Análise ambiental integrada em habitação de interesse social: estudo
de caso na Vila Varjão-DF
Ludmila de Araújo Correia (1), Marta Adriana Bustos Romero (2)
(1) Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UnB, Brasil. E-mail:
[email protected].
(2) Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UnB, Brasil. E-mail:
[email protected].
Resumo: Neste trabalho apresenta-se proposta de análise ambiental em habitações de interesse social,
focada no conforto e na qualidade do ambiente interno das moradias, integrando-se análises objetivas e
subjetivas. Associou-se a percepção ambiental à representação social de casa confortável para
determinado grupo visando compreender a relação deste com a moradia e de que forma seus anseios são
ou poderiam ser melhor atingidos. Adotou-se como estudo de caso a Vila Varjão-DF, área do Distrito
Federal com condições ambientais e socioeconômicas relevantes e frágeis, utilizando-se Avaliação PósOcupacional baseada em questionários e medições físicas, em dois períodos do ano, típicos do clima no
Distrito Federal. O método considerou os aspectos físico-ambientais, individuais e sociais da casa
confortável, procurando esclarecer a realidade a partir, principalmente, daquilo que é compreendido,
interpretado e comunicado pelos sujeitos. Buscou também evidenciar, a partir do cotidiano, dos
discursos e do modo de viver das pessoas, significados atribuídos à casa, e sua influência na relação com
o conforto na moradia. Os resultados apontaram que a satisfação dos usuários com suas moradias é
maior quanto mais a casa funciona como abrigo e filtro do ambiente externo, especialmente em períodos
de grande amplitude térmica e baixa umidade encontradas no clima local, e que tal satisfação também
está intimamente relacionada à memória coletiva e às condições anteriores de moradia, em casas
precárias de madeira. Espera-se contribuir para análises ambientais mais integradas, para além dos
aspectos físicos da casa ou do homem, evidenciando elementos psicológicos e histórico-sociais da
relação homem-ambiente – natural ou construído – especialmente em habitações de interesse social.
Palavras-chave: Qualidade do Ambiente, Percepção Ambiental, Habitação de Interesse Social,
Avaliação Pós-Ocupacional, Teoria das Representações Sociais.
Abstract: This paper presents a proposal of environmental analysis in social housing, focusing on
comfort and internal environment qualities of dwellings, integrating objective and subjective analysis. It
was associated the environmental perception with the determined group’s social representation of
comfortable house, tried to understand its relationship with the house and how their expectations are or
could be better met. It was adopted for case study the Vila Varjão, an Distrito Federal’s area with
relevant and fragile environmental and socioeconomic conditions, using Occupational Post-Evaluation
based on questionnaires and physical measurements in two typical seasons in the Distrito Federal’s
climate. The proposed method considered the physical-environmental, individual and social aspects of
the comfortable house, trying to clarify the reality from, specially, what is understood, interpreted and
reported by the subjects. Attempted too to show, from the daily practice, speeches and lifestyle, meanings
attributed to comfortable house and her influence in the relationship with the comfort in the house. The
results indicated that user’s satisfaction with theirs houses is greater the more the houses serves as a
shelter and filter the external environment, specially in periods of low humidity and high thermic
amplitude, found in local climate, and that the satisfaction is too related to the collective memory and his
past housing conditions, in precarious wood’s house. Expected to contribute with more integrated
environmental analysis, beyond the house and man physical aspects, highlighting the psychological and
sociohistorical elements of man-environment relationship - natural or constructed – especially in social
houses.
Key-words: Environmental Quality; Environmental Perception; Social Housing; Occupational PostAssessment; Social Representation Theory.
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1. INTRODUÇÃO
A construção de espaços arquitetônicos e urbanísticos sustentáveis em suas diversas escalas não
inclui apenas a preocupação com a conservação dos recursos naturais. Perpassa diversas questões
desafiadoras, tais como a
concentração de renda e a enorme desigualdade econômica e social [...], o déficit habitacional e a
situação de risco de grandes assentamentos, além da degradação dos meios construído e natural
(ROMERO, 2006, p. 56).
Também se inclui nesses desafios proporcionar melhores condições de vida para o homem, em
especial aqueles que possuem restrições socioeconômicas como os moradores de Habitação de Interesse
Social (HIS) – definida por Bonduki (1998) como aquela “produzida e financiada por órgãos estatais
destinada à população de baixa renda, mas num sentido mais amplo, que inclui também a regulamentação
estatal da locação habitacional e incorporação, como um problema do Estado, da falta de infraestrutura
urbana gerada pelo loteamento privado” (BONDUKI, 1998, p. 14).
