REFLEXÃO / REFLECTION / REFLECIONE
Da teoria à terapia: o jeito de ser da gestalt
From the theory to the therapy: the way of being of gestalt
De la teoría a terapia: la manera de dar de la gestalt
RESUMO
Francisco Alberto de Brito Monteiro
Júnior
Psicólogo. Especialista em Psicologia da Educação.
Aluno do Curso de Comunicação – Jornalismo da
UFPI.
Trata-se de uma reflexão teórica acerca da evolução do conceito de Gestalt, palavra de origem alemã, passando pela Psicologia da Gestalt, até sua aplicabilidade prática dentro do processo terapêutico, quando vem a ser chamada de Gestalt-terapia. Partindo da perspectiva do “todo” gestáltico, o
sujeito é visto em seu aspecto mais dinâmico e completo, sendo parte integrante e inalienável do
universo que o rodeia. Universo esse holístico, onde todas as coisas estão interconectadas entre
si de modo indissociável. O gestalt-terapeuta é aquele que enxerga além do outro para que esse
outro enxergue além dele próprio, quebrando seus bloqueios de contato e proporcionando-lhe um
encontro pleno para consigo e com o mundo. Para tal, o gestalt-terapeuta precisa entrelaçar-se com
a teoria, fazer dela uma arte vivencial, confundir-se com ela e permitir que seja transformadora tanto
para si quanto para o cliente.
Descritores: Gestalt. Psicologia. Terapia.
ABSTRACT
It is treated of a theoretical reflection about the evolution of the concept of Gestalt, word of German
origin, going by the Psychology of Gestalt, until your practical applicability inside of the therapeutic process, when it comes to be called Gestalt-therapy. Leaving of the perspective of the gestaltic
“whole”, the subject is seen in your more dynamic and complete aspect, being integral and inalienable part of the universe that surrounds him. Universe that holistic, where all the things are interconnected to each other inseparably. The gestalt-therapist is that that sees besides the other for that
another to see besides him own, breaking the contact blockades of him and providing him a full
encounter for I get and with the world. For such, the gestalt-therapist needs to interlace with the
theory, to do a living art of it, to get confused with it and to allow that is so much changed for itself
as for the client.
Descriptors: Gestalt, Psychology, T herapy.
RESUMEN
Submissão: 30/10/2009
Aprovação: 30/11/2009
Se trata de una reflexión teórica sobre la evolución del concepto de Gestalt, palabra de origen
alemán, pasando por la Psicología de la Gestalt, hasta su aplicabilidad práctica dentro del proceso
terapeutico, cuando viene a ser llamada de Gestalt-terapia. Partiendo de la perspectiva del “todo”
gestáltico, el sujeto es visto en su aspecto más dinámico y completo, siendo parte integrante e
inalienable del universo que está a su alrededor. Universo ese holístico, donde todas las cosas están
interconectadas entre si de modo indisociable. El gestalt-terapeuta es aquél que ve además de otro
para que ese otro vea además de él própio, quebrando sus bloqueos de contacto y proporcionándole un encuentro pleno para consigo y con el mundo. Para tal, el gestalt-terapeuta necesita enlazarse
con la teoría, hacer de ella un arte vivencial, confundirse con ella y permitir que sea transformadora
tanto para si cuanto para el cliente.
Descriptores: Gestalt. Psicología. Terapia.
Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.
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INTRODUÇÃO
Segundo William Shakespeare (1564-1616), ‘Você faz suas escolhas
e suas escolhas fazem você’. Essa frase de gênio, de alguém que não era
psicólogo, mas que entendia, ou pelos menos tentava compreender, a
complexidade da existência e, sobretudo, do ser humano, parece refletir
a experiência-vivência de ser um gestalt-terapeuta. O indivíduo escolhe a
Gestalt-terapia e a Gestalt-terapia escolhe o indivíduo.
