ÁGUA: um dom, uma responsabilidade
“Eu reconheço quem é de Deus, não quando me fala a respeito de Deus,
mas pelo modo como fala e atua nas coisas deste mundo” (Simone Weil)
Espiritualidade é o jeito divino, isto é, amoroso, de olhar as coisas deste mundo e delas falar; revela-se
numa atitude de amor para com todas as criaturas. O universo inteiro é um imenso altar,
no qual podemos contemplar a presença de Deus. Teremos de aprofundar uma espiritualidade ecumênica
e ecológica que nos faça mudar o modo de olhar a terra e a água e de com elas conviver.
A espiritualidade tem a ver com o “espírito de cuidado”. O cuidado é aquele gesto amoroso que se
preocupa, protege e dá segurança às pessoas, à natureza. Ele é aquela atitude prévia a todos os atos e
atividades, para que sejam construtivos e não destrutivos. O cuidado é uma relação amoroso para com o
meio-ambiente; supõe envolvimento, desvelo e atenção, especialmente com a água.
A civilização que se impôs no Ocidente é predatória e desrespeitosa com o ser humano e com a
natureza. Quase tudo hoje no mundo é descuidado: as pessoas, as águas, os solos, os ares e a ética em
nossas relações. Prevalece a força, a violência, o conhecimento técnico-científico, o poder egoísta...
A solução não está na ordem técnica, mas numa nova relação de amor com a terra e a água. Do cuidado
nasce a sensibilidade, a percepção do valor e a sacralidade do outro e da criação. O cuidado está
intimamente vinculado à vida
Nesse sentido, a água tem uma dimensão vital e sagrada que precisa ser cuidada
e não podemos permitir que ela se perca. Todas as formas de vida dependem da
água, e não existe vida onde não há água. Por isso, não se pode separar água e vida. É da
responsabilidade de cada pessoa zelar pela qualidade de nossas águas e pelo acesso de todos a ela. A água
é, por excelência, bem de destinação universal.
A primazia da vida se estabelece sobre todos os outros possíveis usos da água.
Nenhum outro uso da água, nenhuma decisão de ordem política, de mercado ou
de poder, pode se sobrepor às leis básicas da vida.
Sendo a água constitutiva do ser humano e da vida como um todo, ela é direito natural, dádiva divina, e
não obra humana. Ela não pode ser reduzida a uma mercadoria e a um bem particular.
Não basta considerar a água como um fato físico, biológico, jurídico, econômico e cultural. É preciso ter
em conta que a água dá vida à terra e pede do ser humano cuidado, solidariedade e responsabilidade.
A água, dom insubstituível e vital, atualmente está ameaçada.
A visão bíblica e espiritual revela: a vida brotou das águas. Biótica em si mesma, a água é o fundamento
de todas as formas de vida e não pode ser substituída por outro elemento.
A água pertence ao equilíbrio global do sistema Terra, já que grande parte do planeta é composta de
água. A água dos rios, lagos, oceanos e as subterrâneas são, em grande parte, responsáveis pela harmonização da Terra com o sistema solar global.
O desequilíbrio com relação às águas é um dos componentes de desequilíbrio da Terra.
Mas a água é mais que isso. Ligada à vida, ela representa um valor antropológico e simbólico, captado
pela inteligência emocional e espiritual. Vem carregada de significações ligadas às nossas experiências
pessoais e coletivas: água fresca da fonte atrás da casa, água da chuva, da cascata, das enchentes, água de
março, sinalizando o fim do verão, água benfazeja, após dura seca do sertão, água batismal, água que
purifica, fonte de água viva... “Ontem à noite quando dormia, sonhei, bendita ilusão!,
que uma fonte fluía dentro de meu coração.
Diga, por qual canal escondido, água, vens até mim,
manancial de nova vida onde nunca bebi?” (Antonio Machado)
A água significa a ressurreição da Terra, verdor, fecundidade, vitalidade. Está cheia de ressonâncias que
falam ao profundo do ser humano. Essa água é dom da natureza, é celebração da vida.
Ela pede cuidado, reverência, responsabilidade para continuar a ser o que é.
Textos bíblicos: Gen. 1 Ez. 47,1-12
Jo. 7, 37-39
Na oração: “Águas, mesmo assim, cheias de alguma vida. Pois seu Criador é ainda conosco.
Benditas sois vós entre as maravilhas poluídas da Terra. Bendito é este fruto que resiste, em vosso
ventre. Santas águas, mães de vida! Rogai por nós, pecadores ambientais.
Agora e na hora de nossa morte ignorante. Amemo-nos mais!”
FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana
Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050
[email protected] / www.ceijesuitas.org.br
Download

ÁGUA: um dom, uma responsabilidade