma imposição da legislação
sobre associações (matéria que não investigámos por extravasar o âmbito deste estudo)
parece evidente que a Associação das Escolas Móveis pretendia envolver-se em
assuntos de índole marcadamente política. Por um lado, ao propor-se iluminar o ―povo
trabalhador‖ com ―noções do progresso económico e social‖ e, por outro, ao chamar a si
a tarefa de ―modelar um tipo português de escola infantil‖. Só a desatenção dos poderes
públicos e/ou o lento estertor das instituições monárquicas que então se vivia, podem
explicar, em concreto e do nosso ponto de vista, este salto qualitativo dos fins da
Associação das Escolas Móveis.
É de relevar ainda, na senda do igualitarismo dos ideais republicanos que
enformavam o pensamento da época, a exclusão, nesta primeira reforma estatutária
(1908), de um preceito assaz curioso, o do § 1.º do ponto 4.º do artigo 2.º dos estatutos
originais (1882), segundo o qual ―Para serem inscritas como sócios devem as mulheres
casadas apresentar autorização escrita de seus maridos e de seus pais ou directores as
que não forem suis juris‖.
3.4.3.2. Segunda reforma — 1911
Alteração dos fins da Associação, com nova redacção do art.º 1.º, de onde
sobressaem:
a) A localização dos jardins-escolas a instituir e a ampliação do intervalo
etário dos educandos: ―Instituir ‗jardins-escolas‘ nos principais centros do paìs e em
bairros de população operária, para crianças de três a oito anos de idade . . .‖ (ponto
3.º);
146
b) A introdução de novas tecnologias de comunicação: ―A associação
promoverá a realização de ‗palestras populares e leituras públicas‘, de preferência
com o auxìlio de projecções luminosas ‖ (§ 1.º do ponto 3.º).
Introdução de um novo requisito de admissão de professores: para além dos
requisitos até então exigìveis, ―Só pode ser investido no cargo do professorado quem
podendo legalmente exercer o ensino extra-oficial ‖ (Art.º 15.º).
Previsão da figura do professor ou professora efectivos das escolas móveis e
consagração dos seus direitos laborais básicos, com a atribuição de um vencimento
anual de trezentos e sessenta mil réis, pago em duodécimos, que vencerá por inteiro
mesmo ―em caso de doença devidamente comprovada, não excedendo três meses‖
(Art.º 16.º e seu § único). Por outro lado, ―O professor ou professora efectivos têm
direito a dois meses de descanso com vencimento, em cada ano‖ (Art.º 19.º).
Primeiras referências à docência dos jardins-escolas: ―Para o ensino nos jardinsescolas só serão nomeadas professoras que a direcção reconheça com competência
própria‖ (Art.º 23.º), e ―As professoras dos jardins-escolas constituirão um quadro à
parte, sendo os seus honorários os que se combinarem por contrato especial‖ (Art.º
24.º).
3.4.3.3. Terceira reforma — 1914
É de novo alterada a denominação da Associação, que passa de Associação de
Escolas Móveis pelo Método João de Deus, Bibliotecas Ambulantes e Jardins-Escolas
para Associação de Escolas Móveis e Jardins-Escolas João de Deus (Art.º 1.º).
São explicitados os fins dos jardins-escolas, desaparece a obrigação de os
instituir ―nos principais centros do paìs e em bairros de população operária‖ e altera-se o
intervalo etário dos seus educandos, pelo que o preceito ficou com a seguinte redacção:
―Instituir jardins-escolas, de preferência nos centros de população operária, para abrigo,
educação e ensino de crianças de quatro até ao limite máximo de nove anos de idade,
segundo o espìrito e doutrina da obra pedagógica de João de Deus‖ (ponto 1.º do Art.º
1.º).
147
Desaparece o propósito de organizar bibliotecas populares ambulantes e o
objectivo da realização de ―palestras populares e leituras públicas‖ é substituìdo por
outro, quiçá mais ambicioso ou mais classista, de realizar ― conferências e leituras
públicas‖ e de, para este fim, organizar ―em Lisboa, na sede da Associação, uma
universidade popular e um museu pedagógico, artístico e bibliográfico de homenagem
ao autor da Cartilha Maternal, que se designará ―Museu João de Deus‖ (ponto 3.º do
Art.º 1.º).
A organização da Universidade Popular nunca passou de uma nobre intenção, ao
contrário da edificação do Museu João de Deus.
São criados três novos requisitos para a investidura no cargo de professor das
escolas móveis, a saber: ―apresentar atestado de bom comportamento moral e civil,
passado pela junta de paróquia da freguesia onde resida, ou pelo administrador do
concelho ou bairro respectivo‖; ―não ter mais de 35 anos de idade‖, e ―apresentar
diploma da Associação, de que tem inteiro conhecimento do método João de Deus‖
(números 2.º, 3.º e 5.º do Art.º 15.º).
Estabelecem-se os requisitos de nomeação das professoras para os jardinsescolas: designadamente, não ter menos de 18 anos nem mais de 35, ser saudável e
possuir a necessária robustez (não apresentando qualquer deformidade física), ter o
curso das escolas normais ou das escolas industriais, ou ainda o 5.º ano dos liceus, bem
como estar habilitada com o diploma de ensino pelo método João de Deus.
Estabelecem-se os ordenados, gratificações e outras regalias laborais destas professoras
e, bem assim, a sua progressão na carreira (Art.os 23.º a 26.º).
3.4.3.4. Quarta reforma — 1917
Transfere-se a sede da Associação, da Rua da Horta Seca, ao Chiado, para o
(então novíssimo) Museu João de Deus, na Avenida Álvares Cabral, à Estrela.
Mais uma vez são alterados os fins da Associação; mantêm-se os relativos às
missões das escolas móveis mas, no demais, tudo muda. Assim:
Quanto à criação de jardins-escolas, aligeiram-se os respectivos propósitos: são
excluìdas a menção aos locais onde aqueles devem ser edificados (antes, ―de preferência
148
nos centros de população operária‖) e, bem assim, a referência ao ―estabelecimento de
um modelo português de escola infantil‖, adoptando-se para o efeito a seguinte
redacção: ―Criar e manter jardins-escolas, segundo o espírito e doutrina da obra
educativa de João de Deus, para abrigo, educação e ensino de crianças de quatro até ao
limite de nove anos de idade‖ (número 2.º do Art.º 3.º).
Ainda no tocante aos fins da Associação, privilegiam-se as acções em torno do
recém-criado Museu João de Deus, como segue:
Organizar, catalogar e guardar, em condições de pronta inspecção ou consulta, todos
os livros, revistas, manuscritos, documentos e objectos de que se compõe o recheio
do Museu João de Deus (número 3.º do Art.º 3.º);
Manter, com regularidade, na sala de conferências do referido Museu, durante todo o
ano, cursos de explicações da Cartilha Maternal e da Arte de Escrita, para perpetuar e
propagandear o método de João de Deus, devendo, nesse intuito, merecer especial
cuidado, sob o ponto de vista da competência e zelo, a escolha da pessoa que tiver de
ser encarregada da regência de tais cursos (número 4.º do Art.º 3.º);
Na mesma sala de conferências, e como complemento à obra pedagógica de João
de Deus, realizar ―cursos de habilitação de professoras para o ensino infantil adoptado
nos jardins-escolas‖ (número 5.º do Art.º 3.º).
É de salientar, neste passo, a autonomia dada aos fins constantes dos n.os 4.º e 5.º
do Art.º 3.º, antes transcritos: por um lado, a manutenção de cursos de explicação da
Cartilha Maternal e da Arte de Escrita, para perpetuação e propaganda do método de
João de Deus (digamos, que para consumo externo) e, por outro, a realização de cursos
de habilitação de professoras para o ensino infantil adoptado nos jardins-escolas João de
Deus — se se quiser, para consumo interno, com vista à formação específica do seu
próprio quadro docente.
A orgânica da Associação altera-se profundamente. Se desde a sua criação, em
1882, veio funcionando com os clássicos três órgãos (assembleia geral, direcção e
comissão revisora de contas) assiste-se agora a uma profunda reestruturação do seu
funcionamento, por adopção de um modelo quase empresarial. Passa a dispor dos
seguintes órgãos: assembleia geral, mesa administrativa (que herda quase todos os
poderes da anterior direcção), direcção técnica e pedagógica e comissão revisora de
149
contas. A grande inovação é, desde logo, a instituição de uma direcção técnica e
pedagógica, regida por um director e por um sub-director, órgão com amplas
competências, designadamente na área do pessoal, tanto docente como administrativo e
auxiliar, na elaboração e reforma de regulamentos e programas, na emissão de pareceres
sobre melhoramentos de edifícios e construção de novos jardins-escolas, na direcção e
orientação do ensino e da assistência escolar, etc. (Art.º 13.º).
A duração dos mandatos dos membros dos órgãos associativos passa de um para
três anos, supomos que com o intuito de conferir maior estabilidade à realização das
respectivas atribuições (número 1.º do Art.º 7.º).
Estabelece-se nova duração para as missões das escolas móveis, que funcionarão
em dois períodos sucessivos de cinco meses, com prestação de provas públicas pelos
alunos no fim de cada período (Art.os 18.º e 20.º).
3.4.3.5. Quinta reforma — 1926
A persistente crise económica que se instalou no país, acentuada pela primeira
guerra mundial, também afectou, e em larga medida, a Associação das Escolas Móveis.
Apesar da boa gestão que a comissão revisora de contas sempre reconheceu existir na
actividade dos sucessivos executivos que a governaram, a Associação veio lutando com
uma situação deficitária também ela persistente, atenuada tanto quanto possível pelo
constante apelo à generosidade dos seus amigos e simpatizantes. Os sucessivos relatórios
e contas dos exercícios do pós-guerra revelam que sem essa generosidade — legados,
doações, organização de eventos para angariação de fundos — e sem a atribuição de
subsídios pelos poderes públicos, tanto do governo central como de algumas autarquias, a
Associação teria soçobrado ou, pelo menos, reduzido de forma drástica a sua actividade,
quer no tocante à realização de missões das escolas móveis, quer quanto à criação de
novos jardins-escolas, sendo certo que o número dos seus sócios veio decrescendo de
forma regular.
O número de missões das escolas móveis vai sendo reduzido até à sua completa
extinção, em 1921, com a Associação norteada para a criação dos jardins-escolas e para
as actividades pedagógicas e de divulgação a desenvolver no Museu João de Deus.
150
A reforma estatutária de 1926 dá nova denominação à Instituição, que em diante
passará a ser Associação de Jardins-Escolas João de Deus, com o fim primeiro de
―Promover e auxiliar a fundação de Jardins-Escolas com o objectivo principal de
realizar um modelo português de escola infantil, seguindo o espírito e doutrina da obra
educativa de João de Deus, para abrigo, educação e ensino de crianças de ambos os
sexos, de quatro até ao limite máximo de nove anos de idade‖ (número 1.º do Art.º 2.º).
Os restantes fins da Associação, relacionados com as actividades a desenvolver
no Museu João de Deus, mantêm-se, com um ou outro retoque de redacção,
praticamente os mesmos.
Quanto à sua orgânica a Associação passa, por assim dizer, ―à primeira forma‖,
ou seja, ao modelo inicial dos três órgãos (assembleia geral, direcção e comissão
revisora de contas), cabendo ―ao vogal da direcção que tem a seu cargo a direcção
técnica e pedagógica dos Jardins-Escolas e do Museu João de Deus‖, com alterações de
pouco significado, o exercício dos poderes que antes estavam cometidos à Direcção
Técnica e Pedagógica (Art.º 13.º).
Quanto à remuneração das professoras dos Jardins-Escolas, ―será determinada
pela Direcção . . . tomando por base, ou como ponto de referência, os honorários das
professoras de ensino infantil oficial‖ (Art.º 18.º). Desaparece assim a prática anterior
de fixar o valor das remunerações dos professores no pacto social, o que bem se entende
se se atender, por um lado, à inflação galopante que sempre acompanha os períodos de
crise económica e, por outro, ao facto de tal fixação representar, em qualquer caso, um
espartilho difícil de suprir sem recurso à alteração dos estatutos.
3.4.3.6. Sexta reforma — 1940
Após o aligeiramento estatutário verificado na reforma anterior, a reforma de
1940, volvidos que são, entretanto, cerca de catorze anos, torna-se mais normativa e
específica. Os fins estatutários são mais uma vez alterados, sobressaindo:
a) A redução da faixa etária dos alunos dos Jardins-Escolas João de Deus, ―. . . desde
quatro aos oito anos de idade.‖ (número 1.º do Art.º 2.º).
151
b) A realização de ―Cursos de habilitação para o magistério nos Jardins-Escolas e, em
especial, para o ensino de leitura e escrita prelo Método de João de Deus, sob a
regência de entidades competentes, escrupulosamente escolhidas‖. Aqui, a
Associação assume um novo fim: o de criar uma escola de professores para
leccionarem em jardins-de-infância, em especial os próprios, mas não só [alínea b) do
número 3.º do Art.º 2.º].
c) A prestação de ―. . . assistência beneficente aos alunos dos Jardins-Escolas que de
tal careçam, em conformidade com as condições regulamentares e privativas dos
mesmos Jardins-Escolas‖ (número 5.º do Art.º 2.º).
São de novo instituídos, para os vários órgãos da Associação, os exercícios
trienais (número 1.º do Art.º 7.º).
A Direcção, composta de cinco membros, integra um director, ― a cargo de quem
fica a superintendência técnica e pedagógica dos Jardins-Escolas e do Museu João de
Deus‖ (Art.º 11.º).
É de notar especialmente que ―o cargo de director técnico e pedagógico
considera-se vitalício em relação ao fundador dos Jardins-Escolas e do Museu João de
Deus, mesmo que não faça parte da Direcção.‖ (§ 2.º do Art.º 11.º). Consagra-se aqui,
com grande economia de meios, dir-se-á mesmo, com uma desusada contenção, a
nomeação de João de Deus Ramos — pois é dele que se trata — para exercer
vitaliciamente o cargo de director técnico e pedagógico dos Jardins-Escolas João de
Deus, integre ou não, a partir daí, a Direcção da Associação, ou seja, sem necessidade
de qualquer outra nomeação.
É regulado o funcionamento das ―Caixas Escolares‖ dos Jardins-Escolas João de
Deus, cada um deles dotado de autonomia financeira, com recursos e contabilidade
próprios (Art.º 16.º).
São amplamente definidos os direitos e deveres das ―Comissões de Assistência‖
dos Jardins-Escolas, uma para cada estabelecimento. Compostas, pelo menos, por três
membros, compete nomeadamente a estas comissões ―velar pela conservação do
edifício do Jardim-Escola e pelo seu bom nome‖ (número 1.º do Art.º 20.º).
Para além dos requisitos constantes de anteriores reformas estatutárias, a
nomeação de professora para os Jardins-Escolas João de Deus passa a estar
condicionada a ―ter feito estágio de um ano lectivo completo, com boa classificação de
152
aptidão, serviço e assiduidade, num dos Jardins-Escolas João de Deus‖ (número 6.º do
Art.º 22.º), à sua inscrição oficial ―como professora de ensino particular‖ (número 7.º do
Art.º 22.º) e à obrigação ―de se submeter à transferência para qualquer Jardim-Escola,
diferente daquele em que for colocada, quando as circunstâncias do serviço assim o
exijam. Não aceitando a transferência, passará à situação de disponibilidade, sem
vencimento‖ (número 9.º do Art.º 22.º).
Sendo certo que em 1940 já tinham sido criados sete Jardins-Escolas
(sucessivamente em Coimbra, Figueira da Foz, Alcobaça, Lisboa, Alhadas, Leiria e
Castelo Branco) a referida exigência de submissão das professoras à transferência ―para
qualquer Jardim-Escola‖ não deixa de nos parecer altamente lesiva dos seus legìtimos
interesses, mormente no que toca à estabilidade dos respectivos agregados familiares.
3.4.3.7. Sétima reforma — 1946
São mais uma vez alterados os fins da Associação, desta feita para conferir
maior consistência à promoção dos ―cursos de habilitação para o magistério nos JardinsEscolas ‖ prevista na anterior reforma estatutária e a que antes nos referimos. Agora
assume-se a obrigação de realizar esses cursos de forma continuada e periódica, nos
seguintes termos: ―Realizar, em cada ano lectivo, um curso semestral de Didáctica PréPrimária para habilitação ao magistério do ensino infantil e, em especial, dos JardinsEscolas, abrangendo aulas teóricas e práticas dos métodos a adoptar, designadamente de
João de Deus, sob a regência de entidades competentes e escrupulosamente escolhidas‖
(número 2.º do Art.º 2.º).
A duração dos cargos dos membros dos órgãos da Associação passa a ser bienal
(número 1.º do Art.º 7.º).
A anterior Comissão Revisora de Contas passa a denominar-se Conselho Fiscal e
as suas atribuições, idênticas às daquela Comissão, dispõem de um capítulo autónomo
no texto estatutário agora reformado (Art.os 14.º e 15.º).
As Comissões de Assistência passam a ser compostas por um número mínimo de
cinco membros (Art.º 18.º).
153
A nomeação de professoras para os Jardins-Escolas passa a depender de novo
requisito: a posse de ―diploma de habilitação do Curso de Didáctica Pré-Primária‖ a que
acima nos referimos (número 5.º do Art.º 22.º).
Aquelas professoras passam a gozar do direito de receber o vencimento por
inteiro quando se encontrem na situação de doença prolongada que não exceda seis
meses (mais três meses do que antes) — Art.º 25.º — e a beneficiar de eventual
aposentação quando atinjam os 50 anos de idade e hajam prestado serviço durante, pelo
menos, 20 anos (Art.º 26.º).
3.5. João de Deus Ramos e a divulgação da Cartilha Maternal no
estrangeiro.
Tal como seu pai, um dos projectos de João de Deus Ramos era expandir a
Cartilha Maternal além-fronteiras. Após a divulgação da Cartilha Maternal no nosso
país, João de Deus Ramos vai para o estrangeiro com o intuito de divulgar o método,
como pode ler-se num pequeno artigo de jornal:
Parte brevemente para Madrid, onde vai tratar de assuntos que respeitam à defesa da
Cartilha Maternal na capital espanhola, o Dr. João de Deus Ramos, filho do autor do
maravilhoso método de ensino, e incansável continuador e propagandista da grande
obra do glorioso e imortal poeta e pedagogo que se chamou João de Deus.
(O Século, 1905, Novembro 20, p. 2)
Em 1907, faz longas e demoradas viagens pelo estrangeiro, observando
cuidadosamente métodos e processos de ensino, e conclui que a cada povo deve
corresponder um método próprio, e que o português era aquele que o seu pai criara.
Num dos jornais da época é notìcia que: ―em viagem de estudo (à sua custa),
seguiu, no princípio deste mês para o estrangeiro o Sr. Dr. João de Deus Ramos, que se
propõe visitar as escola maternais e as primárias da Suíça, Bélgica, e França, etc., na
época do ensino‖ (Vanguarda, 1907, Novembro 12).
154
Segundo Rogério Fernandes (s.d) também João de Barros parte nesse ano de
1907 ―em missão oficial, de visita a estabelecimentos de ensino secundário na França e
na Inglaterra, acompanhado por João de Deus Ramos‖ e ―encontraram-se em Madrid
com educadores espanhóis de vanguarda por intermédio de Alice Pestana‖, que
mantinha com João de Barros relações de amizade (pp. 15-16).
A finalidade destas viagens era conhecer os métodos de ensino e de
funcionamento dos estabelecimentos escolares, ―não com o objectivo de importar
modelos pedagógicos, mas para ter pontos de referência sobre o que por essa Europa
fora se ia fazendo em matéria de educação infantil‖ (Raposo, 1993, p. 7).
João de Barros (1910 Outubro, Novembro e Dezembro), após a sua visita às
escolas francesas e inglesas e de ter estudado os novos métodos das primeiras letras ali
aplicados, compara-os com a Cartilha Maternal e conclui que:
A Cartilha Maternal não é apenas um método de leitura — tão perfeito, tão racional,
tão a par das mais modernas doutrinas educativas que lá fora, nos países mais
adiantados da civilização (e eu pude verificá-lo na França e na Inglaterra) toda as
tentativas que ultimamente se tem feito para facilitar o ensino das primeiras letras
ficam ainda muito aquém da admirável clareza, da justa compreensão do espírito
infantil . . . . é também essa Cartilha Maternal um programa completo de ensino,
muito em avanço sobre a época em que foi escrito — 1876, há 40 anos, quase! — e,
infelizmente, ainda sobre o nosso tempo! João de Deus fica sendo, na história da
educação de todos os países, um verdadeiro percursor (p. 11).
João de Deus Ramos (citado em Azevedo, s.d) projectava realizar um estudo
intensivo da Cartilha Maternal com vista à sua tradução para francês e, posteriormente,
à sua divulgação em França e na Bélgica. Numa carta datada de 11 de Fevereiro de
1910 escreve a João de Barros e pede-lhe que o ajude nesta concretização, nos termos
seguintes:
Lembrei-me hoje duma coisa que seria da maior vantagem para o método J. D. e não
deve desagradar-te. Tu com o conhecimento que tens da língua francesa, estás
indicado para te encarregares da adaptação à língua — de que és mestre — do
sistema de leitura de meu Pai. Caminhando regularmente a propaganda, com a
realização das Escolas de Coimbra e Lisboa, poderá estabelecer-se corrente na
opinião pública nesse sentido. E talvez o governo, convidado pelo Parlamento a
colaborar no caso, não negue auxílio, nomeando-te em comissão de serviço especial,
155
para levares ao estrangeiro — em Paris ou na Bélgica — esse trabalho a bom termo
(p. 144).
Segundo Manuela Azevedo (1997), João de Barros reflectiu e escusou-se de tal
responsabilidade por motivos de ordem técnica. ―Não se tratava de uma simples
tradução, antes de uma adaptação aos valores fonéticos e morfológicos das palavras e
até dos desenhos‖ (p. 21).
Numa outra carta escrita a João de Barros, datada de 14 de Novembro de 1910,
Ramos conta-lhe que Homem Cristo lhe sugerira ir a França explicar a Cartilha
Maternal. Conta-lhe ainda que em Outubro seguinte irá ao sul de França, mas não com
o intuito de propagandear o método de seu pai.
Vou a Saint-Jean de Luz e a Bordéus tratar de assuntos particulares, em que trago
presentemente uma das minhas melhores esperanças. Estou fartíssimo de trabalhar
por amor dos mais altos ideais para me encontrar, a cada momento, na vexatória
situação de ver confundidos o valor da obra que defendo, o meu valor moral e a
minha orientação com as arremetidas de vários cabotinos e de medíocres
acomodatícios (citado em Azevedo, s.d, p. 145).
Em 1912 e enquanto desempenhava ainda cargo de Governador Civil da Guarda,
João de Deus Ramos vai a Paris estudar a problemática da instrução popular, como
informa esta curta notícia:
O Dr. João de Deus é demais conhecido no mundo inteiro pela sua feição educativa,
devendo-lhe já muito a Escola Primária Portuguesa, e não lhe devendo menos a
República, que ele procura engrandecer e democratizar, como sobejamente tem
provado no Distrito da Guarda onde desempenha o elevado cargo de Governador
Civil. O Dr. João de Deus Ramos partirá em breve para Paris, onde vai entregar-se ao
estudo e aperfeiçoamento da instrução popular, que ele a todo o custo deseja nivelar
com a dos países mais civilizados.
(O Dever, 1912, Setembro 22, p. 1)
Após a primeira guerra mundial, o poeta e escritor Philéas Lebesgue visita o
nosso país e, através dos seus amigos João Deus Ramos e João de Barros, trava
156
conhecimento com alguns poetas portugueses, nomeadamente Afonso Lopes Vieira e
Afonso Duarte, com quem se identifica, tendo-se posteriormente consagrado ao estudo
da cultura portuguesa (Azevedo, 1997).
Durante a maior parte da sua vida Philéas Lebesgue explorou pessoalmente a
quinta de seus pais. Este trabalho permite-lhe um permanente contacto com a natureza
mas impede-o de dar à sua obra o grau de perfeição que desejava, em especial no
romance. Lebesgue falava não somente o português, o grego e o sérvio, mas também o
alemão, o inglês, o italiano, o hebreu e o sânscrito. Recebeu o mais alto galardão da
Academia Goncourt, o prémio Geffroy. Foi escritor da Academia e da Sociedade dos
Escritores das Províncias Francesas de 1936 até à sua morte. Era membro da Academia
Ronsard e da Academia Francesa, que lhe conferiu o prémio ―Dupan‖, o seu grande
prémio de poesia. Faleceu a 11 de Outubro de 1958, com 89 anos (Azevedo, s.d).
É com a colaboração de Philéas Lebesgue que João de Deus Ramos elabora um
estudo detalhado sobre a Cartilha Maternal, com a finalidade de a traduzir para francês,
para que o método fosse utilizado nos países francófonos. Este projecto realiza-se nos
anos 20, aquando da visita de João de Deus Ramos a Paris, e A Cartilha Maternal é
traduzida e publicada em francês com o título ABC Maternel, como testemunha o
seguinte trecho:
O Dr. João de Deus Ramos acaba de publicar a adaptação em francês da Cartilha
Maternal de seu pai, o imortal poeta e pedagogo do mesmo nome, trabalho esse feito
em colaboração com o ilustre escritor e grande amigo de Portugal Philéas Lebesgue .
. . Não se trata de uma dessas traduções vulgares, que se fazem em horas de ócio e até
por prazer espiritual, é um trabalho de largo fôlego, daqueles a que só se metem
ombros e se levam a cabo quando se é norteado por um grande pensamento
dominante de todas as horas, de todos os instantes. Esta obra não é bem uma
adaptação mas, antes, a nosso ver uma refundição.
Foi necessário fundir de novo, moldar, colocar, relembrar todos os materiais, só
ficando da Cartilha Maternal o que nela havia de original e único e inconfundível,
porque provinha exclusivamente do génio do seu autor. Logo de princípio teve de ser
posta de parte a segunda lição, aquela tão vivamente sugestiva combinação de vogais
da Cartilha que as particularidades da língua francesa não consentiam e em todo o
livro teve de ser profundamente alterada a ordem das lições, o que os autores
conseguiram — e nisso está o seu maior mérito sem atacarem nem ao do leve, o
plano estrutural e original do método. A cartilha está, pois, vertida para o francês, e
157
posto que se trate, por exemplo apenas de uma tentativa experimental, estamos certos
de que os franceses não deixarão de ter na devida conta um trabalho que deveras
honra não só os seus ilustres autores mas também o nosso país.
(O Mundo, 1920, Novembro 17, p. 2)
Segundo notícias de então, João de Deus Ramos, numa deslocação a Paris em
companhia de Magalhães Lima, velho propagandista do método de João de Deus, foi
por este apresentado a Ferdinand Buisson, deputado francês e uma autoridade em
assuntos pedagógicos, o qual, reconhecendo o valor do método de leitura de João de
Deus, promoveu a edição do ABC Maternel pela editora francesa Hachette, como nos
conta Jorge Guerner (1920, Dezembro 9) em artigo que parcialmente transcrevemos:
Não há no estrangeiro um método de leitura que valha o de João de Deus. Digamo-lo
sem receio de contradita e com patriótico orgulho. Assim, o filho do grande poeta,
adaptando para a língua francesa de colaboração com o ilustre escritor e dedicado
amigo de Portugal Sr. Philéas Lebesgue, a Cartilha Maternal, fez uma obra cujo
sucesso está desde já assegurado …
O Sr. Buisson reconheceu a superioridade da obra, cuja adaptação (trabalho dedicado
e cheio de dificuldades) em coisa alguma desmerece do original e espontaneamente
recomendou-a a uma das maiores, senão a maior, casa editora francesa, a casa
Hachette – que decidiu editá-la.
Assim justiça foi feita ao genial esforço desse grande português. Dentro de alguns
meses, os pequenos franceses poderão aprender a ler pelo método João de Deus.
Sem duvida um grande esforço de propaganda será necessário aqui, como o foi na
própria terra do poeta. Sem dúvida, os Srs. João de Deus Ramos e Philéas Lebesgue
encontrarão diante de si a multidão dos interesses ameaçados que se defendem e,
grande aliada dos invejosos e dos indolentes, a Rotina implacável. Sem dúvida esse
pequeno sucesso, rápido e brilhante, abre apenas, da melhor maneira que nos seria
lícito desejar, um período que será longo, de iniciação paciente e talvez mesmo de
combate. Mas o resultado final será aquele que desde agora é possível de prever. O
método triunfará em França como triunfará em Portugal! (p. 1).
Para Philéas Lebesgue, nem na Inglaterra, especialista em realizações práticas,
nem na América audaciosa, nem na Alemanha científica, nem na França do génio
inventivo, houve um só pedagogo que criasse um método de leitura como a Cartilha
Maternal. Foi precisamente num país desacreditado pela sua percentagem de iletrados
158
que um poeta criou o que faltava ainda às outras grandes nações. Num artigo de jornal,
Philéas Lebesgue (Paris-Notícias, Paris, 1921, Maio 15) emite o seu parecer sobre o
método de João de Deus, que em parte transcrevemos:
um verdadeiro método de leitura baseado nas virtualidades naturais do som vivo,
sobre a recusa de recorrer às decomposições arbitrárias de vocábulos ou de sílabas
vazias de sentido, sobre o respeito absoluto da personalidade da criança ao mesmo
tempo que sobre o encadeamento normal dos signos e a sua apresentação lógica . . .
Refiro-me a João de Deus, contemporâneo de Verlaine, que soube exprimir em ritmos
imprevistos toda a sensibilidade nostálgica, mística da sua raça.
Espírito de soberana intuição, o divino cantor de Campo de Flores soube antecipar, na
Cartilha Maternal, o trabalho e as descobertas mais relevantes da fonologia
contemporânea, podendo mesmo pensar-se que o Abade Rousselot foi seu padrinho.
Tanto educadores como pedagogos se mostraram sem dúvida surpreendidos e
perguntam-se ao mesmo tempo, se eram clarividentes e imparciais, porque é que os
ditos trabalhos e descobertas influíram até agora tão pouco nos nossos métodos de
ensino da leitura . . . A obra deve aparecer proximamente em França, onde as
experiências metódicas prosseguem e sem dúvida suscitarão discussões apaixonadas:
mas os resultados obtidos noutros lados permitem-nos afirmar que a lentidão inicial
não fará duvidar um só instante no inevitável triunfo. Graças a este método o nosso
ensino primário colocar-se-á dentro em breve na primeira linha . . . Com João de
Deus, o Portugal das Descobertas aparece à frente. Tenhamos a elegância de
reconhecer a imensa vantagem que a Cartilha Maternal nos pode trazer. Quanto aos
estrangeiros que aprendem o francês, serão eles os primeiros a render-lhe homenagem
(p.1).
Lendo a correspondência de João de Deus Ramos e de João de Barros trocada
com Philéas Lebesgue, é notória a grande amizade que unia estes intelectuais. Numa
carta escrita a João de Barros, Philéas Lebesgue conta-lhe que ensinou a sua neta de seis
anos a ler pela Cartilha Maternal adaptada para francês. Noutra, escrita a João de Deus
Ramos, deseja que o ano de 1922 ―marque o triunfo da Cartilha Maternal no Mundo‖
(citado em Azevedo, 1997, p. 157).
A Cartilha Maternal não foi indiferente aos pedagogos franceses, podendo ler-se
no Diário de Lisboa que ―a revista pedagógica Les Primates classifica de genial o
método de leitura do nosso grande lírico. Em Janeiro, no edifício da Câmara do
Comércio Portuguesa de Paris, inaugurar-se-á um curso para estrangeiros dirigido por
159
Irene de Vasconcelos que, na Sorbonne, prepara o seu doutoramento em letras‖ (1921,
Dezembro 5, p. 1).
Após a leitura do ABC Maternel, Afonso Costa (citado em Azevedo, 1997), um
dos grandes vultos da República e defensor da emancipação do povo pela instrução,
escreve ao seu grande amigo João de Deus Ramos o seguinte:
É uma honra para Portugal ver traduzido e adaptado para francês o admirável método
de leitura que o Génio de seu pai – o imortal João de Deus – criou numa hora de
inspiração Sublime. E é justo que essa tradução e adaptação seja feita pelo filho, que
tem dedicado grande parte da sua existência à comunicação da Obra de educação
popular (p. 61).
A 1 de Outubro de 1928, o Diário de Lisboa anuncia que João de Deus Ramos
parte para o Brasil, em viajem de estudo, a bordo do ―Cantuária de Guimarães‖ (p. 1).
Para os brasileiros, João de Deus Ramos não era um desconhecido. Como antes
mencionámos, seu pai empreendeu um notável esforço no sentido de introduzir a
Cartilha Maternal no Brasil e conseguiu que esta sua obra aqui fosse utilizada, o que
sucedeu desde 1878. Também no Brasil tiveram lugar algumas ―missões‖ da
Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus, sendo igualmente do Brasil
e em especial de compatriotas aí radicados, que esta associação recebeu com
regularidade avultados donativos que em muito contribuíram para a prossecução dos
seus fins.
Aquando da chegada de Ramos ao Brasil, o jornal O Globo (1928, Outubro 17)
refere-se-lhe nos seguintes termos:
O ―Cantuária de Guimarães‖, procedente de Hamburgo e tendo feito escalas pelos
portos do costume, fundeou na Guanabara, às primeiras horas da tarde.
Depois de receber a visita regulamentar das autoridades marítimas, atracou no cais do
porto.
A bordo desse transatlântico nacional chegou ao Rio o professor João de Deus Ramos
. . . Falou-nos da sua missão. Não tem ela nenhum carácter oficial. É uma missão de
estudo e, por isso essencialmente intelectual . . . O professor João de Deus Ramos,
durante a sua permanência no Rio, fará duas conferências, nas quais esboçará os
pontos principais do livro que tem em preparo.
160
Dentre eles, o ilustre pedagogo luso encarará principalmente a obra e a personalidade
de três imortais poetas: Antero, João de Deus e Olavo Bilac (p.1).
Também o Jornal do Brasil (1928, Outubro 19) anuncia a visita de João de Deus
Ramos, salientando os serviços por ele prestados à instrução no nosso país e os cargos
políticos que desempenhou:
Desde anteontem que se encontra no Rio o Dr. João de Deus Ramos. Posto que seja
esta a primeira vez que vem ao Brasil, não é um desconhecido para nós. Portador de
um dos mais notáveis nomes ilustres portugueses — pois é filho do imortal poeta
João de Deus — o Dr. João de Deus Ramos é uma figura de destaque no actual meio
social do seu país. Antigo Governador Civil, Ex- Deputado e Ex- Ministro, não foram
no entanto esses altos postos políticos os que puseram em maior evidência a sua
personalidade ilustre . . . A sua obra notável é a que se refere aos serviços prestados à
instrução, sob vários aspectos, mas entre os quais se destaca no entanto, a criação dos
Jardins-Escolas, instituições de maior relevância e verdadeiramente modelares como
as escolas primárias, pois até hoje em nenhum outro país se fez melhor.
Lisboa, Coimbra, Figueira da Foz e Alhadas, possuem hoje escolas desse género,
onde tudo é modelar, a começar pelo edifício, cuja planta idealizada pelo nosso
ilustre hóspede, é o que há de mais perfeito no género, tanto sob o ponto de vista
higiénico como no que diz respeito aos objectivos pedagógicos.
