1 Trabalho enquanto categoria fundante na existência humana e atual fase de reestruturação produtiva do Capital Marcio Lima Camargo (Cáritas Brasileira - MG)*1 Resumo Este artigo tem como objetivo estabelecer reflexões entre os sentidos e a centralidade do trabalho na contemporaneidade. Busca perceber através de contribuições teóricas marxistas, os valores fundamentais do trabalho, enquanto categoria fundante do ser social, capaz de explicar na atual fase do modo de produção capitalista as relações sociais de produção, alem de ser a categoria capaz de romper com a lógica de dominação do capital sobre o trabalho. Palavras chaves: Sentidos do trabalho, trabalho concreto, trabalho abstrato, reestruturação produtiva, centralidade do trabalho. Introdução Neste momento histórico, o trabalho permanece como tema central na atual fase dos modos de produção capitalista. Em um contexto de reestruturação produtiva do capital, este artigo provoca a compreensão desse conceito e de suas implicações e transformações no mundo do trabalho. Os debates em torno das mudanças buscam explicitar os argumentos daqueles que defendem que as mudanças ocorridas nas forças produtivas e conseqüentemente, nas 1 *Eng° Agrônomo, especialista [email protected] em Economia e Desenvolvimento Agrário pela UFES/ENFF. 2 relações de produção apontam para alterações que, no limite estão levando ao fim da centralidade do trabalho. Apesar das considerações acerca das mutações do mundo do trabalho que apontam para o fim da centralidade do mesmo e para um novo paradigma. Apresentaremos alguns argumentos que, sem deixar de reconhecer o impacto das mudanças ora em curso, como a reestruturação produtiva do capital. O trabalho permanece como velha forma de experiência humana que se renova em permanência, interpela também nossos modos de compreender e agir sobre o mundo. O debate da centralidade do trabalho nos coloca o desafio de visualizar melhor as contradições atuais nos modos de produção capitalista, compreendendo que apesar da diminuição quantitativa dos trabalhadores no centro produtivo do capita. O trabalho permanece como categoria central na criação de valor nos modos de produção capitalista, e categoria fundante para compreender e explicar as relações sociais de produção na sociedade contemporânea. Trabalho enquanto ontologia do ser social O trabalho como central na ontologia2 do ser social, nunca deixou de ser realizado, por homens e mulheres, ao longo da historia. O trabalho assume uma centralidade fundante do ser social e no conjunto de atividades intelectuais e manuais organizadas pela espécie humana e aplicada sobre a natureza, visando assegurar sua existência. Para Marx (1844), os homens, para existirem, devem ser capazes de se reproduzirem enquanto seres humanos; forma específica desta reprodução é dada por uma peculiar relação dos seres humanos com a natureza através do trabalho. A categoria do trabalho emerge, desta forma, como categoria central do ser social. A partir da descoberta do trabalho como categoria fundante, declara nos “Manuscritos Econômicos Filosóficos”. Marx faz a descoberta que o diferenciará dos clássicos em sua análise sobre o modo de produção de vida e a forma e o conteúdo do 2 Ontologia é o estudo do ser, as grandes concepções de história. Diz-nos como em cada momento histórico a humanidade sistematizou a si própria e ao ser humano deste tempo. É a parte da filosofia que trata da natureza do ser, da realidade, da existência. A antologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. 3 capital contra e sobre o trabalho: centrar o trabalho como categoria fundante, a partir da constatação de que a determinação do desenvolvimento humano não é só o processo de conhecimento, mas sim a vida social do contexto em que ela emerge. È a vida social, o meio, o que determina o ser e não a idéia do ser sobre o meio. O que Marx (1844) nos diz tem haver com o sentido mesmo do humano como ser social, que transforma a natureza, e a partir desta transformação desenvolve um processo de aprendizagem de seus limites e suas potencialidades enquanto ser. Caso não seja assim, o ser humano não existe enquanto ser social, diferente dos demais seres. O conceito de trabalho em Marx não se limita no conceito econômico cotidiano do trabalho como meramente ocupação ou tarefa. E sim como categoria central nas relações sociais, nas relações dos homens com a natureza e com outros homens por que esta é sua atividade vital. Isto quer dizer que, se o caráter de uma espécie define-se pelo tipo de atividade que ela exerce para produzir ou reproduzir a vida, esta atividade vital, essencial nos homens, é o trabalho. Conforme sustenta Lukács o que distingue o trabalho de todas as demais atividades humanas é a sua função social: o trabalho realiza o intercâmbio orgânico com a natureza sem o qual não há qualquer reprodução social possível. Ancorado nas concepções da dialética do concreto de Marx, Lukács reforça que sem o trabalho o ser humano não poderia existir socialmente. Ao mesmo tempo em que o ser humano transforma a natureza, diante do trabalho, vai transformando sua própria natureza. Neste processo transforma o trabalho social em um fator fundamental para a sociabilidade humana. Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, vida humana. (MARX, 2008, p.218) Desta forma é a partir do trabalho que o ser humano, ser social se diferencia de outras formas pré-humanas na historia. Somos dotados de consciência, temos a possibilidade de planejar antes de dar forma ao objeto. Esta é a razão de o trabalho ser a categoria ontológica central para o mundo dos seres humanos, tanto em Marx quanto em Lukács, sem a transformação da natureza não há qualquer reprodução social, toda a 4 organização social, todas as práxis3 surgem, direta ou indiretamente, das novas necessidades incessantemente produzidas pela história para a continuidade de tal transformação. Trabalho social no modo de produção capitalista Porém, o modo de produção capitalista transforma o trabalho concreto “social” em trabalho abstrato “assalariado”: Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um determinado fim, e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz valores de uso (...). De um lado, tem-se o caráter útil do trabalho, relação de intercambio entre os homens e a natureza, condição para a produção de coisas socialmente uteis e necessárias. É o momento em que se efetiva o trabalho concreto, o trabalho em sua dimensão qualitativa. Deixando de lado, o caráter útil do trabalho, sua dimensão concreta, resta-lhe apenas ser dispêndio de força humana produtiva, física ou intelectual, socialmente determinada. Aqui aflora sua dimensão abstrata, onde desvanecem-se as diferentes formas de trabalho concreto e onde elas não distinguem uma das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (Marx, 1975, p. 45-54) Um olhar para o trabalho nas tramas das relações sociais permite-nos perceber que o trabalho contém duas dimensões: uma construtora, emancipadora, outra alienante, opressora, conforme afirma Aranha e Dias (2009, p. 116): ... O trabalho pode conter duas dimensões, dependendo das condições de sua realização. Uma primeira dimensão construtora, emancipadora. É o trabalho concreto de Marx, voltado para a satisfação das necessidades humanas, contribuindo para a realização do indivíduo enquanto criador e transformador do seu meio. (...) outra dimensão alienante, opressora. Nas condições de existência 3 Para melhor compreensão de seu significado, tomemos como referência a definição de práxis de acordo com Konder (2002, p. 115): “A práxis é atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais conseqüente, precisa da reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática. (...) A práxis é atividade que, para se tornar mais humana precisa ser realizada por um sujeito mais livre e mais consciente. Quer dizer: é a atividade que precisa de teoria.” Tal afirmação nos mostra que a práxis não significa o desenvolvimento da prática por si só, e nem se limita ao estudo da teoria sobre a prática, mas implica o desenvolvimento de ação prática e material, a qual prescinde da teoria, e esta por sua vez, busca na própria ação e realidade social seu ponto de partida. 5 da propriedade privada, o trabalhador não tem condições de interferir sobre os objetivos e produtos do seu trabalho, e até mesmo de dominar o próprio processo de produção. As autoras nos atenta para a necessidade de olharmos para o trabalho a partir de suas dimensões abstrata e concreta. Se nos atemos ao trabalho em seu sentido abstrato, corremos o risco de ficar na denúncia, e de enxergar o trabalho somente como produtor de mercadoria, o que nos impede de olharmos para os sujeitos concretos em seus processos de trabalho. Por outro lado, ao olharmos para o trabalho apenas no seu sentido concreto, corremos o risco de idealizá-lo e não enxergarmos as possibilidades da superação de sua forma alienada. O que tínhamos enquanto finalidade humana se transforma em meio de subsistência. O trabalho se transforma, assim como os demais bens produzidos pela sua destreza, habilidade, capacidade de relação