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Produtos cada vez mais descartáveis
Obsolescência das mercadorias vendidas no país em prazos a cada dia mais curtos
chama a atenção de instituições de defesa do consumidor. Faltam informações
sobre a durabilidade
Marinella Castro e Paula Takahashi
Publicação: 03/12/2012 04:00
Você já escutou em casa, no trabalho ou entre o grupo de amigos alguém comentar que antigamente os
produtos duravam mais? Tinham uma longevidade que passava por gerações? A TV que garantia diversão
na infância sobrevivia firme no seu papel até pelo menos a adolescência. A velha e boa máquina de lavar,
quem diria, chegava a durar mais de 20 anos. A vida curta e descarte acelerado de produtos não são uma
simples sensação entre os brasileiros. A questão está na pauta de órgãos de defesa do consumidor e do
meio ambiente e recebeu o nome de obsolescência.
O fenômeno ocorre quando um produto deixa de funcionar em um prazo relativamente curto, levando o
consumidor a descartá-lo bem antes do que planejava, seja pelo alto valor do conserto ou pela falta de
peças no mercado. Mas existe também a obsolescência provocada pelo rápido ritmo de mudanças
tecnológicas. Entidades de defesa do consumidor apontam que a lei garante a informação clara e precisa e
por isso é direito do brasileiro conhecer a expectativa de vida mínima dos produtos. “Essa é uma
informação crucial, de risco para o consumidor, e que não é clara. Diante disso, ele pode cancelar ou
mesmo adiar uma decisão de compra”, explica Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia.
Desde que Thomas Edson inventou a lâmpada no século 19, a durabilidade passou a ser uma busca da
indústria. O produto chegava a resistir por mais de duas mil horas. Mas de lá para cá muita coisa mudou.
Desde a matéria-prima usada nos produtos até a qualidade. A designer Leila Houara que o diga. Até hoje
ela preserva alguns equipamentos de mais de três décadas de vida por desconfiar dos produtos novos. O
velho espremedor de frutas foi comprado há 30 anos e todos os dias pela manhã prepara o suco da
família. Até hoje o espremedor nunca deixou Leila na mão. “Outros dois aparelhos mais modernos já
passaram por aqui. Quebraram e tivemos que jogá-los fora. O valor do conserto era praticamente o preço
de um equipamento novo.”
O liquidificador da designer também durou mais de três décadas; o chuveiro elétrico, 35 anos, e o ferro
de passar roupas, 25 anos. “Tenho um liquidificador novo, mas não tenho coragem de usá-lo para triturar
alimentos como fazia com o antigo. Tenho receio de que ele não aguente. A estrutura parece bem mais
frágil.”
SEM NOÇÃO A durabilidade dos produtos ainda é uma informação oculta para o consumidor. Ao adquirir
um bem, a população imagina quanto tempo ele vai durar, mas não tem esse esclarecimento do
fabricante. Segundo Marcelo Barbosa, o Procon já solicitou à indústria essa estimativa de vida, mas nunca
obteve retorno. Ele cita como exemplo os aparelhos celulares. “Se for do conhecimento do consumidor que
dentro de seis meses aquele modelo será substituído por uma versão mais moderna, ele pode optar, por
exemplo, por aguardar para fazer a compra mais adiante.”
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) João Paulo Amaral diz que existem
infinidades de produtos sabidamente descartáveis, como as bugigangas de baixa qualidade, mas a
obsolescência pode atingir a todos os itens fabricados pela indústria, sendo classificada em percebida ou
funcional. “O modelo percebido é aquele que gera um consumo exagerado, já que em pouquíssimo tempo
produtos são relançados com pequenos diferenciais, incentivando uma nova compra. Já o modelo
funcional, segundo o especialista, diz respeito aos produtos que o consumidor não consegue mais usar
porque o conserto é caro ou porque existe uma defasagem por falta de peças ou mesmo por algum tipo de
vício oculto, que faz o aparelho parar de funcionar após o vencimento da garantia.
João Paulo Amaral alerta que o fabricante é obrigado a manter a oferta de peças enquanto o produto é
fabricado. “Quando o equipamento sai de linha esse fornecimento deve continuar por um prazo
considerado razoável. Caso isso não ocorra, é possível recorrer ao Judiciário”, informa.