O ensino é ministrado pelo método que João de Deus legou à posteridade e que para
muitos professores ilustres ainda hoje é dos melhores que se conhecem,
principalmente o livro primeiro a que o seu imortal autor deu o nome de Cartilha
Maternal (p. 1).
Em entrevista ao Jornal Português (1928, Outubro 26), Ramos expõe os
objectivos da sua visita àquele país. O seu intuito é empreender vários estudos de
carácter pedagógico, com a finalidade de investigar as diferenças entre as culturas
brasileira espanhola e compará-las com a cultura portuguesa, bem como realizar duas
conferências, como pode ler-se nos excertos que adiante se transcrevem:
Pretendo deixar bem vivo no espírito do público o objectivo da minha visita ao
Brasil. Estudar de maneira especial as condições mesológicas que obrigam a
processos diferentes, impondo a adopção de livros diversos: e demonstrar a
necessidade de se proceder nos dois países à renovação do ambiente escolar rotineiro
que contribui lamentavelmente para atrofiar a mentalidade escolar. E creio que assim
procedendo prestarei bons serviços à causa da instrução nos dois países irmãos (p.1).
161
Em relação à integridade do idioma português, afirma:
Urge que os intelectuais, tanto brasileiros como portugueses, se capacitem de
prestigiar a língua em que escrevem, certos de que se devem aprofundar nas origens
para se adestrarem no seu manejo. . . . O Brasil é detentor da civilização latina nas
Américas em continuidade com a tradição portuguesa e isso obriga de certa maneira a
ser cauteloso na adopção de métodos mais consentâneos com os povos de outras
raças.
Manter urgentemente a uniformidade da língua lusa é ter garantida a unidade nacional
(p.1).
Em relação ao estudo comparativo que tenciona realizar, acrescenta:
O Brasil, Portugal e os demais neo-latinos, ramos da mesma árvore, vivem da mesma
selva, com as raízes ávidas do mesmo alimento e são responsáveis pela civilização
mediterrânea. Assim como se destacam entre si as derivadas do latim, por um
fenómeno de adaptação, existe já uma acentuada diferenciação entre o espírito
português e o espírito brasileiro, sem prejuízo da tradição comum que a ambas as
nacionalidades cumpre respeitar.
As particularidades já existentes no português falado, e até escrito, no Brasil, a
diferenciação da língua nas duas nações merece um estudo intenso e é um dos
motivos que me obrigam a vir procurar atentamente os motivos que influenciaram
nessas divergências, exemplificadas nos livros e processos de ensino e, com
emanação espiritual superior, ver e reconhecer os seus efeitos flagrantes, de carácter
psicológico, nas leituras das duas nações.
Grande número de palavras tem perdido o significado primitivo e estão hoje em livre
circulação, ao serviço até de letrados. Dentro do próprio Brasil. Sei, por informação,
que algumas palavras têm sentidos diferentes de estado para estado.
Cuidar pois da uniformidade do idioma é, implicitamente, solidificar a unidade
nacional, convergir para um mesmo foco os cérebros espalhados pela vasta superfície
brasileira, é como empregar os espíritos com os mesmos pensamentos, tornando, por
isso mesmo, mais una e indivisível a integridade da pátria e da civilização latina, de
quem é o Brasil seu líder nas Américas, pelo vigor e pela pujança com que se vem
firmando no conceito mundial (p.1).
Acerca das duas conferências que sobre o assunto pretendia realizar, diz:
Não será para antes de um mês as minhas conferências. Não trago comigo o rascunho
do que vou dizer. Vim estudar. Não me pesa a responsabilidade dos que se propõem a
vencer. Visitarei colégios, escolas, institutos e academias. Do que vir hei-de tirar as
162
minhas conclusões e é disso que darei conta em uma das conferências: na pedagogia.
Tenho é claro, forte documentação do que observei no meu país, trazendo para isso
filmes e projecções para a ilustração da palestra. Em outras ideias de carácter
reformador em matéria de ensino devo tornar público um projecto que idealizei para
resolver o problema da instrução e educação em comum. . . . A outra conferência será
literatura, encarando o assunto através da poesia, para o que escolhi três poetas
mortos e consagrados. Antero de Quental, João de Deus e Olavo Bilac. Declamarei e
outros recitarão versos brasileiros que serão lidos por portugueses e os portugueses
pelos brasileiros. Parece-me que tirarei apreciáveis conclusões com esse processo.
Preferi Antero de Quental e João de Deus por serem poetas essencialmente
subjectivos: Bilac, o poeta de luz e cor, por ser mestre incomparável no soneto (p.1).
Naquela entrevista, João de Deus Ramos teve ainda oportunidade de falar sobre
os Jardins-Escolas João de Deus, considerando que a criação destes representava ―um
grande passo dado no sentido de resolver o problema da instrução‖. Menciona ainda o
projecto ambicioso do Bairro Escolar do Estoril, que fora inaugurado a 30 de Agosto
desse ano (Jornal Português, 1928, Outubro 26, p. 1).
Entretanto, chegam a Portugal notícias sobre esta visita e, a propósito, escreve-se
no Diário de Notícias (1928, Outubro 22), designadamente, o seguinte:
Tem tido no Brasil uma carinhosa recepção, em absoluto merecida pela continuação
grandiosa de seu pai, o Sr. Dr. João de Deus Ramos, pedagogista, que no nosso país tem
dedicado grande parte da sua vida à causa da instrução popular, tomando por base a
Cartilha Maternal e apoiando-se na patriótica instituição das Escolas Móveis.
O Sr. Dr. João de Deus Ramos, cujo timbre de modéstia o torna justamente simpático, e
cuja acção meritória na sociedade portuguesa é reconhecida por todos os que
acompanharam dia a dia o movimento pedagógico em Portugal, aproveita a sua estada no
Brasil a fim de colher elementos para um livro sobre a cultura brasileira nas suas relações
com a cultura portuguesa (p. 1).
163
3.6. A Actividade Política de João de Deus Ramos
Republicano e democrata desde os tempos da propaganda, João de Deus Ramos
milita no Partido Republicano Português, do qual se desvinculará em 1919, para nele
reingressar anos mais tarde, em Outubro de 1925.
Com marcada intervenção política desde os alvores da República, Ramos vem a
revelar em 1921, a 5 de Outubro, precisamente onze anos após a implantação do novo
regime, dois factos deveras curiosos, ainda que de desigual relevância: um, de carácter
pessoal, consiste na amargura e mesmo na desilusão que lhe causam o balanço que faz
desses onze anos de República; o outro, a que com o devido respeito por melhor opinião
atribuímos carácter histórico, tem a ver com o acto solene da proclamação da República.
Quanto ao primeiro daqueles factos, leiam-se alguns excertos do extenso artigo
que de João de Deus Ramos se publica no jornal A Manhã, de 5 de Outubro de 1921:
Comemorar é rememorar. Comemorar a data de 5 de Outubro de 1910 é rememorar o
que tem sido a República no decurso destes onze anos. Eis porque me ocorre fazer
uma pergunta: existe na realidade em Portugal, um regime democrático? Ou o que aí
está não passa de um simples simulacro da Democracia, em que predomina a força
oligárquica de alguns políticos de alçapão, ignorados e ignorantes vários deles? (p.2).
E mais adiante:
Quando eu observo, com espanto e medo (porque receio muito do futuro da Pátria), o
caos de todo o ensino oficial, a falta de continuidade entre todos os seus ramos, a falta
de definição de cada um dos seus fins, a quase certeza de que só os ricos podem
estudar e os pobres não, o que torna improvável a boa solução das aptidões, única
fonte segura do progresso nacional, digo de mim para mim: Não! Ainda não se
efectivou em Portugal a República.
Estas coisas não se fazem com polìticos ―hábeis‖. Estes assuntos são assuntos
doutrinários, que só podem ser resolvidos por quem estuda, por quem sabe, e por
quem tenha qualidades de acção e de organização. Carecem de tempo, de uma
expectativa benévola, que a intriga e a inveja facilmente perturbam. E precisam
sobretudo de uma grande e alta probidade de espírito, por parte de quem os procure
164
resolver e realizar. Os polìticos ―hábeis‖ não servem. Os chamados políticos hábeis
— que são os únicos que se seguram nas cadeiras do poder — e que são hábeis
exactamente porque se aproveitam, com uma relativa falta de escrúpulos, do giro dos
acontecimentos para as sua ambições pessoais e para os seus desígnios eleiçoeiros,
não passam do piolho ladro que come e consome o corpo da Nação (p.2).
Prosseguindo, quase em jeito de balanço, diz:
E porque vem, há longos anos, de desengano em desengano, perdendo a fé nos seus
―eleitos‖, chegou o povo português a uma apatia moral que anula todas as iniciativas
e extingue todas as energias vivificadoras. Assim nos encontramos numa época de
materialismo grosseiro, a onze anos da República (p.2).
Reportando-se à pureza essencial dos ideais republicanos, exorta:
Ora a República surgiu como um protesto de reacção moral. Produziu-se em todo o
país um ambiente perfumado de puro idealismo e fé. Voltemos um pouco atrás, que
ainda é tempo de retomarmos o verdadeiro caminho. Reatemos a acção de
propaganda que abandonámos, injustificada e inconvenientemente. Recordemos
muitas das principais afirmações que se fizeram, e prossigamos no estudo do
problema nacional, produzindo novas e mais concretas afirmações (p. 2).
Quanto ao segundo dos factos a que acima nos referimos, e a que chamámos
histórico, porque relacionado com a proclamação da República, informa João de Deus
Ramos no mesmo artigo e, ao que parece, em primeiríssima mão:
Facto curioso e sintomático, a autêntica proclamação da República, aquela que
deveria ter sido lida no átrio da Câmara Municipal em 5 de Outubro de 1910, ficou
esquecida nesse momento histórico. Improvisou-se uma outra. E aquela que havia
sido redigida expressamente por Sampaio (Bruno) e Guerra Junqueiro e de que eu fui
portador do Porto para Lisboa em meados de Julho de 1910, porque nessa data estava
a rebentar a revolução, está ainda inédita. Deixa de o ser agora. Transcrevemo-la a
seguir. E, para as suas principais afirmações de puritanismo político, chamamos a
atenção de todos os bons republicanos e da Nação em geral (p.2).
165
Ramos não explica o que fazia no Porto no verão de 1910, nem se ali se
deslocou expressamente para trazer e entregar (a quem?) em Lisboa o texto
proclamatório, escrito que se nos afigura a vários títulos precioso: porque se destinava a
pontuar um dos mais importantes momentos da História de Portugal; porque, em
qualquer caso e independentemente do maior ou menor brilhantismo da oratória de José
Relvas, sempre seria mais perfeito e profundo do que o discurso improvisado que
acabou por ser proferido em 5 de Outubro de 1910 à varanda da Câmara Municipal de
Lisboa; e porque, finalmente, saíra da pena de dois dos mais ilustres e conceituados
intelectuais da época.
Ramos também não explica por que vicissitudes passou o escrito de Sampaio
Bruno e Guerra Junqueiro. Foi voluntariamente preterido? Foi pura e simplesmente
esquecido numa qualquer gaveta, vítima da azáfama política, da confusão, ou até da
incerteza que caracterizaram o dia 4 e a manhã do dia 5 de Outubro de 1910? Ramos diz
que a proclamação ―ficou esquecida nesse momento histórico. Improvisou-se uma
outra.‖. Será esta uma forma eufemìstica de exprimir uma certa mágoa que parece
emergir das suas palavras? Tudo perguntas para que não encontrámos resposta.
Permita-se-nos, da dita Proclamação, extractar os seguintes breves passos:
Unidos todos numa mesma aspiração ideal, o Povo, o Exército e a Armada acabam
de, em Portugal, proclamar a República.
. . . Este é o momento religioso, soleníssimo, supremo.
. . . Está fundada a República Portuguesa. Ela o é para todas as forças vivas da nação;
não é um governo de seita ou de partido; é um governo de ordem e da razão; é um
governo do país pelo país e só exclui as forças mortas, deletérias, que foram
enterradas
pelo
movimento
de
recuperação,
renovação,
rejuvenescimento,
moralização pessoal e salvação pública que acaba de operar-se. O fim da revolução
não é, numa palavra, diminuir forças mas uni-las e enfeixá-las em prol dos interesses
sitos e puros da pátria portuguesa. Uni-las, sim; mas uni-las na Justiça e na
Liberdade! Atentas as causas que a determinaram, a revolução portuguesa será
acolhida pelo aplauso da Europa e do Mundo; e, dado o espírito que o anima, o novo
governo de Portugal não poderá deixar de ter o reconhecimento dos gabinetes
estrangeiros.
É, pois, com o mais ardente entusiasmo que nós brindamos: Viva o Povo! Viva o
Exército! Viva a Marinha! Viva a Pátria! Viva Portugal! Viva a República!
(A Manhã, 1921, Outubro 5, p. 2)
166
A crise da monarquia, as reformas sucessivas do ensino e a incapacidade de
assegurar o funcionamento do sistema educativo foram parte das pedras que haviam de
calcetar o caminho por onde, paulatinamente, pôde caminhar-se até um novo regime
político: a República. Implantada em 5 de Outubro de 1910, a República foi, para além
de um marco na vida portuguesa, um dos mais altos momentos da discussão em torno
da pedagogia e da libertação do Homem através da educação.
O pensamento republicano baseava-se na conhecida tríade, liberdade, igualdade
e fraternidade para todos os cidadãos, daí que a educação e a instrução do povo fossem
tidas como indispensáveis para a criação de um homem livre, que pudesse contribuir de
forma efectiva para o florescimento de uma nova sociedade. O republicanismo
pretendeu ser, desde o início, tanto uma alternativa de regime, como um projecto que
visava modificar a sociedade e ―a sua instauração seria como que uma panaceia para
todos os males da pátria e proporcionaria a felicidade e o bem estar para todos‖
(Pintassilgo, 1998, p. 60). Desta forma, a chamada revolução republicana ―pressupunha
a consumação de uma verdadeira revolução cultural‖ (Catroga, 1991a, p. 298).
Para João de Deus Ramos (1915 Novembro) a implantação da Republica
constituiu,
A vitória moral de uma corrente de opinião tão forte que tinha voz e eco nas
consequências dos mais paladinos monárquicos de então. Porque a Republica era o
resultado de um movimento popular, espontâneo, nacional, que à nação oferecia a
probabilidade e a esperança de se renovarem os processos e os costumes políticos.
Em vez de uma politica de favores, mesquinha e pessoal, passaria a fazer-se a politica
de serviços, de interesse colectivo e da nação (p. 82).
A instrução e a educação do povo eram, para os republicanos, ingredientes
indispensáveis à criação de um ―homem novo‖. Os mais destacados governantes eram
contra o ―flagelo do analfabetismo, em favor da instrução popular ou em defesa do
professorado e do seu prestìgio‖ (Nóvoa 1988, p. 30).
A luta contra o analfabetismo, o acesso à educação infantil e primária, a
laicização do ensino, a formação de professores, as novas metodologias e processos de
ensino, a criação de um tipo de ensino nacional para o desenvolvimento do país, foram
alguns dos grandes debates travados nesta época.
Como refere Nóvoa (1987, p. 531), o interesse republicano pela coisa educativa
não se funda numa preocupação essencialmente pedagógica, mas na convicção de que a
167
―verdadeira republica‖ só será possìvel através de uma ―outra educação‖, pois as
instituições revolucionárias não podem construir-se a partir de um sistema escolar
passado. Para o mesmo autor, os republicanos enfrentavam um duplo desafio: por um
lado, a cidade republicana será o produto de um ―homem novo‖, formado no seio de
instituições libertas do espírito jesuítico e monárquico e, por outro, a organização de
uma educação republicana só se poderá fazer no quadro de uma ―sociedade nova‖.
Depressa se percebeu que a criação deste ―homem novo‖ passava
necessariamente por novas formas da educação e por uma escola verdadeiramente nova.
Como afirma Fernandes (s.d) ―a escola portuguesa iria inserir-se no mesmo momento de
renovação e progresso‖ (p. 37).
Uma vez no poder, os republicanos tentaram dar expressão prática aos princípios
pedagógicos que defendiam, encontrando novas formas de educação, combatendo desta
feita o ensino tradicional e defendendo uma ―educação nova‖, influenciada por alguns
pedagogos estrangeiros. A divulgação e o conhecimento de experiências pedagógicas
realizadas no estrangeiro contribuìram para a ―tomada de consciência de soluções
alternativas e criou uma atmosfera favorável à introdução de reformas inovadoras‖
(Fernandes, 1993, p. 162).
Para João de Deus Ramos (1918 Janeiro) a questão do problema educativo
durante a monarquia encarava dois aspectos considerados principais, ―a falta de escolas,
e a centralização ou descentralização administrativa do ensino‖ (p. 414). Ainda para este
autor, nessa época a ―existência da escola, apreciada pelo seu valor intrìnseco, isto é,
pelo aproveitamento que dela recolhia o povo e a nação, era assunto relegado para um
plano secundário‖ (Ramos, 1918 Janeiro, p. 414).
Criticando o ensino primário então existente, João de Deus Ramos (1909, Março
23) aponta as causas do problema educativo português:
Têm essas causas um duplo aspecto material que compreende a instalação, a
frequência e regulamentação escolar, a divisão por classes e a remuneração dos
professores.
E o aspecto propriamente educativo ou pedagógico, que compreende a habilitação
dos professores e os métodos e processos de ensino. . . .
A habilitação do magistério e os métodos e os processos de ensino constituem o outro
aspecto da questão. O aspecto propriamente pedagógico. É verdade que os
professores se habilitam mal nas escolas normais. Saem dessas escolas sem saberem
ensinar, como saem da Universidade os advogados sem saberem advogar. (p. 1).
168
Ramos (1909, Março 23), defendia a necessidade de uma reforma no ensino
começando pelas Escolas Normais, instituições que formariam um novo professor, com
novos ideais. E opina:
A primeira reforma a fazer-se, se neste país pudesse haver uma reforma que
obedecesse ao espírito de verdadeira orientação lógica, seria a das escolas normais. E
essa reforma deveria de ser tanto material, quanto à instalação e utensílios
convenientes, como em relação aos métodos de ensino, que são os mesmos de toda a
parte.
É preciso que o ensino deixe de ser mecânico. É preciso que se compreenda que antes
de se falar à memória do aluno, se deve falar à sua inteligência.
Todo o ensino que não for racional e raciocinado, não é humano, não é natural, não é
fecundo, nem é breve. . . .
Ora o ensino das escolas normais, excepção feita a algum professor mais hábil e
dedicado, é ainda o ensino da memória, é a exposição do compêndio, com a
manifesta antipatia e aborrecimento dos discípulos. (p.1).
Ainda segundo Ramos, nas escolas primárias não se deveria ministrar o ensino
das quatros classes na mesma sala. Pelo menos, a primeira classe deveria ser ministrada
separadamente das outras classes para aliviar a tarefa do professor, chegando mesmo a
sugerir a ajuda do pároco na solução deste problema. E diz:
Tal como está, a escola primária portuguesa não oferece, pois, nenhumas garantias de
que resolverá o problema do analfabetismo. . . .
É minha opinião que os governos nomeassem para a classe das primeiras letras um
professor. De maneira que assim se aliviasse a tarefa do professor primário na escola
rural, que tem sob a sua responsabilidade 4 classes e a obrigação moral de apresentar
alunos para o exame do primeiro e segundo grau. . . .
O pároco poderia, em condições excepcionalmente económicas, auxiliar o professor
oficial, encarregando-se de ensinar a ler, escrever e contar.
Completaria a sua missão de sacerdotal, obedecendo a Cristo, que lhe mandou ensinar
os ignorantes, e poderia alcançar algumas vantagens pecuniárias, que não seriam para
desprezar. . . .
Não é provável, porém, que nem os governos nem o clero se interessem pela solução
do problema do analfabetismo. Temos, pois, que recorrer à iniciativa particular. As
Escolas Móveis têm já mostrado a sua eficácia. Em 5 meses conseguem ensinar a ler,
escrever e contar crianças e adultos.
(O Primeiro de Janeiro, 1909, Março 23, p. 1)
169
Sendo o ensino uma das maiores preocupações dos republicanos, em 29 de Maio
de 1911 o então Ministro do Interior, António José de Almeida, apadrinha a primeira
reforma, com vista à reestruturação do ensino primário, à institucionalização das escolas
móveis e à integração do ensino infantil no sistema educativo oficial.
João de Deus Ramos, então chefe da Repartição Pedagógica, e João de Barros,
Director-Geral da Instrução Pública, são convidados pelo referido ministro para integrar
uma comissão que teria como tarefa a elaboração de um projecto sobre a reforma do
ensino primário. Segundo Carvalho (1986) este cargo tinha sido bem entregue pois
―ambos os escolhidos eram homens dedicadìssimos à causa da instrução . . . com
conhecimento consciencioso dos problemas educativos e, além de tudo o mais,
republicanos convictos‖ (p. 664).
Os republicanos invocavam a educação jesuítica e a monarquia como as
principais causas do atraso da educação no nosso paìs. A Republica ―fez da educação e
da instrução duas bandeiras de batalha … instruir e educar‖ (Barros, 1916, p. 23).
Segundo a ideologia republicana, era necessário republicanizar o povo e a escola, sendo
a escola primária a escola do povo, ―o ensino fundamental para todos os cidadãos‖
(Barros, Ramos, 1911, p. IV). Releva-se a imagem dos professores e estes tornam-se os
―verdadeiros apóstolos do ensino e da educação‖ (Barros, 1916, p. 43 ). O professor tem
um novo papel, conjugando a sua função pedagógica com uma função social. Segundo
Pintassilgo (1998) ―ao professor da instrução primária é cometida uma importante
função cultural e ideológica mesmo‖, passando a valorização da imagem social do
professor ―pela afirmação, coerente com o desenvolvimento que as ciências da educação
conhecem na época, da sua qualidade de especialistas da educação‖ (pp. 70-71).
João de Deus Ramos e João de Barros (1911), ao idealizarem o projecto
inovador cuja elaboração lhes havia sido cometida, tinham como objectivo primeiro
―dar uma orientação nova ao ensino primário‖ (p. IV). Tratou-se de um documento
notável, que teria colocado o nosso país ao nível dos países europeus mais avançados no
domínio da educação, se tivesse sido adoptado na sua integridade. O texto da reforma
mostra-nos como João de Deus Ramos e João de Barros estavam conscientes das
necessidades deste grau de ensino e, também, como estavam a par das mais novas e
mais progressistas correntes pedagógicas da época (Carvalho, 1986).
Para os autores daquele projecto e de acordo com os ideais republicanos que
ambos incondicionalmente partilhavam, um dos pontos principais do documento era a
reforma e organização dos estudos de preparação dos futuros professores primários,
170
coincidindo ambos em que ―a preparação conveniente dum magistério novo — de
maneira a corresponder às indicações e exigências da pedagogia moderna — só se
obteria criando novas escolas normais…‖ (p. 4). Este ensino seria apenas ministrado em
Lisboa, no Porto e em Coimbra. O curso de habilitação dos professores seria
exclusivamente profissional e compreenderia dois anos. Cada uma destas Escolas
Normais deveria integrar duas escolas-modelo, uma para o ensino infantil e outra para
os ensinos primário, elementar e complementar. Segundo os mesmos autores, cada uma
destas Escolas Normais deveria dispor de laboratórios, museus e oficinas, bem como de
um museu pedagógico e de uma biblioteca, que constituiriam ―elementos auxiliares de
estudo e preparação prática, de óbvia utilidade‖ (Barros, Ramos, 1911, p .2).
Em perfeita sintonia com os ideais republicanos, os autores do projecto
encaravam a instrução primária essencial à autodeterminação de cada cidadão, ―aquela
que lhe dá os conhecimentos gerais e indispensáveis para a sua autonomia pessoal e
politica, e lhe valoriza as aptidões profissionais‖ (Barros, Ramos, 1911, p. 4).
Segundo João de Barros, fez-se pela primeira vez no nosso país a classificação
do ensino primário, dividindo-o em três graus, a saber: ensino infantil, médio e superior,
acessível a todas as crianças de ambos os sexos, subdividindo-se o ensino médio em
elementar e complementar. O ensino infantil e o primário superior, embora gratuitos,
eram facultativos, e deveriam ser ministrados em escolas organizadas para esse fim. Só
o ensino médio era obrigatório, abrangendo as crianças dos sete aos doze anos. O ensino
infantil, por seu turno, era destinado a crianças dos três aos sete anos de idade.
No dizer dos autores do projecto,
O ensino primário não devia ser apenas o antigo primeiro e segundo grau: O que
estava (permita-se-nos a expressão) não tinha pés nem cabeça. Faltava-lhe a base,
porque lhe faltava o ensino da primeira infância, ou o sub-primário. Faltava-lhe a
cabeça, porque lhe faltava o ensino primário superior . . . É certo que o ensino infantil
e o primário superior seriam facultativos e não obrigatórios, porque obrigatório só
poderia ser o primário médio, atendendo às condições materiais da escola portuguesa
e insuficiência da organização escolar. Mas ficava posto o problema da instrução
popular em Portugal; e, porque esse ensino seria gratuito e se criava nos principais
centros do país, obtínhamos a garantia de uma mais geral preparação cívica e
crescente valorização económica do povo operário (Barros, Ramos, 1911, pp. 47-48).
Defendiam que ― o ensino primário não é, como tanta gente julga, o primeiro
ensino‖, mas sim o ensino infantil, ―sem o qual outro se não pode ministrar‖ e
171
consideravam ainda o ensino infantil ―fundamental para todos os cidadãos, a sua carta
de guia, aquele de que todos os homens carecem para obter o direito de cidade, o direito
de colaborar na vida publica do país . . . a escola primária é a escola para a gente valida,
é aquela que fornece a educação e o ensino primordiais, indispensável à luta pela
existência e à vida cìvica‖ (Barros, Ramos, 1911, p. IV). Ambos perfilhavam ainda a
ideia de que o ensino infantil tinha ―um valor próprio limitado em si mesmo‖. Para eles,
deveria existir um limite mínimo para a preparação escolar, sendo que a educação
deveria começar ―com a primeira infância e acabar com a adolescência, laçando para a
Vida não a criança, mas um indivíduo em que já se esboçam e se combinam as
faculdades do adulto‖ (Barros, Ramos, 1911, p. VI).
Em relação ao ensino infantil, propugnavam a criação de escolas infantis em
―todas as capitais de distrito e nos principais centros de manufactureiros ou industriais,
onde os operários — pais e mães — abandonam, por absoluta necessidade económica, o
lar doméstico durante o dia‖ (Barros, Ramos, 1911, p. 6).
Quanto às escolas infantis, deveriam ser construídas em edifícios próprios, numa
área ampla, com um jardim que proporcionasse o ensino ao ar livre, passando a
designar-se por ―jardins-escolas‖ (Barros, Ramos, 1911 , p 6, art. 34.º). Não esquecendo
os asilos ou casas de educação e as creches pertencentes ao Estado, onde se ministrasse
o ensino antes dos sete anos, são de opinião que estes ―ficariam subordinados à
organização dos jardins-escolas‖ (Barros, Ramos, 1911, p. 6, art.º 35.º).
O aludido projecto define, em relação à preparação pedagógica, os objectivos da
educação infantil, onde são referidas as funções das aprendizagens e valorizadas as
actividades lúdicas de acordo com o nível etário de cada criança. Propõe, para as
crianças, variadíssimas aquisições e, para além de referir os métodos pedagógicos a
utilizar, estipula a idade de entrada destas no jardim-escola, considerando o ensino
infantil como uma preparação para a escola primária (Barros, Ramos, 1911).
Em relação aos indivíduos que deveriam ministrar este ensino, advogam que
deveriam ser as mulheres, pelo seu instinto maternal. E como não havia profissionais
portuguesas habilitadas para este nível de ensino, competiria ao governo ―nomear
professoras nacionais ou estrangeiras, que provassem por documento competência
especial, devendo as estrangeiras saber falar correctamente português‖ (Barros, Ramos,
1911, p. 6).
172
Quanto à faixa etária abrangida pelo ensino infantil seria a dos três aos sete anos,
embora os autores considerassem que ―antes dos oito anos não se completa
convenientemente o ensino infantil‖ (Barros, Ramos, 1911, p. 5).
Em relação à formação dos professores do ensino primário médio, estes
deveriam estar habilitados, de preferência, com o curso completo das Escolas Normais.
Segundo João de Deus Ramos e João de Barros, o professor era, pela lei anterior e
excepto nas escolas centrais, responsável por todos os alunos e classes da sua escola.
Nos casos em que a população escolar excedesse as setenta crianças havia um
―professor ajudante‖, figura que, no seu entender, não deveria subsistir. Sobre este
assunto, comentam os autores que ―. . . ensinar não se ajuda. O mister do ensino prendese à disposição íntima de quem ensina. Cada professor precisa de ter a sua
responsabilidade e autonomia bem determinadas. Por isso propusemos a extinção da
categoria dos professores ajudantes‖. Defendem ainda que os professores não deveriam
ter a seu cargo mais de quarenta alunos e que o número de professores para a regência
de uma escola primária dependeria da população escolar (Barros, Ramos, 1911, p 7).
Afirmam ser necessário criar tantas escolas primárias superiores como liceus. O
ensino primário superior completava o ensino médio. Com o ensino primário superior, o
aluno frequentaria um curso geral que ―correspondia aos primeiros três anos dos liceus‖.
Tal grau de ensino ministrava aos alunos os conhecimentos necessários para que estes
tivessem ―uma opinião individual; e, como consequência em relação ao país, uma
soberania popular e opinião pública conscientes‖, ministrando também cursos práticos
que ―serviam para se determinarem as aptidões profissionais dos alunos que
frequentassem as escolas primárias superiores. Não seriam, porém, cursos profissionais,
propriamente ditos‖ (Barros, Ramos, 1911, p. 9).
Pouco antes da sua publicação o projecto que vimos referindo acabou por ser
alterado. A discordância do governo em relação a aspectos fundamentais de fundo, e
também de forma, conduziu ao afastamento de João de Deus Ramos e de João de Barros
da administração pública, no que foram solidariamente acompanhados pelo Dr. Lopes
da Oliveira, da Direcção das Escolas Normais de Lisboa, pelo Dr. Santos Silva, da
Direcção das Escolas Normais do Porto, e pelo Dr. Gastão Correia, do Sindicato das
Escolas Normais de Lisboa (O Século, 1911, Julho 3).
Fruto do labor daquela comissão, surge a 29 de Março de 1911 o decreto da
Reforma da Instrução Primária, um diploma inovador que, para além de legislar sobre a
173
reforma da instrução primária propriamente dita, integra referências ao ensino infantil
com características diferenciadas.
Convém esclarecer que a principal causa daquelas demissões foi o facto do
Ministro José de Almeida ter faltado ao compromisso assumido com João de Barros, a
quem prometera que o projecto seria apresentado ao Conselho de Ministros tal como
fora redigido, o que não sucedeu.
Sobre este assunto, conta-nos João de Barros (1911, Julho 3):
Tem-se dito que eu pedi a exoneração do cargo que desempenhava como director
geral da instrução primária por não concordar com o projecto da reforma da instrução
primária, apresentado em conselho de ministros pelo ministro do interior. Foi por
outro motivo que determinei a minha resolução. Tendo eu combinado com o ministro
um plano de reforma, que ele aprovou, chegaria mesmo, numa conferência que teve
comigo e com os meus colaboradores, a introduzir-lhe algumas modificações de
pouca importância, e tendo-me o ministro garantido que esse seria o projecto que
apresentaria em conselho, pô-lo completamente de parte, sem que do facto fosse
prevenido. Na minha ausência da direcção geral, por motivo de doença, apressou-se o
ministro a apresentar aos seus colegas outro projecto sem ter tido a atenção do mo
mostrar previamente. A agravar este facto aparecia nos jornais, em nota oficiosa, a
notícia que esse projecto seria votado na secção seguinte e logo publicado (p.1).
Sem demora, João de Barros e João de Deus Ramos publicaram o livro A
Reforma da Instrução Primária, que continha, na íntegra, o projecto que ambos haviam
elaborado. João de Barros (1911), ao fazer a comparação entre a reforma publicada pelo
governo e o projecto realizado por ele e por João de Deus Ramos, comenta: ―fizemos
uma obra melhormente orientada e mais praticamente realizável, exequível, do que a
reforma promulgada pelo Ministro‖, mais adiantando que ―é preciso dizer desde já que a
reforma actual não é senão uma cópia infiel do nosso projecto, agora publicado‖ (pp. IIIII).
Ainda para este autor, tal reforma não obedecia à única ideia a que devia
obedecer toda e qualquer lei que se publicasse num ―momento de reorganização
nacional: ajudar, estimular e proporcionar o advento duma sociedade nova, equilibrada
e forte, e principalmente livre de tudo o que no passado representou inconsciência,
retrocesso, covardia…‖ (Barros, Ramos, 1911, p. V).
174
Ainda segundo João de Barros, esta atitude do Ministro prendeu-se com
questões pessoais, como salienta em entrevista de que respigamos o seguinte trecho:
Porém, foram tais intrigas que envolveram o Sr. Ministro do Interior, que devem ter
tido sobretudo por origem a minha bem conhecida amizade por João de Deus Ramos,
o ódio pela obra educativa de seu pai, que o Dr. José de Almeida me forçou a pedir a
minha exoneração, colocando-me numa situação tão vexatória que todos os que me
conhecem sabem perfeitamente que de modo algum poderia aceitar. Notando ainda
que neste ponto não havia razão para sermos combatidos, visto que o Dr. João de
Deus Ramos, com a sua grande isenção, havia já feito o propósito de não colaborar na
parte prática do regimen pedagógico a estabelecer quando se tratasse da escolha dos
livros escolares.
(O Século, 1911, Julho 3, p. 1)
A 20 de Abril de 1912 João de Deus Ramos é nomeado Governador Civil da
Guarda, cargo que desempenhou durante sete meses (até 26 Novembro de 1912) como
republicano independente. Todavia, o seu nome já está indissociavelmente ligado à
causa da instrução, não por ser filho de quem era mas, em especial, pela regular
colaboração que veio prestando à Associação das Escolas Móveis e pela criação do
primeiro Jardim-Escola João de Deus, que ocorrera cerca de um ano antes, em Coimbra.
Com efeito e a propósito daquela sua nomeação, pode ler-se no jornal A Pátria (1912,
Abril 27), designadamente, o seguinte:
O nome do Sr. Dr. João de Deus Ramos não é um nome ignorado, porque
intimamente anda ligado à obra benemérita das Escolas Móveis e do Jardim Escola, à
obra da educação do Povo a que devotadamente e sem alarde se tem dedicado e cujos
primeiros frutos começam já a ser colhidos.
A nomeação do Sr. Dr. João de Deus Ramos para o governo civil da Guarda teve a
aprovação de todas as facções políticas e foi muito bem recebida por todos os que
conhecem a necessidade de pôr à frente daquele distrito um governador sem
compromissos políticos.
A causa da educação, que deve a João de Deus muitos e valiosos serviços, não perde
todavia o seu apóstolo, porquanto o Dr. João de Deus Ramos a ela regressará de novo
com toda a sua dedicação logo que esteja terminada a missão que aceitou, a instâncias
de numerosos amigos, mas sem prejuízo da causa a que tão devotadamente tem
dedicado a sua vida de lutador incansável (p. 1).
