II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem:
Diversidade, Ensino e Linguagem
06 a 08 de outubro de 2010
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O FEMININO E O MASCULINO NA OBRA MACBETH, DE WILLIAM
SHAKESPEARE
ROSA, Mônica Ransolin (G – UNIOESTE)
POLIDÓRIO, Valdomiro (UNIOESTE)
RESUMO: Nascido em Stratford-Upon-Avon, Inglaterra, William Shakespeare (15641616) é autor de obras que constam dentre os maiores clássicos da literatura universal.
Em Macbeth, Shakespeare tece personagens intrigantes numa trama repleta de ambição,
traições e culpa. O protagonista, Macbeth, depara-se, certo dia, com três estranhas
figuras a profetizar: “Salve Macbeth; aquele que no futuro será rei.” (Ato I, cena III) Ao
tomar conhecimento da profecia, a esposa da personagem, Lady Macbeth, tem sua
ambição despertada. No entanto, ela vive numa sociedade patriarcal, de modo que nem
tudo o que deseja lhe é permitido executar. Assim, a solução é persuadir o marido de
modo que ele efetue as ações cerceadas à esposa, devido a sua condição feminina. Neste
trabalho, observar-se-á os efeitos ideológicos patriarcais vigentes no contexto imediato
do autor de Macbeth, os quais se fazem presentes tanto no discurso que denigre a
mulher, tomando-a como frágil e inferior, quanto no que busca enaltecer e trazer à
figura masculina certo grau de responsabilidade e dever de honra à sua condição de
homem. Ver-se-á ainda, de que maneiras o discurso de valorização do masculino em
detrimento do feminino está presente nas falas das personagens e, de que modo tal
discurso reflete os preceitos das eras Elisabetana e Jacobina.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade Patriarcal; Linguagem; Persuasão; Representação do
Homem versus Mulher.
1 - Introdução
Governada por uma mulher, para a surpresa dos mais conservadores, a Inglaterra
dos dias de Shakespeare, gozava da estabilidade de um governo de 45 anos. Mesmo
assim, Elisabeth I percebeu a necessidade de emprenhar-se na edificação de sua imagem
pública, e por vezes, conforme se verá a frente, adotou para si expressões andrógenas
como “príncipe” e “coração de rei”.
De acordo com Laurie Rozakis (2002) em sua obra Tudo sobre Shakespeare,
“hierarquia” era a palavra de ordem durante a era Elizabetana. A estratificação da
sociedade fora estabelecida por Deus, de acordo com o postulado pela Igreja Anglicana.
Assim, aceitar que o homem se configura, por direito, superior à mulher, era nada mais
do que uma questão de fé, sem possibilidades de subversão da ordem imposta pelo
Soberano.
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Com a morte de Elisabeth I, em 1603, sobe ao trono Jaime I, que já havia sido
proclamado rei da Escócia. Jaime deu continuidade à “Era Dourada” do drama e da
literatura, que se iniciou na era de Elisabeth I.
No tocante à era Jacobina, Kermode Frank (2006) comenta em A linguagem de
Shakespeare que Macbeth contempla em seu enredo alguns dos interesses de Jaime I,
como a demonologia, conforme as palavras de Banquo: “Ora, pode pois o demônio falar
a verdade?” (Ato I Cena III)1; e a segurança pessoal, referida por possíveis alusões da
obra à chamada “Conspiração da Pólvora”.
Nesse contexto, é tecida a trama de Macbeth. Assim, será foco de estudo deste
artigo como Shakespeare lapidou as figuras do feminino e do masculino na referida
obra. Para tanto, é de importância expressiva a consideração do entorno social e político
do autor na Inglaterra de fins do século XVI e início do XVII.
