Literatura, Dramatização e Ensino em Administração - uma Experiência de Apropriação de Práticas Teatrais à Formação Gerencial Autoria: Roberto Lima Ruas Resumo: Num ambiente instável e de baixa previsibilidade, parece ganhar importância o papel de certas competências como disponibilidade e adaptação à mudanças, capacidade de improvisar em situações imprevistas sem descuidar da estratégia, perceber oportunidades e ameaças em cenários futuros, capacidade de inovação. A essas competências sustentadas por elementos pouco tangíveis como percepção, criatividade, flexibilidade, improvisação, estamos denominando competências voláteis, já que são difíceis de conceituar, desenvolver, mensurar e avaliar. Talvez por essa restrição, o ensino em administração, especialmente aquele associado ao desenvolvimento gerencial, ainda não despertou para a importância e potencial dessas competências voláteis, menos ainda se posicionou na busca de alternativas metodológicas para explorá-las. Neste artigo apresentamos uma experiência de aprendizagem baseada na apropriação de práticas da cena teatral, através da qual se pretende explorar esse tipo de competências. Experimentada e replicada em instituições reconhecidas pelo ensino em administração, os resultados bastante positivos dessa experiência revelam que a apropriação de práticas teatrais pode ser empregada como alternativa metodológica em várias situações e circunstâncias do ensino em administração e da formação gerencial. 1- Introdução: Certamente este trabalho não seria oportuno no ambiente empresarial característico à maior parte do século XX. É exatamente a instabilidade e a baixa previsibilidade dominante nos últimos anos o que lhe dá sustentação e legitimidade. Nesse contexto não é surpreendente, que competências que viabilizem uma relação mais adequada com a instabilidade do ambiente acabem por se tornar fundamentais para a sobrevivência e competitividade das empresas, e também para a empregabilidade das pessoas. Estamos tratando de competências tais como capacidade de adaptação, flexibilidade, percepção acerca do que não é visível e nem objetivo, improvisação, criatividade e outras semelhantes. No mesmo sentido, Zarifian (2001), ao explorar as mutações verificadas no trabalho durante as últimas décadas, destaca o conceito de evento, do qual aponta duas dimensões: a primeira, como algo de imprevisto, de não programado, mas que deve ser resolvida para o sucesso da atividade produtiva; a segunda, como novas demandas colocadas pelo ambiente, novos usos potenciais dos produtos, novas expectativas da clientela, todas elas mobilizando as atividades de inovação e criação. Dessas duas dimensões resultam uma forte propensão à mudança e à inovação, posicionando competências do tipo definido acima (flexibilidade, adaptação, percepção, etc) numa condição particularmente estratégica. Apesar dessa perspectiva favorável, são ainda modestas as iniciativas sistemáticas visando apropriar e desenvolver essas competências. Dentre as razões para esse impasse destaca-se sem dúvida, sua baixa tangibilidade já que são particularmente difíceis de conceituar, monitorar, apreender e, especialmente, de serem mensuradas e avaliadas na forma de impactos e resultados. Na ausência de uma expressão que melhor as caracterize, estamos denominando esse conjunto de competências mais abstratas, por isso mesmo pouco dimensionáveis, de competências voláteis. Considerada sua natureza, a difusão das competências voláteis estaria na contra-mão da cultura empresarial dominante: num ambiente de intensa concorrência toda a iniciativa precisa gerar um retorno mensurável e efetivo. Apesar dessa dificuldade não há dúvida de que 1 em segmentos produtivos dinâmicos e instáveis, como telecomunicações, eletroeletrônicos, setor financeiro, e outros, nos quais uma das condições fundamentais de competição é a capacidade de gerar inovações em termos de produtos, serviços e formas de agir no mercado, atributos como percepção, criação, flexibilidade, pode constituir importante diferencial. Sua importância associa-se à práticas gerenciais como identificação de oportunidades de negócios, inovações em produtos e serviços, construção de soluções, etc. Neste sentido, evidências empíricas reforçadas em publicações da área da administração, destacam uma atenção crescente sobre essas competências voláteis. (Kao, 1997; Zarifian, op.cit; Perrenoud, 1997; Alencar, 199; Ray, 1996; Allan, Kingdon, Murrin & Rudkin, 2000). Paradoxalmente, e mais pela inércia do que pela complexidade, essa perspectiva não tem sido alvo de um interesse específico no campo do ensino em administração, e mais particularmente na área da formação gerencial. Não há dúvida que a natureza das competências voláteis e suas dificuldades no campo da tangibilidade (mensuração, monitoramento, etc.) jogam contra sua difusão e aceitação generalizada. Isso porque também no campo da formação gerencial é forte a influência da “cultura da utilidade”, ou seja, só tem valor aquilo que é aparente e imediatamente útil nas atividades profissionais. Resulta daí uma forte restrição à conteúdos e temas que, à primeira vista, não se enquadram nesta lógica. Em outras palavras, os conteúdos mais valorizados são aqueles que carregam a perspectiva de resultados imediatos e/ ou aparentes. A “cultura da utilidade” se transforma em valor inquestionável para a maioria dos programas de desenvolvimento e formação gerencial. (Ruas, 2003). Além dessa restrição de natureza “cultural”, o processo de difusão e exploração das competências voláteis no contexto do ensino em administração esbarra numa segunda dificuldade, essa de caráter metodológico: a carência de sistemáticas de ensino adequadas a esse tipo de abordagem. De fato, estamos aqui tratando de competências cujo desenvolvimento não pode ser unicamente sustentado por formas convencionais de ensino, ou seja, métodos fundamentados sobretudo na exploração de conhecimentos teóricos e técnicos. O desenvolvimento de competências voláteis está certamente mais próximo de metodologias que apropriem vivências orientadas, de experiências que estimulem a percepção, a criatividade e o uso mais intenso dos sentidos e dos insights, do que de métodos de ensino