Dicas do Fanta
A água – travessias, problemas e soluções
Por Guilherme Nüske (Fanta) *
Um dos obstáculos mais comuns que o praticante de offroad enfrenta é a
água. Seja em travessias de cursos d’água ou poças, seja pelos efeitos de
sua presença nos sistemas do veículo, a água merece sempre muita
atenção. Os motores de combustão interna sejam ciclo diesel ou ciclo
Otto, 2 ou 4 tempos, todos funcionam admitindo ar atmosférico e
misturando-o ao combustível para então, através da compressão e ignição
dessa mistura, fazer movimentar os pistões, bielas, virabrequim, gerando
força motriz para o veículo.
Um dos problemas mais sérios que a água pode causar num motor chamase calço hidráulico. Ele ocorre quando o motor por alguma razão admite
água junto com o ar atmosférico. Por ser incompressível, a água, ao ser
admitida e sugada para o interior dos cilindros, provoca a parada abrupta
e conseqüente quebra do conjunto pistão/biela, muitas vezes levando à
inutilização, inclusive, do bloco do motor. Nem precisamos comentar
sobre o quão caro e difícil será o reparo.
Além do problema gravíssimo do calço hidráulico, a água pode penetrar
em outros sistemas do veículo sempre trazendo problemas, a saber:
a) A entrada de água na transmissão, caixa de transferência ou nos
diferenciais gera problemas. Ao ser submetida ao movimento das
engrenagens a água emulsiona o óleo, prejudicando a lubrificação,
trazendo corrosão e riscos ao conjunto, exigindo sua desmontagem
e limpeza;
b) A água prejudica fortemente a operação dos sistemas elétricos e
eletrônicos do veículo, sobretudo quando estamos pensando em
água salobra ou salina;
c) A água estraga as forrações fono-absorventes do veículo, em
especial as que ficam debaixo de carpetes, bancos e painel;
d) A água pode prejudicar os freios, sobretudo os sistemas a tambor;
e) A entrada de água no sistema de escapamento , embora não seja
comum com o motor funcionando, também traz problemas nos
abafadores, sondas lambda, entre outros.
Diante de tantos problemas possíveis é imperioso que a condução de
qualquer veículo em contato com a água, particularmente em
situações offroad, seja feita com critério e técnica. Temos, então
algumas recomendações, técnicas e cuidados que listamos a seguir:
1 – Observe sempre como se configura o sistema de filtro de ar e por
onde o ar atmosférico é admitido no seu veículo. Em veículos sem
Snorkel, usualmente essa tomada de ar é feira na altura dos faróis ou
dentro da caixa de rodas, sob o para lamas. Conhecer esse local é
estratégico para garantir que em travessias a água se mantenha num
nível seguro;
2 – Veículos que praticam offroad e estão submetidos a estas
condições severas de utilização devem ter os respiros de caixa de
câmbio e diferenciais elevados para a altura do para brisa ou, ainda
melhor, na altura da capota. Tomando esse cuidado você evita grande
parte dos casos de entrada de água na transmissão;
3 – Nos veículos com mecânica diesel mais antiga, sem componentes
eletrônicos, a tolerância à presença de água no compartimento do
motor é maior. Mesmo assim, alternador, bateria e circuitos elétricos
vão sofrer se estiverem inundados.
4 – Nos veículos com mecânica diesel modernos em que há
componentes eletrônicos, sensores e fiação o cuidado deve ser
redobrado. Os componentes são em geral bem protegidos mas se
expostos à água podem levar a panes e ao mal funcionamento do
motor, estragando a diversão. Devido à dificuldade de manutenção
desses sistemas complexos e do custo de reparo, todo cuidado é
pouco;
5 – Os veículos ciclo Otto (gasolina, etanol e GNV) são especialmente
problemáticos com a presença da água. Como esses motores
dependem do sistema de ignição e faísca para o funcionamento, tais
componentes são absolutamente intolerantes com a presença de
umidade ou água em cabos de velas, bobinas, distribuidores. Mesmo
nos carros mais modernos, diversos sensores podem ser atingidos e
com isso é comum que o motor pare de funcionar, às vezes em
situações complicadas;
6 - A boa técnica recomenda que a travessia de cursos d’água cuja
profundidade não possa ser avaliada por simples observação só ocorra
após a travessia cuidadosa à pé. Assim determina-se se o veículo tem
ou não capacidade de lidar com o obstáculo. Poças de água barrenta
ou sem nenhuma visibilidade podem esconder buracos ou terrenos
movediços portanto a travessia à pé deve ser feita com máxima
cautela;
7 – Uma vez decidida a travessia do curso d’água ou da poça, o veículo
deve ser colocado de forma a atravessa da forma mais direta e curta
possível. A velocidade de travessia é fator crítico: se muito lenta, a
água penetra no cofre do motor de forma mais incisiva; se muito
rápida, o veículo “fura” a água, podendo fazê-la subir mais alto do que
seria desejável. O ideal é manter uma marcha constante, fazendo uma
onda controlada na frente do veículo, empurrando a água;
8 – Recomenda-se o uso de marcha adequada à velocidade, sem o uso
de embreagem, controlando-se a velocidade apenas pelo acelerador.