Dadas as restrições econômicas e sociais dos usuários, entende-se que em HIS a preocupação com
a qualidade e o conforto do ambiente tornem-se ainda mais relevantes para sua satisfação, visto que as
possibilidades que eles têm de adaptá-lo a suas necessidades são limitadas. Em busca dos limites físicos e
individuais para que se atinjam níveis satisfatórios de conforto do homem em seu meio, diversas
pesquisas na área de conforto ambiental trabalham com índices de conforto como os modelos preditivos,
que relacionam variáveis para prever, com maior precisão possível, as condições em que o usuário estaria
confortável em um dado ambiente. Fanger, em 1970, trabalhou com os índices Predicted Mean Vote
(PMV) e o Predicted Percentage of Dissatisfied (PPD), que se destacaram por considerar, além das
variáveis ambientais, também variáveis relativas aos indivíduos. Observando que em locais não
condicionados e de clima mais quente havia percentual predito de pessoas insatisfeitas sempre superior ao
voto real em pesquisa de campo, Fanger e Toftum (2002) propõem um fator de correção do PMV para
ambientes não climatizados em diferentes condições climáticas. Pesquisas brasileiras realizadas no Rio de
Janeiro (ZAMBRANO, MALAFAIA e BASTOS, 2006; STRAMANDINOLI, 2008) permitiram definir
um fator de correção para clima tropical úmido, adotado entre as análises deste trabalho.
O modelo adaptativo, por sua vez, considera que o conforto está diretamente relacionado à
aclimatação dos indivíduos e a oportunidade que as pessoas têm de adaptarem-se a determinadas
condições climáticas, visto que o homem naturalmente procura meios para se adaptar ao ambiente
tornando-o mais confortável e tomando atitudes que restabeleçam a situação de conforto. Monteiro e
Alucci (2008) adotaram tal modelo e observaram forte relação entre os votos dos usuários para suas
sensações de conforto térmico e as condições climáticas externas.
Visando uma análise efetivamente integrada do ambiente, em especial em HIS, buscou-se os
fatores objetivos e subjetivos que influenciam o conforto ambiental e a qualidade do ambiente, chegandose à compreensão de que devam ser considerados os fatores físico-ambientais (arquitetônicos e
climáticos), individuais (biofísico e sensorial-perceptivo) e sociais (socioeconômicos, socioculturais e
representacionais. Dada a dificuldade de se analisar os aspectos subjetivos do conforto, encontrou-se na
associação entre Arquitetura e Psicologia uma forma de se trabalhar de forma científica com tais
condicionantes.
No estudo da satisfação do usuário com o ambiente que o cerca, viu-se na Percepção Ambiental
importantes fundamentos teóricos e metodológicos. Este é um campo da Psicologia Ambiental – que visa
compreender como o ambiente é percebido pelo homem – baseado no princípio de que “a mente exerce
parte ativa da construção da realidade percebida e consequentemente na conduta” (DEL RIO, 1996, p. 3).
Coerente com tal proposição, observamos que os aspectos simbólicos de um lugar, determinantes para
que o homem se relacione satisfatoriamente com o espaço, só assumem valor e simbolismo, como coloca
NORBERG-SCHULZ (1980), a partir da vivência, quando o espaço ganha um caráter e torna-se
qualificado. Compreende-se, assim, que “cada indivíduo cria a assume sua própria imagem, mas parece
existir um consenso substancial entre membros de um mesmo grupo” (LYNCH, 1997, p. 8), visto que,
conforme afirma Del Rio (1996), as percepções embora subjetivas possuem recorrências comuns, um
repertório de imagens e expectativas compartilhadas por uma população.
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Contribuições relevantes também foram encontradas na Teoria das Representações Sociais (TRS),
enunciada pela primeira vez por Serge Moscovici (1961), como uma forma objetiva de evidenciar-se o
senso comum, uma “modalidade de saber gerada através da comunicação na vida cotidiana, com
finalidade prática de orientar os comportamentos em situações sociais concretas” (SÁ, 1998, p. 68). Na
TRS, dois processos são essenciais: a objetivação, que transforma o que é abstrato, complexo ou novo em
uma imagem concreta e significativa, e a ancoragem, que traz para o campo familiar algo não-familiar,
tornando a ciência um saber útil a todos. Jean-Claude Abric (ABRIC, 2003), um de seus seguidores,
apresenta com a Teoria do Núcleo Central um enfoque estrutural das representações sociais, buscando
explicar como tais representações se organizam. Abric percebe que as representações apresentavam
características contraditórias, ao mesmo tempo estáveis e mutáveis, rígidas e flexíveis, consensuais e
individualizadas, e propõe que toda representação é composta de esquemas estáveis – o Núcleo Central –,
em torno dos quais há outros elementos – o Sistema Periférico –, organizados pelo Núcleo Central e mais
suscetíveis às mudanças relacionadas às práticas concretas e individuais. Para atingir a representação de
determinado grupo, trabalha-se com análise estruturada de termos evocados pelos sujeitos de pesquisa,
normalmente apoiada por softwares como o Evocation (VERGÈS, 2003).