convencionais. Assim, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de métodos que demonstrem maior aderência ao desenvolvimento e exploração de competências do tipo voláteis, apresentamos a seguir a experiência denominada Literatura, Dramatização e Ensino em Administração- uma experiência de apropriação de práticas teatrais à formação gerencial. Como esclarece seu próprio título, trata-se de experiência apropriando dinâmicas e práticas do teatro ao ensino em administração. Essa escolha se deve tanto às possibilidades e abrangência dessa experiência em termos do ensino-aprendizado em administração, quanto aos resultados positivos obtidos quando de sua aplicação em diferentes programas de formação gerencial: Programa de Mestrado Profissional em Administração – PPGA/UFRGS, Programa de Mestrado Profissional em Administração – NPGA/UFBA, Especialização em Gestão Empresarial – CEPEAD/UFMG, MBA da Escuela de Administracion de Empresas – EAE, Barcelona- Espanha. Sustentada na exploração de textos dramáticos, especialmente clássicos, e na dramatização de alguma de suas cenas, essa experiência valoriza recursos pouco empregados em práticas de ensino em administração, dentre os quais destacam-se percepção, improvisação, adaptação, sensibilidade, criação, uso de recursos não usais e insights. Como se observa, estamos privilegiando com esta experiência uma alternativa de aprendizagem com base vivencial e emocional, na medida em que essa parece ser uma via 2 adequada para explorar as chamadas competências voláteis. Por outro lado, a escolha dessa alternativa não implica que estejamos desvalorizando as formas sustentadas em sistemáticas mais racionais de aprendizagem. Ao contrário, pois essas últimas são imprescindíveis às práticas de ensino de administração, embora para o caso de alguns conteúdos e habilidades possam essas últimas não exercer o papel central. O tópico 2 a seguir, referencia os elementos que fundamentam as competências voláteis. No tópico 3 descrevemos o processo de apropriação de elementos da cena teatral à metodologia de ensino em administração, juntamente com os correspondentes referenciais teóricos. No tópico 4 apresentamos a experiência de adaptação e dramatização com base em clássicos da literatura teatral. Finalmente, o tópico 5 discute e analisa os resultados, enfatizando os aspectos positivos do processo, bem como limitações metodológicas. 2- Referenciando o intangível: os elementos fundamentais das competências voláteis Já destacamos anteriormente a dificuldade de tratar de forma objetiva das chamadas competências voláteis. Apesar disso, entendemos importante compartilhar com o leitor algumas das principais referências acerca dos elementos que sustentam as competências voláteis. Começamos pela criatividade e pelo questionamento do pressuposto de que criar é exclusividade de quem trabalha com arte. “O vício de considerar que a criatividade só existe nas artes, deforma toda a realidade humana. Constitui uma maneira de encobrir a precariedade de condições criativas em outras áreas de atuação humana. ” (Ostrower, op.cit, p.39). Criatividade pode ser entendida genericamente como uma forma inovadora ou diferenciada de pensar, realizar ou compartilhar sobre algo e, finalmente, transformar essa forma inovadora em conhecimento. “Criatividade está em parte em nossa maneira de ver. (...) a capacidade de extrair informações cruciais de elementos irrelevantes. (...) Charles Darwin combinou fatos que em sua maioria já eram conhecidos de outros cientistas da época. Sua contribuição original (criatividade) limitou-se a organizá-los e interpretá-los de modo a sustentar sua teoria da evolução das espécies. (Goleman, Kaufman & Ray, 1997, p. 30). Para Kneller (1978), criatividade implica em perceber experiências e transformá-las em conhecimento. Nesse sentido, destaca a percepção como elemento-chave da criatividade. Assim, a capacidade de relacionar cenários, negócios, e outros tipos de associações pertinentes ao mundo dos negócios estaria muito próximo dessas referências sobre criatividade. Acerca da relação percepção e consciência, Ostrower (op.cit.,p.12) entende que “uma grande parte da sensibilidade, a maior parte talvez, incluindo as sensações internas, permanece vinculada ao inconsciente. (.....) Uma outra parte, porém, também participando do sensório, chega ao nosso consciente. Ela chega de modo articulado, isto é, chega em formas organizadas. É a nossa percepção. Abrange o ser intelectual, pois a percepção é a elaboração mental das sensações.” Por isso, o que se está denominando de percepção constitui o elemento de articulação entre sentir e compreender, pois corresponde a uma ordenação dos estímulos, e estabelece os limites entre o que percebemos do mundo e o que não percebemos. A percepção, como vimos, constitui um elemento vital para a atuação do gestor pois tem papel importante em certas práticas gerenciais vitais como a identificação prematura de oportunidades ou de ameaças, avanços e limites possíveis em negociações, identificar perspectivas de negócios, etc. Já a capacidade de improvisar é elemento imprescindível á criatividade. Aqui é preciso distinguir entre a improvisação caótica e a improvisação sustentada em referências comuns. É do segundo tipo que tratamos. Sobre o tema, usando como metáfora concertos clássicos e de jazz, é de Kao a referência (op.cit, p.37): “O mercado global atual – turbulento, 3 espaçoso e interminavelmente exigente em relação ao novo, ao experimental (... ) não é um ambiente de salas de concertos. Não há tempo para gerentes de empresas buscarem soluções em arquivos de partituras. Hoje o mundo dos negócios altamente competitivo premia a habilidade da improvisação em clubes de jazz.” “A capacidade de tomar decisões e agir de forma intuitiva é fator importante da criatividade. O intuitivo só pode responder no imediato – no aqui e agora. Ele gera suas dádivas no momento de espontaneidade, no momento quando estamos livres para atuar e inter-relacionar, envolvendo-nos com o mundo à nossa volta que está em constante transformação.” (Spolin, 1979,p. 4). “Intuição significa relaxar o controle da mente racional e confiar na visão do inconsciente.” (Goleman, Kaufman & Ray, op. cit. p.113) De qualquer