Os Quadrinhos como fonte de pesquisa histórica: explorando possibilidades de pesquisa Natania Nogueira [email protected] Valéria Fernandes [email protected] A relação entre Quadrinhos e a História Os quadrinho são produtos de uma época, sendo, portanto, espaço onde se depositam idéias, conceitos e reflexos de uma sociedade, assim como seu cotidiano. Tal como as charges e as caricaturas, os quadrinhos são fontes de pesquisa que ainda precisam ser melhor explorada. As fontes de pesquisa em quadrinhos ou em artes gráficas podem ser encontradas em bibliotecas e arquivos na forma de periódicos (revistas e jornais). No século XIX, periódicos como A Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini e A Lanterna Mágica, de Manoel Araújo, fornecem um rico material para pesquisas em diversos campos, com representações do cotidiano, crítica políticas e sociais. A pesquisa pode envolver tanto charges, caricaturas e quadrinhos, dada a proximidade entre essas mídias. No século XX, com a popularização dos quadrinhos no Brasil, as fontes diversificaram-se. Surgem as publicações especializadas histórias em quadrinhos. Os quadrinho como fontes de pesquisa podem ser utilizados em diversas áreas de interesse da historiografia atual. Iremos analisar alguns estudos realizados sobre quadrinhos envolvendo relações de gênero, política e cultura. Os recortes vão da segunda metade do século XIX até a década de 1970 do século XIX e envolvem a produção nacional e norte-americana. 1 – Angelo Agostini e o Carnaval Carioca A partir da produção de Angelo Agostini, foi possível realizar um estudo sobre o carnaval carioca no século XIX, onde as ilustrações publicadas no periódico a Folha Illustrada foram utilizadas como fontes primárias. Estas imagens, traziam representações do povo, do festejo e dos próprios valores embutidos nas caricaturas, nas charges e nas histórias em quadrinhos. O recorte escolhido foi o período entre os anos de 1869 e 1910. Agostini retratou os carnavais cariocas e nos forneceu elementos para uma análise histórica dessa festa naquele momento histórico específico, marcado pelo abolicionismo e pelo republicanismo. As representações que Agostini fez do carnaval forneceram elementos para melhor entender melhor esta festa popular, na cidade do Rio de Janeiro, do século XIX e no início do século XX. São abordados temas sociais e políticos importantes, além das reflexões e valores do autor e de seus leitores. Entrudo na Rua do Ouvidor – Angelo Agostini (1884) Fonte: Acervo particular de Gilberto Maringoni Oliveira A imagem mostra o entrudo, mostra um entrudo, na Rua do Ouvidor, local onde as famílias podiam assistir,das sacadas, aos foguedos. A partir de 1906, essa prática foi transferida para a nova Avenida Central, onde famílias alugavam sacadas para poder assistir aos desfiles. Angelo Agostini - 1881 Fonte: Revista Ilustrada, Ano 6, n. 241, p.4-5, 1881 Após a Guerra do Paraguai (1864-1870), passou a ser comum carros alegóricos dedicados a temas da atualidade. Eram os chamados carros de críticas ou de idéias. No fragmento de imagem ao lado Angelo Agostini retratou um carro de critica do Club dos Democráticos que colocava um retrato de Dom Pedro II. Referência ao gosto do monarca pela astronomia, que o estaria afastando dos problemas nacionais. Quadrinhos de Angelo Agostini - 1884 Nos quadrinhos acima, Agostini faz referência à hipocrisia da elite, que pertencia às Sociedades Carnavalescas. Durante o carnaval, os chefes de família que participavam dessas sociedades, colocavam prostitutas em carros alegóricos, para desfilar pelas ruas da cidade, enquanto que no restante do ano as perseguiam e discriminavam. Suas filhas são criadas e educadas para serem mães e esposas exemplares. Defende um carnaval voltado para a família. 2 – Representações femininas nas HQs da EBAL Para esta pesquisa foram utilizados quadrinhos produzidos nos Estados Unidos nas décadas de 1950 -1960 e publicados no Brasil pela Editora Brasil América (EBAL). O objetivo é identificar como se construíam os papéis de gênero a partir do estudo de histórias em quadrinhos de super-heróis. William M. Marston criou a Mulher Maravilha em 1941. Era especialista em teoria do gênero. Marston acreditava na superioridade do caráter feminino. Em tempos de guerra, a Mulher Maravilha representava a força das mulheres norte-americanas que deveriam manter o país funcionando, na ausência dos homens que lutavam contra os nazistas. Após a guerra, ela sofre mudanças, tendo sua beleza mais valorizada do que sua inteligência. Nenhuma personagem sofreu tantas transformações com o tempo quanto ela. Partimos do princípio de que as histórias em quadrinhos se adaptaram e se integraram ao contexto histórico no qual estavam inseridas e neles estão as representações do real, ou daquilo que no que se deseja transformar a realidade. Foram selecionadas três histórias em quadrinhos, a partir do tratamento recebido pelas personagens femininas. O Fonte: Batman & Robim e SuperHomem:juntos contra o mesmo inimigo. Rio e Janeiro, EBAL, n. 28, abril/1969. plano de SuperMorça e Mulher mostra a Super-Moça e a Batmoça tentando destruir a reputação do SuperHomem e do Batman, aparentemente por inveja de seu sucesso. Os heróis não pensam duas vezes em acusar suas parceiras: não se deve confiar nas mulheres. Os Rasgões do uniforme da Mulher Morcego: a Batmoça enfrenta um inimigo diferente: sua feminilidade. Na história ela se atrapalha várias vezes durante suas lutas contra o crime, por motivos frívolos. No final da história, a