1 NOVA VISÃO DA VIDA CRISTÃ Ninguém que seja consciente das realidades que nos rodeiam pode negar que o mundo mudou tanto na sua dinâmica cultural como nas suas estruturas e expressões sociais externas. Alguns consideram que estas mudanças são tão drásticas que estamos à beira de uma crise civilizacional. Alguém um dia afirmou que a mudança é outro nome de Deus e que a única constante na vida é a mudança. A partir desta perspectiva fundamental, as mudanças segundo os planos eternos de Deus, são a revelação da sabedoria de Deus em cada época e em cada geração, sempre que a humanidade continue a desejar escutar a voz de Deus nos corações daqueles que choram. Mas o mistério só se revela nas profundidades do nosso santuário escondido em e através de um caminho de interioridade contemplativa. A nossa imersão no mundo é o nosso batismo que nos permite ouvir a voz interior de Deus: “Tu és o meu filho amado, tu és a minha filha amada”. Somos chamados a ser batizados pelo Espírito de Deus no meio da riqueza corrosiva da modernidade… e compreender com mais matizes a maneira e a forma em que o Evangelho se enraíza nas culturas da comunidade humana para que as estruturas da sociedade se empapem do fermento do Evangelho. Para ler os sinais dos tempos à luz do Evangelho é necessário ter uma nova linguagem e nós devemos ser o novo meio de comunicação. A missão não se limita a uma comunicação de palavras e de fatos, mas é comunhão e transmissão de uma visão moral e ética que abrirá os olhos a indivíduos e a comunidades para que descubram nas suas vidas o divino e o sagrado. A missão de evangelizar no século XXI nada tem a ver com a separação artificial entre a nossa fé privada e a nossa vida pública. Tem que ver com a fé pessoal que se manifesta com os frutos que damos nas nossas vidas e que partilhamos como instrumentos de comunhão no mundo. A reafirmação da bondade do dom de Deus implantado na alma humana é a novidade da nossa modificação genética interior. A cultura de morte pode ser contrastada só mediante um novo poder que consagra a pessoa humana, a comunidade humana e toda a família humana ao único Criador da Humanidade. A nossa missão evangelizadora consiste no processo de reconciliação para restaurar a dignidade humana e curar a sociedade rasgada. Trata-se de dizer a verdade, de buscar a justiça e de criar uma nova visão moral. Somos testemunhas de um eclipse gradual dos conceitos de verdade, justiça e liberdade. Os homens não são capazes de distinguir a verdade da mentira. É a reconciliação que nos tem de guiar no século XXI. O nosso futuro depende, em grande medida, da definição de uma nova visão para a humanidade, uma visão ao mesmo tempo holística e ecológica que envolve todo o homem, todos os homens e toda a criação. Para nos convertermos em agentes de transformação global é imprescindível entrar em diálogo com o mundo interior das pessoas que sofrem ataques e a violência indiscriminada e contínua das forças de morte: a pobreza, a desnutrição…que afetam a vida de milhões de pessoas no mundo. 2 A transformação das culturas e a promoção da justiça não se obtém por uma fé cega nos meios do mundo pós-moderno. Precisamos de novos viveiros para plantar as sementes de um caminho espiritual de plenitude interior eco-espiritual. Necessitamos de uma nova ecologia para a difusão da verdade, da justiça, da liberdade e do amor nas periferias. Trata-se de uma renovação a partir de dentro, para que, depois, através de um processo auto-induzido, se alimente das águas e da luz de Deus. Para transformar todas as camadas da humanidade, devemos avançar rumo à periferia e começar o processo que leva a uma nova ecologia humana. Como ser Igreja no Reino de Deus e pessoas cristãs na nova humanidade de Deus? O processo de transformação da humanidade, a partir de dentro, pede que cresçamos na nossa vida de relação. Como discípulos de Jesus, somos chamados a associarmo-nos a todos os membros do Povo de Deus, que caminham connosco para encontrar