A Gestalt-terapia trabalha os sentimentos do outro, a fim de
que esse outro cumpra sua missão, perceba-se vivo e dinâmico e, sobretudo, cheio de infinitas possibilidades. O gestalt-terapeuta assume, portanto, função de catalisador da auto-percepção de si mesmo e do mundo,
popularmente conhecida como awareness, a redescoberta de que ainda
se está vivo e pronto para fechar velhas portas, atravessar novas janelas e
fazer outros contatos plenos, necessitando, o gestalt-terapeuta, sentir realmente a interconexão de todas as coisas e ser um ser-no-mundo, tendo
também consciência de sua própria consciência e do seu importantíssimo
papel nessa redescoberta do outro. No dizer do personagem Melquíades,
no livro Cem anos de solidão, “as coisas (todas) têm vida própria. Tudo é
uma questão de despertar a sua alma” (MÁRQUEZ, 2009).
Este trabalho tem, pois, como objetivo fazer uma reflexão acerca
de como a Gestalt passou de um conceito, a princípio abstrato, para se
tornar uma psicoterapia de fato, hoje absolutamente difundida dentro da
Psicologia e com métodos eficazes de ajuda terapêutica, pondo o cliente
em contato tanto consigo mesmo quanto com o outro, ampliando seu
campo perceptivo. Do lado do terapeuta, a Gestalt-terapia implica toda
uma gama de sentimentos e sensações, uma vez que se faz necessário
vestir realmente a camisa e vivenciar essa experiência humanista. O máximo que pode acontecer é todos saírem transformados ao final, na grande
maioria das vezes para melhor – terapeuta e cliente.
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DA PSICOLOGIA DA GESTALT À GESTALT-TERAPIA
Gestalt é uma palavra alemã que não possui tradução exata para
o português ou para qualquer outra língua, mas que, segundo Braghirolli
et al (1997), significa, aproximadamente, o todo, a estrutura, a forma, a
organização. Engelmann (2002) credita isso ao fato de desde o século XIX
o substantivo alemão “Gestalt” possuir dois significados: um como forma e
outro como entidade concreta. Este último foi utilizado pelos gestaltistas
de Berlim; por isso não se encontra a palavra em outras línguas, de modo
que quando escreviam em outro idioma decidiam mantê-la no original.
Mais do que Gestalt, Ginger e Ginger (1995) colocam que o correto mesmo seria dizer Gestaltung, pois indica ação prevista, acabada ou ainda em
curso, implicando assim um processo de “formação”.
Durante o século XIX e início do século XX, a Psicologia havia se
consolidado como um ramo da Biologia, e limitava-se a estudar o comportamento do cérebro do homem. Época em que os estudos sobre a percepção humana da forma tinham em comum a análise atomista, procuravam
o conjunto a partir de seus elementos. Sob esse ponto de vista, o homem
tenderia somente a perceber uma imagem por meio de suas partes componentes, compreendendo-as por associações de experiências passadas.
Em oposição direta a isto, ainda no início do século XX, surgiu
a Teoria da Gestalt, ou “configuração”, com as idéias de psicólogos alemães
e austríacos, como Christian von Ehrenfels (1859-1932), Wolfgang Köhler
(1880-1943) e Kurt Koffka (1886-1941), juntamente com Max Wertheimer
(1880-1943), inicialmente voltada apenas para o estudo da psicologia e
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dos fenômenos psíquicos. A Gestalt, entretanto, acabou ampliando seu
campo de aplicação e tornou-se uma verdadeira corrente de pensamento
filosófico. Segundo Schultz e Schultz (2001), o foco primordial da rebelião
gestaltista foi o aspecto da obra de Wilhelm Wundt acerca do seu atomismo ou elementarismo, o pressuposto wundtiano da condição fundamental dos elementos sensoriais.
A Teoria da Gestalt ou psicologia da Gestalt, afirma, entre outras
coisas que não se pode ter conhecimento do todo por meio das partes, e
sim das partes por meio do todo; os conjuntos possuem leis próprias e que
são regidas por seus elementos (e não o contrário, como antes se pensava); e só por intermédio da percepção da totalidade é que o cérebro pode
de fato perceber, decodificar e assimilar uma imagem ou um conceito.