Destaca-se que, conforme aponta Peluso (2003), é relevante a adoção da Teoria das Representações
Sociais para o estudo da percepção do ambiente, visto que as representações sociais do ambiente estão
fortemente relacionadas à construção identitária, base das relações que o sujeito e seu grupo estabelecem
com o espaço. Para Moser e Weiss (2003), as representações sociais parecem colocar em evidência de
forma mais organizada as teorias implícitas da cidade, do bairro, da urbanidade, de tal forma que a
“orientação normativa dos comportamentos, dos modos de pensar, de sentir e de agir é profundamente
ancorada em um ambiente espacialmente e historicamente circunscrito. As referências culturais e a
memória coletiva são o mais poderoso impulso de apego a um lugar” (MOSER e WEISS, 2003, p. 171,
tradução nossa).
A partir das concepções teóricas e metodológicas brevemente apresentadas, buscou-se, associado à
Avaliação Pós-Ocupacional (APO) de moradias de interesse social, estudar a relação subjetiva do
morador (enquanto indivíduo e enquanto grupo) com o meio do qual faz parte, para evidenciar o
“consenso” existente na percepção ambiental dos sujeitos. Tendo em vista a relevância do conforto
higrotérmico para o bem estar físico e psicológico humano, partiu-se de um recorte nesse campo para uma
análise mais ampla e integrada do conforto ambiental na moradia, evidenciando a representação social
que determinado grupo tem de “casa confortável” e sua percepção do ambiente para trazer à tona aspectos
que seriam identificados com maior dificuldade por meio de métodos quantitativos e análises físicoambientais tradicionalmente adotados nas pesquisas em conforto ambiental há até alguns anos.
2. OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é contribuir com a análise ambiental integrada da moradia, especialmente
de interesse social, por meio de estudo de caso que associa à Avaliação Pós-Ocupacional a Percepção
Ambiental e a Teoria das Representações Sociais, trazendo elementos objetivos e subjetivos que
permitam ampliar a visão de casa confortável.
3. MÉTODO
A pesquisa realizada baseou-se em estudo de caso, contando com pesquisa bibliográfica, coleta de
dados secundários e pesquisa de campo. Adotou-se como objeto de estudo a casa confortável tendo, como
sujeitos, moradores de habitações de interesse social. O método proposto procurou esclarecer a realidade
a partir daquilo que é compreendido, interpretado e comunicado pelos sujeitos, evidenciando significados
atribuídos à moradia, a partir do cotidiano, dos discursos e do modo de viver das pessoas.
O local adotado foi a Vila Varjão, no Distrito Federal, ou Varjão-DF. Com condições
socioeconômicas e ambientais relevantes e frágeis, o Varjão está localizado entre a borda da Chapada da
Contagem e o Ribeirão do Torto, próximo à APA Paranoá (Figura 1), com acentuada declividade e cinco
grotas atravessando-o em sua maior direção. O Varjão é uma das regiões administrativas com condições
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sociais e econômicas mais precárias do DF, com a terceira menor renda média per capita, níveis de
instrução e a qualidade das moradias bem abaixo da média para o Distrito Federal.
Figura 1: Localização do Varjão no Distrito Federal. Fonte: Embrapa Cerrados-DF/SRTM, 2009.
Muitos de seus habitantes moram ou já moraram em áreas de risco ou na chamada “área de
transição”, loteamentos precários nos quais esperam um lote ou casa do governo. Também há ainda hoje,
por todo o Varjão, moradias provisórias de madeira e telhado de fibrocimento, sem inércia térmica,
suscetíveis ao sol e à chuva, escuras e sem ventilação, sem privacidade e com sérios problemas de
proliferação de insetos, animais e doenças.
