PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012
Comunicação, Consumo e Educação: As massas e os clássicos literários.1
Lizbeth Kanyat2
ESPM
Resumo
Este artigo terá como marco teórico o aporte dos Estudos Culturais à concepção de cultura, especialmente no
que se refere à cultura erudita e cultura popular. Assim, pretende refletir sobre o acesso das massas aos
clássicos literários. Esta discussão suscitou-se devido ao incentivo à leitura na novela Avenida Brasil, da TV
Globo, na qual o personagem Tufão, ex-jogador de futebol ingênuo e de pouco estudo, passa a ler clássicos
nacionais e internacionais. Através de um estudo netnográfico será analisada a recepção de cibernautas sobre
esta iniciativa da TV Globo.
Palavras-chave: Estudos Culturais; Telenovela; Recepção
Introdução
No mês de março, as emissoras abertas definiram suas programações para 2012. A TV
Globo chamou a atenção ao anunciar a popularização da grade a partir deste ano. A programação
visa atingir a nova classe C, que com o fortalecimento da economia brasileira, cresce cada vez mais
em número e em potencial de consumo. Prova disso é o aumento de programas de auditório, de
recursos tecnológicos no jornalismo e as temáticas na teledramaturgia. Cheias de Charme, a novela
das sete de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, conta a história de três empregadas domésticas e tem
como tema central uma cantora de eletroforró, vivida por Cláudia Abreu.
Já no horário nobre, a emissora apresenta a telenovela Avenida Brasil, de João Emanuel
Carneiro, que no clímax3 alcançou 50 pontos no painel nacional do Ibope, o equivalente à marca
impressionante de oito em cada dez lares que viam TV no horário nobre (MARTHE, 2012). A
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Educação e Consumo, do 2º Encontro de GTs Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
2
Mestranda em Comunicação e Práticas do Consumo na Escola Superior de Propaganda e Marketing. É pesquisadora
do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (Obitel) Brasil/ESPM e bolsista da Revista Comunicação, Mídia
e Consumo, publicação acadêmica do PPGCOM da ESPM. [email protected]
3
Em 23 de julho de 2012.
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trama mostra a ascensão social de Tufão, um jogador de futebol vivido por Murilo Benício. De raiz
humilde, Tufão ganhou muito dinheiro devido ao esporte e atualmente goza de uma vida
confortável numa mansão. Nina é a cozinheira da mansão, culta e inteligente, desenvolve amizade
com Tufão e apela à sua biblioteca particular para abrir os horizontes do patrão sugerindo-lhe a
leitura de clássicos da literatura. Com isto, Tufão, um homem simples, de vocabulário limitado,
passa a ler, entender e até apreciar a leitura.
No site oficial da telenovela, há um espaço virtual denominado “Biblioteca do Tufão” 4, onde
é exibida a lista e uma pequena sinopse dos livros que ele já leu, e vídeos do ex-jogador debatendo
sobre a leitura. Entre os livros lidos pelo jogador, estão: Madame Bovary, de Gustave Flaubert;
Primo Basílio, de Eça de Queirós; Dom Casmurro, de Machado de Assis; e A Metamorfose de
Franz Kafka. A inserção desta literatura, segundo João Emanuel Carneiro, faz parte da trama. “É
claro que o incentivo à leitura é importante. Mas, no caso da novela, trata-se de um recurso
dramatúrgico para Nina, sutilmente, chamar a atenção de Tufão” (NOVELA, 2012). No caso, a
personagem Nina usa a literatura como forma de insinuar a Tufão que sua mulher o está traindo. A
presença de clássicos da literatura na telenovela (um produto originado pela indústria cultural) nos
remete às reflexões sobre o potencial educativo que este gênero tem e também às discussões
entravadas sobre a cultura popular e cultura erudita. O desenvolvimento destas ideias será
apresentado a seguir.
Estudos Culturais: cultura erudita e cultura popular
A noção de cultura tem suscitado trabalhos abundantes nas ciências sociais. O termo pode
designar grandes obras “legítimas” como tomar um sentido mais antropológico, por englobar
maneiras de viver, sentir e pensar de uma determinada sociedade (MATTELART; NEVEU, 2004).