o rosto oculto de Deus em todos os lados e a cada momento. Não se trata só de trabalharmos juntos, mas de nos abrirmos a novas amizades mais além dos nossos pequenos círculos, porque o Reino de Deus é mais amplo do que a Igreja inteira. À medida que crescer a nossa confiança e a nossa fé nos dons que recebemos e que partilhamos, vamos estar mais dispostos a olhar criticamente o nosso passado e a tomarmos distância relativamente às formas de cultura de morte escondidas nas nossas instituições e nos nossos programas. Qualquer reflexão sobre a vida deve começar enlaçando Palavra e mundo. Em primeiro lugar, devemos compreender as raízes e a essência da criação no Antigo Testamento, para em seguida embarcarmos na tarefa da recriação dos novos céus e da nova terra. Quando consideramos a história do mistério de Deus que vive na história humana, descobrimos que a importância dada a Deus vai a par do respeito pela vida. A religião concentrou-se mais em conservar-se do que em ser a encarnação de Deus. Deus que deu ao homem a sua dignidade e os seus direitos ao mesmo tempo que a vida e que deu ao mundo a sua harmonia foi afastado. Estamos a perder a nossa sensibilidade para com os outros e o mundo. A radicalidade do Evangelho, na nossa vida, é um caminho de esperança para toda a humanidade. Radicalidade não significa superioridade, mas antes unicidade de Deus e universalidade da Humanidade num mundo globalizado e fragmentado. As mudanças no mundo obrigam-nos a repensar e a redefinir o sentido da nossa missão evangelizadora. A meta da nossa missão evangelizadora, no mundo pós-moderno, é dar testemunho de que só podemos transmitir o Evangelho vivendo-o. Este é o eixo central da evangelização a partir do nosso batismo em Cristo. A experiência do amor de Jesus na nossa vida é o poder secreto do Evangelho e o poder do seu Espírito, que renova a face da terra. Somos chamados a curar o mundo e fazer do mundo um lugar melhor. Como Igreja chamada, pelo Concílio Vaticano II, a renovar-se, queremos seguir Jesus e a sua missão. Jesus foi o primeiro evangelizador. Evangelizar consiste, portanto, em comunicar aos homens o sentido, o conteúdo e a vida de Jesus. O anúncio do Reino de Deus, que era o centro da sua missão e da sua vida vivida em união com o Pai, na sua missão evangelizadora. 3 A sua mensagem sobre o reino é realmente uma nova experiência do amor de Deus no nosso coração, que deve ser vivida em comunidade e partilhada. Ser parte do Reino e, portanto, dos planos eternos do Pai junta-se à alegria que o mundo nos pode oferecer. A Igreja, nascida da atividade evangelizadora de Jesus e dos seus apóstolos e discípulos, nunca deixou, desde há dois mil anos, de ser presença viva de Jesus. A Igreja é evangélica na sua natureza, mas também necessita de ser evangelizada. Por isso, o Concílio Vaticano II e o Sínodo dos Bispos sobre a evangelização chamaram todo o Povo de Deus a converter-se e a renovar-se segundo o Evangelho de Jesus, com o fim de comunicar a Boa Nova ao mundo. Sermos evangelizados significa tratar de sermos totalmente fiéis ao Evangelho encarnado no nosso tempo. Portanto, o Sínodo sobre a Evangelização declarou que “Evangelizar significa para a Igreja levar a Boa Nova a todos os ambientes da Humanidade. ‘Eis que faço novas todas as coisas’. A finalidade da evangelização é, portanto, esta mudança interior, e se tivéssemos que resumir numa palavra, o melhor seria dizer que a Igreja evangeliza quando, pela única força divina da mensagem que proclama, trata de converter ao mesmo tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens, a sua atividade, a sua vida e ambientes concretos”. A evangelização consiste, pois, em restaurar os planos originais do Pai que se manifestam através da vida de Jesus, para que o seu Espírito governe e guie a chegada dos novos céus e da nova terra. A missão evangelizadora não é tanto uma série de atividades organizadas e de programas bem estruturados, mas uma constante e completa abertura ao