forma, estimular a percepção, a criatividade e a intuição implica em disponibilidade para experimentar e mudar. “É provável que aquilo que denominamos comportamento talentoso, seja, na realidade, uma maior capacidade de experienciar. E o que significa experienciar? É a capacidade de penetrar no ambiente, e envolver-se organicamente com ele. E de dispor-se à mudanças. ” (Castiel, 1996, p. 227). Uma das principais atitudes de aprendizagem é a de estar aberto a aprender com experiências, tirar o máximo de proveito delas, sejam positivas ou negativas. Breve, a perspectiva de que a criatividade não está circunscrita a arte mas se desdobra isso sim a toda atividade humana, que a ela se associam curiosidade e disponibilidade para o experimento, que a percepção é condição fundamental para relacionar o sentir e o pensar, que a intuição e a improvisação dependem da espontaneidade e do relaxamento interno e, enfim, que todos esses elementos estão associados à abertura, a capacidade de adaptação e ao envolvimento com o ambiente, constituem todas elas referências fundamentais para o tratamento das competências voláteis. Ainda poder-se-ia considerar a capacidade de elaborar relações, analogias e outros exercícios de adaptação de situações. 3- Repensando as formas de ensino em administração: a valorização da ação e da experiência na aprendizagem A elaboração da proposta metodológica que visa associar experiências da cena teatral ao ensino em administração, mais particularmente à exploração e desenvolvimento de competências voláteis, é o resultado da apropriação de vivências e insights construídos em torno de experiência pessoal e profissional. O primeiro ingrediente é a experiência como ator, diretor de teatro e professor de artes cênicas, experiência essa compartilhada durante algum tempo com a prática de pesquisador na área de economia e administração. A partir daí, a perspectiva de vivenciar através das artes cênicas várias situações de aprendizagem por um caminho não convencional no qual o eixo central é o estímulo à percepção, criatividade, sensibilização, improvisação, associação de idéias e imagens e outros atributos semelhantes. Isso porque nas atividades com a cena teatral explora-se sobretudo, a dimensão emocional. Embora no decorrer dessas experiências o racional seja menos estimulado, não há como não perceber que contribui todo o tempo na compreensão do processo. Ao final, retoma papel decisivo na consolidação da aprendizagem desenvolvida no processo. Entretanto, é certo que as experiências no campo das artes cênicas privilegiam a exploração de competências menos tangíveis, competências voláteis. Apesar dessa vivência, minhas primeiras experiências como professor de administração, pouco tempo depois, foram marcadas por uma teimosa insistência em praticar exclusivamente a forma tradicional de ensino com base na exposição e apropriação de conhecimentos. Provavelmente seja essa a forma de aprendizagem mais adequada e até mesmo a única possível para ensinar grande parte dos conteúdos, disciplinas e mesmo técnicas da área de administração. Mas não é suficiente. Não se perca de vista que a 4 performance do gestor é validada por sua atuação e não por seu conhecimento ou sua experiência anterior. Aliás, esse insight através do qual entendi que aprender a ser gestor exige mais do que um ensino sustentado em conhecimentos formais só foi consolidado anos mais tarde através da aproximação com as abordagens aprendizagem nas organizações e gestão por competências. Naquele momento, ainda considerava as dificuldades que enfrentava frente a certo tipo de aprendizagem como uma falha de execução do método e não um problema de escopo. Nessa lógica, dedicava-me obstinadamente à pesquisa de técnicas pedagógicas, isto é, procurava formas “mais didáticas” de utilizar o mesmo método lógicoracional e com isso obter melhores resultados no mesmo caminho. Numa dessas “crises metodológicas”, o acaso aproximou-me da literatura acerca de aprendizagem nas organizações, especialmente da perspectiva aprendizagem na ação (Argyris & Schon,1996; Kolb, 1997, Raelin, 1997). Nessa descoberta desponta a questão –porqu a maior parte dos processos de mudança organizacionais paralisavam numa certa etapa de seu desenvolvimento? Até então, não entendia a relação estreita entre mudança e aprendizagem. Em muitos casos dizia a literatura e a prática confirmava, a consolidação da aprendizagem e da mudança no plano individual e coletivo passava necessariamente pelo experimento, pela vivência emocional. Embora indispensável a todo processo de aprendizagem, a exploração do conhecimento e da teoria não seria suficiente para consolidá-lo, exigindo – em alguns casos a complementação com práticas baseadas na experimentação. (Ruas, 2001). Neste momento, a recuperação de práticas da cena teatral apropriadas à aprendizagem cumprem o papel do elemento experiencial no contexto desses processos metodológicos. Foram, porém, as pesquisas no campo da abordagem Gestão por Competências que deram o toque final à apropriação de práticas teatrais ao ensino em administração. Nesta abordagem a noção de competência aparece como a capacidade de mobilizar e aplicar os recursos conhecimentos, habilidades e atitudes em uma situação específica, na qual se apresentam condições e restrições próprias, a fim de obter os resultados desejados. (Boterf, 1994). Nesse sentido, a legitimação da competência está sustentada na “atuação” e não nos recursos – conhecimento, habilidades e atitudes. Ao colocar a ênfase na ação, a noção de competência estabelece uma interessante relação com a atividade do ator na cena teatral. Apesar da intensa dedicação aos ensaios nos quais desenvolve o conhecimento e a habilidade associadas ao personagem que deve representar, apesar de sua experiência anterior em outros papéis e em outros espetáculos e de sua disponibilidade de atuar (atitude), a competência do ator no decorrer de um espetáculo é “validada”, não pelos antecedentes mas pela sua atuação em todos os momentos em que é chamado a entrar em cena e colocar seu personagem em ação. Ou seja, sua competência é legitimada a todo instante. Em síntese, para ser competente é necessário que o ator se adapte à situação a cada