Tanto durante o reinado de Elisabeth I, quanto o de Jaime I, a mulher desfrutava,
em alguma medida, de liberdade, assim como confirmam as palavras de Anna Stegh
Camati, do Centro de Estudos Shakespeareanos:
Nos reinados da rainha Elisabete I (1558-1603) e do rei Jaime I (16031625), as mulheres inglesas gozavam de maior liberdade do que suas
irmãs na Europa continental. Os viajantes que vinham do estrangeiro
ficavam surpresos com o comportamento delas, que não eram
confinadas em casa como na Espanha e em outros países: além das
igrejas, elas tinham permissão de freqüentar outros lugares públicos,
tais como mercados, feiras e teatros, onde se constituíam em uma
parte importante dos espectadores. (CAMATI, 1008, p. 5)
Ainda assim, conforme condicionado pelo sistema vigente, a figura do homem
continuava sobrepujando a da mulher. Ver-se-á, neste estudo, como conceitos
patriarcais circundam os discursos das personagens, sobretudo, as falas de Lady
MacBeth ao persuadir o marido em cometer o assassinato do rei Duncan.
2 - A Fragilidade e Negação do Feminino
1
Convencionar-se-á neste trabalho, para as citações de Macbeth, indicar apenas o ato e a cena da
qual foram extraídas.
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O Sol ainda não se pôs, mas trovões ajudam a compor a atmosfera sinistra sob a
qual se encontram três figuras “murchas e claudicantes e tão fantásticas e desvairadas
em seus trajes a ponto de não parecerem habitantes da terra [...]” (Ato I, cena III).
Ao mesmo tempo, Banquo e Macbeth, capitães do exército escocês, acabam de
saborear sangrenta vitória contra homens noruegueses. A caminho de Forres, os dois
bravos encontram as figuras inicialmente descritas.
É nesse o contexto que se engendra a tragédia tecida por Shakespeare. Em tom
sombrio e misterioso, as moiras revelam aquilo que ajudaria a despertar em Macbeth
grande ambição: ele seria, no futuro, rei. No entanto, não deixam de mencionar as três
irmãs que Banquo conquistaria maior poder, já que seus filhos alcançariam, também, o
status mais elevado da coroa.
A partir de então, o enredo volta-se para o castelo do futuro rei e se apresenta ao
leitor Lady Macbeth, a esposa ambiciosa e provocadora, qualidades que por si só já
excediam os moldes da época – haja vista a personagem Gertrudes, de Hamlet, que
submissa não só ao pai, mas também ao irmão, configura-se o exato exemplo de
personagem feminina dentro de uma sociedade patriarcal. Por conta de sua própria
ambição, Lady Macbeth incita e faz desabrochar no marido os mesmos anseios de poder
que ela mesma alimenta.
Embora seja edificada aqui uma personagem feminina de grande importância na
trama, observa-se claramente o conceito de fragilidade deste sexo, conforme externado
nas palavras de Macduff, cavaleiro da escócia, dirigidas a Lady Macbeth no momento
em que descobre que o rei Duncan morrera: “Ah, gentil dama, a senhora não pode ouvir
o que sei. As palavras que posso pronunciar, se caídas em ouvidos femininos, poderiam
matar.” (Ato II, cena III).
Conforme já mencionado, na sociedade elisabetana-jacobina imperava a
reputação de inferioridade da figura da mulher. Camati ainda afirma:
Havia toda uma série de preconceitos com relação à mulher, como
revela a criação das estruturas de pensamento binárias, cultivadas
pelo poder patriarcal, sempre ávido em assegurar a hegemonia
masculina. A mulher era considerada fraca, passiva, submissa,
dependente, falsa e volúvel, deixando-se guiar demasiadamente pela
emoção; em contrapartida, o homem era visto como o exato oposto:
forte, ativo, dominador, independente, sincero e verdadeiro, orientado
pela razão. (CAMATI, 2008, p. 5)
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Nesse contexto, Shakespeare lapida uma personagem feminina multifacetada.
Dando vez e voz à Lady Macbeth, o autor revela-se atemporal, compreendendo as
ansiedades femininas e insatisfações quanto aos estereótipos impostos.
Assim, a personagem apresenta-se, por vezes, superior ao marido, de acordo
com Polidório (2009) em seu artigo A Figura Feminina nas Tragédias Hamlet,
Macbeth, Otelo e Rei Lear. O momento da peça em que essa superioridade é de modo
especial evidente refere-se ao diálogo que sucede o assassinato do rei Duncan, quando
Macbeth não tem coragem de passar sangue nos lacaios para incriminá-los. A aspirante
a rainha dirige-se então ao marido como “fraco”.