Para exemplificar estes dois pólos poderíamos mencionar, por um lado, o clássico da literatura
científica A interpretação dos sonhos de Sigmund Freud e por outro, o hábito de assistir
telenovelas. A ideia de cultura “legítima” implica oposição entre as obras consagradas e as da
cultura de massa, produzidas pela indústria cultural, ou seja, a oposição entre as músicas de Heitor
Villa-Lobos e as de Michel Teló ou as obras de Machado de Assis e as de João Emanuel Carneiro.
4
Disponível em: http://tvg.globo.com/novelas/avenida-brasil/Fique-por-dentro/noticia/2012/05/biblioteca-do-tufaoconheca-os-livros-de-cabeceira-do-ex-jogador.html. Acesso em: 27 jul. 2012.
2
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Para continuar desenvolvendo nossa reflexão, é preciso considerar que o modo de refletir
sobre a cultura está relacionado às tradições nacionais. O estado francês vem desempenhando há
séculos um papel iminente na difusão de uma cultura letrada através do sistema de ensino formal,
da televisão (nos anos 1960), na própria constituição, assim como a longa repugnância dos
intelectuais franceses a estudar rigorosamente os produtos da cultura de massa (MATTELART;
NEVEU, 2004).
A contribuição alemã sobre a noção de cultura teve vasta difusão. Podemos mencionar os
estudos de Humboldt ou de Herder, no século XIX, e os estudos da Escola de Frankfurt, no século
XX. Esta última teve como principais exponentes Max Horkheimer e Theodor Adorno, que criaram
o conceito de indústria cultural, tendo sua primeira aparição na obra Dialética do esclarecimento,
publicada em 1947. Horkheimer e Adorno consideravam que a modernidade criou a ideia de que
não apenas somos livres como podemos construir uma sociedade capaz de permitir a todos uma
vida justa. Porém, a história do século passado mostrou que o progresso econômico, científico e
tecnológico não ficou separado do aparecimento de novas patologias culturais que vitimaram
amplas camadas da sociedade. Por patologias culturais os autores referem-se a crises econômicas,
conflitos políticos, angústias coletivas e sofrimentos existenciais.
O projeto que postulava a
autodeterminação mostrou-se uma organização econômica e política cujos interesses predominaram
socialmente (RÜDIGER, 2008).
Na concepção original de Adorno, “a indústria cultural é entendida como o conjunto dos
diversos meios de produção e difusão de material simbólico na sociedade, articulados por grandes
conglomerados empresariais, que ocupam o seu centro” (COHN, 2008, p. 66). Para Adorno e
Horkheimer ([1947], 1985, p. 14-15), a indústria cultural é uma prova de como os meios do
Iluminismo progressista podem, no limite, se transformar em expressões da barbárie tecnológica:
[Hoje em dia] o aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as condições
para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais
que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da população. O indivíduo se vê
completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o
poder da sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do
aparelho a que serve o indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por
ele. Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a
quantidade de bens a ela destinados. A elevação do padrão de vida das classes inferiores,
materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se na difusão hipócrita do
espírito. Sua verdadeira aspiração e a negação da reificação. Mas ele necessariamente se
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esvaia quando se vê concretizado em um bem cultural e distribuído para fins de consumo. A
enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao
mesmo tempo.
Em relação à cultura, ela sofre danos na imbricação com a indústria, pois a sua capacidade
de definir como irá intervir no mundo fica subordinada às exigências empresariais de circulação e
de lucro. Entre o pólo da produção e o pólo do consumo de cultura, o dominante é o da produção
(COHN, 2008).
Em Mattelart e Neveu (2004) encontramos que na Inglaterra industrial se desenvolveu um
debate original sobre a cultura. Esta era pensada como instrumento de reorganização de uma
sociedade turbada pelo maquinismo dos grupos emergentes como fundamento de uma consciência
nacional. No século XIX emerge a tradição de pensamento conhecida como Culture and Society
impulsionada por intelectuais do humanismo romântico.