heroína chega à conclusão de que ser feminina (fútil) é sua maior arma. Fonte: Batman. Rio de Janeiro, EBAL, nº 52, Fevereiro/ 1969. Na História, As três superamigas de Super-Moça, temos a total dependência da superheroina de seu primo, Super Homem. Num primeiro momento, questiona se suas amizades irão agradar ao primo: ela necessita da aprovação dele. Em outra passagem, ela, órfã, sacrifica-se ao recusar uma adoção para não prejudicar o primo, que pode ter a identidade secreta descoberta. As três super-amigas de Super-moça. SuperMoça. Rio de Janeiro, EBAL, n. 8, junho/1969 Os quadrinhos faziam circular paradigma feminino uniforme, mas eles também revelam representações masculinas idealizadas, refletem os valores sociais de seus autores e mesmo as tendências políticas de toda uma sociedade. Sugestão de leitura e bibliografia comentada Nos últimos anos várias publicações resultaram de pesquisas em história, tendo como fonte histórias em quadrinhos. A obra foi organizada por Paulo Ramos e Waldomiro Vergueiro e reúne artigos produzidos por nove autores brasileiros, que pesquisaram diferentes facetas da área. A obra aborda a influência das HQ’s como meio de comunicação de massa. Seus autores, foram perseguidos pela ditadura chilena. Neste livro Roberto Elísio analisa a história de um gênero popular das HQ’s, os funny-animals, e a partir deles refaz a história da Disney. O livro relata o preconceito contra as mulheres dentro das histórias em quadrinhos, os avanços dos movimentos feministas nas HQ’s, as conquistas femininas, a nova versão da heroína (que tem deixado de ser frágil e indefesa), mas alerta que a heroína ainda precisa do herói: “O outro da mulher é o homem e o outro do homem é outro homem, nas HQ's a heroína não consegue resolver os problemas sozinha” conta Selma. O livro narra a chegada dos quadrinhos ao Brasil, vindos dos Estados Unidos em meados da década de 1930, pelas mãos do jovem jornalista Adolfo Aizen, então funcionário de O Globo. Ele é resultado de uma longa pesquisa que constrói a história do mercado editorial de quadrinhos do Brasil. O livro conta a história das três primeiras décadas da Editora Abril, a partir da visão e da vida profissional do jornalista e advogado Cláudio de Souza que, em quase 25 anos, foi um de seus mais destacados colaboradores. Neste livro, o autor reuniu mais de 700 obras que falam dos quadrinhos, com uma resenha, capa e ficha técnica - editora, formato, número de páginas, ISBN e se está disponível ou não para venda. O volume foi dividido em nove partes - livros exclusivamente sobre quadrinhos; os que falam de quadrinhos (com pelo menos um capítulo a respeito); obras que falam de cartuns, caricaturas, charges e animação; álbuns com ensaios; romances que vieram dos comics e vice-versa; revistas especializadas e fanzines, além de dicas de sites e blogs. O livro de Marcelo Balaban, apresenta um estudo sobre a obra do cartunista ítalo-brasileiro Angelo Agostini. É resultado da pesquisa de doutorado em História do Brasil, desenvolvida na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) entre 2001 e 2005. O livro acompanha os passos de Agostini em São Paulo e no Rio de Janeiro e examina os traços que desenhou para diversos jornais e revistas no intuito de desvendar os significados da crítica social e política no final do século XIX no Brasil. Publicada originalmente nos Estados Unidos em 2006, a obra escrita pelo jornalista Neal Gabler traça a trajetória do cineasta desde a infância pobre, destacando fatos marcantes como a construção da Disneylândia, e derruba diversos mitos em torno da imagem icônica do artista falecido há mais de 40 anos. Foram necessários sete ano de pesquisas, cujas fontes mais seguras e disponíveis eram os próprios arquivos do gênio da animação. Em ritmo de autobiografia, Diamantino resgata a memória de um dos períodos mais belos da história editorial brasileira, a era dos suplementos infantis. O livro traz informações fidedignas sobre o Suplemento Juvenil, Mirim, O Lobinho e O Globo Juvenil. O Tico-Tico 100 Anos' conta toda a trajetória de 70 anos da marca O Tico-Tico, desde o seu nascimento em 1905, como publicação semanal, até seu último número como revista periódica, em 1957, e em edições especiais até o seu final, nos anos 70. Organizado pelos professores universitários Waldomiro Vergueiro e Roberto Elísio dos Santos, mestres em histórias em quadrinhos. Tem prefácio do jornalista Sergio Augusto e conta com 26 capítulos escritos por especialistas no tema. Os quadrinhos tem ganhado espaço em publicações periódicas, voltada para professores e pesquisadores, como a Revista de História da Biblioteca Nacional, que recentemente inaugurou uma coluna mensal apenas para o tema. Outra dica é a revista eletrônica História, Imagem e Narrativas, que publica vários trabalhos envolvendo artes graficas, especialmente quadrinhos. O link da revista é: www.historiaimagem.com.br Esta editora especializou-se na publicação de quadrinhos independentes, fanzines e em livros relacionados aos quadrinhos, resultado de pesquisas acadêmicas, biografias e coletâneas. O link da editora é: www.marcadefantasia.com Existem muitos sites especializados em quadrinhos. - Podemos citar: Etcetera (www.revistaetcetera.com.br) Guia dos Quadrinhos (www.guiadosquadrinhos.com) Eduhq (www.cbpf.br/~eduhq) Universo HQ (www.universohq.com) Gibitecacom(www.gibitecacom.blogspot.com) Bigorna.net (www.bigorna.net) O conteúdo desta apresentação pode ser usado, desde que seja dado crédito a quem produziu o material