A obsolescência gera um descarte rápido e acelera o consumo, mas há quem prefira garantir a qualidade.
Além do espremedor de frutas, Leila Houara usa a mesma máquina de costura e não tem planos de
substituir o equipamento. “Ela é ótima, nunca me deu problemas, só lucro. O que já faturei com essa
máquina daria para comprar várias outras, mas eu prefiro não arriscar. As máquinas modernas são de
plástico e imagino que a durabilidade não é a mesma.”
Para informar sobre a longevidade dos eletrodomésticos fabricados hoje o Estado de Minas procurou a
Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), mas nenhum porta-voz foi
encontrado para comentar o tema.
Garantia maior
para falha oculta
A obsolescência programada já chegou à Corte superior ,onde existe interpretação favorável ao
consumidor. De acordo com decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o comprador
do equipamento tem direito a reparação de falha oculta até o fim da vida útil do produto e não só durante
garantia.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), os fornecedores devem responder pelos vícios e
têm 30 dias para sanar o problema ou trocar o produto. Mas no caso de falha oculta, aquela que só é
percebida após algum tempo de uso do produto, o prazo para o consumidor reclamar de defeito ou vício
oculto de fabricação, não decorrentes do uso regular do produto, começa a contar a partir da descoberta
do problema, desde que o bem ainda esteja em sua vida útil, independentemente da garantia. A decisão
ocorreu a partir do defeito de fabricação observado pelo dono de um trator vendido em Santa Catarina, no
Sul do país. Segundo o STJ a obsolescência programada é uma prática abusiva e deve ser combatida.
Para o relator Luis Felipe Salomão, a prática consiste na redução artificial da durabilidade de produtos e
componentes, de modo a forçar uma nova compra prematura, sendo adotada por muitas empresas desde
a década de 20 do século passado. Segundo o ministro, a prática contraria a Política Nacional das Relações
de Consumo e gera grande impacto ambiental.
Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu para o consumo consciente, diz que a humanidade já
consome 50% mais recursos naturais renováveis do que o planeta é capaz de regenerar. Ele aponta que
apenas 16% da população mundial é responsável por 78% do consumo total. “Se todo o mundo consumisse
como os habitantes mais ricos, seriam necessários quase cinco planetas para suprir esse consumo.”
Para o Instituto Akatu, o consumidor tem papel relevante para combater a obsolescência programada
escolhendo produtos de maior durabilidade e qualidade, promovendo um equilibrado desenvolvimento
econômico. Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia, lembra que o CDC fala sobre a qualidade
dos produtos. “Um produto com qualidade é um produto também durável”, aponta. (MC e PT)
o que diz o código
Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
3 - A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de
quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Art. 18 – Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente
pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se
destinam ou lhes diminuam o valor.
Art. 31 – A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras,
precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos
que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Art. 32 – Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição
enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.
Parágrafo único – Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável
de tempo, na forma da lei.
Tudo programado
Símbolo da obsolescência programada, a lâmpada elétrica foi inventada em 1879 pelo norte-americano
Thomas Edison. No início, ficou acesa por apenas 40 horas, mas já na passagem para o século 20 fábricas
produziam lâmpadas com até 2,5 mil horas de duração. Em 1924, veio a grande mudança. Com o
surgimento do Phoebus cartel, formado pelos grandes produtores mundiais, as lâmpadas tiveram a
produção limitada a 1 mil horas de duração. As fábricas que não aderissem ao novo sistema e insistissem
em manter o funcionamento dos produtos por mais de 1 mil horas seriam multadas. Mas a verdade é que,
não fosse a obsolescência programada, a indústria seria capaz de colocar no mercado lâmpadas com
durabilidade infinitamente superior, o que fatalmente comprometeria os negócios do segmento. Para ter
uma ideia, uma lâmpada acesa em 1901 continua em funcionamento até hoje em um quartel do Corpo de
Bombeiros na Califórnia (EUA). Atualmente, há lâmpadas de LED que prometem até 30 mil horas de
duração, ou 1.250 dias.
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