175
Ainda sobre a mesma nomeação, podemos ler a seguinte nota:
Este nosso prezado amigo recebeu a nomeação de governador civil da Guarda.
Acertada escolha. O Dr. João de Deus Ramos vai ocupar o lugar de governador civil
da Guarda.
Herdeiro de um grande nome que tem mantido honrado, seguindo as suas tradições de
amigo do povo. Dedicando-se à instrução popular, a sua obra nas Escolas Móveis e
no jardim-escola é das que marcam um temperamento e um carácter. No seu lugar de
governador civil manterá o mesmo critério que sempre tem seguido: liberdade,
justiça, igualdade. A nomeação do Dr. João de Deus Ramos foi muito bem recebida.
Felicitamos o nosso governador civil e o distrito da Guarda por ter à sua frente um
homem de bem.
(O Mundo, 1912, Abril 28, p. 1)
Publica ainda A Democracia da Beira que João de Deus Ramos tomou posse do
cargo numa das salas do governo civil e, perante o alargado número de pessoas que ali
se encontrava, usou da palavra para se referir ao estado geral da política, aos progressos
que até então se tinham verificado na política portuguesa, ou à falta deles. Disse que
longe de ser uma coisa ampla, com vistas largas e apenas inspirada nos superiores
interesses do país, tinha sido uma política de campanário, em geral inabilmente feita,
exactamente por ser feita de subtilezas e habilidades, e apenas inspirada em mesquinhos
interesses particulares.
Terá acrescentado que um tal estado de coisas devia necessariamente criar, e de
facto criara, da parte do povo, a desconfiança na República e o consequente retraimento
que a todo o custo era necessário quebrar.
Em sequência, acrescenta aquele periódico:
Por isso urge, por meio de uma política ampla e genuinamente republicana,
superiormente democrática, onde possam caber à vontade todas as aspirações
partidárias, e uma administração honesta simplesmente inspirada nos interesses da
justiça, restabelecer a confiança do povo na República, levando-o a uma cooperação
que, sobre ter a vantagem de ser altamente educativa, é a única maneira de realizar a
verdadeira democracia.
176
Foi para a realização dessa obra, a que, com o seu feitio de incansável lutador, se vai
consagrar, que ele aceitou o cargo de Governador Civil. Por isso não tem partido que
não seja o do país com a instituição republicana e por isso aceitou o desempenho da
sua missão com a exclusiva condição de não ter condições algumas.
Por fim, S. Ex. apelou para os sentimentos patrióticos de todos dizendo que o
primeiro passo a dar seria terem confiança nele, pois ele saberia honrar porque nisso
ia o prestígio do seu nome e o dos seus trabalhos, que ele queria, uns e outros,
conservar imaculados e puros.
(A Democracia da Beira, 1912, Maio 2, p. 1)
A passagem de João de Deus Ramos pelo Governo Civil da Guarda encontra-se
plasmada na subscrição de múltiplos ofícios de rotina e, também, nas actas das sessões.
A sessão de 11 de Maio de 1912 foi a primeira em que participou e a que
presidiu na qualidade de Governador Civil da Guarda. Nesta sessão (é de referir que a
acta não inclui ordem de trabalhos, o mesmo sucedendo com as subsequentes, pelo que
deduzimos que aquele elemento ainda não era, à época, de uso corrente) foram
aprovadas ou rejeitadas deliberações anteriormente tomadas por algumas das Câmaras
Municipais que, pelo que também deduzimos, estavam administrativamente
dependentes daquele Governo Civil. As matérias objecto de tais deliberações são muito
variadas, desde autorizações de construção de prédios por particulares, passando pela
venda de terrenos das autarquias e pela ulterior utilização do produto das respectivas
vendas, até à atribuição de subsídios a instituições de solidariedade social e a
professores do ensino primário por trabalho prestado em regime nocturno.
O amplo leque de matérias sujeitas à aprovação do Governo Civil leva-nos a
supor que este órgão administrativo exercia uma efectiva tutela sobre as câmaras
municipais e, logo, que o cargo de governador civil implicava o exercício de um
efectivo e alargado poder executivo, na directa dependência do governo central.
Em meados de Setembro de 1912 João de Deus Ramos organizou ―a lista da
nova comissão municipal administrativa, em substituição da actual, que pediu a
demissão‖ (A Democracia da Beira, 1912, Setembro 19, p.1 ).
Pouco antes de ser substituído no cargo de Governador Civil por João Lopes
Soares, João de Deus Ramos realizou uma conferência no Coliseu da Beira. Entre os
vários assuntos que então tratou, fez referência aos seus objectivos como governante
177
daquele distrito e ao que o levou a desistir do mesmo cargo, como se lê na notícia que
parcialmente transcrevemos:
Agora passa a falar da politica no distrito e da acção que procurou exercer como
governador civil, inspirando-se sempre e em tudo em servir os interesses gerais, sem
intuitos de partidarismo, mesmo porque julga que todos os partidos são necessários.
O seu intuito era, sim, republicanizar o Distrito, que ele sentiu não estar
republicanizado. O seu desejo é que os partidos, é que a política sejam bem diversos
do que era o antigo regime, de modo que na República a política seja elevada, seja
nobre, seja honesta.
Explica os motivos porque deixa o seu cargo de governador civil, sendo o principal a
necessidade que tem de entregar-se absolutamente à sua obra de instrução e
educação, à obra das suas escolas, à obra intelectual que empreendeu.
(O Combate, 1912, Outubro 6, p. 1)
Como vem referido, João de Deus Ramos abandona o cargo de Governador Civil
da Guarda e desloca-se a Paris para estudar a problemática da instrução popular. Cerca
de dois meses mais tarde, já em 1913, é convidado a exercer funções como governador
civil de Coimbra, como testemunha a notícia que em parte reproduzimos:
Foi publicado no diário de governo o decreto que nomeia este nosso querido amigo
governador civil de Coimbra. Acertada foi, por todos os motivos, a escolha feita pelo
governo e por ela só temos que nos regozijar.
João de Deus Ramos, na verdade, alem de contar, nesta cidade, grande número de
simpatias pelas suas qualidades de inteligência e de carácter, mostrou sobejamente já
no exercício de cargo idêntico no distrito da Guarda, a sua competência.
Abraçamo-lo, exprimindo o nosso desejo de que muito em breve o vejamos regressar
de Paris, onde se encontra, e assumir o cargo em que acaba de ser investido.
(Humanidade, 1913, Janeiro 25, p. 1)
Ramos desempenhou as funções de Governador Civil de Coimbra durante cinco
meses, de 18 de Janeiro a 2 de Junho de 1913. Nesse período registaram-se desacatos de
alguma gravidade no Teatro Avenida, envolvendo estudantes. João de Deus Ramos
mandou a polícia manter a ordem, o que originou um conflito entre os estudantes e a
polícia e acabou por degenerar na sempiterna troca de ―mimos‖ entre académicos e
178
populares. Os estudantes manifestaram-se e das escaramuças que se seguiram
resultaram feridos, tendo sido presos alguns estudantes.
A atitude do Governador Civil foi criticada, considerando uns que foi muito
flexível e outros que assumiu a atitude correcta, como atestam os artigos de jornal que
adiante e em parte transcrevemos:
É necessário acabar, e quanto antes, para honra da cidade e um pouco até por brio
nacional, com o estado anárquico, que, por incompetência provada da autoridade, se
estabeleceu e em que perigosamente se vai arrastando a população de Coimbra. Não
estamos numa cidade. A população move-se desordenadamente, como num conflito
brutal de duas aldeias sertanejas, entre a Baixa e a Alta no choque dos grupos, alta
noite, ao toque dos sinos a rebate.
E tudo porque a polícia não soube resolver, com prudência, com serenidade, com
firmeza, o que só à polícia compete resolver. Porque o Sr. Governador Civil não
soube evitar a acção sugestiva da multidão, afastando-se do choque dos combatentes,
tornando-se aparentemente parcial, pela mais generosa e explicável das intenções . . .
O Sr. Governador Civil não soube proceder energicamente, pedindo auxílio militar se
necessário, afastando a polícia que se convertera em pretexto de manifestações,
exigindo o desarmamento dos cidadãos de qualquer classe e evitando agrupamentos. .
. . O Sr. Floro Henriques quis emendar tudo de repente, substituir a firmeza pela
violência. . . . Imprudência grave foi também a de autorizar os polícias a usar de
revólver e ter permitido, sem um castigo imediato e severo, essas batalhas de tiros
para o ar que haviam fatalmente de acabar nos ferimentos lamentáveis que já há a
registar.
(A Província, 1913, Maio 27, p. 1)
Noutro jornal pode ler-se, sobre o mesmo assunto e em sentido contrário:
Não quis o Sr. Dr. João de Deus Ramos — e fez sua Ex.ª muito bem — exercer desde
o princípio violências que necessariamente teriam funestas e tristes consequências. A
principio sua Ex.ª não quis, porque é humano, porque é prudente, porque sabe ver
claro, mandar espingardear os manifestantes, porque as descargas da infantaria
necessariamente haviam de fazer vítimas inocentes, produzindo uma efusão de
sangue que sua Ex.ª quis evitar . . .
(A Tribuna, 1913, Maio 28, p. 2)
179
Em relação a estes acontecimentos, conta-nos João de Deus Ramos (1913, Julho
19):
Eu consegui prestar à República o incontestável serviço de ter evitado algumas
mortes, evitando que uma parte da academia, com o arrebatamento próprio da
mocidade, se concitasse contra o governo, criando às instituições uma atmosfera
hostil, sempre prejudicial. . . A maneira como consegui solucionar o conflito
considero-a eu um motivo para me orgulhar e não para fazer penitência (p.1).
Os acontecimentos que vêm referidos serviram de fundamento aos estudantes
para pedir a demissão de João de Deus Ramos. Este, por sua vez, solicitou ao governo a
exoneração do cargo, que indeferiu o pedido, por o considerar com capacidades para o
respectivo exercício, como informa a curta notícia que a seguir reproduzimos:
O Dr. João de Deus, ilustre governador civil deste distrito, regressou anteontem de
Lisboa e reassumiu as funções do seu elevado cargo. Sabe-se que sua ex. solicitou a
sua exoneração, mas que o governo entendeu, e muito bem, que não lha havia de
conceder porque continua a depositar a máxima confiança na sua inteligência, na sua
lealdade e dedicação pela república.
(O Mundo, 1913, Junho 4, p. 1)
Embora o governo tenha indeferido o seu primeiro pedido de exoneração, João
de Deus Ramos insiste em deixar aquele cargo e, a 2 de Junho de 1913, é substituído
por Raimundo Enes Meira.
Em Novembro do mesmo ano, candidata-se pelo Partido Republicano a
deputado por Lamego. Desta candidatura dá assim conta o jornal O Mundo (1913,
Novembro 14):
Os republicanos de Lamego acolherem com todo o entusiasmo a candidatura do
nosso amigo João de Deus Ramos, herdeiro do grande nome de João de Deus e o
candidato do Partido Republicano Português honra-o com um amor que se revela pelo
seu apostolado da instrução popular. A República encontrou-o republicano, integrado
nas suas aspirações democráticas, servindo-a com uma dedicação que não conhecia
interesses nem conveniências. Para onde era necessário marchar, marchava, sem
hesitar, com a compreensão de que bem servia o seu partido. O partido que fez a
Republica e a consolida, regeneração do país. É natural que por inclinações do seu
espírito o Dr. João de Deus Ramos se dedique especialmente a questões de instrução
180
do povo e neste assunto, como em qualquer outro, o parlamento ouvirá um homem de
valor, um republicano convicto, um apóstolo da regeneração portuguesa (p. 1).
Ainda em Dezembro de 1913 é-lhe feita uma homenagem no Café Martinho,
pela acção que vem desenvolvendo na instrução e na política, como se alcança do
excerto da notícia que a seguir transcrevemos:
Foi uma verdadeira festa de confraternização e de homenagem às altíssimas
qualidades de carácter e de inteligência que tanto distinguem o nosso deputado Dr.
João de Deus Ramos. …Herdeiro de um nome ilustre e das responsabilidades da obra
gloriosa de seu pai, todos sabem como o Sr. Dr. João de Deus Ramos se tem
desempenhado dessas responsabilidades de forma a honrar o seu nome honrado, o
nome imortal do seu ilustre pai . . . O Dr. Alexandre Braga, saudando João de Deus
Ramos como representante da geração que principia na sua qualidade de membro de
uma geração em vésperas de se extinguir. Sabia por experiência própria quanto era
penosa a responsabilidade de representar um nome ilustre, mas confiava que essa
responsabilidade o moço poeta a saberia continuar e encarar com a altivez, a coragem
e a energia com que até agora com ela tem arcado. . .
O Sr. Ministro da justiça saudou-o como apóstolo da instrução, relembrando esse belo
Jardim-Escola que em Coimbra perpetuará o nome do seu fundador. Como político
saudou-o o senado e Artur Costa, historiando a sua obra como Governador Civil da
Guarda, obra que tão ilustre continuador teve na pessoa do nosso amigo Sr. João
Soares. Congratulou-se o Sr. Elísio de Campos com a obra da Associação das Escolas
Móveis, em que João de Deus Ramos teve tão larga interferência.
(O Mundo, 1913, Dezembro 5, p. 2)
Após a implantação da Republica assiste-se à ―republicanização‖ das escolas
normais. Com o intuito de criar a tão apregoada sociedade nova, uma da grandes
prioridades dos republicanos era criar ―um professor novo‖, formado no espìrito
democrático e revolucionário, cabendo a estes professores o papel de ―apóstolos da era
nova‖ ( Nóvoa 1987, pp. 651-666).
Em 1914 João de Deus Ramos foi o relator da reforma do Ensino Normal,
reforma onde propõe a reorganização da escola primária e uma melhor formação para os
professores. O objectivo desta reforma era remodelar o ensino normal primário,
proposto já no decreto de 29 de Março de 1911, para além de realizar uma das
aspirações da República, a de ―elevar a escola primária ao nìvel da sua função
democrática‖ (Ramos, 1914, p. 73).
181
João de Deus Ramos (1914) releva assim o papel do professor:
Prestigiar o professor por uma sólida e variada instrução, obrigá-lo a exercer, como
factor educativo, um papel de destaque nos meios acentuadamente hostis ao
progresso das democracias, valorizá-lo monetariamente, tanto quanto o permitam os
recursos do Tesouro, são estes os fins a que deve visar uma boa reforma do ensino
normal primário (p. 74).
Crítico da escola tradicional e da influência jesuítica no ensino, João de Deus
Ramos achava urgente reorganizar a formação dos professores. Segundo ele, naquele
tempo ainda havia professores que ministravam o ensino tradicional. Sobre este assunto,
ouçamo-lo:
. . . . o nosso professor é ainda a autoridade que se distancia do aluno, mostrando-se
tantas vezes severo até quase à violência; a lição e o estudo continuam ainda sendo
uma obrigação disciplinar que raro coincide com a curiosidade natural de saber;
dentro de cada aula não há nenhuma evocação da vida, nem beleza ou bom gosto;
poucos são os estímulos que despertam a espontaneidade do espírito inteligente; nem
mesmo é necessário saber, reflectindo, porque basta saber de cor (Ramos, 1914, p.
12).
Defende que ―os melhores mestres fazem as melhores escolas‖, mas para que tal
aconteça é necessário reorganizar a escolas, os programas e os métodos de ensino dos
futuros professores primários, pois os programas e os métodos, ―no seu valor de
aplicação, dependem da capacidade profissional dos mestres e da boa ou má orientação
educativa que eles possuam‖ (Ramos, 1914, pp. 11-13).
Para Ramos (1914) o professor deveria possuir uma boa formação cívica, para
poder formar o carácter dos seus alunos, e considera que é na escola primária que se
forma o cidadão. ―É na escola primária que a criança aprende a ter consciência dos seus
direitos civis e polìticos‖ e aprende a ―cumprir todas as suas obrigações sociais‖ (p. 11).
Sendo contra a distinção entre os professores primários, secundários e
superiores, comenta:
Os professores distinguem-se como primários, secundários ou superiores,
confundindo-se habitualmente a gradação do ensino com a categoria dos mestres.
Não são, como deviam ser, todos por igual professores, e tendo dentro dessa
especialidade requisitos equivalentes de alta preparação. Não: uns são mais; outros
182
são menos. E assim o professor de instrução primária é olhado depreciativamente
porque tem muito menos categoria (reminiscências da velha tradição desprestigiosa
do mestre-escola!) do que o do ensino secundário; embora com este se observe menos
diferença em relação ao do ensino superior . . . . Mas o princípio de igualar em
categoria todo o magistério devia estar posto; e, sobretudo, os equívocos da
diferenciação depreciativa para o professor primário deviam merecer a mais absoluta
repulsa, por parte de quantas pessoas há neste país que se aproveitam da boa fama de
pedagogos autorizados (Ramos, 1914, p. 40).
No projecto que se vem referindo é proposta a criação de três Escolas Normais:
em Lisboa, Coimbra e Porto. E junto de cada uma das escolas normais é proposta uma
escola para crianças pequenas dos quatro aos oitos anos, designada por jardim-escola ou
escola infantil, duas escolas primárias, uma para cada um dos sexos, laboratórios para as
disciplinas práticas e teóricas, um campo de jogos, um campo de plantações, uma sala
de trabalhos manuais e outra para costura e lavores, um museu pedagógico, uma
biblioteca e a caixa escolar.
O Curso do magistério seria constituído por dois anos e habilitava professores de
ambos sexos. Os alunos, depois de terem concluído o segundo ano, frequentariam um
estágio com a duração de um ano numa das escolas anexas à Escola Normal.
Em 1915, João de Deus Ramos é candidato a deputado por Alcobaça e, nesse
mesmo ano, casa com Carmen Syder, de cujo casamento nasceram três filhas: Maria
Guilhermina, Maria da Luz e Maria Joana (Azevedo, 1997).
Em 1919 abandona o Partido Republicano Português, o que faz através da carta
cujo texto reproduzimos:
Ao Directório do Partido Republicano Português, para os devidos efeitos, faço saber
o seguinte. O meu critério político diverge, de há muito, da maneira por que os
dirigentes do Partido Republicano Português têm conduzido a política interna da
República. Remonta essa divergência para além do movimento revolucionário de 5 de
Dezembro de 1917, tendo-a eu manifestado, não só na intimidade, a vários amigos e
correligionários, mas, clara e frisantemente, numa memorável sessão do antigo Grupo
Parlamentar Democrático, seis meses antes de alcançar clamoroso sucesso o
dezembrismo. As razões patrióticas (e ainda as de ordem pessoal — de admiração e
amizade — em relação ao Ex. mo Sr. Dr. Afonso Costa) que me aconselharam a
manter uma atitude prudente e reservada não subsistem presentemente. Aproveitando
pois, a oportunidade para recuperar a minha plena liberdade de acção e de opinião,
183
como cidadão e como político venho declarar a V. Ex.ªs que, desde a presente data,
me considero desligado do Partido Republicano Português, reservando-me o direito
de dar imediata publicidade a esta declaração — Lisboa 8-5-1918. Saúde e
fraternidade — João de Deus Ramos.
(A Manhã, 1919, Maio 10, p. 1)
Um ano depois de se ter desligado do Partido Republicano Português é
convidado pelo Governo de Domingos Pereira para a pasta da Instrução Pública, como
independente. Este Governo durou apenas quarenta e sete dias (de 21 de Janeiro a 8 de
Março de 1920).
Noticiando o acto da sua tomada de posse podemos ler o seguinte extracto:
No gabinete de instrução, o Sr. Dr. Joaquim de Oliveira deu posse ao novo ministro, Sr.
Dr. João de Deus Ramos, cujas qualidades pôs em destaque, fazendo também rápidas
referências ao que foi a sua passagem pela pasta e ao que tencionava realizar.
O Sr. Dr. João de Deus Ramos disse que, tendo-se afastado há meses do partido
democrático, entra para este ministério na qualidade de independente, o que faz só por
dever patriótico e por não dever recusar as instâncias que lhe foram feitas pelo Dr.
Domingos Pereira, velho amigo a quem muito preza. Quer ser mais alguma coisa do que
um simples ministro de expediente burocrático, afirmando que, se lhe não faltar tempo e
não lhe faltar o estímulo e o aplauso, quer da imprensa quer do professorado, quer de
todos quantos se interessam pelo sistema de ensino, procurará orientar esse problema
por modo a evitar as costumadas acções desconexas e imparciais. É preciso, diz João de
Deus Ramos, construir todo o sistema de ensino em Portugal, transplantando de fora o
que for bom, mas não adoptando tudo a esmo. Confia na cooperação de todos os bem
intencionados, a começar pelo funcionalismo do seu ministério, à frente do qual está o
Sr. Dr. João de Barros, homem de superior capacidade e provada inteligência.
(A Manhã, 1920, Janeiro 22, p. 2)
Conta-se que quando João de Deus Ramos assumiu o cargo de Ministro da
Instrução Pública, já no seu gabinete do Terreiro do Paço, afirmou: ―o meu maior receio
sabem qual é? É passar pelo governo e não poder realizar a obra que os meus sonhos de
educador desejariam‖ (Voz do Sul, 1954, Junho 26, p. 1).
Enquanto Ministro da Instrução Pública, foram as seguintes as suas decisões
mais relevantes:
184
Ordenou a abertura de um crédito especial, a fim de reforçar a verba inscrita no
orçamento para ocorrer ao pagamento das despesas do pessoal e outras urgentes dos
serviços de instrução primária (Decreto n.º 6:381, de 10 Fevereiro de 1920);
Aprovou o regulamento do curso de bibliotecária e arquivista (Decreto nº 6:385,
de 12 Fevereiro de 1920);
Consentiu uma gratificação mensal aos serventes que prestam serviço nos cursos
nocturnos das escolas de ensino primário geral (Decreto n.º 3:88, de 13 de Fevereiro de
1920);
Permitiu que a escola primária superior da cidade de Elvas passasse a
denominar-se Escola Primária Superior de Santa Clara (Portaria n.º 2:161, de 13 de
Fevereiro de 1920);
Determinou que os professores primários que interrompessem o serviço pelo
facto das escolas terem sido mandadas fechar superiormente, em virtude de epidemias
ou qualquer outro motivo de força maior, não fossem prejudicados, sendo esse tempo
contado para efeitos de concessão de diuturnidades (Decreto n.º 6:411, de 21 de
Fevereiro de 1920);
De pareceria com o Ministro da Guerra, Celestino de Almeida, aprova e exige a
execução do regulamento oficial de educação física (Portaria n.º 2: 180, de 26 de
Fevereiro de 1920);
Nomeou uma sub-comissão com o encargo de dirigir e administrar os trabalhos
de construção dos edifícios destinados à instalação da Escola Superior de Farmácia da
Universidade de Lisboa (Portaria n.º 2:182, de 26 de Fevereiro de 1920);
Ordenou o reforço da verba destinada à construção do edifício da Escola Normal
Primária de Lisboa (Lei n.º 949, de 27 de Fevereiro de 1920);
Atribuiu um crédito especial para reforçar a verba destinada ao pagamento das
despesas do pessoal e outras urgentes dos serviços da instrução primária. (Decreto n.º
6:423 de 27 de Fevereiro de 1920);
No período em que exerceu o cargo de Ministro da Instrução Publica projectou
reformar o respectivo Ministério, que passaria a designar-se por Ministério da Educação
Nacional e contaria com um estatuto geral do ensino público, como ele próprio explicita
em entrevista publicada num jornal, de que transcrevemos o seguinte excerto:
As reformas que se têm feito, sobretudo as que se fizeram depois da República, têm
obedecido a critérios diversos e porque têm sido todas parcelares, produziram uma
185
desconexão entre si, uma falta de continuidade e até de correlação que as torna
desajeitadas, uma e outras em conjunto. …
Que era, pois, indispensável fazer-se? Transformar o ministério da instrução pública
(que melhor se poderia chamar mistério da instrução publica, porque, quanto mais se
gasta com a dita instrução, menos se aproveita) em ministério da educação nacional .
. . . Consequentemente o ministério da instrução pública devia alargar-se muitíssimo.
Além dos estabelecimentos e institutos que lhes estão subordinados, pertenciam-lhe
também os estabelecimentos de assistência pública (e não me venham com o
argumento de que lá fora não é assim, porque o que importa não é proceder como lá
fora, no estrangeiro, mas proceder com lógica e com bom senso), designadamente
aqueles em que se ministra qualquer espécie de educação, como por exemplo, a Casa
Pia, o Asilo Maria Pia, etc., os serviços de saúde e de higiene, os hospitais escolares,
os campos de jogos e todas as instituições de educação física: os teatros, os cinemas
etc..
Para dar conexão e definir bem todos esses serviços, importa primeiro realizar o que
eu designei na declaração ministerial do governo de que eu fiz parte. O estatuto geral
do ensino público. . .Todas as reformas que se fizerem, como todas as reformas que
se tem feito, sem esse trabalho prévio, não surtirão o efeito devido quando não
compliquem mais os erros e os males existentes. Depois, sim. Depois, seria possível e
relativamente fácil proceder-se à revisão e remodelação de leis e regulamentos
existentes, de maneira a pôr em harmonia e perfeita continuidade a organização das
escolas, a habilitação dos professores, todos os meios práticos para a selecção dos
professores, os programas e os métodos de ensino. Foi isto, em resumo, o que eu quis
fazer quando estive no governo, onde, por felicidade minha, me demorei apenas
quarenta e cinco dias — tencionando promover a realização de um congresso do
professorado, que funcionasse à maneira dos congressos científicos, durante as férias
grandes, embora com algum dispêndio, para que a revisão e remodelação das leis,
regulamentos e programas, tendo como espinha dorsal um estatuto, uma lei básica,
fossem feitas pelas entidades mais directamente interessadas e competentes.
(O Século 1920, Novembro 14, p. 1)
Embora se considerasse um republicano independente, a sua linha política era
socialista, tendo formado, com outros intelectuais, um núcleo de propaganda socialista.
O jornal O Mundo (1921, Janeiro 22) refere-se a esta iniciativa do seguinte modo:
Sabemos de Fonte autorizada que está em vias de formação um núcleo de propaganda
socialista que tem por fim cooperar com a organização operária na transformação
social que se avizinha.
186
Entre os elementos fundadores desse núcleo figuram prosadores, poetas e artistas
como Raul Brandão, Augusto Casimiro, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro e
Armando Ferreira e técnicos e homens de realização, como Ferreira da Silva, Mira
Fernandes e João de Deus Ramos.
As impressões que recolhemos dizem que o programa do novo agrupamento se baseia
nos seguintes pontos:
1.º - Socialização da propriedade e dos meios de produção e circulação da riqueza;
2.º - Substituição da gestão patronal das indústrias pela gestão sindical;
3.º - Obrigatoriedade do trabalho para todos de harmonia com as aptidões físicas ou
intelectuais de cada um;
4.º - Suspensão do liberalismo comercial pelo cooperativismo;
5.º - Máxima descentralização administrativa dentro da máxima coordenação de
esforços (p. 1).
Em Outubro de 1921, António José de Almeida, chamado a constituir um novo
governo, convida de novo João de Deus Ramos para ocupar a pasta da Instrução. O
convite foi recusado. Foi precisamente para esta altura que João de Deus Ramos
programara a viagem a Paris a que antes nos referimos, com a finalidade de tentar a
publicação da Cartilha Maternal.
Sobre este assunto, podemos ler a seguinte nota, publicada no Diário de Lisboa (1921,
Outubro 21):
O Sr. Dr. João de Deus Ramos, indigitado para a pasta da instrução, foi hoje
agradecer ao Sr. Presidente do Ministério a honra da lembrança de seu nome, e
declarar que, mesmo que tivesse sido nomeado, não poderia aceitar por entender que
as pastas de ministros devem pertencer aos revolucionários, e ainda por ter de partir
esta semana para Paris, onde vai ser editado, em francês, o Método João de Deus
(p.1).
Em 1924, João de Deus Ramos é convidado por José Domingues dos Santos,
representante da ala esquerda do Partido Democrático, para ocupar a pasta de Ministro
do Trabalho. Sobrando a pasta dos Estrangeiros para João de Barros, cargos que ambos
exerceram durante quase três meses (de 22 de Novembro de 1924 a 15 de Fevereiro de
1925). A acção política de Ramos centrou-se na defesa da criança e das classes sociais
mais desfavorecidas. No desempenho destas funções, nomeadamente, criou uma
solução para as crianças que permaneciam no ―Refúgio‖, resolveu uma crise que se
instalara na Fábrica Nacional de Vidros na Marinha Grande e apresentou uma proposta
187
de lei para a abertura de um crédito destinado à conclusão das obras do Manicómio do
Hospital Miguel Bombarda. O pouco tempo de que dispôs não lhe permitiu, como
desejava, lançar as bases da Caixa Nacional de Previdência, outro dos seus sonhos, na
qual teriam lugar todos os trabalhadores, para que na velhice não tivessem de mendigar,
para que lhes não faltasse o pão.
Acerca do respectivo acto de posse, pode ler-se o seguinte excerto de notícia:
Sendo a obra que o governo deseja realizar uma obra de conjunto de todas as partes, o
seu programa viria a público, depois de apreciado pelo governo, na declaração
ministerial a apresentar ao Parlamento. Podia, porém declarar que olhará com igual
solicitude todos os serviços do Ministério e com especial carinho os de Assistência
Pública, que constituem capítulos importantíssimos do problema educativo.
(O Mundo, 1924, Novembro 25, p. 2)
Preocupado com os graves problemas sociais do país, conta-nos João de Deus
Ramos (1925, Janeiro 2):
É a minha intenção melhorar a assistência, não só aos homens como às crianças.
Ocupar-me-ei das Cozinhas Económicas, do problema da mendicidade e da
Assistência Infantil.
A Assistência Infantil — tal como se está praticando — é uma vergonha; à excepção
da Casa Pia, nenhum dos outros estabelecimentos do Estado oferece as condições
necessárias para tão delicada função. A culpa não é do pessoal. É da organização
existente, dos péssimos edifícios, da ausência das aulas de trabalhos manuais e
educativos. Procurarei remediar tudo isto (p.5).
Durante os poucos meses que durou este governo Ramos (1925, Janeiro 20),
tentou melhorar a assistência social popular e a isso se refere dizendo:
Empenho-me, para começar, em corresponder às graves necessidades do momento,
sobretudo quanto à crise do desemprego e no que diz respeito à Assistência Publica,
que é preciso que vá até ao ponto de fazer desaparecer a mendicidade das ruas e de
organizar-se criteriosamente sob o ponto de vista educativo (p. 1).
Ao ter conhecimento das péssimas condições em que viviam as crianças
abandonadas do ―Refugio‖, transferiu-as para o Asilo de São Luís, ambos em Lisboa.
Sobre este assunto, refere o jornal O Século (1925, Janeiro 3):
188
Não devemos passar sem registar a atitude do Sr. João de Deus Ramos, actual
ministro do trabalho, mandando por cobro à degradante situação dos desgraçados
internados no Refúgio — nesse sórdido casarão, onde, numa promiscuidade imoral e
aviltante, vivem homens, mulheres e crianças, sãos e doentes.
Bem-haja o Sr. Ministro do Trabalho, que mandou recolher ao asilo de São Luís, ao
Poço do Bispo, todas as crianças do Refúgio. Generoso, humano e caritativo gesto
esse, ao qual não sabemos nem podemos regatear os elogios que merece (p.1).
Em relação à falta de emprego que se fazia sentir na Marinha Grande, João de
Deus Ramos ordenou a reabertura da Fábrica Nacional de Vidros, que se encontrava
encerrada há algum tempo, promovendo a criação de postos de trabalho. Sobre este
assunto, relata João de Deus Ramos (1925, Janeiro 11):
Visitei a Marinha Grande com a intenção de, pessoalmente, verificar as causas da
crise vidreira e de procurar remediar, na medida do possível, uma situação que
informações seguras me diziam ser terrível, pois os operários e as suas famílias
viviam na maior miséria.
O que vi impressionou-me, e formei logo o propósito de desenvolver todos os
esforços no sentido de acudir à desgraça daquela pobre gente e dar à indústria do
vidro os meios de vida necessários. Para isso pedi os devidos esclarecimentos aos
interessados, que têm continuado a fornecer-me informações, às quais venho
dedicando um estudo cheio de interesse. Para se chegar a um fim prático, é preciso
antes de mais nada atenuar as causas da crise, filiada em fenómenos económicos de
ordem geral e isso não é tarefa que se possa fazer dum momento para o outro.
A sorte, porém, dos habitantes da Marinha Grande, não podia ficar dependente das
naturais demoras que um estudo consciencioso da questão exige. Por isso promovi a
reabertura da Fábrica Nacional, onde todos os vidreiros se empregarão pois entre si
acordaram dividir o trabalho, devendo dizer-lhe já que as velhas oficinas vão ser
postas a funcionar sem menor dispêndio para o Estado, visto o capital indispensável
ser obtido pela venda das lenhas pertencentes à fabrica . . .
A Fábrica Nacional vai aproveitar especialmente as vantagens que tem sobre as
outras para tomar a direcção da indústria vidreira, conduzindo-a para um futuro
brilhante. Aperfeiçoará o fabrico, melhorará os produtos, procurará, enfim, competir
com que de melhor se faz no estrangeiro. Quanto à solução definitiva da questão, pela
reabertura das outras fábricas, posso afirmar que trabalho decididamente para isso
(p.1).
189
Ramos decide ainda apresentar à Câmara de Deputados uma proposta de lei para
a abertura de um crédito destinado à conclusão das obras do conhecido Manicómio
Miguel Bombarda. Os loucos passeavam livremente pela cidade e alguns deles eram
presos nos calabouços do governo civil, lugar impróprio e sem condições para o
tratamento destes doentes.
Sobre este assunto pode ler-se no jornal O Mundo (1925, Janeiro 13):
O ministro do trabalho apresentou hoje na Câmara dos Deputados a proposta de lei
para a abertura de um crédito de 4000 contos, destinados à conclusão das obras do
Manicómio Miguel Bombarda. Dentro em breve encontrarão tantos desgraçados onde
possam ser hospitalizados e atender-se-á ao mesmo tempo à situação de muitas
centenas de operários sem trabalho. É assim que o Dr. João de Deus Ramos, ilustre
ministro do trabalho, vai assinalando a sua passagem por aquela pasta, pondo todo o
valor da sua inteligência e todo o carinho do seu coração numa obra que milhares de
bocas hão-de sempre bem dizer (p. 1).
Dias depois o mesmo jornal retoma o assunto e escreve:
Tratando-se de fazer concluir o manicómio o Sr. Dr. João de Deus Ramos praticou
um acto de sensata administração e um acto de bondade, que só o honra. Não teve
apenas em vista colocar algumas dezenas de operários que precisam de apoio, o que
já seria muito, mas concluir um novo manicómio, cujas obras estavam à mercê do
tempo, arruinando-se, impondo-se, por conseguinte, o seu acabamento, tanto por
razões económicas como por razões morais. Não havia direito de relegar para as
calendas gregas a conclusão de um manicómio que já custou ao país alguns milhares
de contos, continuando a arremessar loucos para os calabouços do governo civil.
