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A COMPREENSÃO DO SENTIDO EM LIVROS DIDÁTICOS PARA O ENSINO MÉDIO
Christiê Duarte Linhares11
Kellen Fabiane Chaves Ferreira22
1 Introdução
A leitura desempenha um papel importante para a formação intelectual do indivíduo, no
entanto, mesmo com a existência de teorias linguísticas sobre texto e discurso, que podem apoiar
o professor no ensino da compreensão do sentido produzido pelo uso da língua, sabe-se que há
uma quase ausência de estudos linguísticos consistentes sobre textos em sala de aula.
Observando que o livro didático é o material de apoio mais usado pelos professores e
sabendo da necessidade de compreender como esse material desenvolve o trabalho com textos,
está sendo desenvolvido um projeto no Núcleo de Estudos do Discurso da PUCRS, em que é feita
uma proposta de análise linguística, fundamentada na Semântica Linguística, criada por Oswald
Ducrot, de modo a complementar as questões apresentadas nos livros didáticos para o ensino
médio.
Visando obter uma melhor apreensão do sentido construído pela linguagem no texto,
sente-se a necessidade de trabalhar com uma teoria que focalize o uso da língua. A Teoria da
Argumentação na Língua (TAL) se ocupa da produção do sentido pelo linguístico e por isso ela
servirá aqui, neste trabalho, como base para uma nova proposta de leitura.
2 Algumas considerações sobre Leitura e Livro Didático
Um dos maiores desafios que a escola possui hoje é ensinar o aluno a ler bem. A leitura
ainda é um processo cotidiano que está na vida de cada indivíduo e que implica, ao mesmo
tempo, competência formal, política e de autonomia pelo aluno. Entretanto, a sociedade só
reconhece a falta da leitura, quando percebe que muitas pessoas, na maior parte das vezes, não
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.
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entendem o que lêem. Por isso, é necessário que a escola recupere o caráter natural da leitura, há
muito tempo perdido.
Mas para que a leitura se transforme em hábito, não deve ser imposta, mas proposta
através de ensino produtivo. A prática deve levar o aluno a desenvolver competências próprias
realizando-se como sujeito ativo, crítico e participativo. Além disso, ler significa compreender, e
não apenas decifrar códigos.
É com o objetivo de fazer com que os alunos cheguem à compreensão de textos, que a
escola deve agir. No entanto, o que se percebe é um trabalho deficiente de tentar fazer dos alunos
bons leitores, o que, infelizmente, não ocorre. E a leitura de textos proposta pelas escolas, passa a
ser um pretexto para ensinar gramática. Dessa maneira, não há contribuição para a reflexão e pela
busca de sentido do texto pelo aluno.
Tendo em vista que o livro didático tornou-se um instrumento pedagógico que possibilita
o processo de intelectualização e contribui para a formação social e política do indivíduo, faz-se
aqui uma análise de como a leitura é trabalhada através dele. O livro instrui, informa, diverte,
mas, acima de tudo, ensina. Além disso, o livro didático é um instrumento importante no ensino
aprendizagem, mas o problema está no uso inadequado que se faz dele, principalmente, nas
questões de interpretação de textos. Visto que, para haver uma boa leitura, as questões devem ser
muito bem formuladas, levando o aluno a refletir sobre as mesmas, não simplesmente repetir as
ideias ou frases do autor.
Sendo assim, observa-se a ausência de um trabalho, nos livros didáticos de língua
portuguesa, que contribua para a leitura, de forma que o aluno possa compreender o sentido
construído pela linguagem no texto.
Dessa forma, a TAL é vista, aqui, como um modo de auxiliar o professor na elaboração
das perguntas sobre compreensão leitora nos livros didáticos de ensino médio. A Teoria da
Argumentação na Língua, de Oswald Ducrot e Jean Claude Ascombre, que se desenvolve desde
1983, é uma teoria estruturalista, para a qual o sentido é construído na e pela língua.
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3 Sobre a Teoria da Argumentação na Língua (TAL)
A TAL é considerada uma teoria estruturalista por se aproximar da ideia de Ferdinand
Saussurre, que diz que a língua é a categoria de fenômenos que se manifesta diretamente e de
modo puro e que a fala se refere a fenômenos explicáveis somente de um modo indireto, sendo
sempre individual (SAUSSURE, 2000). Ducrot vai mais além, dizendo que o sentido se constrói
pela articulação desses dois elementos (língua/fala) e se verifica entre o uso das palavras e das
frases do enunciado. A Tal busca analisar a argumentação contida na lingua, percebendo o
sentido na e pela linguagem.