com o meio como ser social em uma mercadoria, esta mercadoria especial, produtora de todas as demais, geradora de valor, trará uma complexidade á concepção do trabalho e seu sentido, dado que tirará do ser, aquilo que ele próprio produziu. Marx em seu livro mais denso, O Capital, procura então explicar como funciona mesmo o processo de geração de riqueza, de valor pelo trabalho vivo, que transforma o trabalho morto existente nas matérias-primas, nas ferramentas, nas máquinas. Aqui, ele procura explicar então a verdadeira teoria do valor. A que explica definitivamente as relações essenciais de produção na sociedade capitalista. Ocorre que, na sociedade capitalista, o trabalho (atividade vital, essencial) é explorado (comprado por um preço sempre menor do que produz) definindo, assim, um processo de alienação (expropriação da atividade essencial em sua plenitude). Se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a possibilidade de realização plena do homem enquanto tal (humanização), a exploração do trabalho determina um processo inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho, os homens tornam-se menos homens, há uma quebra na possibilidade de, pelo trabalho, promover a humanização dos homens. O trabalho assalariado livre é a falsa aparência de que o trabalhador tem o domínio sobre si mesmo e sobre o que produz, quando em realidade está ainda mais condicionado ás amarras que o tornam escravos do capital e do modo de produção de vida na sua fase mais desenvolvida: o trabalho assalariado. (TRASPADINE, 2008, p. 11) 6 A mercantilização das relações sociais e da vida fará com que a venda da força de trabalho, seja capaz de gerar, produzir e ampliar a riqueza capitalista produzidas para o proprietário privado dos fatores e meios de produção. O trabalho como atividade vital para o próprio ser se torna trabalho alienado, expressão de uma relação social fundada na propriedade privada, na produção de mercadorias para o mercado, na diferenciação entre proprietários e não proprietários e, na consolidação de uma nova “consciência” de indivíduos e de trabalhadores. Alienado frente ao produto do seu trabalho e frente ao próprio ato de produção da vida material, o ser social torna-se um ser estranho frente a ele mesmo: o homem estranha-se em relação ao próprio homem, tornando-se estranho em relação ao gênero humano, como também nos mostrou Marx. (ANTUNES, 2004, p. 09). Como o fenômeno do estranhamento é historicamente determinado pelas relações sociais de produção, o mundo da produção mantém uma enorme distância entre o produtor e o resultado do seu trabalho, o produto aparece como algo estranho, uma coisa. Este estranhamento aparece não só na produção propriamente dita, mais no próprio processo laborativo. Ou seja, este estranhamento atingiu a esfera da vida e do consumo, fazendo do trabalhador refém do sistema produtor de mercadorias, mesmo quando não está produzindo mercadorias. No capitalismo, independente das formas organizativas que adquire - fordismo/taylorismo, toyotismo e outros. O fenômeno do estranhamento estará sempre presente. Enquanto existir um sistema aonde se privilegia a produção de mercadorias em detrimento da classe trabalhadora, o antagonismo entre capital-trabalho permanecerá. O trabalho na fase da reestruturação produtiva pós 2° Guerra Mundial Desta forma, temos que ter a compreensão do que esta acontecendo de fato nessa atual fase de reestruturação produtiva do capital que é a concentração de grandes empresas e integração de grandes corporações monopolistas. A priorização da produção de mercadorias e a valorização do capital a qualquer custo têm um reflexo direto na atual fase de reestruturação produtiva, conjuntamente com 7 as saídas das crises nos últimos anos. Esta lógica tem possibilitado mutações no mundo do trabalho, acarretando uma maior precarização nas relações de trabalho. Dessa maneira, um aspecto fundamental para nossa analise, é compreender a longa onda recessiva que ocorreu na década de 1960 e 1970, que determinou um novo padrão de acumulação do capital, provocando transformações que atingiram a totalidade das relações sociais de produção. No qual a principal lógica adotada era a qualquer custo diminuir a queda na taxa de lucro e elaborar formas mais renovadas para a exploração do trabalho. Esse contexto acabaria marcando o mundo do trabalho, pois ocorreram grandes transformações. Era necessário construir um novo padrão de acumulação capaz de deter a queda na taxa de lucro, por tanto um novo regime de sociedade que conferisse suporte político a