Espírito vivo de Jesus, que atua hoje no mundo. Hoje, a nossa confusão interna reflete-se nas nossas atitudes e comportamentos: a competitividade, o interesse pessoal, o egoísmo, a preocupação pela imagem pessoal, a família, o orgulho nacional. Já não podemos distinguir entre os conflitos interiores e as realidades externas. Não sabemos muito bem se seguimos o caminho do Evangelho ou do mundo. Neste contexto de mundo perigoso, há que evangelizar, recuperando a confiança na Boa Nova e a audácia de seguirmos Jesus pelo seu caminho para o Reino da verdade e da justiça. Para isso, primeiro devemos eliminar o veneno e as toxinas de uma visão confusa e fragmentada da vida e recuperar a confiança, pondo a nossa fé em Deus que vem às nossas vidas e ao nosso ser. Por isso, a Gaudium ed Spes recorda-nos que a separação que vemos em muitos entre o que professam e a sua vida quotidiana é uma das desordens mais graves do nosso tempo. Surge a necessidade de uma nova bússola para a humanidade. Portanto, devemos empreender um processo para restaurar o Reino da verdade, do amor e da harmonia em nós. Daqui, a necessidade de uma educação transformadora que consiste na formação das consciências, que ajuda os indivíduos a serem mais humanos, os orienta na verdade e os abre a autênticas relações interpessoais. É necessário, pois, educar os jovens para que valorizem a vida desde a sua origem. A educação também deve despertar o desejo de mudar o mundo em profundidade. Esta educação que transforma deve promover uma nova sensibilidade para com os pobres. A missão da Igreja é escutar o grito das pessoas em risco e a sua ansiedade e angústia num mundo indiferente que não reconhece a sua dignidade como filhos e filhas de Deus. A proclamação da Boa Notícia de Jesus aos pobres, a libertação dos oprimidos e a alegria para os aflitos começa pelo 4 poder do Espírito Santo que liberta os homens dos seus pecados pessoais e das suas consequências sociais. O Sínodo dos Bispos sobre a Justiça no mundo relacionou, muito acertadamente, a pregação do Evangelho e a missão evangelizadora: “a ação em nome da Justiça e a participação na transformação do mundo são para nós uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, ou seja da visão da missão da Igreja para a redenção da raça humana e a sua libertação de toda a situação de opressão”. É a nossa sensibilidade à condição humana a que nos dá a oportunidade de nos convertermos em colaboradores da obra divina. Na cultura que exalta o individualismo, o espírito de competição e a riqueza, devemos promover a identidade interior através de uma renovação de coração que conduz a um modo de vida verdadeiramente humano, na justiça, no amor e na simplicidade. Fazendo com que as pessoas sejam mais humanas, esta educação ajudará a não serem manipuladas pelos meios de comunicação e pelas forças políticas, e a controlarem o seu destino. A formação para a verdade e para a justiça diz respeito ao nosso compromisso comum, baseado na fé face aos grandes problemas atuais: o meio ambiente, a interdependência mundial, os direitos humanos dos excluídos, a difícil situação das mulheres e das crianças. Hoje, é evidente que não podemos separar e segregar a dignidade humana dos direitos humanos. Assim como não se pode separar a fome da verdade de Deus da fome do pão da justiça. Portanto, a educação das consciências e a promoção da compaixão devem seguir juntas. A nossa missão de evangelização deve conter estes dois elementos de salvação em e através do único Corpo de Cristo, oferecido a toda a família humana. Extraído do artigo: “Culturas y Justicia: El Camino a seguir…” Anthony Rogers, FSC Reflexão → Nós, Doroteias, queremos caminhar nesta nova visão do mundo, como podemos fazer caminho juntos? → Paula, sensível e atenta aos contínuos apelos de Deus presentes na sociedade de seu tempo, colaborou através da educação evangelizadora para a transformação do mundo. Hoje, como podemos, juntos, ser agentes de transformação na nossa realidade?