Segundo Delanoy (2008), na TAL, o signo é a frase, abstrata, dotada de significação –
conjunto de instruções abertas (não pré-existentes) que dependem do enunciado para chegar ao
sentido. À concretização da frase denomina-se enunciado, que tem como valor semântico o
sentido. A um conjunto de enunciados articulados é dado o nome de discurso, entidade
observável de nível complexo.
A frase contém em si a significação, que é um conjunto de instruções que, numa dada
situação de enunciação, conduz à construção do sentido do enunciado. Para isso, é preciso levar
em conta a situação da enunciação, o uso. Assim, para Ducrot, a língua é constituída em relação à
fala, mantendo o princípio estruturalista de que o significado de uma expressão reside nas
relações dessa expressão com outras expressões de uma mesma língua.
Ducrot (1988), contesta a ideia da unicidade do sujeito falante, afirmando que o autor de
um enunciado coloca em cena várias vozes, ou seja, diversos pontos de vista. Com isso aparecem
três conceitos: o de sujeito empírico – o produtor efetivo do enunciado, do qual a teoria não se
ocupa, o de locutor – o que possui marcas no enunciado, como de primeira pessoa ou marcas
como aqui, agora, e o de enunciadores – pontos de perspectiva com os quais o locutor se
relaciona. As relações entre o locutor e o alocutário e entre o locutor e outros discursos levam a
ideia de polifonia, que explica como ocorre a vinculação do locutor com os enunciadores, como
se reconhecem os pontos de vista apresentados pelo locutor.
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Entende-se que a enunciação é um acontecimento que tem origem no aparecimento de um
enunciado, feito por um eu (locutor), distinto do sujeito empírico do enunciado, ou seja, o autor,
referindo-se a um tu (interlocutor ou alocutário).
Esse enunciado é constituído de significação, que é um conjunto de instruções dadas para
construir um conteúdo a partir da enunciação.
A TAL conta com três fases no seu desenvolvimento: a primeira é a forma standard
(1983), a segunda forma é a que compreende a Teoria dos topoi e a Teoria Polifônica da
Enunciação (1988) e a terceira, é a forma da Teoria dos Blocos Semânticos (TBS, 1992). Neste
trabalho focalizaremos a primeira e a segunda formas.
A TAL se caracteriza como enunciativa ao identificar um locutor produtor de discurso
para um interlocutor, sendo que, na relação locutor/alocutário, o locutor argumenta em relação ao
que está sendo dito. A construção da argumentação se realiza pela enunciação do locutor, com a
observação de um ponto de vista do locutor em seu discurso. Dessa forma, o sentido de um
enunciado é constituído por pontos de vista, e a origem dos pontos de vista são os enunciadores.
Para Ducrot (2005), a argumentação está marcada na língua, ou seja, no interior das
palavras podemos encontrar o sentido do texto. A argumentação é construída nas frases através
de enunciados, constituídos de segmentos do tipo A conector B, ou seja, aporte + conector +
suporte. A linguagem é autorepresentativa, coloca a subjetividade do eu na interpretação. Da
argumentação deriva a informação, mas a função primeira da linguagem é argumentar. Assim,
argumentar é expressar um ponto de vista num discurso.
4 Metodologia
O trabalho está sendo desenvolvido em etapas, com a finalidade de criar um corpus de
perguntas sobre os textos dos livros didáticos do ensino médio através da teoria da
Argumentação, contribuindo para uma melhor compreensão do sentido construído pela
linguagem em uso.
Etapa 1: Análise das perguntas dos livros didáticos do ensino médio.
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Etapa 2: Comparação com a análise feita por Joseline Tatiana Both em sua dissertação de
mestrado “Por uma abordagem enunciativa de leitura no ensino fundamental: o livro didático”.
Etapa 3: Aplicação da Teoria da Argumentação da Língua aos textos dos livros didáticos
analisados.
Etapa 4: Elaboração de perguntas fundamentadas na TAL, usando os textos dos livros didáticos
do ensino médio.
5 Análises
Seguem, como exemplo, duas análises feitas no trabalho:
Texto 1:
Fonte: CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: Linguagens.
São Paulo: Atual, 1999.
Questões do Livro Didático
No 1º balão, Hagar diz que seu filho é “ afiado como uma lâmina”.
a) A que se refere Hagar com a palavra afiado?
b) Hagar a empregou no sentido denotativo ou conotativo?
c) Como o amigo de Hagar captou o sentido dessa palavra: denotativa ou conotativamente?