acumulação. A lógica de produção em massa e consumo massificado do modelo fordista/taylorista não respondia as necessidades de aumento na taxa de lucro. O toyotismo, modelo originário do Japão, no pós-guerra constituiu-se como um modelo eficiente para a superação da crise enfrentada. Pois seus produtos eram mais competitivos, adaptando melhor as crises de demanda em virtude do seu estoque mínimo, relações de trabalho flexível, máquinas simples e trabalho em equipe. Diante dessa reorganização emergem novos processos de produção que se misturam o taylorismo/fordismo e o toyotismo, de forma simplificada podemos dizer que o taylorismo/fordismo se baseia pela produção em serie, padronizando os produtos em um tempo determinado com uma integração verticalizada, dividida em postos de comando com uma intensa divisão entre trabalho manual e intelectual, uma especialização dos trabalhadores e uma concentração das unidades fabris. Já o toyotismo tem como principio organizativo a externalização e horizontalização da produção, com a lógica do estoque mínimo de acordo com a demanda, utilizando de trabalhadores multifuncionais e utilização de empresas terceirizadas no processo de produção. O resultado, portanto, do avanço destas frentes de mudanças, depende totalmente do contexto nacional e mesmo local onde se desenvolve. Longe de ser algo homogêneo, a reestruturação produtiva tem avançado em formas diferenciadas em sua expansão das economias centrais aos países capitalistas periféricos, adaptando-se e mostrando-se bastante distintas não apenas entre regiões, setores econômicos e ramos de produção, como também entre empresas dentro de uma mesma cadeia produtiva, seja nas relações que estabelecem entre si enquanto clientes e fornecedoras, seja no âmbito da organização do trabalho no interior de suas plantas (PINTO, 2007, p, 100). 8 No que se refere ao mundo do trabalho, a acumulação flexível, decorrem, portanto novas formas de organização do trabalho. O sistema Toyota de produção elimina grande contingente de trabalhadores, sobrecarregando os restantes, tornando precárias as relações sociais de produção intensificando o trabalho, responsabilizando o trabalhador em equipe pelo andamento do processo produtivo. O toyotismo, sem duvida, aumentou a produtividade sem aumentar o numero de trabalhadores, constituindo um grande salto no lucro das empresas. Porem, a burguesia em termos mundiais não realizou uma ruptura absoluta com o fordismo/taylorismo, ela na verdade, combinou estes modelos, convivendo com ambos, sempre na perspectiva de economizar força de trabalho. Tendo a flexibilização como mecanismo central deste complexo, possibilitando dentre diversificados mecanismos, a imposição do trabalho em tempo parcial e temporário, flexibilizando assim os salários. As teses contra e a favor da centralidade do trabalho Atualmente o debate da centralidade da categoria trabalho no mundo contemporâneo, juntamente com as modificações das relações de trabalho teriam, segundo algumas teses, levado o trabalho a perder a característica de estruturação das relações sociais. Tais teses centram-se na substituição da sociedade do trabalho pela sociedade do conhecimento e no aumento do tempo livre. Nas ultimas décadas, a negação da centralidade do trabalho enquanto força social capaz de instituir uma alternativa hegemônica para a ordem estabelecida. E a afirmação da substituição do trabalho pela ciência como principal força produtiva, está sendo debatida por alguns autores como André Gorz (1980) no livro: “Adeus ao proletariado e a utopia de uma sociedade do tempo Livre”, e Clauss Offe quando afirma que: O trabalho remunerado formal perdeu sua qualidade subjetiva de centro organizador das atividades humanas de auto-estima e das referencias sociais assim como orientações morais (Offe, 1984, p.7). Estes autores trazem o debate das mudanças referentes ao mundo do trabalho e as alterações ocorridas nas forças produtivas e conseqüentemente, nas relações de produção. Argumentam que estas transformações estão levando ao fim da centralidade do trabalho como atividade ordenadora e fundadora de identidade coletiva, ou seja, perda deste 9 enquanto categoria constituinte e constituidora dos modos de agir, sentir, pensar e organizar. Tais autores argumentam que a emergência de novas tecnologias da informação e da comunicação, introduzidas por meio da revolução da microeletrônica e da informática, levam a uma desvalorização do trabalho como ponto organizador das relações sociais, acarretando na centralidade do que se denomina sociedade do conhecimento