(O Mundo, 1925, Janeiro 16, p. 1)
Só a 10 de Fevereiro desse ano é publicada a lei que autoriza o governo a
contrair o empréstimo que permitirá a conclusão das obras do Novo Manicómio de
Lisboa (Lei n.º 1:741, de 10 de Fevereiro de 1925).
Ao visitar o hospital de São José, Ramos interessa-se por todos os serviços
hospitalares e promete remediar algumas das deficiências encontradas na visita. Sobre
este assunto, diz:
Não trouxe má impressão dos hospitais, no que é relativo à sua direcção e ao seu
pessoal superior. Verifiquei que ali se faz tudo quanto é possível dentro da verba, que
não é larga, e da influência de certas constelações. . . .Senti que houvesse ainda lá
190
enfermarias onde a promiscuidade e a miséria aparecem em toda a sua nudez. Senti
que os serviços de análises, da radiografia, estivessem aquém do que deve ser. Senti a
pobreza e reduzida esfera de certas instalaçõe. … A dotação é insuficiente, e daí a
direcção não poder fazer face a estas coisas desagradáveis. Pedi uma planta geral do
edifício e os planos para as modificações e obras . . . O hospital de São José precisa
de auxílio, de devoção, de carinho, tanto do estado como de particulares.
(Diário de Lisboa, 1925, Janeiro 17, p .5)
Para diminuir o desemprego e vencer a crise da indústria têxtil, João de Deus
Ramos projecta a criação de grandes armazéns de lanifícios acessíveis ao povo. Através
deles pretendia ampliar a criação de postos de trabalho e proporcionar o acesso
generalizado a vestuário mais barato. Sobre este assunto, diz-nos:
Vou em Lisboa instalar dois grandes armazéns de lãs das fábricas nacionais, também
à consignação. Preços que satisfaçam os encargos da indústria e, pela supressão dos
intermediários, satisfaçam o consumidor. É uma medida simples, mas útil.
Esta medida o que visa . . . é evitar que a indústria nacional seja subvertida pela
fazenda estrangeira. E evitar que as nossas fábricas se vejam embaraçadas por falta de
mercado comprador. . .
Não apenas as fazendas, mas os próprios fatos vão estar à venda. Porque estou
pensando, utilizando vários organismos, por exemplo o sindicato dos alfaiates, na
confecção de fatos, em séries de várias medidas com fazendas de lãs fornecidas
directamente. São fatos para poderem ficar entre 150$00 e 250$00, não sendo
evidentemente de luxo, mas ficando por menos 40 por cento do que agora se obtém.
Não faço guerra aos alfaiates. Cada um tem a sua missão. Os ricos, os que gostam e
podem vestir caro e de estilo, que paguem. Mas os fabricantes portugueses têm de ser
defendidos e os pobres têm de ter fatos baratos. A venda, assim, para as nossas
fábricas, vai ser relativamente grande e compensadora.
(Diário de Lisboa, 1925, Janeiro 17, p. 5)
Ainda enquanto ministro do trabalho, João de Deus Ramos autoriza as
associações de classe ou sindicatos profissionais, constituídos legalmente, a poderem
reunir-se em federações ou uniões, concedendo a estas e àqueles, desde que se
encontrem devidamente registados, individualidade jurídica para todos os efeitos legais,
designadamente para celebrar contratos colectivos de trabalho (decreto n.º 10:415, de 27
de Dezembro de 1924); manda proceder ao estudo, pesquisa e abertura de quatro poços
191
artesianos na área da cidade de Lisboa ou nos seus arredores, e à construção de dois
depósitos em pontos elevados e ao ar livre, para a constituição de uma reserva de água,
e a estabelecer a ligação destes depósitos com a rede geral da Companhia das Águas de
Lisboa (Lei n.º 1:720 de 31 de Dezembro de 1924).
Sobre o seu empenho enquanto Ministro do Trabalho, pode ler-se:
Homem que prefere afirmar-se mais pela acção do que pela palavra . . . o Sr. Dr.
João de Deus Ramos está perfeitamente no seu lugar sobraçando uma pasta que tem
por principal objectivo o condicionamento da questão social nos seus variados
aspectos, uma pasta que abrange a regência de casas de educação, como sejam os
asilos e refúgios, e ainda a assistência publica, outros tantos problemas que
directamente se prendem com a cultura de um povo, por assim dizer intimamente
ligados às suas necessidades educativas. Depois, homem também de coração, nada é
de estranhar vê-lo ali, um posto difícil, em que coração e inteligência têm
forçosamente de irmanar-se para a realização da obra enorme que se impõe levar a
cabo em Portugal.
(Diário de Notícias, 1925, Janeiro 20, p. 1)
Após a queda de governo de José Domingues dos Santos, João de Deus Ramos
escreve ao Partido Republicano Português a carta cujo teor reproduzimos:
Ao Directório do Partido Republicano Português — Há muito tempo que me encontro
na disposição de reingressar no Partido Republicano Português, aguardando apenas
uma oportunidade para proceder à necessária declaração. As campanhas de descrédito
com que se tem procurado influir no espírito popular, contra a República e,
particularmente, contra o Venerando Chefe do Estado, encorajadas pela dispersão dos
republicanos mais combativos, determinaram-me de vez a voltar à actividade
partidária, enfileirando-me novamente no único agrupamento político a que tive, até
hoje, a honra de pertencer. Feita esta declaração para os devidos efeitos, subscrevome com elevada consideração - João de Deus Ramos.
(Diário da Tarde, 1925, Outubro 28, p. 8)
Apesar de haver desempenhado, ao longo de mais de duas décadas, variados
cargos polìticos, João de Deus Ramos nunca se considerou ―um polìtico‖, como ele
próprio afirma:
192
Nunca fui um político na acepção vulgar do termo, porque antepus sempre o valor
das ideias e dos princípios aos programas oportunistas e pessoais. Estou convencido
de que a actividade política só é verdadeiramente prestimosa e digna, construtiva e
útil, quando servida com espírito e apostolado . . . Bem sei que ser apóstolo e ser
polìtico são coisas diversas. A palavra ―apóstolo‖ até parece incluir uma definição
nas duas últimas sílabas...Quanto a mim, direi que, longe das alfurjas conspiratórias e
da intriga dos corrilhos, jamais me deixei arrebatar pelo fervor sectário que torna
bravos e incondicionais os filiados duma facção qualquer. Mas, por isso mesmo,
nunca neguei mérito a quem o tinha, embora militasse em campo adverso ao meu.
(Diário de Lisboa, 1945, Novembro 13, p. 1)
O 28 de Maio de 1926 e o advento do Estado Novo ―libertam-no‖ de vez das
suas incursões na política, devolvendo-o às actividades que mais prezava: acarinhar a
infância, divulgar o ensino das primeiras letras, promover a formação de educadores e
proferir conferências sobre os temas a que dedicou toda uma vida.
193
4. Capítulo Quarto
Pensamento e Acção Pedagógica
194
4.1. O pensamento e a acção pedagógica de João de Deus Ramos
A despeito das variadas obras que apesar de tudo escreveu e vêm referidas no
capítulo anterior, João de Deus Ramos, cujos interesses intelectuais se centravam, o que
se nos afigura pacífico, na pedagogia da infância, não deixou nenhuma obra de fundo
sobre a matéria. Conhece-se o seu labor em torno da educação da criança pequena, a sua
preocupação pelos detalhes, tanto de ordem prática como de elaboração teórica, acerca
de onde, quando, como e para quê educar e instruir a criança, mas o seu pensamento
pedagógico, chamemos-lhe assim, encontra-se disseminado, contido a esmo em
opúsculos, em projectos legislativos, em conferências, em lições ao curso de didáctica
pré-primária e, de forma ainda mais dispersa, nas múltiplas entrevistas que, ao longo da
sua vida, foi concedendo à imprensa. Encontra-se também nas opiniões que, aqui e ali,
por este e por aquele, foram sendo tecidas acerca do que fez e do que pensava.
Ramos cedo defendeu que a educação e a instrução eram direitos básicos de
cidadania e que era urgente combater o analfabetismo, em especial criando escolas para
a infância, pois, dizia, ―se a escola é a preparação para a vida, as crianças têm direito a
ela‖ (citado em Nunes, 1996, p. 21).
João de Barros (1933) dá-nos conta de haver observado no seu colega e amigo
João de Deus Ramos, desde os primeiros tempos de ambos em Coimbra, ―o interesse, o
carinho, a atenção que dedicava a assuntos pedagógicos‖, refere que este já então
pensava em criar uma escola popular para crianças pequenas (p. 7) e comenta a
propósito que ―em todo o homem de pensamento há um homem de acção futura‖
(Barros, 1920, p. 12). Ramos entendeu que tudo estava por fazer em matéria de
educação e era necessário ―começar pelo começo‖, isto é, ―educar desde a infância,
orientar desde o instante em que a alma da criança desabrocha e, ávida de abraçar e
interpretar o mundo, recolhe e busca todo e qualquer alimento emocionante‖ (idem,
1933, p. 8).
Após as várias viagens de estudo que faz pela Europa para conhecer métodos e
processos de ensino, Ramos condena ―a cópia servil do que se faz lá fora, do que se faz
no estrangeiro‖ e, ao defender que a escola infantil é ―o desdobramento da escola
primária popular, como qualquer outra que vise a ensinar e educar gente portuguesa‖,
195
esclarece e afirma que ela ―tem de ser eminentemente nacional‖ (Ramos, 1940, pp. 1819).
Referindo-se à campanha que iniciara em 1906 em prol da criação de jardinsescolas diz que ―o problema do ensino infantil foi ali posto como base e ponto de
partida da educação nacional, prestando-se ao confronto com as obras congéneres do
estrangeiro, como, por exemplo, a escola de Décroly, belga, e a de Montessori, italiana‖
(Ramos, 1950, p. 7).
Idealiza e propõe-se criar um modelo de escola diferenciadamente portuguesa,
com o objectivo primeiro de ―iniciar uma corrente nacional e nacionalizadora do ensino,
ao mesmo tempo que se definisse bem o lugar e o valor do método João de Deus na
escola portuguesa‖ (Ramos, 1918 Janeiro, p. 416). Nesse sentido cria os Jardins-Escolas
João de Deus, ―uma escola tipo, uma escola modelo‖ como lhe chamou João de Barros
(s.d, p. 83), uma escola para desempenhar ―a sua missão social, mas também cultural,
civilizadora‖ (Carvalho, 1997, p. 42).
4.2 Os Jardins-Escolas João de Deus
Do processo de criação dos Jardins-Escolas João de Deus nos fala o próprio
Ramos (1938), quando diz:
. . . Decorreram porém alguns anos; entrámos no novo século. Na reforma dos nossos
Estatutos, [da Associação das Escolas Móveis] em 13 de Fevereiro de 1908, por uma
proposta minha foram as ―escolas móveis‖— digamos assim — transformadas em
escolas fixas, adquirindo uma feição nova mais ampla e perdurável, com o objectivo
principal de se criar e generalizar um modelo português de educação infantil — para
crianças de 4 a oito anos de idade. A deambulação improvisada das ―escolas móveis‖,
de certo modo o motivara.
Quando, em fervoroso culto filial, ofereci o préstimo da minha mocidade (já lá vão 35
anos!) à defesa e propaganda da Cartilha Maternal logo reconheci que nada poderia
obter de definitivo e exacto sem primeiro marcar o lugar da obra educativa de João de
Deus na ―escola portuguesa‖.
Qual escola portuguesa? A escola oficial, mal instalada, mal orientada e
incaracterística?
De modo algum.
196
Impunha-se a criação dum instituto escolar, de maior âmbito, que abrangesse o ensino
infantil, existente em todas as nações superiormente cultas, e do qual deve fazer parte a
alfabetização.
Sem excluir os melhores ensinamentos do estrangeiro adoptáveis ou adaptáveis em
Portugal, tive portanto de imaginar uma orgânica diferente para acomodação de
métodos e processos próprios, enquadrando nestes o de leitura e escrita que João de
Deus legara à sua Pátria (pp. 2-3).
Anos mais tarde e ainda sobre o projecto de fundação dos Jardins-Escolas conta
João de Deus Ramos:
Porque tive a preocupação de fazer uma escola diferenciadamente portuguesa, com
base na Cartilha Maternal. Porque entendo que o sistema racional deve prevalecer na
acção escolar, procurei solucionar o problema da infância . . . A primeira infância
pertence à família, que pode recorrer à creche como um indivíduo a quem faltam as
pernas recorre às muletas; mas a segunda infância só ao Jardim-Escola deve
pertencer, porque é, verdadeiramente, o jardim, o viveiro onde a criança cresce para
se tornar flor e poder um dia ser frutos.
(O Século, 1951, Janeiro 8, p. 1)
A inauguração do primeiro Jardim-Escola João de Deus tem lugar a 2 de Abril
de 1911. A sua concretização começa, porém, a 22 de Agosto de 1907, quando a
Comissão Auxiliar da Associação das Escolas Móveis, integrada por Eugénio de Castro,
Mendes dos Remédios, José Matos Sobral Cid, Ernesto Carneiro Franco, Júlio da Costa
e António Leitão, dirige uma petição ao Presidente da Câmara de Coimbra para que este
lhe cedesse um terreno para a construção de uma escola maternal. Nos termos daquela
petição, a cidade de Coimbra deveria antecipar-se às outras terras do país na realização
de uma escola maternal tendo em vista as ―suas tradições cientìficas‖, mais se
considerando que ―somente nas escolas-jardins as crianças podem obter o
desenvolvimento integral de que carecem, visto as condições económicas das classes
trabalhadoras não corresponderem aos princípios da higiene e pedagogia, reguladores da
educação de infância‖ (Boletim das Escolas Móveis, 1907 Janeiro e Maio, p. 34).
Só em 1909 a Câmara Municipal de Coimbra, sob a presidência do Dr. Marnoco
e Sousa, delibera a cedência do terreno que havia de possibilitar a construção do que
viria a ser o primeiro Jardim-Escola João de Deus.
197
Após aquela deliberação municipal já não faltava tudo, mas faltava quase tudo.
Impunha-se angariar, pacientemente, os fundos necessários à construção e ao
equipamento do edifício e respectivo logradouro e António Joyce, musicólogo e
dirigente do Orfeão Académico de Coimbra, teve nessa árdua tarefa um papel deveras
relevante, como nos conta Joaquim Manso (1911, Fevereiro 8):
António Joyce, que andava inspiradamente organizando o actual Orfeão — a mais
subida criação de arte das academias nacionais — coloca-se ao lado de João de Deus
Ramos. Completaria nobremente o seu esforço de maestrino, adicionando-lhe uma
significação de desinteresse e filantropia. O Orfeão daria espectáculos nas principais
cidades de Portugal até realizar a soma necessária para construir o jardim-escola (p.
1).
Também a Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus,
Bibliotecas Ambulantes e Jardins-Escolas elogia o trabalho desenvolvido pelo Orfeão
Académico de Coimbra em prol da instituição dos Jardins-Escolas João de Deus:
O Orfeão, determinado a coadjuvar-nos na instituição dos Jardins-Escolas João de
Deus, mostrou compreender o alcance da nossa tentativa que pretende lançar as bases
de uma reforma geral nos processos de ensino, pela implantação do espírito e da
doutrina da Cartilha Maternal, apesar desta se encontrar, ainda hoje, anestesiada por
alguns pedagogos e fora da sua bagagem profissional (Relatório e Contas, 19081909, p. 3).
Para além dos donativos propiciados pelas actuações do Orfeão Académico de
Coimbra, outros chegaram, ―do Brasil e do Chile angariados por compatriotas amigos
da instrução popular‖ (Relatório e Contas, 1909-1910, p. 7), bem como se congregaram
no mesmo sentido múltiplas vontades, como se lê no excerto que a seguir reproduzimos:
Nunca se reuniram dedicações tão puras como as que se conjugaram para levar a
efeito o gracioso monumentosinho que no Largo do Seminários se apresta a acolher
dentro dos seus muros a mais buliçosa e gentil das turbas — sessenta rútilas crianças
de três a sete anos, tenra a mimosa argila da vida, prontas a receberem as primeiras
lições dos sentidos...
198
A Câmara de Coimbra, com generosidade inteligente, deu um largo trato de terreno
para o Jardim-Escola, e prometeu incluir no seu orçamento uma razoável contribuição
anual. Produziram-se mesmo ofertas espontâneas: esse prometeu tijolos, aquele
madeiras.
João de Barros e Veiga Simões organizaram na Figueira da Foz um vistoso festival,
falando a um público numeroso a quem souberam mostrar todo o aspecto amorável
da obra que se projectava. Raul Lino, o jovem arquitecto com largas qualidades para
criar um tipo acentuadamente português de escolas primárias — desinteressadamente
se encarregou da planta e até dos detalhes decorativos das salas. António Carneiro e
Christino de Carvalho — aquele o retratista revelador de almas ensombradas de
tristeza, este apaixonado de modernidade, forte no traço de máscaras de intelectuais
— tomaram à sua conta o desenho dos frisos de duas salas. Entre todos, porém, quem
mais sublima é António Joyce pela magnanimidade com que se prestou a percorrer
com o orfeão académico — criação estimável da sua instituição e da sua ciência da
grande música— as mais importantes terras do país, no intuito de apurar receita para
o Jardim-Escola.
(Diário de Notícias, 1911, Fevereiro 13, p. 1)
Um mês antes da inauguração do Jardim-Escola muitos são já os jornais que se
lhe referem, como, por todos, o República, que assim noticia:
Em Coimbra, entre os choupos e as rosas, num ponto afoito que desafia as garças e as
nuvens, vai finalmente inaugurar-se o jardim alegre das crianças, o jardim encantado
do riso, onde todas as estações (bruscas e agrestes que elas sejam) trarão mais livres e
mais aconchegados os corações levianos da infância. Em frente aos grandes
pinheirais que partem, parece, para lá daquele horizonte, é sob as águas correntias do
Mondego e sob a ladeira velha do Seminário, que o Jardim-Escola João de Deus —
obra de piedade e de ternura — vai agora cantar o seu estribilho de riso e de graça, o
primeiro nesta terra ansiosa e amorosa de Portugal. . . O Jardim-Escola comportará
cem crianças dos 3 aos 7 anos. João de Deus assim o pensou, com a longa prática que
possui do moderno processo de ensino.
No jardim de Coimbra há-de cantar-se, modelar-se em barro e madeira, rir, aprender a
falar e a pensar, aprender a olhar e a reconhecer — porque o Jardim Escola deseja
prender-se menos com os compêndios do que com a educação dócil das vontades...
Devem os nossos leitores recordar-se de que já em tempos se estabeleceu em Lisboa,
dentro do Jardim da Estrela, uma escola livre, sistema de Fröbel. A essa escola,
segundo o que se diz, faltavam professores habilitados — sobretudo quanto à
educação a ministrar às crianças do povo. Assim não sucederá no Jardim-Escola João
199
de Deus, em Coimbra, para o qual a benemérita Associação da Escolas Móveis votou
o melhor dos seus esforços e da sua competência.
(República, 1911 Fevereiro, 11, p.1)
João de Barros, para além de mencionar António Joyce que, como se disse,
muito fez para que esta iniciativa se concretizasse, cita outros homens da cultura de
então, tais como Teófilo Braga, Bernardino Machado, Afonso Lopes Vieira, Coelho de
Carvalho, Raul Lino, José de Figueiredo, Lopes de Oliveira, Abel Botelho, Manuel
Laranjeira, Jaime Cortesão, Teixeira Gomes e Leonardo Coimbra como destacados
apoiantes de João de Deus Ramos. Estes souberam compreender que aquela escola para
crianças pequenas do povo era fundamental para a formação intelectual, social e moral
das crianças portuguesas. Acreditaram que a criança educada desde pequena numa
instituição própria, como era o Jardim-Escola, seria um valioso contributo para o
florescimento de uma nova sociedade e para o ressurgimento da raça portuguesa. Diznos, então, João de Barros (1911, Março 25):
Porque essa primeira escola infantil que vai ser o Jardim-Escola João de Deus — cuja
inauguração está para muito breve— é uma tentativa que tem para todos nós,
portugueses, uma importância muito especial. Vai, enfim, haver numa terra
portuguesa essa educação da primeira infância sem a qual não pode existir nenhuma
outra educação, que o seja no justo sentido do termo. Todos sabem, todos devem
saber, pelo menos esse axioma pedagógico . . . não é segredo para ninguém: o
esforço inteligente, persistente e generoso do filho do poeta, de João de Deus . . .
João de Deus Ramos foi erguendo, a pouco e pouco, esse jardim escola de Coimbra,
primeiro em Portugal, primeiro no seu género em todo o mundo, e que, pela primeira
vez, vai dar a crianças pobres portuguesas a educação de que elas absolutamente
precisam para se tornarem, mais tarde, cidadãos livres, homens fortes, almas
enérgicas e sinceras (p. 3).
Quando finalmente ficou pronto e aquando da sua inauguração, a 2 de Março de
1911, o edifício foi visitado por milhares de pessoas de todas as categorias sociais, ―que
enchiam por completo o largo à frente do Jardim-Escola. Pela muita aglomeração de
povo resolveu-se que a sessão fosse ao ar livre‖ (Mundo, 1911, Abril 3, p.2).
Também João de Barros (1911, Abril, Maio, Junho) se refere à inauguração, nos termos
seguintes:
200
Houve discursos, recitaram-se versos, e as mais altas personalidades de Coimbra, e os
melhores representantes das últimas gerações, vieram ali prestar a João de Deus
Ramos e à sua obra, a homenagem da sua admiração e do seu respeito. Nem sequer
faltou a elegância das senhoras, coleante e fina, naquele recinto de conforto e de paz,
que Raúl Lino planeou com a ternura sempre vibrante da sua alma de poeta. Mas
sobretudo o que me impressionou nesse dia, foi o acolhimento de entusiasmo que o
Jardim-Escola teve por parte do povo, do povo para que ele se construiu, do povo que
sabe, ou sente que a ideia fundamental que presidira à fundação daquela casa fora
simplesmente esta: dar às classes populares, as únicas ainda sadias e fortes no país,
educando-lhes os filhos, mais uma possibilidade de ressurgimento e progresso (p. 46).
Barros afirmaria ainda que fora graças a João de Deus Ramos que o nosso país
possuìa uma escola infantil ―digna desse nome, e melhor, pela orientação que
exemplifica e realiza, do que as escolas estrangeiras do mesmo grau‖ (Barros, 1911
Abril, Maio e Junho, p. 47).
Desde o edifício, de arquitectura própria da autoria do arquitecto Raúl Lino, ao
mobiliário, através dos quais se pretendia que os pequenos alunos encontrassem um
desdobramento do próprio lar, passando pelo processo de ensino, tudo era uma criação
absolutamente portuguesa, que tinha por objectivo educar e instruir crianças de todas as
classes sociais, ―Berço de futuros cidadãos, onde as crianças recebem, com a ternura
verdadeiramente maternal dos mestres o ensinamento viril duma alta doutrina e dum
nobre civismo‖ (Barros, 1915 Janeiro, Fevereiro e Março, p. 1).
Um ano após a inauguração do primeiro Jardim-Escola João de Deus o jornal ―O
Mundo‖ dá a conhecer a iminente publicação de uma portaria no Diário do Governo
contendo um louvor a João de Deus Ramos, ao Orfeão Académico de Coimbra e à
Câmara Municipal desta cidade, pela fundação do Jardim-Escola João de Deus, notícia
que em parte se transcreve:
Não veio muito cedo, mas mais vale tarde que nunca. Dizemos isto a propósito de
uma portaria que o Diário de Governo publica amanhã louvando o nosso amigo Sr.
Dr. João de Deus Ramos pela fundação em Coimbra da Escola Maternal João de
Deus. Já dissemos quando da sua inauguração, o que pensávamos da belíssima obra
do nosso amigo, associando-nos hoje ao louvor oficial com entusiasmo e simpatia,
enviando mais uma vez ao grande amigo das crianças as nossas felicitações e
201
prestando estas palavras uma homenagem à memória de seu pai. A portaria em que
também são justamente louvados o Orfeão Académico de Coimbra e a Câmara
Municipal da mesma cidade, é a seguinte:
Representando uma valiosa conquista de benefícios para a instrução e educação
populares a instalação, em Coimbra, do primeiro jardim escolar, ou escola Maternal
João de Deus; e atendendo que esta instalação foi devida à iniciativa e esforços de
propaganda empregados pelo filho do grande lírico e pedagogo João de Deus, nesta
elevada missão coadjuvado pelo Orfeão Académico e pela Câmara Municipal de
Coimbra:
Manda o governo da Republica Portuguesa, pelo Ministro do Interior, que seja
publicamente louvado o cidadão bacharel João de Deus Ramos, bem como o Orfeão
Académico de Coimbra e a Câmara Municipal da mesma cidade.
(O Mundo, 1912, Março 10, p. 1)
A obra de João de Deus Ramos realiza de ―um modo imprevisto, soluciona
duma maneira incomparavelmente simples, um alto problema: o problema da educação
popular‖ (A Humanidade, 1912, Maio 19 p, 1).
No ano de 1914 foram inaugurados mais dois Jardins-Escolas João de Deus, um
na Figueira da Foz e outro em Alcobaça.
A iniciativa da construção do Jardim-Escola João de Deus na Figueira da Foz
deveu-se à Misericórdia daquela cidade, por iniciativa do respectivo Provedor, Visconde
da Marinha Grande. O terreno para a construção do Jardim-Escola de Alcobaça foi, por
sua vez, doado pela Câmara Municipal, sendo os custos de construção suportados por
donativos angariados pela Junta da Paróquia de Alcobaça e por fundos do extinto
Núcleo da Liga Nacional de Instrução, para além de donativos devidos ao empenho da
Comissão Auxiliar de Alcobaça (Relatório e Contas 1912-1913).
Em 1912, a Câmara de Lisboa cede um terreno à Associação das Escolas Móveis
pelo Método João de Deus, Bibliotecas Ambulantes e Jardins-Escolas, para a
construção de um edifício Escola-Monumento (Relatório e Contas 1911-1912).
O Jardim-Escola de Lisboa, destinado a ser a escola-modelo, começou a
funcionar em Junho de 1915 mas só em 1917, após a conclusão do Museu João de Deus
Bibliográfico, Pedagógico e Artístico se realizou a inauguração conjunta de ambos os
edifícios (Relatório e Contas 1914-1915).
202
Em 1927 foi construído um Jardim-Escola João de Deus em Alhadas, por
determinação testamentária do benemérito Fortunato Augusto da Silva (Relatório e
Contas 1926).
Em 1936 são inaugurados mais dois Jardins-Escolas, um em Leiria, construído
por iniciativa e a expensas da Junta de Freguesia, em terreno oferecido pela Sr.ª D.
Maria da Conceição Neves (Relatório e Contas 1935), e outro em Castelo Branco, cuja
criação e instalação se ficaram devendo à Junta Geral do Distrito de Castelo Branco e ao
benemérito Dr. José Lopes Dias (Relatório e Contas 1936).
Em 1943 é inaugurado outro edifício escolar, desta feita em Viseu e graças a
donativos angariados pela Comissão de Assistência de Viseu.
Em 1948 chega a vez dos Jardins-Escolas João de Deus de Chaves e de
Mortágua, o primeiro cedido pela edilidade de Chaves e o segundo devido à iniciativa
do benemérito Dr. Aníbal Dias (Relatório e Contas, 1945).
Em 1951 é inaugurado o Jardim-Escola do Porto, em terreno cedido pela
respectiva Câmara Municipal, sendo a construção apoiada pela Liga de Profilaxia Social
(idem, Relatório e Contas, 1945).
João de Deus Ramos projectou ainda a criação de um Jardim-Escola em Tomar e
outro em Benguela, o primeiro dos quais só viria a ser inaugurado em 1955. Uns meses
antes da sua morte o Diário de Lisboa (1953, Junho 15) noticia a inauguração do
primeiro Jardim-Escola erigido em África, no caso, o Jardim-Escola João de Deus de
Benguela, Angola, e publica o texto do telegrama que o Governador (do Distrito de
Benguela?) endereça a Ramos, como segue:
Na África, em Benguela, canta já primeiro Jardim-Escola João de Deus. . .
Leia-se o telegrama que hoje recebeu de Benguela o Dr. João de Deus Ramos:
―Ao ser inaugurado edifìcio jardim-escola desta cidade apresento a V. Ex.a
cumprimentos e agradecimentos todo o apoio e assistência prestada permitindo a
realização desta patriótica obra.
Governador (p. 4).
Tendo conseguido fundar apenas doze jardins-escolas, Ramos acalentava a ideia
de atingir um número bastante superior, como se extrai da entrevista que parcialmente
se transcreve:
203
Nesta época da vida, como já me sinto avançado em anos, sofro talvez a impaciência
de multiplicar pelo país aquilo que reputo absolutamente indispensável à criança.
Como consegui-lo?
Lançando a ideia da construção de 50 Jardins-Escolas, escolhendo de preferência as
principais cidades e os meios mais populosos.
(Diário de Lisboa, 1940, Dezembro 5, p. 5)
Após a morte de Ramos a Associação continuou a alargar a rede de JardinsEscolas, existindo hoje 32 Jardins-Escolas João de Deus espalhados por diversos pontos
do País (Regulamento Interno dos Jardins-Escolas, s.d).
Os Jardins-Escolas João de Deus desencadearam, desde o início, simpatias e
curiosidade, sendo objecto de múltiplas visitas, quer de personalidades portuguesas quer
estrangeiras. Foi o caso, por exemplo, de D. Carlos de Tolentino, professor da Escola de
Engenharia de Minas, que comparou aquela instituição ―aos melhores Jardins-deinfância da América do Norte. Os estrangeiros, visitando os nossos jardins-escolas de
Lisboa, Coimbra, Figueira da Foz e Alcobaça, reconhecem a originalidade desta criação
nacional‖ (Boletim Propaganda, 1917 Junho, Agosto, Setembro, p. 257).
4.2.1. Pessoal docente
Em cada Jardim-Escola havia três professoras, sendo uma a regente. Em 1937
foi criado o lugar de Professora Delegada da Direcção, com a finalidade ―de
acompanhar de perto os serviços escolares por meio de visitas oportunas aos JardinsEscolas‖, à qual se exigia que possuìsse ―qualidades de inteligência, equilibrada
competência, e apurado bom senso‖ (Relatório e Contas,1948, pp. 11, 12).
Desenvolvendo o que mais modernamente se chamaria formação contínua, a
Associação promove, a partir de 1938, reuniões ―com todas as professoras dos JardinsEscolas‖:
Foi intenção primeira da Direcção reunir com todas as professoras dos JardinsEscolas para com elas trocar impressões sobre a marcha dos trabalhos escolares,
avivando-lhes a orientação pedagógica que desejamos se mantenha na educação e
ensino das crianças (Relatório e Contas 1938, p. 3).
204
Nestes congressos participavam também entidades oficiais e particulares que se
interessavam pela educação de infância.
4.2.2. Comissões de Assistência
Quando a Associação das Escolas Móveis, por alteração dos seus fins
estatutários, passou a denominar-se Associação das Escolas Moveis pelo Método João
de Deus, Bibliotecas Ambulantes e Jardins-Escolas, sentiu a necessidade de criar
Comissões Auxiliares de Propaganda, organizadas nos locais onde se realizavam as
―missões‖ e, também, em diferentes pontos do nosso país e no Brasil (Relatório e
Contas, 1907-1908).
Competia à direcção das Escolas Móveis criar ―nas sedes dos concelhos e
principalmente nas capitais do distrito, comissões auxiliares de propaganda‖ (Instrução
do Povo,1908, p. 17). O papel das ditas comissões era a angariação de sócios e
donativos, o pagamento dos ordenados e o alojamento dos professores, a fiscalização
dos serviços das Escolas Móveis e a assistência aos alunos pobres.
Como se lê no Relatório da Direcção dos anos de 1919 e 1920, a par das
referidas Comissões Auxiliares de Propaganda, mais vocacionadas para o apoio à acção
das escolas móveis, foram instituídas as denominadas Comissões de Assistência, agora
para os Jardins-Escolas. As primeiras Comissões de Assistência registadas são a do
Jardim-Escola de Alcobaça e a do Jardim-Escola da Figueira da Foz.
As aludidas Comissões de Assistência eram constituídas por três membros, a sua
nomeação fazia-se por ofício e competia-lhes angariar fundos para a conservação,
manutenção e instalação dos Jardins-Escolas, para além de:
Prestar auxílio e conselho às professoras em tudo o que diga respeito ao bom
funcionamento dos trabalhos e festas escolares, e, em especial, à professora regente,
relativamente à administração da Caixa Escolar (art. 20, 2º). Presidir à admissão dos
alunos que, mediante atestado de pobreza, se reconheça não poderem contribuir para
a Caixa Escolar com a cota devida, e suprir com quaisquer auxílios ou benefícios, a
deficiência da quotização (art.º 20.º, 3º) – Estatutos, 1940.
205
4.2.3. Caixa Escolar
A análise dos sucessivos Relatórios e Contas da Associação permite concluir que
os Jardins-Escolas João de Deus sempre lutaram com dificuldades económicas. Os
respectivos custos eram suportados pelas quotas dos associados e por alguns subsídios
do Estado, em especial do Ministério do Interior, do Ministério do Trabalho, dos
Governos Civis e de algumas autarquias, subsídios que, não raro, eram pagos com
atraso, como pode ler-se no Relatório da Direcção de 1928, onde se lê que,
―efectivamente vimo-nos por vezes com as nossa finanças bastante comprometidas por
motivo de atraso de pagamento dos subsìdios do Estado‖ (p. 3).
O jardim-escola foi talhado, deste a sua criação, como uma instituição de
assistência, não só educativa mas beneficente, e João de Deus Ramos, ao defender uma
escola para todos, cria a figura da caixa escolar. Contribuíam para a Caixa Escolar, por
subscrição de uma quota mensal, as famílias com poder económico, mas um terço da
lotação do jardim-escola era destinado às crianças pobres ―que poderiam auferir a
educação e ensino adequados à sua idade, com alimentação (duas refeições diárias,
almoço e merenda) bibes e utensìlios escolares indispensáveis‖ (Relatório e Contas,
1952, p. 10).
4.3. Museu João de Deus Bibliográfico, Pedagógico e Artístico
Por iniciativa, lançada através da imprensa, do poeta Afonso Lopes Viera e de
outros homens de letras, é constituída uma comissão que se atribuiu a tarefa de angariar
fundos e congregar vontades com o fim de edificar uma escola-monumento a João de
Deus. De entre os membros desta comissão é eleita uma subcomissão executiva,
composta esta por Cristóvão Aires, Abel Botelho, Coelho de Carvalho, Afonso Lopes
Vieira e José de Figueiredo.
Para além dos donativos enviados à Associação, alguns intelectuais da época
foram mais longe: afectaram o produto da venda de alguns dos seus escritos à realização
do empreendimento, como foi o caso de Afonso Lopes Vieira, com O Povo e os Poetas
Portugueses, e de Domingos Pires Barreira, com Alma minha gentil (Relatório e
206
Contas, 1909-1910). Também o projecto destes edifícios ficou a dever-se ao génio e à
generosidade do arquitecto Raúl Lino.
