Universidade Católica de Angola Centro de Estudos e Investigação Científica 2 Universidade Católica de Angola Centro de Estudos e Investigação Científica 3 Junho 2013 4 Centro de Estudos e Investigação Científica Universidade Católica de Angola Patrono - D. Damião Franklin Director – Alves da Rocha Relatório Social de Angola 2012 Coordenação: Nelson Pestana (CEIC) Equipa de redacção Alves da Rocha (CEIC) Carla Queiroz Eduardo Sassa (CEIC) Jorge Trula Nelson Pestana (CEIC) Osvaldo Silva (CEIC) Sérgio Calandungo Recolha de informação Cláudio Fortuna (CEIC) Paxote Gunza (CEIC) INVESTIGADORES PERMANENTES Alves da Rocha Francisco Paulo Nelson Pestana Pedro Vaz Pinto Precioso Domingos Sendi Baptista INVESTIGADORES COLABORADORES António Costa Amália Quintão Cláudio Fortuna Eduardo Vundo Sassa Emílio Londa Fernando Pacheco Gilson Lázaro José Oliveira Luís Bonfim Miguel Manuel Milton Reis Osvaldo Silva Salim Valimamade Vera Daves Administração e Finanças Margarida Teixeira Afonso Romão Lúcia Couto Evadia Kuyota 5 TÍTULO Relatório Social de Angola 2012 AUTOR Universidade Católica de Angola EDITOR Universidade Católica de Angola PRÉ-IMPRESSÃO CEIC-UCAN e NovaLitoTipo Lda IMPRESSÃO E ACABAMENTOS NovaLitoTipo Lda MORADA Universidade Católica de Angola Av. Pedro de Castro Vandúnem, 24, Bairro Palanca C.P. 2064 – Luanda Website: www.ceic-ucan.org ©2013 Centro de Estudos e Investigação Científica da UCAN Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução desta obra por qualquer meio (fotocópia, offset, fotografia, etc.) sem o consentimento escrito do editor, abrangendo esta proibição o texto, a ilustração e o arranjo gráfico. A violação destas regras será passível de procedimento judicial. LUANDA, JUNHO DE 2013 1ª EDIÇÃO 1ª TIRAGEM (1.000 exemplares) Registado na Biblioteca Nacional de Angola sob o nº 604-/13 6 7 8 Sumário INTRODUÇÃO 1. CONFIGURAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS 1.1. As eleições gerais em 2012 1.2. O espaço público 1.3. A situação da democracia e da liberdade 2. POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA 2.1. População 2.2. Condições de vida e índice de desenvolvimento humano 2.3. Pobreza e poder de compra dos salários 3. COMPROMISSO COM A SAÚDE 3.1. Quadro epidemiológico do país 3.2. Indicadores-chave de saúde 3.3. Saúde Preventiva 3.4. Saúde Curativa 3.4. Despesa com a saúde 4. COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO 4.1. Ensino primário 4.2. Ensino secundário 4.3. Ensino superior 4.4. Educação de adultos 4.5. Despesa com a educação 5. A SITUAÇÃO DA FAMÍLIA E A CRIANÇA: REALIDADE, COMPROMISSO E DESAFIOS 5.1. Realidade socioeconómica da família em Angola 5.2. Água e saneamento 5.3. Bem-estar e conforto (acesso à informação e novas tecnologias) 5.4. Impacto da pobreza sobre a família e a criança 5.5. Os 11 Compromissos com a Criança e o Orçamento Geral do Estado 6. ACTORES NÃO-ESTATAIS NA ACÇÃO DO DESENVOVLIMENTO E DA SOLIDARIEDADE 6.1. Água e saneamento básico 6.2. O caso da Igreja Evangélica de Angola (IEA) 6.3. O caso da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) 6.4. Contribuição da IEBA no domínio de saúde 6.5. Empoderamento das mulheres, um factor imprescindível para o desenvolvimento, 6.6. O caso da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) 7. A PACIFICAÇÃO E A RECONCILIAÇÃO 7.1. Pacificação 7.2. Reconciliação social CONCLUSÃO BIBIOGRAFIA 9 INTRODUÇÃO Um dos objectivos fundamentais da República de Angola, segundo a Constituição de 2010, é a “criação de uma sociedade de justiça e progresso social” (artigo 1º, CRA), no entanto, há grandes défices no desenvolvimento social e o país permanece divergente e paradoxal porque os indicadores de rendimento e crescimento económicos contrastam com as profundas disparidades na distribuição de riqueza. Neste terceiro ano de edição do Relatório Social de Angola, o Centro de Estudos e Investigação Cientifica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN) pretende, mais uma vez, dar uma panorâmica da situação social do país que possa emparelhar com a da situação económica, proporcionada pela edição do Relatório Económico de Angola. O relatório mantém a mesma orientação metodológica, a de levar em consideração as questões monetárias, as condições e qualidade de vida, a liberdade política, a participação na tomada de decisões, a segurança das pessoas, a participação na vida da comunidade e a sustentabilidade e equidade entre gerações que lhe permita, através de indicadores estatísticos, dados sistémicos e análise conjuntural, dar a conhecer as condições reais de vida das populações, as suas principais preocupações, as linhas de coesão ou ruptura social, o grau de conformidade entre os processos político-sociais e a solução dos problemas fundamentais dos cidadãos, os conflitos sociais e, ainda, a interacção de gerações, nomeadamente a responsabilidade dos actores sociais actuais perante as novas gerações. Neste sentido, o Relatório Social de Angola 2012 apresenta poucas alterações na sua estrutura, em relação ao relatório anterior. Há capítulos que pela sua pertinência se mantêm, com uma actualização de dados e de análise, como são os referentes a “configuração política do país e os espaços de participação dos cidadãos” (capitulo I), ao “ compromisso com a saúde” (capitulo III), ao “compromisso com a educação” (capitulo IV), à “família e a condição da criança” (capitulo V). Também se mantêm os capítulos sobre “população, condições de vida e pobreza” (capitulo II) e sobre “o papel dos actores não-estatais no desenvolvimento” (capitulo VI) que continuam a desempenhar um papel relevante na assistência às populações e mesmo nos processos de seu empoderamento. 10 O primeiro capítulo, pelo facto de 2012 ter sido ano de eleições, deu uma atenção particular a todo o processo eleitoral, mesmo porque eram as primeiras “eleições gerais”, depois da revisão constitucional de 2010 que consagrou uma nova configuração política para o país. Neste capítulo, o sistema de Justiça é também apreciado a luz do seu funcionamento micro, nos municípios, o que permite ver em que medida os princípios constitucionais sobre os direitos fundamentais dos cidadãos, em geral e sobre o acesso à justiça, em particular (artigos 22º a 88º, CRA) são realizados. O segundo capítulo prossegue os mesmos propósitos do relatório que é o de proporcionar “uma visão sobre os indicadores básicos da situação social e, nomeadamente, sobre a relação entre salário e poder de compra”, mostrando como o país rico diverge do estado geral de pobreza da população, porque continua a manter uma profunda desigualdade social e grandes assimetrias regionais e a ausência de um Estado social eficaz. Nos capítulos subsequentes aborda-se, sucessivamente, o compromisso com a saúde, com a educação e com a família e a condição da criança. No capítulo sobre a saúde aborda-se o desenvolvimento dos serviços de saúde, dos programas de saúde pública e das condições de acesso dos cidadãos a estes serviços e compromisso do financiamento da saúde por parte do Estado. O capítulo sobre a educação (IV) versa sobre a situação geral do ensino primário, secundário e universitário, mostrando os pontos críticos do sistema. No capítulo sobre a família e a criança (V) procura-se dar a conhecer a situação dos agregados familiares e das crianças, bem como, ver a realidade, os compromissos e os desafios com elas relacionados. Do esforço de desenvolvimento participam actores não-estatais e desse contributo se dá testemunho no sexto capítulo, onde se realça o papel de algumas organizações religiosas ou laicas que trabalham no terreno, junto das populações, nos domínios da água, da saúde, empoderamento e género, entre outros. As questões ligadas à paz e à reconciliação nacional constituem, mais uma vez, o último capítulo do relatório mas sem incluir a diversidade cultural, abordando a questão identitária apenas de forma indirecta e circunstancial, mesmo se estas questões não deixam de ter a mesma importância para a consolidação do processo de pacificação dos espíritos e para disseminação do espírito de tolerância, necessário ao desenvolvimento harmonioso e partilhado do país. 11 CAPÍTULO 1 CONFIGURAÇÃO POLÍTICA E PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS A preocupação do presente relatório, neste capítulo, continua a ser a de descrever e analisar as formas de funcionamento das instituições do poder, do espaço público e os modos de realização da liberdade e de intervenção dos cidadãos, a qualidade das suas intervenções, a existência e o funcionamento das instituições representativas, bem como, os processos de escolha dos governantes nacionais e locais. Pretende-se dar testemunho do modo de funcionamento da configuração política e da participação dos cidadãos, quer como indivíduo, quer em grupos ou organizações sociais, dando lugar também, até pela sua força simbólica e de mobilização, às percepções que os diversos actores sociais têm do espaço político nacional. No país, após um regime de partido único, de tipo soviético (1975-1991), uma nova configuração política tem início com o processo de transição política e económica, no princípio de 1991, nomeadamente através da consagração constitucional de um catálogo de direitos fundamentais (entre os quais a liberdade de opinião, reunião, manifestação, organização sindical e de greve), da economia de mercado e do multipartidarismo como forma de organização do poder político, nos termos de um “Estado de Direito Democrático”. Ao encetar essa transição para a democracia, como forma política de resolução da guerra civil, foi estabelecida uma agenda de actos concludentes à instauração de um regime de Direito e de Democracia, de jure e de facto que fosse regulado pela realização de eleições regulares para a escolha do Presidente da República, dos Deputados, bem como dos representantes dos munícipes das autarquias locais. O processo teve vários reveses e retrocessos, com a retomada da guerra civil e a impossibilidade de diálogo e de liberdade impostas pela força das armas e pela intenção de restauração autoritária. Porém, a força simbólica da democracia como discurso de legitimação fez com que não houvesse uma renúncia do processo e permitiu uma progressiva consciência jurídica dos cidadãos que passaram a exigir, cada vez mais, a sua constante implementação e a viabilização do seu real funcionamento. A guerra civil, como instrumento de política, permitia o reforço dos poderes beligerantes e a justificação de que era necessária e compreensível a limitação da democracia em defesa da “administração do Estado” e do seu controlo sobre o território e as populações. Em 2002, estabelece-se uma paz militar (pax romana) em que uma das partes se apresenta hegemónica, afasta a mediação internacional, marginaliza a sociedade civil e as igrejas, e comanda, em função de interesses próprios, o “retorno” ao 12 processo de democratização. Depois de tergiversar sobre o calendário eleitoral o poder concorda em realizar eleições legislativas e presidenciais, em separado, as primeiras para 2008 e as segundas para o ano seguinte. As eleições legislativas de 2008 averbaram uma vitória esmagadora do partido no poder com cerca de 82% dos votos e a conquista de 191 dos 220 assentos do parlamento, permitindo-lhe mudar a Constituição à sua feição e eliminar as eleições presidenciais agendadas. Assim, cerca de vinte anos depois de coexistência dialéctica entre a utopia do Estado democrático de direito e a economia política de poder autoritário, a Constituição de 2010 fez o país entrar numa nova etapa do seu desenvolvimento político pois consagrou essa dualidade entre um governo de concentração absoluta do poder numa pessoa e a legitimidade constitucional dos direitos fundamentais dos cidadãos e das suas acções de realização das liberdades públicas correlatas, com vista a gestão democrática e participada da res publica. Desde então, a vida política, no país, tem sido marcada pela tensão permanente entre a realização de direitos e a aspiração de liberdade dos cidadãos, nomeadamente de uma franja da juventude descamisada que pretende fazer ouvir a sua voz e a dificuldade da ordem de facto em conviver de forma pacífica com o cumprimento desses direitos. E, maior é ainda a dificuldade de instalação dessa nova ordem de liberdade, consagrada no catálogo de direitos da Constituição, fora da capital e de uma ou outra das mais importantes cidades do país. O que quer dizer que o ordenamento geográfico da configuração política e da participação dos cidadãos na vida política nacional, condicionada pela macrocefalia do poder, está quase confinado à capital e, mesmo assim com graves limitações. No quadro desta dualidade entre a concentração de poderes e a aspiração de liberdade, o ano de 2012 foi particularmente marcado pela realização das “eleições gerais”, nos termos da nova Constituição de 2010 mas também por manifestações, a favor e contra o poder estabelecido, por movimentos reivindicativos autonomistas e sociais. AS ELEIÇÕES EM 2012 As eleições, lá onde elas existem, são sempre um acontecimento importante porque são um momento de decisão e escolha dos governantes que se repercute na vida dos cidadãos por um determinado período. Em Angola, país onde não há ainda regularidade eleitoral consolidada e em que apenas se realizaram três escrutínios, em 20 anos, ainda maior é a importância do acto eleitoral. Os cidadãos já deixaram como evidente a sua vontade de consolidarem a democracia e conviverem na diversidade de opiniões de projectos políticos. As eleições nunca foram perturbadas pelos cidadãoseleitores apesar destes serem os mais prejudicados pela falta de transparência nos processos eleitorais. Cresce a sua consciência sobre a importância das eleições multipartidárias na vida da Nação e de que a institucionalização do multipartidarismo representou um avanço para o país, porque sendo os partidos políticos tidos como organizações que concorrem, no poder ou na oposição, para a “expressão da vontade 13 dos cidadãos” e para o desenvolvimento do país através da diversidade de “projectos de sociedade e de programas políticos”, são potenciadores de progresso social. As eleições de 2012, sendo as primeiras eleições ditas “eleições gerais”, após a revisão constitucional de 2010, representaram uma grande expectativa. Assim o ano todo foi marcado por essas “eleições gerais” que tiveram lugar a 31 de Agosto. Os meses anteriores foram ocupados quase totalmente com a preparação e expectativa da sua realização, até pela experiência negativa da vez anterior, em que houve uma fraude em grande escala. Quer o poder, quer as oposições, quer ainda a sociedade civil, cada um à sua maneira e visando um propósito próprio, tinham lições a tirar para as eleições do ano em curso, o que tornou tensa a “negociação” do pacote de leis das “eleições gerais”. Depois da aprovação da Lei Orgânica das Eleições Gerais (LOEG), em Dezembro de 2011, foram aprovadas, nos meses seguintes, a Lei de Observação Eleitoral (Lei 11/12, 22 de Março), a Lei do Financiamento aos Partidos Políticos (Lei 10/12, 22 de Março), o Código de Conduta Eleitoral (Resolução 7/12, 23 de Março) e a Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral (Lei 12/12, 13 de Abril). Através do Despacho Presidencial 61/12, de 8 de Maio, foi extinta a Comissão Interministerial para o Processo Eleitoral (CIPPE) e seus desdobramentos, ao nível das províncias e municípios (Resolução 34/04, 21 de Dezembro) que se havia encarregado de todo o processo de preparação das eleições legislativas de 2008, sendo agora esta tarefa atribuída ao Ministério da Administração do Território (artigo 211, LOEG). Nessa mesma altura, através da Resolução 16/12, 23 de Maio, foram clarificadas “as dúvidas e eventuais omissões resultantes da interpretação e aplicação da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais”, nomeadamente os referentes aos prazos (artigo 86º, 5; artigo 87º, 1 e artigo 94º, LOEG). Nos termos da Constituição e da LOEG, foram intervenientes nas eleições gerais vários actores, uns na situação de reguladores do processo, outros de concorrentes e os demais de participantes, nomeadamente a Assembleia Nacional, o Presidente da República, o Tribunal Constitucional, a Comissão Nacional Eleitoral, os partidos políticos ou coligações e organizações regionais, internacionais e nãogovernamentais. o A ASSEMBLEIA NACIONAL A Assembleia Nacional para além de ter aprovado o pacote de leis das eleições, indicou os membros da Comissão Nacional Eleitoral que logo imediatamente tomaram posse diante deste órgão de soberania. A Assembleia Nacional empossou também o novo presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), escolhido por concurso público, pelo Conselho Nacional da Magistratura Judicial. 14 o O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Ao Presidente da República compete a convocação das eleições gerais, “até 90 dias antes do termo do mandato do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional em funções”1 (artigo 112º, 1, CRA), para uma data “até 30 dias antes do fim do mandato” supracitado (artigo 112º, 2, CRA). Para as eleições gerais de 2012, o Presidente da República, após ter ouvido o Conselho da República (artigo 135º, CRA), num ambiente tenso, de pressões e agressões físicas sobre oposicionistas, convocou, nos termos da Constituição e da LOEG, o pleito para o “dia 31 de Agosto”, remetendo certidões do decreto presidencial 93/12, de 24 de Maio, para o Tribunal Constitucional e para a Comissão Nacional de Eleições. Posteriormente, o Presidente da República aprovou a atribuição de uma verba de 9.600.000 kwanzas para suprir as despesas dos partidos políticos com o processo de recolha de assinaturas e preparação da documentação necessárias à sua inscrição para as eleições, junto do Tribunal Constitucional (Decreto presidencial 94/12, de 24 de Maio). Da mesma maneira que para facilitar o processo de candidatura dos partidos políticos ou coligações, já havia exarado um decreto em que se “isenta de qualquer taxas e emolumentos os documentos e actos destinados a instruir” os processos de inscrição para as eleições gerais de 2012 (Decreto presidencial 69/12, de 30 de Abril) o O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ao Tribunal Constitucional compete reger a inscrição dos concorrentes às eleições gerais, determinar a regularidade das listas de candidatos e, consequentemente, decidir quais os partidos políticos ou coligações e respectivos cabeças de lista para o provimento dos cargos de Presidente da República e de VicePresidente admitidos para o pleito. Cabe também ao Tribunal Constitucional funcionar como instância de recurso em relação ao contencioso eleitoral. Antes o Tribunal Constitucional procede ao registo dos partidos políticos e das coligações, verificando a sua regularidade e cumprimento dos requisitos legais para a sua constituição, bem como a legitimidade dos seus órgãos dirigentes, nos termos da lei e dos respectivos estatutos. Nessa qualidade, produziu um acórdão em relação a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), sobre a legitimidade da sua presidência, disputada entre Ngola Kabango e Lucas Ngonda que foi alvo de crítica e suspeição sociais pois o mesmo Tribunal, nas eleições legislativas de 2008, considerou Ngola Kabango que após a morte do líder histórico deste partido, Holden Roberto, foi reconhecido de facto e de direito o Presidente da FNLA e na véspera das eleições gerais de 2012 produz uma reviravolta de 180 graus e considera que Lucas Ngonda 1 O dia do fim do mandato do Presidente e dos deputados cessantes é simultâneo ao da posse dos recém-eleitos que deve acontecer a 15 de Outubro da última sessão legislativa de cada legislatura de 5 anos (artigo 157º, 1 e 2, CRA). 