e da informação para a compreensão dos fenômenos atuais. Tal revolução microeletrônica inaugura uma nova ordem, cujas as conseqüências mais viáveis e o aumento do desemprego de natureza tecnológica. Essa nova classe que vive a vulnerabilidade do presente não possui nenhuma concepção de sociedade futura; não pode ser definida, como autrora fizera Marx, a partir de sua inserção no processo social de produção, posto que o trabalho para Gorz não é mais a atividade principal. Para Gorz, existe uma substituição crescente e continua da velha classe operaria por uma nova classe que ele denomina de uma não classe de trabalhadores, compostas pelas pessoas que foram expulsas do mercado formal assalariado, desempregados, trabalhadores em tempo parcial e temporários, pelo incremento do processo de automação e informatização. Assim, a não classe de trabalhadores, ao contrario do proletariado tradicional, tem emprego como atividade provisória, acidental e contingente (GORZ, 1982, p. 89). Para Gorz e Offe, a utopia da sociedade do trabalho teria chegado ao fim. O aumento do desemprego impossibilita o trabalho de continuar como categoria capaz de sustentar a estabilidade e a segurança, bem como de se manter como fiel da balança da cidadania e de balizador de identidade coletivas. Devido à crescente racionalidade, avanços técnicos e divisão do trabalho, Gorz sustenta que os trabalhadores são impedidos de encontrar no trabalho uma atividade cheia de significado. Por isso, ele defende também a redução do tempo de trabalho, para que o trabalhador possa encontrar na totalidade da vida o desenvolvimento de suas habilidades culturais e cognitivas não mais, encontradas no mundo do trabalho. Trabalhando menos, os trabalhadores poderão encontrar, fora do local de trabalho, novos espaços para socialização. Gorz constrói uma utopia de sociedade do tempo livre, posto que a possibilidade de redução do tempo de trabalho de forma substantiva permitirá transformar o trabalho em mais uma atividade, e não a atividade. Salienta que a redução do tempo de trabalho deve 10 ser considerada como um fim para reduzir as desigualdades sociais. O objetivo, portanto, é que a redistribuição do trabalho socialmente necessário seja benéfica para todos. Clauss Offe descreve, com a atenção para o espetacular crescimento do setor de serviço, portanto, o setor de serviços como sendo constituído por uma racionalidade especifica que distingue do setor industrial. Essa distinção entre racionalidade apontada por Offe implica uma maior diferenciação interna da coletividade dos trabalhadores assalariado. Dessa forma, segundo o autor: A diferenciação interna e continua da coletividade dos trabalhadores assalariados, assim como a erosão dos alicerces culturais e políticos de uma identidade coletiva centrada no trabalho, ampliaram esses dilemas das formas trabalho assalariado ou da dependência com relação ao salário não serem mais o foco de intenção coletiva e de divisão social e política (Offe, 1989, p. 177). O crescimento do setor de serviço, o declínio da participação dos trabalhadores do setor industrial, o desemprego, a expansão do emprego parcial, a crise do estado de bem estar social e a fragmentação da sociedade salarial, sugere, para Offe, o declínio da ética do trabalho, haja vista que o trabalho ocupa cada vez menos espaço como continuidade biográfica, tornando na maioria dos casos uma excepcionalidade. Para Offe esta claro que cada vez mais a produção de bens e serviços ocorre fora da estrutura institucional do trabalho assalariado formal e contratual. Alem disso o autor também aponta para a ampliação do tempo livre, não como um aspecto fenomênico conjuntural, mas como uma tendência que tende a se confirmar. Há uma visível diminuição do tempo de trabalho na totalidade das vidas das pessoas, cedendo lugar para outras experiências que se colocaram para alem do trabalho, em virtude do aumento do tempo livre. Estes autores, a partir de sua intencionalidade de tornar a aparência única verdade, criando formas e mecanismos de ocultar a essência, também afirmam que os empregos na atual fase do capitalismo-imperialista4 serão mais intelectualizados e menos braçais, como conseqüência uma crescente diminuição dos trabalhadores na produção de mercadorias. A acumulação de riquezas juntamente com os avanços dos modos de produção vai privilegiando o conhecimento e a criatividade. 4 O tema do imperialismo surge como tema, na virada do século XIX para o XX, e desemboca na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O tema é retomado na Segunda Guerra Mundial (1940-1945). O mais importante texto sobre este tema é o de Lênin. Imperialismo – fase superior do capitalismo, escrito em 1916. 