Empenhado na fundação deste Museu desde a primeira hora, João de Deus
Ramos pretendia, a um tempo, homenagear a obra de seu pai e transformar aquele
espaço num centro de cultura e numa biblioteca popular disponível para leitura e
consulta. Durante a sua vida reuniu milhares de obras e documentos e organizou-os por
forma a ―constituìrem o mais completo e perfeito documento da evolução da cultura
portuguesa‖ (O Século, 1951, Janeiro 8, p. 2).
Segundo alguns relatórios da direcção da Associação, o Museu teve uma
actividade cultural intensa, concretizada em exposições e conferências, que chamaram a
atenção do País para as grandes obras e figuras do nosso património artístico e literário.
Animaram aquele espaço, João de Barros, Afonso Lopes Vieira, Aquilino Ribeiro,
Carlos Olavo, Hernâni Cidade, David Mourão Ferreira, Irene Lisboa, Vieira de
Almeida, entre muitos outros.
Segundo o relatório da Associação relativo aos anos de 1921 e 1922, o Museu e
o Jardim-Escola que lhe está anexo eram visitados por nacionais e estrangeiros, que ali
―deixaram as suas consoladoras impressões de apreço e admiração pela obra realizada‖
(p. 2).
Sobre as actividades culturais realizadas no Museu, comenta Jaime Lopes Dias
(1954, Julho 3):
Sempre dominado pelo acendrado amor paterno, o Dr. João de Deus Ramos criou e
construiu também o Museu João de Deus, centro de destacada projecção no meio
intelectual lisboeta, e franqueou-o a todas as manifestações de arte, patriotismo e
bondade.
Praça de Concórdia, como lhe chamou outro grande espírito, perfeito exemplo de
dignidade, o querido Hipólito Raposo, ali se têm reunido, guiados pelas mesmas
finalidades estéticas, morais e culturais, muitos dos maiores valores nacionais dos
mais diversos credos e ideologias, a comprovar, o que aliás é intuitivo e elementar,
que nada no Mundo supera ou iguala a política do espírito (p. 3).
O Museu João de Deus, a que Ramos chamava biblioteca da cultura portuguesa,
para além de possuir uma ―colectânea bio-biográfica do poeta-educador‖, constituìa um
―valioso órgão de consulta sobre a marcha evolutiva da cultura portuguesa‖ (Relatório e
207
Contas, 1945, p.5). Ali encontramos, designadamente, arquivos de Teixeira de Queirós,
correspondência de Maria Amália Vaz de Carvalho, obras de Ladislau Patrício, bem
como variadíssimos periódicos e revistas dos séculos XIX e XX e documentação
referente às iniciativas da Associação.
Naquele espaço museológico eram ministrados cursos sobre o Método de João
de Deus e ali continuou ―. . . a ser explicado o Método João de Deus a todas as pessoas
que dele desejarem tomar conhecimento‖ (Relatório e Contas, 1922-1923, p. 3).
Quando, em 1943, se institui o Curso de Didáctica Pré-Primária, é ainda no
Museu que decorrem as respectivas aulas:
A par do Jardim-Escola, em Lisboa, existe o Museu Bibliográfico, que não se
destinou, exclusivamente, a guardar, em relicário, as recordações de João de Deus. É
uma sala de biblioteca e conferências, onde se realizam sessões literárias, sempre
concorridas
pelo
melhor
público
intelectual,
e
onde
também
funciona,
semestralmente, de Janeiro a Junho, um curso de didáctica pré-primária, para
habilitação de professores do ensino infantil.
(República, 1952, Julho 18, p. 4)
4.4. O Bairro Escolar do Estoril
O ―Bairro Escolar do Estoril‖ foi outras das realizações em que João de Deus
Ramos se empenhou, vindo a concretizar-se através da constituição de uma sociedade
comercial de que faziam parte, além dele, João Lopes Soares, Virgílio Vicente da Silva
e Mário Pamplona Ramos. Aquela instituição funcionou entre 1929 e 1935 e, durante
este intervalo de tempo, dois dos sócios — Vicente Silva e Pamplona Ramos —
abandonam a sociedade, que assim fica detida apenas pelos sócios Ramos e Soares;
anos mais tarde entram dois outros sócios, Luís Cardoso e o Major Jaime Reis e foi
aumentado o capital social. João Soares esteve ausente do Bairro Escolar do Estoril
durante cerca de quatro anos, preso por questões políticas e, aquando do seu regresso,
avolumaram-se os conflitos entre ele e João de Deus Ramos.
As desavenças então surgidas tiveram como pretexto imediato a posição
hierárquica de João Soares, que pretendia ser director pedagógico do colégio em
igualdade de circunstâncias com João de Deus Ramos, o que o levou a afirmar que se
208
sentia ―numa situação vexatória e ridìcula quanto às suas funções‖ (Ramos, 1936, p.
58). Ramos defende a inexistência de qualquer situação vexatória, por dois motivos:
primeiro, porque a direcção pedagógica sempre lhe pertencera exclusivamente a ele,
Ramos, fosse porque no alvará do colégio só o seu nome constava como director, fosse
porque tal atribuição lhe fora desde logo cometida pela sociedade em deliberação
constante da acta N.º 1, factos que João Soares nunca desconhecera; segundo, porque
ele, Ramos,
. . . não compreendia nem compreendo duas pessoas a dirigir um colégio. Uma só, com
o auxílio de outra ou de outras, sim; mas duas, ou mais, partilhando por igual da
mesma autoridade, não é prático. Dá-se inevitavelmente o desencontro de soluções e, a
todo o tempo, o espìrito de rivalidade‖ (idem, p. 59).
Na assembleia-geral da sociedade detentora do Bairro Escolar do Estoril, onde
as divergências que vêm referidas tiveram lugar, João Soares manifesta a intenção de
deixar a sociedade e João de Deus Ramos secunda-o, afirmando não se importar de ser
ele próprio a sair, desde que regularizadas determinadas questões financeiras em que
assumira, como avalista da sociedade, responsabilidades pessoais. Soares insiste em sair
e apresenta uma proposta que já trazia preparada: a da entrada para sócio do Sr. Negrão
Buizel, ex-tenente do exército e representante de um grupo de interessados em adquirir
o colégio. O dito senhor Buizel compraria a quota dele, Soares, e substitui-lo-ia como
professor de História no colégio. Dias mais tarde e após estudados os pormenores do
negócio, foi esta a solução adoptada.
Negrão Buizel, já na qualidade de sócio e professor, veio a ser protagonista de
vários conflitos que acabaram por destruir o Bairro Escolar do Estoril. Conta João de
Deus Ramos (1936) que ―o novo sócio [Negrão Buizel] provocou discussões
intempestivas, cuja impertinência insólita (e infernal para a minha sensibilidade) me
levou ao afastamento da empresa‖ (p. 12).
Com a saída de Ramos da instituição os professores pediram, em bloco, a
demissão, e fundaram, ainda no Monte Estoril, o Colégio João de Deus. Devido aos
seus muitos afazeres João de Deus Ramos não participou neste projecto, embora
prestasse apoio ao grupo dos professores fundadores. Para o novo colégio transitaram
dois terços dos alunos do Bairro Escolar do Estoril, apesar de, na altura, este ter
continuado a funcionar.
209
Pouco depois de haver abandonado o Bairro Escolar do Estoril João de Deus
Ramos publica Era uma vez um Colégio, livro onde conta a história da instituição e, em
especial, onde desenvolve a defesa da sua integridade contra afirmações difamatórias de
Negrão Buizel.
Durante a sua existência o colégio obteve êxito no plano pedagógico, granjeou
boa fama e assistiu a um progressivo aumento de alunos. Diz Ramos (1936): ―o número
de alunos crescia. A simpatia pela iniciativa aumentava. Tudo fazia acreditar num êxito
próximo. Era, pois, este, o pregão do meu sonho…‖ (p. 38). E ainda:
Há mais de vinte anos que eu imaginava um colégio bem diverso de quantos tive
ocasião de conhecer. Nem o convento sombrio e misterioso, onde faz medo entrar.
Nem o palácio acolhedor, mas impróprio na solenidade de interiores luxuosos,
geralmente danificados pelo tempo. Nem as camaratas desconfortáveis que lembram
pela alvura e pela extensão enfermarias de hospital. Nem os longos corredores, tristes
e soturnos. Nem os senhores perfeitos que amedrontam a delicadeza impressionável
das crianças. Nem o fanatismo religioso que alucina e amortece o espírito. Nem a
irreligiosidade vazia que prende o homem à terra, vencido pela convicção do
inexplicável. Nem ainda aquela neutralidade acomodatícia e hipócrita, em matéria
religiosa, que por ser neutralidade não é coisa nenhuma. Sob este e muitos outros
pontos de vista, a minha divergência, por tudo o que vira e soubera era grande (p.5).
João de Deus Ramos cria ―O Bairro Escolar do Estoril‖ inspirado na ―École des
Roches‖. Tal como acontecera nas suas obras anteriores, desde a arquitectura do edifìcio
ao planeamento da área envolvente, tudo foi estudado ao pormenor. Aqui, procuraria
mais uma vez fomentar a identidade nacional, desde logo na concepção arquitectónica
inspirada no modelo da ―casa portuguesa‖, a cargo do arquitecto Raúl Lino, tal como
acontecera já com os jardins-escolas.
Num prospecto (s.d a) informativo sobre o Colégio pode ler-se que o Bairro do
Estoril foi planeado para ser um ― novo tipo de colégio, que à curiosidade dos estudiosos
e pessoas viajadas fará lembrar, talvez, a École des Roches, ou alguns dos melhores
colégios belgas, ingleses e alemães, [e será] uma instituição original, caracterizadamente
portuguesa‖ (pp. 6-7).
O Bairro do Estoril era assim descrito:
Um agrupamento de casas, dentro da mesma área de terreno vedado, onde os alunos
residem em pequenas pensões independentemente dos edifícios escolares — uma
210
escola primária completa, um liceu e uma escola de artes e ofícios —, tendo anexo
um pavilhão de festas e ginásio, um pavilhão de isolamento ou enfermaria, e uma
capela privativa para o culto religioso (Prospecto, s.d., a, p. 6).
Como apoio às aulas práticas o colégio dispunha ainda de ―um gabinete de
fìsica, laboratórios e museus para o ensino prático das ciências‖ (Prospecto, s.d, 10).
Este colégio apresentava características da Escola Nova, localizava-se entre o
campo e a cidade, situado ―ao sul da Serra de Sintra, que o abriga dos ventos do norte,
defendido das correntes do mar alto pela enseada de Cascais e pela barra do Tejo, quase
só recebe as brisas tépidas do Sul durante a maior parte do ano‖ (Prospecto, s.d a, p. 8).
Era também um internato de tipo familiar, à semelhança das Escolas Novas,
onde os alunos, de acordo com a idade e a classe de estudo a que pertenciam, ―viviam
sob vigilância doméstica de senhoras estrangeiras, escrupulosamente escolhidas, para a
prática da conversação dos principais idiomas — francês, inglês e alemão. Em média,
ficavam residindo em cada edifício vinte alunos, dez em cada andar‖ (Prospecto, s.d, a,
p. 9).
Foram aqui aplicados os princípios pedagógicos de João de Deus Ramos,
preconizando-se um ―ambiente escolar higiénico, agradável e de bom gosto . . . tão útil
e necessário à saúde do corpo como à saúde do espìrito‖ (Prospecto, s.d, a, p. 3).
Procurou-se criar um ambiente acolhedor, ―um ambiente de simpatia‖ e promoveu-se a
disciplina activa, em que a rigidez empregada pela rotina de obrigar o aluno ao silêncio,
à compostura e ao estudo, era substituìda pela ―arte de educar‖. Cultivou-se, assim, ―a
alegria viva e espontânea que é a fonte iminente de toda a iniciativa e vontade de
trabalhar — postergando de vez a disciplina severa e autoritária (Prospecto, s.d. a, pp.
4,5).
Praticava-se neste colégio a educação integral, composta pela formação
intelectual, pela formação fìsica e pela formação moral, ―tendo por base rigorosa a
moral cristã, [que era considerada] um complemento e uma derivante da educação
religiosa familiar‖ (Prospecto, s.d. a, p. 10).
A educação intelectual estava confiada a professores ―especializados em todas as
disciplinas‖ (Prospecto, s.d. a, p. 10). Ao analisarmos o prospecto do colégio somos
levados a crer que João de Deus Ramos escolheu rigorosamente o corpo docente. Havia
professores formados nas áreas das letras, das ciências, do comércio e da cultura
211
artística (pintura, declamação e arte de dizer, piano, violino e canto) (Prospecto, s.d, a,
p. 10).
O assentimento do aluno não deveria ―resultar do medo do professor, mas do
respeito ao professor‖. A disciplina na escola deveria ser a disciplina do trabalho, ―do
trabalho bem ordenado; do trabalho que se faz por gosto, do estudo, da aprendizagem,
da atenção que se dispensa voluntariamente, reduzindo-se tudo a uma simples
acomodação de actividades‖ (Prospecto, s.d, p. 5).
Ainda sobre a disciplina adoptada naquela instituição, pode ler-se num artigo do
Jornal O Bairro Escolar do Estoril (1935, Março 23), que ―Aqui . . . no Bairro Escolar
adopta-se uma disciplina diferente, uma disciplina a que podemos chamar ‗educativa‘
— porque estimula e desenvolve naturalmente a personalidade da criança num ambiente
de alegria e de liberdade condicionada (p. 1).
Entre as actividades não-lectivas, ou ditas circum-escolares praticadas no Bairro
Escolar inseriu-se a edição do jornal O Eco, mais tarde substituído por um outro,
denominado O Bairro Escolar do Estoril, órgão que pretende divulgar informação sobre
a actividade do colégio e, ao mesmo tempo, servir de veículo à divulgação de textos
inéditos dos alunos.
As despesas suplementares e extraordinárias dos alunos, tais como livros,
vestuário, calçado, excursões educativas, etc., eram suportadas pela Caixa Económica
Escolar, cuja receita era constituída pela dedução de 10 por cento sobre o total das
respectivas mensalidades. Este montante era gerido pelos próprios alunos,
desenvolvendo-lhes desta forma a autonomia e a auto-responsabilização. A Caixa
Económica Escolar tinha, assim, um duplo fim: ―ocorrer às despesas extraordinárias, em
conta corrente, sem obrigar os pais e encarregados de educação ao pagamento de
quantias mensalmente variáveis e inesperadas; e educar o aluno no espírito da
economia, pelo conhecimento directo da administração dos dinheiros depositados‖
(Prospecto, s.d. b, pp. 2,3).
Os alunos dispunham ainda de uma Cantina Escolar, assim definida: ―é um
restaurante, sem luxo, mas confortável, onde os alunos internos tomam diariamente as
refeições principais, e de que os alunos externos poderão também aproveitar, mediante
um pagamento mensal‖ (Prospecto, s.d. b, p. 3).
212
4.5. O Lar Educativo João de Deus
Poucos anos após o seu afastamento do Bairro do Estoril, João de Deus Ramos
cria, em 1939, o Lar Educativo João de Deus, no rés-do-chão de um edifício sito à Rua
Viriato n.º 23, destinado a um grupo pequeno de crianças dos seis aos onze anos.
Parece-nos que este Lar foi fundado na sua própria residência, ou, pelo menos, no
mesmo edifício, porquanto, no livro Era uma vez um colégio…o autor refere que
habitava numa casa em Lisboa, ―na Rua Viriato, 23 — casa que eu habitava antes de ir
para o Estoril e para onde voltei a residir agora‖ (Ramos, 1936, p. 70).
Este mesmo Lar foi, em 1938, frequentado pelas filhas de João de Deus Ramos, ou seja,
pelas ―próprias netas do autor da Cartilha Maternal‖ (Diário de Lisboa, 1939, Maio, 30,
p. 2).
O corpo docente deste Lar era constituído por professores especializados para a
instrução primária e pré-primária, ali se leccionando também francês, ginástica, piano e
canto coral. Acerca deste Lar Educativo, conta-nos João de Deus Ramos (1939, Maio
30):
Embora de âmbito limitado, esta escola — a que dei o nome de Lar Educativo João
de Deus . . . abrange no seu programa todo o ensino primário, desde a preparação em
Kindergarten tal como no Jardim-Escola João de Deus (que institui, há bastantes anos
já, para modelo português da escola infantil) até completa habilitação para a admissão
aos liceus, a que não falta a aprendizagem prática e corrente da conversação francesa.
Abrigo moral, onde a atenção infantil pode estar permanentemente ocupada sem risco
de fadiga; ambiente de alegria, onde os jogos ao ar livre e os exercícios físicos,
adequados à idade, se executam conforme a mais rigorosa higiene pedagógica; o Lar
Educativo João de Deus oferece ainda a vantagem de ter sido organizado e instalado
para um muito reduzido número de crianças — de 6 a 11 anos — com lotação em
cada aula de 12 alunos apenas, o que constitui garantia de eficácia na aplicação dos
métodos adoptados e de melhor aproveitamento. Após os 11 anos . . . Durante os 1º e
2º anos do liceu o Lar Educativo João de Deus acompanha, pela regência de estudos,
as crianças que se tenham habilitado aqui (p.2).
213
4.6. Pensamento pedagógico; ambiente educativo e orgânica escolar
Os cultores da chamada Escola Nova centraram-se no desenvolvimento da
criança e empenharam-se em estudá-la sob todos os aspectos para melhor adequarem os
respectivos métodos pedagógicos. João de Deus Ramos (1918, Janeiro) considera que
em relação a estes métodos ―foi de máxima importância o aparecimento do método João
de Deus, publicado em 1876, [pois solucionou] o problema educativo nacional . . . nas
suas bases essenciais‖ (p. 414).
Para Ramos a escola deve ser a imagem da sociedade em que se insere, e isto
logo desde (ou sobretudo desde) a escola maternal. Preocupado com a preservação da
identidade cultural e com os valores de cada nação, defende uma educação nacional,
verdadeiramente portuguesa. Só na escola e através dela é que o indivíduo aprenderia a
ser um ―homem novo‖. E pretendendo-se, como se pretendia, republicanizar o país,
forçoso era começar pelo Jardim-Escola, aí se praticando novos princípios pedagógicos,
em tudo contrários aos que, na época, eram praticados nas escolas portuguesas. Tal
como Pestalozzi, considera o Jardim-Escola João de Deus ―uma escola popular, isto é,
uma escola para os filhos do povo‖ (Ramos, 1916, p. 1).
Defendia que todo o ensino devia obedecer a um critério nacionalista, e, neste
sentido, ouçamo-lo:
Todo o ensino em Portugal deve obedecer a um critério nacionalista . . . A melhor
prova que posso dar dessa maneira de ver está na existência dos jardins-escolas, que
em todos os seus aspectos constituem uma escola diferenciadamente portuguesa,
desde a arquitectura aos mestres e aos processos de ensino. (Diário de Noticias, 1931,
Setembro, p.1) Ora, a personalidade nacional depende da configuração, em
somatório, dos valores individuais, ou seja: da personalidade de cada indivíduo. E
surgem, de novo, dois aspectos do problema a ter em conta: o aspecto formativo e a
generalização da cultura. O primeiro impõe o estudo dos métodos de ensino e a
selecção das aptidões; o segundo, refere-se à revisão e remodelação completa de toda
a orgânica escolar.
(Comércio do Porto, 1944, Novembro 13, p.3).
214
4.6.1. O edifício escolar
João de Deus Ramos criticou a escola popular de então, que lhe parecia
―destinada a permanecer como um símbolo inalterável do estado quase improdutivo da
mentalidade portuguesa‖, e porque não possuìa ― nenhuma caracterìstica arquitectónica,
nem decorativa, nem higiénica nem mesmo pedagógica‖ (Ramos, 1918 Janeiro, p. 415).
E diz ainda, a este respeito:
Para os pedagogos que advogavam, como lei, a fórmula de que «o método é o
professor», o problema da instalação da escola é um problema complementar.
Aqueles, porém, que não estão convencidos de que o professor primário possua o
dom divino de fazer do nada alguma coisa, olham a questão como sendo uma questão
primacial. E assim é, na verdade (idem, p. 415).
Ramos (1945a) defende que a orgânica escolar é fundamental para a instalação e
funcionamento de qualquer instituição escolar. E diz:
Desde a arquitectura do edifico e área do terreno circunjacente, até à solução da
higiene, da decoração e do bom gosto no arranjo geral, compreendido o mobiliário e
o arsenal pedagógico indispensável; desde os programas e os horários das lições, até
ao espírito da disciplina educativa e respectiva metodologia a adoptar, tudo isso são
aspectos diversos de uma só questão — o que deve ser a escola? — aspectos
interdependentes que se completam entre si (p. 1).
Ramos (1945a) defende que a Orgânica Escolar partilha dois sectores distintos, a
pedologia e a metodologia. Quanto à primeira,
Procura definir a matéria, proporcionando-lhe a base cientifica… [para além de
abranger] o conhecimento psíquico fisiológico da criança . . . Visam-se ali os
fundamentos da verdade, ou seja, da realidade científica, para que se possam conferir
e justificar devidamente os processos pedagógicos e o ambiente educativo
apropriado, sem o qual não pode haver trabalho útil, pois que a sensação de bem estar
e de alegria é tão necessária para a saúde de corpo, como à saúde do espírito (p. 2).
Quanto à metodologia, ‖utiliza a intuição e a experiência para a leccionação,
associando assim, quanto possìvel, a ciência à arte de ensinar‖, para além de abranger
215
―o funcionamento directo e imediato da educação e ensino a ministrar e, por
consequência, a processologia aplicável‖ (Ramos, 1945a, p. 3).
O projecto dos Jardins-Escola João de Deus, desde a arquitectura à decoração,
foi pensado e estudado ao mais ínfimo pormenor, tendo-se adoptado o traçado da casa
portuguesa da classe média. Ramos acreditava que a criança aceitaria melhor a escola se
a fisionomia arquitectural desta lhe lembrasse a sua casa. Defendia a criação de uma
estrutura própria, diferenciadamente portuguesa, onde se enquadrassem os nossos
métodos, ou seja, onde fosse possível a melhor aprendizagem da leitura e da escrita tal
como a preconizara João de Deus, e afirma, a este propósito: ―se considerarmos que o
meio geográfico, o clima, a índole do povo, os costumes, as tradições, as necessidades
industriais, tudo isto diverge de nação para nação, reconhecemos também que o tipo de
escola terá de diferir‖ (Ramos, 1940, p. 11).
Tinha o cuidado de construir os edifícios escolares quer na periferia das cidades,
onde houvesse grandes jardins públicos, quer perto de zonas arborizadas. Assim
aconteceu no tocante à construção dos jardins-escolas inaugurados durante a sua vida e
de que são exemplo os jardins-escolas de Coimbra, da Estrela (em Lisboa) e de Leiria.
Sobre a estrutura do edifício, explica-nos João de Deus Ramos (1945a):
O nosso jardim-escola, cujo objectivo inicial de estrutura própria obedeceu à intenção
de se realizar um modelo português de escola infantil. . . . O que inspirou a planta do
edifício e a demarcação do terreno que o envolve, destinado a ajardinamento, jogos e
exercícios ao ar livre, foi um premeditado sistema pedagógico, para cuja execução se
podia estabelecer desde logo a capacidade populacional infantil, dividir por idades e
por grupos ou secções‖ (p. 1).
Ainda sobre a construção dos Jardins-Escolas, afirma:
Em todas as construções da Associação e tanto na aparência estética externa, como no
mobiliário, no detalhe e ornamento interno, imprimimos sempre o traço da nossa
nacionalidade, o estilo característico português onde ele existe, decompondo-o,
actualizando-o, mas mantendo-o em absoluto, como uma defesa da nossa arte e da
nossa forma tradicional. Penso que devemos, nós portugueses, manter hoje mais do
que nunca a nossa independência, e essa não será apenas a independência política,
mas todas as outras, na arte, nas letras, nos processos, de modo que cada vez a nossa
raça se defina e o carácter especial do nosso povo se vinque, para afastarmos do
216
espírito da crianças a ideia da inferioridade, a que estamos em triste hábito vê-la
sujeitar-se. E isso seria uma conquista eloquentemente nacional.
(Boletim Propaganda, 1917 Janeiro, Fevereiro , Março , p. 236)
Defendia que o edifício do jardim-escola deveria ser construìdo ―num só
pavimento baixinho‖ semelhante aos lares dos pobres. ―Não arranha-céus, nem pela
altura das paredes, nem pela eminência do ideal educativo que realiza‖ (Académico
Figueirense, 1938, Abril 23, p. 1). Considera a cubagem, a iluminação, a ventilação e a
largura das janelas, como elementos a ter em conta nos edifícios escolares, dizendo:
Quem pois visita [os jardins-escolas] não precisa de se cansar a subir: entra, e vê logo
um amplo salão, iluminado e ventilado por janelas e portas envidraçadas, com as suas
salas anexas, e cantina, e lavabos, em perfeita continuidade, sem corredores nem
cubículos, escusados, que prejudicariam, decerto, a livre movimentação das crianças.
(Académico Figueirense, 1938, Abril 23, p. 1)
Referindo-se ainda aos espaços escolares, é de opinião que devem evitar-se os
corredores e os pequenos compartimentos, que se prestem a esconderijos, pois um
―ambiente de simpatia ― carece de espaços livres, só assim se evitará o cuidado de
espreitar ou espionar, o que evidentemente origina prejuízo para a educação moral, por
ser gesto de desconfiança, falho de lealdade‖ (Ramos, 1945a, p. 3).
Para Ramos, numa escola onde haja ―paredes riscadas; carteiras riscadas; os
mapas falantes ou mudos servindo de decoração, suspensos, dependurados ao acaso‖,
não existe um ambiente educativo, o que provoca necessariamente ―a indisciplina, o
mal-estar, e o desencontro dos trabalhos escolares‖ (Ramos, 1918 Janeiro, pp. 415-416).
A criação de um bom ambiente arquitectónico e humano, com uma decoração
simples, onde a arte estivesse presente, era um dos tópicos fundamentais da sua
pedagogia. A decoração, confiava-a a artistas porque, para ele, ―as paredes-mestras
também são mestras‖ (citado em Deus, 1982, p. 8). Também os trabalhos das crianças
faziam parte dessa decoração: ―desenhos, dobragens, entrelaçamentos, corte e colagem
em papel, modelação em barro, material para lições de coisas etc., tudo se mantêm
cuidadosamente exposto, e bem à vista, em armários apropriados‖ (Académico
Figueirense, 1938, Abril 23, p. 1).
217
Henrique Costa descreve assim o interior do Jardim-Escola João de Deus de
Lisboa (1922, Outubro 25):
Entrei e encantado, vi então que o interior dos edifícios era mil vezes mais admirável
do que o exterior, que uma obra quase inacreditável de graça, de bondade, de
adaptação infantil e de proficuidade se realizara por fim. De tal arte, que toda e
qualquer pormenorização estará, sempre, longe da verdade.
Os viveiros das crianças na primeira idade, extenso, reluzente no brilho do parquet e
na claridade amarelada do mobiliário, na poeira da luz intrometendo-se através dos
vidrilhos ali, onde, talvez, melhor ficaria um vitral polícromo; as aulas pequeninas
mas suficientes, de tectos altos e cheias de alegria — satisfazendo a todas as
condições pedagógicas; a arte e a alacridade ambientes, os amarelos dos ornatos.
Depois a sala dos repastos, mimo de graça e de beleza, a pequenina cozinha, toda
branca; a higiene dos lavabos e retretes, a graciosa farmácia suspensa; os frágeis,
claros armários de exposição — tudo isto enfim, se casava maravilhosamente ao
branco colorido dos azulejos pintados, ao vermelho dos grandes vasos, ao verde das
florescências, por toda a parte, por toda a parte insinuando-se, e ao branco da
cantaria! (p.2).
Também as dimensões das salas de actividades do jardim-escola couberam nas
preocupações de João de Deus Ramos, quando diz:
Colocando o mestre no lugar que tradicionalmente lhe compete, o ângulo visual do
seu olhar, focada de frente a classe, marca a largura da aula, cerca de 5 m ou pouco
mais; e a sua voz natural, falando sem elevações que desafinam e irritam, a fim de
não cansar os órgãos vocais nem ser ouvido com dificuldade, serve para indicar a
elevação em comprimento, cerca de 6 a 7 m (Ramos, 1945a, p. 2).
Ramos (1945a) considera a sala de aulas ―uma oficina; e o mestre é um guia‖ (p.
3). Para ele, o edifìcio escolar deveria ter mais de uma sala de aula, e não ―uma aula
como se vê na maioria das escolas primárias oficiais‖, para se poderem ministrar
aprendizagens diferentes, ―os assuntos em curso de aprendizagem, e o aproveitamento
dos alunos, tendo de ser graduados, carecem de ministrar-se em salas separadas, o que é
óbvio‖ (Ramos, 1945a, p. 3).
Condena o número excessivo de alunos nas salas de aula, por originarem
―atropelos nos serviços escolares e aglutinação das actividades individuais‖ e defende
218
que o número de alunos ―é a condição fundamental para a formação de um bom
ambiente educativo‖ (Ramos, 1945a, p. 1).
Quanto à população escolar dos Jardins-Escolas João de Deus, afirma:
O edifício da escola terá uma aula para quinze alunos, o máximo, notando que a
frequência total pretende-se que seja de cem crianças. Essa aula servirá para o
desenho, para a escrita e para as lições de leitura, quando mais de quatro ou cinco
alunos queiram dar lição em comum, em classe.
(Defesa, 1910 Janeiro 18, p. 2)
Referindo-se ainda os espaços do edifício escolar, comenta João de Deus Ramos
(1910, Janeiro 18):
Dentro do edifício da escola o museu será a sala principal. Não se trata de um museu
de raridades, mas precisamente de coisas vulgares, para que se possa entreter diálogos
agradáveis entre os professores e alunos, e assim fazer um curso de linguagem, pelo
conhecimento dos objectos e da sua aplicação, até atingir o vocabulário familiar . . .
Terá também o edifício da escola, além de um balneário, cuja utilidade não preciso de
justificar, uma cantina . . . (p. 1).
Quanto ao logradouro do jardim-escola, opina:
Exteriormente, a área do terreno (que nunca deve ser menos de cinco vezes a do
edifício escolar) carece de ser também cuidadosamente considerada, como parte
integrante da escola, para os exercícios ao ar livre. A educação física o reclama. A
vida é movimento; é preciso não esquecer que a actividade sensorial prevalece na
infância, e vai além da fase da adolescência. Tem de ser, portanto, previdentemente
aproveitada e conduzida (Ramos, 1945b, p.3).
Ainda sobre o aproveitamento deste espaço, comenta:
No jardim-escola João de Deus aproveitar-se-á o jardim, para fazer quanto possível o
ensino ao ar livre, dividido em várias secções de maneira que se possa estabelecer um
ambiente de permanente curiosidade, a fim de dar mil e uma lições de coisas —
experimentais e de observação — e de preparar o espírito das crianças para as noções
219
mais abstractas do ensino primário como, por exemplo, o ensino da corografia pelo
mapa.
(Defeza, 1910, Janeiro 18, p.1)
Defende no jardim-escola a existência de uma pequena sala que ―servirá para a
inspecção médica das crianças, organizando assim um laboratório de psicofisiologia
infantil, única base verdadeira para determinar e modificar os processos de ensino‖
(Defeza, 1910, Janeiro 18, p. 2).
4.6.2. As secções ou classes
Os Jardins-Escolas eram frequentados por crianças dos quatro aos oito anos,
divididas em 3 secções, consoante a idade. A primeira secção, ou a dos Viveiros, era a
dos mais pequeninos, dos 4 aos 5 anos; a segunda secção, dos 6 aos 7 anos e,
finalmente, a terceira secção agrupava os mais velhinhos, dos 7 aos 8 anos,
correspondendo a cada grupo etário um programa especializado e bem definido.
Os horários das crianças eram distribuídos por horas lectivas e recreios
―criteriosamente previstos e estudados‖ (Ramos, 1945d, p. 1). Sobre o horário das
crianças no jardim-escola de Coimbra testemunha Berta de Almeida (1913 Abril e
Junho): ―a pequenada entra naquele estabelecimento às 9 e meia e regressa a suas casas
às 17; a essa hora já as espera ao pé da Escola o carro eléctrico que as há-de conduzir
até lá e que já de manhã as trouxera‖ (p. 111).
Sobre o mesmo assunto e em artigo de jornal que parcialmente transcrevemos,
pode ler-se:
Os mais pequeninos vão para o viveiro, de onde são transplantados para as outras
classes. E após curtos períodos de amável ensinamento com as singelas letras negras
e pardas do método, vem o recreio, gratos intervalos de marcha, de folguedo no
jardim — com aproveitamento de noções de botânica — animatógrafo com
projecções instrutivas, dança e canto coral . . . A meio do dia vem o almoço . . . E
pela tarde serve-se a merenda.
(Diário de Lisboa, 1929, Junho 14, p. 4)
220
O vestuário também não foi descurado. Sendo o Jardim-Escola frequentado por
crianças de todas as classes sociais, definiu-se que estas deveriam usar bibes, para que
as diferenças de qualidade das roupas que vestissem não estigmatizassem umas ou
envaidecessem outras. Assim, os rapazes deveriam usar bibes azuis às riscas e as
meninas bibes rosa, estes também riscados mas com uma gola branca, a romeira. Como
calçado, todos usavam alpercatas cinzentas. Entrava ―a pequenada pelas nove horas da
manhã e começa por envergar os bibes azuis e rosa fornecidos pela Escola, trocando o
calçado da rua por ligeiras alpercatas‖ (Diário de Lisboa, 1929, Junho 14, p. 4).
Para João de Deus Ramos era importante que as crianças tomassem as refeições
— o almoçar e a merenda — no Jardim-Escola, pois no decurso destas propiciava-se às
crianças a aquisição de regras e hábitos de higiene, para além de se promover a sua
socialização. Como nos conta ainda Berta Almeida (1913 Abril e Junho), ―ali as
crianças vão-se educando na maneira de estar à mesa e aprendendo os preceitos de
civilidade que se devem usar neste lugar‖ (p. 111).
Segundo outro artigo de jornal, nos Jardins-Escola João de Deus,
…, não há injustiça nem mentira: são todos iguais, filhos de ricos e filhos de pobres,
sentam-se na mesma mesa, por todos igualmente repartem os mesmos carinhos, não se
lhes pergunta se estão ou não baptizados, vestem bibes do mesmo pano e não há fidalgos
nem plebeus.
(A Voz da Justiça, 1922, Julho 21, p. 1)
De acordo com alguns relatórios da direcção da Associação dos Jardins-Escolas
João de Deus, era servida ainda uma terceira refeição, o pequeno-almoço, às crianças
mais carenciadas. A alimentação era paga apenas pelas famílias remediadas, sendo que
as crianças de famílias de menores recursos eram subsidiadas pelas Comissões de
Assistência.
4.6.3. O ambiente educativo
João de Deus Ramos dá importância ao ambiente educativo: ―a sensação do
ambiente – higiénico confortável e de bom gosto – é tão útil à saúde do corpo, como à
saúde do espírito‖ (Académico Figueirense, 1938, Abril 23, p. 1). Considera o ambiente
221
educativo ―o principal agente de cultura e, consequentemente, a instalação de uma
escola não pode ser uma questão secundária‖ (Diário de Noticias, 1931, Setembro 16, p.
1).