15 presidente legítimo desse partido, quando era patente que este liderava uma facção dissidente minoritária e não tinha aceite participar do Congresso que elegeu Ngola Kabango, em disputa com duas outras candidaturas, num pleito controlado por uma Comissão Eleitoral independente, formada por membros da sociedade civil que foi aceite por todos os três candidatos. Após o Presidente da República convocar as eleições gerais de 2012, para o dia 31 de Agosto, o Tribunal Constitucional, em comunicado, informou aos partidos políticos e coligações, regularmente inscritos naquele tribunal, que poderiam apresentar candidaturas, nos termos da lei, de 31 de Maio (inclusive) a 19 de Junho (inclusive), não sendo este prazo prorrogável. Para recepcionar, avaliar e validar os processos de candidaturas, o Tribunal Constitucional dotou-se de estruturas ad-hoc e trabalhou 24 sobre 24 horas, todos os dias da semana, tendo verificado a conformidade legal de vinte sete pedidos de inscrição de partidos e coligações que correspondiam a 5 mil candidatos e a 400 mil subscritores. Terminado o prazo estabelecido, o Tribunal Constitucional avaliou as candidaturas às eleições gerais, tendo rejeitado recepcionar a candidatura da FNLA liderada por Ngola Kabangu, alegadamente por falta de legitimidade, mesmo se esta não foi objecto de indeferimento ad limine. No dia 6 de Julho, a 56 dias do dia de votação, o Tribunal Constitucional, depois de julgados improcedentes os recursos das formações políticas da oposição considerada radical, por não contemporizar com o regime (BD, PP e MDIA-PCN)2 fez a divulgação da relação dos partidos políticos e coligações que foram inscritos para o pleito eleitoral, validando assim as suas listas de candidatos e os respectivos cabeças de lista. Nesta cerimónia solene de entrega das listas definitivas à Comissão Nacional Eleitoral (CNE), o presidente do Tribunal Constitucional, na presença de todos os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, todos os membros da Comissão Nacional Eleitoral e dos mandatários das nove formações políticas admitidas, considerou que “apesar de todos os esforços feitos, 18 candidaturas das 27 apresentadas” foram rejeitadas e que “a decisão do Tribunal Constitucional, em relação a cada uma das candidaturas não foi o resultado de uma avaliação política, para verificar se são bons ou maus partidos, se são partidos ou coligações com bons ou maus programas eleitorais” mas sim técnico-legal, procedendo à sua “avaliação objectiva”, nos termos da Constituição e da Lei, procurando somente verificar, caso a caso, os requisitos legais e imprescindíveis para a admissão de cada candidatura, nomeadamente os requisitos de (1) estar regularmente inscrito; (2) ter (o partido ou coligação) indicado mandatário; (3) ter apresentado o mínimo de 5000 subscritores apoiantes, no círculo eleitoral nacional e de 500 por cada um dos 18 círculos provinciais; (4) ter o partido político ou coligação apresentado candidaturas suficientes e elegíveis, nos termos da lei, para o círculo eleitoral nacional e para cada um dos dezoitos círculos provinciais. Ao explicar 2 A rejeição da candidatura destes partidos e, particularmente, da do Bloco Democrático (BD) causou alguma suspeição em relação a independência do Tribunal Constitucional, já que não levou em conta os quesitos contestados dos seus recursos e não se conformou com a lei mas com critérios próprios, tendo havido a produção de erros deliberados no processamento dos dossiês pelo Centro de Processamento de Dados. 16 as razões que levaram este tribunal a indeferir, inclusive em instância de recurso, o requerimento dos 18 partidos políticos ou coligações, o seu presidente evocou a insuficiência de apoiantes como a principal causa de rejeição dessas candidaturas mas nada disse sobre o clima de medo que foi criado para impedir que os cidadãos subscrevessem as candidaturas dos partidos políticos da oposição. Tendo anunciado as formações concorrentes como sendo o MPLA, tendo como cabeça de lista o seu presidente José Eduardo dos Santos; a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE); uma coligação de quatro partidos políticos, tendo como cabeça de lista o seu presidente Abel Epalanga Chivukuvuku; o PRS, tendo como cabeça de lista o seu presidente Eduardo Kwangana; a UNITA, tendo como cabeça de lista o seu Presidente Isaías Henriques Ngola Samakuva; a Nova Democracia – União Eleitoral, uma coligação de sete partidos políticos, tendo como cabeça de lista o seu presidente Quintino António Moreira; a FNLA, tendo como cabeça de lista o seu presidente legal Lucas Bengue Ngonda; o Conselho Político da Oposição (CPO), uma coligação de quatro partidos políticos, tendo como cabeça de lista o seu presidente Anastácio João Finda; o PAPOD, tendo como cabeça de lista o seu Presidente Artur Quichona Finda; a Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA), uma Coligação de cinco partidos políticos. O presidente do Tribunal Constitucional reconheceu também que “todas as formações políticas que apresentaram as suas candidaturas, de um modo geral, mostraram grande maturidade, espírito de sacrifício” pois tiveram que “vencer muitas dificuldades e contando com muito poucos recursos para o trabalho que lhes foi exigido”. Apesar do Presidente da República ter atribuído, por decreto, a todos os partidos e coligações um subsídio de 96 mil kwanzas para as despesas de inscrição, este não foi entregue, na maior parte dos casos, senão há poucos dias do fim da data limite de entrega das candidaturas e, em alguns, a quantia apenas foi disponibilizada depois de concluído o processo e após várias missivas rogatórias ao Ministro da Finanças. O presidente do Tribunal Constitucional aludiu ainda a casos de fraude verificados na apresentação de algumas candidaturas que o tribunal transmitiu ao Ministério Público, como seja, a falsificação e repetição de assinaturas de apoiantes, alteração digital de fotocópias de Bilhete de Identidade e de cartões de eleitor, apresentação de apoiantes de listas de outros partidos, mal dissimulada com tinta correctiva sobre os símbolos desses partidos. o A COMISSÃO NACIONAL ELEITORAL A UNITA e demais partidos da oposição apesar de duvidarem da credibilidade dos órgãos eleitorais, deram luz verde ao pacote de leis sobre as eleições, tendo mesmo algumas leis sido aprovadas por unanimidade, como foi o caso da Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). Porém a nomeação da presidente da Comissão Nacional Eleitoral, Suzana Inglês, continuou a gerar discórdia por atropelar flagrantemente a Lei, sendo objecto de uma recusa, em bloco, dos partidos de oposição, tendo a UNITA convocado uma 17 manifestação, em todas as capitais de província, para exigir um processo transparente e justo, na escolha do presidente da CNE. Sorteio da ordem no boletim de voto Após a recepção das listas de candidatos, o presidente da CNE, anunciou que nos termos da LOEG, se iria proceder, nos dois dias ulteriores, ao sorteio das listas apresentadas para atribuição da ordem dos partidos políticos e coligações no boletim de voto. A 8 de Julho procedeu-se ao sorteio, tendo-se estabelecido definitivamente o boletim de voto, tendo os partidos políticos e coligações concorrentes alinhados da seguinte forma: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) Partido de Renovação Social (PRS) Nova Democracia - União Eleitoral (ND) Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA) Conselho Consultivo Político da Oposição (CPO) Partido Popular para o Desenvolvimento (PAPOD) Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) Da mesma maneira que foi sorteada a ordem de apresentação dos tempos de antena, na rádio e na televisão, pelas forças concorrentes às eleições gerais. o DEBATE DE IDEIAS Não há no país uma cultura de debate. A maior parte das vezes o debate, a defesa de ideias próprias e contraditórias, a defesa de opiniões críticas são considerados como atentatórios à concórdia e à paz social entre os angolanos. Mas, as eleições como mecanismo de escolha dos governantes, na base de programas políticos, são também um momento particular de debate de ideias e de maior participação dos actores sociais no espaço público, nomeadamente através da campanha eleitoral, em que as formações políticas concorrentes têm um maior acesso aos órgãos de comunicação social do Estado, através dos seus programas de rádio e televisão, o que não deixa de ser importante sobretudo num país onde a comunicação social do Estado (Rádio, Televisão, Imprensa)3, em período normal, não permite debate de ideias pois estes órgãos estão completamente ao serviço do discurso de vitória do 3 TPA, RNA, ANGOP, JORNAL DE ANGOLA e outras publicações subvencionadas pelo erário público seguem uma linha editorial subordinada ao interesse do partido no poder e, particularmente, do Presidente da República, não tendo em atenção a insatisfação e reclamações da sociedade civil. 18 Executivo e apenas permitem a expressão da concordância e da bajulação. Numa situação em que a comunicação social está quase totalmente controlada pelo poder político e económico, que no país é a mesma coisa, sendo condicionada a servir os interesses dos grupos de poder, ocultando ou viciando a informação, dando tratamento parcial aos actores sociais no seu acesso aos meios de informação, monopolizando a tematização política, económica, social e cultural, não praticando o contraditório nomeadamente entre o poder e seus desdobramentos e a oposição ou qualquer outro actor que não seja satélite do sistema de poder instituído, colocando muitos líderes políticos e personalidades nacionais em situação de morte simbólica, não permitindo que a sua imagem seja difundida, nesses órgãos, mesmo em actividades que não estejam directamente ligadas à política, maior ainda é a importância do momento de debate eleitoral. Por seu lado, a comunicação social privada (designada independente) foi alvo de uma campanha de higienização em relação ao contraditório de maneira a tornar a opinião pública mais favorável às percepções do poder sobre a política e sobretudo sobre a sua realização em concreto, afastando desses órgãos as vozes dissonantes em relação ao discurso oficial ou oficioso que tem sempre uma apreciação positivíssima sobre a sua acção governativa. As instituições do Estado estão também todas subordinadas aos interesses de poder do Presidente da República e do seu partido, tratando os cidadãos de forma discriminatória em função da sua filiação político-partidária. A integração de funcionários da administração pública directa é subordinada a critérios políticopartidários, sendo os concursos, maior parte das vezes, apenas justificativos de uma imagem de imparcialidade. No entanto, há uma evidente monopolização de informação sobre as políticas públicas, as decisões tomadas top/down sem nenhuma participação dos cidadãos e a utilização por parte do círculo de poder de informação privilegiada para tirar vantagens políticas, económicas, financeiras e sociais. O período de campanha eleitoral é um momento privilegiado de relativa liberdade pois a administração tem que observar uma maior imparcialidade perante todos os actores políticos, apesar de continuar a privilegiar o sistema de instituições do partido no poder que tem, o tempo todo, acesso à administração, a vantagens das políticas, aos órgãos de comunicação social, às infra-estruturas do Estado, enquanto as organizações da oposição ou da sociedade civil que não estejam ligadas ao poder são preteridas ou mesmo perseguidas, através de bloqueios e outras formas de impedimento mais sofisticada. Apesar do debate político ser frágil, porque não contraditório, porque a oposição não dispõe da oportunidade de apresentar de forma aberta e clara os seus pontos de vistas sobre a vida política, económica, social e cultural do país, houve “debate” sobre o pacote de leis sobre as próprias eleições e sobre a comunicação social. CAMPANHA ELEITORAL 19 A campanha eleitoral durou todo o mês de Agosto e teve a cobertura de todos os órgãos de comunicação social nacional e estrangeiro. Mas, nunca foi equilibra porque desde início que houve um grande desequilíbrio de meios e falta de isenção da parte dos media estatais. Foi novidade, em relação aos temas de campanha eleitoral, o surgimento da questão da homossexualidade que foi rejeitada, por alguns partidos políticos como sendo contrária à africanidade e às tradições do continente. José Eduardo dos Santos, cabeça de lista do partido de poder, fez uma campanha de Estado, utilizando todos os meus públicos ao seu dispor e confundindo a sua condição de Presidente da República com a de candidato, pelo que utilizou a força física da administração e da Polícia Nacional, para “obrigar” autoridades morais da sociedade local, em todas as províncias, a estarem presentes aos seus actos políticos, quer inaugurações de obras públicas, quer comícios, onde reformulou as mesmas promessas do pleito anterior, desta vez, com o slogan: “Produzir mais, para distribuir melhor”, ou para refutar as críticas da oposição, desacreditando-a porque “critica, fala, ameaça…”4. A sua campanha terminou com um programado megacomício, no Estádio 11 de Novembro, onde perante cerca de metade das pessoas esperadas, as suas promessas eleitorais reformuladas, sem nunca ter feito uma avaliação crítica das promessas anteriores, levaram a novas promessas sem nenhum fundamento de sustentabilidade. Os demais partidos optaram por um contacto directo, porta-a-porta, com o eleitorado, perante uma certa indiferença da população, apesar de nos últimos anos ter perdido o medo. De resto, a mensagem eleitoral era passada sobretudo através dos programas de rádio e de televisão. O presidente da Unita, no derradeiro momento, tentou adiar as eleições, alegando falta de condições para a sua realização de forma transparente, apelou a um encontro com o Presidente da República e pós em dúvida a participação do seu partido nas eleições nessas condições, concluindo que eles não poderiam “ser responsabilizados pelo que vi(esse) a acontecer”5. Já havia o sentimento de que consoante as eleições se aproximavam do dia da votação aumentava o medo e o receio de poder vir a haver confrontos entre apoiantes dos maiores partidos, como já tinha acontecido em Benguela e no Hiambo, fruto de intolerância política. O clima político geral estava nublado pelo assassinato de militantes da oposição, jornalistas (Alberto Chakussanga) e o desaparecimento de cidadãos e activistas, nomeadamente Alves Kamulingue (27 de Maio), Isaías Cassule (29 Maio) e Milocas Perreira (bissau-guiniense), sem que as autoridades tivessem a preocupação de investigar e dar uma explicação pública sobre estes casos, apesar das manifestações e pressão feitas pela sociedade civil, ao ponto do fórum nacional das ONG instar a Comissão Africana para os Direitos Humanos, solicitando que os Estados-membros exigissem do Executivo o esclarecimento destes desaparecimentos e eventuais assassinatos e a constituição de uma comissão independente. Ainda assim a CASA-CE mostrava-se muito confiante de vir a ganhar as eleições e de constituir um novo executivo para acabar com os “32 anos de poder não 4 5 José Eduardo dos Santos, comício de campanha em Benguela, Declaração de Isaías Samakuva, presidente da Unita… 20 eleito”. A sua campanha foi virada para as classes médias urbanas, tendo nestas recolhido a maior parte dos seus votos. O PRS, insistindo na ideia do federalismo, elegeu como tema principal da sua campanha a denúncia da corrupção e da desgovernação, surpreendendo a opinião pública pela acutilância da sua campanha, o que levou a CNE a ameaça-lo (tal como a CASA-CE) de suspender o seu direito de expressão e os tempos de antena na televisão e na rádio. Os demais partidos procuraram captar votos através de uma campanha “à la carte”, procurando temas fracturantes que mais têm mobilizado o descontentamento dos cidadãos, nomeadamente, o ensino, a saúde e as condições de vida em geral, para além da reivindicação de uma melhor distribuição da riqueza nacional. A campanha não teve somente como intervenientes os nove concorrentes (partidos políticos e coligações) inscritos, mas também outros partidos cuja inscrição foi recusada que intervieram no espaço público, fazendo campanha a favor da derrota do partido no poder, de forma autónoma (Bloco Democrático) ou declarando apoio explícito a um partido político concorrente (no caso, a UNITA), integrando, inclusive, a sua campanha eleitoral (Partido Popular e MDIA-PCN). Houve também a intervenção de activistas cívicos e de organizações da sociedade civil que apelaram para que os eleitores dessem atenção aos programas eleitorais e que votassem em consciência, naqueles que mais se aproximassem dos valores da democracia. Outros, difezam uma campanha de denúncia, visando os concorrentes que utilizaram discursos de motivação à violência ou à intimidação. Para além disto, algumas organizações procuraram intervir no quadro da educação cívica, já que até a campanha dita de educação cívica para o correcto exercício do voto, promovida pela CNE, era manipulada procurando favorecer o voto no partido de poder, não havendo a preocupação de se produzir um verdadeiro esclarecimento dos eleitores, em relação às opções de que dispunham. o OS RESULTADOS ELEITORAIS 2012 Mais uma vez as eleições, em 31 de Agosto, foram eleições ordeiras em que os cidadãos demonstraram o seu elevado sentido cívico e a sua grande vontade de contribuir para a consolidação de um poder baseado na legitimidade democrática. Estas eleições marcaram uma nova era no panorama político formal do país porque permitiram também a designação do Presidente da República e de um Vice-Presidente, o que resulta na legitimidade legal do Chefe de Estado e na designação de um seu coadjutor pois a Constituição diz que em caso de impedimento definitivo do Presidente da República é substituído pelo vice-Presidente que “cumpre o mandato até ao fim, com a plenitude de poderes” (artigo 132º, 1, CRA). Após o apuramento total dos votos, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) publicou os resultados eleitorais definitivos que atribuíram, mais uma vez, a vitória ao MPLA, com 4.135.503 votos, correspondendo a 71,84% dos votos validamente expressos e a 175 deputados, dos 220 deputados da Assembleia Nacional. Os resultados atribuídos ao partido do poder, em alguns municípios, eram comparáveis 21 aos resultados de eleições do sistema soviético de partido único, embora, alguns analistas, os considerem como possíveis pelo facto de haver “medo” mas também “satisfação” por parte dos cidadãos eleitores, nesses municípios. Mais uma vez a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) vem em segundo lugar, com 1.074.589 votos, correspondendo a 18,66% dos votos validamente expressos e a 32 assentos no parlamento, seguida da recente Convergência Ampla de Salvação Nacional - Coligação Eleitoral (CASA-CE), com 345.589 votos, correspondendo a 6% dos votos e a 8 deputados. Em quarto lugar ficou o Partido de Renovação Social (PRS) com 98.233 votos, correspondendo a 1,70% e a 3 deputados e finalmente a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada por Lucas Ngonda, com 65.163 votos, correspondendo a 1,13% e a 2 deputados. Os restantes concorrentes não obtiveram assentos no parlamento e ficaram mesmo abaixo da fatídica linha de o,5% dos votos validamente expressos. A Nova Democracia (ND) que apesar de nas anteriores eleições, para surpresa de todos os observadores políticos, ter tido direito a 2 deputados, não ultrapassou agora 13.337 votos, correspondendo a 0,23% dos votos, o Partido Popular para o Desenvolvimento (PAPOD), saído de um anonimato absoluto, a ele voltou, ao obter 8.710 votos, correspondendo a 0,15%, a Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA), uma coligação desconhecida do espaço político até a sua inesperada inscrição junto do Tribunal Constitucional, teve 8.260 votos, que correspondem a 0,14% e o Conselho Político da Oposição (CPO), com 6.644 votos, referentes a 0,11%. Para um corpo eleitoral de 9.757.671 eleitores, apenas compareceram às urnas 6.124.669 eleitores, o que fez com a abstenção atingisse os 33,23% dos eleitores, embora se saiba que muita dela foi forçada, pois muitos eleitores foram confrontados, no próprio dia em que se apresentaram para votar, com o facto de ter sido, sem prévio aviso, trocado o seu local e a sua mesa de voto, para distancias longínquas, o que os impossibilitou de votar. Para além de ter havido 368.665 votos inválidos ou nulos, mais do que o terceiro classificado e correspondendo a 5,1% do conjunto de eleitores. Os resultados de 2012 repetiram assim as vitórias sucessivas do partido de poder, nas duas anteriores eleições. Em 2008, os resultados haviam também dado a vitória ao partido do poder, com uma maioria abusiva de 82% dos votos, enquanto a Unita perdeu dois terços dos votos que obteve em 1992, ficando reduzida a pouco mais de 10% e apenas 16 deputados. O PRS (Partido da Renovação Social) foi então o terceiro partido mais votado, com 3% e 8 deputados, mais dois que na anterior legislatura. A FNLA ficou com apenas 1% dos votos e 3 deputados. A recém-chegada e desconhecida coligação Nova Democracia (ND) elegeu 2 deputados. As eleições de 2008 foram também muito desiguais e os partidos de oposição tiveram muito pouco espaço de intervenção, tendo sido criticada, por observadores nacionais e internacionais, o predomínio do partido de poder nos meios de comunicação do Estado e a falta de liberdade de imprensa, para além da intimidação das populações, a chantagem da paz e a ameaça do retorno à guerra. No enclave de Cabinda, em particular, houve forte presença militar nos locais de votação. Já em 1992, quando da realização das primeiras eleições legislativas e presidencial, o partido de poder foi vencedor das eleições legislativas com 51,% dos votos validamente expressos, seguido da Unita com 32% e 70 deputados. Nessa altura 22 o partido governamental dispunha de uma maioria absoluta de 129 assentos dos 220 da Assembleia Nacional. Estavam também representados no parlamento o Partido da Renovação Social (PRS) que dividiu a liderança com o Mpla, nas duas províncias do leste do país (Lunda-Norte e Lunda-Sul), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) que se mostrou uma forte força na província do Zaíre, onde conseguiu dois dos cinco deputados do círculo. Logo a seguir à publicação dos resultados, das eleições de 2012, tal como no passado, foram produzidas críticas por todos os partidos de oposição partícipes das eleições e por diversas organizações da sociedade civil. Analistas nacionais consideraram que a decisão dos partidos políticos de oposição impugnarem os resultados publicados, diante das instâncias competentes, não foi apenas o exercício de um direito dos cidadãos e destes partidos mas também um acto pedagógico em relação a criação de uma cultura democrática. Em Cabinda, com suas particularidades e marcada pela presença dos movimentos autonomistas, onde, ao mesmo tempo, a FLEC6 e o Movimento Nacional Cabinda apelaram ao boicote das eleições, como forma de protestar contra a indiferença dos “partidos políticos angolanos”, em relação ao caso Cabinda, e os activistas cívicos cabindas, integrados em listas de partidos da oposição, apelavam ao “voto do povo oprimido” (Marcos Mavungo), apesar de terem consciência de que uma parte da população não estava interessada nas eleições gerais, devido às “violações dos direitos humanos”, a publicação dos resultados provinciais foi também seguida de reclamação dos partidos políticos da oposição e a sociedade civil local porque os resultados, segundo estes, não reflectiam a vontade popular, pelo que se negaram a reconhecer esses resultados publicados pela Comissão Nacional Eleitoral. Enquanto os partidos políticos se empenhavam na verificação oficiosa dos resultados, algumas organizações da sociedade civil acompanhava o processo fornecendo elementos sobre irregularidades e argumentos de contestação e outras legitimavam o processo repetindo, mais uma vez, o chavão das “eleições livres e justas”, apesar de algumas irregularidades observadas. Por seu lado, os jovens da “Central Angola”, a plataforma informática, do movimento revolucionário, prometiam continuar na mesma linha de luta, através de manifestações pacíficas, porque também consideravam as eleições pouco transparentes e até fraudulentas, comparáveis, segundo Marcolino Moco7, às eleições do regime de Salazar e Caetano, no Portugal colonial-fascista. Enquanto isto, a comunicação social interna, laudatória e bajuladora, continuava a vender a ideia de que a vitória do partido de poder era fruto da sua óptima governação e do reconhecimento reverencial do povo às virtudes excepcionais do seu líder natural. Alguma da imprensa privada alinhava pelo mesmo diapasão com maior subtileza e considerava que os partidos de oposição precisavam demostrar mais trabalho e procurar maior empatia com os eleitores, dotando-se de líderes mais capazes e aglutinadores. 