Visando compreender as ações implementadas para melhoria das condições de moradia da
população, analisou-se dois projetos relevantes no campo habitacional implantados no local. Um deles é a
proposta da ONG Moradia e Cidadania, com construção de casas em regime de mutirão para famílias
com renda entre um e dois salários mínimos. A ideia era oferecer não só moradia mas também cidadania
aos moradores, com cursos, oficinas, atendimento de saúde. Convidados pela ONG, professores da
Universidade de Brasília projetaram e acompanharam a construção de treze casas, nos lotes dos quais
dispunham os moradores selecionados. Outro projeto encontrado no local foi o Projeto Integrado Vila
Varjão – PIVV, financiado pelo Projeto Habitar Brasil/BID (SEDUH/GDF, 2002), um conjunto
habitacional de caráter governamental para promoção integrada de melhorias urbanas, ambientais e
sociais para a comunidade, principalmente com a construção de unidades habitacionais, comércio e
serviços.
Assim, identificou-se no universo amostral do Varjão casas térreas construídas a partir de três
diferentes processos construtivos: tipo 1 - autoconstrução; tipo 2 - casas construídas em regime de
mutirão; e tipo 3 - moradias unifamiliares do conjunto habitacional. A delimitação da amostragem
restringiu-se pelo número de casas de mutirão (já que todas as treze foram analisadas), com número
homogêneo de casas para cada tipo, atingindo-se 40 casas e 74 sujeitos.
Figura 2: Casas analisadas: a) autoconstrução; b) mutirão; e c) conjunto habitacional. Fonte: Arquivo pessoal, 2009.
Em consonância com os objetivos geral e específicos da pesquisa, estabeleceu-se um esquema
metodológico que norteou a pesquisa em todas as suas etapas, incluindo os tipos de análise pretendidos,
os aspectos a serem analisados e os objetivos intermediários a serem alcançados (Figura 3). As variáveis
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selecionadas se relacionavam aos aspectos físico-ambientais, individuais e sociais. A coleta de dados
secundários baseou-se em informações sobre o clima, plantas e documentos da administração local, da
Companhia de Habitação do DF (CODHAB/SEDUMA/DF) e da Universidade de Brasília (FAU/UnB).
Figura 3: Esquema metodológico adotado: tipos de análises, aspectos e objetivos relacionados, respectivamente.
Para análise dos aspectos físico-ambientais, considerou-se as condições climáticas do Distrito
Federal a partir dos dados de Brasília. A temperatura média local é de 22°C, no inverno abaixo de 18°C e
no verão ultrapassa 30°C. A umidade relativa média é baixa (54%), apesar de no período úmido superar
os 70% (FERREIRA, 1965; GOULART, LAMBERTS e FIRMINO, 1998; INMET, 2009). Classificado
oficialmente como tropical de altitude, Ferreira (FERREIRA, 1965) adota para Brasília o “clima de
transição”, aquele ora seco (entre maio e setembro) ora chuvoso (outubro a abril), com significativa
amplitude tanto na escala sazonal quanto diária (especialmente nos meses mais secos).
A pesquisa de campo para coleta de dados primários foi realizada em duas etapas, em períodos
distintos: 10 de junho a 05 de julho de 2009 e 20 de outubro a 09 de novembro de 2009, a partir da
identificação dos meses e horários considerados mais críticos para o conforto higrotérmico em Brasília,
respeitando-se a conveniência dos moradores. Na Tabela 1 temos uma síntese das fases da pesquisa.
Tabela 1: Fases da pesquisa
Fase
Objetivos da fase
Atividades
Etapa
Instrumentos
Inserção na
comunidade
Estabelecer um diálogo
com a comunidade;
diminuir distâncias entre
o pesquisador e o grupo.
Visitas de
reconhecimento;
divulgação da pesquisa
entre os moradores.
Primeira
etapa
Contato com lideranças locais;
distribuição de panfletos
explicativos; conversas
informais; registro fotográfico e
audiovisual.
Levantamento
físicoambiental
Análise do desempenho
ambiental das casas;
caracterização das
moradias; caracterização
de seu uso e ocupação.
Levantamento de dados
secundários físicos e
climáticos; medições
com aparelhos;
entrevistas
semiestruturadas.
Toda a
pesquisa
Aparelhos de medição; Fichas
de Medição; Memorial
Descritivo; plantas e
documentos oficiais.
Levantamento
de dados
individuais
Perfil socioeconômico
caracterização biofísica
dos sujeitos; análise de
sensação térmica e
predição de conforto.
Entrevistas
semiestruturadas;
análise sensorial do
pesquisador; cálculos
com uso de softwares.