Schultz e Schultz (2001) citam duas grandes influências para essa noção
gestaltista da percepção: o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804),
com a sua ênfase na unidade de um ato perceptivo, e o movimento fenomenológico, quando refere à descrição imparcial da experiência imediata
tal como ela ocorre.
Ginger e Ginger (1995) conceituam Gestalt como a psicologia
segundo a qual o campo receptivo se organiza de maneira espontânea,
sob a forma de conjuntos estruturados e significantes. Não se pode reduzir
a percepção de uma totalidade à soma dos estímulos percebidos, uma vez
que o todo é diferente de suas partes. Máxima essa atribuída aos gestaltistas que Engelmann (2002), por outro lado, considera errada, afirmando
que a psicologia da Gestalt é anterior à existência das partes, pois a Gestalt
de início vai ser dividida em partes.
De acordo com Rodrigues (2006), a psicologia da Gestalt foi
um campo estritamente experimental, que se ocupou em trazer questionamentos que foram contrários à visão mecanicista (causa-efeito) e à atomística (que tem o átomo como a menor parte ou elemento constitutivo
das coisas). Psicologia da Gestalt e Gestalt-terapia são, portanto, campos
de atuação diferentes e preocupações distintas. Enquanto a psicologia da
Gestalt foi um campo de pesquisa que trouxe novas perspectivas para
entender a maneira com a qual o homem se relaciona com o mundo, a
Gestalt-terapia se preocupa com o campo clínico, com as técnicas de trabalho e estudos que visam dar ao homem as condições necessárias para
seu próprio crescimento.
Fritz Perls (1893-1970) é tido como o criador da Gestalt-terapia,
que além de ser uma psicoterapia é também compreendida como uma
autêntica filosofia existencial, uma “arte de viver”. Essa forma particular de
conceber as relações do indivíduo com o mundo enfatiza a tomada de
consciência da experiência atual (“o aqui e o agora”, que inclui o ressurgimento eventual de uma vivência antiga) e reabilita a percepção emocional e corporal, pondo em destaque os processos de bloqueio, quando
desmascara evitações, medos e inibições, assim como as ilusões, deixando
claro que cada um é responsável por suas escolhas e suas evitações (GINGER; GINGER, 1995).
A princípio, de acordo com Ginger e Ginger (1995), Perls, no
ano do “batismo oficial” da nova terapia, 1951, nomeara seu método terapêutico de “terapia da concentração”, em oposição ao método psicanalítico da livre associação. Entretanto, essa concentração do cliente no presente, na experiência vivida no “aqui e agora”, à época já não passava de um
mero aspecto técnico, levando Perls a sugerir “Gestalt-terapia”, um nome
mais global para o novo método. Apesar dos protestos dos pesquisadores
gestaltistas, que acreditavam que o método de Perls não se encaixava na
Teoria da Gestalt, o termo prevaleceu e se impôs em todo o mundo.
Para Perls, Hefferline e Goodman (1997), a Gestalt-terapia se aliRevista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.
menta da noção da psicologia da gestalt clássica. Advém, portanto, de um
conjunto de dados sem fim e rudimentar que é apresentado pelo ambiente e organizado e moldado pelo sujeito da percepção em “todos” que possuem forma e estrutura. “Todos” que são subjetivamente estruturados, e
não os dados brutos incognoscíveis componentes da experiência de uma
pessoa. De acordo com Braghirolli et al (1997), os gestaltistas ilustram essa
noção de “todo” mostrando que uma melodia, por exemplo, não pode ser
decomposta em suas notas musicais componentes sem que perca a estrutura que a identifica e, inversamente, se constituirá na mesma melodia
tocada com outras notas (por exemplo, com uma mudança de escala).