6 A FLEC afirmava que as eleições eram alheias aos cabindas e que o mais importante era encontrar uma solução para o conflito que já dura a 38 anos, em negociações directas com o governo de Angola. 7 Marcolino Moco foi primeiro-ministro (1992-1996) e continua a declarar-se militante do MPLA, embora tenha, desde há alguns anos, enveredado por uma linha de conduta independente e crítica em relação as derivas autoritária e novo-riquismo do poder. 23 Por seu lado, a comunicação social estrangeira que antes havia dedicado bastantes matérias factuais e algumas análises às eleições gerais, como os resultados não traziam nenhuma novidade em relação a continuidade do regime, retirou rapidamente esta matéria das suas manchetes e das grelhas editoriais. o EXTINÇÃO DE PARTIDOS A Lei dos partidos políticos determina que todos os partidos políticos concorrentes às eleições que não obtenham, por eles próprios ou através de coligação, 0,5% dos votos validamente expressos, são extintos (artigo 33º, 4, al. I, Lei 22/10, 3 de Dezembro) sob requerimento do Presidente da Assembleia Nacional, do ProcuradorGeral da República ou de um qualquer partido político (artigo 33º, 5, Lei 22/10, 3 de Dezembro). Nesta condição de eminência de extinção, em função dos resultados publicados em 2012, estão todos os partidos das coligações Nova Democracia (ND), com 0,23%, Frente Unida para a Mudança de Angola (FUMA), com 0,14%, Conselho Político da Oposição (CPO), com 0,11% e o Partido Popular para o Desenvolvimento (PAPOD), com 0,15%. Também estão na condição de eminência de extinção os partidos políticos que não participaram, nas eleições de 2008, nem nas eleições de 2012, como são o caso do Partido Popular (PP) que viu a sua candidatura recusada pelo Tribunal Constitucional depois de lhe terem sido anuladas 6.516 assinaturas. o RECLAMAÇÕES Perante as irregularidades constatadas no processo de votação, os três partidos da oposição, concorrentes às eleições de 2012, UNITA, CASA-CE e PRS, apresentaram recursos graciosos a Comissão Nacional Eleitoral, seguidos de recursos contenciosos ao Tribunal Constitucional, pois todos eles foram indeferidos, nessa primeira instância. A decisão do Tribunal Constitucional foi igualmente de rejeitar os argumentos desses partidos políticos, dando como válidas, "livres, transparentes, universais e justas”, as eleições gerais de 2012 e reiterando os resultados publicados pela CNE, embora este voto não tenha sido unânime, entre os juízes-conselheiros. NOVA ASSEMBLEIA NACIONAL Perante isto, as formações políticas representadas na Assembleia Nacional, continuam a ser cinco; o MPLA, a UNITA, a CASA-CE (que toma o lugar do meteorito Nova Democracia), o PRS e a FNLA. O MPLA dispõe de nova maioria qualificada mas 24 agora apenas com 175 deputados, dos 220, o que corresponde a uma perda de 16 deputados, para a legislatura de 2012-2017, em relação à legislatura anterior. A UNITA com 32 deputados, correspondendo a um incremento de 16 deputados, em relação à legislatura anterior, mantendo a condição de principal partido da oposição. A terceira força política mais votada obteve oito deputados e é recém-chegada Convergência Ampla de Salvação de Angola-Coligação Eleitoral (CASA-CE). O PRS estranhamente “perdeu eleitorado” e elegeu apenas 3 deputados e não 8 deputados como tinha na anterior legislatura (2008-2012). Finalmente a FNLA, liderada por Lucas Ngonda, embora ainda se reclamando da sua gesta histórica, obteve apenas 2 deputados, menos um deputado que em 2008. A credibilidade das eleições Os resultados não traziam surpresas, o partido do candidato-presidente José Eduardo dos Santos manteve a sua maioria qualificada, embora tenha reduzido o número de deputados. Os partidos da oposição e os críticos do regime questionam, no entanto, a legitimidade do sufrágio. Por isto, a credibilidade das eleições foi tema de apreciação divergente por parte dos actores reguladores, intervenientes, cidadãos e observadores internos e externos. A CNE e a Polícia Nacional garantiram imediatamente que o processo eleitoral foi justo e sem incidentes. A comunicação social do Estado organizou mesas permanentes com analistas do gabinete de análises da Casa Militar e Civil da Presidência da República que compreendendo que a legitimidade do candidato-presidente José Eduardo dos Santos estava mais uma vez dependente da credibilidade do processo eleitoral e da situação política e social no país, garantiam que as eleições gerais de 2012, mais uma vez, tinham sido um exemplo de organização e transparência e que os resultados espelhavam o sentimento de reconhecimento dos eleitores pela boa-governação do Presidente da República. Aquilo que pretendeu ser o debate pós-eleitoral foi completamente dominado por estes “speak doctors”. Nem mesmo os dirigentes do partido político dado como vencedor das eleições tiveram direito à palavra nos órgãos de comunicação social estatal. Em comunicado, o MPLA admitiu que houve "dificuldades", embora tenha considerado também que as eleições foram “justas e livres”. Abel Chivukuvuku que se apresentou como alternativa e challenger do candidato-presidente José Eduardo dos Santos, porque afirmava antes que a sua coligação iria ganhar as eleições, durante a publicação dos resultados, mostrou-se desiludido com o processo eleitoral e afirmou que não iria reconhecer os resultados das eleições nas mesas onde os seus delegados não participaram e onde não fossem fornecidas as actas-sínteses das operações eleitorais, como está previsto na Lei Orgânica das Eleições Gerais. E, por isto, analistas políticos africanos consideraram que não se podia dar como verificada a legitimação eleitoral de José Eduardo dos Santos porque o contexto do sufrágio não foi transparente8. 8 David Zounmenou, investigador do ISS, em Pretória. 25 A UNITA denunciou uma fraude e garantiu vir a usar todos os recursos para contestar os resultados das eleições, mesmo depois da CNE ter dado a sua última palavra sobre as queixas da oposição. No entanto, receando uma anunciada reacção virulenta e violenta da Polícia Nacional, como já o havia anunciado a sua mais alta hierarquia, conformou-se e tomou posse na novel Assembleia Nacional. O que foi motivo de convocação de uma manifestação do movimento revolucionário junto da sede deste partido político, pois os jovens pretendiam aquilo que designava por “um comportamento coerente” da parte da direcção da UNITA. o Observadores nacionais A CNE rejeitou credenciar 583 observadores nacionais, das mais diversas organizações da sociedade civil, tornando o processo menos participativo e dando já sinais de falta de imparcialidade e vontade de transparência e credibilidade. Em consequência, um conjunto de organizações criou uma estrutura de acompanhamento da votação, nomeadamente através de uma plataforma informática para receber denúncias de irregularidades e para fazer acompanhamento da contagem dos votos e publicação de resultados. o Observadores internacionais A contestação aos resultados publicados se fazia, em crescendo, pelos partidos políticos da oposição e das organizações da sociedade civil, enquanto a voz dissonante dos observadores internacionais dos PALOP e da União Africana falavam de “eleições credíveis”. O enviado especial de Deuteshe Wella-África que conversou com eleitores em diversos bairros de Luanda, falava em “irregularidades e falta de organização“. No entanto, o presidente da Comissão Europeia, Manuel Durão Barroso, veio a Luanda dizer que as eleições tinham sido democráticas. Na sequência, um deputado europeu alemão, para além de criticar a corrupção num país dependente do petróleo, acusou-o de colocar, com o seu comportamento, os interesses portugueses acima da democracia angolana. Polémica marca as eleições de 2012 26 As eleições foram, desde o início, acompanhadas de muitas polémicas. Uma delas foi a nomeação de Suzana Inglês9 para presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). A sua nomeação foi criticada pela oposição e por sectores da sociedade civil por ela, na sua condição de militante da OMA (organização de massas do MPLA) ter um vínculo político ao partido político no poder. Várias instituições intervieram ou deram opinião sobre uma tal nomeação o Conselho Superior da Magistratura Judicial, o Tribunal Supremo; o Ministério da Administração do Território. Também foram realizadas várias manifestações exigindo o seu afastamento do cargo e o Tribunal Supremo acabou por dar razão aos críticos, declarando que a nomeação era inconstitucional, devido ao facto de Suzana Inglês não exercer o cargo de juíza, requisito fundador exigido pela lei, anulando o acto administrativo do Conselho Superior de Magistratura Judicial, ao reiterar a advogada no lugar de presidente da Comissão Nacional Eleitoral que havia sido nomeada pelo Presidente da República. A repressão brutal da onda de manifestações contra o governo de José Eduardo dos Santos, que surgiu paralelamente à primavera árabe em 2011, também é motivo de críticas: segundo os observadores, esta repressão terá provocado um clima de medo em certos círculos da sociedade angolana. Outro problema é a falta de liberdade de imprensa, assim como o controlo dos meios estatais de comunicação por parte do MPLA e do poder financeiro ligado ao partido no governo. o Direito de manifestação O direito de reunião e de manifestação estão consagrados na Constituição que diz que “é garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de autorização e nos termos da lei” (artigo 47º,1, CRA) embora, diga também, que “as reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos na lei” (artigo 47º, 2, CRA). No entanto, o poder ainda não consegue conviver de forma tranquila com o exercício deste direito dos cidadãos, dando lugar a intervenções de força, primeiro dos governos provinciais que, normalmente “proíbem” as manifestações por falta de conveniência e oportunidade, ou por parte da Polícia Nacional (quando não por milícias armadas) que impede o acesso ao local de manifestação pela força, recorrendo inclusive à repressão física e à prisão dos manifestantes. Os governos provinciais “proíbem” as manifestações e procuram justificar essa “proibição” como um acto administrativo normal de indeferimento de um pedido, pois entendem a nota de comunicação dos organizadores da manifestação como tal. O texto constitucional, no entanto, não se presta a dúvidas pois diz ipsis verbis que não há “necessidade de autorização” mas tão-somente, “prévia comunicação à autoridade competente”. O governo de Luanda foi ao ponto de avocar a si próprio a competência para regulamentar o exercício do direito de manifestar, determinando os locais 9 O que se sabe até agora é que ela, Dra. Luzia Inglês, já não é magistrada há mais de 10 anos, mesmo se sabe que a lei não permite que ela seja presidente da Comissão Eleitoral, por não ser “juiz no activo”. 27 públicos onde se poderia manifestar. Esta postura do Governo provincial de Luanda foi posteriormente anulada pelos órgãos judiciais. Neste contexto, jovens angolanos, ditos revolucionários, com origem nos meios do hip-hop angolano, supostamente influenciados pela “primavera árabe” (as manifestações em países como a Tunísia, o Egipto, a Líbia, o Iémen, a Síria e outros) tomaram a liderança da luta pela democracia, com por meio de manifestações, o que foi sempre uma tarefa muito arriscada, quer durante a guerra, quer nos anos imediatamente posteriores à paz. Estes jovens, apesar da inobservância dos postulados constitucionais pelas forças da ordem, em desfavor dos cidadãos contestatários, recorrem à força de garantia desses direitos, e entendem os preceitos constitucionais como uma justificativa social para todos os cidadãos que entendem manifestar publicamente o seu descontentamento, sobretudo porque contrariamente a anos anteriores, em que a resposta às manifestações de contestação do poder era a promoção de manifestações de apoio, a nova forma de barrar caminho às manifestações foi o recurso, não somente a repressão policial mas também de milícias armadas em defesa do regime. Em verdade, este ano de 2012 foi marcado por manifestações constantes sobretudo em Luanda, mas também em outras capitais provinciais (Benguela, Huambo, Bié e Malange), algumas delas realizadas pelo partido no poder, organizações civis, e por partidos da oposição (UNITA, PRS e FNLA- Ngola Kabango). As manifestações a favor do governo eram designadas “marchas para a paz” e tinha não somente o favor da propaganda dos meios de comunicação social do Estado mas também a protecção das autoridades administrativas e da Policia Nacional. Por seu lado as manifestações contra o governo foram sempre “proibidas” e reprimidas, prosseguindo a repressão brutal da onda de manifestações contra o governo de José Eduardo dos Santos, que surgiu em 2011. Sendo que este ano se chegou ao ponto de se agredir barbaramente um dirigente de um partido político da oposição (o secretário-geral do Bloco Democrático) por um grupo da milícia armada, ao serviço de um cabo eleitoral de José Eduardo dos Santos, com a conivência da Polícia Nacional. O que foi também motivo de críticas dos partidos de oposição, da sociedade civil e de notáveis. Esta repressão terá provocado, na opinião de alguns observadores, um clima de medo em certos círculos da sociedade angolana, condicionando a sua participação política e cívica, apesar de se observarem mudanças significativas no modo de pensar da sociedade civil que se revela cada vez mais consciente, em relação aos seus direitos fundamentais. Outro problema que marcou o ano 2012 foi a falta de liberdade de imprensa, assim como o controlo dos meios estatais de comunicação por parte do MPLA e do poder financeiro ligado ao partido no governo. O que permitiu um bloqueio de informação e mesmo a montagem de campanhas de desinformação em relação aos actos políticos da oposição. o Movimento reivindicativo autonomista 28 Angola tem actualmente dois movimentos reivindicativos autonomistas; um, em Cabinda que é amplamente conhecido, até pelo seu pendor independentista, e nas Lundas que é quase desconhecido. Ambos reivindicam a autonomia dos seus respectivos territórios de origem, baseados na ideia de que eram unidades territoriais autónomas no quadro da ocupação territorial colonial. Em Cabinda os movimentos independentistas genericamente designados por FLEC apresentam o Tratado de Simulambuco (1885) como fonte de legitimidade para esse reconhecimento e continuam as suas acções políticas e militares de baixa intensidade, no sentido de levar o Governo central à mesa das negociações para a solução do que se designa por “caso Cabinda”. Não obstante, o protocolo de entendimento entre o Governo e o Fórum Cabindês Diálogo (FCD) e os acordos de paz estabelecidos, os diversos grupos independentistas continua a considerar pertinente uma ronda de negociações entre as partes “beligerantes”. Nas Lundas instalou-se um movimento autonomista designado “Comissão do Manifesto Jurídico-Sociológico da Lunda-Tchokwe” que reivindica um estatuto particular para aqueles territórios que, no seu entender, eram parte do Império LundaTchokwe e passaram a constituir, a partir de 1894, um protectorado de Portugal, pelo que, em consequência, reclama que se processe, em observância do direito positivo internacional, a sucessão colectiva dessa entidade político-territorial, atribuindo-lhe um estatuto de autonomia. Este ano de 2012 foi marcado pela entrega, ao Presidente da República, de um documento que o movimento designa “Magna Constituição da Lunda-Tchokwe” e pelas sucessivas greves de fome feitas por alguns dos presos de consciência deste movimento. o Movimento reivindicativo social e trabalhista Para além das manifestações há também a considerar o movimento reivindicativo e de greves que foi promovido por vários comissões sindicais ou sindicatos. Sendo um ano de eleições, houve um natural acréscimo das reivindicações salarias e de condições de trabalho, porque os trabalhadores entendiam que nesta conjuntura as suas reivindicações seriam mais facilmente atendidas, pois o partido no poder teria todo interesse em evitar conflitos que poderia dar a ideia de um descontentamento generalizado das populações e de uma imagem negativa na opinião pública da sua governação e dos seus resultados. O PARLAMENTO A actividade do Parlamento, ao longo do ano de 2012, resumiu-se a pouco mais do que à sua função de câmara legislativa, tendo ocupado grande parte do seu tempo a discutir e a aprovar o pacote de leis eleitorais, de que resultaram várias 29 tensões políticas entre deputados do partido da situação, em maioria, e os partidos políticos da oposição. Perante a sua fragilidade no Parlamento, a UNITA fez uso, algumas vezes, da política de cadeira vazia10, retirando-se do hemiciclo e não participando da votação dos diplomas em discussão, pretextando estar em causa questões de princípio e estruturantes do regime constitucional vigente. Houve casos de grande tensão política e social que revelaram preconceitos de cariz regionalista quando perante a declaração de abandono da Assembleia Nacional o líder parlamentar da UNITA usou a expressão “em nome do povo soberano”, e se entendeu “em nome do povo sulano”, os deputados da bancada do MPLA apuparam os seus colegas designando-os por “Bailundos”, tendo depois o chefe da bancada do partido de poder considerado que aquele gesto dos deputados da UNITA eram uma manifestação de ingratidão pois estes “comem da nossa comida e utilizam os nossos carros”. Sistema de Justiça O ano de 2012 não foi apenas agitado do ponto vista político, devido as movimentações próprias de anos eleitorais, foi também um ano agitado no plano judicial, em que o Sistema de Justiça nacional, foi, mais uma vez, posto à prova na sua estrutura, funcionamento e legitimidade aos olhos dos cidadãos. Vários casos judiciais tiveram uma relevância particular, nos órgãos de comunicação social, enchendo as suas manchetes, como foram os processos conhecidos do grande público como casos Nerika, BNA e Quim Ribeiro. Casos em que a Polícia Nacional e o tribunal não souberam tratar com suficiente celeridade e transparência de maneira a deixar a sociedade mais crédula em relação ao sistema de justiça do país. Para este estado de espirito da opinião pública em relação a subordinação do poder judicial ao poder político contribuiu a maneira como se desenrolaram os julgamentos, em Tribunal de Polícia, de manifestantes que foram presos, por exercerem um direito constitucional a que o governo se lhe opôs. Também colheu os favores dos media a queixa-crime, contra o Presidente da República, acusado pelo advogado David Mendes de “crime de peculato, corrupção e abuso de poder” que não deixou de ter impacto a nível nacional e internacional, apesar de ter sido arquivada pelo Procurador-Geral da República, que se declarou incompetente para dela tomar conhecimento, porque um tal processo, nos termos da Constituição, é da competência da Assembleia Nacional11. O Sistema de Justiça nacional continua a padecer dos males de lentidão, falta de independência relativa ao poder político e permeabilidade à corrupção, para além de que não é “um recurso acessível à grande maioria dos cidadãos, nomeadamente para aqueles que vivem fora dos grandes centros urbanos”, onde “o recurso ao soba ou 10 Vide o Jornal de Angola, 26 de Março de 2012, o parlamento aprovou o Estatuto do Deputado, através do qual, impede que os deputados possam abandonar o hemiciclo, mesmo que não concordem e queiram protestar contra o assunto em debate. Art.127º,nº1,3 e art.129º nº5 al. a) da Constituição de Angola de 2010, segundo estes artigos a abertura de uma queixa-crime contra o Presidente da República é da competência da Assembleia Nacional, a requerimento de um número de deputados. 