Segunda
etapa
Questionário; Ficha de análise
sensorial do pesquisador;
softwares para cálculo predição
de sensação de conforto térmico
e percentual de pessoas
insatisfeitas (PMV e PPD).
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Levantamento
de dados
sociais
Análise da relação do
morador com sua
moradia, estudo das
representações sociais do
grupo.
Levantamento de dados
históricos, entrevistas
semiestruturadas.
Toda a
pesquisa
Documentos oficiais;
questionários; observação
empírica.
Destacam-se, entre os instrumentos elaborados para a pesquisa, o Questionário, principal
instrumento de coleta de dados relativos aos moradores e suas moradias, associado a cartões ilustrativos
utilizados em sua aplicação. A primeira parte do questionário – Análise Subjetiva – foi aplicada a todos
os sujeitos, visando principalmente o estudo baseado na Teoria das Representações Sociais (análise de
conteúdo, estrutura e organização dos termos evocados) e a análise da percepção de conforto dos
moradores (sensações e predições de conforto térmico). Também foi questionada a satisfação dos
usuários (com o tamanho, qualidade da insolação e ventilação da casa), as relações entre conforto nos
cômodos e os períodos do ano, e a ordem de importância de indicadores de qualidade de vida. A segunda
parte – caracterização dos sujeitos – também foi aplicada a todos os moradores entrevistados, enquanto a
terceira e última parte – levantamento físico – a um morador em cada moradia. Além do questionário,
também foram elaborados: Fichas de medição, utilizadas para levantamento físico-ambiental na primeira
etapa da pesquisa; Memorial Descritivo, elaborado a partir da Ficha de Medição para a segunda etapa da
pesquisa; Ficha de Análise Sensorial preenchida pelo pesquisador.
4. RESULTADOS
O perfil socioeconômico dos moradores apresentou renda salarial média de 2,02 salários mínimos
por domicílio, abaixo da média para o Varjão (2,8), sendo mais alta nas casas de autoconstrução e mais
baixa nas de mutirão. O nível de escolaridade também está abaixo da média para o Varjão, com 65% dos
entrevistados sem o 1o grau completo. Do total de entrevistados, houve predominância de migrantes da
Bahia (27%), com 90% já residente no Varjão antes de irem para a casa atual, dos quais 78,4% em casas
de madeira. Observou-se que apenas uma (8%) das treze casas do mutirão foi ampliada, enquanto 65%
dos moradores do conjunto habitacional ampliaram, pelo menos, o número de quartos. Considerando-se
que as casas do conjunto foram entregues com apenas um quarto, e que a média é de 3,4 pessoas por
dormitório no Varjão (CODEPLAN, 2008), essa modificação em geral só não ocorreu quando o morador
não tinha condições financeiras para tal.
A análise do desempenho ambiental das moradias foi relacionada com os dados climáticos externos
(INMET, 2009), para os períodos correspondentes à coleta de dados in loco, realizada de forma
comparativa entre os três tipos de casa analisados. Durante a primeira etapa da pesquisa (junho/julho),
período frio e com umidade decrescente, a temperatura média foi de 19,09oC pela manhã e 24,04 oC à
tarde, com umidade média de 66,85% pela manhã e 44,31% à tarde. Já durante a segunda etapa
(outubro/novembro), período mais quente e com umidade crescente, a temperatura média local foi de
21,68 oC pela manhã e 24 oC à tarde, com umidade média de 79,50% pela manhã e 67,03% à tarde
(INMET, 2009).
O desempenho ambiental das casas de mutirão e do conjunto habitacional apresentou-se melhor em
relação à autoconstrução, em geral mais quentes e com umidade mais baixa. Nas medições in loco
realizadas entre junho e julho, pela manhã as casas do conjunto apresentaram maior aquecimento em
relação aos dados climáticos externos e as de mutirão apresentam-se mais frias. Já no período da tarde as
casas do mutirão continuam aquecendo-se menos, mantendo condição térmica mais agradável que as
demais. Entre outubro e novembro as casas do conjunto habitacional apresentaram-se mais frescas pela
manhã, com valores médios bem próximos às casas de mutirão. A média de umidade nas casas
apresentou-se cerca de 20% mais alta do que os dados do INMET (Tabela 2), sempre acima de 80% nas
casas de mutirão.
Realizou-se teste de significância entre as condições climáticas e as variáveis altitude, tipo de casa
e orientação da fachada e identificou-se, apenas no mês de outubro, relação significativa (95% de
chances de haver relação direta) entre a variação de temperatura e umidade e o tipo de casa ou orientação
da fachada, sem aparente relação direta com a diferença de altitude entre elas.