instante, que mantenha atenta sua capacidade de improvisar, que perceba o que se passa na volta no cenário e com os outros personagens. No mesmo sentido, também o gestor precisa legitimar sua competência em todos os momentos em que é chamado a intervir, seja sob a forma de uma tomada de decisão ou de uma orientação. Ele também precisa relacionar situações, perceber rapidamente o que se passa a sua volta, improvisar adequadamente, identificar oportunidades e, muitas vezes, atuar em situações pouco conhecidas. Em síntese, o processo através da qual repensamos as formas de ensino em administração, com base na apropriação de práticas da experiência teatral, foi o resultado dos seguintes entendimentos: a) Competências que sejam mais aderentes às condições de instabilidade e baixa previsibilidade do ambiente de negócios tendem ser progressivamente mais valorizadas tendo em sua vista sua contribuição em termos de diferenciação e competitividade. Estamos tratando de um certo tipo de competências menos tangíveis, de competências voláteis, tais 5 como a disponibilidade para mudanças, a capacidade de atuar em ambientes mais complexos e menos conhecidos, improvisar em situações imprevistas sem perder de vista a estratégia, capacidade de apreender em novas situações, percepção antecipada de oportunidades e ameaças no cenário futuro, etc. b) A aprendizagem na área de administração não pode ser sustentada no uso exclusivo de métodos racionais baseados em conhecimentos formais. Sua consolidação vai demandar metodologia mais abrangente na qual a vivência e a experiência desempenham papel relevante, perspectiva essa para a qual a abordagem Aprendizagem na Ação (Kolb, op. cit) apresenta contribuição importante e elucidativa. No que se refere o desenvolvimento de competências voláteis, processo no qual o conhecimento formal tem papel restrito, mais se justifica a preocupação com o uso de práticas e dinâmicas vivenciais que explorem elementos associados à percepção e à sensibilidade. c) A competência é legitimada através do saber agir, da atuação. Por isso, experiências de aprendizagem associadas à práticas da cena teatral, cujo eixo principal passa por vivências e emoções, deve aportar uma contribuição metodológica importante para o processo de desenvolvimento de competências voláteis Foram esses pressupostos que mobilizaram-nos para a apropriação de práticas da cena teatral ao ensino em administração. Dentre as diversas alternativas de emprego desses elementos, optamos por apresentar a experiência denominada Literatura, Dramatização e Ensino em Administração. Trata-se de adaptação de um texto dramático à situações empresariais conhecidas pelos participantes. Essa experiência compreende três etapas: a adaptação da problemática principal do texto dramático ao contexto empresarial contemporâneo, a dramatização de uma cena considerada fundamental face à temática escolhida e a avaliação das atividades realizadas, com ênfase nas competências voláteis exploradas durante esse processo. 4- A Apresentação do Método: Literatura, Dramatização e Ensino em Administração uma experiência de apropriação de práticas teatrais à formação gerencial 4.1- Antecedentes: A pertinência dos clássicos no ensino em administração Nas experiências de adaptação de textos dramáticos, os textos clássicos parecem ser mais adequados, especialmente aqueles cuja situação se desenvolve em períodos históricos e espaços geográficos bastante diversos. Essa alternativa vai implicar na exploração mais intensa da capacidade de abstração, associação e adaptação. Nesse sentido, textos clássicos apresentam em geral, situações emblemáticas, sendo muitas delas socialmente recorrentes, tais como “Édipo-Rei” de Sófocles, “Otelo” de William Shakespeare ou “Fausto” de Johann Wolfgang Von Goethe. Ao contrário do que possa parecer, um verdadeiro “clássico” da literatura não é resultado de uma escolha de críticos. É, isso sim, a expressão da capacidade desse “clássico” de preservar a atualidade dos conflitos e situações que o compõem em termos de tempo e espaço. Ou seja, seus conflitos e situações podem ser adaptados a momentos históricos e/ou sociedades diferentes daquelas na qual foram concebidas. Em clássicos como o “Rei Lear” de Shakespeare, “Tartufo” de Moliére, “Fuenteovejuna” de Lope de Vega, “Fausto” de Goethe, a “Casa de Bonecas” de Henrik Ibsen, “A Gaivota” de Anton Tchekhov, e em muitos outros, as situações criadas pelo autores são tão marcantes que, apesar das distâncias de espaço e tempo, seus principais conflitos e situações continuam atuais para o homem contemporâneo. Em “Rei Lear”, por exemplo, a inveja, dissimulação e ambição por parte de duas das filhas do Rei e de seus 6 respectivos maridos em relação ao poder e à riqueza de Lear, ficam circunscritas apenas a aquela situação? Ou as disputas por dinheiro e poder estão presentes em histórias de negócios familiares desde sempre? Será que não ouvimos recentemente histórias semelhantes acerca de empresas familiares em regiões próximas ? Por outro lado, será muito difícil localizar hoje em dia personagens que, da mesma maneira que o Fausto de Goethe se disponham a “entregar a alma ao diabo” em troca de algo que ambicionam acima de tudo? Certamente não. Poderíamos ainda nos referir aos hábitos ditatoriais do Alcaide de Fuenteovejuna, a rebeldia face à condição feminina de Nora em A Casa de Bonecas ou ainda a maravilhosa sátira aos puxa-sacos em Tartufo de Molière a fim de reforçar que longe de constituírem obras canonizadas no tempo, os clássicos se caracterizam por temas e situações de grande vigor e atualidade. Bem ao contrário, algumas obras construídas nos anos 70 ou 80 já parecem velhas poucas décadas depois, pois suas situações e problemáticas são muito circunstanciadas ao período histórico e ao espaço geográfico nos quais foram concebidas. Ora, se compreendemos a administração como uma ordenação de disciplinas que deve dar conta das dimensões sociais, políticas, econômicas e técnicas da atividade de gerir – além dos aspectos instrumentais e aplicativos, é claro, o emprego de textos clássicos da literatura dramática pode constituir um poderoso elemento de referência para o ensino em administração. De fato, situações e conflitos