11 O que se observa na construção teórica destes autores é a diminuição da importância do entendimento de uma sociedade dividida em classes. Os autores apontam a existência de um processo de diminuição da divisão social do trabalho fruto de dois grandes fatos motivadores: primeiro, o trabalho não é mais central na organização societária; segundo, o mesmo foi substituído pela compreensão de uma nova centralidade, a da sociedade do conhecimento ou da própria tecnologia que o encarna. Portanto, o que se deve construir enquanto categoria explicativa da realidade são os serviços, não mais o trabalho e sua divisão. (RODRIGUES, s/d, p.1). Em contraposição autores como Ricardo Antunes (2009), no livro: “Os sentidos do Trabalho”, José Henrique Organista (2006) “O debate sobre a centralidade do trabalho”, reafirmam e revigoram na contemporaneidade o tema trabalho como categoria fundante do ser social. Sem deixar de reconhecer o impacto das mudanças ora em curso, consideram que estamos diante de uma maior complexidade, heterogeneização e fragmentação dessa categoria e que, a despeito disso, o trabalho permanece como categoria fundamental para compreender a sociedade contemporânea. Ontologicamente prisioneira do solo material estruturado pelo capital, a ciência não poderia tornar-se a sua principal força produtiva. Ela interage com o trabalho, na necessidade preponderante de participar do processo de valorização do capital. Não sobrepõe ao valor, mas é parte intrínseca de seu mecanismo. Essas interpretações entre atividades laborativas e ciências associa e articula a potencia constituinte do trabalho vivo a potencia constitutiva do conhecimento tecno-científico na produção de valores (materiais ou imateriais). O saber científico e o saber laborativo mesclam-se mais diretamente no mundo produtivo contemporâneo sem que o primeiro” faça cair por terra” o segundo. Varias experiências, das quais o projeto saturno da General Motors é exemplar, fracassaram quando procuraram automatizar o processo produtivo minimizando e desconsiderando o trabalho. As maquinas inteligentes não podem substituir os trabalhadores (ANTUNES, 2009, p. 123). Mesmo reconhecendo as mutações do mundo do trabalho, o acirramento das questões sociais e as transformações presenciadas nos países do centro e da periferia do capital, é imprescindível atentarmos para, apesar da fragmentação e da complexificação do mundo do trabalho, mesmo com a diminuição quantitativa do trabalho vivo e aumento do trabalho morto de forma quantitativa a forma de assalariamento continua predominante no mundo do trabalho. Utilizando outras roupagens, como, terceirização e contratação direta de autônomos. Assim esta afirmação que o trabalho enquanto categoria perdeu seu valor na sociedade contemporânea é uma analise aparente do fenômeno. Como vimos, a assimilação entre trabalho e emprego fez com que alguns autores vaticinassem o fim da sociedade do trabalho. Ora, uma sociedade sem trabalho como ressaltou Kurz, não poderia existir, salvo nos contos de alice no pais das 12 maravilhas. Da mesma maneira, se o fim do trabalho que esses autores propugnam é o trabalho abstrato, aquele historicamente datado, eles estão, no limite, afirmando o fim do sistema produtor de mercadorias: o capitalismo (ORGANISTA, 2006, p. 172). Estes autores reduzem emprego ao trabalho: por isso sua dificuldade em apreender que apesar do desemprego em massa, o trabalho continua como valor central nas vidas das pessoas, seja pelo caráter moral, seja para suprir as necessidades físicas essenciais, bem como persiste a exigência do trabalho na valorização do capital. Reconhecer a mundialização do capital e as mudanças no mundo do trabalho nos colocam o desafio de não ficar simplesmente na aparência do fenômeno e sim buscar na essência suas ligações, compreendendo a dupla dimensão da categoria trabalho no capitalismo: trabalho concreto e trabalho abstrato como discute Antunes (2000). Assim, ainda que presenciando uma redução quantitativa (com repercussões qualitativas) no mundo produtivo, o trabalho abstrato cumpre um papel decisivo na criação de valor-de-troca. As mercadorias geradas no mundo do capital resultam da atividade (manual e/ou intelectual) que decorre do trabalho humano em interação com os meios de produção” (ANTUNES, 2004, p.83). Em uma sociedade produtora de mercadorias, o trabalho concreto é subordinado ao trabalho abstrato. Tanto Gorz quanto