QUANDO OS SUPER–HERÓIS PERDEM SEUS SUPER-PODERES
Luciano Kowalski Coelho
Não me lembro de sentir uma emoção mais forte na vida, do que no dia em que
tornei-me pai. Quando após nove meses de longa e ansiosa espera, ao
segurar nos braços aquele ser frágil e totalmente dependente, criou-se um
vínculo que com certeza vai durar para toda vida. É uma marca profunda na
alma. Não se apaga. Ter um filho é como fazer uma tatuagem na testa. É
necessário muito comprometimento. Isto é para toda vida, difícil de esconder
ou apagar.
Não podemos quantificar o amor que somos capazes de sentir por estas
criaturinhas. É um amor ofertado aos borbotões, sem exigir nada em troca.
Simplesmente o sentimos e o transmitimos. É o chamado amor incondicional.
Isto não é privilégio só dos pais biológicos ou do primeiro filho. Acontece
sempre que a conexão pai-filho é selada. Uma vez estabelecido e fechado
este elo, surge um vínculo irreversível. Tenho dois filhos, e com os dois
aconteceu a mesma coisa. Imagino que com filhos adotivos não seja diferente.
A infância é uma época mágica, tanto para os filhos como para os pais. Os pais
transformam-se em verdadeiros super-heróis. Tudo que fazemos é admirado,
ovacionado, idolatrado.
Faz um bem enorme para nossa autoestima. Massageia nosso ego. Chegar em casa e ter seus fãs lhe esperando
ansiosamente é algo indescritível. Afinal, para os pequeninos meu pai é o mais
forte, o mais sábio, o mais bonito, o mais tudo! Somos dotados de superpoderes capazes de curar com um beijo, ter a super-agilidade de pegar uma
pipa no telhado, levantar nossos filhos lá no alto de nossas cabeças ( para eles
é uma altura sem igual). Temos também o nosso super-campo de força em
nossa cama, a prova de “bicho-papão” e outros monstros, relâmpagos e
trovoadas, que nossos filhos procuram no meio da noite em busca de
proteção. Quanto mais super nossos filhos nos acham, mais super nos
esforçamos para ser. Somos o centro de toda a atenção. O que o super-herói
fala é lei. Somos perfeitos.
Os filhos crescem, então chega a adolescência. Esta é a Kriptonita dos super
pais. Quando expostos a ela, subitamente perdemos nossos super-poderes.
Deixamos de ser admirados e idolatrados. Tornamo-nos simples humanos
sujeitos a críticas (e nesta fase são só críticas). Nossos defeitos (que não são
poucos), antes não eram notados, ficam evidentes e amplificados. E nós, agora
ex-super-heróis, ficamos completamente desorientados. Aquele amor
incondicional que temos por aqueles que um dia seguramos no colo, fica
contido, represado. Somos privados de levá-los aos lugares, beijá-los e
abraçá-los em público, e demonstrar outras atitudes de carinho que agora são
denominadas “micos”. O objeto de admiração passa a ser outro, fora do
perímetro familiar. O grupo de amigos, artistas, cantores e internet são agora a
referência. Assustados com as bruscas mudanças, alguns pais podem até
inverter seus papéis. Passam a ser os super- vilões. Nesta liga de vilões
surgem o Super–Chato que não deixa ir a lugar nenhum, o Capitão–
Controlador que coloca senha em tudo e quer saber cada passo dos filhos, o
Sr. Certinho que não concorda com as mini-roupas que as meninas vestem, o
ultra-careta que não permite colocar alargadores nas orelhas, piercings ou
fazer uma tatuagem. Agem desta forma para tentar proteger aquilo que mais
amam. Os ex-super-heróis sentem saudades do antigo super campo de força
da cama dos pais onde os pequeninos corriam para proteger-se dos monstros
e ameaças da noite. Os monstros e ameaças da adolescência são imunes a
este campo de força. É difícil para os filhos compreenderem que os pais temem
o contato inadvertido com as drogas (lícitas e ilícitas), com acidentes devido à
imprudência típica nesta fase, com a banalização do sexo, AIDS, gravidez
precoce, entre outras situações que podem deixar marcas indeléveis na vida
destes futuros adultos.
O problema seria facilmente solucionado se todas as famílias falassem a
mesma linguagem. Para piorar a situação, surge um novo grupo de superheróis na parada, que a juventude passa a idolatrar: os super-pais ´”não-estounem-aí”. Para os adolescentes são os melhores pais do mundo, pois tudo é
permitido. Não existem limites. É duro ouvir dos filhos adolescentes dizer que
gostariam que seus pais fossem iguais aos pais “não-estou-nem-aí” do fulano
ou da ciclana. É a legítima sensação de estar remando contra a maré. Todo
mundo tem um exemplar de pai “não-estou-nem-aí” na sua rua, escola ou
convívio social. Nesta fase nossos filhos sempre acham que “o gramado do
vizinho sempre é o mais bonito”.
Conversando com uma mãe que já tem os filhos adultos, casados, bem
resolvidos, perguntei qual a fórmula para ultrapassar a fase da adolescência,
da forma mais tranqüila possível, e sobreviver, “Muito amor e oração”, foi sua
sábia resposta. Após esta conversa refleti muito e acatei os conselhos de quem
está um pouco mais à frente na caminhada da educação.
Concluí que, para estes jovens, o caminho já foi dado. Mais do que palavras,
eles têm o exemplo de seus pais sobre o que é certo e errado. Apesar de difícil,
temos que confiar naquilo que ensinamos para os pequenos durante anos.
Passei a rezar para que realmente estejam preparados e iluminados.
Preparados para saber dizer não a tudo aquilo que vai contra seus princípios,
mesmo que isto conflite com os interesses do grupo. Isto é ter personalidade.
Se tivéssemos a certeza que nossos filhos estão fortes suficientes para dizer
não às drogas e a tudo que pode transformar negativamente as suas vidas,
com certeza não perderíamos noites de sono. Devemos estar sempre prontos
para ouví-los, ao invés de falar demais (olha que isto não é fácil!). Nunca deixar
de abraçá-los e beijá-los, bem escondidinho entre quatro paredes, para não
pagar mico. Com certeza, apesar de fazer charme eles gostam muito disto, e
precisam destas doses de amor incondicional. No resto é ter paciência e
esperar os efeitos da Kriptonita passar. Quem sabe um dia, nós ex-superheróis relegados e esquecidos, possamos recuperar nossos super-poderes e
nos tornarmos os super-avós babões. Apesar desta ideia ser fascinante,
tomara que isto demore.
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