de caráter político, social e cultural, nos quais estão presentes intrincadas relações de poder e legitimidade é o que não falta em grande parte dos textos clássicos – conforme observamos no parágrafo acima. Por isso, ao adaptar as situações e conflitos inerentes a alguns textos clássicos para o ambiente contemporâneo, os participantes de cursos de administração, em diferentes níveis de aprendizagem e experiência, têm a oportunidade de explorar algumas das competências por nós denominadas voláteis, tais como: pensar de forma sistêmica, flexibilidade, elaborar associações, analogias e relações acerca de situações e atuação de pessoas em diferentes cenários sócio-econômicos, todas as capacidade associadas à trabalho em equipe, capacidades associadas à criatividade e percepção , etc. “A imitação produz dor ou prazer não por ser confundido com a realidade, mas sim por trazer a realidade à mente.” Samuel Johnson apud Bloom, 2000. O recurso a essa citação pretende revelar que os exercícios de dramatização, como o que proporemos a seguir, não visam uma brincadeira descompromissada orientada para a imitação dos conflitos políticos e sociais associados à administração, mas sim utilizar o simbólico da literatura dramática em torno de eventos ocorridos a muitos séculos, em países distantes, a fim de explorar a realidade dos participantes do exercício em suas organizações locais e no momento atual. 4.2- Uma experiência referencial do método: adaptação e dramatização da tragédia de “Macbeth” de William Shakespeare para o ambiente empresarial contemporâneo Dentre os textos clássicos já empregados nesta experiência selecionamos a tragédia Macbeth de William Shakespeare para apresentação neste trabalho. E por que Shakespeare? Além de ser um dos principais autores da literatura ocidental em todos os tempos, a obra de Shakespeare apresenta conflitos, situações e representações da condição humana capazes de manter atualidade e pertinência em qualquer época e espaço geográfico. Corrigan (2000) identifica uma estreita ligação entre a obra de Shakespeare e uma das questões essenciais da administração – a questão da liderança. Segundo esse autor, nas obras de Shakespeare histórias de liderança são mais freqüentes do que qualquer outro tema, inclusive o amor romântico. E mais interessante ainda observar que nestas obras a liderança não é tratada como um conceito abstrato de soberania ou autoridade, mas sim por meio das ações e do caráter das pessoas. Usando uma expressão própria à construção deste texto: a 7 liderança aparece como uma forma de saber-agir. “ As histórias progridem porque os indivíduos as conduzem. Observamos pessoas realizando ações, não abstrações. Isso significa que não existem <abstrações> nas peças de Shakespeare. As nações nada executam. Os exércitos não marcham através da história, mas são conduzidos e formados por indivíduos. A história não muda, ela é mudada por eles.” Corrigan (op.cit, p. 71) Mas segundo Harold Bloom, possivelmente o mais importante especialista em Shakespeare, a perspectiva política, social e econômica, ou seja a perspectiva macro não está, ausente de sua obra: “No entendimento dos que pensam ser a literatura basicamente linguagem, a primazia de Shakespeare é um fenômeno cultural, produzido a partir de crises sócio- políticas. Nessa ótica, Shakespeare não escreveu suas próprias obras: estas foram escritas pela energia social, política e econômica da época.” ( Bloom, 2000, p. 42) A tragédia de MacBeth, uma das mais importantes obras de Shakespeare, nos permite recuperar uma perspectiva abrangente da ciência e da prática da administração em suas dimensões culturais, políticos e sociais ali presentes. De fato, em Macbeth, são tratadas de forma muito eficiente e profunda questões como a ambição e a ascenção a posições e cargos, os limites éticos (ou a falta de) para obtê-los e a legitimidade do poder. Quem se arriscaria a contrapor a idéia de que as problemáticas como a da ambição e da legitimidade e dos limites éticos das lideranças, problemáticas presentes em Macbeth, não são questões importantes para a gestão das organizações de hoje? 4.3- Fase 1 da experiência: a adaptação de Macbeth de William Shakespeare ao ambiente empresarial contemporâneo A experiência de adaptação do texto dramático compreende 2 atividades principais: a adaptação propriamente dita e a avaliação. Com esse fim os participantes recebem dois materiais cujos conteúdos são apresentados abaixo – a Síntese das principais situações da tragédia de Macbeth e as Orientações para a adaptação. 4.3.1- Material No. 1: Síntese da tragédia de Macbeth - principais situações Dois generais Macbeth e Banquo – companheiros de várias guerras em defesa de seu reino, ganham uma grande e definitiva batalha. Na volta, encontram no caminho três velhas feiticeiras as quais profetizam que Macbeth ainda vai ser barão e depois rei. À intervenção de Banquo um tanto irônica perguntando porque a ele nada é destinado, as feiticeiras respondem que a ele não caberá novos títulos de nobreza, mas seu filho ainda será rei da Escócia. Em seguida as feiticeiras desaparecem. Na última fase do caminho de volta os dois são recebidos por mensageiros do rei que lhes comunicam que em função de sua coragem e lealdade, Macbeth passa a ser Barão de Glamis e Banquo ocupará o cargo de Macbeth. Surpresos pela coincidência lembram da profecia e trocam um olhar de inquietude e desconfiança. Ao chegar a seu castelo, Macbeth fica sabendo que o rei, dentro de dois dias, vai passar uma noite ali a fim de homenageá-lo com o título de barão. Isso lhe faz lembrar da profecia das feiticeiras e ele conta toda a história para sua esposa. Lady Macbeth demonstra uma grande ambição e faz um grande esforço para convencer um Macbeth relutante, mas tambêm desejoso da coroa, a aproveitar a ocasião para armar uma cilada ao rei. Na mesma ocasião mataria o rei e tomaria a coroa. A chegada do rei é comemorada com um banquete, o qual é precedido por uma cerimônia na qual o rei declara seu agradecimento e sua confiança aos dois generais . Macbeth e Banquo. Além de premiar os dois com uma bela quantia em dinheiro, nomeia 8 Macbeth como Barão de Glamis. Na mesma cerimônia, o rei aproveita para anunciar que