Em contrapartida, os preceitos da época impedem que Lady Macbeth, em sua
condição de mulher, erga-se ditadora, ordenando o que quer que o marido faça. Assim,
a personagem oculta a realidade e a transforma, engenhosa, num jogo de palavras
recheado de segundas intenções, conforme observar-se-á a frente.
Nesse sentido, Maria Ester Vargas (2010), traça um paralelo entre as figuras de
Elisabeth I e Lady Macbeth. Para a autora, ambas percebem que sua condição de mulher
ergue-se como empecilho para a efetivação de suas ambições.
No excerto que segue, Lady macbeth pede que tenha o seu sexo trocado. Este
fato ilustra a consciência da personagem no que diz respeito às limitações que lhe são
impostas devido ao sexo ao qual pertence:
Vinde vós, espíritos que sabem escutar os pensamentos mortais,
liberai-me aqui de meu sexo e preenchei-me, da cabeça aos pés, com
a mais medonha crueldade, até haver ela de mim tomado conta. Que
o meu sangue fique mais grosso, que se obstrua o acesso, a passagem,
para o remorso, que nenhuma visitação compungida da Natureza
venha perturbar meu feroz objetivo ou estabelecer mediação entre
este meu objetivo e seu efeito. Vinde vós aos meus seios de mulher e
sugai meu leite, que agora é fel, vós, vossa invisível matéria, atendeis
às vis turbulências da Natureza. (Ato I, cena V)
Lady Macbeth suplica nesta cena que se torne homem para que lhe seja
concedida a permissão e a coragem suficiente a fim de induzir o marido a cometer o
assassinato do rei Duncan. Pode-se afirmar ainda, que há uma espécie de pacto
realizado entre a personagem e os espíritos malignos. Uma vez realizado o pacto,
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expurga-se Lady Macbeth das amarras da fragilidade feminina e torna-se possível o
regicídio.
Nesse tocante, Maria L. Howell (2008), em Manhood and masculine identity in
William Shakespeare´s The tragedy of Macbeth afirma que “[…] Lady Macbeth´s desire
to be a man […] is seen as a transcendence of feminine and fragile nature.” (HOWELL,
2008, p.15)
Paralelamente, tem-se no discurso de Elisabeth I às tropas que lutaram contra a
Spanish Armada essa mesma ânsia por características masculinas em detrimento dos
rótulos femininos:
I have the body of a weak and feeble woman, but I have the heart and
stomach of a king, and of a king of England too; and I think foul
scorn that Parma or Spain or any Prince of Europe, should dare to
invade the borders of my realm; to which, rather than any dishonour
should grow by me, I myself will take up arms; I myself will be your
general, judge and rewarder of everyone of your virtues in the field.
(ELISABETH I apud VARGAS s.d.)
Observa-se nitidamente, tanto nas palavras de Lady Macbeth quanto nas de
Elisabeth I a auto-consciência de que a condição feminina configura-se como entrave
para a conquista de suas ambições, haja vista os preceitos da época com relação ao sexo
feminino.
Em harmonia com este pensamento, Howell (2008, p. 11) ainda afirma: “The
body was not only signifier of sexual disparity in the sixteenth century, it served as an
anology for gender of sexual difference in which the subordinated status of the female
was a manifestation of her social and political inequality.”
Tal ideologia pode ser apontada não apenas na auto-consciência da fragilidade
feminina que externa Lady Macbeth, mas também nas palavras do próprio Macbeth,
conforme transcritas:
Assume qualquer forma, menos essa tua, e meus nervos firmes jamais
padecerão de medo. Ou então, aparece-me vivo de novo e desafia-me
com tua espada para que nos defrontemos em lugar deserto. Se este
corpo que abriga o meu ser puser-se então a tremer, apregoa aos
quatro ventos que não sou mais que uma mocinha. Afasta-te, sombra
medonha, arremedo de fantasma, some-te daqui! (Ato III, cena IV) –
(Grifo meu)
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Na referida cena, Macbeth confronta-se com o fantasma de Banquo, após o
assassinato do mesmo. É digno de nota que, ao sentir medo, a personagem reluta em
aceitar tal sentimento, tomando-o por sinônimo de covardia e associando-o à figura da
mulher.
