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LUCIANA GOULART PENTEADO e JULIANA FONTÃO LOPES CORRÊA
MEYER
Reflexos da obsolescência
programada
30/10/2015 02h00
Como se sabe, o desgaste natural do produto e a necessidade de sua
substituição no decorrer do tempo são normais. Antigamente, a substituição do
produto por outro da mesma espécie ocorria em período muito superior ao que
ocorre hoje em dia.
Os produtos eram fabricados para durarem muito tempo e, a preocupação
naquela época, girava em torno da qualidade e durabilidade. Nos dias atuais,
contudo, cada vez mais os produtos são planejados e produzidos para terem uma
vida útil mais curta.
Tal prática é o que chamamos de obsolescência programada. Especificamente, o
que significa? A obsolescência programada, também chamada de obsolescência
planejada, nada mais é do que a redução deliberada e voluntária do tempo de
vida útil de um produto, a fim de que seja efetivada a sua recompra.
Essa prática foi criada para enfrentar a crise de 1929. Com a crise, os fabricantes
de bens duráveis perceberam que os produtos com durabilidade muito extensa
desfavoreciam a economia, pois reduziam o consumo.
Com isso, havia um número muito elevado de produtos estocados, sem falar do
desemprego. Assim, decidiram os fabricantes, de forma voluntária e estratégica,
reduzir o ciclo de vida útil dos produtos para aumentar o consumo.
Sendo assim, houve o incremento das oportunidades de emprego, especialmente
nos setores de desenvolvimento, planejamento, produção e marketing. Além
disso, a obsolescência programada, em razão dos avanços tecnológicos, fez com
que as empresas passassem a fabricar produtos que apresentassem maior
versatilidade, funcionalidade e inovação. Por outro lado, tal prática também
trouxe o aumento desordenado do lixo.
Apesar de muito criticada, a obsolescência programada é um meio de manter a
economia aquecida, com maior enriquecimento de diversos setores do mercado e
o aumento da geração de emprego. Por outro lado, não se pode negar, a
formação de resíduos sólidos cresceu significativamente, indo de encontro aos
princípios norteadores do Direito Ambiental, especialmente no que diz respeito ao
desenvolvimento sustentável.
Por esta e outras razões, em 02/08/2010, foi instituída a Política Nacional de
Resíduos Sólidos, tornando-se uma obrigação legal dos fabricantes a produção
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de bens providos de qualidade e durabilidade, bem como o desenvolvimento de
um sistema de logística reversa, visando a minimizar o volume de resíduos
sólidos.
Além da geração desordenada de lixo, outra crítica que se direciona à
obsolescência programada diz respeito à proteção dos direitos do consumidor.
Muitos entendem que esta prática seria ilegal, pois afronta princípios básicos da
legislação consumerista, tais como transparência das informações, durabilidade
dos produtos, oferta de componentes e peças de reposição, bem como
publicidade enganosa ou abusiva.
A jurisprudência ainda é muito tímida a respeito. Sobre o tema, merece leitura o
recurso especial nº 984.106/SC de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, que
trata do assunto e cita exemplos de obsolescência programada: reduzida vida útil
de componentes eletrônicos com o estratégico inflacionamento desses
componentes, tornando mais vantajosa a recompra; incompatibilidade entre
componentes antigos e novos, impondo atualizar por completo o produto
(software); lançamento de nova linha, cessando antecipadamente a fabricação de
insumos ou peças de reposição à antiga.
Em termos de legislação sobre o tema, o avanço também é modesto. Existem
alguns projetos de lei (PL 5367/2013 e PL 32/2015) que não objetivam, nem de
longe, resolver a questão. De outra parte, há uma proposta interessante que foi
apresentada recentemente pelo ministro Luis Felipe Salomão, que visa à
realização de alterações significativas no CDC.
A proposta consiste na obrigação dos fornecedores de indicar o tempo de vida
útil nos produtos e prevê punição aos que praticarem a obsolescência
programada, mas sem limitar a evolução tecnológica.
Nesse contexto, considerando os avanços tecnológicos e o aquecimento da
economia, a proibição da obsolescência, sem dúvida, pode caracterizar um
retrocesso no tempo.
Assim, parece-nos essencial o desenvolvimento de políticas públicas que
garantam um meio ambiente equilibrado, bem como a conscientização do
mercado de consumo de que, em um mundo com recursos finitos e sem solução
adequada para os resíduos sólidos, até a própria obsolescência programada terá
data para morrer.
LUCIANA GOULART PENTEADO e JULIANA FONTÃO LOPES CORRÊA
MEYER são sócias de Demarest Advogados
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