pretende fazer de seu filho o príncipe-sucessor. Ainda mobilizado pelo acerto da primeira profecia e dando asas a sua ambição, Macbeth percebe que a segunda parte da mesma profecia vai ter no filho do rei seu principal obstáculo. Após o banquete, já no seus aposentos, Lady Macbeth parece estar ainda mais disposta que ele e pressiona-o a tramar a morte do rei. Macbeth ainda resiste tomado por um sentimento de lealdade. Nesse momento sua esposa se posiciona fortemente e o instiga a matar o rei ainda na mesma noite. Entre a ambição e o desejo de ser rei e a lealdade com aquele que sempre lhe foi grato, Macbeth opta pela primeira alternativa. Quando o assassinato é descoberto Macbeth e a mulher fingem grande indignação. Para tirar a suspeita de si próprio, acusam os guardas do dormitório real e Macbeth os mata com a própria espada. O filho do rei, herdeiro legítimo do trono, suspeitando de traição resolve fugir para a Inglaterra. Acusando o príncipe de estar envolvido com a morte do próprio pai, Macbeth declara o trono vago e coroa-se rei. Macbeth ainda tem no início a alternativa de tentar compor uma nova ordem e buscar legitimá-la. Entretanto, inseguro pela maneira com subiu ao trono, passa a eliminar todos que o ameaçam, começando pelo próprio Banquo, que assistiu a profecia das feiticeiras. Logo em seguida executa outros generais e nobres mais poderosos os quais poderiam, segundo ele, resistir a sua condição de rei. As tiranias de Macbeth acabam progressivamente por colocar quase todos os nobres e generais da Escócia contra ele. Refugiados em países vizinhos a nobreza da Escócia passa a organizar a resistência. Paralelamente, sua parceira na trama, Lady Macbeth, é tomada pelo remorso, enlouquece de forma brusca e acaba por suicidar-se. Organizadas em torno do filho do rei exilado, as tropas de resistência já bastante fortalecidas por uma grande oposição à Macbeth tomam o castelo e matam um Macbeth já muito enfraquecido psicologicamente pelo suicídio da mulher . 4.3.2- Material 2: Orientações para a adaptação da tragédia de Macbeth ao ambiente empresarial contemporâneo Os grupos devem adaptar as situações principais desta síntese da história de Macbeth à situações empresariais contemporâneas sendo que essas últimas devem expressar as principais questões temáticas presentes na história original. Preferentemente, os grupos devem empregar situações ou organizações cujas características principais já conhecem ou vivenciaram, tendo o direito de manter em sigilo os nomes das empresas-exemplo. Os grupos têm liberdade para adaptar situações, instituições, ambientes, personagens, formas de relacionamento, de maneira a torná-los mais adequados ao atual ambiente de negócios, desde que os conflitos principais e a temática fundamental da história original sejam preservados. a) Questões Orientadoras : As questões abaixo tem a finalidade de orientar o debate acerca da adaptação do texto. Não se trata de um caminho obrigatório, mas sim levantar referências para a adaptação do texto. • • • • Qual é o conflito principal da história? De qual tema trata a história apresentada? Quais personagens estão diretamente envolvidos com o tema? Que tipo de personagem no mundo dos negócios contemporâneos poderia ser comparado ao personagem Macbeth? Desenvolva essa comparação. 9 • • • • • Que associação, em termos de ambiente empresarial contemporâneo, se pode elaborar relativamente a nomeação de Macbeth como “barão” ? Que relação se pode estabelecer entre o papel que Lady Macbeth exerce na situação da peça e o papel de membros das famílias em processos de sucessão? (desejo por cargos, status, dinheiro, enfim desejo de tudo aquilo que cargos e salários mais elevados podem proporcionar). Qual o sentido de um complô contra o rei no atual mundo de negócios? Qual a associação que a alternativa “assassinato do rei” permite elaborar em relação ao mundo de negócios contemporâneo? E a questão da supressão da oposição pela via do “assassinato” dos opositores, que analogia é possível desenvolver? b) Subsídios para o debate acerca da avaliação da adaptação do texto: Para Augustine & Adelman (1999) a tragédia de Macbeth mostra com clareza o processo de transição, no reino da Escócia, de uma crise institucional para o caos quase total. Embora, no início pareça mais uma crise concentrada na corte, em torno da sucessão no trono, no desenrolar do processo essa crise acaba por transbordar para todo o reino. Ainda, segundo esses autores, a ausência de confiança, a perda de legitimidade em relação à liderança de Macbeth desencadeia uma situação institucional insustentável que conduz a sua derrubada. Um dos aspectos que sobressai no andamento dessa tragédia é a identificação do leitor e/ou espectador com o personagem Macbeth. Provavelmente porque no início da tragédia Macbeth é apresentado como um general leal e corajoso. Mesmo quando coloca em ação o desejo pelo trono e decide eliminar o rei, esboça sentimentos contraditórios em relação a esse ato. Por isso, a tendência é que na leitura do texto original, nos identifiquemos com ele durante algum tempo, senão com suas ações cruéis, pelo menos com sua imaginação e desejos. Enquanto em outros vilões de Shakespeare a perversidade é motivo de prazer, Macbeth sofre intensamente ao constatar que causou e que está fadado a continuar causando mais mal. Segundo Bloom (2000, p. 633): “ A reação universal à Macbeth decorre do fato de identificarmo-nos com ele, ou, pelo menos, com sua imaginação. (...) De modo chocante Shakespeare faz de nós Macbeths – nossa identificação com o personagem é igualmente involuntária e inevitável. (....) Macbeth aterroriza-nos, em parte, porque nossa imaginação tem um lado assustador fazendo-nos parecer assassinos, ladrões, usurpadores ou estupradores.” Não há dúvida que, colocado frente aos conflitos de Macbeth,e até mesmo frente a essa possibilidade de identificação neste verdadeiro duelo entre o “dia e a noite”, os participantes do exercício – estudantes de administração de diferentes níveis – graduação, MBAs ou MPAs são naturalmente impelidos a tomarem uma posição frente as situações que se colocam no texto e confrontarem o que acontece ali com suas próprias ambições e perspectivas. Segundo muitos críticos, as pessoas que têm uma ambição mais forte em relação a poder e cargos acabam por contemplar, em Macbeth, sua própria imagem, mesmo que parcialmente. 