Eles têm em comum o fato de denunciarem os estragos da vida mecanizada, como efeito da
civilização moderna. A identidade nacional é confrontada com o triunfo da middle class que
desqualificou a arte como ornamento não rentável, com a perda de influência da aristocracia
hereditária e com a irrupção das classes populares. O conceito de cultura se torna a pedra de
toque de uma filosofia política e moral. A literatura se torna seu símbolo e vector. A
frequentação das obras é tida como capaz de modificar o horizonte de sensibilidade de uma
sociedade presa à ideologia do “feito” (MATTELART; NEVEU, 2004, p. 19).
Os estudos sobre a literatura inglesa, os English Studies, se instauram para transfundir nas
classes emergentes valores cívicos e para purificar a “criação imaginária”. Surge a ideia do herói
como homem de letras, de Thomas Carlyle (1795-1881). O herói seria aquele que escreve um livro
capaz de persuadir a Inglaterra a fim de deter a crise da civilização forçada pela marcha a uma
industrialização precoce. Ele concebia a imprensa como o equivalente à democracia, e a literatura
ao novo parlamento. Acreditava-se que a leitura metódica de clássicos nacionais seria o antídoto
estético-moral à contaminação da língua pela sociedade mercantil. Indagações sobre qual seria a
definição de “clássico nacional” e qual seria o perfil do público, a massa ou a classe, acompanharão
a lenta gestão dos English Studies e os levará à criação dos Estudos Culturais (MATTELART;
NEVEU, 2004).
O choque da Primeira Guerra Mundial suscita nos intelectuais da Grã Bretanha a procura por
uma restauração cultural. Inspirado na sua pesquisa, The Uses of Literacy (1957), Richard Hoggart
funda em 1964 o Centre for Contemporary Cultural Sutdies (CCCS), de onde emergem os Estudos
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Culturais. Estes consideram a cultura em um sentido amplo, antropológico, passam de uma reflexão
centrada sobre o vínculo-nação para uma abordagem da cultura dos grupos sociais. Estes buscam
“compreender em que a cultura de um grupo, e inicialmente a das classes populares, funciona como
contestação de ordem social ou, contrariamente, como modo de adesão às relações de poder”
(MATTELART; NEVEU, 2004, p. 14). Procuram fazer das culturas populares ou dos estilos de
vida, objetos dignos de investimento erudito.
Estas temáticas florescem nos anos 1970. A escola de Birmingham passa a explorar os “nãolugares”, as culturas operárias e jovens. Inicialmente não passavam de um núcleo marginal de
pesquisa, mas nos anos 1980 houve uma considerável expansão. Estes trabalhos se estendem
gradualmente ao gênero, à etnicidade e às práticas do consumo. Mais adiante, enfatizam na
capacidade crítica dos consumidores, questionam o papel do pivô e, devido ao seu sucesso, passam
a englobar objetos até então estudados pelas ciências sociais e humanas como consumo, moda,
identidades sexuais, museus, turismo, literatura (MATTELART; NEVEU, 2004).
No momento em que os Estudos Culturais prestam atenção a formas de expressão nãotradicionais se descentra a legitimidade cultural. Em consequência a cultura popular alcança
legitimidade, transformando-se num lugar de atividade crítica e de intervenção. [...] Logo, os
Estudos Culturais, construíram uma tendência importante da crítica cultural que questiona o
estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de
oposições como cultura alta/baixa, superior/inferior, entre outras binariedades
(ESCOSTEGUY, 2008, p.157).
A classe média do Brasil
Assim como a classe média provocou, na Inglaterra, transformações na concepção de cultura
e na sua mercantilização, o Brasil contemporâneo está se ajustando ao surgimento da “nova classe
média”, também chamada “classe C” ou “classe popular”. Mas no contexto brasileiro, o que isto
significa?
Sob o ponto de vista mercadológico “classes sociais são divisões relativamente homogêneas
e duradouras de uma sociedade, que são ordenadas hierarquicamente e cujos membros
compartilham valores, interesses e comportamentos similares” (KOTLER, 1998, p.193). Estas
estratificações refletem índices socioeconômicos, com isto a classe C vem a ser a segmentação de
público-alvo com base na renda familiar de aproximadamente ente 4 a 10 salários mínimos.