30 sekulu é o mais frequente”12. Os cidadãos recorrem a estas autoridades tradicionais porque são mais próximas, a contrastar com ausência das instituições do Estado, em relação as quais não têm também muita confiança. Por outro lado, a maior parte dos cidadãos, mesmo os de segmentos de maior escolaridade, apesar de terem a noção da existência do sistema nacional de justiça, desconhecem as leis, a organização do Estado e, particularmente, do sistema judiciário. Por isto, muitas vezes recorrem à Policia porque acham que esta lhes parece ser mais célere na resolução de situações e conflitos do que os tribunais, para além de que os processos formais são dispendiosos e não estão ao alcance da maior parte dos cidadãos. o ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A administração pública, num Estado moderno, é por natureza uma instituição imparcial que tem por princípios de funcionamento, como diz a Constituição da República, a “igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, responsabilização, probidade administrativa e respeito pelo património público” (artigo 198º, CRA), tratando todos os cidadãos de forma igual, independentemente da sua “ascendência, sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas, ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão” (artigo 23º, CRA). No entanto, as organizações satélites do sistema de poder instaurado13 e os cidadãos a ele ligados têm privilégios e beneficiam de um tratamento diferenciado próprio de uma administração de um partido-Estado, enquanto as organizações da sociedade civil são objecto de bloqueios diversos, descarados ou dissimulados. A situação da democracia e da liberdade A situação da democracia e da liberdade no mundo, em África e em Angola não parece ter progredido muito. Apesar de haver novas teorias sobre participação dos cidadãos na esfera pública, o envolvimento destes nos negócios públicos não corresponde a essa progressão. Este relatório, para dar uma ideia de como evoluiu a democracia e a liberdade, no mundo e em Angola, recorre, mais uma vez, ao Democracy Index, publicado pelo The Economist14 que se debruça sobre 167 países, nos quais procura verificar 60 indicadores, agrupados em cinco diferentes categorias: (1) processo 12 In relatório sobre “Acesso à Justiça fora dos grandes centros urbanos”, Mosaiko – Instituto para à Cidadania, Luanda, 2012, p. 6. 13 Fazem parte dessa constelação, como braços políticos, a OMA, a JMPLA, o MNE e como braços sociais a FESA, o Fundo Lwini, AJAPRAZ e outras associações ou fundações. 14 Democracy Index 2011 – Democracy Under Stress, A Report From The Economist Intelligence Unit,2011 2011. A revista The Economist é a mais prestigiada revista de economia do mundo. 31 eleitoral e pluralismo; (2) funcionamento do governo; (3) participação política; (4) cultura política e (5) liberdades políticas, agrupando os países, em função da classificação obtida, em 4 tipos de regime: (a) democracia plena; (b) democracia incompleta; (c) regimes híbridos e (d) regimes autoritários. Em 2012, para uma população mundial de 7,036.8 milhões de habitantes, 3.046,2 milhões de pessoas (43.29%) viviam em países livres, 1.613,9 milhões (22.93%) em países parcialmente livres e 2.376,8 milhões (33.78%) em países não-livres, o que corresponde a um ligeiro progresso, em relação ao ano anterior (2011), já que se assinalando a mesma percentagem de pessoas (43.29%) a viver sob regime de liberdade, diminuíram àquelas que vivem em países não-livres (que eram, em 2011, 35,21%) e aumentaram as pessoas (21,49%) que vivem em países de parcial liberdade. Tipos de regime no mundo Tipo de regime Democracia plena 8.0 a 10 Número de países 25 Democracia parcial 6.0 a 7.9 54 32.3 37.2 Regime Híbrido 4.0 a 5.9 37 22.2 14.4 0 a 3.9 51 30.5 37.1 Regime autoritários Pontuação Percentagem de países 15.0 Percentagem de pessoas no mundo 11.3 Fonte: CEIC a partir de Index Democracy 2012 Este índice de liberdade política e democracia, no mundo, para um conjunto de 167 países, indica Angola em 133º lugar. A região mais livre, como se pode ver no quadro infra, é a região da América do Norte e a menos livre é região do médio oriente e África do Norte. Índice de liberdade no mundo, por regiões Região Classificação 1 2 3 4 5 América do Norte Europa Ocidental América Latina e Caribe Asia e Austrália Europa Central e do Leste 2006 2008 2010 2011 2012 8.64 8.60 6.37 5.44 5.76 8.59 8.40 6.35 5.51 5.50 8.44 6.36 5.56 5.51 32 8.64 8.61 6.43 5.58 5.67 8.63 8.45 6.37 5.53 5.55 6 7 África subsaariana Mundo 4.24 5.52 4.28 5.55 4.23 5.46 4.32 5.49 4.32 5.52 Fonte: CEIC a partir de Index Democracy 2012 Por outro lado, o índice mostra que o país está inserido numa região do mundo que tem menos liberdade e que estagnou em termos de democracia, em relação ao ano passado. Sendo também de assinalar que os países com grandes recursos, nomeadamente petróleo são aqueles que têm regimes autoritários. ÍNDICE DE LIBERDADE POLÍTICA E DEMOCRACIA 2012 Países Classificação Processo eleitoral e pluralismo Funcionamento do Governo Participação política Cultura política Liberdades políticas ANGOLA 133 1,33 3.21 4,44 4,38 3,24 NIGÉRIA 119 5,67 3.21 3,33 3,13 4,71 LÍBIA 125 0,00 2.86 3,33 6,25 5,29 GABÃO 128 2,17 2.21 3,89 5,00 4,12 ARGÉLIA 130 2,17 2.21 2,78 5,63 4,41 CAMARÕES 131 1,17 4.21 2,78 5,00 3,82 CONGO 145 1,25 2.86 3,33 3,75 3,24 GUINÉEQUAT 161 0,00 0.79 2,22 4,38 1,47 Fonte: CEIC a partir de Index Democracy 2012 33 CAPÍTULO 2 POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA População A população é o elemento base duma economia e duma sociedade. Como se reconhece, é, a um tempo, ponto de partida e ponto de chegada do desenvolvimento, mesmo que na maior parte dos casos a distribuição do rendimento nacional seja muito assimétrica. Mas compete a esta mesma população, nas diferentes formas de intervenção social, enfatizar o seu posicionamento como sujeito – influenciando estratégias e políticas – e objecto – lutando pela reforma dos esquemas e modelos de acesso à renda nacional – do desenvolvimento. Daí o seu papel ser importante nos processos de transformações e reformas estruturais dos sistemas económicos e dos tecidos e redes de produção. A população deve ser considerada como um factor ou um entrave ao desenvolvimento?15 Jeffrey Sachs16 entende que o número de habitantes no planeta continua a crescer em grande escala e, sobretudo, nas regiões que menos condições apresentam para garantir saúde, educação, estabilidade e prosperidade aos cidadãos. Os receios deste economista americano residem na escassez de recursos, na pressão do crescimento populacional sobre ecossistemas cada vez mais frágeis (em particular nas regiões mais pobres do planeta), no aumento da pobreza e na ameaça da estabilidade política global. Concluiu que o mundo devia adoptar um conjunto de políticas para ajudar a estabilizar a população global, vendo-se na China um exemplo a seguir. O crescimento demográfico em África tem sido considerado como um dos obstáculos ao desenvolvimento económico, justamente porque o continente africano é o último espaço regional no mundo a viver a fase aguda da crise da transição dum 15 Alves da Rocha – Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana, Editora Kilombelombe, Dezembro de 2011. 16 Jeffrey Sachs – Common Wealth, Casa das Letras, Lisboa, 2008. 34 regime demográfico arcaico, para um regime demográfico moderno, no sentido dado anteriormente17. As consequências de crescimentos demográficos incontroláveis são desastrosas: diminuição da subsistência alimentar, a despeito duma percentagem elevada da população se dedicar à agricultura, em particular nos casos em que a taxa de crescimento demográfico supera a da produção agrícola, feita em solos degradados e gastos; êxodo rural maciço (a média da população urbana em África passou de 8% para 45% em menos de 30 anos); deterioração das condições gerais de vida, muito em especial nos centros urbanos e crescimento das economias informais. FONTE: UNFPA, Relatório sobre a Situação da População Mundial, 2011. Apesar duma clara inversão de tendência, a Ásia permanecerá como a mais populosa das principais áreas geográficas mundiais durante o século XXI. Porém, o continente africano mostra-se com uma dinâmica imparável no crescimento da sua população, passando de 1,1 mil milhões de habitantes em 2011, para 3,6 mil milhões em 2100, uma mais do que triplicação, levantando os problemas identificados por Jeffrey Sachs18 sobre a capacidade dos sistemas económicos, sociais e ambientais de África cobrirem as tremendas necessidades de crescimento, distribuição de rendimento e preservação dos ecossistemas. As transformações económicas estruturais terão de ser quase permanentes e processadas a um ritmo provavelmente 17 Em “Alguns Temas Estruturantes da Economia Angolana” (Alves da Rocha, Kilombelombe, 2011) é apresentado um exercício sobre a dimensão óptima da população em Angola, face aos desafios que estão em cima da mesa das decisões políticas e económicas e dos quais as transformações estruturais é, provavelmente, o mais relevante e ameaçador. 18 Jeffrey Sachs – Common Wealth, Casa das Letras, Lisboa, 2008 35 acima das capacidades de gestão e de disponibilização de recursos e factores de produção de África. O Recenseamento Geral da População foi adiado para 2014 e decorrem neste momento (Março de 2013) operações censitárias de natureza experimental, traduzidas em inquéritos-piloto para se testarem os questionários através dos quais se recolherão informações sobre o estado actual da população. Em consequência, os estudos sobre população continuaram a ter como base (precária) estimativas nacionais e internacionais. As fontes externas são contraditórias e não coincidentes sobre o quantitativo populacional de Angola. Por exemplo, no Relatório Social de 2011 utilizou-se como uma das fontes as Nações Unidas19, que apontavam para um quantitativo populacional em Angola em 2010 de 19 milhões de habitantes e uma taxa de crescimento natural de 3,2%20, manifestamente superior aos valores comummente aceites e que a colocam em 2,7%. O Relatório sobre a População Mundial 2011 fornece uma cifra de 19,4 milhões de habitantes para 2011 e uma taxa anual média de crescimento de 2,7%. As estimativas do CEIC anotam uma cifra de 19,94 milhões de habitantes para 2012, considerando-se uma taxa de crescimento demográfica entre 2,7% e 2,9% ao ano e uma taxa média de fecundidade de 5,1. Dentro deste quantitativo estima-se em praticamente 10,3 milhões o número de cidadãos em idade economicamente activa, portanto a retaguarda de onde sai a força de trabalho nacional. FONTES: Relatório sobre a População Mundial 2011 e estimativas do CEIC. 19 Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010. Para 2015, prevê-se um volume global de população em Angola de 21,7 milhões de pessoas e para 2030 de 30,8 milhões, de acordo com as projecções das Nações Unidas. 20 36 O fenómeno da urbanização tem sido muito intenso nos últimos anos, fazendo de Luanda a grande metrópole de Angola, com uma população estimada em mais de 6,5 milhões de habitantes e exercendo um efeito de atracção notável que a transforma no principal e mais importante pólo de crescimento económico do país. A criação da Zona Económica Especial e do pólo de desenvolvimento de Viana agravará o fenómeno da aglomeração da actividade económica – neste momento avaliada, de acordo com estimativas baseadas na distribuição regional da actividade económica, em cerca de 75% - em Luanda. A cidade capital não necessita de apresentar condições especiais para atrair investimento produtivo, sendo suficientes as ainda economias de aglomeração que apresenta e que a tornam num pólo especial de atractividade de população e de actividade económica21. Segundo fontes externas, a taxa de urbanização geral foi estimada em praticamente 60% em 2012. FONTE: Relatório sobre a População Mundial 2011. Estima-se em 37,1% a taxa de urbanização em 1990, donde uma cadência média anual de crescimento urbano de 2,2% até 2012. A manter-se este ritmo de concentração urbana, puxado pelo crescimento económico tendencialmente concentrado no litoral e nas principais cidades (que detêm uma maior massa crítica de procura interna), em 2020 a taxa de urbanização poderá ser de 72%. O interior do país (Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Malanje, Kuando-Kubango) está a desertificar-se, aumentando-se o risco económico e financeiro de instalação do investimento privado e diminuindo-se a rendibilidade dos investimentos sociais. As políticas públicas, se persistirem na concessão de facilidades e na criação de condições para a instalação do investimento privado nas actuais zonas de maior concentração urbana e de massa crítica económica e institucional, dificilmente contrariarão 21 Os limites destas economias de aglomeração já se manifestam pela via da intensidade do tráfego, dos estrangulamentos no fornecimento de electricidade e água, dos congestionamentos do porto de Luanda, dos elevados custos da burocracia. 37 esta concentração populacional nos seus efeitos mais nefastos e perversos. As expectativas são muito elevadas quanto ao que o novo Ministério do Planeamento e do Ordenamento Territorial poderá fazer para se contrariar a velha tendência de emigração do interior para o litoral (particularmente para Luanda), iniciada pela instabilidade da guerra civil e que tem sido aprofundada pelo funcionamento relativamente desregrado e desregulamentado do modelo capitalista angolano. Luanda e Benguela são as províncias onde as oportunidades de emprego são maiores e os salários médios mais elevados22. O equilíbrio regional – em população, saúde, educação e economia – tem de necessariamente passar pela implementação duma política territorial de descriminação positiva, criando-se oportunidades efectivas de emprego e melhoria das condições de vida da população das áreas mais interiores do país. Condições de vida e Índice de Desenvolvimento Humano Que condições efectivas devem ser criadas para que o nível de vida dos cidadãos melhore duma forma permanente e sustentada? Quando se olha para as estatísticas do Relatório do Desenvolvimento Humano verifica-se que países com um rendimento nacional bruto por habitante (em PPC USD 2005) igual ou inferior ao de Angola estão classificados como de desenvolvimento humano elevado e médio. Que transformações têm de ser garantidas para que o país se junte ao clube dos que melhores condições de vida (materiais e não materiais) propiciam aos seus cidadãos? INDICADORES DAS CONDIÇÕES DE VIDA PAÍSES Rendimento nacional bruto (PPC USD) Índice de Desenvolvimento Humano Ranking IDH ANGOLA 4874 0,486 148 ARMÉNIA 5188 0,716 86 TONGA 4186 0,704 90 JORDÂNIA 5300 0,698 95 SRI LANKA 4943 0,691 97 BOLÍVIA 4054 0,663 108 FONTE: Human Development Index 2012, UNDP. Segundo evidências empíricas de outros países, a questão central está no modo como se processa a distribuição do rendimento, pelos factores de produção (repartição funcional ou primária) e pelos cidadãos (repartição secundária ou pessoal, com a influência do sistema fiscal e das transferências para a economia). Os países citados na tabela anterior, a despeito dum rendimento médio em torno de 5000 dólares, apresentam um coeficiente maior de satisfação em matéria de educação e saúde. O fornecimento destes bens e serviços de natureza semi-pública não é um exclusivo do Estado, pelo que havendo uma justa e menos desequilibrada repartição do rendimento nacional, as famílias podem adquiri-los numa extensão maior do que a permitida sendo o Estado o único provedor. Ou seja, os cinco mil dólares de renda 22 Alves da Rocha – Desigualdades e Assimetrias Regionais em Angola, CEIC-UCAN 2ª edição, 2010. 38 anual média por habitante são muito melhor repartidos nos outros países e pior repartidos em Angola. É justamente este o foco da política social: ao repartir-se melhor o rendimento nacional, não só se torna mais extensivo o consumo privado das famílias – um dos motores do crescimento do PIB – como se alarga o acesso a bens de natureza pública e semi-pública, essenciais para a melhoria das condições básicas de vida. O Programa de Governo do MPLA para 2013-2017 destaca em matéria de distribuição do rendimento (o emblema “crescer mais para distribuir melhor”, se inscrito com efectiva vontade política de aplicá-lo, significa precisamente actuar sobre os actuais mecanismos de acesso ao rendimento nacional, tornando-os mais democráticos, transparentes e justos, o que se afigura muito complicado dado o enquistamento das actuais fortunas; distribuir melhor é retirar a quem tem para transferir para quem não tem, impossível no actual estado de organização política do país): “continuar a desenvolver e consolidar as acções que visam uma melhor repartição do rendimento nacional”, acreditando-se ser suficiente a implementação de “programas municipais de desenvolvimento integrado e combate à pobreza”, “programas de rendimento mínimo e outras formas de protecção social” e de “fomento habitacional numa perspectiva de integração económica e social”. Aparentemente deixa-se incólume o essencial do actual modelo de reprodução alargada de desigualdade e injustiça. O Índice de Desenvolvimento Humano é hoje o indicador mais relevante para a análise das condições de vida da população e para o cálculo duma medida que permita compreender quanto de crescimento económico se transforma em desenvolvimento. Seguramente que a situação social é hoje bem melhor que em 2002, sendo a evolução do IDH uma boa aproximação à medida destas transformações. FONTES: CEIC a partir de PNUD, Human Development Index; Paulo de Carvalho – Exclusão Social em Angola, pg 110 p/ 1990/94. Vários períodos: Baixo valor do IDH entre 1990 e 1999, em média na vizinhança de 0,37. São dos piores anos da guerra civil, durante os quais as despesas orçamentais tiveram uma prioridade quase absoluta em favor da desfesa e segurança. A urgência da guerra determinou uma 39 subalternização dos sectores sociais e o IDH só não foi mais baixo pelo facto de o PIB por habitante – uma componente que vale um terço no compósito do desenvolvimento humano – foi aumentando graças à produção de petróleo. Mas mesmo assim, 1998 foi o de mais baixo preço do barril de petróleo. Um curto períodode transição entre 1999 e 2002 em que se pressentia a resolução do conflito militar interno e as condições para o crescimento da economia se estruturavam. Finalmente, o período de maiores conquistas no desenvolvimento humano em Angola: 2002/2012. É patente o declive positivo da recta representativa do comportamento temporal do IDH, não só devido ao crescimento do PIB e do PIB por habitante, mas igualmente por causa das melhorias nas componentes sociais do índice (esperança de vida e taxa de escolaridade). No entanto, o valor do IDH ainda não ultrapassou a fasquia de 0,5 fundamental para o país deixar o grupo dos países de desenvolvimento humano baixo. Questões relacionadas com a pobreza e a distribuição do rendimento ajudam a compreender a razão pela qual os aumentos marginais do IDH (taxas de crescimento anual) tenham sido muito pouco expressivos. Com efeito, o ritmo médio anual de variação do IDH tem sido muito inferior ao do PIB e do PIB por habitante, em paridade do poder de compra. Na verdade, entre 1995 e 2011, as taxas médias anuais de variação foram de, pela ordem apresentada, 2,0%, 9,1% e 6,2%. FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. Onde Angola falha é justamente na componente social: tem havido crescimento económico suficiente para se melhorar, em termos muito mais substanciais, as condições de vida da população. A opção doutrinária de se criar uma 40 burguesia nacional com uma base de acumulação de capital suficientemente forte postergou para mais tarde a recolha de benefícios palpáveis nas condições de vida da maioria da população. As contradições entre o campo económico e a vertente social são evidentes em 2005, 2006, 2007 e 2008. O modelo económico existente não integra, como devia, a componente social e o desenvolvimento económico resulta enviesado a favor de franjas muito reduzidas de população. Como não existem dados disponíveis sobre o índice de Gini, uma aproximação grosseira à distribuição do rendimento pode ser dada pelas taxas de variação anual do PIB por habitante. FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. O gráfico precedente mostra que a melhoria do IDH em Angola depende muito mais da melhoria das áreas sociais (tornando-as mais eficientes nos serviços que prestam e nas necessidades que satisfazem) do que do PIB por habitante. De facto, os incrementos da capitação do PIB são muito desproporcionais aos ganhos do IDH, o que parece confirmar que uma parte do rendimento médio terá sido desviada para o enriquecimento duma pequena faixa da população, a quem são atribuídas fortunas muito grandes. Uma vez mais o ponto essencial relaciona-se com a forma como o rendimento nacional é distribuído. É, com efeito, urgente alterar-se o modo como o acesso às oportunidades de geração de renda é organizado e gerido e reestruturar-se o processo de distribuição do rendimento nacional. O Executivo tem em marcha algumas iniciativas interessantes neste sentido, mas duvida-se que exista real vontade política para revolucionar um dos suportes fulcrais do processo de reprodução do poder económico e do poder político 23. 