4.3.3 – Resultados obtidos na adaptação da história de Macbeth à situações empresariais contemporâneas Dentre as adaptações da história de Macbeth já desenvolvidas em programas do tipo MBA, podemos destacar duas delas. a) A sucessão no principal cargo diretivo em uma empresa de origem familiar, de médio porte que atua no complexo metal-mecânico da região sul do Brasil, na qual pai e 3 filhos estão em impasse na decisão acerca de qual dos três vai assumir o 10 b) papel de diretor-presidente que é desde a fundação da empresa ocupado pelo pai. Numa manobra pouco ética, o filho do meio acaba assumindo o poder em detrimento de seus irmãos, especialmente do mais velho que era mais experiente e mais “legitimado” como liderança na empresa. O despreparo do irmão do meio leva a empresa a uma situação muito difícil a qual vai exigir uma intervenção. Uma empresa porte médio, indústria de laticínio, região centro-oeste do país, é comprada por empresa internacional. Um executivo médio do quadro antigo da empresa, por uma questão de política e oportunidade, acaba assumindo a direção da empresa, sem competência e legitimidade para o cargo. Quando questionado em relação a questões estratégicas se torna inseguro e agressivo. Acaba se incompatibilizando com outros executivos mais experientes e importantes para a empresa. A saída desses executivos acaba gerando grandes dificuldades para a sobrevivência da empresa. Na avaliação dos processos, observou-se que nas adaptações, os grupos exploraram a grande parte das competências voláteis projetadas como alvo desta etapa do exercício: a) ao interpretar a história original, exploraram a capacidade de elaborar análise de uma situação em busca do conflito, da problemática que está sendo tratada, e de quem está e quem não está diretamente envolvido com o conflitob) ao debater e conceber a adaptação da história para o contexto de negócios contemporâneo envolvendo diferentes cenários temporais, espaciais e culturais, exploraram a capacidade de associar cenários, situações, personagens e relacionamentos originários de ambientes e contextos diferentes, a capacidade de adaptar situações, capacidade de pensar de forma sistêmica, além de todas as capacidades associadas à trabalho em equipe: saber ouvir, saber negociar, adaptação, flexibilidade, orientação para um resultado, etc. c) na discussão e debate acerca da tragédia de Macbeth não há como não posicionar-se face à questões relacionadas à liderança, ambição por cargos, dinheiro e status, ética, etc. o que viabilizou a exploração do posicionamento frente à condição da liderança- (aspecto atitudinal) – 4.4- A experiência de dramatização em Macbeth de William Shakespeare a) A PropostaCada um dos grupos deve escolher uma cena/situação do texto original que expresse o mais claramente possível o tema central da história. Em seguida conceber, ensaiar e apresentar essa cena ao grande grupo, cuja duração máxima deve ser de 5 minutos. Constituem partes essenciais dessa etapa do trabalho: − a elaboração do cenário no qual a cena vai ser dramatizada, − a adaptação de um figurino para os personagens – empregando para isso os tecidos, papéis e demais materiais disponibilizados, − a elaboração de acessórios de cena a partir dos materiais disponibilizados; Observação: faz parte da criação o uso obrigatório dos tecidos fornecidos a cada grupo nessa representação. Como se observa, considerando-se o perfil dos participantes desse trabalho, a proposta é das mais desafiadoras. Além da criação no plano intelectual, os alunos têm a oportunidade de explorar sua criatividade através de outros caminhos, como por exemplo: a construção do “cenário” no qual se passará a cena proposta pelo grupo, a concepção dos “trajes” dos personagens e sua criação com os materiais colocados à disposição e ainda, a confecção dos acessórios de cena. 11 b) Resultados obtidos com a dramatização em termos da exploração de competências voláteis: Dentre as dramatizações já realizadas, destaque para a que foi realizada pelo grupo que preparou o caso da empresa familiar do ramo metal-mecânico da região sul, descrito acima. A cena escolhida foi a de uma reunião da família para decidir a sucessão e na qual o filho do meio praticamente impôs o seu nome. Além da qualidade da escolha e da construção dessa cena, chamou a atenção nesta dramatização o tipo de postura do grupo. Apresentou esse grupo um trabalho criativo e descontraído, não como um jogo do tipo “brincadeira, numa perspectiva de aprendizagem. Nessa etapa foram exploradas as seguintes aspectos, todos eles associados às competências voláteis: a) considerando-se que o exercício da dramatização constitui, para a quase totalidade dos participantes, uma atividade nova, na qual empregam recursos muito pouco utilizados no dia a dia – estamos explorando, nesse caso, a capacidade de lidar com lidar com situações e recursos pouco conhecidos. A atuação de cada um pode, nesse caso, ser associada à noção de competência, pois embora sem o compromisso de um desempenho de ator profissional, o êxito da encenação depende do desempenho de cada participante; b) capacidade de adaptação e flexibilidade, capacidade de improvisação sem perder de vista os resultados que devem ser obtidos, intuição; c) estímulo à percepção e ao uso dos sentidos - trata-se de colocar em ação a percepção e os sentidos a fim de disponibilizar-se para a criação e os insights. Dentre as questões que se desdobram com o uso da percepção e dos sentidos, destaque para a disponibilidade de ver as situações com novos olhares, o que pode contribuir decisivamente em práticas gerenciais como tomada de decisão, solução de problemas, reuniões envolvendo pessoas de diferentes nacionalidades e/ou culturas. d) Quanto ao estímulo ao emprego de insights, cabe a observação de que são fundamentais para os processos de mudança e aprendizagem, pois é a partir deles que se coloca em ação a chamada aprendizagem de duplo circuito (double loop em Argyris & Schon, op.cit.). Trata-se da aprendizagem na qual o sujeito coloca em questão elementos mais profundos como