Offe se confundem e não conseguem distinguir e qualificar qual trabalho eles estão falando. Afirmam a crise do mundo do trabalho sem perceber esta distinção entre trabalho concreto e trabalho abstrato. Nesse sentido é relevante estar atento na distinção do trabalho concreto e trabalho abstrato. O trabalho abstrato pode ser eliminado com o fim dos modos de produção capitalista, porem o trabalho concreto é uma ação histórica produtora de coisas socialmente úteis. A revolução de nossos dias é, desse modo, uma revolução no e do trabalho. É uma revolução no trabalho na medida em que deve necessariamente abolir o trabalho abstrato, o trabalho assalariado, a condição de sujeito-mercadoria, e instaurar uma sociedade fundada na auto-atividade humana, no trabalho concreto que gera coisas socialmente uteis, no trabalho emancipado. Mas é também uma revolução do trabalho, uma vez que encontra no amplo leque de indivíduos (homens e mulheres) que compreendem a classe trabalhadora, o sujeito coletivo capaz de impulsionar ações dotadas de um sentido emancipador (ANTUNES, 1999, p. 96). 13 Considerações finais No capitalismo, as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora são atingidas de forma intensa e destrutiva, em que a propriedade privada dos meios de produção determina a intensidade e o ritimo acelerado do trabalho, bem como o aumento da sua jornada. Mesmo com a atual fase de reestruturação do capital, o principal fundamento ontológico do trabalho segue sendo historicamente o mesmo. A máxima de que todo ser vivo tem de transformar a natureza para sobreviver e para que seja capaz de transformar a natureza tem que estabelecer um intercâmbio entre a natureza. E neste processo, ao transformar a natureza, transforma a si mesmo. O que verifica na sociedade contemporânea é que o capital trouxe velhas formas de produzir com novas roupagens. Isso não significa que o capital prescinda do trabalho vivo; longe disso, ele, ao fragmentar, exteriorizar e precarizar as relações de trabalho, têm se utilizado do trabalho vivo e incrementado a articulação entre mais-valia absoluta e maisvalia relativa. Dessa forma as modificações no mundo do trabalho não significam transformações profundas nas relações sociais de produção. O trabalho permanece como categoria central de analise da materialidade histórica dos homens por que é a forma mais simples, mais objetiva, que eles desenvolveram para se organizarem em sociedade. A base das relações sociais são as relações sociais de produção, as formas organizativas do trabalho. Recuperar o sentido do trabalho criativo como instrumento eminentemente humano, como um processo de construção coletiva do sujeito social. Como ruptura com a propriedade privada, da socialização tanto dos meios de produção, como dos bens produzidos, rompendo a alienação e a perspectiva individual do lucro, permanece como central no debate contemporâneo. Recolocar a tese da categoria trabalho como central na formação societal, desconstruindo a teoria que foi realizada nos últimos anos negando a centralidade do trabalho, como a substituição do trabalho pela ciência, a mercadoria pela esfera comunicacional, da produção pela informação, segue sendo um debate permanente. Por estes motivos, apontam-se a importância de colocar este debate da centralidade do trabalho para a classe trabalhadora, o desafio de ter uma analise mais aproximada do 14 que venha a ser esta nova fase de reestruturação produtiva do capital. Temos que aprofundar e explorar as novas formas de interpenetração existentes entre atividades fabris e de serviços. O debate da centralidade do trabalho continua sendo o debate do nosso tempo, não se difere em conteúdo do que nos foi colocado nos últimos séculos da historia humana, no modo de produção capitalista. Como romper com a subordinação hierárquica do capital sobre o trabalho? Este enfretamento é impensável sem termos a clareza e a firmeza de que mesmo com a reestruturação produtiva do capital o trabalho segue sendo central na produção de valor e como categoria fundante do ser, bem como capaz de explicar as relações sociais. Referências Bibliográficas ANTUNES, Ricardo. A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. 1° ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. _______. Adeus ao trabalho: ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. Campinas: Cortez,1999. _______. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2° ed. São Paulo: Boitempo, 2009. ARANHA, Antônia Vitória. Soares; DIAS, Deise Soares. 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