Não é necessário elevar demasiadamente o giro do motor, que pode
tornar mais fácil a sucção de água e vai trazer problemas com as partes
e componentes que giram junto com o motor (correias, alternadores,
ventiladores mecânicos, etc);
9 – Um dos recursos úteis em situações de travessia é o uso de lonas
que cobrem a grade e parte frontal do veículo. Evita-se que a água
passe pelo radiador e ventiladores, bem como dificulta a entrada de
água no cofre do motor. Esse artifício deve ser utilizado com cuidado
para não danificar a grade devido ao arrasto da água. Outro fator
importante: coloca-se a lona antes da travessia, retira-se a lona
imediatamente após a travessia, uma vez que sua presença impede a
troca de calor pelo radiador;
10 – Em veículos que possuem ventilador mecânico acionado por
correias, comum nos jipes mais antigos, é interessante afrouxar ou
mesmo retirar a correia, evitando não só que a água seja espalhada
mas sobretudo que as pás se quebrem ou entortem. Veículos com
hélice dotada de cubo hidrodinâmico em geral suportam melhor a
travessia, já que a conexão viscosa consegue ”derrapar” um pouco. Por
último, os veículos com sistema de ventoinhas elétricas devem ser
protegidos da água. Se estiver usando o ar condicionado, convém
desligá-lo para que a ventoinha Tb esteja parada.
11 - A situação em que o veículo chega a boiar deve ser evitada
sempre, por razões óbvias de segurança. Perde-se o controle do
mesmo, tornando inútil a tentativa da travessia. A solução de tentar
abrir as portas e fazer a água entrar pode ser utilizada, mas os
prejuízos são garantidos. Existem veículos preparados para terem a
cabine inundada, mas no mais das vezes isso não é a realidade. Ao
encher de água o veículo afunda e pode retomar a tração, mas ao
mesmo tempo estará muito pesado e a saída do curso d’água deve ser
feita aos poucos, deixando a água sair;
12 - Travessia de trechos com correnteza é outra situação perigosa e
imprevisível. Deve ser evitada se possível, pois ao ser arrastado o
veículo pode virar ou ficar preso, tornando fácil um acidente fatal. Em
enchentes é comum a travessia de pontes inundadas, mas se houver
correnteza mesmo que fraca o risco é altíssimo. Muita gente já perdeu
a vida nessas situações;
13 – Sempre que o veículo for submetido à travessias ou alagamentos
uma revisão deve ser feita de forma criteriosa. No caso de
contaminação por água salobra ou salgada, isso deve ocorrer sem
demora. Desligue sempre a bateria quando for mexer na fiação para
lavagem, limpeza e posterior proteção;
14 – Caso constate a contaminação do óleo da transmissão ou
diferenciais, drene, troque e veja se não houve emulsificação, caso em
que deve haver a desmontagem;
15 – Se o motor engolir água e parar de funcionar, não insista em
tentar fazê-lo funcionar. Em motores ciclo Otto as velas devem ser
retiradas e a água pode ser sugada ou expulsa dos cilindros. No caso de
motores diesel com bicos mecânicos, estes podem ser retirados para o
mesmo fim. Em motores modernos com sistema CRD (common rail) e
bicos eletrônicos o veículo deve ser levado a uma oficina
imediatamente. Se ao movimentar o motor para a expulsão da água
houver barulhos metálicos ou sentir que o motor travou, pare
imediatamente e leve o carro a uma oficina.
16 – A instalação de Snorkel num veículo originalmente sem o
equipamento deve ser feita com extremo critério, observando a
capacidade de alimentação de ar do mesmo, evitando restringir o fluxo
de ar para o motor, bem como os cuidados necessários com a vedação
e fixação do conjunto. Mas o mais importante: o só fato do veículo
passar a ter uma tomada de ar elevada não isenta o mesmo de sofrer
todos os outros efeitos indesejáveis da água nos demais sistemas;
Por fim, conheça seu veículo. Leia os manuais, conheça os limites,
componentes e esteja sempre equipado com ferramentas básicas, kits
de primeiros socorros e com as ferramentas indispensáveis à pratica do
offroad como cintas, pranchas, cordas, manilhas, luvas, lanternas...e
sempre pratique offroad em grupo. Se estiver sozinho, mesmo com as
técnicas e equipamento corretos, a travessia de cursos d’água pode
tornar-se ainda mais perigosa.
Abraços a todos e até a próxima.
* Fanta é advogado por formação e mecânico amador.
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