Dessa perspectiva do “todo”, atribui-se à Gestalt um conceito
holístico, no qual tudo está interconectado entre si, como fazendo parte,
em essência, da mesma coisa, do mesmo todo que move o Universo.
Quem pontua essa questão muito bem é Ginger e Ginger
(1995, p. 84):
A visão holística da Gestalt se insere, é evidente, nessa percepção do mundo
– que poderíamos qualificar de taoísta – em que nunca interessa ao terapeuta um sinal isolado, um gesto ou uma palavra, até um comportamento complexo mais elaborado, mas antes a interconexão permanente do indivíduo
global com seu meio geral, social e cósmico, o todo num fluxo incessante que
só podemos apreender por uma vigilância constante, no aqui e agora, com
seu cortejo ininterrupto de Gestalts que se formam, se realizam e se dissolvem num processo em perpétua turbulência.
Dentro desse fluxo contínuo, a experiência do self (eu) varia de tamanho e finalidade dependendo do que esteja acontecendo. Pode, por
exemplo, diminuir, ficar ínfimo, quando se perde na contemplação de uma
obra de arte ou se estar embriagado de amor, ou expandir, tomar toda a
figura do awareness (consciência da consciência), quando se sente dor, no
caso o self se torna a dor (PERLS et al, 1997).
Pode-se compreender a partir desse contexto um outro conceito
importante em Gestalt: figura/fundo. De maneira simples, como abordam
Schultz e Schultz (2001), a figura seria o objeto observado para o qual temos uma tendência em organizar a percepção, enquanto o fundo seria o
segundo plano sobre o qual a figura se destaca. Para Perls et al (1997), o
processo de formação de figura/fundo é dinâmico no qual as urgências e
recursos do campo progressivamente emprestam suas forças ao interesse,
brilho e potência dominante. Já Ponciano (1997), diz que a função do self
é se colocar como figura e/ou fundo nas relações exteriores.
A Gestalt-terapia como conhecemos atualmente possui diversas
influências, desde a psicologia da Gestalt à filosofia existencial, passando pela psicanálise de Freud (reformulando as teorias dos mecanismos
de defesa e trabalho com os sonhos), a teoria de campo de Kurt Lewin,
as religiões orientais (como o Zen Budismo), a fenomenologia, e outras.
De acordo com Ginger e Ginger (1995), da fenomenologia a Gestalt-terapia reteve alguns aspectos. Entre os quais, podemos citar a importância maior em descrever do que explicar (o como precede o porquê) e a
vivência imediata tal como é percebida ou sentida corporalmente. Outro
aspecto refere-se ao aqui e agora, o que conduz à importância de uma
tomada de consciência do corpo e do tempo vivido, como experiência
única de cada ser humano. Do existencialismo, ela absorveu o primado
da vivência concreta em relação aos princípios abstratos, a singularidade
de cada existência humana e a noção de responsabilidade de cada pessoa que participa ativamente da construção de seu projeto existencial e
confere um sentido original ao que ocorre e ao mundo que a rodeia, construindo assim sua liberdade.
Da psicologia da gestalt apresentada por Wertheimer, Kohler e Koffka, a Gestalt-terapia herdou alguns princípios gestataltistas da organiRevista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.3, n.1, p.49-53, Jan-Fev-Mar. 2010.
zação da percepção. Schultz e Schultz (2001) falam que esses princípios
são essencialmente leis ou regras a partir das quais organizamos o nosso
mundo perceptivo. Essa organização acontece de forma espontânea e instantânea sempre que se vê ou se ouve diferentes formas ou padrões; assim
partes do campo se combinam e se unem para formar estruturas que são
distintas do fundo.
Uma influência importante para a Gestalt-terapia foi a teoria do
campo de Kurt Lewin (1890-1947). Este, de acordo com Ginger e Ginger
(1995), extrapolou os princípios da teoria da Gestalt para uma teoria geral
do campo psíquico, estudando a interdependência entre a pessoa e seu
meio social, o que proporcionou a criação da dinâmica de grupos. Ponciano (1999) coloca que o pressuposto básico metodológico da teoria de
campo é a relação pessoa/campo (ambiente), e que é a partir da noção
de campo (pessoa/meio) que se pensa a questão da energia como força
transformadora, por meio da emoção e das relações pessoa-mundo.