23 A alteração dos preços e critérios de compra dos apartamentos do Kilamba e do Zango determinada superiormente – no que se pode considerar uma intervenção política deliberada e tendente a minimizar os descontentamentos da população sem habitação condigna – pode ser encarada como uma intervenção positiva sobre alguns dos mecanismos existentes de distorção na repartição da renda. A 41 O indicador que no Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD permite uma aproximação estatística ao processo de transformação do crescimento em desenvolvimento é a diferença entre a classificação do IDH e do rendimento nacional bruto por habitante. Já no Relatório Social de 2011 esta abordagem foi apresentada e neste apenas se actualizou o diferencial para 2012. FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. Os valores positivos para a diferença entre a classificação em rendimento nacional bruto por habitante e em desenvolvimento humano significam que o crescimento se transformou, numa determinada medida, em desenvolvimento humano. Por exemplo, Singapura, país de desenvolvimento humano muito elevado, apresenta uma diferença negativa de 22 entre os dois indicadores (é a quarta maior economia no rendimento médio por habitante, mas é 26ª em IDH), donde prevalecerem diferenças sociais importantes. A Noruega é o caso inverso: sétima em rendimento por habitante e primeira em IDH, ou seja, um valor positivo de 6, correspondente a uma situação de elevada projecção do crescimento sobre o desenvolvimento. No cômputo dos países que o PNUD classifica de desenvolvimento humano muito elevado, as praças financeiras (Singapura, Hong Kong, Liechtenstein, Luxemburgo, Andorra) e alguns produtores de petróleo (Emiratos Árabes Unidos, Brunei, Qatar, Barain) apresentam diferenças negativas significativas entre os rankings rendimento médio por habitante e índice de desenvolvimento humano, indicando a questão que aqui se coloca é a de quem irá cobrir o diferencial entre os preços inicialmente estabelecidos – que retraíram fortemente a procura e levaram a considerar o Kilamba como uma cidade-fantasma – e os actualmente praticados e que já levaram praticamente ao esgotamento da oferta de habitação. O investimento total nesta centralidade rondou mil milhões de dólares. 42 prevalência de desigualdades na distribuição do rendimento (uma parte dos ganhos de rendimento não são investidos em lucros sociais na educação e saúde)24. No conjunto dos países integrados no grupo de desenvolvimento humano baixo surgem alguns com diferenças positivas entre os posicionamentos rendimento médio e IDH, o que não deixa de expressar a realização de esforços para torná-los em sociedades mais justas e igualitárias. O Quénia, por exemplo, patenteia uma diferença positiva de 15, correspondente a 158ª em rendimento médio e 143ª em IDH, enquanto São Tomé e Príncipe contabiliza um resultado de 7. Em conclusão: não são as riquezas naturais não renováveis que determinam um desenvolvimento social mais adequado aos direitos humanos dos cidadãos. É a vontade política a transparência de processos que contam. O gráfico anterior mostra a situação de Angola no atributo em questão. Verifica-se que foi em 2010 que Angola registou a maior diferença negativa entre o indicador material de crescimento (rendimento nacional bruto por habitante) e o IDH (indicador das condições sociais). Mas constata-se, também, que a partir de 2011 o valor negativo entre estes dois atributos tem vindo a diminuir, o que é consistente com os reconhecimentos nacionais e internacionais quanto a melhorias em muitos dos indicadores sociais. No entanto, em 2012 a diferença foi ainda de -31, significando muito trabalho para se reduzirem as desigualdades sociais. Como se sabe, o IDH é um indicador compósito onde se consideram a esperança de vida à nascença, a média de anos de escolaridade, os anos de escolaridade esperados e o rendimento nacional bruto por habitante e em paridade do poder de compra. O comportamento da esperança média de vida tem sido muito interessante ao longo do tempo, mostrando, claramente, o efeito nefasto do conflito militar interno e da incidência do HIV-SIDA, que levou as Nações Unidas a alterarem substancialmente o valor deste indicador no seu Relatório de 2001. Depois de 2002, a esperança de vida tem vindo a aumentar, muito provavelmente como resultado da melhoria das condições de alimentação, habitação, saúde e saneamento. Têm, igualmente, sido assinalados registos positivos na satisfação das necessidades básicas de saúde, ao nível, por exemplo, dos cuidados primários. 24 Uma análise mais doutrinária e mesmo ideológica pode apontar para a dificuldade dos sistemas financeirobs (de vertente neoliberal) e das economias assentes no rent seeking petrolífero distribuírem bem os rendimentos do crescimento e de investirem nas áreas sociais. 43 FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. A esperança de vida média em Angola em 2012 está estimada em praticamente 52 anos, seis anos menos do que a média dos países de desenvolvimento humano baixo e apenas dois anos inferior à média da África subsariana. Esta componente do IDH engloba todos os aspectos relacionados com os cuidados primários de saúde e os efeitos sobre as taxas de mortalidades – nas suas diferentes dimensões – e de natalidade. Quanto mais elevada a esperança de vida da população, mais sustentado o processo de crescimento duma economia. Depois de 2002, a esperança de vida tem vindo a aumentar, muito provavelmente como resultado da melhoria das condições de alimentação, habitação, saúde e saneamento. Assinalam-se, analogamente, alterações significativas na redução do analfabetismo dos adultos, embora com uma diminuição de intensidade nos últimos anos. Em 2012, segundo os registos do PNUD, existiam no país cerca de 25% de adultos analfabetos. As melhorias neste indicador são importantes para o processo económico, cada vez mais tributário de mão-de-obra qualificada. 44 FONTE: CEIC a partir de dados do PNUD Porém, a análise do comportamento dos salários25 mostra que o seu nível médio ainda é baixo, particularmente se comparado com as necessidades familiares, a ainda elevada taxa de inflação (embora com nítidas tendências de redução depois de 2003) e os preços altos dos produtos. O PIB por habitante estimado para 2012 foi de 5576 dólares correntes, em paridade do poder de compra, uma variação de cerca de 4,7% face a 2011. Provavelmente, tem sido no rendimento nacional bruto por habitante que as alterações estruturais se têm relevado mais sustentáveis no tempo, sem que signifique, no entanto, melhoria substancial, generalizada e sustentada das condições de vida da população26. 25 Relatório Económico 2012, capítulo Emprego, Salários e Produtividade. Ver também Alves da Rocha: Salários e Distribuição do Rendimento – O Caso de Angola, CEIC/UCAN, 2013. 26 Um incremento acumulado de 2,65 vezes no período 1995/2011, equivalente a uma taxa média anual de 5,9%, o que é significativo. Não fosse a inquinação dos canais de repartição do rendimento, hoje o nível de vida seria mais equitativamente vivido. 45 FONTE: Ficheiros do CEIC. Em termos de comparações internacionais, Angola, país de desenvolvimento humano baixo, de acordo com a classificação das Nações Unidas, é o 150º do ranking de 187 países27 e a sua posição face a outros países é fraca. FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2011. O gráfico anterior estabelece comparações entre Angola e outros países seleccionados em África para 2011. A Noruega e a média internacional do IDH são os “benchmark”. O gráfico seguinte actualiza aquelas comparações para 2012. 27 Degradação de dois lugares face à 148ª posição em 2010. 46 FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. A Noruega serve de referência pelo facto de ser um dos países mais desenvolvido do planeta e apresentar o valor mais elevado do IDH, em 2011 e 2012. O gráfico anterior permite verificar que: As Maurícias são o melhor país africano, mas a sua posição relativa piorou de 2011 para 2012 em relação aos marcos escolhidos: de 77,2% para 77% relativamente à Noruega e 115,6% para 106,7% face ao IDH médio mundial. O nível geral de vida em Angola corresponde a pouco mais de 51% do da Noruega, quer em 2011, quer em 2012. As comparações internacionais servem também para avaliar o sentido convergente ou divergente dos processos de melhoria das condições gerais de vida das populações medidas pelo Índice de Desenvolvimento Humano. Esta avaliação ajuda a identificar a maior ou menor aptidão dos diferentes países para transformarem o crescimento em melhoria das condições sociais. É o caso da China entre 1980 e 2012, que se escapou do conjunto de países da amostra que consta do gráfico seguinte: em 1980, o IDH era semelhante entre China, Egipto, Indonésia, Marrocos e Paquistão (valor no intervalo 0,3 e 0,4) e em 2012, a China está perto dum coeficiente de 0,7, enquanto o Paquistão apenas está na vizinhança de 0,5. 47 FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. Para uma amostra de 7 países africanos subsarianos (Angola, Madagáscar, Senegal, Zâmbia, Tanzânia, Gâmbia e Malawi), verifica-se a não ocorrência de significativa divergência: em 2000, o IDH situava-se na proximidade de 0,35 e em 2012 os mesmos países estão em processo de convergência para o intervalo 0,4-0,5 uma dinâmica relativamente lenta: As dificuldades de melhoria dos índices de vida são semelhantes nestes países (uma variação de 1,5% em termos anuais). Nenhum daqueles sete países conseguiu escapar-se do grupo de países de mais baixo índice de desenvolvimento humano, através de políticas sociais e económicas adrede orientadas para as condições de vida da população. O caso de Angola – com as potencialidades reconhecidas e as taxas de variação real do PIB conhecidas – é, seguramente, o mais preocupante. 48 FONTE: PNUD – Relatório de Desenvolvimento Humano 2012. Com base na metodologia de cálculo do IDH28 é possível visualizar o conjunto de desafios a vencer para que Angola possa fazer parte da lista dos países de desenvolvimento humano médio com limiar de 0,600 para o respectivo índice. Foram feitas duas simulações: uma, dentro duma evolução normal dos indicadores que concorrem para o seu cálculo e outra, mais radical e apenas para 2017. Uma das bases de informação utilizada foi o relatório do Fundo Monetário Internacional de Agosto de 201229. Os desafios a vencer são enormes. Ganhando-se um ano por ano na esperança de vida, aumentando-se a escolaridade para 5,8 anos e colocando o rendimento médio por pessoa próximo de 6500 dólares, a variação percentual do IDH no fim da presente legislatura será tão-somente de 2% ao ano. Apesar disso, em 2017 o país deixará o agregado dos países de desenvolvimento humano baixo e passará a ocupar as últimas posições do grupo dos de IDH médio (o limiar inferior é de 0,522). Este cenário exige uma monitorização apertada da implementação das diferentes medidas e políticas que poderão dar corpo às metas do Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo 2013-2017. PROJECÇÃO DO IDH PARA ANGOLA VARIÁVEIS E ÍNDICES 2012 2013 2014 2015 2016 2017 PIB por habitante (usd) 5576 5668 5830 6080 6300 6463 Esperança de vida (EVN) 52 53 54 55 56 57 Anos de escolaridade 4,6 4,8 5,1 5,3 5,5 5,8 28 United Nations Development Program – Human Development Index Report, 2011, página 168. International Monetary Fund – Angola 2012 Article IV Consultation and Post Program Monitoring, August 2012. 29 49 Anos escolaridade esperados 9,1 9,1 9,1 9,1 9,1 9,1 Índice EVN 0,505 0,521 0,536 0,552 0,568 0,584 Índice de Educação 0,431 0,440 0,454 0,462 0,471 0,484 Índice de rendimento 0,576 0,578 0,582 0,588 0,593 0,597 Índice Desenvolvimento Humano 0,500 0,510 0,521 0,532 0,541 0,552 FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC. Um cenário mais radical, mas mais compatível com as reais potencialidades do país e a urgência de dar à maioria da população níveis de vida e de rendimento internacionalmente comparáveis, é o de se atingir, em 2017, um IDH de 0,6. Para isso seria necessário que: - A esperança de vida atingisse os 60 anos. - Os anos de escolaridade atingissem o número de 6,5 anos. - E o rendimento médio por habitante fosse de 9500 dólares. Compreende-se que a viabilidade deste cenário dependa sobremodo da distribuição do rendimento, em especial do “distribuir melhor”. O “crescer mais” não tem sido difícil, porque o sector petrolífero continua a ser a mola impulsionadora – e sê-lo-á ainda por muito tempo – da economia nacional30, pois não são vislumbráveis sinais seguros, estáveis, sustentados e consistentes de as energias renováveis substituírem o petróleo, no contexto de um novo paradigma energético mundial. O “distribuir melhor” é muito mais complicado, não dependendo da mera vontade política dos dirigentes. As economias têm os seus mecanismos próprios de proceder à criação de riqueza e rendimento e de distribuí-los pelos factores de produção e cidadãos. O modelo actual de acesso aos recursos, rendimento e riqueza foi arquitectado em torno da distribuição política e familiar – muitas vezes gratuita – da renda petrolífera, tendo sido criada uma classe social minoritária de cidadãos muito ricos, indispostos a partilhar património ou rendimento. Pobreza e poder de compra dos salários A avaliação do comportamento do poder de compra dos salários tem tido feita apenas para os salários da Função Pública, tomando-os como referência das remunerações do trabalho de toda a economia. As Contas Nacionais de Angola apresentam valores para os salários totais da economia – por exemplo, em 2007, a remuneração média mensal do trabalho foi estimada em 16000 kwanzas – mas não estão disponíveis informações recentes. 30 Angola é a segunda mais concentrada economia do mundo, com um coeficiente de exportações de 0,95 (Ivar Kolstad and Arne Wiig – If Divesification Is Good, Why Don’t Countries Diversify More? The Political Economy of Diversification in Resource Rich Countries”, Conference in Accra, Ghana, 15-16 March 2011. 50 Compulsando o Relatório de Fundamentação do Orçamento Geral de Estado para 2013 e comparando o envelope salarial total (funcionários civis e militares do Estado) de 2010, 2011 e 2012, conclui-se: o salário médio nominal dos servidores civis e militares do Estado aumentou 22,9% em 2011 e 6,85% em 2012. São estes os valores a serem considerados na avaliação do comportamento do poder de compra das remunerações do trabalho. FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC. Tomando 2013 como base, as conclusões são: Ocorreu uma perda acumulada no poder de compra deste tipo de salários de 10,9% em 2012, contra 8,7% em 2011, portanto, uma degradação na sua capacidade de aquisição. A explicação está na expressão dos incrementos salariais e da taxa de inflação: em 2011 o aumento salarial foi, como referido, de 22,9% para uma taxa de inflação de 11,4%. Foi um aumento generoso da parte do Estado, que permitiu recuperar alguma perda do poder de compra nos anos de mais elevadas taxas de inflação. Contudo, não foi aplicada a mesma política em 2012, em que o incremento salarial médio foi de 6,85%, donde uma perda de 2,3% na capacidade de aquisição deste tipo de remuneração do trabalho. 51 FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC. Outra forma de analisar o mesmo problema é retirar da contabilidade a acumulação da inflação desde 2003 e referir ganhos ou perdas de poder de compra a cada ano de per se. FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC. Como normalmente os trabalhadores agem sob ilusão monetária – olhando com muito mais interesse para os incrementos nominais – o gráfico anterior mostra que quando se desvalorizam os salários apenas com as taxas de inflação de cada ano (dando-se de barato a corrosão salarial provocada pela acumulação da inflação), o salário real não se afasta tanto do seu valor nominal. 52 A pobreza é um tema polémico, porque ninguém gosta de ser considerado pobre – ainda que o seja do ponto de vista de critérios internacionalmente definidos – e também devido ao facto de os governos se sentirem mal com a prevalência deste fenómeno, pois corresponde afinal à falência das suas políticas sociais e de distribuição do rendimento. Também em Angola esta exclusão social, material e imaterial, é tema de muita controvérsia, preocupando autoridades e a sociedade civil, mas não havendo convergência quanto ao efectivo valor do índice que a mede. No Relatório Social de 2011 foram amplamente comentados os resultados do IBEP 2008/2009, valendo a pena ler as conclusões dessa avaliação. O CEIC tem um modelo através do qual é possível fazer algumas simulações quanto ao comportamento da taxa de pobreza. Também no Relatório Social de 2011 foram feitas considerações sobre a mecânica deste modelo e as variáveis centrais das simulações. Estão disponíveis muitos estudos sobre a fuga de capitais de África para o mundo e os efeitos nefastos que produz sobre a perda de eficiência das acções e políticas de combate conta a pobreza31. Em resultado da fuga de capitais, o continente perdeu cerca de 700 mil milhões de USD entre 1970 e 2008. Se o capital assim saído tivesse sido reinvestido nos países que alimentam esta exportação ilícita de capital, com o actual nível de produtividade do investimento, estimativas apresentadas sugerem que a taxa de redução da pobreza poderia ter aumentado 4-6 pontos percentuais por ano, em média, durante o período de 2000 a 2008. Os países africanos, como um todo, poderiam alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio de reduzir para metade o nível de pobreza de 1990, até 2015, objectivo que, ao actual ritmo de redução da pobreza, não vão conseguir atingir. A fuga de capitais também poderia ser canalizada para um maior investimento em infra-estruturas sociais e económicas. Reduzir a pobreza e melhorar o nível de vida para níveis compatíveis com os objectivos de desenvolvimento humano de África vai exigir enormes recursos. Os recursos não-financeiros incluem um forte compromisso político para com o desenvolvimento humano que precisa ser traduzido numa visão com objectivos claros para a sua implementação. Também é crucial a disponibilidade de pessoal qualificado para implementar as políticas. Se os montantes correspondentes à fuga de capitais tivessem sido poupados e investidos na economia interna do país de origem poderiam aumentar o rendimento per capita e ajudar a reduzir a pobreza. Angola é um dos países africanos relativamente ao qual a fuga de capitais ocorre em proporções por enquanto desconhecidas: “Na Nigéria e Angola, por exemplo, a redução da pobreza implicaria um investimento adicional de 10,7 mil milhões de USD e de 3,6 mil milhões de USD por ano, respectivamente, no período de 2000 a 2008”32. A estimativa para a taxa de pobreza de 2012 é de 37,3%, considerando-se uma elasticidade pobreza-rendimento de -1. 31 Ver Africa Economic Outlook 2011 32 Ver Africa Economic Outlook 2011. 53 FONTE: Ficheiros e estudos sociais do CEIC. Contudo, para o estado actual de distribuição do rendimento nacional, que levou o Governo e o partido que o apoia a reconhecer assimetrias e desequilíbrios importantes e injustos e a gizar políticas e acções tendentes a corrigi-los, a elasticidade pobreza-rendimento pode ser menor e se tal for o caso então a taxa de pobreza pode ser maior. Uma cenarização até 2017 e mantendo-se a elasticidade pobreza-rendimento em -1, fornece as indicações seguintes. Taxa cresc. do PIB Taxa cresc. Taxa pobreza População c/ e = -1 2013 5,0 2,7 36,63 2014 5,1 2,7 35,97 2015 5,3 2,7 35,28 2016 5,2 2,7 34,63 2017 5,3 2,7 33,96 Uma taxa de pobreza na vizinhança de 30% em 2017 pode ser conseguida com mais crescimento económico, correcções nos mecanismos de repartição do rendimento, mais emprego e melhores salários. Enquanto isto, a evolução da despesa daquilo que o discurso oficial chama do sector social mantem-se não ou menos estacionário. 54 55 CAPÍTULO 3 COMPROMISSO COM A SAÚDE A saúde é um dos factores que contribui para a sustentabilidade dos processos de crescimento económico. Uma boa saúde influencia, a curto prazo, o crescimento do PIB através da redução do absentismo constante ao trabalho, nomeadamente em relação a doenças conhecidas como endémicas, de onde se destaca, para Angola, a malária. Um sistema de saúde estruturado e assente em vectores simultaneamente preventivos e curativos é reconhecido como um factor de sustentabilidade do crescimento económico, sobretudo pela confiança que incute nos seus utentes, presentes ou potenciais. Na verdade, algumas evidências empíricas reconhecidas em estudos do Banco Mundial e do PNUD apontam para índices relevantes de correlação entre melhor saúde e incremento da produtividade geral do trabalho. E como se sabe a produtividade é uma base importante para o crescimento económico e um elemento determinante para a melhoria dos modelos de repartição do rendimento. Por outro lado, a natureza e a estrutura dos sistemas de saúde – para além da sua universalidade, podem ter algumas especificidades relacionadas com as características próprias dos países – é um elemento que ajuda a melhorar os níveis do rendimento real das populações, e por essa via, reduzir os coeficientes de pobreza dos cidadãos. Um sistema de saúde de qualidade e de baixo custo de acesso liberta recursos orçamentais das famílias para outras funções, como a educação, a alimentação e outras vertentes do seu nível de vida. Daí que, tendencialmente, o acesso à saúde (ou a determinado tipo de saúde, mais relacionado com os aspectos básicos das condições de vida da população) deva ser gratuito, em especial em países com recursos financeiros provenientes da exploração de petróleo ou outras utilidades não renováveis. Com efeito, o “trade off” entre saúde e receitas do petróleo deve ser gerido de forma a libertar crescentemente meios financeiros para garantir a prestação gratuita de serviços de saúde. Mais importante que manter os subsídios aos preços dos combustíveis é garantir um orçamento para a saúde que concorra para a sua universalização e extensão por todo o território nacional. 