Atualmente é composta por 105,4 milhões de brasileiros e representa 55% da população total do
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país (GASPARIN, 2011). Detêm 46,24% do poder de compra (dados 2009) e supera as classes A e
B (44,12%) e D e E (9,65%) (45 CURIOSIDADES, 2012). Porém, a nossa análise não pode deterse apenas em dados mercadológicos guiados pela lógica da produção. Por isto, sob o ponto de vista
acadêmico, propomos um diálogo sobre a conceituação do termo “popular” entre Néstor García
Canclini e Stuart Hall.
García Canclini discute sobre o uso que a antropologia e a comunicação tem feito do termo
popular, apontando que por ser abordado de diferentes premissas nem sempre têm contribuído para
um estudo aprofundado. Assim ele propõe uma metodologia de trabalho transdisciplinar como
condição indispensável para uma investigação integral sobre as culturas populares. E ele conclui:
Ni exclusivamente folclórico, ni únicamente masivo, lo popular es hoy un espacio fértil para
repensar la estructura compleja de los procesos culturales y para que los científicos sociales
liberemos a nuestras disciplinas de los reductivismos que las disgregan ( GARCÍA
CANCLINI, 1987, p. 11)5.
Hall (2003) discorre sobre três concepções do “popular”. A primeira é a que mais
corresponde ao senso comum “algo é ‘popular’ porque as massas o escutam, o compram, leem,
consomem e parecem apreciá-lo imensamente” (HALL, 2003, p. 253). A segunda definição diz que
“a cultura popular é todas as coisas que ‘o povo’ faz ou fez” (HALL, 2003, p. 256). E por último, a
terceira proposição afirma que “o essencial em uma definição de cultura popular são as relações que
colocam a ‘cultura popular’ em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo)
com a cultura dominante” (HALL, 2003, p. 257). Para Hall não há uma linha divisória entre a
cultura elitizada e a cultura popular, existe um deslocamento permanente no tempo diacrônico: “o
valor cultural das formas populares é promovido, sobe na escala cultural – e elas passam para o lado
oposto. Outras coisas deixam de ter um alto valor cultural e são apropriadas pelo popular, sendo
transformadas nesse processo” (HALL, 2003, p. 257).
Estes deslocamentos acontecem na vida cotidiana. Assim, a cultura vem a ser percebida
como “uma rede de práticas e relações que constroem a vida cotidiana, dentro da qual o individuo
tem o papel principal” (COLVARA, 2006, p. 3). Este conceito descentra o foco do pólo da
produção para uma negociação entre a produção e o sujeito. É na vida cotidiana que o sujeito
5
Tradução nossa: Nem exclusivamente folclórico, nem unicamente massivo, o popular é hoje um espaço fértil para
repensar a estrutura complexa dos processos culturais e para que os cientistas sociais liberemos as nossas disciplinas das
restrições que as separam.
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consome, negocia, se apropria ou se opõe; ali o sujeito constrói e expressa a sua simbolização e
interpretação do mundo que o rodeia. Os estudos culturais vem na sociedade uma areia de
negociações complexas, pois os sujeitos em determinado momento se apropriam dos discursos
dominantes para manutenção do status quo e, em outros momentos, criando resistência os rejeitam.
O aparato midiático serve como porta-voz destes discursos, sejam eles hegemónicos ou
emancipadores. A televisão, como o meio de comunicação de massa de maior alcance, “se halla en
una confluencia de tensiones entre el mercado y la cultura, entre lo político y lo económico, entre lo
colectivo y lo individual” (CAPPARELLI; SANTOS, 2002, p. 65)6. Ela influencia a sociedade e a
sociedade, através das pesquisas de opinião, influencia os produtos midiáticos. A telenovela não só
é o produto televisivo com mais influência se não também, é o mais importante produto da indústria
cultural brasileira e a sua temática emerge do momento histórico, da sociedade em que o
dramaturgo está inserido (BACCEGA, 1998).
Reflexões sobre a telenovela Avenida Brasil
A este ponto, espero que seja evidente ao leitor o motivo pelo qual a TV Globo popularizou
sua programação e a origem das temáticas das suas telenovelas. Assim, retomamos a introdução na
qual falamos sobre o incentivo a leitura de clássicos na novela Avenida Brasil. Depois de uma
discussão teórica sobre distinção entre cultura erudita e cultura popular, concluímos que estas duas
são legítimas e dignas de apreciação e pesquisa acadêmica; as coisas que pertencem a esta
classificação passam por constantes deslocamentos, algo considerado erudito pode ser apropriado
pelas massas, passando a ser popular.