O campo é a totalidade dos fatos co-existentes em dado momento e concebido em termos de mútua interdependência. Sua significação
depende da percepção de correlação entre sujeito e objeto. O comportamento é determinado por forças subjacentes no campo, que deve ser
compreendido partindo de descrições psicológicas e não somente de
forças físicas ou fisiológicas. Pode-se perceber a tendência de a teoria de
campo formar um conjunto de informações e postulados que aponta, em
sua totalidade, para um novo modelo, um novo paradigma de se entender
a pessoa humana de maneira inteira e integradora (PONCIANO, 1999).
Abordando a “fronteira de contato”, margem flutuante onde ego e
outro se encontram e algo acontece, Perls et al (1997) fala que é, precisamente, nesse local de encontros entre self e outro e de afastamento para
ambos que a psicologia pode explicar melhor a responsabilidade que as
pessoas têm em moldar sua própria experiência. Ademais, é na fronteira
de contato que ocorre o crescimento, pois é onde a necessidade emergente de uma pessoa e o que está disponível no ambiente para satisfazê-la se juntam ou se digladiam, dependendo se o encontro for amigável ou
não-amigável. Esse “ciclo de satisfação de necessidades” também pode ser
chamado de “ciclo de auto-regulação organísmica”, “ciclo de experiência”
ou, como é popularmente conhecido, “ciclo do contato”.
Em sua obra O Ciclo do Contato, Ponciano (1997) define contato
como sendo sinônimo de encontro pleno, de mudança, de vida. Contato
possui um significado especial para o gestalt-terapeuta, uma vez que a
Gestalt está centrada no conceito de contato e na natureza das relações
de contato da pessoa consigo e com o mundo exterior. O contato é, portanto, a matéria-prima da relação psicoterapêutica e define a qualidade do
processo. Tudo na natureza é contato e sem contato tudo perde o sentido.
O universo do contato é o da totalidade, por isso é que a psicoterapia, como função do contato, ocorre somente quando se faz a totalidade.
Nesse sentido, totalidade, consciência e contato formam o tripé da mudança. Trata-se de uma força mobilizadora, síntese harmoniosa das diferenças, fruto da relação de diferença eu-mundo e eu-no-mundo. O contato pleno acontece quando as funções sensitivas, motoras e cognitivas
se unem, num dinâmico movimento dentro-fora-dentro, para, por meio
de uma consciência emocionada, proporcionar no sujeito bem-estar, uma
escolha, uma opção real por si mesmo (PONCIANO, 1997).
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APLICANDO A GESTALT-TERAPIA
Como terapia, a Gestalt permite ao terapeuta lançar mão de alguns
conceitos e técnicas no processo de ajuda ao cliente. Estando a Gestalt
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centrada no conceito de contato, fala-se muito em “fechar gestalt”, quando
o processo foi adiante e não ficou nada em aberto. Quando fica, quando as
gestalts não se fecham, é porque ocorreu um bloqueio em uma das fases
do ciclo, como postula Ponciano (1997).
Dentre os bloqueios de contato, pode-se destacar: fixação, o processo pelo qual o sujeito se apega excessivamente a pessoas, idéias ou coisas, e temendo surpresas diante do novo e da realidade, sente-se incapaz
de explorar situações que flutuam rapidamente, permanecendo fixado
em coisas e emoções – medo de correr riscos; introjeção, que é o processo
através do qual o sujeito obedece e aceita opiniões arbitrárias, normas e
valores que pertencem aos outros, engolindo coisas dos outros sem querer, e sem conseguir defender seus direitos por medo da sua própria agressividade e da dos outros – gosta de ser mimado; e projeção, processo pelo
qual o sujeito possui dificuldade de identificar o que é seu, atribuindo ao
outro, ao mau tempo, coisas de que não gosta em si próprio, bem como
a responsabilidade pelos seus fracassos. Desconfia de todo mundo como
prováveis inimigos – gosta que os outros façam as coisas no seu lugar.