Nesse respeito, Cristina Léon Alfar (2003), em Fantasies of Female Evil: The
Dynamics of gender and Power in Shaskespearean Tragedy postula que Lady Macbeth
– e se poderia acrescentar também Macbeth – é produto de uma estrutura de poder
machista e tirânica.
Tem-se, portanto, que os comportamentos das personagens são determinados
não apenas biologicamente, mas também, para não dizer, sobretudo, pelos padrões
culturais da época.
3 - A valorização do masculino
Os efeitos ideológicos patriarcais vigentes no contexto imediato do autor de
Macbeth são observáveis não apenas no discurso que denigre a mulher, mas também
naquele que busca enaltecer e trazer à figura masculina certo grau de responsabilidade,
dever de honra à sua condição de homem. Ver-se-á nesta parte do trabalho como essa
concepção machista é externada por meio das falas das personagens.
Na cena descrita a seguir, Lady Macduff recebe a notícia de que seu marido
fugira para a Inglaterra; a esposa brada com indignação:
Prudência? Abandonar a esposa, abandonar os filhos pequenos, a
mansão e tudo o que de direito a ele pertence, num lugar de onde ele
mesmo foge? Ele não nos ama. A ele faltam os instintos naturais. [...]
Também, nenhuma é a prudência, quando uma fuga assim corre tão
contra a razão. (Ato IV, cena II)
Este excerto confirma a valorização do casamento nos moldes renascentistas do
século XVI e da figura do homem como a cabeça desta instituição. Neste tocante,
Rozakis afirma:
Esperava-se que os maridos sustentassem suas famílias e fossem
pacientes com a fragilidade e os defeitos de suas esposas. Por parte
destas, esperava-se que fossem meigas, pacientes e serenas, dispostas
a suportar tudo o que seus maridos aprontassem. O casamento era
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muito mais do que uma parceria; era responsável pela sobrevivência
da família. (ROZAKIS, 2002, p.23)
Percebe-se claramente a confirmação dos moldes patriarcais referentes à
instituição do casamento na obra Macbeth. Polidório (2009, p. 5) explica que “Ao dizer
que a „tarefa‟ do assassínio do Rei Duncan é uma incumbência de Macbeth, „o homem
da casa‟, Lady Macbeth confirma o papel do homem nesta sociedade patriarcal.” –
grifos do autor.
Sagaz, Lady Macbeth vale-se deste exato instrumento – a valorização da figura
masculina dentro de sua sociedade – para manipular o marido a fim de levá-lo à
execução do regicídio.
É importante ressaltar aqui, que a ambição de Lady Macbeth ergue-se, conforme
Nietzsche (2006) de maneira a não apenas ansiar a valorização de sua própria pessoa,
mas também de desvalorizar a masculinidade do marido, tão importante para os moldes
da sociedade seiscentista.
Nietzsche elenca em Humano, demasiado humano (2006) 638 características
que se sobressaem como parte da natureza humana. Dentre elas, tem-se:
Dois tipos de igualdade: A ânsia de igualdade pode se expressar tanto
pelo desejo de rebaixar os outros até seu próprio nível (diminuindo,
segregando, derrubando) como pelo desejo de subir juntamente com
os outros (reconhecendo, ajudando, alegrando-se com seu êxito).
(NIETZSCHE, 2006, p.182) – (Grifo do autor)
Lady Macbeth apresenta também esta ânsia que rebaixa, denigre o outro. A isso,
associa-se, como já dito, a consciência da personagem acerca da importância da
confirmação da virilidade para o marido. Nesse tocante, o presente trabalho debruçarse-á ponderadamente no episódio do Ato I, cena VII.