Então, a presença de clássicos literários (cultura erudita) na telenovela (cultura popular) nos
leva a perguntar: O que as pessoas estão achando disto? Será que elas concordam com as ideias
planteadas pelos Estudos Culturais? E ainda, considerando que a transmidialidade, caraterística pela
qual um produto midiático produzido inicialmente para ser veiculado numa plataforma transita em
outras telas, abre canais de contato direto com as audiências e promove a cultura de participação,
nos perguntamos: a “Biblioteca do Tufão” está despertando participação crítica?
6
Tradução nossa: Encontra-se numa confluência de tensões entre o mercado e a cultura, entre o político e o econômico,
entre o coletivo e o individual.
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O site da “Biblioteca do Tufão” não dispõe de espaço para comentários, por tanto, este não
poderia ser nosso objeto de pesquisa. Isto nos levou a fazer um mapeamento exploratório na internet
para identificar espaços virtuais como blogs, sites ou comunidades que discutissem criticamente
sobre a “Biblioteca do Tufão”.
Kozinets (2010) chama estes espaços virtuais de online
communities. Para ele, desenvolver pesquisa em online communities implica estudar fenômenos
diretamente relacionados a online communities e à cultura online, uma manifestação particular delas
ou um dos seus elementos.
A study of a particular newsgroup, of a particular virtual world, of a type of behavior in a
social networking site, of a linguistic pattern in a microblog, of a particular kind of linking
pattern on blogs: these are all examples of research concerned with online communities.
These studies are notable because online communities, online identity, online sociolinguistic
patterns, cyberculture(s), relationships that emerge through CMC, and various other online
human social interactive elements will be central, core constructs that the research tries to
explain (KOZINETS, 2010, p. 64)7.
A comunicação mediada pelo computador (CMC)8, traz oportunidades e desafios para os
métodos de pesquisa em comunicação. Como meio de comunicação terciário (BAITELLO, 2010), o
computador transmite mensagens para aparatos tecnológicos similares, e todos os que querem
participar de um processo de comunicação precisam ter acesso aos aparatos correspondentes. Hine
(2000) aponta que esta tecnologia é usada e entendida diferentemente nos diversos contextos. Ela
também é adquirida, aprendida, interpretada e incorporada ao contexto social. Assim, mídia
interativa e internet podem ser compreendidas ao mesmo tempo como cultura e como artefato
cultural. A autora sugere que a netnografia, ou também chamada etnografia virtual, é um método
apropriado para explorar relações de interação mediada pelo computador. “Virtual ethnography is
adequate for the practical purpose of exploring the relations of mediated interaction […]. It is an
adaptive ethnography which sets out to suit itself to the conditions in which it finds itself” (HINE,
2000, p. 65)9.
7
Tradução nossa: O estudo de um fórum na internet, de um mundo virtual em particular, de um tipo de comportamento
em um site de relacionamento, de um padrão linguístico, cibercultura(s), relações que emergem da comunicação
mediada por computador, e vários outros elementos de interatividade humana social online serão o centro, a base que a
pesquisa tentará explicar.
8
Computer-mediated Communication
9
Tradução nossa: Etnografia virtual é adequada para o propósito prático de explorar relações interação mediada [...]. É
uma etnografia que se adapta às condições nas quais se encontra.
8
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Através de uma pesquisa netnográfica, o pesquisador poderá incorporar-se ao grupo dotado
de invisibilidade e espreitar o comportamento inadvertido do grupo, o modo de interagir, de
negociar ideias, etc. Posteriormente, ele poderá realizar uma participação mais intrusiva com
entrevistas a membros do grupo ou com participação na discussão. O pesquisador não é apenas um
observador, é também um participante comprometido com os objetivos da pesquisa (HINE, 2000).