Em contraposição aos bloqueios de contato, temos os fatores de
cura, que estão sempre atrelados aos primeiros, destacando-se: fluidez,
processo pelo qual o sujeito se movimenta, localiza-se no tempo e no
espaço, deixando posições antigas e renovando-se, mais solto e espontâneo e com vontade de criar e recriar a própria vida; consciência: processo
pelo qual se dá conta de si mesmo de maneira mais clara e reflexiva, está
mais atento ao que ocorre à sua volta, percebe-se relacionando com mais
reciprocidade com as pessoas e coisas; e mobilização, processo pelo qual
sente necessidade de se mudar, de exigir seus direitos, de separar suas
coisas das dos outros, de sair da rotina, de expressar seus sentimentos exatamente como sente e de não ter medo de ser diferente.
Ponciano (1997) postula que a idéia do ciclo como processo terapêutico passa pela compreensão de que o processo da saúde ou da cura
possui uma lógica, uma seqüência na qual uma coisa depende da outra
e onde tudo afeta tudo. Entretanto, nenhuma pessoa está em um único
ponto no Ciclo do Contato, e sim em vários, seja na direção da cura, seja na
direção dos bloqueios, mesmo porque cada ponto do ciclo contém todos
os outros. Por outro lado, a pessoa geralmente está mais em um ponto do
que em outro, por isso se pode dizer que alguém é mais tipicamente um
introjetor, um confluente e assim por diante.
Em relação às técnicas utilizadas pela Gestalt, Ginger e Ginger
(1995) colocam que elas só têm sentido em seu contexto global, isto é,
integradas em um método coerente e praticadas de acordo com uma filosofia geral. Assim, o essencial da Gestalt não está em suas técnicas, e sim
no espírito geral do qual ela procede e que as justifica.
Ginger e Ginger (1995) citam também algumas das técnicas que
a Gestalt usa, como, por exemplo, o exercício de awareness, que se trata
de estar atento ao fluxo constante das sensações físicas (exteroceptivas
e proprioceptivas), dos sentimentos, de tomar consciência da sucessão
ininterrupta de “figuras” que aparecem no primeiro plano, sobre o “fundo”
formado pelo conjunto da situação que se vive e do sujeito que se é, no
plano corporal, emocional, imaginário, racional ou comportamental. Tem-se, também, o hot seat (cadeira quente), uma das técnicas mais utilizadas
pelos gestalt-terapeutas. Coloca-se o cliente diante de uma cadeira vazia,
na qual, conforme sua vontade, ele pode projetar um personagem imaginário com o qual deseja se relacionar. Esta é uma oportunidade do cliente
expressar o que está preso em sua garganta. Depois, ele se coloca no lugar
desse personagem imaginário e elabora uma resposta para si mesmo. Geralmente, obtém uma nova dimensão para a sua angústia.
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Uma outra técnica, o monodrama se trata de uma variação do
psicodrama, em que o próprio protagonista desempenha, de maneira
alternada, os diferentes papéis da situação por ele evocada (ele mesmo,
a esposa, os filhos, o chefe). Troca sempre de lugar quando for mudar de
papel para que a situação fique clara. Essa técnica facilita a encenação do
próprio sentimento, à medida que este emerge da situação, sem interferência eventual na problemática pessoal de um parceiro anterior, que
pode não estar na mesma sintonia, como ocorre no psicodrama. Por fim, a
amplificação, que torna mais explícito o que está implícito, projetando na
cena exterior aquilo o que acontece na cena interior. Permite, assim, que
todos adquiram mais consciência do modo como se comportam aqui e
agora, na “fronteira do contato” com o meio.