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Tabela 2: Média de temperatura e umidade nas casas e no INMET
Primeira etapa
Segunda etapa
Período:
10/06 a 05/07/2009
20/10 a 09/11/2009
Autoconstrução
Mutirão
Conjunto Habitacional
Média das três casas
Média INMET
Horário:
manhã
tarde
manhã
tarde
Temperatura
19,57 °C
24,39 °C
24,35 °C
27,12 °C
Umidade
82,25%
75,49%
85,67%
81,22%
Temperatura
18,42 °C
23,50 °C
24,58 °C
26,00 °C
Umidade
88,04%
82,33%
82,94%
80,37%
Temperatura
19,98 °C
24,38 °C
23,35 °C
25,78 °C
Umidade
83,41%
76,36%
87,78%
83,87%
Temperatura
19,32 °C
24,10 °C
24,08 °C
26,32 °C
Umidade
84,48%
77,97%
85,61%
81,66%
Temperatura
19,09 °C
24,04 °C
21,68 °C
24,00 °C
Fonte: Dados coletados in loco; INMET, 2009
É importante considerar que, mesmo com orientações e localizações diversas, as condições internas
encontradas nas treze casas de mutirão não variaram significativamente e mantiveram-se muito próximas
nos diferentes períodos de medição. Isso justifica a afirmação dos moradores de que, apesar de fria no
inverno, suas casas mantém condição ambiental constante ao longo do ano, mesmo com bruscas elevação
de temperatura e queda de umidade externas. As casas do conjunto habitacional também apresentaram
desempenho satisfatório, coerente com a necessidade de aquecer a casa no frio e refrescar no verão,
apesar de em junho a umidade chegar a valores mais baixos que a média das casas.
O mês considerado pelos moradores como mais confortável em suas casas foi junho e os meses
mais desconfortáveis agosto, outubro e setembro. Do total de moradores, 43,2% considera o quarto como
cômodo mais confortável em junho, e 39,2% prefere a sala no mês de outubro, por ser mais ventilada. No
conjunto habitacional, além do quarto e sala também aparece a área livre localizada em frente à casas,
normalmente sombreada. Nas casas de mutirão houve considerável número de pessoas que consideram
“toda a casa” confortável em todos os períodos. Em relação aos indicadores de qualidade de vida,
“segurança” aparece como mais importante seguida de “qualidade da construção e das instalações”,
“facilidade de acesso aos serviços” e “temperatura, iluminação, ventilação e nível de ruído”. É
interessante observar que esse indicador, relativo ao conforto ambienta, aparece como terceiro mais
importante para os moradores das casas de mutirão. Tal diferença que pode ser explicada pelo nível de
percepção do morador sobre o que é e como se promove o conforto e a qualidade do ambiente, decorrente
tanto de sua satisfação com as condições ambientais de sua moradia quanto da capacitação que as pessoas
receberam durante o processo de mutirão.
A satisfação dos usuários com a casa apresentou-se próxima de 100% nas casas de mutirão em
todos os quesitos, mas também foi razoavelmente alta (entre 60 e 80%) nas casas do conjunto. Em geral,
houve melhor índice quanto à qualidade da ventilação e da insolação (75,6%) e pior com a organização
dos cômodos (67,6%). A satisfação elevada, em especial nas casas de mutirão, é em boa parte explicada
pelas características favoráveis do projeto arquitetônico: pé-direito alto, planta de dois quartos, cômodos
bem distribuídos e aberturas estrategicamente localizadas, assim como o sistema construtivo em tijolo de
solocimento que favorece a inércia térmica e a qualidade higrotérmica do ambiente. Tais condições
permitem caracterizar essas moradias como um verdadeiro abrigo (OLGYAY, 2008), trazendo bem-estar
físico e psicológico aos usuários.
É importante, também, considerar o significativo aumento de qualidade vivenciado pelos
moradores das três tipologias, com a mudança de casas precárias para casas com o mínimo de condições
de habitabilidade – mesmo nas casas de autoconstrução que apresentam, algumas vezes, qualidade
questionável.