56 Acresce ainda outro elemento que ajuda a maximizar os efeitos dos serviços de prestação de saúde: a sua geografia territorial, ou seja, a forma como se encontram localizados e implantados no contexto da administração do território. Em Angola, continuam a ser Luanda e as zonas costeiras do país a concentrarem recursos (financeiros, humanos e materiais) destinados aos investimentos no domínio da saúde. A geografia da saúde é bastante assimétrica, notando-se situações – noticiadas pelos órgãos de comunicação nacionais – de praticamente inacessibilidade a cuidados mínimos em determinados municípios e comunas do território nacional. Ainda neste sentido, da assimetria, encontram-se casos de desigualdade entre centros urbanos. O CEIC conduziu uma pesquisa em Luanda e no Uíge sobre o tipo de serviços de saúde prestados, a sua qualidade e a percepção dos utentes, tendo-se concluído por uma discrepância muito grande entre as duas províncias, com prevalência clara para Luanda33. Daí que o Ministério da Saúde, consciente destas assimetrias que não contribuem para se tornar mais arreigado o espírito de reconciliação nacional, tenha definido estratégias e políticas de municipalização dos serviços de saúde, destinando um volume mais elevado de recursos para as zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos. O sistema nacional de saúde está organizado em três níveis: primário, secundário e terciário. Hospitais, centros de saúde e postos de saúde integram esta orgânica, que deveria funcionar em harmonia de modo a abarcar o máximo de pessoas num envolvimento de prestação de bons serviços de saúde. Evidentemente que para isso, meios materiais e recursos financeiros e humanos são necessários, mas que têm de ser obtidos através duma lógica de prioridades orçamentais nacionais, que estabeleçam uma tipologia das necessidades sociais. Compete ao Ministério da Saúde comprovar, nesse quadro de prioridades, que o sector da saúde é importante para o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento económico do país. Mas compete-lhe igualmente demonstrar a eficiência na utilização de recursos, nomeadamente financeiros, que são sempre escassos. A disputa por meios orçamentais depende, evidentemente, de factores políticos de liderança sectorial, mas sobretudo da boa prestação de contas das verbas alocadas, o que, via de regra, não acontece no país. Os sectores da saúde são, em qualquer parte do mundo, de enorme complexidade na sua organização e gestão. Em toda a parte se reconhece o direito à saúde como um direito constitucional – como, de resto, em Angola – mas, muitas vezes, os financiamentos escasseiam, são limitados ou mesmo inexistem. No país, os problemas e as dificuldades resultam de uma série de factores e condicionalidades, relacionadas com os efeitos duma guerra civil de 27 anos, mas também da atitude dos utentes, nem sempre de compreensão pelas dificuldades – que aumentam à medida do crescimento da economia, da população e da exigência dos consumidores – e de boa utilização das facilidades que o Estado coloca à sua disposição. Pensa-se muitas vezes que por serem do Povo podem ser utilizados sem critério. O sector da saúde em Angola, tem vindo a registar avanços em diferentes domínios do seu funcionamento. A maior capacidade técnica dos serviços do Ministério da Saúde, o aumento dos recursos financeiros orçamentais e um maior 33 Grandes desigualdades regionais nos serviços de saúde em Angola, Angola Brief CEIC-CMI, Maio 2011 Volume 1 nº 4 57 empenho dos responsáveis podem ser as razões que o justificam. Porém, ainda não se tem um serviço nacional de saúde com padrões internacionais, nem compaginável com o estatuto de país rico em recursos financeiros do petróleo. 58 3.1.- Quadro epidemiológico do país O perfil epidemiológico do país foi dominado por cinco principais doenças: a malária, as doenças respiratórias, as doenças diarreicas, a disenteria e a febre tifóide, que, em conjunto, representaram 97% do total das doenças notificadas e 75 % dos óbitos. FONTE: CEIC de dados da DNSP, CPDE, 2012 As doenças transmissíveis têm vindo a registar uma progressiva redução na sua taxa global de mortalidade, provavelmente resultado duma maior actuação sobre os vectores comunicadores. Nos últimos quatro anos assinala-se um decréscimo de 16,9 pontos percentuais, correspondente à diferença entre as taxas de 77,9 casos por 100.000 habitantes em 2012 e 94,2 em 2009, como se pode verificar no gráfico seguinte. 59 FONTE: CEIC de dados do BM Outro facto a assinalar é o agravamento das doenças psicossomáticas e traumatológicas. As autoridades de saúde consideram que o país está a viver uma endemia silenciosa de distúrbios cardiovasculares (hipertensão) que têm sido responsáveis por um número cada vez maior de mortes. Não obstante, o quadro nacional de doenças continua a ser fortemente dominado pela malária (62% dos casos notificados), seguido das doenças respiratórias agudas e das doenças diarreicas agudas, cujas causas estão associadas à qualidade da água consumida, ao fraco saneamento básico e à cada vez maior poluição do meio urbano. Não deixa de ser criticável a elevada incidência dos casos de malária, num país com um elevado montante de receitas fiscais provenientes da exploração do petróleo e com evidentes condições para erradicá-la através da melhoria substancial do saneamento básico e da correcção das incidências negativas da época das chuvas nos principais centros urbanos. Sabe-se que a malária, ao provocar elevadas taxas de absentismo ao trabalho, tem consequências económicas graves, diminuindo a capacidade contributiva do trabalho para o rendimento nacional. Se fosse feito um balanço custos-benefícios da erradicação da malária, o resultado seria, seguramente, muito positivo para a economia e a população. A proporção de óbitos ocasionados por estas doenças também pende para a malária, que no ano passado foi responsável por quase 6.600 óbitos. 60 FONTE: CEIC de dados da DNSP, CPDE, 2012 Em termos de taxas, há a assinalar uma maior letalidade para as doenças diarreicas agudas, que representam 9% das doenças notificadas, em relação às doenças respiratórias agudas com 19%. De igual modo se sinaliza uma taxa de letalidade superior para a febre tifóide com 3% das doenças notificadas, em relação à disenteria com 4%. Estes indicadores nacionais não se apresentam da mesma forma no meio urbano e no meio rural. No meio rural é preciso relativizar o peso das doenças respiratórias e acentuar o das doenças diarreicas agudas que ganham o segundo lugar, após a malária que é a doença predominante no meio urbano e rural. 3.1.1. A Malária A malária é reiteradamente das doenças mais registadas e a principal causa de notificação de óbitos. A malária é responsável por um valor estimado de 11% da mortalidade em crianças menores de cinco anos de idade, por 25% da mortalidade materna e representa a principal causa de mortalidade, doença e faltas ao trabalho e à escola. O gráfico seguinte ilustra um registo cronológico do número de casos da endemia, de 2003 a 2012, podendo-se referenciar dois períodos distintos: o primeiro, entre 2003 e 2006, onde se observa uma diminuição significativa de casos; o segundo, entre 2007 e 2010, com um agravamento da doença. Em 2011 houve um prenúncio de abrandamento, mas em 2012 voltou a verificar-se uma subida dos casos notificados. 61 FONTE: CEIC de dados do CPDE/ DNSP É de supor que o Ministério da Saúde esteja na posse das explicações para estes altos e baixos no comportamento dos casos notificados de malária no país, pois, tal como ocorre noutros países africanos, no geral e na SADC em particular, têm sido conseguidos registos sustentáveis de abaixamento da incidência desta doença. Entre 2003 e 2006, a diminuição da doença foi expressa por uma percentagem de -28,1%, ganho completamente perdido durante o período 2007/2012, durante o qual o número de casos de malária aumentou praticamente 74%. Que razões afinal explicam este enorme retrocesso no combate à malária? Crescimento da população, cujo ritmo se mantém em 2,9% ao ano? Crescente urbanização sem condições de acolhimento dos migrantes? Falta de meios de combate à doença? Carência de recursos financeiros das famílias para a prevenção e o combate à malária, atendendo à ainda elevada taxa global de pobreza no país? Provavelmente, um misto entre todas elas. Anos Casos notificados (milhões) Taxa de mortalidade 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 3,2 2,5 2,3 2,3 2,7 3,4 3,7 3,7 1,2 0,5 0,6 0,4 0,3 0,3 0,3 0,2 3,5 0,4 4 0,3 Fonte: CEIC de dados da DNSP, CPDE, 2012 Numa abordagem de longo prazo (2003-2012) o incremento percentual foi de 25%, o que atenua um pouco a gravidade desta doença, mas que não deve diminuir o 62 tom crítico que se deve ter, pois no século XXI deveria ser já uma doença inexistente nas estatísticas da saúde. Nota-se uma divergência entre as tendências dos casos notificados (crescente) e a da taxa de mortalidade (decrescente), o que é um bom sinal. 3.1.1.1. Geografia da doença A incidência geográfica da malária apresenta-se assimétrica, no quadro geral de o país ser considerada uma região endémica. São geralmente consideradas três áreas diferentes: a híper-endémica, a meso-endémica estável e a meso-endémica instável, como se pode observar no gráfico. FONTE: CEIC de dados do INE Contudo, as informações dão conta duma menor notificação em algumas províncias classificadas como híper-endémicas: Uíge (30,4%), Lunda-Norte (37,6%) e Lunda-Sul (40,8%) que são de alto risco epidémico. Outras províncias de classificação meso-endémica, quer estável, quer instável e as híper-endémicas apresentam alto nível de notificações: Luanda (73%), Cuando-Cubango (69,5%) Cuanza-Norte (71,8%) e Cabinda (72,7%). 3.1.1.2. Prevalência e letalidade Segundo o Serviço Nacional de Saúde, a prevalência da malária, em 2012, situou-se em 19,7%, registando uma progressão de 0,7 pontos percentuais em relação a 2011, ano em que se fixou em 19%. Em 2012 registaram-se 3.974.894 casos clínicos, 63 dos quais resultaram 6.600 óbitos, representando uma taxa de mortalidade de 32,5/100.000 e uma variação positiva de 3% dos casos notificados, embora com um crescimento negativo de óbitos em 10 pontos percentuais. As zonas rurais registam uma maior incidência (18,4%) que as zonas urbanas (16,5%)34. Os grupos mais vulneráveis e em maior risco continuam a ser as crianças (de menos de 5 anos) e as mulheres grávidas. Estima-se que a malária seja responsável por 51,1% das causas de morte e de 60% dos internamentos hospitalares em crianças com menos de 5 anos, para além de ser a causa de 10% dos internamentos hospitalares de mulheres grávidas. A taxa de incidência da doença, em crianças com menos de 5 anos, tem vindo a variar entre 35% (em 2003) e 23% (em 2010), assinalando-se, assim, uma redução de 12 pontos percentuais, neste período. O Serviço Nacional de Saúde procura a redução da prevalência da doença mas a notificação dos casos tem ficado sempre acima do programado35. No decurso do ano, a quantidade de pessoas diagnosticada com malária, no meio rural, foi de 10,7% mas apenas 9,1% foram medicadas. Nos centros urbanos, o quadro é quase idêntico. Foram diagnosticados 9% de doentes, dos quais apenas 8,1% foram medicados. Fonte: CEIC de dados INE, 2012. 34 Segundo dados do IBEP de 2010, relativamente à população que teve Febre ou Malária nos 30 dias anteriores à aplicação do inquérito. 35 O programa de 2009 previa uma prevalência situada nos 900 mil casos e foram notificados cerca de 2,9 milhões de casos. 64 3.1.1.3. Formas de Combate e Tratamento As formas de combate utilizam como método preventivo o mosquiteiro e a desinfestação com pulverização e fumigação de DTT. No entanto, não parece haver uma orientação clara e uniforme para a utilização deste método, pois a sua taxa de implementação situa-se em cerca de 7% (8% nas zonas urbanas e 6,5% nas áreas rurais), sendo que grandes centros urbanos como Luanda não ultrapassam 3,6 % de agregados familiares com habitações pulverizadas. A política de combate à transmissão da doença, por meio do uso de mosquiteiro, embora em progressão, na grande maioria das regiões endémicas não vai além dos 42,9%, como se pode constatar no quadro. Pulverização com insecticida de efeito residual (PID) e uso de MTI, durante os últimos 12 meses Característica Residência Urbano Rural Região hiper-endémica endémica estável endémica instável Luanda Total Agregados com habitações pulverizadas (%) Agregados com pelo menos uma MTI (%) Número de agregados (mil) 8 6,5 42,9 35,5 3 5 7,7 7,2 10,1 3,6 7 35,2 39,1 42,4 36,8 38,3 1,8 3,1 1,2 1,8 8 FONTE: CEIC, a partir de dados do Inquérito de Indicadores de Malária 2011. Quanto ao uso de mosquiteiro tratado com insecticida (MTI), por grupos de pessoas de risco: crianças (0-4 anos de idade) e mulheres grávidas (12-49 anos de idade) registam baixos indicadores nas zonas urbanas, sendo de 19,1% para as crianças e de 20,2% para as mulheres grávidas. Nas zonas rurais é ainda mais baixo, com 13,3% para as crianças e 16,2% para as mulheres grávidas. 65 FONTE: CEIC de dados do INE (2012) A nível nacional, cerca de 83,6% das crianças (0-4 anos) e 81,6% das mulheres grávidas (12-49 anos) são vulneráveis à transmissão do plasmódio, ou seja, não usam nenhum método preventivo. E, como se constata no gráfico, à medida que a idade aumenta maior é o número de crianças que não usam mosquiteiro (tratado ou não tratado). Assim, há 37% de crianças, de 0-11 meses de idade, que usaram mosquiteiro, ao passo que são apenas 20% as crianças de 48-59 meses de idade, que usaram um mosquiteiro (sendo 12% mosquiteiro tratado e 7% não tratado). FONTE: CEIC de dados do INE (2012) 66 Há a assinalar contudo uma curva crescente de pessoas que usam cada vez mais um mosquiteiro (tratado ou não), o que indica uma maior tomada de consciência e maior preocupação das pessoas em relação à gravidade do problema. No tratamento da malária são utilizados anti-palúdicos e antipiréticos de que se destacam o Coartem que é um anti-palúdico de última geração, aconselhado pela Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) como tratamento de primeira linha e o Paracetamol (antipirético). FONTE: CEIC de dados do INE 2012 As crianças são as que mais são atingidas pela doença, sobretudo na primeira idade. Como se pode ver pelo gráfico, cerca de 39,6% de crianças dos 0-4 anos de idade, nas zonas urbanas e 33,5% nas zonas rurais tomaram anti-palúdico ao manifestar sintomas de febre e paludismo. Há uma predominância da doença no meio urbano que consequentemente tem também uma maior percentagem de uso dos antipalúdicos, situando-se em 41,1%, enquanto no meio rural o seu uso, mais baixo, não ultrapassa os 26,1%. A maior incidência de tratamento com estes medicamentos ocorre na província do Bengo que está numa zona endémica. A menor incidência é registada na de Benguela que está numa zona endémica moderada estável. 3.1.2.- Doenças respiratórias agudas As doenças respiratórias agudas (DRA) vêm em segundo lugar, das doenças mais notificadas, a nível nacional, depois da malária. Em 2012, foram notificados 1.236.523 casos, de que resultaram 1.656 óbitos, numa taxa de letalidade de 0,13% e 67 uma variação anual de 12% (2011-2012), confirmando uma tendência crescente, nos últimos cinco anos. FONTE: CEIC de dados do DNSP 2012 Houve um agravamento das taxas de incidência, sobretudo nas províncias do Moxico (118%), Bié (125%), Cuanza-Sul (118%), Luanda (130%), Uíge (115%), Lunda-Sul (155%), Benguela (135%) e Bié (125%). Luanda (24%) e Huambo (22,4%) as províncias mais afectadas pelas doenças respiratórias. No entanto, há a apontar uma redução considerável da taxa de letalidade, já que a tendência positiva de notificação de casos não foi acompanhada de uma proporcional progressão de óbitos, tendo o número destes se mantido estável, ao registar, em 2010, os mesmos 1.556 óbitos (para 987,4 mil casos) que tornaram a ocorrer, em 2012, apesar de ter havido, entre 2010 e 2012, um aumento sucessivo de notificações, correspondendo a uma progressão de mais 249.102 casos. FONTE: CEIC de dados do DNSP 2012 68 3.1.3.- Doenças diarreicas agudas No quadro das doenças notificadas, em 2012, as doenças diarreicas agudas vêm em terceiro lugar, mas revelaram-se, no conjunto, a segunda mais mortífera, registando 2.857 óbitos, em 567.883 casos notificados. Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012 As Doenças Diarreicas Agudas apresentam, nos cinco últimos anos uma progressão em alta, constante, quer em notificações, quer em óbitos, como se pode observar. Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012 69 A partir do ano de 2009 verificou-se um crescimento do número de casos notificados (+41.278) registando-se um aumento do número de óbitos, No entanto, 2009 corresponde à mais baixa taxa de letalidade (0,23 %) e de óbitos 3.1.4 - Disenteria Em 2012, a disenteria registou 225.269 casos, provocando 275 óbitos, correspondendo a uma taxa de letalidade de 0,12%. Verificou-se um incremento de 42.803 casos, em relação a 2011, ano em que se notificaram 182.466 casos e 183 óbitos, correspondendo a uma taxa de letalidade de 0,10%. Estes números confirmam a tendência em alta dos cinco últimos anos (2008-2012) em que os registos da doença progrediram em linha ascendente, para os casos notificados e em linha descontínua em relação aos óbitos. 3.1.5 - Febre Tifóide A febre tifóide, em 2012, registou 173.000 mil casos, com 389 óbitos representando 2,5% da totalidade dos óbitos, com uma variação de 6% de casos e de 29% de óbitos em relação ao ano anterior que registou 27.148 casos e 49 óbitos. Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012 70 3.1.6. - Tuberculose A tuberculose pulmonar continua a ser um sério problema de saúde pública, não somente pela sua acção incapacitante sobre a mão-de-obra, mas também devido ao crescente alastramento que esta doença regista, por estar associada à carência alimentar e ao VIH/SIDA. FONTE: CEIC de dados da DNSP 2012 Embora haja muitos casos que não estão cobertos pelos centros de saúde, a taxa de prevalência é de 0,31 % atingindo, em particular, pessoas com a idade compreendida entre os 15 e os 45 anos, grupos etários que representam a força produtiva. A taxa de notificação, em 2011, foi de 311/100000 habitantes, com uma taxa de cura de 45%, muito aquém do programado, que é de 85%. A cobertura vacinal contra a tuberculose está virada para os recém-nascidos, crianças e mães grávidas, quando devia ser uma componente da política de saúde pública da família. 3.1.7. - VIH/SIDA Os dados do Instituto Nacional de Luta contra a Sida (INLS) indicam, até finais de 2012, um total de 41,2 mil de novos casos de VIH e de SIDA, correspondendo a 0,6% do total de infecções esperadas para o país, numa população estimada em 20,1 milhões de habitantes, o que assinala uma curva regressiva, mas ainda não sustentada, 71 pois regista também uma retomada em relação aos três últimos anos, em que foram registadas 0,2% de infecções, sucessivamente em 2009 e 2010 e 0,4% em 2011. Apesar dos baixos indicadores do VIH/SIDA e da redução da taxa de letalidade, devido ao acesso e à acção dos anti-retrovirais, mais enfatizados porque Angola se situa numa região com altos índices de seroprevalência, a doença continua a constituir uma grande preocupação de saúde no país, ceifando muitas vidas, apesar de haver uma tendência regressiva de infecções e uma redução dos óbitos (em mais de 20%) pela acção (e acesso) dos anti-retrovirais. Estimativa do VIH/SIDA em Angola, 2009 a 2012 Indicadores sobre VIH/SIDA 2009 2010 2011 2012 Prevalência em adultos 2,40% 1,98 1,97 Pessoas de mais de 15 anos vivendo com 210.775 172.881 212.558 300.000 VIH Crianças( 0-14 anos) com VIH 28.367 23.008 37.280 Mulheres vivendo com VIH 127.617 104.194 145.320 156.221 Mulheres grávidas seropositivas 20.428 Mortes adultos (15-49 anos) 13.929 10.402 13.728 Mortes (crianças 0-14 anos) 3.531 Órfãos vítimas do Sida 12.597 16.724 15.913 113.228 Seropositivos com acompanhamento médico-hospitalar Pessoas com terapêutica de ARV 54.428 Fonte: CEIC a partir de dados do INLS e Spectrum, 2011 Do número total de pessoas afectadas com VIH, mais de metade são mulheres. A relação entre comportamento de risco e prevenção da doença, através da utilização do preservativo, ajudam a entender melhor as formas de propagação. O gráfico mostra como e em que proporção o preservativo é utilizado, durante o acto sexual. Do total de entrevistados, 37,2% dos homens manifestaram ter utilizado preservativo, mas apenas 0,8% das mulheres declararam usar preservativo durante o acto sexual. 