Um dos princípios da sua metodologia foi o que ele denominou por ―ambiente
de simpatia‖, ambiente que só poderia ser criado através de equilibradas relações
humanas entre ―professoras, alunos, pais, servidores, tornando a obra numa numerosa e
solidária famìlia‖ (Carvalho, 1997, p. 43). Entendia que só um ambiente assim levava a
criança a viver bem consigo mesma e com os outros, a formar equilibradamente o seu
carácter e a desenvolver aptidões.
Tal ambiente ―constitui o principal factor da vida subjectiva e sentimental, quer
no seio da família, quer na escola‖, por isso tem que ser calmo e ―alegre, porque a
alegria na infância é uma condição natural da idade‖ (Ramos, 1945b, p. 1). Para ele, o
―ambiente de simpatia‖ é ―um ambiente acolhedor, onde se atende primacialmente à
criança, à sua curiosidade e bem-estar‖, favorável ao desenvolvimento fìsico, moral,
espiritual e estético da criança (Ramos, 1945b, p. 2).
Ainda sobre o ambiente escolar das escolas pré-primárias, comenta:
Em França, por exemplo, as escolas pré-primárias têm a designação expressiva de
escolas maternais. É acertada esta designação, porque o ambiente de uma escola
infantil precisa de ser vivo e repousante, carinhoso e tépido como o seio materno. Os
seus umbrais de entrada devem ser amplos e franqueados, como dois braços que se
abrem para abraçar. Dentro do edifício a criança precisa de sentir-se como que
envolvida acariciosamente por todas as coisas que a rodeiam.
Eis porque tenho como certo que a influência constante do ambiente escolar sobre a
cultura dos sentidos e direcção dos hábitos infantis pode ser tão útil ou tão prejudicial
como o são, sem contestação possível, os bons ou maus exemplos dos mestres. Mas
esse problema varia nos seus principais aspectos, com os povos das diversas
nacionalidades. Cada povo, cada escola.
(A Voz da Justiça, 1922, Julho 14, p. 1)
Considera que o Jardim-Escola João de Deus de Coimbra foi ―a primeira
instituição educativa de ambiente alegre e de bom gosto que houve em Portugal, e em
que se conjugou um sistema pedagógico com a ‗arte na escola‘, processo eficiente de
associar a formação moral ao sentido estético‖ (Ramos, 1945b, p. 2). E adianta que uma
escola onde não se promova um ―ambiente de simpatia‖ acaba por se transformar
222
―numa atmosfera deletéria, onde as crianças aprendem pouco e mal, com sacrifício da
saúde e das tendências naturais do espìrito‖ (Ramos, 1918 Janeiro, p. 415).
4.6.4. As actividades por faixa etária
A cada grupo etário corresponde um programa específico. A função essencial
dos Viveiros era a de socializar a criança e estimulá-la sem esforço a auto disciplinar-se.
Nesta classe, predominam as actividades livres e criativas. Entre estas encontram-se os
―dons de Fröbel‖, jogos que a criança pratica com entusiasmo, como que brincando e
que lhe vão gradualmente fornecendo os estímulos necessários ao seu progresso
intelectual. As canções, as danças, a expressão gestual, os contos, as marchas, o desenho
e os trabalhos manuais, são outras tantas actividades em que a criança participa e de que
usufrui plenamente.
Aquando da passagem para a segunda secção as actividades intensificam-se,
tornam-se mais específicas, e a criança vai adquirindo hábitos de trabalho. Para além
das ―lições de coisas‖, dos trabalhos manuais, da modelagem, do desenho e da ginástica,
é nesta fase que se inicia a aprendizagem da leitura pela Cartilha Maternal, bem como a
escrita das letras e dos algarismos, praticados em cadernos específicos, adequados a
cada fim, sendo também nesta fase que tem lugar a iniciação à aritmética e ao cálculo.
Pelos oito anos, a criança é motivada a praticar de forma mais intensiva todas estas
actividades.
Henrique Costa (1922, Outubro 25), após uma visita ao edifício do JardimEscola João de Deus de Lisboa, presencia as actividades pedagógicas praticadas pelas
das crianças e testemunha:
Dentro do viveiro umas dezenas de crianças construíam, reflectindo os miúdos
pezinhos no polido rebrilhante do sobrado, sem algazarra mas alegremente, jogos de
fins pedagógicos. Nas aulas do rés-do-chão (nada das temíveis aulas opressoras de
outrora) outras estudavam preparando as suas lições, e outras ainda despertavam os
sentidos, a inteligência, e sentimento e a destreza com graciosos trabalhos manuais,
na sala do primeiro andar, toda banhada de sol (p.2).
223
4.7. Práticas educativas
A orientação pedagógica dos Jardins-Escolas João de Deus entroncava na escola
popular de Pestalozzi e no Kindergarten de Fröbel, cujos princípios pedagógicos se
haviam tornado universais, os mesmos ―princìpios que também haviam orientado o
autor da Cartilha Maternal‖ (Ramos, 1938, p. 3).
Ramos, ao comparar os ideais pedagógicos de seu pai com os de Fröbel,
comenta:
Fröebel, como disse, viu e respeitou na criança a alegria. João de Deus, o sentimento e a
actividade. Fröebel, o amor pela natureza revelado na mais tenra idade. João de Deus, a liberdade
de movimentos e a curiosidade natural, como ponto de partida para todo o ensino. Fröebel
reconheceu, desde logo, a necessidade de educar a vista, o ouvido e os sentidos. João de Deus
considera a criança um ser pensante e, por consequência, a indispensabilidade do raciocínio em
toda a aprendizagem. Os sistemas, pois, de Fröebel e de João de Deus, completam-se,
conflituando apenas no ensino da leitura e da escrita, cuja solução pertence sem dúvida ao
educador português.
Por aqui se pode avaliar qual seja a orientação do jardim-escola João de Deus. . .
(Defeza, 1910, Janeiro 18, p. 1)
No dizer de João de Deus Ramos (1938), ―datam os Jardins-Escolas João de
Deus da mesma época em que apareceu Decroli na Bélgica com uma escola sui generis,
em Ixelies, e a Casa dei Bambini de Maria Montessori, na Itália. Quer isto dizer que não
nos copiámos reciprocamente‖ (p. 3).
Ainda na senda das apreciações comparativas, diz: ―O nosso sistema é mais
apropriado ao meio português. Parti da Cartilha Maternal e tratei de organizar e
sistematizar um método adequado a crianças dos quatro aos oito anos. Sem renegar o
que é adoptável ou adaptável da experiência universal, procurei sobretudo criar um
sistema nacional‖ (Primeiro de Janeiro, 1951, Junho 1, p. 1).
Procurando uma educação equilibrada, uma educação capaz de formar moral e
intelectualmente as crianças, aponta como princípios básicos do seu modelo, os
seguintes:
O relacionamento da criança com o meio e com a sociedade;
O primado da educação sensorial e perceptiva; e,
224
O conhecimento do corpo humano, através dos jogos, das canções, da educação
física e da expressão gestual.
Ramos defendia que todas as crianças, antes da escola primária, deveriam
frequentar o jardim-escola; ―a infância portuguesa‖, afirmava, ―enquanto não lhe chega
a vez de entrar na escola primária, vive à margem da gente grande, no mais completo
abandono espiritual‖ (Ramos, 1940, p. 8). É adepto de que as crianças deveriam entrar
na escola primária já a saber a ler, a escrever e a contar e de que a idade limite da escola
infantil não é aos seis anos, mas aos oito, e defende que este assunto deveria ser
estudado antes de encetada uma reorganização do ensino primário. Sobre este assunto,
comenta:
Cheguei a esta conclusão: não é a escola primária que tem a obrigação de ensinar a
ler e a escrever, mas sim a escola pré-primária, a escola infantil por excelência. Em
todos os países onde o ensino pré-primário está bem organizado e desenvolvido, pode
afirmar-se que o analfabetismo não existe, ou se existe é uma diminutíssima
percentagem. Dá-se o contrário nos países onde não há a organização desse
indispensável ensino.
(Diário de Noticias, 1931, Setembro 16, p. 1)
E adianta, sobre o mesmo tema:
Ao Estado deve pedir-se-lhe a criação imediata de uma larga rede de escolas infantis,
devidamente organizadas. É uma acção que temos que considerar primacial,
sobretudo pelos seus resultados mais distantes, mais completos e contínuos . . . .
O Estado, antes de se lançar na instalação cuidada e criteriosa da escola infantil (e já
não quero ter a pretensão de lhe oferecer o exemplo dos meus jardins-escolas),
deveria criar uma secção anexa à escola primária com o objectivo restrito do ensino
infantil. Ser-lhe-ia fácil, relativamente, se não em todas as escolas primárias, pelo
menos em muitas delas, que dispõem de terreno para esse efeito; possível seria
improvisar pavilhões.
(Diário de Noticias, 1931, Setembro 16, p. 1)
Ramos estabeleceu uma rigorosa distinção entre educar e ensinar. Segundo ele, a
principal tarefa consistia em educar, em formar moral e espiritualmente a criança, só
depois vindo a fase do ensino; e diz-nos, a este propósito:
225
…os termos educar e instruir têm significados diferentes.
Educar consiste em aproveitar — dirigindo — as forças individuais nas suas
tendências e inclinações tão completa e ordenadamente, que nenhuma delas se perca,
ou se prejudique nenhuma.
Instruir consiste em desenvolver essas forças — aplicando-as — acrescentando às
impressões adquiridas, novas impressões, conhecimentos novos (Ramos, 1902, p. 6).
Embora considerasse o ambiente familiar uma escola excelente e insubstituível,
não deixou de notar que em casa não existiam ocupações adequadas à educação da
criança. No lar proporciona-se à ―criança o que vulgarmente se chama um
entretenimento, uma brincadeira, como se não fosse preciso mais; como se não fosse
preciso ocupá-la com meios e ensinamentos próprios do seu agrado, sim, mas previstos,
regrados, metódicos‖ (Ramos, 1940, p. 11).
Seria então a escola infantil a proporcionar competências e condições para
prender a atenção e promover o desenvolvimento da actividade espiritual da criança,
porque, dizia, ―quem não sabe ocupar a criança, não sabe educar‖ (Ramos, 1940, p. 11).
4.7.1. Lições de coisas
João de Deus Ramos evidencia a importância das ―lições de coisas‖ (outro
aspecto do método), a serem apresentadas de uma forma cíclica e relacionada, dando à
criança o conhecimento de si própria e do que a cerca no espaço e no tempo,
exercitando-lhe o raciocínio e, pela utilização do método associativo, facilitando-lhe a
aquisição de noções.
Ramos defende (1945d) que qualquer criança ―manifesta o desejo e a
necessidade de dar amplitude a vagas noções que tem do mundo que a rodeia‖ (p. 3) e,
por isso, considera as ―lições de coisas‖, mais tarde denominadas ―temas de vida‖, uma
actividade indispensável para a criança (Carvalho, 1990, p. 15). Segundo o autor,
através das ―lições de coisas‖ promovia-se o ―desenvolvimento e a correcção ao
vocabulário familiar‖, ao mesmo tempo que se ministravam os ―primeiros rudimentos
das ciências‖ (Ramos, 1945d, p. 3). E acrescentava: ―à maneira de apostolado, afirmo
que, dentro dos limites da linguagem de uso comum, o ensino das lições de coisas tem
226
de orientar-se de maneira a ser a elucidação raciocinada do que a criança sabe dizer mas
não sabe explicar‖ (Ramos, 1945d, p. 3).
É interessante verificar a abertura de Ramos à utilização das (então) novas
tecnologias ao ensinar que as ―lições de coisas‖ deveriam ―incidir sobre uma coisa ou
imagem‖ e, quando tais coisas ou imagens não se encontrassem disponìveis nas
instalações escolares, porque não era ―possìvel dispor-se de um vasto arsenal
pedagógico‖ dever-se-ia ―recorrer (e em muitos casos com vantagem) à utilização dum
projector, para se obter por meio de projecções luminosas uma boa seriação lógica dos
assuntos‖; e as ditas ―lições de coisas‖ só poderiam ser eficientes se obedecessem,
… a uma ordem metódica e devidamente relacionada. Porque toda a tarefa consiste
em observar e relacionar. Ora, se quem relaciona raciocina, raciocinar bem será
relacionar bem. Sem, pois, haver ordem lógica e criteriosa, não se obterá, nem se
manterá, o elo da curiosidade infantil ante as formas e aspectos das coisas (Ramos,
1945d, p. 3).
Organiza as ―lições de coisas‖ em ―ciclos de conhecimentos‖, preconizando um
―plano geral‖ em forma de espiral, em função da idade das crianças, com o seguinte
elenco:
Corpo humano — Os cincos sentidos — O sol (que nos alumia e aquece) — O
Mundo (à roda do sol) — A forma do Mundo — A lua (à roda do Mundo) — A
atmosfera (que envolve o Mundo e nos proporciona o ar que se respira) — Os
estados da matéria (sólido liquido e gasoso) — Os três reinos da natureza (mineral
vegetal e animal). A propósito do reino animal e da escala zoológica dos mamíferos,
voltar a falar do Homem, o qual carece do abrigo da habitação, do ambiente da
família, dum modo de vida profissional (artes e ofícios) e, por consequência, de
cooperar e ser solidário com os seus semelhantes, os quais prezará, em conformidade
com o preceito de Jesus Cristo, ―como a si mesmo‖ (Ramos, 1945d, p. 3).
Com este ―currìculo‖ João de Deus Ramos pretende que a criança compreenda
as coisas, e o meio que se relaciona com essas coisas. Procura que ela aprenda a
conhecer-se a si própria, o seu corpo e o seu esquema corporal e, em seguida, que
integre a noção de tempo — hoje, ontem e amanhã — utilizando o dia como unidade de
tempo. Pretende também que a criança se integre no meio que a cerca, que conheça os
outros e o seu ambiente. Estas lições eram realizadas a partir de diálogos, através dos
quais a criança devia observar, descobrir e descrever. Segundo Ponces de Carvalho
227
(1990), neto do autor, esta metodologia ―representa um dos aspectos mais originais da
pedagogia de João de Deus Ramos‖ (p. 15).
Acerca do efeito, sobre as crianças, das referidas ―lições de coisas‖, pode ler-se
o seguinte excerto:
O vocabulário vai-se integrando pelo somatório das lições de coisas com que as
crianças estão constantemente em contacto . . . símbolos de ideias concretas — os
nomes de coisas se aprendem conhecendo coisas, o corpo docente induz
delicadamente a criança a observar, perscrutar, a executar da maneira mais simples as
operações psíquicas fundamentais: a análise e a síntese (Bergström, 1912 Junho
Agosto, Setembro, p. 94).
4.7.2. Educação sensorial
Para João de Deus Ramos a finalidade do ensino infantil é o desenvolvimento
integral da criança, nas suas vertentes física, intelectual e moral, sendo que a educação
sensorial e perceptiva era uma das prioridades. Concordando com os teóricos da escola
activa, diz-nos que estes ―baseiam sobretudo a eficiência do seu critério educativo nos
exercícios sensoriais, cuidando de desenvolver a disciplina da atenção, o que está
certìssimo‖ (Ramos 1945d, p. 1). Defende que o desenvolvimento da criança se faz por
meio da educação dos sentidos, que é a primeira ginástica do raciocínio e se mantêm
―sem descontinuidade, nessa espiral que vai de aprender a falar e a saber ler‖ (Ramos,
1940, p. 22).
E explica:
A educação tem o seu início desde que os sentidos se apontam para ver, ouvir e tocar
o mundo exterior. Ver o que é; como se chama; a forma do objecto, para que serve —
é a natural consequência do contacto do espírito com a matéria, e leva a criança a
interrogar e a formular perguntas de dificílima resposta, pois atingem por vezes
aspectos de universalidade.
(O Trabalho, 1939, Março 9, p. 1)
Assim, parece ser de opinião que as ocupações escolares deviam dar primazia à
vida sensorial. E acrescenta:
228
A educação dos sentidos pelos trabalhos manuais e os jogos de movimento, pelo
desenho e modelação em barro, pelas lições de coisas, a fim de desenvolver e corrigir
o vocabulário familiar, dando início a rudimentos de ciências, pelas narrativas morais
que avivem a imaginação e o sentimento; eis, duma maneira geral, os principais
aspectos do problema educativo a solucionar, para o qual se torna indispensável o
estudo da processologia a aplicar (Ramos, 1945c, p. 2).
Quanto à aprendizagem, Ramos entende que ela deve concretizar-se através da
observação e das perguntas que esta suscita, levando a criança a desenvolver o seu
vocabulário até ser chegada a altura de aprender a ler. E diz:
Quando a criança, como que surpreendida e maravilhada pelo espectáculo que a
rodeia, tudo pergunta porque tudo quer saber; e, frenética virtude, vê e palpa os
objectos, e os desmancha, se pode, para avidamente os observar, pois é levada por
impulso irreprimível a procurar a certeza da realidade. Esse frenesim, esse labor
fervoroso, sem fadiga e sem fim, obriga-a a constantes exercícios de linguagem,
enriquece, momento a momento, o vocabulário infantil; e enquanto a criança fala,
brinca, anda, pula e corre, vai crescendo; e logo chega a oportunidade de aprender a
ler.
(O Trabalho, 1939, Março 9, p. 1)
Na educação sensorial, embora se procurasse estimular os sentidos, trabalhavase sobretudo a vista e o ouvido, facilitando à criança aquisições de ordem intelectual,
estética, artística e musical, colocando-se os sentidos do gosto, do olfacto e do tacto
num plano secundário. Para a educação auditiva traçava-se um programa que ia desde a
educação auditiva à música; as marchas, os hinos, as canções acompanhadas por
mímicas e gestos, as danças de roda e populares, eram algumas das actividades
utilizadas para esse fim. A educação auditiva permitia uma iniciação musical que
favorecia posteriormente um bom ritmo na leitura (Carvalho, 1982).
A educação visual destinava-se a uma boa coordenação visual/manual,
trabalhando-se a motricidade fina. A modelação, os trabalhos manuais, os
entrelaçamentos, as dobragens, o corte e colagem, a picotagem e a rasgagem de papel, a
elaboração de tecidos em ráfia ou cordel, os lavores de agulha e os ―dons‖ de Fröebel,
eram as actividades utilizadas para este fim (Ramos, 1945d).
Era dando primazia à educação visual e auditiva na escola que João de Deus
Ramos entendia uma ―educação através da arte‖ (Carvalho, 1990, p. 14). Segundo
229
Ramos, todas estas actividades se encontravam previstas no programa de ocupações
escolares nos Jardins-Escolas João de Deus.
4.7.3. Desenvolvimento verbal
O desenvolvimento verbal era um dos aspectos fundamentais do programa.
Alguns dos meios utilizados eram os contos, as histórias, os fantoches, a recitação e a
teatralização.
Em relação à literatura para crianças, João de Deus Ramos (1940, Abril 12)
defendia que os contos e as histórias para crianças deveriam ser cuidadosamente
escolhidos, sendo o seguinte o seu critério de escolha:
Esta espécie de literatura tem de ser estruturalmente imaginativa. A imaginação é, nas
crianças, a sua faculdade predominante e até — pode talvez dizer-se — a fonte
imanente de toda a espiritualidade humana. Livros que não satisfaçam,
incondicionalmente, esta exigência, não servem para a infância. . . .
A literatura infantil, quer a didáctica quer a fantasista . . . tem de falar à imaginação
das crianças, embora graduando a vibração emotiva de forma a evitar longos estados
de exaltação sentimental. Há por isso quem condene o maravilhoso. Mas não. O que é
necessário é saber graduá-lo. As fábulas fornecem-nos, a este respeito, modelo
excelente (p. 5).
Ramos entende que a fábula ―devidamente escolhida oferece a vantagem, sobre
qualquer outra forma literária, de educar na dicção, visto que se amolda, embora com o
ritmo do verso, à forma corrente da conversação‖ (s.d, p. 7). Enfatiza também a
educação auditiva, realizada através do canto, das marchas e da música. No canto coral
―os motivos principais vão-se buscar ao nosso folclore. Do estrangeiro se adapta o que é
absolutamente necessário e indispensável‖ (República, 1938, Maio 8, p. 4). A este
propósito e em relação ao currículo dos Jardins-Escolas, diz:
Não faltarão os cantos e as danças, com músicas nacionais e populares,
improvisando-se por vezes o teatro infantil, para completar a alegria dessa nova
instituição, com que se aspira estabelecer o início de uma reforma geral nos processos
e na organização escolar.
230
(Defesa, 1910, Janeiro 18, p. 1)
Estas actividades, segundo Ramos, para além de fomentarem o desenvolvimento
verbal, a dicção e a memorização, tinham também a finalidade de estimular a atenção.
4.7.4. Leitura
Sendo a Cartilha Maternal um método racional, o ensino da leitura faz-se
separadamente do ensino da escrita. A Cartilha Maternal e o método João de Deus não
devem confundir-se. ―A Cartilha é simplesmente um corpo sem alma, como dizia o
poeta João de Deus, e o Método, a sua justa interpretação‖ (Ramos, 1945d, p. 2). A
aprendizagem da leitura é um dos aspectos mais cuidados do programa.
Para o desenvolvimento verbal, o método prevê a utilização de fantoches, de
histórias e de gravuras de diversos tamanhos, apresentadas em sequência, sendo os
diálogos, a recitação e a teatralização alguns dos processos que, fomentando a
criatividade, constituem ainda uma adequada e ―importante propedêutica para a leitura;
assim como os jogos e situações que permitam uma boa lateralização‖ (Deus, 1982, p.
10).
João de Deus Ramos (1902) entende que o método de leitura criado pelo poeta
João de Deus ―tem o espìrito da educação. Prepara a alma do povo que se deve instruir
educando-se‖ (p. 5). E, tal como seu pai, defende que no ensino da leitura o processo a
seguir ―nunca deverá ser mecânico; e somente terá método e verdade quando todos os
elementos se relacionarem‖ e assim constituìrem um sistema racional (Ramos, 1902, p.
14).
Refere ainda que este processo de leitura deve partir ―do fácil para o difìcil, do
simples para o complexo‖, dando às crianças sucessivas regras e levando-as ―até ao
raciocínio, isto é, até à consciência do que fazem quando lêem‖ (Ramos, 1902, p. 15).
Ainda de acordo com seu pai, Ramos advoga que não se deve subordinar a
leitura à imagem, o que gera confusões, a não ser que a imagem seja a ilustração de um
texto, caso em que a sua ilustração é importante e ajuda à compreensão do discurso
escrito. Para ele, Ramos, a leitura das imagens é diferente da leitura de textos, é outra
leitura, que não deve condicionar o aluno na leitura da palavra.
231
Considera ainda como ―ensino mecânico‖ qualquer ensino de leitura que utilize
como estratégia ―um artificio qualquer, de preferência o boneco, a estampa, visto que
esta pode prestar-se a observações ligeiras que, melhor ou pior, procuram associar-se ao
objectivo principal‖; e que o ―ensino mecânico‖ é o sistema ―globalìstico‖, dando como
exemplo o método de leitura de Decroly, porque ―se baseia, fundamentalmente, na
impressão visual sincrética‖ (Ramos, 1945e, p. 1).
Ainda segundo Ramos (1945e), desde que se pratique o método de leitura João
de Deus ―integralmente, com perfeita inteligência‖ colher-se-ão resultados positivos
―em sistema educativo que abrange todas as modalidades do entendimento infantil, na
delicadìssima fase do seu primeiro contacto com o mundo espiritual‖ (p. 3).
Também para uma das filhas de João de Deus Ramos (Deus, 1997), na mesma
linha de seu pai e de seu avô, o Método de João de Deus é ―fruto de uma
experimentação esclarecida‖ (p. 13). E isto porque um método de leitura ―não pode ser
apenas uma tese de obra pedagógica e teórica, terá que ter o apoio duma experiência
longa e elaborada que vá caldeando e acertando estratégias e processos‖ (idem, p. 13).
João de Deus Ramos, seguindo ainda, neste passo, as ideias de seu pai, discorda
do método ―legográfico‖. Para ambos, a aprendizagem da leitura e a aprendizagem da
escrita não devem ocorrer em simultâneo; as duas operações completam-se mas não se
devem confundir, sendo que ―as dificuldades duma e outra aprendizagem não
coincidem. Há letras mais fáceis de ler que são mais difíceis de escrever, quanto à sua
forma caligráfica; e vice-versa‖ (Ramos, 1945e,p.3).
Embora a aprendizagem da leitura deva ser personalizada, as lições da Cartilha
Maternal são ministradas a grupos de três ou quatro crianças. As lições em grupo
tornam-se ―mais vivas, e equilibram em interacção o comportamento individual de cada
aluno: os mais rápidos e extrovertidos desbloqueiam os mais tìmidos e hesitantes‖
(Deus, 1997, pp. 19-20). No que toca à leitura, esta ―inicia-se aos cinco anos e meio,
quando o aluno tem maturidade para essa iniciação e está bem motivado‖ (Deus, 1982,
p. 11).
4.7.5. Escrita
Ramos defende que é errado ensinar a leitura e a escrita sem prévia educação
sensorial. Para a iniciação à escrita, é de opinião que a criança deve exercitar primeiro o
232
desenho, porque ―o traçado caligráfico duma letra não é mais que o desenho de um sinal
convencional‖ (1945d p. 3).
A ―Arte da Escrita‖ tem, como o próprio tìtulo sugere, o objectivo de ensinar a
criança a escrever e a regular o tamanho da letra, sendo constituída por cinco
caderninhos. Da mesma forma que Ramos, no Guia Prático e Teórico da Cartilha
Maternal ou Arte de Leitura de João de Deus, expõe os princípios gerais do Método de
João de Deus para auxiliar o professor no ensino da leitura, também no verso da capa
destes caderninhos se encontram ―indicações caligráficas‖, regras que explicam como o
professor deve ensinar o aluno a desenhar as letras e os algarismos, como deve sentar-se
à mesa, qual deve ser a posição do papel e qual a melhor maneira de pegar na pena.
Estes pequenos cadernos são pautados e têm um objectivo concreto, como ensina João
de Deus Ramos:
A Arte da Escrita . . . obedece a uma particularidade: regular o tamanho da letra,
evitando-se a mecanização na aprendizagem. De que maneira? Fazendo ver a divisão
do espaço, de linha a linha, em três partes iguais ou três terços. O mestre poderá
exemplificar essa imaginária divisão servindo-se de um quadrado ou rectângulo de
papel que dobrará em três partes iguais, e desdobrará depois, dando assim uma
impressão concreta dos três terços. Compreendida a divisão da pauta, e após o
exercício dos algarismos no primeiro caderno, o aluno não terá dificuldade em ser
iniciado na escrita propriamente dita (Ramos, s.d b).
No primeiro daqueles pequenos cadernos começa-se por explicar como escrever
os algarismos e, no verso da contra-capa do segundo, são apresentadas ―observações de
didáctica‖.
No dizer de João de Deus Ramos, ―começamos pelos algarismos para seguirmos
as contas, que é boa educação do espírito, embora prestes encetemos a escrita
propriamente dita‖ (Ramos, s.d a). E explica, em seguida, ao educador, como ensinar o
aluno a desenhar os algarismos:
O mestre deve explicar ao aluno as condições do carácter; os olhos do aluno sozinhos
não acham estas condições; e neste caso ter ou não ter modelo diante é quase o
mesmo, visto que os olhos hão-de dirigir os dedos, mas para os olhos dirigirem os
dedos, é necessário que a eles os dirija a inteligência (Ramos, s.d a).
233
Quanto às posições do aluno e do papel, o aluno deve ―sentar-se de frente para a
mesa. O papel põe-se direito com o braço‖ (Ramos, s.d a).
Nestes caderninhos, o aluno começa por aprender a desenhar os algarismos, do
mais fácil para o mais difícil, pela seguinte ordem: 1,4,7,2,3,5,0,6,9,8. Ramos enuncia
as regras que o professor deve seguir para ensinar o aluno a escrever os algarismos:
Na primeira lição o aluno escreve ―uns‖ e ―quatros‖.
O 1 tem dois terços de altura.
O 4 começa como o 1, mas tem mais um terço sobre a linha, e esta é atravessada por
um outro traço de um terço: meio acima e meio abaixo da linha.
O 7 faz-se em três traços: um, escrito de baixo para cima, ocupa o terço do meio; outro
na direcção da pauta, tem também um terço; e o terceiro, de dois terços à linha, como o
1. O 2 começa como o 7, isto é: o terço do meio, direito; em seguida curva, alcança um
terço de distância; desce dois terços à linha, e em baixo, como no 4, um terço direito.
Seguindo uma sequência pré-definida ensina-se a criança a escrever os
algarismos seguintes utilizando as regras anteriores:
O 3 principia como o 2; mas o terceiro traço abrange apenas o terço do meio; em
seguida recua meio terço, e daí (a meio do espaço) avança meio terço em curva para
acabar sobre a linha, um pouco acima.
O 5 começa por um traço que ocupa o terço e meio; depois recua como no 3, e tem em
cima um traço como no 7.
Num traço único, a cifra, partindo da altura de um terço arqueja a meio do espaço para
a esquerda, e, descendo à linha numa curva suave, volta a fechar (tendo ficado de eixo
menor um terço) . . .
A criança aprende assim a desenhar todos os algarismos pela ordem por que os
aprendeu, em grupos de três. A repetição dos algarismos serve para exercitar o aluno,
―dando-lhe firmeza de mão e de traço‖ (Ramos, s.d. a).
234
Os caderninhos subsequentes ensinam a desenhar as letras e, posteriormente,
palavras, utilizando primeiro as letras minúsculas. No último caderninho, a criança
começa a desenhar as letras maiúsculas, encerrando-se a Arte da Escrita com o Hino de
Amor, tal como acontece na Cartilha Maternal.
4.7.6. Jogos educativos
O jogo educativo é outra das actividades que João de Deus Ramos releva,
encarando-o como meio eficaz para desenvolver a motricidade e apurar os movimentos
finos, bem como um factor fundamental na educação perceptiva da criança.
Para Ramos (1945d), os jogos educativos de Decroly e Montessori ―pecam
principalmente pelo defeito de serem rebuscadamente artificiosos, no ilusório intuito de
estimular a curiosidade e exercitar a atenção da criança, dentro da fórmula do ―aprender
brincando‖, ideia contrária à ―arte de ensinar‖ (p. 1); defende que ―aprender é uma coisa
séria; e, diz o povo, com coisas sérias não se brinca‖. Considera que tanto o jogo ao ar
livre, como o jogo na sala de aula, ―constituem, já de si, uma coordenação de
actividades, com submissão a regras e a condições, correspondendo, aliás, à manifesta
preferência da criança pelo jogo‖ (Ramos, 1942, p. 15).
Excluiu os jogos educativos de Decroly e de Montessori, preferindo a estes as
construções fröbelianas, e a este respeito explica: ―preferimos as construções
fröbelianas às do Dr. Decroly e às de Maria Montessori, porque estas, umas e outras, as
consideramos artificiais, e por isso condenáveis, à face do bom critério educativo
(Ramos, 1945c, p. 3).
Considera os ―dons de Fröbel‖ a principal invenção de jogos educativos, porque
―não são jogos improvisados e caprichosos, que só se destinam a divertir; mas aqueles
que podem ser, simultaneamente, uma ocupação agradável e um ensinamento‖ (Ramos
1940, p. 14).
Sustenta ainda que enquanto a criança ―constrói alguma coisa, sobrepondo, por
suas próprias mãos, peças soltas que logo oferecem à vista uma objectivação qualquer,
como por exemplo, mesa, cadeira, escada, cruz, coluna, poço, etc., aumenta a sua
curiosidade e animação‖ (1945c p. 3).
235
A necessidade que a criança tem de desenvolver a sua capacidade de imitação,
de criatividade, de socialização e de comunicação, é estimulada através de métodos
activos. Entre estes contam-se o ―cantinho da casa das bonecas‖, o ―cantinho da loja‖, o
―canto dos jogos de trânsito‖ (Deus, 1982).
Para Ramos (1942) brincar é uma actividade caracterìstica da criança, ―exige-o o
seu crescimento físico e também a natural inquietação dos sentidos que tudo buscam
para ver e palpar‖ (p. 13). A criança, ao brincar livremente, vence obstáculos, faz
equilìbrios, exercita forças, ―é assim que realiza uma ginástica instintiva‖ e, por vezes,
quando pega num brinquedo que lhe desperta curiosidade é ―levada por um impulso
incontido a destruir o que tem nas mãos, para ver como é feito; e revolve e baralha tudo
com alvoroço, porque é condição intrìnseca da sua existência querer saber‖ (Ramos,
1942, pp. 13,14).
Ainda segundo o autor, as crianças dão preferência aos brinquedos que ―melhor
se coadunam com as suas tendências inatas‖, o que revela ―que a infância o que mais a
procura é preparar-se para a vida‖. Considera ainda que a criança prefere construir o seu
próprio brinquedo do que possuir um brinquedo fabricado e que, por isso, a ―realização
de pequeninos artefactos, em arremedo de carpintaria, de marcenaria, de mecânica, de
física e de química, interessam muito mais [à criança], porque avivam o espírito
inventivo e dão maior prazer‖ (Ramos, 1942, pp. 14-15).
A educação física era outra das actividades que Ramos valorizava. As crianças
realizavam jogos de movimento ao ar livre ou no salão, e praticavam ginástica sueca e
rítmica.
4.7.7. Iniciação à matemática
Para a iniciação à matemática eram utilizados os ―dons de Fröebel‖, material
didáctico também usado nas ―lições de coisas‖, ministradas neste caso a partir das
construções que a criança fazia.
A preferência de Ramos pelos ―dons de Fröebel‖ assentava no facto de
considerar que estes proporcionavam à criança uma ―actividade imaginativa, a par do
exercício da linguagem e duma excelente iniciação no cálculo e na geometria‖, ao
mesmo tempo que lhes facilitavam a compreensão de ―noções de grandeza, unidade,
quantidade, com as principais formas geométricas‖ (1945c, p. 3).
236
4.7.8. Trabalhos Manuais
O trabalho manual era uma das actividades que mais relevância tinha nos
Jardins-Escolas João de Deus. Ramos (1924) reprovava as escolas onde os trabalhos
manuais eram utilizados para a preparação de um ofício, porquanto entendia que esta
actividade não tinha como objectivo ―fazer artificies mas sim desenvolver os sentidos e
a atenção, criando simultaneamente o gosto e o hábito de trabalho‖ (p. 24).
Acerca dos trabalhos manuais, testemunha-nos Joana Campina Miguel (1953,
Setembro 12):
Dá-se no jardim-escola uma importância fundamental aos trabalhos manuais. Desde
os trabalhos do desenvolvimento da atenção, precisão e conhecimento das cores,
feitos em letras de papel de cor pelos mais pequeninos, até aos trabalhos de barro dos
mais crescidos, a dificuldade vai aumentando progressivamente numa escala de
valores para eles imperceptível.
É notável o evidente prazer com que a criança vai realizando as tarefas que lhe
pertencem. Ela vai descobrindo sempre coisas novas, é feliz por se saber capaz de
realizar alguma coisa que fica bonita e que lhe agrada. Não há no jardim-escola
monotonia no trabalho (p.4).
4.7.9. O desenho
João de Deus Ramos considera decisiva a importância do Desenho no jardimescola, atentos os múltiplos aspectos de que aquela actividade se reveste: como
linguagem e meio de expressão, como exercício gráfico de iniciação à escrita e, no
campo artístico, como base de todas as artes.