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4.1. Percepção Ambiental
Na análise da percepção ambiental, focada no conforto térmico, observou-se que quanto maior a
diferença de temperatura e de umidade entre o ambiente interior e as condições climáticas externas, mais
os moradores apresentaram sensação de neutralidade (nem calor nem frio), demonstrando satisfação com
a inércia e o isolamento térmico na moradia. Os votos relativos ao conforto, tolerância, preferência e
sensação térmica, se comparados com os dados de temperatura e umidade, demonstram coerência entre as
respostas: quanto mais calor o morador sente, mais relata preferir sentir-se refrescado; quanto mais
extremas as sensações de calor ou frio, maior é o desconforto. A tolerância térmica apresentou-se
satisfatória com sensações térmicas entre “um pouco de calor” e “um pouco de frio”, demonstrando que
nesse limiar os ambientes não são considerados efetivamente desconfortáveis. As casas de mutirão
apresentaram maior número de pessoas confortáveis, e nas casas do conjunto habitacional houve número
relevante de pessoas que consideraram o ambiente tolerável. Houve mais pessoas desconfortáveis nas
casas de autoconstrução, principalmente devido ao calor.
Os dados físico-ambientais e individuais coletados em outubro/novembro permitiram a predição
térmica com os índices PMV e PPD, considerando-se tanto os valores iniciais propostos por Fanger,
quanto o fator de correção proposto por Zambrano, Malafaia e Bastos (2006). As relações entre o PMV
inicial e o corrigido e entre os votos reais e o PMV (inicial e corrigido), entretanto, não apresentaram
relação significativa, sendo necessária uma análise mais aprofundada para identificar a eficácia de um
fator de correção para Brasília.
4.2. Estudo baseado na Teoria das Representações Sociais
Com base na Teoria das Representações Sociais realizou-se, em um primeiro momento, tratamento
das respostas e análise das palavras evocadas pelos sujeitos a partir das perguntas indutoras do
questionário, relativas a “casa confortável” e “casa desconfortável”, visando identificar a estrutura e
centralidade das evocações. Observou-se a frequência e ordem das palavras evocadas, gerando-se no
software Evocation (VERGÈS, 2003) o “quadro das quatro casas”. Neste quadro são indicados, no
primeiro quadrante, o provável Núcleo Central da representação – palavras mais frequentes e prontamente
evocadas, elementos comuns e enraizados no grupo – e no quarto quadrante o sistema periférico – com os
termos de menor frequência e evocados mais tardiamente, elementos que mantém o núcleo central
atualizado. Para testar a centralidade da representação, realizou-se análise de todos os termos e apenas das
palavras indicadas como mais importantes pelos sujeitos, assim como análise tanto para “casa
confortável” quanto para “casa desconfortável”. Também foi realizada a análise de coocorrência entre os
termos, a partir da ocorrência de um termo antes ou depois de outro(s).
Figura 4: Quadro das quatro casas com termos indicados como mais importantes para casa confortável, relacionando
frequência e ordem de evocação. Fonte: VÈRGES, 2003.
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Figura 5: Quadro das quatro casas com termos indicados como mais importantes para casa desconfortável,
relacionando frequência e ordem de evocação. Fonte: VÈRGES, 2003.
Conforme se observa nas Figura 4 e 5, o “quadro das quatro casas” gerado para todos os termos
evocados e apenas para as palavras indicadas como mais importantes pelos sujeitos apresentou os
mesmos termos no primeiro quadrante, em ambos os casos, confirmando a força de tais termos na
representação social do grupo de casa confortável. Surgiram como prováveis componentes do Núcleo
Central da representação social de casa confortável termos relativos à satisfação de necessidades básicas
na moradia, à salubridade e ao espaço: “espaçosa”, “grande” , “limpa”, “móveis” e “ter tudo” associados
a casa confortável, e “bagunçada”, “barraco de madeira”, “pequena”, “sem espaço” e “sem nada” e “suja”
associados a casa desconfortável. Assim como para o Núcleo Central, no sistema periférico também
identificou-se oposição termos opostos, relativos à casa confortável e desconfortável, quanto ao conforto
ambiental, ao bem-estar físico e psicológico, ao sistema construtivo e à infraestrutura.
Os termos “barraco-de-madeira” e “pequena” foram os que estiveram associados ao maior número
de palavras, principalmente a “segurança” (tanto segurança pública quanto de uso, possibilidade de a
“casa cair”). Além disso, também se destacou a relação entre “pequena” e “quente”, e “ventilação”.
“Ventilação” e “segurança”, ausentes nas condições vividas pelos moradores há até pouco tempo nos
barracos de madeira, repetem-se no segundo quadrante tanto para casa confortável quanto para casa
desconfortável. A esse respeito, Abric (2003) ressalta que os termos do segundo quadrante devem ser
analisados com atenção por apresentarem tendência a centralidade, podendo chegar a compor o Núcleo
Central com as mudanças ocorridas ao longo do tempo.