Além das citadas, existem diversas outras técnicas e maneiras de
se trabalhar em Gestalt-terapia. Isso dependerá do estilo pessoal de cada
terapeuta, de seu modo de ser, uma vez que ser gestalt-terapeuta está
intimamente associado à própria vivência do terapeuta como humanista,
ao modo de perceber o mundo e a si mesmo.
No entender de Erthal (2004), o principal instrumento de trabalho do psicólogo é ele próprio. Ela defende uma compreensão fenomenológica do cliente, apoiada na descrição que ele traz para dentro do
consultório, na vivência dele de sua própria situação. Cabe ao terapeuta a
função de receptor sem valores morais (ou seja, neutralidade absoluta),
considerando o contexto, a díade e o sentido certo da comunicação desse
cliente. A interação profissional-cliente nunca pode ser considerada unilateral, uma vez que existe um impacto que cada parte da díade estabelece
na relação.
É pela fala e pela linguagem que as pessoas comunicam seus sentimentos, pensamentos e intenções. Mas, apesar dessa função social, há
ainda a função egocêntrica, na qual não existe preocupação em saber
com que se está falando. Trata-se de um falar para si mesmo, o que expressa uma forma alienada e onipotente. Toda linguagem é uma forma
de comportamento interpessoal. A personalidade do falante está incluída no comunicado pela própria forma sutil ou discreta como se expressa.
Não se pode não comunicar (no sentido de que não é possível conceber
a não-expressão), pois o silêncio, a forte introspecção, já é em si uma comunicação. O trabalho do terapeuta é, praticamente, seguir as falas de
seu cliente, mescladas pela criteriosa escolha de cada intervenção feita
(ERTHAL, 2004).
Erthal (2004) articula dez tipos de intervenções para que o terapeuta baseie cada vivência, cada momento entre ele e o cliente, e assim
conduza a sessão sempre se apoiando na verdade do seu cliente, naquilo
o que ele está, de uma forma ou de outra, trazendo para o âmbito do
consultório e para a realidade da terapia. Dentre as intervenções, pode-se
destacar: a refletora de vivências emocionais (interpretação vivencial), na
qual o terapeuta transcende o conteúdo verbal daquilo que é expresso
pelo cliente a fim de obter uma compreensão do sentimento contido nas
formulações e assim expressar esse sentimento de maneira correta; a inquisitiva, talvez uma das mais usadas, na qual a intenção do terapeuta é
obter dados maiores sobre um determinado assunto, estimulando o cliente a continuar falando, com especificação do foco de atenção. As perguntas podem facilitar o campo perceptual do cliente, transmitir o interesse
do terapeuta em pesquisar com mais profundidade o assunto, no entanto
é preciso cuidado para não usar em demasia e banalizar a intervenção. O
psicólogo iniciante geralmente fica ansioso e conduz a entrevista com um
bombardeamento de perguntas que “facilitam” a sua atuação, bloqueando
o fluxo espontâneo da comunicação do cliente, que por sua vez termina se
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acostumando a ser indagado e apenas espera pela próxima pergunta; e o
confronto, cujo objetivo é mostrar as contradições que o cliente apresenta,
a fim de possibilitar maneiras novas de se perceber. As respostas de conteúdo não-verbal facilitam esse confronto ao apontar para as discrepâncias,
como, por exemplo, o cliente relatar algum acontecimento triste só que
com uma expressão de felicidade. Isso demonstra uma incongruência que
pode ser a indicação de alguma coisa com o poder de acarretar efeitos de
significativa mudança no jeito em que a pessoa vê a si mesma e sente a si
mesma na frente do outro.
É fácil, por fim, obter a percepção de que a Gestal-terapia se apóia
na relação terapeuta-cliente, dentro de uma visão holística e, sobretudo,
humanista, para alcançar o resultado a que se propõe – um resgate da
harmonia e do bom funcionamento do organismo, em todos os aspectos
(físicos, psicológicos) que o circundam.