Ramos discorda dos autores que defendem que a criança prefere o desenho
expressionista ao impressionista, autores para os quais não se deve obrigar a criança a
reproduzir modelos à vista, mas sim deixá-la desenhar ao acaso. Perfilha até, a este
respeito, uma opinião diametralmente oposta: a de que, entre os 3 e os 8 anos, não se
deve deixar a criança ―rabiscar o papel‖ ao acaso, pois nesta etapa a criança não é capaz
de exprimir alguma coisa ou imagem no papel e, por isso, é um erro ―atribuir à criança
237
uma possibilidade que ela não possui, que é pôr no papel o que tem diante dos olhos ou
o que imagina‖ sem primeiro ―saber fazer uso do lápis, nem ter ainda aprendido a ver,
aproveitando pontos de referência‖ (Ramos, 1945d, p. 2).
Posta aquela opinião e em ordem ao desenvolvimento da motricidade fina, na
iniciação ao desenho e à caligrafia praticada nos Jardins-Escolas João de Deus foram
adoptados os desenhos do artista flamengo Van Dycke, com figuras estilizadas, que
Ramos denominou por ―Séries‖ (Deus, 1945). Estas várias séries de desenhos, lineares,
serviam de modelo ―no quadro preto para o exercìcio equivalente ao da ‗caligrafia‘ na
aprendizagem da escrita‖ (Ramos, 1945d,p.2).
Os desenhos das ―Séries‖ tinham três nìveis de dificuldade; as primeiras
―séries‖começam por pontos e linhas rectas, que se vão sucessivamente complicando e
ganhando novas formas, sendo que eram também usadas como iniciação à chamada
―letra bicuda‖. Estas ―séries‖ eram destinadas às crianças mais pequenas. O primeiro
modelo era o alfinete, seguia-se o garfo, o chicote, as bandeiras, a mesa, a cadeira, a
casa, etc. (Montenegro, 1963).
O segundo nìvel das ―séries‖ era destinado às crianças da segunda secção.
Nestas ―séries‖ figuravam ainda as linhas rectas, que representavam essencialmente
animais estilizados: o porco, o cão, o cavalo, a cabra, o burro e vários tipos de casa.
Nesta etapa introduzia-se ―o desenho livre, de cópia do natural, ilustração de frases, e
pintura a lápis de cor ou aguarelas‖ (Montenegro, 1963, p. 130).
O terceiro e último nìvel das ―séries‖ era destinado às crianças da terceira secção
que, para além das linhas rectas, começavam a desenhar linhas curvas. Era a iniciação à
letra redonda. As crianças aprendiam a desenhar vários tipos de animais e composições
ainda de uma forma estilizada, mas mais complexa. A saber: o palhaço, o saloio e o
burro, a árvore de natal com os brinquedos, a casa e animais, a família dos galináceos,
várias garças, peixes, etc. Nesta etapa as crianças ―continuam com o desenho livre, de
imaginação ou cópia do natural, ilustração de histórias, e pintura a aguarelas ou lápis de
cor‖ (Montenegro, 1963).
Segundo João de Deus Ramos (1945d), só depois da criança aprender este tipo
de grafismo e,
uma vez obtida a firmeza do traço, com uma relativa compreensão do modelo,
passamos para o desenho à vista, em condições que nas aulas práticas foram
indicadas, só transitando depois para o desenho de memória ou de imaginação, sob
238
pretexto, por exemplo, de ilustrar determinada historieta que o aluno já conheça ou
que ouve contar na ocasião (p. 2).
Para melhor compreensão desta metodologia, Maria da Luz de Deus publicou
um pequeno opúsculo denominado Ensaios para a iniciação do ensino do Desenho e,
na mesma linha de seu pai, afirma que estas ―séries‖ representam um bom exercìcio
gráfico, disciplinando o aluno a desenhar o que vê e não só aquilo que sente ou pensa‖
(pp.13-14). Apesar de tudo, este método ―pecará por alguns defeitos, se não for
criteriosamente executado; mas, como para todas as coisas, não é uma má execução que
pode fazer condenar um bom processo‖ (Deus, 1947, p. 13).
Maria da Luz de Deus (1947) é de opinião que estas ―séries‖ devem ser tanto
quanto possível variadas e agradáveis à criança, quebrando assim a monotonia e
estimulando o interesse; e aconselha ainda a não repetir muitas vezes um modelo sob o
pretexto de aperfeiçoamento, pois essa prática conduz a ―uma execução mecânica e um
tácito fastio por esse exercício‖, da mesma forma, um desenho nunca deve ser imposto,
porque a imposição, ―cria uma resistência nociva, que é um mau estado de receptividade
para qualquer ensinamento‖ (Deus, 1947, p. 14).
Sobre as actividades desenvolvidas no jardim-escola pode-se ler-se o seguinte
excerto:
Vimos como através das narrativas, feitas por inteligentes e competentes professoras e
estagiárias, em ligação com trabalhos manuais, as crianças apreciam a ler e a escrever
e, principalmente, a raciocinar sobre cada palavra ou coisa que os sentidos enfrentam
pala primeira vez. Uns escreviam com mais equilíbrio; outros encantavam-nos com as
suas dobagens de papel, intentando construções curiosas, servidas apenas pela memória
ou pelo espírito criador; aqui, um modelava, em barro, uma figura, um barco, uma
torre, um objecto caseiro; além outro porfiava em que uma frase ingénua tivesse as
devidas letras. Ao de leve se exercia a acção das mestras; os sentidos das crianças é que
resolviam o problema.
Reparámos também que, sempre que uma das crianças, preocupada com a falta de
solução, levantava o rosto da bancada, encontrava o sorriso bondoso, maternal, da
professora.
(O Século, 1951, Janeiro 8 ,p. 2)
239
4.8. Festa do final do ano lectivo
Enquanto parte integrante da calendarização das actividades dos jardins-escolas,
havia sempre uma festa no final do ano lectivo, durante a qual as crianças prestavam
provas, na presença dos pais, de convidados e da imprensa, tal como aliás já sucedia no
termo das ―missões‖ das Escolas Móveis.
Transcrevemos parcialmente duas notícias que ilustram, como um intervalo de
seis anos, as aludidas festas:
As provas constaram de leitura e ditado, contas e desenhos. Todas as crianças leram
muito inteligentemente, escreveram sem erros, acertaram as suas contas, revelaram
uma cuidada educação manual nos seus desenhos e trabalhos
(O Mundo, 1914, Junho 26, p. 4).
No Jardim-Escola João de Deus desta cidade terminaram ontem as provas . . . das
setenta e tantas crianças que durante o ano lectivo corrente frequentaram aquele
modelar estabelecimento de ensino. A elas assistiram a Sr. a D. Guilhermina Battáglia
Ramos e seu filho, o Sr. Dr. João de Deus Ramos, a quem se deve a obra grandiosa da
Associação das Escolas Móveis, e a Srª D. Angélica Moreira Lopes, distinta
professora da Escola Maternal anexa à Escola Normal de Lisboa (Benfica).
(A Voz da Justiça, 1920, Julho 23, p. 1).
4.9. Disciplina
Na base da metodologia de João de Deus Ramos há sempre uma ideia de
simpatia. Para promover um ―ambiente de simpatia‖ tentou criar um meio quase ideal,
seguro e calmo, que ele considerava indispensável para que a criança se sentisse segura.
As crianças serão disciplinada se estiverem bem ocupadas e se encontrarem prazer nas
tarefas que executam, mesmo que seja trabalho. É preciso respeitar e amar o trabalho.
Para tanto, este deve ser apresentado de uma forma atraente, a fim ―de que possa ser
amado, como se ama o jogo‖ (Carvalho, 1990, p. 13), sendo que a melhor disciplina
―será só aquela que resulte do trabalho bem orientado, da ocupação que se faz por gosto,
240
da aprendizagem e convívio que se tem e mantêm, adentro de uma espontânea e
voluntária atenção‖ (Ramos, 1945b, p. 2).
Ramos repudia o ambiente escolar que obriga as crianças ao silêncio, à
compostura e ao estudo, pois esse ambiente tem de substituir-se pela ―arte de educar‖,
isto é, tem que se usar ―a simpatia que aproxima as almas e as funde em movimentos
úteis e harmoniosos. Em vez de se formar a disciplina em obediência passiva, deve
firmar-se na obediência activa, a qual só pode obter-se pela vontade aquiescente do
aluno‖ (Ramos, 1945b, p. 1).
Considera que a pedagogia baseada no princípio da obediência passiva atrofia
―as actividades evolutivas e de atenção reflectida, que foram e hão-de ser sempre as que
imprimem carácter numa individualidade‖ (Ramos, 1924, p. 20). Condena ainda a
disciplina autoritária, porque, diz, ―forçar é impor; e é uma covardia em que o mais
fraco terá de ceder para instintivamente evitar o esmagamento‖ (Ramos, 1902, p. 9).
Ainda sobre o mesmo tema:
A verdadeira disciplina é a educação que dá a máxima liberdade a toda a expansão
infantil, nunca forçando a um silêncio, e a uma quietude manifestamente contrária à
natureza. Esta disciplina é tanto mais perfeita quanto mais cuidadosamente guiar as
forças, as faculdades da criança na realização das suas tendências ou aptidões
(Ramos, 1902, p. 8).
Ramos entende que ―a criança deve obedecer porque respeita e não porque
teme‖ (Académico Figueirense, 1938, Abril 23, p. 1) e ―não é pela imposição das
normas, nem pelo risco da punição, que se obtém o acatamento da criança‖ (p. 12). Em
qualquer caso, a imposição e a punição ―apenas servirá para infundir receio e fazer
hesitar o educando na visão do seu destino, no aproveitamento justo e exacto das suas
aptidões‖ (Ramos, 1940, p. 12). Como consequência duma atitude punitiva apenas
―colheremos o conformismo e a docilidade, mas esse conformismo e essa docilidade
estiolam inapercebidamente as faculdades nativas e criadoras‖ (Ramos, 1940, p. 12).
É ainda de opinião que numa escola onde haja ―paredes riscadas; carteiras
riscadas; os mapas falantes ou mudos servindo de decoração, suspensos, dependurados
ao acaso‖, não existe ambiente educativo, o que promove necessariamente ―a
indisciplina, o mal-estar, e o desencontro dos trabalhos escolares‖ (Ramos, 1918, pp.
415-416).
Outra nota sobre o mesmo tópico:
241
Conquistar a obediência activa ou seja a aquiescência voluntária duma criança,
demanda aptidão, carece de ―arte‖. Porque a obediência passiva (a sujeição, como lhe
chamam as tias velhas), essa, obtém-se pelo castigo ou pela ameaça do castigo: mas
tal processo, ainda vigente em larga escala por esse país além, tem o préstimo do
alicate, ou da prensa: para segurar, aperta; aperta muito, aleija; e se aperta demais,
esmaga...
Evidentemente, também se não deve cair no extremo oposto. A liberdade que não é
regulada equivale ao abandono; e habitua ao desvario.
(Correio do Sul, 1939, Março 19, p. 1)
Ramos preconiza a liberdade da criança, mas não a liberdade absoluta. Para ele,
―o respeito pela personalidade da criança também não se harmoniza, em boa lógica,
com a liberdade desmedida, com a liberdade não condicionada‖ (Ramos, 1940, p. 13).
Por isso, é preciso ―avaliar até onde pode ir a espontaneidade da criança e a sua
possibilidade imediata, para que ela não se sinta num labirinto de inevitáveis
indecisões‖ (Ramos, 1945c p. 2). Para resolver esta questão, ―a verdadeira, senão única
solução, está na criteriosa sistematização das ocupações escolares, dando primazia à
vida sensorial‖ (Ramos, 1945c, p. 2).
A liberdade da criança deve ser condicionada, ―onde o silêncio e a compostura
constituem necessidade reconhecida pelo aluno, precisamente, para melhor fazer uso da
sua vontade e iniciativa. Moral raciocinada, se lhe poderá chamar‖ (Ramos, 1945b, p.
2).
Por outro lado, o autor é contrário a um ambiente de mimo, de pieguice, de
carinho excessivo, ―que é o estofo habitual dos ‗meninos ricos‘, inferioriza e enfraquece
o carácter‖ (Ramos, 1940, p. 13). E acrescenta que ―a criança envolta nos maiores
resguardos, nunca vence obstáculos; não apura nem se desenvolve o instinto de viver, e
cai facilmente na timidez mortiça, em contraste flagrante com a vivacidade ágil e
expedida do ardina das ruas‖ (Ramos, 1940, p. 13).
Condena ainda os prémios e os castigos, que, em seu entender, ―só servem para
estimular a vaidade, ou o despeito, o orgulho, ou a revolta, desviando o espírito infantil
do verdadeiro sentido da vida‖ (Ramos, 1945b, p. 1).
Desaprova as punições, que prejudicam o desenvolvimento e a dignidade
humanas e, muitas vezes, são aplicadas sem que a criança tenha consciência de haver
cometido qualquer falta.
242
Se, por acaso, a criança foi mal comportada ou não cumpriu uma tarefa, é
necessário estudar os motivos por que tal aconteceu e, eventualmente, permitir que ela
sofra as consequências das suas acções ou omissões, não como um castigo imposto mas
como um efeito natural, o que ela poderá interiorizar como uma lição vivida que lhe
servirá no futuro. A este respeito, ensina João de Deus Ramos (1945b):
Uma observação a tempo, uma admoestação adequada, com firmeza, mas sem assinto
nem vexame, e bem assim o reconhecimento do mérito, sem contraste depreciativo
para ninguém, é o suficiente para corrigir ou exaltar o amor próprio e o sentimento de
dignidade de quem que quer que seja, tendo a vantagem suprema de manter a
simpatia — sempre a simpatia — como principal força propulsora de trabalho útil e
da coesão de esforços (pp. 1-2).
Para o autor, a formação moral e a civilidade da criança estão relacionadas e
adquirem-se através dos actos que se praticam na interacção com ela e com os outros
membros da comunidade escolar, pois a moral ―não é matéria que se leccione
teoricamente‖ (Ramos, 1945b, p. 1).
4.10. A religião e a escola
João de Deus Ramos entendia que a escola não deveria ser religiosa, nem laica,
nem neutra. Manuela Azevedo (1997), que o conheceu de perto, diz: ―identifica-se,
assim dizia, com a religião cristã, mas apenas nas suas passagens mìsticas e filosóficas‖
(p. 25).
Quanto à moral, Ramos (1902) diz que esta ―não se decora; aprende-a quem a
sente no convìvio santo da famìlia‖ (p. 54). Em relação ao tipo de educação moral a
adoptar no jardim-escola, defende que ―deve ser a moral cristã, a moral dos nosso pais e
avós, em absoluta conformidade com o sentimento católico tradicional‖ (Ramos, 1945b,
p. 2). Opinava no entanto que o ensino da religião deveria ser ministrado nos lugares
próprios, que eram o seio da famìlia e a igreja e, a tal propósito, escreve: ―Famìlia,
Igreja e Escola são três órgãos distintos que se completam entre si, sem que haja
vantagem alguma em confundi-los nas respectivas funções.‖ (Ramos, 1945b, p. 2). E
ainda:
243
O que importa saber em pedagogia não é se Deus existe ou não, nem se é verdadeira
ou falsa esta ou aquela religião. Não é sobre essa interrogação filosófica, ou
misteriosa, que tem de assentar a controvérsia. O que importa saber, de facto, é se
existe inato no indivíduo o sentimento religioso, para depois discutir e apreciar se a
escola tem o dever de o atrofiar, de o desprezar, ou de o cultivar de certo modo . . . . a
poesia e a música os únicos processos práticos e convenientes para a cultura do
sentimento da religiosidade. O catecismo nas escolas não tem razão de ser. Há tanta
razão para ensinar o catecismo nas escolas como para ensinar a ler e a escrever nas
sacristias.
(A Voz da Justiça, 1922, Julho 14, p. 1)
Ainda quanto à relação escola/religião, comenta:
Quanto a mim a escola não deve ser nem religiosa, nem laica, nem neutra. A escola
religiosa faz prevalecer a fé sobre o raciocínio e é obvio que não se deve ensinar
senão falando à inteligência, à compreensão da criança. A moral cristã, que constitui
a razão principal dos preconizadores da escola religiosa, é hoje para toda a gente, a
moral do bem, a moral comum, e não carece, para se adoptar, que se faça o enxerto
no espírito infantil de qualquer espécie de supersticiosa devoção. Tão pouco a escola
deve ser laica, porque a função negativista do laicismo, em relação a todos os credos,
absorve prejudicialmente algumas qualidades interrogativas e comunicativas do
espírito, tornando grosseiro o amor pela natureza e apoucadas a curiosidade de saber
e a satisfação de praticar o bem. Igualmente a faculdade de admirar, tão importante
para a nossa vida espiritual, precisa de ter o seu início na escola, fazendo com que a
criança pressinta o valor das energias naturais, da beleza e da bondade. Mas tudo isso
corresponde a um sentimento que é fundamentalmente religioso e que convém
desenvolver e cultivar desde a primeira idade. Por isso a escola não deve ser neutra.
Os espíritos positivos que receiam o perigo da divisa e da fantasia religiosa condenam
em absoluto o que não é nem pode ser absolutamente condenável.
A ficção teísta só deixa de interessar e de se tornar comunicativa quando não for
ficção poética. E como ficção, não perverte o raciocínio, porque nem sequer o invoca.
O que é preciso é aproveitar a poesia e a música como formas de exteriorizar esse
vago e delicado sentimento; e consequentemente, na poesia e na música temos a
solução prática do nosso problema. Dou, pois, razão aos teístas, quando dizem que é
preciso cultivar os sentimentos religiosos na escola. Mas nego-a quando mandam
ensinar o catecismo utilizando os mestres das escolas para repetirem mecanicamente
palavras sem sentido, ou de sentido... inexplicável.
(O Mundo, 1917, Janeiro 21, p. 2)
244
Ramos explica assim a sua alternativa para o desenvolvimento do sentimento
religioso e o despertar da emoção espiritual nas crianças:
pela poesia e pela música, faz-se a cultura do sentimento da religiosidade inato no
indivíduo ou aviva-se a sensibilidade, para despertar o sentido das altas, das grandes
emoções espirituais.
O amor da natureza, o amor da Pátria, o amor da família, o amor da humanidade, hãode florir na alma da criança, porque firmaram as raízes nesse terreno fundo e fecundo,
onde medrou a civilização e que possui uma fertilidade eterna.
(A Pátria, 1921, Setembro 11, p. 1)
Um articulista refere-se nos termos seguintes ao que observou num jardimescola quanto à preocupação com o desenvolvimento moral das crianças:
As crianças mais adiantadas que frequentam o Jardim-Escola João de Deus . . .
instituição modelar que honra Coimbra . . . prestaram as suas provas finais.
É consolador ver o cuidado que, naquela escola, merece a educação de infância,
como, de uma maneira racional e prática, se lhe devolve a inteligência, se lhe forma o
carácter, se lhe afinam os sentimentos, dando-se-lhe noções de uma moral sã, como
se lhe prepara o espírito para o inicio das grandes batalhas da vida com
conhecimentos de manifesta utilidade.
(Mundo, 1913, Agosto 17, p. 2)
4.11. A acção da educadora do jardim-escola
Em relação ao papel da educadora de jardim-escola, João de Deus Ramos
(1945c) defende que esta (o mestre…) deverá ser ―animador da vida escolar que
organiza e guia a tarefa de aprender, a fim de que o aluno actue, o mais possível, por si,
quase como um autodidacta‖ (p. 2). É ainda o mestre que ―expõe o assunto, faz
questionários e ajuda a resolver as dificuldades; o seu mérito estará mais em estimular a
acção colectiva da classe, do que em leccioná-la, sacrificando-a a ouvir prolongadas
dissertações‖ (Ramos, 1945c, p. 2).
Acerca de uma certa simbiose que lhe parece existir entre a professora e a
escola, opina outro articulista:
245
A escola é o carinho espiritualizado na professora e materializado no ambiente. A
vida é o trabalho e a criança, espontaneamente, sem coacção, a ele se ajusta
integralmente, tornando a faina com uma alegria e não com uma pena. A alegria não
resulta de uma mistificação, mas da noção moralizadora da realidade do dever e do
dever cumprido. No trabalho, enganadamente, pensando que brinca; brinca sabendo
que trabalha.
É sobre este alicerce sólido da concepção da seriedade da vida que assenta o
adestramento racional da inteligência.
(A Pátria, 1921, Setembro 11, p. 1)
Sobre o perfil e o comportamento no terreno, das professoras do jardim-escola,
mais dois testemunhos:
As preceptoras, sempre com infinita paciência e doçura, continham os frémitos
inquietos daquele bando chilreante de toutinegras, e estimulavam-no à disciplina, sem
violência, sem asperezas de rigor severo que excita as rebeliões.
(Pagina Literária, 1912, Novembro 4, p. 3)
A professora, digamos as professoras, não são senhoras idosas, de severos óculos e
semblante carregado. São raparigas frescas, sadias, juventude a respirar de alegria de
viver em companhia da infância. E andam de roda das crianças, acompanhando-as,
falando-lhes carinhosamente, como boas camaradas mais velhas.
(República, 1938, Maio 8, p. 4)
O papel da professora de jardim-escola integrava também e desde logo uma
dimensão social, evidenciada na seguinte afirmação de João de Deus Ramos: ―A missão
da professora, numa escola infantil, é substituir a mãe, junto de cada aluno. Portanto,
compete-lhe ser carinhosa no convívio escolar. Assim poderá melhor desvendar os
caracteres e conhecer os gostos e aptidões, para educar e dirigir‖ (Académico
Figueirense, 1938, Abril 23, p. 1).
4.12. O Curso de Didáctica Pré-Primária pelo método João de Deus
A posse de uma formação específica para a docência nos Jardins-Escolas João
de Deus foi desde sempre condição necessária para o ingresso nos respectivos quadros e
já se encontrava prevista nos estatutos da Associação das Escolas Móveis antes mesmo
246
da criação, em 1911, do primeiro daqueles estabelecimentos. Com efeito, do texto
estatutário de 1908 já constava, como no capítulo anterior mais detalhadamente se
referiu, que ―só pode ser investido no encargo do professorado, quem . . . apresentar
documento . . . de que tem inteiro conhecimento do método João de Deus‖ (Art.º 15.º).
A posterior reforma daqueles estatutos, em Junho de 1911, é mais específica a
este respeito e vem dizer que ―para o ensino nos jardins-escolas só serão nomeadas
professoras que a direcção reconheça com competência própria, (sublinhado nosso)
além do que fica estabelecido no Art.º 15.º ‖.
Retoma-se o assunto logo em 1914 e prescreve-se que para os jardins-escolas só
podem ser nomeadas professoras que, para além do ―curso das escolas normais, ou das
escolas industriais, ou o 5.º ano dos liceus . . . ‖ sejam titulares do ―diploma de
habilitação no ensino pelo método João de Deus‖ (Estatutos, 1914, Art.º 23.º).
A 9 de Fevereiro de 1942 é aprovado pela a Assembleia Geral da Associação o
Curso de Didáctica Pré-Primária pelo método João de Deus, o qual deveria abranger a
―doutrina educativa teórica e aplicada dos Jardins-Escolas, visando a expansão e
aperfeiçoamento dos processos adoptados ou a adoptar e, portanto, designadamente no
que diz respeito ao Método de Leitura e escrita de João de Deus‖(Relatório e Contas,
1942, pp. 9,10).
O Curso teve início em Fevereiro de 1943, visava a preparação de docentes
―para o ensino infantil e pré-primário . . .‖ (Relatório e Contas, 1942, p. 5) e, em linhas
gerais, apresentava as seguintes disciplinas conteúdos:
I — Portugal na História da Educação: a evolução da cultura portuguesa, desde o
ensino nos mosteiros até aos nossos dias. Notícia resumida dos principais educadores
nacionais e estrangeiros, e as suas doutrinas pedagógicas.
II — Pedologia: noções gerais e sucintas de fisiologia, psicologia e higiene infantil.
III — Orgânica Escolar: a instalação e funcionamento das escolas primárias e infantis;
o Jardim-Escola João de Deus como ambiente educativo.
IV — Metodologia ou a Arte de Ensinar, subdividida nos seguintes três grupos:
A) Educação Sensorial:
(1) Visual-Manual: desenho a lápis, modelação em barro, ocupações manuais
(em papel, dobragens, entrelaçamentos, corte e colagem (numa só cor ou combinando
as cores) — em cartolina, em ráfia, lavores de agulha etc...;
247
(2) Auditiva: Canto Coral — canções gesticuladas, danças e marchas.
B) Educação Física:
(1) Jogos de movimento, ao ar livre ou na sala — graduadas de acordo com as estações
do ano; (2) Ginástica sueca (tabelas restritas à idade);
(3) Ginástica rítmica (Dalcrose).
C) Educação Subjectiva Moral e Intelectual:
(1) Desenvolvimento do vocabulário e exercício da linguagem;
(2) Lições de Coisas;
(3) Narrativas singelas (dicção e recitação);
(4) Jogos apropriados sobre as mesas utilizando os seis primeiros ―Dons de Fröbel‖;
(5) Iniciação aritmética;
(6) Leitura e escrita (Método de João de Deus).
(Relatório da Direcção e Parecer da Comissão Revisora de Contas, 1943, pp.5,6)
O corpo docente do primeiro curso teve a seguinte composição:
Dr. João de Deus Ramos, que leccionou ―Portugal na História da Educação‖,
―Orgânica Escolar‖, ―Desenvolvimento do Vocabulário‖, ―Exercìcios de
Linguagem‖ e ―Lições de Coisas‖;
Dr. João dos Santos, que leccionou ―Psicologia‖;
Dr. Manuel João dos Santos Farmhouse, que leccionou ―Pedologia‖;
Maria Lìvia Battaglia Ramos Lopes da Silva, que leccionou ―Leitura e Escrita
pelo Método João de Deus‖;
Fernanda Loureiro, que leccionou ―Iniciação à Aritmética‖.
Maria da Luz de Deus Ramos Ponces de Carvalho, que leccionou ―Educação
Sensorial (Visual-Manual);
Francine Benoit, que leccionou ―Canto Coral‖;
Maria Amélia dos Santos Abreu, que também leccionou ―Canto Coral‖; e,
Margarida Von Hoffman Abreu, que leccionou ―Ginástica Rìtmica‖;
As habilitações mínimas de entrada para este curso eram, como antes se disse, o
2.º ciclo dos liceus, ou equivalente, ainda que se tenha verificado a admissão de alunas
com habilitações académicas superiores a esta. Com efeito, no Curso de Didáctica Pré-
248
Primaria que ―funcionou desde oito de Fevereiro a sete de Julho de 1951, todos os dias
úteis excepto aos sábados . . . inscreveram-se sessenta e oito [alunas] com habilitações
literárias do 2º ciclo dos liceus e algumas licenciadas‖ (Relatório e Contas, 1951, p. 5).
O curso tinha a duração de um semestre, de Fevereiro a Julho, e funcionava no Museu
João de Deus e no Jardim-Escola que lhe está anexo.
Para além de aulas teóricas, as alunas também assistiam a aulas práticas, após o
que cumpriam um perìodo de estágio. Os respectivos diplomas eram entregues ―depois
de prestadas provas orais e escritas em conformidade com o programa‖, entrega que
tinha lugar em sessão especial, ―na sala de conferências do Museu‖ (Relatório e Contas,
1945, p.6).
O Curso de Didáctica Pré-Primária pelo Método João de Deus provocou um
efeito colateral: o de ter desencadeado a expansão do ensino infantil em Portugal, ―o
que se verifica com as iniciativas desse ensino levadas a efeito em vários colégios,
escolas e institutos, não só em Lisboa mas em diversos pontos do paìs‖ (Relatório e
Contas, 1947, p. 8).
No consulado de Oliveira Salazar assiste-se a um desmantelamento sistemático
da educação infantil, que é então avaliada em termos meramente economicistas, de
―deve‖ e de ―haver‖, e considerada como um custo desnecessário e um problema. O
governo aprovara em 1936 o estatuto da ―Obra das Mães pela Educação Nacional‖,
instituição para cuja esfera remete a solução.
No preâmbulo do diploma abaixo referenciado pode ler-se, a certo passo:
. . . E porque a experiência tem demonstrado que o ensino infantil não se encontra
organizado de forma que os frutos correspondam aos encargos, prevê-se a extinção ou
conversão das respectivas escolas, devendo procurar-se em mais adequadas formas de
actividade educativa, como a Obra das Mães pela Educação Nacional, a resolução do
problema (Decreto-Lei n.º 28:081, de 9 de Outubro de 1937).
O dito ―problema‖ nunca veio a ser resolvido, nem pela Obra das Mães nem por
qualquer organismo público, tendo-se posto uma pedra sobre o assunto.
Carneiro Pacheco, Ministro da Educação Nacional entre 1936 e 1940, terá
proposto a João de Deus Ramos, em 1936, ―cobrir o paìs por uma rede de ‗jardinsescolas João de Deus‘, com a condição, todavia, de os arregimentar politicamente no
‗Estado Novo‘. João de Deus Ramos recusa‖ (Carvalho, 1991, p. 20).
249
Em 1958, uma década e meia após a criação do Curso de Didáctica Pré-Primária
pelo Método João de Deus e um lustro após a morte do seu mentor, João de Deus
Ramos, a Associação dos Jardins-Escolas João de Deus remete ao Ministro da
Educação o processo de oficialização do curso de formação de educadores de infância.
O parecer que a Junta Nacional de Educação profere a propósito do respectivo
requerimento refere que ―nos Jardins-Escolas João de Deus não há normas ou sequer
símbolos dos fundamentais aspectos da educação tradicional do País, tal como se
encontra organizada na escola oficial…‖ (citado em, Carvalho, 1991, p. 28).
Os motivos da recusa de homologação são, assim, declarada e ostensivamente
políticos. A Associação não desiste e o curso vem a ser autorizado em 1961. A
organização curricular e a própria duração do curso sofrem sucessivas alterações ao
longo das (quase) três décadas seguintes e, a 9 de Novembro de 1988, através do
Decreto-Lei n.º 408/88, é homologada a criação da Escola Superior de Educação João
de Deus, apta a ministrar o Cursos de Educadores de Infância e o de Professores do
Ensino Básico (Carvalho, 1991).
4.13. O Fim do Caminho; referência e ecos da morte de João de Deus
Ramos
A 13 de Novembro de 1953, enquanto atendia a uma questão relacionada com o
Jardim-Escola João de Deus de Alcobaça, João de Deus Ramos é acometido por uma
ataque cardíaco, réplica mais violenta e agora fatal de outro que experimentara uns
tempos antes. Vem a falecer dois dias depois, na sua residência em Lisboa.
Falando-lhe da morte, que assim o surpreendera, dele escreveu Mestre Aquilino
Ribeiro (1955) dois anos mais tarde: ―Tinha 75 anos de idade e até ao fim trabalhou este
escultor de almas na sua carreira de mármore vivo. Para ele não houve domingo nem dia
santo, como não houve reforma nem outro galardão, que o de ver florir a sua messe, ao
passar a linha equinocial da vida. Era um homem tolerante, nimbado de todas as
faculdades morais, que lhe legou seu pai à falta de outros haveres . . . . Com as crianças
o seu carinho acrisolava-se como o de um jardineiro pelas rosas.‖ – Poetas, Prefácio,
ob. cit..
A imprensa referiu abundantemente a morte de Ramos e traçou-lhe, a lápis
grosso, a biografia. Os muitos elogios fúnebres então publicados fazem referência à sua
250
vida de permanente labuta e exprimem-se em termos de clara unanimidade. Referem-lhe
o percurso político, mas retratam-no principalmente como pedagogo e como o criador
da escola para a infância no nosso país. Terminamos nós também o simulacro de retrato
que de João de Deus Ramos pudemos fazer, transcrevendo muito parcialmente o muito
que então se publicou:
Morreu o pedagogo Dr. João de Deus Ramos — que criou em Portugal os
Jardins-Escolas
Na sua residência faleceu hoje o distinto escritor e notável figura de pedagogo, Sr.
Dr. João de Deus Ramos, que anteontem, quando se encontrava no Museu João de
Deus, foi acometido de doença súbita, tendo recolhido ao leito em estado muito
grave. Apesar do desvelo da família e de todos os cuidados da Ciência, o ilustre
professor não resistiu à síncope e veio a falecer esta manhã pouco depois das 11h30 .
. .
Após a formatura, em 1902, dedicou-se à propaganda do ensino popular,
secundado a princípio por Casimiro Freire, benemérito fundador das Escolas Móveis
pelo Método João de Deus.
Mas a sua grande obra de educador principiou, por assim dizer, com a criação do
modelo português de Escola Infantil . . . O Dr. João de Deus Ramos fundou o Museu
João de Deus — bibliográfico, pedagógico e estético (sic), na Avenida Álvares
Cabral, onde se encontra instalada a sede central dos jardins-escolas.
Era um sonhador e viveu sempre para o culto da obra e do exemplo de seu pai. Os
jardins-escola foram a sua paixão. Mas embora à custa de sacrifícios e de canseiras,
realizou o sonho que o devorava e a que se devotou inteiramente, defendendo com
amor e com ternura um ideal de pureza e de solidariedade humana — os jardinsescolas onde as crianças a brincar aprendem a ler.
Republicano desde os tempos da propaganda, e acompanhando com devoção os
grandes vultos da República, foi deputado em duas legislações, pelos círculos de
Alcobaça e de Lamego, fazendo ouvir a sua voz em defesa dos direitos das crianças e
proclamando a necessidade de combater o analfabetismo. Teve ensejo de apresentar
soluções para o problema e de propor métodos que decerto levariam ao decréscimo
da percentagem de iletrados, se a isso não se opusessem as vicissitudes da política . . .
Foi também governador civil da Guarda e de Coimbra.
Entretanto, as viragens da política fizeram-no ascender a Ministro da Instrução
Pública e, mais tarde, do Trabalho . . . Poeta, conferencista e educador, publicou
obras. . .
251
O Sr. Dr. João de Deus Ramos . . . deixa viúva a Sr.ª D. Carmen Syder Ramos e era
pai de Maria Guilhermina de Deus Ramos Soares Lopes, Maria da Luz Ponces de
Carvalho e Maria Joana de Deus Ramos Pina Cabral.
(Diário Popular, 1953, Novembro 15, pp. 1,11)
Morreu João de Deus Ramos, o grande impulsionador da obra dos JardinsEscolas em Portugal.
Com a morte do Dr. João de Deus Ramos perdeu o País um dos seus mais nobres e
luminosos valores, não, apenas, de elevada ordem intelectual, mas de pura substância
moral. Dir-se-ia que, na alma desse notável e activo educador, predestinado para as
tarefas de alto sentido pedagógico, que legou à Nação uma obra enorme de alta
beleza e de comovida ternura, se reflectia, totalmente, o espírito amoroso, sensível,
apaixonado de João de Deus, o imortal autor da Cartilha Maternal.