À procura de uma online community, exploramos primeiramente a fan page10 no Facebook
das novelas da TV Globo, a página é sugerida no próprio site da telenovela. Foram revisados todos
os comentários desde o início da telenovela em 26 de março de 2012 até o 27 de julho de 2012. Foi
encontrado apenas um post no dia 19 de junho fazendo referência aos livros que Nina indicou a
Tufão, cuja chamada refere-se à trama e não se adentra na nossa discussão: “Já reparou que todos os
livros que Nina indica para Tufão têm traição como tema principal? Será que é de propósito ou
coincidência?” 39 pessoas comentaram de forma acrítica apenas respondendo com “sim” ou “não”
ao questionamento na chamada.
Na sequência foi examinada também no Facebook no mesmo período que a pesquisa
anterior, a fan page11 da própria telenovela Avenida Brasil, e nela foram encontrados dois posts
sobre a “Biblioteca do Tufão”. O primeiro foi no dia 18 de maio sobre o clássico de Machado de
Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, na qual a chamada faz menção à aventura literária do
personagem e pergunta: “E agora, qual será o próximo livro de Tufão?” Duas pessoas comentaram
sobre a trama de forma simplória e apenas uma se posicionou sugerindo que o próximo livro
poderia ser o de algum filósofo. O segundo post foi no dia 20 de junho e novamente a chamada de
refere à trama e não à leitura: “E agora, será que os livros vão conseguir abrir os olhos de Tufão e
sugerir que a traição pode estar mais perto do que ele imagina?” 12 pessoas comentaram, 11 sobre a
traição e uma elogiando o incentivo à leitura de clássicos na telenovela e afirmando que gosta
“bastante desses clássicos da literatura”.
Ao continuar nossa procura encontramos o blog Literatortura12 com posts cuja discussão se
mostrou extremamente valiosa para nossa pesquisa. Este blog publica material principalmente
focado em literatura. Seu criador e autor do conteúdo de literatura é Gustavo Magnani, estudante de
10
Disponível em: http://www.facebook.com/#!/NovelasTVG. Acesso em: 27 jul. 2012.
Disponível em: http://www.facebook.com/#!/AvenidaBrasilNovela. Acesso em: 27 jul. 2012.
12
Disponível em: http://literatortura.com. Acesso em: 27 jul. 2012.
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letras na UFPR. Os posts “Kafka, Madame Bovary e Machado de Assis na novela das Oito!” 13 e
“Novela das 8 incentiva a leitura!”14, publicados em 15 e 31 de maio respectivamente, comentam
que “é algo muitíssimo interessante misturar um clássico literário dentro de uma novela. Você passa
pras massas aquilo de mais sublime na literatura.” E ainda considera que “isso pode mobilizar
algumas pessoas a procurar os livros mencionados na trama” e conclui chamando a um debate: “E
você, acha que é possível pessoas procurarem livros por causa de uma citação de novela? Acha que
é válida a ideia?”
Vinte e três pessoas participaram do debate: duas pessoas consideraram que esta iniciativa
poderia banalizar os clássicos e transformá-los em “modinha”, o que por um deles foi considerado
“o cúmulo”. Isto foi o necessário para aquecer a discussão, daí em diante houve 38 comentários a
favor da presença de clássicos na telenovela e sobre a importância das massas terem acesso a esta
literatura.
Os participantes elogiaram a iniciativa da TV Globo e destacaram que isto poderá ter maior
impacto por se tratar da emissora com maior audiência. Também tiveram cuidado de mencionar que
“isso não fará a sociedade transformar-se radicalmente ou sequer minimamente. Mas, sim, a ideia é
super válida” (Gustavo).
Quando interrogados sobre popularizar os clássicos as respostas foram: “Uma ótima ideia!
Nada melhor que uma sociedade onde a leitura é um hábito e não obrigação” (Aline Marcimiano);
“A época em que literatura clássica era uma coisa de elite, algo que distanciava as pessoas
dividindo-as em classes, passou. A literatura é para todos, e assim cumprirá com seu importante
papel, o de humanizar seu leitor” (Luane).
Quanto à “legitimidade” de obras de arte eles comentaram: “Se o valor dado a uma obra
cultural é por quão ‘exclusivo’ ele é, então se está escolhendo o que consome com o critério mais
fútil que eu consiga imaginar: status” (Maicom A.); “As pessoas tendem a acreditar que quanto
mais lida for uma obra, menos cultuada ela deve ser, se seguíssemos por essa ideia, perderíamos
valiosos clássicos como Dom Quixote, O Conde de Monte Cristo e por aí vai” (Gustavo).