Esta cena se desenrola no castelo de Macbeth. Antes da chegada do rei Duncan
com os seus acompanhantes, Lady Macbeth e seu esposo tramam, impelidos pela
ambição, a morte do rei.
Enquanto Duncan toma a refeição, gentilmente servida pelos anfitriões, Macbeth
se retira em aposento resguardado com a esposa para ali, então, expor seu medo e
possível desistência em praticar o ato, tão engenhosamente outrora arquitetado.
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Arguciosa e repleta de ambição, Lady Macbeth uso o próprio medo do marido
contra ele, acusando-o de covarde. Ela o provoca e incita sua ânsia de poder ao dizer:
“Deixas que o teu „não me atrevo‟ fique adiando tua ação até que o teu „eu quero‟
aconteça por milagre; como a gata, coitadinha, que queria comer o peixe mas não queira
molhar a pata.” (Ato I, cena VII)
Com essas palavras, Lady Macbeth faz uma comparação cruel perante os
preceitos da época; aproxima o marido à figura de uma gata, seguida do modificador
“coitadinha”, posto no diminutivo, o que intensifica o tom de piedade, denegrindo ainda
mais a masculinidade do marido.
Essa comparação da esposa é tão maldosa e eficaz que Macbeth, sem demora, se
pronuncia, como que em defesa de sua masculinidade, conforme se verifica nas
palavras: “Imploro-te paz. Atrevo-me a fazer tudo o que é próprio de um homem”. (Ato
I, cena VII)
Recorrendo mais uma vez a insinuações que tem respaldo na visão machista de
sua época, Lady Macbeth declara: “Eras um homem! E, para seres mais do que eras,
teria de ser muito mais homem.” (Ato I, cena VII)
Ela prossegue argumentando que, se fosse preciso, racharia a cabeça de um filho
se assim o tivesse prometido. De qualquer maneira, honraria a sua palavra. Calculista e
cruel, em nome do orgulho pessoal e ambição, a esposa argumenta assim com o marido,
na tentativa de dissuadi-lo de sua desistência.
Por fim, Macbeth recupera determinação em cumprir sua palavra de matar o rei,
e dirige à esposa as seguintes palavras de reverência: “Teu ardor destemido não deve
compor filhos que não sejam másculos.” (Ato I, cena VII) Com essas palavras, a
personagem corrobora com a visão patriarcal da era Jacobina.
Percebe-se ao longo de toda esta cena que, para persuadir o marido, Lady
Macbeth modaliza o seu discurso buscando atingir o emocional de Macbeth. Desse
modo, pode-se enquadrar o discurso da personagem dentro daquilo que Adilson Citelli
(2006) chama de “Raciocínio Retórico”, conforme a justificativa:
Há certa semelhança entre o dialético e o retórico, apenas no último
caso não se busca um convencimento racional, mas igualmente
emotivo. O raciocínio retórico é capaz de atuar junto a mentes e
corações, num eficiente mecanismo de envolvimento do receptor.
(CITELLI, 2006, p. 20)
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A seguir, em seu livro, Linguagem e persuasão (2006), o autor explica que as
figuras de retórica são importantes recursos para prender a atenção do receptor.
Percebe-se que Lady Macbeth faz uso de uma delas, a comparação, ao dizer: “[...] como
a gata, coitadinha, que queria comer o peixe mas não queira molhar a pata.” (Ato I, cena
VII)
Assim, a personagem confere um tom pejorativo à virilidade do marido ao passo
que redefine o campo de informação referente à figura do gato.
Mas não apenas nas palavras da mulher encontra-se o reconhecimento da
importância da masculinidade na era Jacobina. Outras personagens também evidenciam
preocupação nesse respeito. É isso que se observa nas palavras de Macbeth: “Vamos
rapidamente compor-nos em trajes que atestam nossa virilidade, e depois encontramonos no salão.” (Ato II, cena III)
Juntamente com a temática “aparência X realidade”, observa-se nessa cena,
novamente a importância de representar ser o mais viril possível. Aqui, para a
personagem, a aparência revelaria a essência, já que estão as roupas diretamente
relacionadas à virilidade.