João de Deus Ramos não lhe herdou apenas o nome glorioso e imarcescível, que anda
no coração de todas as crianças como sacrário de oiro e infinito amor, mas a sua
verdade e sinceridade humana, sobre as quais resplende, tanto no pai como no filho,
um maravilhoso coração de bondade . . . João de Deus Ramos converteu as suas
escolas em jardins. Chamava-lhes mesmo assim, numa completa renovação do
ensino, desse precioso tesouro, que é a alma infantil. O seu proselitismo é intenso. O
homem converte-se num autêntico apóstolo do ensino, com concepções originais, que
libertam a escola das velhas tradições e cediços métodos, tornando-a mais do que
atraente, aliciante, como uma prolongação do lar para os pequeninos . . . Criou pois,
João de Deus Ramos. um ensino diferenciadamente português, tendo por base a lição
magnífica de ternura e de sensibilidade que João de Deus nos legou na Cartilha
Maternal.
O melhor, porém, da sua nobre existência, foi ter dado realização permanente a esse
tão grande e belo livro nacional. Essa obra, sem os jardins-escolas, teria, porventura,
ficado incompleta. . .
(Diário de Lisboa, 1953, Novembro 15, pp. 1,2)
Uma perda irreparável — Faleceu esta manhã o Dr. João de Deus Ramos, antigo
Ministro da república e fundador dos Jardins-Escolas
Com a morte do Sr. Dr. João de Deus Ramos, desaparece uma notabilíssima figura de
pedagogo, intelectual de alto relevo, idealista, verdadeiro democrata, que albergava
252
em si um luminoso espírito de beleza e ternura e um sonho que expendia em carinhos
e sublimes encantos no mundo das aspirações infantis.
Era, sobretudo, um educador, e a sua compreensão da complicada psicologia e da
alma das crianças tanto se revelou na sua vida exemplar, como chefe de família,
como nessa obra de amparo e orientação pedagógica infantil que são os jardinsescolas, criados por sua iniciativa e pelo seu esforço . . . João de Deus Ramos,
homem de acção que vivia para a realização desse ideal magnífico, foi principalmente
um renovador de métodos pedagógicos e do sistema de ensino — um educador, no
que o termo tem de mais nobre, tocado de um sopro de poesia e de um amplo e
enternecedor sentido humano. Da sua acção no campo da pedagogia, fica alguma
coisa de indestrutível, numa perpetuidade radiante e frutificadora; fica o exemplo e
paixão e sacrifício por um ideal; fica uma obra que criou os seus prosélitos e abre
dilatados e promissores horizontes ao futuro da juventude portuguesa, digna e
consciente da sua missão ao serviço da Pátria no mais alto sentido da fraternidade
humana. . .
(República, 1953, Novembro 15, p. 1)
É com profunda comoção que iniciamos estas linhas. A morte do Dr. João de Deus
Ramos deixa nos corações daqueles que se honraram com a sua amizade uma dor sem
consolo e que o tempo não saberá extinguir . . . Falar dos seus reais talentos, da sua
obra notabilíssima é, simultaneamente, invocar a sua delicadíssima bondade . . . Alma
de poeta, de requintada sensibilidade artística, deixa no Museu João de Deus e nos
Jardins-Escolas que também criou, deixa como ele próprio dizia — poemas de pedra e
cal — que exprimem muito da beleza do seu espírito e que nos revelam a extensão e a
delicadeza da sua extremosíssima bondade (Relatório e Contas, 1953, p. 3)
253
5. Capítulo Quinto
Conclusão
254
5.1 Considerações Finais
As mais das vezes, o real valor dos homens cuja obra os distingue dos demais só
é reconhecido depois de morrerem. Não foi assim com João de Deus, o poeta João de
Deus, que viu a sua obra poética e a sua Cartilha Maternal reconhecidas enquanto viveu,
tanto pela massa anónima dos seus contemporâneos e por muitos dos seus pares, como,
até, pelo poder instituído.
João de Deus Ramos, filho mais novo do poeta João de Deus, viveu e morreu
com a carga de ser filho de quem era e durante toda a vida lho recordaram. De forma
cordial, como uma homenagem que lhe prestavam, mas não deixou de ouvir e de ler,
uma, dez, cem, mil vezes, que ―o nosso distinto amigo, Dr. João de Deus Ramos, filho
do inolvidável poeta do Campo de Flores . . . ―; ―João de Deus Ramos é filho do
inimitável lìrico e provado pedagogo. . . ; ―Desde anteontem que se encontra no Rio [de
Janeiro] . . . João de Deus Ramos . . . filho do imortal poeta . . . ‖.
Por muito que alguém ame e respeite o próprio pai — e João de Deus Ramos
amava e respeitava devotadamente o seu — uma tão insistente colagem não deixa de
incomodar, de gerar algum desconforto, o que mais se agravará se pai e filho forem
homónimos, como sucedia no caso de Ramos. Este chegou a dizer a propósito e em jeito
de desabafo magoado que era o João…Sem Nome.
A despeito desta benigna mas persistente agressão à sua identidade, Ramos não
deixou de valorizar a Cartilha de que seu pai era autor, quase parecendo que se
apaixonou por ela, ao menos nos verdes anos da juventude. Percorreu-lhe os meandros,
anotou-a, tornou-a mais compreensível e prática e correu mundo a divulgá-la.
Neste seu afã de ensinar a ensinar a Cartilha Maternal, calcorreando o país,
Ramos encontrou-se numa posição privilegiada para compreender a real situação em
que, no início do século vinte, se encontrava o nosso ensino das primeiras letras.
Proferiu conferências, falou a professores e a outros interessados no processo educativo,
falou e falou. E ouviu. E viu. Atrevemo-nos a dizer, parafraseando o poeta António
Machado, que os primeiros caminhos que levaram Ramos a ―pensar‖ a instrução e a
educação em Portugal os desbravou ele caminhando. Em sentido perfeitamente literal.
Tendo nascido em Lisboa e cursado Direito em Coimbra, o citadino João de
Deus Ramos pôs os pés ao caminho. Não investigámos como viajava mas só podiam ter
sido de comboio as inúmeras viagens que fez por toda a geografia portuguesa. E como
255
teriam sido longas essas viagens, a poucas dezenas de quilómetros por hora. Em que
pensava Ramos nessas suas deslocações? Atrevemo-nos a aventar que pensava nos
―seus‖ temas da educação e, não raras vezes, nos magotes de camponeses e camponesas
que via da janela e que, curvados para a terra, não sabiam uma letra do tamanho…
daquele comboio.
Teve assim, Ramos, como poucos ou mesmo nenhum dos pedagogos
portugueses seus contemporâneos, uma ligação quase umbilical com os problemas reais
e as reais carências da educação infantil e primária. E com os problemas e carências do
professorado, e das crianças, e da população rural, que era então maioritária. Aquelas
múltiplas viagens fê-las ele enquanto sócio e colaborador permanente da Associação das
Escolas Móveis. Cedo percebeu, se é que antes ignorara, que ensinar em alguns meses o
abc e as quatro operações a crianças e a adultos, ainda que necessário, não era suficiente
para elevar ao estatuto de cidadãos os milhões de analfabetos portugueses, para criar o
tal ―homem novo‖ que a República — que ele aplaudia e cujos princípios matriciais
propagandeava — tanto queria que surgisse em Portugal. Por isso pugnou, logo em
1907, para que as ―Escolas Móveis‖ ampliassem o seu objecto e nele incluìssem o de
criar jardins-escolas para crianças dos três aos sete anos e o de modelar um tipo
português de escola infantil.
E quando, quatro anos após aquela alteração estatutária, congregando vontades e
meios, pôs de pé o primeiro jardim-escola, não o criou em qualquer beco de Coimbra
nem o mandou desenhar por um qualquer ―curioso‖. Erigiu-o num jardim, seguindo
princípios que enunciou e explicou a um dos mais reputados arquitectos portugueses, à
luz de critérios pedagógicos que também referiu. E estabeleceu com detalhe as bases
educativas que haviam de nortear a ―vida‖ dos pequenos alunos.
Em vez de um abc apressado a crianças ou a adultos extenuados pela foice ou
pela enxada, existia agora a possibilidade de oferecer a portugueses novinhos em folha,
durante cinco anos, os meios adequados para que estes começassem a converter-se no
tal ―homem novo‖ que a jovem República tanto desejava ter como filho. Foi este um
dos contributos de João de Deus Ramos para que aquele grande sonho republicano
saltasse do papel para a rua e se tornasse realidade. E multiplicou-o por sete, até a morte
o levar.
A República convocou-o à actividade política e Ramos respondeu à chamada.
Foi governador civil do distrito da Guarda e do de Coimbra. Foi deputado por Lamego e
por Alcobaça. Foi ministro do trabalho e foi-o também da instrução.
256
Dir-se-á que não aqueceu o lugar em nenhum daqueles cargos, mas também o
não aqueceram outros cidadãos que, tão abnegados quanto ele na defesa da coisa
pública, se sentaram nas mesmas cadeiras. É consabido que a dança destas, das cadeiras,
foi uma constante do exercício do poder político durante a Primeira República e João de
Deus Ramos fez o que sabia enquanto o deixaram. Preocuparam-no sobretudo as
crianças desvalidas, os doentes mentais, os pobres e os desempregados e, para alguns
dos muitos problemas destes grupos de cidadãos, encontrou soluções adequadas.
Para a questão de saber se João de Deus Ramos foi ou não um político, no
sentido estrito do termo, a resposta parece ser negativa. Ninguém é bom julgador de si
mesmo, diz a sabedoria popular, mas inclinamo-nos para acolher a versão do próprio
interessado quando diz que nunca foi um político na verdadeira acepção da palavra, por
não ter tido propensão para participar nos jogos de bastidores que o exercício da
actividade política quase sempre implica.
Dois factos apontam, aliás, para a credibilidade desta afirmação: por um lado, o
facto de Ramos se ter desvinculado em 1919 do Partido Republicano Português, a que
pertencera desde a primeira hora, quando discordou das linhas de orientação traçadas
pelos seus dirigentes; por outro, o facto de gozar de uma antiga e elevada confiança das
cúpulas do partido, ao ponto de, quando tudo ainda não passava de mera conspiração,
lhe haver sido conferida a missão de transportar do Porto para Lisboa o texto da
proclamação que havia de ser lida aquando da instauração da República. Outro militante
mais acomodatício ou mais conspirativo teria capitalizado aquela confiança e, jamais
pensando em sair de cena, teria manobrado no sentido de comer o melhor possível à
mesa do poder.
Desde os tempos de faculdade que João de Deus Ramos ensaiou a formulação
de ideias inovadoras sobre o que entendia dever ser a educação da infância no nosso
país.
Considerava que a escola era a imagem da sociedade, e isto a partir da escola
maternal; esta devia ser republicanizada, preservando-se a identidade cultural e os
valores do nosso país, começando pela educação da criança pequena, pois só através da
escola maternal o indivìduo aprenderia a ser um ―homem novo‖.
Tal como Pestalozzi, cria uma escola para o povo, incrementando uma rede de
Jardins-Escolas onde foram praticados novos princípios pedagógicos, em tudo
contrários aos que, na época, eram adoptados nas escolas portuguesas. Embora, em
257
rigor, não possamos considerar os Jardins-Escolas João de Deus uma Escola Nova,
podemos encontrar neles coincidências com algumas das práticas difundidas pelo
Movimento das Escolas Novas.
Tal como os pedagogos da Escola Nova, Ramos apelou a que o ensino fosse
lógico e racional.
Concordando com Faria de Vasconcelos, atribuiu a maior importância à
localização dos Jardins-Escolas e ao aspecto estético e funcional dos edifícios escolares.
À semelhança de Claparéde, preconizou para as escolas de infância um
―ambiente de simpatia‖, onde se estimulasse o interesse e a curiosidade da criança, se
promovesse o seu desenvolvimento integral, ao mesmo tempo que se lhe estimulava o
gosto pelo trabalho.
Como Maria Montessori, releva a educação sensorial mas, enquanto esta utiliza
objectos específicos para esse fim, Ramos integra na educação sensorial o ―ciclo de
conhecimentos‖, no decurso do qual são estimulados a vista e o tacto através dos
trabalhos manuais, do desenho e da modelagem; o ouvido, através da música, e o
paladar através da degustação de alimentos que permitam a percepção de distintos
sabores; o olfacto, através da apresentação de vários cheiros.
Ainda na linha pedagógica de Montessori, e também de Decroly, Ramos defende
que é errado ensinar a leitura e a escrita sem prévia educação sensorial.
Influenciado pelas ideias de Fröbel, João de Deus Ramos utiliza os denominados
―Dons de Froëbel‖ para a iniciação à matemática, material cuja utilização propõe ainda
para fazer construções, das quais partem histórias com vista ao desenvolvimento verbal
e, também, da criatividade Ainda na senda de Fröbel, preconiza os trabalhos manuais
constituídos por entrelaçamentos, trabalhos de agulha, dobragens e modelagem e, bem
assim, jogos e canções acompanhados por mímica e gestos.
Tal como Claparéde, atribuía aos trabalhos manuais uma função educativa, na
medida em que os entendia como meios de educação intelectual e social, como uma
forma de expressão, mas nunca como preparação para um oficio.
Considera o desenho como linguagem, como meio de expressão e como
exercício gráfico de iniciação à escrita e, no campo artístico, como a base de todas as
artes. Discorda com os autores que defendem que a criança em idade pré-escolar deve
rabiscar o papel ao acaso, por entender que a criança não será capaz de transpor para o
258
papel o que vê e o que imagina sem primeiro saber fazer o uso do lápis e, para este fim,
utiliza figuras estilizadas, que denomina por ―séries‖.
Acompanhando Decroly, releva também os ―temas de vida‖, apresentados de
uma forma cíclica e relacionada, através da experimentação e da observação; pela
utilização do método associativo é facilitada a aquisição de noções e exercitado o
raciocínio
João de Deus Ramos entendia que a disciplina era fruto de um trabalho
organizado, que deveria resultar da necessidade sentida pela criança. O mesmo
pensavam Dewey, Claparéde e Montessori.
Seguindo de perto Dewey, era de opinião que os jardins-escolas deveriam
associar-se à vida da criança e ser para esta uma segunda morada, e que a experiência
adquirida em casa fosse transposta e utilizada na escola, sendo que o que a criança
aprendesse nesta fosse tanto quanto possível aplicado na vida quotidiana.
Quanto ao papel da educadora, João de Deus Ramos atribuía-lhe uma função
social, enquanto substituta da mãe, devendo as suas relações com a criança possuir um
marcado carácter afectivo. Para além do mais, a Educadora deveria ser um facilitador de
aprendizagens, animando e organizando a vida escolar mas permitindo ao aluno actuar e
aprender por si próprio.
Tal como Fröbel e Montessori, João de Deus Ramos evidenciou a importância
da formação de professores para a educação de infância, acabando por criar no nosso
país o primeiro curso de educadores de infância.
Concluindo, o pensamento pedagógico de João de Deus Ramos afigura-se-nos
muito próximo do quadro preconizado pelo Movimento da Escola Nova.
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Relatório e Contas de 1922 -1923
Relatório e Contas de 1926
Relatório e Contas de 1928
Relatório e Contas de 1935
Relatório e Contas de 1936
Relatório e Contas de 1938
Relatório e Contas de 1942
Relatório e Contas de 1943
Relatório e Contas de 1944
Relatório e Contas de 1945
Relatório e Contas de 1947
Relatório e Contas de 1948
Relatório e Contas de 1952
Relatório e Contas de 1951
Relatório e Contas de 1953
Artigos de Revistas da Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus
Propaganda do método João de Deus (1905, Fevereiro). A Instrução do Povo, 1, 20-24.
Aprovação oficial do método João de Deus (1905, Fevereiro).Instrução do Povo, 1; 2529.
Leitão, A. (1905, Março). Castilho e João de Deus. A Instrução do Povo, 2; 46-47.
Wolff, M.(1905 Novembro e Dezembro). Froebel e os jardins-de-infância. A Instrução
do Povo, 10/11. 179-186.
Castro, E.(1906 Janeiro). O Melhor Retracto de João de Deus. A Instrução do Povo, 12,
209-216.
Freire, C.(1906, Janeiro). João de Deus-8 de Março de 1895 e 11 de Janeiro de 1896. A
Instrução do Povo, 12, 225-227.
272
Casimiro Freire e Francisco Grandela (1906 Fevereiro e Março). A Instrução do Povo,
13/14; p.19.
Jardins- Escolas em Coimbra (1907 Janeiro a Maio).Boletim das Escolas Móveis, 1;
p.34.
Barros, J de (1907 Junho a Dezembro). Os nossos maiores educadores. Boletim das
Escolas Moveis, 2, 18-20.
Regulamento das comissões auxiliares da Associação das Escolas Moveis pelo Método
João de Deus.(1908 Outubro, Novembro e Dezembro).Instrução do Povo,1, 17-19.
J.D.(1909, Janeiro, Fevereiro e Março). A propósito do congresso pedagógico. A
Instrução do Povo, 2, 33-36.
J.D. (1909 Abril, Maio e Junho). Segundo Congresso Pedagógico. Instrução do Povo, 3,
54-56.
Campos, E. de (1910 Julho, Agosto, Setembro).Uma falsa aventura. Boletim de
Propaganda, 1, 1-2.
Barros, J. de (1910 Outubro, Novembro e Dezembro). (sem titulo). Boletim
Propaganda, 2, 1.
Barros, J. de (1911 Abril, Maio e Junho). O Jardim-Escola João de Deus em Coimbra.
Boletim Propaganda, 4, 45-46.
Deus, J. (sem titulo). (Outubro, Novembro e Dezembro 1911). Boletim de Propaganda,
6, p.68.
Bergström, G.A. (1912 Julho Agosto, Setembro) O jardim-escola João de Deus. Boletim
de Propaganda ,9,91-94.
Almeida B.F. (1913, Abril Junho) O jardim-escola João de Deus em Coimbra. Boletim
de Propaganda, 12, 111.
Campos, E. de (1913 Outubro a Março) Pavilhões Escolares. Boletim de Propaganda,
10 / 11 ; p.1.
Oliveira, L. de (1913 Outubro, Novembro e Dezembro). A Obra de Casimiro Freire.
Boletim de Propaganda, 14; 1-2
Laranjeira. M. (1915, Janeiro, Fevereiro e Março). (sem titulo).Boletim de Propaganda,
19, 168.
Barros, J. de (1915 Janeiro, Fevereiro e Março). A Associação das Escolas móveis e a
República. Boletim de Propaganda, 19, 1.
273
Freire. C.(1916 Outubro, Novembro e Dezembro). Os Jardins-Escolas João de Deus e o
método Montessori. Boletim de Propaganda ,26, 225-230.
Carta a Casimiro Freire (1917, Julho, Agosto e Setembro). Boletim de Propaganda, 29,
252-255.
Projecta-se em jardim-escola em S. Pedro de Alcântara (1917, Janeiro Fevereiro
Março). Boletim propaganda, 27, 236-238.
Casimiro Freire (1918, 1919) Boletim de Propaganda, 1, 1.
Jornais e Prospectos do Bairro Escolar do Estoril
Ecos do Bairro (1935, Março 23). O Jornal do Bairro Escolar do Estoril,1, 1.
A equipa de volley-Ball do Bairro Escolar do Estoril Campeã de Portugal e da
Mocidade Portuguesa (1941, Julho 7). O Jornal do Bairro Escolar do Estoril, 2, 3.
Prospecto (s.d,a) Bairro Escolar do Estoril Internato para o sexo masculino e externato
para ambos os sexos. Lisboa: Arquivo do Museu de João de Deus Bibliográfico,
Pedagógico e Artístico.1-5.
Prospecto( s.db)Bairro Escolar do Estoril Internato para o sexo masculino e externato
para ambos os sexos. Lisboa: Arquivo do Museu de João de Deus Bibliográfico,
Pedagógico e Artístico, 1-5.
Jornais e revistas
João de Deus (1882, Março 8).O Século, 354, 2.
Declaração (1897, Fevereiro 4). O Século, 5:409, 1.
A Cartilha de João de Deus (1901, Dezembro 9). O Mundo, 447, 1.
Os altos princípios do método de João de Deus (1902, Julho 13). O Mundo, 654, 2.
Duarte. E. (1903, Dezembro 17). Conferencias Pedagógicas- o método de João de Deus.
O Debate, 1.
Dr. João de Deus Ramos (1904, Dezembro 25). Notícias da Beira, 2.
Método João de Deus (1905, Janeiro 21). Vanguarda,2:952, 1.
274
Ri- Cardo. (1905, Setembro 24).A Cartilha Maternal. Soberania do Povo, 1
Método João de Deus (1905, Setembro 25). O Mundo, 1:806, 1.
Escolas Móveis (1905, Setembro 29). O Mundo, 1:810, p.2.
Meneses, J.(1905, Outubro 3) Método João de Deus. O Mundo,1:814, p.1.
Leal, G.(1905, Novembro 20). As mulheres portuguesas - A família de João de DeusGomes Leal. O Século, 8:585, 3.
Missão da Freguesia da Lapa (1905, Dezembro 3). O Mundo 1:875, 2.
Método João de Deus em Espanha (1905, Dezembro 3) O Mundo,1:875, 2.
Algarve M.(1906, Julho 9) Escolas Móveis no Algarve. O Heraldo, 1.
Homenagem a João de Deus (1907, Março 12.) Povo de Aveiro, 1:194, 1.
Dr. João de Deus Ramos (1907, Abril, Junho). Revista de Abrantes, 17-18.
Neto, A.(1907, Maio 18). 25º Aniversário da Associação das Escolas Móveis pelo
Método João de Deus. Democracia do Sul, 267, 1-2.
Casimiro Freire e João de Deus Ramos (1907, Junho 1). Democracia do Sul, 269, p.1
Dr. João de Deus Ramos (1907, Junho 27). O Dia, 751, 1.
A Folha- Hóspede Ilustre (1907, Junho 30). A Folha, 247, 2.
Dr. João de Deus Ramos (1907, Julho 6). Diário de Notícias do Funchal, p.1.
Registo elegante (1907, Julho 26 ).O Dia, 750, 1.
Dr. João de Deus Ramos (1907, Agosto 5)Vanguarda, 1.
Escolas Móveis e o Dr. João de Deus Ramos (1907, Novembro 12) Vanguarda, 3:919,
1.
Parlamento (1908, Julho 30). O Mundo, 2777, 3.
Soares, J. L. (1909). Casimiro Freire. Revista de Abrantes, 4,143-144.
Dr. João de Deus Ramos (1909, Março 21). O Primeiro de Janeiro.
Conferências Pedagógicas (1909, Março 23). O Primeiro de Janeiro, 1.
As teses do congresso pedagógico- prevê-se uma discussão renhida sobre o método
João de Deus- o filho do poeta dirige-se ao mundo (1909, Abril 11).O Mundo, 3:029, 3.
Discute-se o método João de Deus (1909, Abril 14). O Mundo, 3:032, 1.
Prosódia Portuguesa (1909, Agosto 7). O Primeiro de Janeiro, 1.
O jardim-escola João de Deus e o ensino da primeira infância (1910, Janeiro 18).
Defesa, 166, 1-2.
Manso, J.(1911, Fevereiro 8). O jardim-escola João de Deus. Defesa, 272, 1.
O Jardim Escola João de Deus é inaugurado em Coimbra, no dia 8 de Março (1911,
Fevereiro 11). República, 1.
275
Crónica de Coimbra (1911 Fevereiro 13). Diário de Notícias, 16:254, 1.
Barros, J. de. O jardim-escola João de Deus (1911, Março 25). O Século, 10:517, 3.
O Jardim –Escola João de Deus (1911, Abril 3). O Mundo, 3744, 2.
O jardim –escola João de Deus (1911, Abril 3) O Século, 10:526, p.3.
A exoneração do Dr. João de Barros (1911, Julho 3) O Século, 1.
Dr. João de Deus Ramos- Governador Civil da Guarda (1912 Março 4). O Combate, 12.
Dr. João de Deus Ramos (1912, Março, 10). O Mundo, 4:130, 1.
Dr. João de Deus Ramos (1912, Abril, 27). A Pátria, 123, 1.
Dr. João de Deus Ramos (1912, Abril, 28). O Mundo, 4:179, .1.
O novo Governador Civil (1912, Maio 2). A Democracia da Beira, p.1.
Tetemaco (1912, Maio 19) Dr. João de Deus Ramos- continuador da obra de seu pai. A
Humanidade, 32, 1.
Conferencia Notável (1912 ,Outubro 6). O Combate, p.1.
Feyo, M.(1912, Novembro 4). Uma visita ao jardim-escola João de Deus. Página
Literária, 3.
Associação 1º de Maio -Aulas Nocturnas (1912, Novembro 23 ). O Combate,2.
Governador civil(1912, Setembro 19) Democracia da Beira, 90, 1.
João de Deus Ramos (1912, Setembro 22). O Dever, 1.
Dr. João de Deus Ramos (1913, Janeiro 25). Humanidade, 101, 1.
Vergonha (1913, Maio 27). A Província, 1.
Os acontecimentos dos últimos dias (1913, Maio 28). A Tribuna, 2-3.
João de Deus (1913, Junho 4). O Mundo, 1:476, 1.
Melhoramentos na Cidade de Coimbra (1913, Julho 19) O Século,11:353, 1.
Escolas Móveis- a sua acção no ensino primário (1913, Agosto 21). O Século,
11:386,p.1.
Carta de Coimbra (1913, Agosto 17). O Mundo, p. 2.
Dr.. João de Deus Ramos (1913, Novembro 14).O Mundo, 4:738, 1.
João de Deus Ramos- um banquete de homenagem no Café Martinho (1913, Dezembro
5) O Mundo, 4:758, 2.
Carta de Coimbra de (1914, Junho 26).O Mundo, 4.
João de Deus Ramos- antigo parlamentar democrático desliga-se do Partido
Republicano Português (1919, Maio 10). A Manhã, 763, 1.
Valadão, C.(1920,Janeiro 20). João de Deus Ramos. A Pátria, 34, 1.
276
O Gabinete do Sr. Domingos Pereira- o novo ministério tomou ontem posse, sendo um
acto muito concorrido (1920, Janeiro 22).A Manhã, 1001, 2.
Jardim-Escola João de Deus (1920, Julho 23). A Voz da Justiça, 1.
O Ministério da Instrução (1920, Novembro 14). O Século, 13:267, 1.
A B C Maternel Art de Lecture (1920, Novembro 17). O Mundo, 1:006, 2.
João de Deus Pedagogo- A Cartilha Maternal adaptada á língua francesa, receber
acolhimento da parte de Ferdinan Buisson, e será editada por uma casa de Paris (1920,
Dezembro 9). Diário de Notícias, 19:783, 1
Movimento de ideias (1921, Janeiro 22). O Mundo, 6:6778, 1.
Pour apprendre à lire Phileàs Lebesque (1921, Maio 15) Paris- Noticias- Paris, p.1.
Um problema nacional resolvido -o jardim-escola João de Deus (1921, Setembro 11). A
Pátria, 400, 1.
(sem titulo) (1921, Outubro 21). Diário de Lisboa, 169, 1.
(sem titulo) (1921, Dezembro 5). Diário de Lisboa, 206,1.
A Educação dos filhos do povo (1922, Julho 14) A Voz da Justiça 2.015, 1.
Jardins-Escolas (1922, Julho 21) A Voz da Justiça, 2.017, 1.
Vasconcelos, F. de (1922, Agosto). Bases para a solução dos problemas da educação
Nacional. Seara Nova, 16,53-56.
Costa, H. (1922, Outubro 25). Uma obra de amor- Jardim escola João de Deus- como
ele realiza, em parte, o sonho do grande lírico Diário de Lisboa, 447, 2.
Entre Ministérios (1924, Novembro 25). O Mundo, 8:203, 2.
A missão que cabe ao Ministro do Trabalho (1925, Janeiro 2). Diário de Lisboa, 1147,
p.5.
As crianças do refugio e o Asilo de São Luís (1925, Janeiro 3) O Século, 15:404, 1.
Como o Ministro do Trabalho espera resolver a crise da marinha Grande (1925 de
Janeiro de 11). O Século, 1-2.
Crise no trabalho (1925, Janeiro 13) O Mundo, 8:245, 1.
O Novo Manicómio (1925, Janeiro 16). O Mundo, 8:248, 1.
Vamos ter fatos baratos em séries constantes devido à iniciativa do actual Ministro do
Trabalho (1925, Janeiro 17). Diário de Lisboa, 1160, 5.
O Sr. Dr. João de Deus Ramos (1925, Janeiro 20). Diário de Noticias, 21:194, 1.
Politica (1925, Outubro 28), Diário da Tarde, 8.
Sérgio, A.(1926, Fevereiro) Educadores, pedagogistas e cartilhistas. Seara Nova,27,
pp.77-78
277
(sem titulo) (1928, Outubro 1) Diário de Lisboa, 2:296, 1.
Numa missão exclusivamente intelectual. Chegou, esta tarde ao Rio, a bordo do ―
Cantuaria Guimarães‖, o professor, Ex.- Ministro Português Dr. João de Deus Ramos
(1928, Outubro 17) O Globo, 1.
A visita de João de Deus Ramos ao Brasil (1928, Outubro 19). Jornal do Brasil, 1.
(Sem titulo) (1928, Outubro 22) Diário de Lisboa , 2:313,1.
As conferencias do Dr. João de Deus Ramos (1928, Outubro 26) Jornal Português, 1.
Missão generosa (1929, Junho 14) Diário de Lisboa, 2509, 5.
O papel do Estado, da Igreja e dos particulares contra o analfabetismo (1931, Setembro
16). Diário de Noticias, 23:574, 1,4.
Uma grande e nobre instituição- os jardins-escola João de Deus –honram a pedagogia
infantil portuguesa (1938, Maio 8). Republica, p.4.
Jardim-escola João de Deus (1939, Março 9). O Trabalho, 283, 1.
Os jardins-escolas João de Deus (1939, Março 19). Correio do Sul, 1148, 1.
Relíquias Nacionais (1939 Março 9) O Primeiro de Janeiro, 65, 5.
O problema educativo nacional- o Lar Educativo João de Deus e a arte de prender a
atenção das criança (1939, Maio 30). Diário de Lisboa, p.2.
Guimarães, L. O. (1940, Abril 12). Os homens e as crianças—uma hora com João de
Deus Ramos. Republica, 3352,4-5.
A educação da criança (1940, Dezembro5) Diário de Lisboa, 6480, p.5.
Portugueses de amanhã (1944, Novembro 13) Comercio do Porto, 303, 1-3.
O Panorama do ensino - seu espírito e realização- comentário numa entrevista com o
Dr.º João de Deus Ramos (1945, Novembro 13 ) Diário de Lisboa 8:251, 1-2
Rocha, M.(1947, Abril 12) Rocha Martins (1947, Abril 12) Justiça para os JardinsEscolas João de Deus. República, 5906, 1-3.
Uma obra admirável no intuito e nos resultados, é a dos Jardins -Escolas João de Deus,
verdadeiras escolas portuguesas onde se resolve o melindroso problema da educação da
segunda infância, e, por isso, merecem aplauso e a maior protecção (1951, Janeiro 8). O
Século, 24:704, 1-2.
Já funciona nesta cidade- um belo edifício próprio- o Jardim-Escola João de Deus.
(1951,Junho 1) O Primeiro de Janeiro ,1-5.
Quando os homens sonham- Os Jardins-Escolas João de Deus—a mais bela obra
realizada entre nós em beneficio da criança (1952, Julho 18).Republica, 2-4.
Água mole em pedra dura (1953, Junho 15). Diário de Lisboa, 10:967, 1-4.
278
Miguel, J. C.(1953 Setembro 12) A educação infantil e os jardins-escolas. Voz do Sul,
1627, 1-4.
Curso didáctica pré-primaria (1953, Outubro). Os Nossos Filhos, 137, 8.
Morreu o pedagogo Dr. João de Deus Ramos – que criou em Portugal os Jardins-Escola,
(1953, Novembro 15). Diário Popular, 339, 1-11.
Morreu João de Deus Ramos o grande impulsionador da obra dos jardins-escolas em
Portugal. (1953, Novembro 15) Diário de Lisboa, 11:119, 1-2.
Uma perda inseparável- Faleceu esta manhã o Dr. João de Deus Ramos antigo Ministro
da republica e fundador dos Jardins Escolas (1953, Novembro, 15) Republica, 8234, 16.
Silhuetas que passam almas que ficam (1953, Dezembro 20) de 1953. Folha de
Tondela, 1512, 1.
Abriu esta tarde no Museu João de Deus uma exposição bibliográfica do Dr. João de
Deus Ramos (1954, de Junho 13). Diário Popular, 4198, 6.
Homenagem à memória de João de Deus Ramos (1954, Junho 26). Voz do Sul, 1664,
p.4
Desaparecidos em 1953- (1954, Julho 3) O Cronista, 3.
Livros e publicações (1955, Julho 4) O Século, 26:311, 2.
Araújo, M. R. (1955, Agosto1).Poetas. A Terra Minhota, 132,.2.
Algarve, M. (1956, Novembro, 29). Viagens sentimentais - o sentimento e a razão.
Correio do Sul, 2:029, 1-3.
Algarve, M. (1956, Dezembro,13). Viagens sentimentais - o sentimento e a razão.
Correio do Sul, 2:031, 2-4.
Algarve, M. (1958, Fevereiro,13). Singularidades de poetas. Correio do Sul, 2:009, 1-2.
Diários do Governo
Portaria de 23 de Abril de 1906. (Diário de Governo n.º 89).
Decreto de 29 de Março de 1911. (Diário de Governo n.º 73).
Decreto nº 6:381, 10 Fevereiro de 1920.(Diário de Governo n.º 30).
Decreto nº 6:385, de12 Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º 32).
Decreto nº 6:388, de 13 Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º 33).
279
Portaria n.º 2:161, de 13 Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º33).
Decreto n.º 6:411, de 13 Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º38).
Portaria n.º 2:180 de 26 Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º 42).
Portaria n.º 2: 182, de 26 Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º42).
Lei n.º949, de 27 de Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º43).
Decreto n.º 6:423 de 27 de Fevereiro de 1920. (Diário de Governo n.º 43).
Lei n.º 1:741, de 10 de Fevereiro de 1925. (Diário do Governo n.º 31).
Decreto n.º 10:415 de 27 de Dezembro de 1924. (Diário de Governo n.º 287).
Lei n.º 1:720 de 31 de Dezembro de 1924. (Diário de Governo n.º289).
Decreto Lei n..28081 de 9 de Outubro de 1937. (Diário de Governo n.º 236).
Anexos
ANEXO UM
O poeta João de Deus com os filhos
João de Deus Ramos é o 2.º, da esquerda para a direita
ANEXO DOIS
João de Deus Ramos
ANEXO TRÊS
ANEXO QUATRO
ANEXO CINCO
Jardim-Escola João de Deus de Coimbra
ANEXO SEIS
Visita de João de Deus Ramos ao Sanatório da Guarda, em 26 de Maio de 1912,
enquanto Governador Civil do Distrito
(no 2.º degrau, à esquerda)
ANEXO SETE
Aula de Cartilha Maternal
ANEXO OITO
Iniciação à Matemática: os ―dons‖ de Fröbel
ANEXO NOVE
Trabalhos Manuais: entrelaçamentos
ANEXO DEZ
Séries
ANEXO ONZE
Bairro Escolar do Estoril
ANEXO DOZE
1945: exame de uma aluna
na secretária, ao centro, João de Deus Ramos
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Graziela Barreto_DISSERTAÇÃO MESTRADO