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Análise das questões:
•
Na questão a, o autor pergunta qual é o significado da palavra “afiado”, dentro do
linguístico, ou seja, usando o texto como captação de sentido. Mas não pergunta qual é o
sentido literal da palavra. Essas duas perguntas seriam fundamentais para que o aluno
possa, nas questões seguintes, estabelecer uma diferença entre sentido conotativo e
denotativo.
•
Nas questões b e c, o autor pergunta como Hagar empregou e como o amigo captou o
sentido da palavra “afiado”, conceituando-a como denotativa ou conotativa. Porém, o
autor poderia ter perguntado também como o aluno chegou a essa conclusão através da
argumentação vista pelo linguístico.
Texto 2:
PEREIRA, Helena Bonito; PELACHIN, Márcia Maisa. Português: na trama do texto. São Paulo:
FTD, 2004.
Questões do Livro Didático
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a) Em geral, a identificação do referente aparece no início do texto. É o que acontece nesse
texto? Explique sua resposta.
b) Que efeito de sentido se consegue com a construção caracterizada no item a?
Análise das questões:
•
Na questão a, o autor faz uma pergunta sobre o referente do texto fazendo uma
abordagem bastante superficial. Essa mesma pergunta poderia ser utilizada para abordar
também o sentido captado pelo aluno ao ler o texto, na identificação do referente.
•
Na questão b, o autor pretende trabalhar com o sentido do texto, retomando o referente.
Verificamos que essa pergunta poderia estar incluída na primeira questão, já que a
proposta do autor era identificar o referente.
5 Resultados
As análises feitas até o momento, demonstram que esses livros didáticos de nível médio
não levam o aluno a compreender o sentido construído pela linguagem e também não fazem com
que o aluno busque no texto as pistas linguísticas necessárias para chegar à compreensão. Além
disso, há ausência de relações nas questões entre o temático e o linguístico, que provocam a falta
de reflexão sobre o texto, induzindo o aluno a uma resposta padrão.
Sendo assim, com a aplicação da Teoria da Argumentação nas análises feitas em questões
propostas pelo livro didático, observamos uma maior contribuição para a compreensão do sentido
pelo linguístico.
6 Considerações Finais
Concluímos, até a presente etapa, que o livro didático, além de transferir os
conhecimentos orais à linguagem escrita, tornou-se um instrumento pedagógico que possibilita o
processo de intelectualização e contribui para a formação social e política do indivíduo. O livro
deve instruir, informar, divertir, mas, acima de tudo, ensinar. No entanto, observa-se a ausência
de um trabalho, no livro didático de língua portuguesa, que contribua para a leitura, de forma que
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o aluno possa compreender o sentido construído pela linguagem no texto. Assim, acreditamos
que a aplicação da TAL nas questões propostas pelo Livro Didático possa aprimorar a percepção
do sentido do texto pelo aluno.
Referências
BARBISAN, Leci Borges, Por uma abordagem argumentativa da linguagem. In: GIERING,
Maria Eduarda, TEXEIRA, Marlene. Investigando a linguagem em uso. São Leopoldo – RS:
Editora da Unissinos, 2004.
BOTH, Joseline Tatiana. Por uma abordagem enunciativa da leitura no ensino fundamental: o
livro didático. Dissertação de Mestrado de Letras – Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2008
CAREL, Marion, DUCROT, Oswald. La Semántica Argumentativa: una introducción a la teoría
de los bloques semánticos. Buenos Aires: Colihue, 2005.
DUCROT, Oswald. Polifonía y Argumentación. Cali: Universidad Del Valle, 1988.
______________ O dizer e o dito. Campinas. SP: Pontes, 1987.
_______________Pragmática e o estudo semântico da língua. Letras de Hoje, n° 139. Porto
alegre, 1997.
DELANOY, Cláudio Primo. O papel do leitor pela teoria da argumentação na língua.In: Letras
de Hoje, Porto Alegre, 2008.
ROJO, Roxane, BATISTA, Antônio Augusto Gomes(organizadores). Livro Didático de Língua
Portuguesa, Letramento e Cultura da Escrita. São Paulo: Mercado de Letras, 2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. 24 ed. SP: Cultrix, 2000. BALLY,
Charles; SECHEHAYE, Albert (Orgs).
SILVA, Ezequiel Theodoro da. A produção da leitura na escola: pesquisa x propostas. São
Paulo: Ática, 2005.
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