72 Fonte: CEIC a partir de dados da UNGASS 2012 Constata-se que existe um fraco conhecimento das formas de prevenção da doença, que resulta também de uma informação epidemiológica oficial insuficiente. Continua a haver uma rápida progressão das taxas de infecção, em grupos específicos, como os dadores de sangue, doentes com tuberculose e grávidas. A política de sangue seguro debate-se com falta de controlo adequado das transfusões de sangue e da qualidade do sangue dos dadores. Para satisfazer as suas necessidades, o país, nos termos das normas internacionais, precisa de 280.000 unidades de sangue por ano (o que corresponde a 20 doacções por 1000 habitantes, por ano). No entanto, segundo os dados do Centro Nacional de Sangue a nível nacional, o sector público da saúde apenas dispõe de uma capacidade de recolha e controlo de cerca de 70 mil unidades de sangue, que corresponde a cerca de 25% das necessidades previstas. Fonte: CEIC, desde informações da INLS De acordo com o inquérito realizado pelo INLS, pode-se referir que as províncias de Luanda, Cunene e Benguela apresentam-se com a taxa de prevalência mais alta e respectivamente de 39,8%, 8,5% e 9,5%. As províncias do Bíe, Kuanza Norte e Lunda Sul apresentam a taxa de prevalência mais baixa do país. A prevalência do VIH/SIDA em mulheres grávidas de 15-49 anos foi de 2,8%, em 2009. Verifica-se que a prevalência mais elevada ocorre com mulheres entre os 25-29 anos, com 3,2%; entre 30-34 anos, 3,5%; e entre 25-29 anos, 4%. A prevalência mediana nacional do VIH foi mais elevada entre mulheres com maior nível 73 educacional. Esta diferença varia entre 3,6%, em 2007, entre mulheres com o III nível de escolaridade básica ou mais, para 2,4%, com mulheres analfabetas. Este dado parece contradizer a lógica do maior conhecimento estar directamente correlacionado com a melhor possibilidade de controlo da doença. No entanto, este dado pode significar que este grupo populacional, das mulheres mais escolarizadas, ser o que mais procura e tem acesso a consulta médica pré-natal e consequentemente, poder haver um número mais alto de mulheres testadas. Sendo que foi entre as funcionárias públicas que se destacou um maior aumento de prevalência, variando de zero por cento de prevalência em 2004, para 4,3%, em 2007. Fonte: CEIC de dados do INE Contudo, apesar deste aumento da prevalência, é de notar que, ao nível da população entre os 15-24 anos de idade, 75,6%, nas zonas urbanas e 23,9%, nas zonas rurais, têm conhecimento sobre a doença e conhecem um lugar para fazer o teste do HIV e SIDA, e destes, 24,3%, nas cidades, e 16,8%, no campo, já fizeram o teste. Cabe também referir que, ao nível das fontes de informação, a rádio e a televisão se encontram entre os principais veículos e, muito menos, os locais de trabalho ou escolas. Dados de um inquérito realizado a uma amostra da população em 2010 referem que 95% de homens e 92% de mulheres vivendo em zonas urbanas conhecem as cinco formas de prevenir a transmissão do VIH. Nas zonas rurais 58% de homens e 72% das mulheres responderam positivamente a esse conhecimento 74 Fonte: CEIC de dados do INCAPSIDA, INLS/COSAP Angola As mulheres com informação das formas de prevenção está ainda abaixo do nível médio, pois cerca de 44% conhecem a importância, usam o preservativo e acreditam que limitar parceiros sexuais previne o risco de contaminação ou infecção do VIH e SIDA, e 38% manifesta a combinação das duas. Esta doença afecta a família no seu todo, do ponto de vista económico e social, pela debilidade que provoca na pessoa infectada e não tratada que, muitas vezes, pode perder o emprego e assim reduzir a renda no contexto familiar. Além desse facto, as crianças órfãs, além de perderem os pais, têm dificuldade de enquadramento familiar ou pouco suporte para continuarem a sua vida com a alimentação correcta ou com acesso ao sistema de ensino, em tempo útil. Este efeito tem um impacto de tal ordem que não se observam grandes diferenças entre o acesso a frequência escolar entre crianças a residir no meio urbano e aquelas a residir em meio rural. 75 Fonte: CEIC de dados do INE/IBEP e UNGASS 2012 Para os dois anos em análise no gráfico, as crianças com ambos pais vivos ou um deles têm maior acesso à escola em relação aos órfãos de pais. Os serviços de Atendimento e Testagem Voluntária (ATV), em unidades fixas e móveis, foram alargados para além das capitais provinciais e passaram de 154, em 2007, para 233, em 2009. A integração do programa de PTV nos centros de saúde da rede estatal e a inclusão da testagem para o VIH nas clínicas com serviços de assistência pré-natal, permitiu a expansão da actividade do PTV. Todos estes serviços encontram-se actualmente disponíveis nas 18 províncias do país, verificando-se um aumento, em proporção, do número de pessoas a viver com VIH, com acompanhamento. O número de adultos e crianças com VIH, em estado avançado, com acesso à terapia anti-retroviral gratuita passou de 7.884 (2007) para 20.640 (2009). A Terapia anti-retroviral na grávida passou de 6% (2007) para 12% (2009), com destaque do sucesso na prevenção da transmissão vertical do VIH. A estratégia de prevenção da transmissão vertical do VIH permite reduzir para menos de 5% a transmissão da infecção em crianças expostas. Em 2009, observou-se uma redução de 2,7% de infecções em crianças nascidas de mães seropositivas infectadas, em comparação com 2004 (3,3%) e 2007 (3,3%). Os serviços que oferecem tratamento anti-retroviral aumentaram de 9, em 2004, para 494, em 2009, localizados em 111 dos 164 municípios do país (67,7%) e distribuídos por 251 unidades fixas (do sistema nacional de saúde) e 77 móveis, estimando-se uma cobertura populacional de 80%, aproximadamente. Angola tem características económicas, sociais e culturais para que o VIH/SIDA se propague rapidamente dentro das comunidades, devido às práticas de alto risco (parceiros sexuais múltiplos, poligamia e prostituição), pouco conhecimento sobre a doença e sobre o seu impacto, a vizinhança com países com altos índices de prevalência e devido à livre circulação de pessoas e bens, depois de um longo período de instabilidade, causada pela guerra. É necessário incentivar o processo que leve ao desenvolvimento de políticas e programas públicos, dirigidos a modificar esses determinantes para diminuir carências, reduzir disparidades e adoptar medidas de prevenção. A tais factores juntam-se o elevado número de relações de risco por falta de cuidados dos parceiros; deficientes serviços pré-natais e de planeamento familiar; acesso deficiente aos serviços de saúde reprodutiva; terapia anti-retroviral insuficiente, com a falta de prevenção da transmissão materno-fetal; existência de doenças endémicas generalizadas como a malária, má nutrição, tuberculose, tripanossomíase e epidemias frequentes; falta generalizada de cuidados de saúde de qualidade, por carência de recursos humanos qualificados e recursos materiais; campanhas de sensibilização deficientes ou insuficientes; falta de mais educação sexual nas escolas; falta de informação massiva sobre a doença e sobre os métodos de segurança; baixa qualidade de vida das populações; rendimentos familiares muito baixos; desemprego; número bastante elevado de crianças e jovens ainda fora do sistema de ensino. 76 Existe um Plano Estratégico Nacional de combate ao VIH/SIDA (2007-2010), e uma abrangente lei de VIH/SIDA com vista a proteger os direitos das pessoas portadoras de VIH/SIDA. 3.1.7 - Doenças sexualmente transmissíveis As Doenças de Transmissão Sexual, em 2012, registaram 106.000 casos notificados quando no ano de 2011 assinalaram 89.900 casos, 79.900 casos em 2010 e 81.700 casos em 2009 e 61.440 casos em 2008. No entanto, esta linha de progressão registada em relação aos casos notificados, não é acompanhada pelos óbitos registados que seguem em sentido inverso, descendente, nos cinco últimos anos, de 24 óbitos, em 2008, para 7, em 2012, apesar de haver, pelo meio, algumas variações, como se pode conferir no gráfico. Fonte: CEIC de dados da DNSP 2012 Como se constata as Doenças Sexualmente Transmissíveis têm taxas de letalidade que variam, no período referido, entre 0,04% (2008) e 0,01% (2012). 77 3.2. Indicadores-chave da saúde 3.2.1. A mortalidade infantil O facto mais saliente neste item refere-se à acentuada quebra na taxa de mortalidade infantil entre 1996/2001 e 2006-2011. Fonte: CEIC de dados do INE/IBEP e UNGASS 2012 Apesar das elevadas taxas de mortalidade infantil e infanto-juvenil estarem a decrescer, ainda há necessidade de estabelecer um serviço de vacinação regular, em todas as unidades hospitalares, nomeadamente nas zonas rurais. Melhorar a dieta básica das populações, através do desenvolvimento de campanhas de educação para o aproveitamento de alimentos de cultivo local, mais ricos em vitaminas e outros nutrientes, de modo a reduzir a taxa de crianças mal nutridas e com má nutrição crónica e incrementando o acesso à cesta básica que não deve ser mais onerosa que o salário mínimo nacional. 3.2.2.- A mortalidade materna Dados recentes mostram um bom progresso nos últimos dez anos. A mortalidade materna diminuiu de 880 para 610 mortos por cada 100.000 nados vivos 78 mas Angola, para alcançar o objectivo cinco dos ODM, onde se propõe a redução da mortalidade materna em três quartos até 2015, continua a precisar de fazer um grande esforço para baixar este índice. Para que esta redução seja possível, factores como acesso a cuidados primários de saúde, infra-estruturas de saúde, assistência qualificada durante a gravidez, sobretudo, mas ainda tendo em consideração o planeamento familiar, a prevenção de doenças transmissíveis, os cuidados pré-natais que permitem a detecção de doenças da mãe. O planeamento familiar, a utilização de métodos contraceptivos, não só podem garantir o controlo da transmissão de doenças, como também, o número de partos, em tempo adequado para a recuperação da saúde da mãe e sua condição para que a gravidez e partos seguintes ocorram em momentos em que a sua saúde está fortalecida e existam condições de nutrição adequadas para a sobrevivência ou vida da criança que nasce. Um número importante de mulheres nas zonas rurais ainda tem os partos em casa, enquanto a maioria delas, nas zonas urbanas recorre a unidades de saúde e, entre estas, 67,6% é atendida num centro de saúde e 73,1% por pessoal de saúde qualificado, enquanto 42,3% das mulheres nas não tiveram ou não recorreram a um centro de saúde para serem observadas. A importância do atendimento durante o período de gestação e do parto, é fundamental, pois permite a redução de morte por causas obstétricas, mas, ainda assim, pode-se afirmar que se está longe da situação ideal, pois só, aproximadamente, metade da população em idade fértil, em todo o país, teve assistência por parte de profissionais de saúde qualificados. 3.3.- Saúde preventiva A política de saúde preventiva do país tem os seus fundamentos num conjunto de programas e uma série de “boas práticas”. Estão em curso o Programa de Luta contra o VIH/SIDA, o Programa Alargado de Vacinação (PAV) que assegura a cobertura vacinal, nomeadamente contra o sarampo, a poliomielite, a tuberculose, bem como, o suprimento de vitamina A e desparasitação, através da administração regular de Albendazol, entre outros. As “boas práticas” são as campanhas da Lavagem das Mãos e de Higiene bocal oral, de prevenção da Gripe H1N1, informação e educação sobre a alimentação da criança, dos 6 meses aos 5 anos e informação sobre a Raiva e Tétano. 3.3.1. Programa de Cobertura Vacinal O programa nacional de vacinação engloba uma série de vacinas, desde a primeira infância, com a Pentavalente 3, mais a vacina contra o sarampo, contra a tuberculose e contra a poliomielite. A vacina Pentavalente 3 tem uma cobertura actual 79 de 73%, no conjunto do país. O calendário de vacinação nacional assinala um conjunto de jornadas nacionais e sub-jornadas provinciais. 3.3.1.1. Vacina contra o Sarampo O gráfico abaixo ilustra a cobertura de crianças imunizadas contra o sarampo. Fonte: CEIC a partir de dados do Banco Mundial Esta registou quedas de 74% (em 2002) para 45% (em 2005), desde este momento tem-se verificado crescimento progressivo ao nível da taxa de cobertura, registando o seu pico 91% (em 2010) com uma queda para 88% (em 2011). 3.3.1.2.- Vacina contra a Tuberculose Como se pode observar, a incidência de tuberculose em 100 000 pessoas esta crescer a uma taxa média anual dos 4 últimos anos à uma cifra de 2%, que não deixa de ser preocupante em função do crescimento populacional e dos cuidados em relação ao combate. Sai de 260/100 000 pessoas (em 2002) para 310/100 000 pessoas, com uma taxa de crescimento 19,2% em relação ao ano base (2002). 80 3.3.1.3.- Vacina contra a Poliomielite Há registar uma progressão na cobertura vacinal contra a poliomielite, embora a doença esteja por erradicar do país desde 2000. Embora haja um cenário positivo, permanecem vulnerabilidades do sistema nacional de saúde, nomeadamente aos fluxos migratórios de populações dos países vizinhos que fazem com que haja ressurgências ou que novas estirpes de vírus penetrem o território. No ano de 2012 continuaram as campanhas intensivas de vacinação, segundo o lema: “Chuta a pólio para fora de Angola (África)”, tendo sido realizadas três campanhas nacionais (Março, Abril e Maio) e subjornadas provinciais, em função da notificação de casos, em cada uma das províncias. 3.3.1.4.- Situação vacinal em geral Relativamente a todas as doenças infantis, os resultados ainda estão longe de garantir uma cobertura universal para todas as doenças evitáveis. Por exemplo a cobertura do Tétano é de 77%, a do Sarampo de 88% e a da Febre-amarela de 40%. 3.5. Despesas com a Saúde 3.5.1. Na perspectiva do Orçamento Na situação em que ainda se encontra o sistema nacional de saúde, compete ao Estado e ao Orçamento Geral garantirem a máxima qualidade na prestação de cuidados primários e não primários de saúde. Um país com saúde é um país com uma acrescida disposição e disponibilidade para o trabalho, o que concorre para o crescimento económico e o índice de felicidade dos cidadãos. Tem havido uma maior atenção da parte do OGE pelo sector da saúde, o que é absolutamente normal, num quadro caracterizado por carências, insuficiências e debilidades. Conforme se referiu mais atrás, o país dispõe de receitas fiscais petrolíferas de elevado quilate e enquanto a situação no mercado internacional do crude se mantiver favorável, deve aproveitar-se esse clima para dotar o sistema nacional de saúde com infra-estruturas materiais e capital humano que garantam a sua sustentabilidade e reprodutividade no futuro. O alcance de bons níveis nos indicadores de saúde é uma condição necessária para que os membros de uma sociedade exerçam as suas funções, contribuindo assim tanto para a realização social como para a realização pessoal. Para o alcance de tais níveis é necessária a realização de investimentos significativos, tanto na saúde curativa, como na saúde preventiva. Nos últimos cinco exercícios orçamentais, constatou-se que as despesas orçamentais com a saúde nem por isso registaram um aumento significativo. Dum 81 montante global de 2,26 mil milhões de dólares em 2008, passou-se para uma valor total de 2,4 mil milhões em 2012, um incremento total de apenas 6,2%, ou uma taxa média anual de variação nominal insignificante de 1,5%. Deste modo, nem a saúde chega a todos os angolanos, nem o será feiro duma maneira mais rápida. Repare-se que a taxa de progressão das despesas orçamentais com a saúde foi inferior à taxa de crescimento da população (2,9% ao ano). FONTE: CEIC de dados do OGE Nem mesmo em termos relativos – indicador que denuncia a escala de preferências do Estado quanto às suas funções sociais – os gastos com a saúde sofreram alterações visíveis. Com efeito, entre 2010 e 2012, o seu peso relativo no conjunto das despesas totais do Estado manteve-se, ou seja, não se alterou a escala de prioridades públicas no que às necessidades sociais concerne. FONTE: CEIC de dados do OGE 82 Vale no entanto a pena aduzir que o mais importante é a eficácia dos gastos com a saúde e não tanto a sua expressão monetária. A despeito das insuficiências atrás anotadas e das necessidades para a prestação de uma saúde de melhor qualidade, nem sempre estes desideratos são obteníveis com mais dinheiro. O modo como as despesas (de investimento e correntes) são executadas e a natureza dos projectos de investimento público influenciam muito a eficiência dos gastos com a saúde. Esta percentagem revela-se bastante baixa quando procedemos a um exercício de comparação internacional. Como vemos no gráfico abaixo, em 2010, Angola foi o país da África Austral que menos investiu em saúde relativamente ao total dos gastos públicos. Quando incluímos outros países do mundo, diferentes tanto em volume do PIB como em população, verificamos que Angola continua a estar muito abaixo do que aqueles gastam em saúde. FONTE: CEIC desde os dados do PNUD (2013) Projectando a população angolana, assumindo que os dados eleitorais são uma boa aproximação à população de maior idade, que a taxa de crescimento da população é igual a 2,9% e que mais de metade da população tem menos de 18 anos, verificamos que as despesas, per capita, em saúde pública tiveram um comportamento relativamente errático ao longo do tempo: 106,5 dólares em 2008, 96,6 dólares em 2009, 69,9 dólares em 2010, 91,7 dólares em 2011 e 105,4 dólares em 2012. Seguramente que os ajustamentos macroeconómicos e orçamentais determinados pela crise económica e financeira mundial de 2008/2009 tiveram a sua influência sobre a atribuição de verbas públicas aos diferentes sectores. 83 Fonte: CEIC desde o OGE (2008-2012) A análise da evolução da distribuição das despesas com a saúde nos últimos quatro exercícios orçamentais evidencia a manutenção da importância dos Serviços Hospitalares Gerais, enquanto os Serviços de Saúde Ambulatórios e os Serviços se Saúde Não Especificados são substituídos, em termos de importância, pelos Serviços de Centros Médicos e de Maternidade e pelos Serviços de Saúde Pública. O quadro abaixo evidencia o que acaba de ser dito. Fonte: CEIC de dados do OGE (2008, 2009, 2010, 2011, 2012) Estas tendências reflectem o esforço de melhoria da capacidade sanitária para fazer frente a saúde preventiva e da aproximação dos serviços hospitalares as comunidades. No entanto, estes esforços de proximidade e de prevenção contrastam com a significativa diminuição das despesas como os Serviços de Saúde Ambulatório que denotam menos atenção a tipos de enfermidades determinantes no melhoramento dos indicadores de saúde. 84 Fonte: CEIC de dados do OGE (2010,2011,2012) Os programas de saúde pública têm assinalado, nos últimos anos quedas no nível de financiamento público. Por exemplo, as despesas com o programa de luta contra as grandes endemias têm vindo a baixar, tendo passado de 7,43 mil milhões, em 2010, para 4,92 mil milhões, em 2012. Já para o programa de luta contra o VIH e SIDA há assinalar aumentos, embora não muito significativos, indo de 1,54 mil milhões, em 2010, para 1,82 mil milhões, em 2012, deixando assim o maior encargo de financiamento do Programa Nacional de Luta contra o VIH/SIDA na mão de doadores estrangeiros. 3.5.1. Desenvolvimento de infra-estruturas e de recursos humanos A questão dos recursos humanos, tanto em quantidade como em qualidade, constitui um dos principais obstáculos para o desenvolvimento do sector da saúde. A cobertura de pessoal médico-sanitário, no país, é muito baixa e tem uma distribuição muito desigual. Luanda concentra 65% dos recursos humanos da saúde, as demais capitais de província concentram cerca de 20%, enquanto os restantes 15% estão no resto do território. Há também uma grande insuficiência, em praticamente todo o território, de técnicos de diagnóstico e terapêutica, de fisioterapia, de estomatologia, de farmácia e de várias outras especialidades. Em 2012, o pessoal ao serviço do sector da saúde (pública e privada), em todo o país, integrou 10.028 médicos, 30.000 enfermeiros, 2.640 técnicos de diagnóstico e terapêutica e 20.697 pessoal administrativo, de apoio hospitalar e auxiliares.36. Participação dos Sectores por actividades funcionais - PIP 2012 Sectores Actividades Programadas 36 Relatório de Execução do Plano Nacional do ano 2008, 85 Valor (milhões Kz) Valor (%) Economia Real Infra-Estruturas Económicas Agricultura 29.928,07 3,50 Hotelaria 261,08 0,03 Industria 2.299,45 0,27 Comércio 3.976,29 0,47 I-sub-Total 36.464,89 4,27 Obras Publicas 233.793,40 27,36 Energia 123.741,55 14,48 Transportes 50.281,17 5,88 Telecom. E Tec. Da Informação 16.356,50 1,91 65 0,01 47.218,16 5,53 471.455,78 55,17 Educação 7.883,72 0,92 Cultura 1.357,53 0,16 Ciência e Tecnologia 3.914,29 0,46 III-sub-Total 13.155,54 1,54 Saúde 23.534,23 2,75 1.706,11 0,20 247 0,03 Adm. Publ. Emp. Seg. Social 2.575,26 0,30 Ant. Comb. Vet Guerra 2.941,95 0,34 Justiça 2.946,00 0,34 233.793,35 27,36 4.955,43 0,58 Administração do Território Gab. Obras Especiais II-sub-Total RH e C&T Infra-estruturas Sociais Assist. e Reinserção Social Família e Promoção da Mulher Urbanismo e Habitação Juventude e Desporto Ambiente 882,2 0,10 3.393,89 0,40 276.975,42 32,41 9.866,37 1,15 Planeamento 13.140,88 1,54 Interior 12.098,52 1,42 Defesa 1.998,50 0,23 Estado Maior General 1.150,51 0,13 Sec. Geral Pres. República 12.849,08 1,50 Sec. Conselho de Ministros 2.118,70 0,25 Serviços Inteligência Externa 3.271,58 0,38 56.494,14 6,61 854.545,77 100,00 Comunicação IV-sub-Total Adm. Superior e Defesa Finanças V-sub total I- Total sectores (I+II+III+IV+V) A matriz das preferências governamentais em matéria de investimentos públicos expressa-se por significativos desequilíbrios. Numa perspectiva global, as infra-estruturas económicas subscreveram mais de 55% do total dos investimentos públicos, tendo sido reservado para os sectores sociais uma margem de 32%. O destaque nesta atribuição de verbas foi para o urbanismo e habitação, também uma das áreas prioritárias das acções de 86 reconstrução do país e de melhoria das condições de vida da população. O sector da saúde foi beneficiado com 2,75% do PIB, ou seja, um montante de 235 milhões de dólares. 