A partir desta primeira análise dos termos evocados, estruturou-se as categorias para a análise de
similitude, visando compreender a organização das representações com base nos seis aspectos sugeridos
por Roméro e Ornstein (2003) para APO de habitações sociais. Reestruturou-se as categorias iniciais e
acrescentou-se novas categorias para comportar adequadamente os termos evocados pelos moradores,
chegando-se a Conforto Ambiental, Sistema construtivo, Avaliação funcional, Aspectos físicos da casa,
Infraestrutura (urbana), Economia e renda, Relações sociais, Bem-estar físico, Bem-estar psicológico e
Abrigo. Na análise de similitude dos termos relativos à casa confortável, Bem-estar psicológico foi a
categoria que apresentou maior frequência de ocorrência, além de maior número de relações com outras
categorias. Para casa desconfortável destacaram-se também as categorias Bem-estar físico e Abrigo.
Analisando-se a estrutura e a organização da representação observamos, nas respostas relacionadas
à casa confortável e à casa desconfortável, termos que reforçam a ideia de casa como abrigo, diretamente
relacionada ao conforto na moradia. Apesar de integrar diversos elementos físico-ambientais, tal
representação apresenta clara relevância dos aspectos subjetivos individuais e sociais, principalmente o
bem-estar físico e psicológico de morar em uma casa que “tem tudo” o que precisam. Corrobora-se,
assim, a hipótese de que a casa desconfortável está diretamente ligada à condição anterior de habitação
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dos moradores, em “barraco-de-madeira” que “não tem” uma série de elementos que satisfaçam suas
necessidades físicas, psicológicas e sociais, como espaço, móveis, limpeza, condições adequadas de
conforto ambiental. “Quando chove molha”, “quando é frio é muito frio”, “quando é quente é muito
quente” são expressões recorrentes nos discursos dos moradores para as condições consideradas como
desconfortáveis, uma descrição das condições de precariedade e pobreza que viviam nesse tipo de
habitação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de estudo de caso realizado com moradias e moradores da Vila Varjão-DF, foi possível
perceber-se elementos objetivos e subjetivos envolvidos na análise ambiental integrada do conforto em
habitações de interesse social, incorporando-se elementos físico-ambientais, individuais e sociais para
compreensão dos fatores interferentes na satisfação e no conforto ambiental dos indivíduos. Além dos
aspectos físicos da moradia e do clima, foi observada forte influência de questões individuais e sociais
subjetivas na percepção ambiental e na representação social do grupo, sugerindo a eficácia de estudos
baseados na Teoria das Representações Sociais associados à Psicologia e Percepção Ambiental, tanto em
Avaliação Pós-Ocupacional quanto no subsídio para projetos futuros para populações sensíveis e de
interesse social.
A análise estruturada dos discursos e práticas e das relações dos indivíduos com a casa e o
ambiente trouxe à tona a “voz” de um grupo de moradores de habitação de interesse social sobre o que
representa para eles o conforto na moradia e sobre como seus anseios podem ser melhor atendidos. A
representação social do grupo para a casa confortável permitiu-nos compreender o que os indivíduos
pensam (conteúdo da representação), porque os indivíduos pensam dessa maneira (funções que esse
conteúdo assume no universo dos indivíduos) e como a representação do grupo se constituiu (processos
psicológicos e sociais que permitiram a construção desse conteúdo), verificando-se que a memória
coletiva está impregnada de lembranças da situação de precariedade que viviam há até poucos anos. A
insegurança de viver em “barracos de madeira”, sob um teto que talvez não suportasse a chuva ou o
vento, o calor insuportável nos dias de maior incidência solar sobre os telhados de fibrocimento e as
paredes que abafavam o ambiente interno ao invés de protegê-lo estão bastante presentes em suas
lembranças, partilhadas pelo grupo, e interferem diretamente na satisfação dos moradores com suas
moradias.
Os resultados apresentados neste trabalho, sem pretender-se que sejam generalistas – evidenciam as
opiniões e conteúdos representacionais de um grupo inserido em seu contexto específico – representações
que podem ser transformadas ao longo do tempo a partir de novas significações que a casa assumir em
seus cotidianos.
Espera-se, com esse trabalho, contribuir para a ampliação do conceito de Conforto Ambiental para
uma visão mais integrada, passando cada vez mais a ser compreendido como, muito além dos aspectos
físicos da casa ou do homem, também relacionado a elementos psicológicos e histórico-sociais.
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