Segundo Cardella (1994), para que a relação tenha realmente natureza terapêutica, deve ocorrer o fenômeno do amor, concebido pela
autora como um estado e um modo de ser caracterizados pela integração
e diferenciação de um indivíduo, que lhe permite ver, aceitar e encontrar
o outro como único, singular e semelhante na condição de humano. O
amor é a polaridade oposta do egocentrismo e do sofrimento emocional, o amor é de natureza incondicional, o que implica a capacidade de
amar o diferente e não apenas o semelhante, e, quando recíproco na relação, proporciona aos indivíduos um sentimento mútuo (do latim muto,
que significa mudar) de plenitude. Além de tornar possível o verdadeiro
Encontro, proporciona também um sentimento de transcendência de si
mesmo e de harmonia com a humanidade e a existência. Envolve fatores
como maturidade emocional, responsabilidade e posse da própria vida,
auto-sustentação e independência em relação aos outros. Nas palavras românticas do grande poeta Dante Alighieri (1265-1321): ‘O amor me move:
só por ele eu falo’.
Refletindo sobre o “amor terapêutico”, Cardella (1994) acredita que
na relação terapeuta-cliente o amor pode acontecer e se manifesta sob
características distintas das demais formas de amar. As atitudes amorosas do terapeuta facilitam o desenvolvimento do potencial de amor do
cliente, devendo ser a base para o trabalho psicoterapêutico, juntamente
com conhecimentos teóricos, filosóficos e técnicos, sem os quais a relação
terapêutica seria, obviamente, descaracterizada. O trabalho terapêutico é,
em si, uma prática de amor, pela qual o terapeuta cria condições para que
o cliente possa ouvir, ver, compreender, aceitar e amar a si mesmo.
Parafraseando seu próprio conceito de amor, Cardella (1994, p.
59) define: “O amor terapêutico manifesta-se através de um estado e um
modo de ser caracterizados pela integração e diferenciação da personalidade que nos permite ver, aceitar e encontrar o outro (cliente) como um
ser único, diferenciado, e semelhante na sua condição de humano”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ser um gestalt-terapeuta é estar em contato pleno com todas as
coisas, com todos os pontos infinitos que integram o Universo, seja o físico ou o psicológico. E isso constantemente, pois não existe hora marcada
para se ajudar uma pessoa; o gestalt-terapeuta não permanece gestalt-terapeuta somente dentro do consultório, mas, sobretudo, fora dele, quando
vai para casa, quando enfrenta a fila do pão, quando está entre amigos,
quando também precisa de ajuda.
Trata-se da responsabilidade que temos perante nós mesmos e o
outro, esse outro que é a essência do gestalt-terapeuta, cuja meta é ajudá-lo, abraçá-lo, mostrar que ele não está sozinho. O filósofo Platão (428/27
a.C. – 347 a.C.) postulou algo inusitado, que nem por isso deixa de ser
verdadeiro: ‘O corpo humano é a carruagem, eu, o homem que a conduz,
os pensamentos as rédeas, os sentimentos são os cavalos’. O gestalt-terapeuta seria aquele que alimentaria os cavalos na noite anterior para que a
viagem flua harmoniosa e chegue ao seu destino, a fim de que a carruagem cumpra sua missão existencial e tenha, ela própria, sentido.
Para ser gestalt-terapeuta, portanto, é preciso amar incondicionalmente e ver o outro (cliente) como a si próprio, transcender o técnico e o
profissional e ser, sobretudo, um artista, já que Perls diz que a Gestalt-terapia é uma arte, uma arte do bem, da paz e da harmonia que precisam ser
buscadas dentro de cada um. Não basta apenas ter afinidade e conhecer
a teoria, é necessário confundir-se com ela, uma vez que Gestalt-terapia é,
acima de tudo, um jeito de ser.
REFERÊNCIAS
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PERLS, F. S., HEFFERLINE, R., GOODMAN, P. Gestalt-terapia. Tradução Fernando Rosa Ribeiro. 2. ed. São Paulo (SP): Summus, 1997.
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