Enfim, toda a obra encontra-se recheada de expressões de valorização da figura
do homem, tais como: “Seu filho [...] teve o heróico fim de um soldado. Viveu o
suficiente para se tornar um homem [...]” (Ato V, cena VII), “Enfrente isso como um
homem.” (Ato IV, cena III) e “És homem ou não?” (Ato III, cena IV) – (Os grifos são
meus).
Isso confirma a veracidade das palavras de Howell (2008, p. 5): “The
formulation of gender and sexual notions of the body in the sixteenth century therefore
reinforced the superiority of the male and consolidated patriarchy´s near-absolute
authority over the female.” Assim, entende-se, ainda com mais ênfase, de que maneira o
entorno social das personagens condiciona, em grande parte, as suas ações. Macbeth e a
esposa agiam de acordo com os preceitos impostos por sua época.
4 - Conclusão
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Têm-se em Macbeth uma obra atemporal. Não apenas o leitor dos dias de
Shakespeare, mas também o leitor contemporâneo tem a possibilidade de tecer relações,
intertextos entre a obra e o seu entorno social.
Shakespeare evidencia sua consciência referente aos efeitos da estruturação
patriarcal das sociedades Elisabetana e Jacobina nas personagens que edificou. Percebese, assim, nas vozes, tanto dos homens como das mulheres, o discurso de valorização do
masculino em detrimento do feminino.
Pode-se apontar esta ideologia presente de duas maneiras diferentes em
Macbeth. A primeira delas concerne ao estereótipo construído de que a mulher é ser
frágil, inferior. No primeiro momento deste trabalho, atentou-se para os discursos
femininos que explicitavam consciência de que alguns comportamentos lhes eram
vedados. Ainda que Lady Macbeth quisesse agir, ela teria de fazê-lo por meio das ações
do marido; não lhe era permitido executar seus desejos, já que à sua personalidade
ambiciosa externava-se um corpo de mulher.
É relacionado a isso que se ergue o segundo momento deste trabalho: não
podendo agir sozinha, Lady Macbeth lapida seu discurso a fim de persuadir o marido à
execução do assassinato do rei. Viu-se que os preceitos patriarcais de exaltação do
masculino encontram-se presentes em grande parte de suas falas. Desse modo, a
personagem se vale dos conceitos seiscentistas, provocando o brio do marido de modo a
conduzi-lo ao regicídio, realizado a contento.
REFERÊNCIAS
ALFAR, Cristina Léon. Fantasies of Female Evil: The Dynamics of gender and Power
in Shaskespearean Tragedy. Newark: U of Delaware P, 2003
CAMATI, Anna Stegh. Questões de gênero e identidade na época e obra de
Shakespeare.
2008.
Disponível
em:
http://www.utp.br/eletras/ea/eletras16/texto/artigo_16_2.pdf. Acesso em 25/06/2010.
CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. 16ª. Ed. São Paulo, Ática, 2006.
FRANK, Kermode A linguagem de Shakespeare. Tradução de Bárbara Heliodora Rio
de Janeiro: Record, 2006.
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HOWELL, Maria L. Manhood and masculine identity in William Shakespeare´s The
tragedy of Macbeth. Estover Road Plymouth PL6 7PY United Kindom. University Press
of America: 2008.
POLIDÓRIO, Valdomiro. A Figura Feminina nas Tragédias Hamlet, Macbeth, Otelo e
Rei
Lear.
2009.
Disponível
em:
http://projetos.unioeste.br/eventos/cellip/moodle/mod/glossary/view.php?id=286
Acesso em 25/06/2010.
ROZAKIS, Laurie. Tudo sobre Shakespeare. Tradução de Tereza Tillet. Barueri – SP.:
Editora Monole, 2002.
SHAKESPEARE, William. Macbeth. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre:
L&PM, 2009.
VARGAS, Maria Ester. Lady Macbeth, ou a Luta entre a Natureza e a Vontade. s.d.
Disponível em: http://www.ipv.pt/millenium/16_arq2.htm Acesso em 25/06/2010.
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o feminino e o masculino na obra macbeth, de william