seus modelos mentais e maneira de atuar. Embora complexa, a perspectiva desse tipo de aprendizagem está na raiz das grandes mudanças, na medida em que o processo de insight constitui uma das alavancas para o questionamento do status quo e para o desenvolvimento de novas perspectivas de ação. 5- Análise dos Resultados e Considerações Finais Nesse trabalho, procuramos trazer à luz algumas experiências que passam pelo emprego de práticas originadas no campo das artes cênicas, as quais, entendemos nós, podem constituir importante contribuição metodológica para o ensino em administração. Dentre as várias alternativas de recursos apropriados da prática teatral optamos por apresentar um tipo de experiência, a qual denominamos Literatura, Dramatização e Ensino em Administração. O desenvolvimento dessa experiência não tem em sua origem uma mera ação diletante visando o uso de recursos alternativos de ensino, mas inicia isso sim pela identificação de uma importante demanda não apenas para a sobrevivência e competitividade das organizações, mas também para a empregabilidade e o relacionamento familiar e social das pessoas. Estamos tratando aqui de algumas competências denominadas de competências voláteis, não apenas porque são difíceis de conceituar, desenvolver, monitorar e avaliar, mas especialmente porque seus impactos sobre o desempenho das empresas são difíceis de 12 mensurar. Apesar dessa condição, capacidades associadas à flexibilidade, adaptabilidade, percepção, improvisação, aprendizagem, visão sistêmica, pensar diferente, exploração dos sentidos, e outras semelhantes acabam por contribuir decisivamente para a competitividade da empresa nesse ambiente de instabilidade e baixa previsibilidade. Essas competências voláteis se tornam mais interessantes em termos de diferenciação e competitividade quando se consegue desenvolvê-las sob a forma coletiva assumindo a dimensão de competências organizacionais Paradoxalmente, o ensino em administração, especialmente aquele associado ao desenvolvimento gerencial, ainda não despertou para a importância e potencial dessas competências voláteis, menos ainda se colocou na busca de alternativas metodológicas para explorá-las. Na verdade, são muito poucos os recursos de aprendizagem empregados no ensino de administração que viabilizam a exploração mais sistematizada de competências, sejam elas quais forem. Mais pertinente é essa afirmação ainda quando se trata de competências mais abstratas, menos dimensionáveis. A experiência que acabamos de apresentar pretende preencher algumas dessas lacunas. Em primeiro lugar, a experiência com práticas teatrais valoriza, sobretudo, o desenvolvimento de capacidades associadas à percepção, criatividade, uso dos sentidos, improvisação, visão sistêmica, etc, todas elas muito importantes em termos de construção de competências para lidar com situações pouco conhecidas, mais complexas, nas quais conta mais a percepção e a improvisação do que informações prévias, comportamentos padrões, etc. De fato, ao colocar o aluno de um curso de formação gerencial frente à necessidade de adaptar um texto clássico à situações empresariais contemporâneas ou desempenhar o aqui e agora de uma dramatização, ele é instado a dar conta do evento, da mesma maneira que, em suas atividades gerenciais, precisa enfrentar situações inesperadas. Nestas experiências não apenas se defronta com situações relativamente novas, mas também é colocado na perspectiva de explorar recursos pessoais relativamente negligenciados no cotidiano: sentidos, percepção, pensar diferente, insights, criatividade etc Os resultados positivos dessas experiências se mostraram muito estimulantes. Primeiro, no próprio processo, pois ao diferenciar-se da formatação tradicional do ensino na área e ao mobilizar recursos pessoais alternativos entre os participantes, desencadeava algo de novo e descontraído no ambiente, com evidentes resultados na disponibilidade e aprendizagem. Segundo, as avaliações e depoimentos de egressos confirmaram, depois de alguns meses, que ainda guardavam dentro deles a memória emocional da experiência e que, em alguns casos, esse aprendizado tinha sido incorporado a suas vidas e atitudes pessoais e profissionais. Certamente é esse o resultado mais esperado num processo de aprendizagem. Entre os aspectos mais considerados nas avaliações de aprendizagem destacam-se: adaptabilidade, improvisação, sensibilidade e percepção para ver de maneira diferente o que já é conhecido, associação e analogia entre diferentes cenários e situações, disponibilidade para desaprender e aprender, valorização da curiosidade e intuição. Não se imagine porém que não há dificuldades nessa abordagem. Uma das principais ocorre quando a descontração e a informalidade, fundamentais na condução do processo, ultrapassam um certo limite e geram entre os participantes, uma postura coletiva do tipo “brincadeira descompromissada”. Em outras palavras, um comportamento muito superficial de alguém que joga apenas pelo jogo, sem compromisso de aprendizagem. Nesses casos a atividade passa a assumir a dimensão restrita de uma mera prática de descontração, o que não é absolutamente o caso da proposta. Finalmente, resta ainda reafirmar que neste tipo de experiência, o lúdico deve ser conduzido como um processo de ruptura, de educação, capaz de ampliar a visão e a perspectiva das pessoas. E não se pode duvidar que o desenvolvimento humano é a base dessa dinâmica de mudança e aprendizagem. 13 6- Referências Bibliográficas. ALENCAR, E. S. A gerência da criatividade. SP, Makron, 1996. ALLAN, D.; KINGDON, M; MURRIN, K. & RUDKIN, D. Como iniciar uma revolução no criativa no trabalho. Best Seller, S.P, 2000.’ AUGUSTINE, N. & ADELMAN, K. Shakespeare in Charge. N.Y, TMB, 1999. ARGYRIS, C. & SCHON, D. Organizational Learning II. Theory, Method and Pratice. Addison-Wesley, N. York, 1996. BLOOM, H. Shakespeare: A Invenção do Humano. RJ, Objetiva, 2000.. __________. Gênio. RJ, Objetiva, 2003 BOTERF, G. De la Compétence. Les Editions d’Organisation, Paris, 1994. CASTIEL, S. Em busca de um terapeuta poético e lúdico. In PRADO, L.C. (org.) Famílias e Terapeutas. PA, Artmed, 1996. CORRIGAN, P. 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