13
Disponível em: http://literatortura.com/2012/05/15/kafka-madame-bovary-e-machado-de-assis-na-novela-das-oito/.
Acesso em: 27 jul. 2012.
14
http://literatortura.com/2012/05/31/novela-das-8-incentiva-a-leitura/. Acesso em: 27 jul. 2012.
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Sobre a verossimilidade de um leitor inexperiente como Tufão possa ter lido e entendido
clássicos eles concordaram em que em alguns casos, é conveniente começar por leituras mais
simples, para progressivamente alcançar o ápice. E neste sentido, livros encontrados na biblioteca
do personagem como “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert e "Dom Casmurro", de Machado de
Assis, foram considerados fáceis. “Óbvio, há uma complexidade inerente onde apenas os leitores
mais ‘estudados’ compreenderão. No entanto, a história, a magia, a facilidade na leitura, está ali”
(Gustavo).
Conclusões
Esta breve pesquisa empírica deu respostas às perguntas que a motivaram. Em relação à
transmidialidade, verificamos que a “Biblioteca do Tufão” provocou poucos debates críticos por
parte dos receptores. Este assunto foi pauta de diversas matérias jornalísticas, porém não teve a
mesma popularidade nas Fan Pages, nos blogs especializados sobre televisão, novelas, e assim por
diante. Foi encontrado apenas um blog, Literatortura, que postou matérias em tom reflexivo
despertando um debate caloroso sobre a temática proposta por este artigo.
Uma pesquisa
aprofundada neste quesito poderia nos dizer as razões desta inatividade. Em forma de hipóteses
poderíamos dizer que o cibernauta brasileiro tem por costume comentar e debater notícias
jornalísticas, porém não adota a mesma postura ao se tratar de entretenimento.
Como vimos anteriormente, os comentários dos participantes foram muito explícitos quanto
a sua posição. Em sua maioria, as opiniões estão alinhadas com a proposta dos Estudos Culturais
que nos indica que cultura erudita e cultura popular são dignas de serem usufruídas por qualquer
público, seja este as massas ou a elite. Isto indica que, pelo menos no grupo pesquisado, a postura
classista quanto a cultura foi superada por uma postura mais democrática.
Assim como os English Studies, os participantes consideraram a leitura de clássicos um
antídoto moral, mas não por se tratar precisamente de clássicos e sim por considerarem os livros em
questão, boa literatura. Isto é perfeitamente compreensível, já que é de consenso que a boa leitura
fortalece o intelecto, ajuda no desenvolvimento de habilidades linguísticas e enriquece a vida.
Embora os comentários que o personagem Tufão faz sobre os livros sejam simplórios, a
abordagem foi elogiada, pois desta forma o clássico se aproxima do sujeito classe média. Na
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maioria das famílias de classe média brasileira, os pais são mecânicos, pedreiros, empregadas
domésticas, cozinheiras. Os filhos recepcionistas, vendedores de lojas, operadores de telemarketing.
De modo geral é uma família de baixa escolaridade (45 CURIOSIDADES, 2012). Por tanto, se a
literatura fosse apresentada ao telespectador por uma abordagem mais intelectualizada, certamente
não iria atingir o seu público. Já o formato atual, simples e engraçado, tem levado espectadores a
buscar estes clássicos em livrarias (NOVELA, 2012).
A telenovela é considerada um gênero efetivo para influenciar a opinião dos telespectadores,
já se que chega a eles principalmente pelas emoções e não só por meio da razão. Através destas
dimensões podem ser introduzidas atitudes que busquem e apoiem a formação de cidadãos críticos.
A “Biblioteca do Tufão”, mesmo que esta seja uma inciativa bem tímida, é um exemplo de como a
telenovela pode cumprir com seu papel social. Ela já está entre nós, agora é hora de exigirmos dela
um aporte para a construção de uma sociedade mais crítica e reflexiva. A telenovela já influencia a
formação de identidades, reforça valores, incentiva costumes e promove o consumo de certos
serviços e objetos. Está na hora dela fazer tudo isto em prol da formação de cidadãos mais
participativos e melhor informados.
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