87 CAPÍTULO 4 COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO A educação concluiu este ano um longo processo de reforma (2002-2012) que visou estabelecer um sistema unificado de educação, alargar o acesso, melhorar a qualidade, reforçar a eficácia e assegurar a equidade do sistema. Porém, o papel da educação continua a não ser entendido como um factor estratégico de desenvolvimento e de progresso social. Apesar de ser um direito fundamental, consagrado na Constituição da República, na prática é assumida como um encargo da família e o Estado se desonera da sua fraca prestação, não atendendo à sua importância como base necessária para a formação de uma mão-de-obra nacional de qualidade, que possa permitir um crescimento económico diversificado e sustentado. Porém, a ideia de que a educação tem um papel estratégico para o desenvolvimento do país ainda não é um dado partilhado unanimemente. A política da educação continua a ser de manutenção e crescimento de infra-estruturas sem um esforço maior em relação a capacitação da componente humana da escola. Os problemas continuam os mesmos, parece haver uma incompreensão daquilo que todos sabem e que por vezes repetem, em relação ao papel central do professor no sistema de educação. O papel central do professor na construção de um sistema de educação sustentável, moderno e de qualidade ainda não foi compreendido ou, pelo menos, assumido como prioridade. O sector, apesar de estar a concluir uma longa reforma de cerca de dez anos, não ganhou ainda a importância que merece, nem os níveis de satisfação e eficácia desejados e necessários para o crescimento económico e para o progresso social e cultural do país e dos cidadãos, de maneira a fazer de Angola numa sociedade moderna, economicamente competitiva que permita um desenvolvimento sustentável, atento às questões do meio ambiente e que se coloque, de forma determinada, na rota da institucionalização, consolidação e aperfeiçoamento de um sistema nacional de educação que permita ao país aceder a uma relativa autonomia na ciência, tecnologia e inovação, alcançando uma melhor coordenação, articulação e complementaridade das iniciativas, esforços e sinergias de todos os agentes educativos, quer públicos, quer privados, quer ainda comunitários ou religiosos. Insiste-se na construção, um pouco a eito, meio “desordenada”, de infra-estruturas sem ter uma abordagem de conjunto do sistema educativo nacional e da sua relação com a estrutura económica actual e as perspectivas de desenvolvimento almejadas pelo país, quer a médio, quer a longo prazo. No entanto, todos actores intervenientes na educação são unanimes em dizer que a formação de professores de qualidade é o alicerce de toda a construção do edifício da educação nacional mas os dirigentes deste sistema não agem em conformidade de maneira a ultrapassar-se a mediocridade da educação actual que apenas produz diplomados e não quadros competentes e de adequado perfil técnico-profissional. Não é pois excessivo insistir na ideia de que a educação, para além de ser um direito fundamental, consagrado na Constituição da República37, é o sector de maior importância para o crescimento económico diversificado e que deve ser entendido como uma prioridade 37 Vide Artigo 35.°, parágrafo 6, da Constituição da República de Angola. 88 absoluta para o progresso social, cultural e ético-moral do país. É ainda o sector que permite resultados duradoiros, quer em relação a política de desenvolvimento sustentado, quer de justiça social. Questionar o estado da educação como compromisso social permanente, em que o Estado assume a liderança do processo, independentemente da ideologia do governo em funções, é interrogar sobre o estado e a qualidade da preparação da mão-de-obra nacional, dos seus perfis técnico-profissionais e da sua empregabilidade, como forma da sua integração no processo produtivo como pilar fundamental do progresso social das famílias e dos cidadãos. A política da educação, para além das suas ferramentas legais, das suas condições materiais e financeiras e sobretudo da sua componente humana, é, antes de mais, uma prática quotidiana que tem que ser questionada de forma permanente para poder progredir, através de processos participativos que envolvam todas as forças vivas do país e, particularmente, todos os agentes nela intervenientes (o Estado, as igrejas, as empresas, os actores comunitários, os pais e a sociedade civil e personalidades. A sua materialização carece de condições legais, programáticas, materiais, financeiras e humanas de maneira a dar resposta aos compromissos internos externos do Estado para possibilitar a educação como direito universal, um direito fundamental para a vida, aquele que permite o acesso a outros direitos sociais, consagrados na lei38. O sistema de educação nacional está estruturado em quatro níveis: pré-primário, primário, secundário e superior, integra os sectores público, privado e comparticipado e tem, no seu conjunto, orientação pedagógica do Estado, a quem cabe também o papel de entidade de inspecção, através dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior e Tecnologia, das direcções provinciais, municipais e comunais respectivas, através de uma verticalização que permanece centralizada, apesar das reformas administrativas. O ensino privado e comparticipado permitem, como evidente, o alargamento do acesso à educação e vêm aumentando a sua expansão e consolidação, representando, actualmente mais de 10% do total de estudantes do Ensino Primário e Secundário Ao longo dos dez últimos anos (2002-2012) o Estado, buscando “realizar a escolarização de todas as crianças em idade escolar, erradicar o analfabetismo de jovens e adultos e aumentar a eficácia do sistema educativo”, promoveu uma reforma do ensino primário e secundário que produziu alterações no ensino primário, tornando-o mais longo em termos de escolaridade, passando de 4 anos para 6 anos (da 1ª a 6ª classe) em regime de monodocência. Medida esta que tem sido bastante contestada e não tem dado bons resultados, por evidente falta de preparação do corpo docente39. Ao nível do ensino secundário, opera-se mudanças orgânicas, dotando-o de dois ciclos, primeiro ciclo, com três anos, 7ª, 8ª e 9ª classes, com mudanças de programas e de manuais, e o segundo ciclo com quatro anos curriculares igualmente, 10ª, 11ª, 12ª e 13ª. Da mesma maneira, em busca da “readaptação do sistema educativo, com vista a responder às novas exigências da formação de recursos humanos, necessários ao progresso socioeconómico da sociedade angolana”, promoveu a estruturação territorial do ensino superior, instituindo as regiões académicas que deram origem ao crescimento do ensino superior. O relatório para dar uma visão da situação actual do sistema de educação faz, primeiro, uma abordagem geral sobre a população escolar, os níveis de cobertura e a taxa líquida de frequência e, seguidamente, a análise dos três subsistemas de ensino: primário, secundário e universitário. 38 Refere-se, aqui, em particular, o direito ao trabalho. A monodocência parece ser o ponto mais fraco da reforma do ensino primário e tem sido contestada por docentes, e respectivo sindicato (SINPROF) e por encarregados de educação. 39 89 População e cobertura escolar 2012 Níveis e Iniciação Primário Secundário Universitário Indicadores (5 anos) (de 6 a 11 anos) (de 12 a 18 anos ) (de 19 a 22 anos ) População 726.062 3.569.807 2.843.744 1.512.600 Matriculados 570.079 (-3%) 5.022.144 (+2,99%) 962.222 (+3%) 150.000 (+7,1%) 78,52% 140,68% 33,84% 9,91% 57,68% 24% Cobertura Bruta Líquida Fonte: CEIC, a partir de dados do GEPE - Ministério da Educação. O país regista, em termos de matrículas, incluindo iniciação, ensinos primário, secundário e universitário e, ainda, educação para adultos e ensino especial, uma população escolar nacional que se cifra em 7.225.234 estudantes, o que corresponde a um incremento de 1,44% em relação ao ano anterior (7.122.397). No entanto, num quadro ideal de cobertura nacional plena, a população escolar nacional, em função das faixas etárias correspondentes aos diversos subsistemas, deveria ser de 9.136.284 estudantes, correspondendo, por isto, a 1.979.684 crianças e jovens (21,7%) fora do sistema de ensino nacional. Há também a assinalar que o incremento de matrículas, no ensino primário e no secundário, em relação ao ano anterior, foi apenas de 2,99% e de 3%, respectivamente, ao mesmo nível praticamente do índice de crescimento da população, o que quer dizer que há um efeito nulo em relação as crianças e os jovens fora do sistema de educação. Mais grave ainda é o verificado na iniciação, onde se registou uma diminuição de matrículas, na ordem dos -3%, em relação a 2011, ano que registou, neste nível de ensino, 587.700 matriculados. O pior é que a tendência decrescente é constante desde 2008 (711.025 matriculados), ano em relação ao qual se constata uma perda acumula -19,9% de matriculados. 4.1. Ensino Primário 90 O ensino primário é obrigatório e gratuito, tido como o ponto de partida para o ensino sistemático e a base do ensino geral, é o pilar sobre o qual assenta toda a cadeia de educação e formação profissional e de aquisição do conhecimento, pelo que o acesso universal à educação primária, sem diferenças sociais, sem descriminação de género, nem assimetrias territoriais é uma meta a atingir, embora seja definido como uma prioridade e o subsistema mais demandado pelas populações e, por isto, aquele que também mais inquieta as famílias e sobre o qual as suas expectativas são mais definidas. A escola primária de qualidade aparece assim como uma necessidade não somente social mas também política, económica e cultural. Para se dar uma visão sobre o estado do ensino primário, aborda-se, neste parágrafo, a evolução da cobertura escolar, do corpo docente, das infra-estruturas e equipamentos escolares e do correspondente rendimento escolar, procurando diferenciar os indicadores por género, região, província e em relação aos meios urbano e rural. Cobertura escolar A cobertura escolar do ensino primário, na sua extensão total, tendo em conta toda a extensão do território nacional, o ensino público, privado e comparticipado, é de 78%, para a escola pública, 17% para a escola privada e 5% para a escola comparticipada. Sendo que no meio urbano, a escola pública, cobre 69%, enquanto a escola privada 25% e escola comparticipada 6%. Já no meio rural, a escola pública cobre 91%, sendo o restante dividido pelas escolas comparticipadas e privadas que quase não existem. Em 2012, o ensino primário fez 5.022.144 de matrículas, mais 2,99% que no ano anterior (4.875.868) correspondendo a 81,9% do conjunto de estudantes matriculados nos três subsistemas da educação nacional. A estes números deve-se acrescer 570.079 matriculados na iniciação, 502.350 na educação de adultos e 18.439 no ensino especial. Quadro ? :Cobertura escolar no ensino primário 2012 Níveis e Primário Indicadores (de 6 a 11 anos ) População 3.569.807 Matriculados 5.022.144 (2,99%) Cobertura Bruta 140,68% 57,68% Líquida Este subsistema regista, este ano, no ensino primário, a taxa bruta de escolaridade nacional, de 140,68% pois há 5.022.144 estudantes matriculados, quando a população que deve frequentar o ensino primário, é apenas de 3.569.807 crianças, correspondendo a 17,7% 91 dos 20,2 milhões de habitantes de Angola. Esta taxa bruta registada vai no sentido da tendência altista dos últimos anos. Como se pode observar na tabela infra, a taxa bruta de escolarização, no período dos cinco últimos anos, 2008-2012, situou-se sempre acima dos 100%, o que demonstra um aumento progressivo da capacidade de absorção das crianças em idade escolar, nomeadamente a obrigatória. Evolução da Taxa de Escolaridade, no ensino primário Taxa de escolaridade Bruta Líquida 2008 139,1% 2009 146,1% 2010 --% 2011 140,5 % 57,60% 2012 140,68% 57,68% Fonte:CEIC, a partir de dados do GEPE do MED. No entanto, este superavit da taxa bruta de cobertura escolar é enganoso porque denuncia o problema do atraso escolar, que persiste de forma reiterada, particularmente para o ensino primário, em que 59%40 da sua população deveria estar a frequentar o ensino secundário. Deduzindo os retardatários (2.963.065) do total de matriculados (5.022.144) os alunos matriculados, com idade correspondente ao ensino primário (6-11 anos), são apenas 2.059.079, para uma população escolar primária de 3.569.807, o que determina uma taxa líquida de frequência de cerca de 57,68%. O que tem como consequência haver cerca de 1.510.728 crianças, nessa faixa etária (6-11 anos) fora do sistema de ensino e um atraso escolar que se mantem quase inalterado, com 2.963.064 estudantes que estão em classes que não correspondem às respectivas idade e ocupam, por isto, os lugares dos mais novos. Evolução do corpo docente Já ficou dito que os recursos humanos têm um papel fundamental e, por isto, a evolução quantitativa e qualitativa do corpo docente é da maior importância para o progresso do sistema de educação. Em 2012, o corpo docente, do ensino primário registou 139.159 professores, correspondendo a uma progressão quantitativa de 4,26%, em relação ao ano anterior. Evolução do corpo docente no ensino primário (2008-2012) Ano Efectivos Novos docentes Taxa de crescimento 2008 106.940 9.079 8,49% 2009 121.206 14.266 13,34% 2010 125.290 4.084 3,36% 2011 133.469 8.179 6,5% 40 Vide IBEP, Relatório Analítico, vol. I, Luanda, INE, 2011, pp. 58-60, nomeadamente a Tabela 5.4, sobre a Taxa Líquida de frequência do ensino primário. 92 2012 139.159 5.690 4,26% Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED Evolução das infra-estruturas e equipamentos escolares Durante 2012, a evolução das infra-estruturas e equipamentos escolares registou 52.873 salas de aulas, em todo o país, correspondendo a mais 1.540 salas novas, isto é, uma evolução de 3%, em relação ao ano anterior (51.333), numa tendência crescente sustentada que regista, nos cinco últimos, 7.265 novas salas de aulas construídas, que representa uma média de 1.453, ano, e que corresponde a uma taxa de variação positiva de 15,9%, como se pode ver no quadro infra: Quadro ? - Evolução de salas de aula, no ensino primário (c/ iniciação) 2008-2012 2008 2009 2010 2011 2012 V(08-12)% 45.608 (-%) 46.976 (3%) 48.386 (3%) 51.333 (6%) 52.873 (3%) 15,9 Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED Rendimento escolar Em relação ao rendimento escolar, no ensino primário, porque se implementou uma reforma nos dez últimos anos, as autoridades reitoras do sector têm tendência a comparar o aproveitamento no antigo sistema de educação e no novo sistema, ressaltando que este “aumentou a taxa de aprovação em todos os níveis de ensino, reduziu a taxa de repetência e de abandono e melhorou a eficácia interna do sistema de ensino”, podendo isto ser constatado através do quadro infra que faz um resumo exaustivo explicito dessa realidade, acabando com a ideia de que o rendimento escolar é negativo e que de classe para classe, o número de alunos baixa abruptamente. Quadro ?: Rendimento Escolar Antigo Sistema Novo Sistema Sistema de Educação Fases da Reforma Taxas Ensino Primário Experimentação Generalização Aprov. Reprov. Aband. Aprov. Reprov. Aband. Aprov. Reprov. Aband. 42% 32% 26% 91,10% 6,08% 2,82% 82,30% 4,50% 13,20% Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED Como se pode ver, no quadro supra, os níveis de reprovação baixaram drasticamente, passando de 32%, no início da reforma, para 4,5%, nos últimos anos, com níveis de aprovação situados em 82,3%, na fase de generalização, quando já havia registado, na fase de experimentação da reforma, o valor de 91,10%, embora o nível de aprovação, no 93 antigo sistema não passasse de 42%. Outro indicador de interesse a observar é o referente ao abandono escolar (desistência) que se situava, no antigo sistema, em 26%, tendo-se fixado na fase final em 13,2%, depois de ter rondado, na fase de experimentação, 2,82%. Em relação a eficácia interna, o novo sistema, segundo os indicadores do MED, atinge, um coeficiente de 90% e uma taxa de promoção de 80%, para uma taxa de repetência de 13,2% e de desistência de 6,9%, enquanto o antigo sistema registava um coeficiente de eficiência de 62%, para uma taxa de promoção de 46,7%, para uma taxa de repetência de, 26,8% e uma taxa de 27%, para a desistência, como se pode verificar no quadro infra: Quadro ? – Eficácia Interna Antigo Sistema 46,7% 26,8% 27% 62% 5,6% Indicador Taxa de Promoção Taxa de repetência Taxa de desistência Coeficiente de eficácia OGE % para a Educação Novo Sistema 80% 13,2% 6,9% 90% (8%) Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED Porém estes números mais recentes não se compaginam com indicadores anteriormente publicados em documentos igualmente oficiais, em que se fala de taxas de repetência, para o novo sistema, na ordem dos 22%, para uma taxa de desistência de 24%, enquanto para o anterior sistema, se registava uma taxa de repetência de 32% e de desistência de 25%, com taxas de promoção de 54%, para o novo sistema e de 48%, para o antigo sistema, como se pode ver no gráfico infra. Fonte: CAARE/MED citado em Informação sobre a Implementação do Novo Sistema de Educação. Reforma Educativa do Ensino Primário e Secundário - Ministério da Educação 2008. O abandono escolar 94 No entanto, parece haver alguma melhoria nos principais indicadores do sistema educativo, depois da reforma e sobretudo com o alargamento do programa de merenda escolar. Pelo menos é o que afirmam alguns diagnósticos feitos no âmbito da avaliação da reforma educativa. Mas, esses mesmos instrumentos de avaliação mostram que a taxa de abandono permanece quase alterada, apesar da acção social na escola, o que indica que há outros factores exógenos (transporte escolar, merenda escolar, orientação profissional, saúde escolar etc.) que actuam sobre essa população de alunos que indiciam ter condições sociais semelhantes41. A situação de incremento do sistema de educação primária não é uniforme ou, pelo menos, não tem tido o mesmo efeito, em relação ao território nacional, como se pode ver no gráfico infra: 4.2. Ensino secundário Em 2012, o ensino secundário registou 962.222 matrículas, sendo 638.436 estudantes, para o 1º ciclo, e 323.786 estudantes para o 2º ciclo, verificando-se uma taxa bruta de cobertura para o subsistema de 28,91% (sendo de 41,6% para o 1º ciclo e de 18,03% para o 2º ciclo), o que indica a persistência de uma disfunção do sistema educacional que não garante uma continuidade sustentada entre os dois primeiros subsistemas de ensino, assinalando fraco rendimento escolar, desde o subsistema primário, onde se continua a verificar grande número de abandono, de reprovação e repetência, originando grandes perdas na transição do subsistema primário para o secundário. A redução na taxa bruta de cobertura deve-se também ao facto do novo sistema ter alongado o ensino secundário em mais um ano, aumento desta maneira a população escolar do ensino secundário que é de 3.327.786, correspondente a 16,5% da população total do país (IBEP 2010). 41 Informação sobre a Implementação do Novo Sistema de Educação. Reforma Educativa do Ensino Primário e Secundário - Ministério da Educação 2008 95 A tabela infra mostra de forma sintética a realidade dos números, relativos ao ensino secundário, em 2012: Quadro ?: cobertura escolar no ensino secundário 2012 Níveis e Secundário Indicadores (de 12 a 18 anos ) População 3.327.786 1.532.798 1.794.988 962.222 Matriculados Fonte: CEIC, dados do Ministério Educação. 1º ciclo 2º ciclo 638.436 (66,35%) 323.786 (33,65%) 28,91% Bruta Cobertura 41,6% A 18,04% a partir de GEPE da taxa de Líquida escolaridade, quer bruta, quer líquida, no ensino secundário tem evoluído de forma sustentada mas de forma muito lenta e muito distante das necessidades de conformidade dos subsistemas e de alargamento do ensino secundário em grande escala para proporcionar um alargamento do nível de escolaridade média do país e garantir um plano nacional alargado de formação técnico-profissional. Evolução da Taxa de Escolaridade, no ensino secundário Taxa de escolaridade Bruta Líquida 2008 % % 2009 % % 2010 20,6% % 2011 33,8 % 24% 2012 33,84% % Cobertura escolar O ensino secundário é mais presente nas zonas urbanas, e menos nas zonas rurais, onde há uma fraca frequência desse nível de ensino. A prevalência do ensino secundário nas 96 zonas urbanas é devido também ao facto de que estas zonas contam com escolas privadas, enquanto nas zonas rurais as escolas privadas são praticamente inexistentes. 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Ensino Secundário Angola Urbano Rural Índice de desigualdade de género Em relação as diferenças de género, no acesso ao ensino secundário, em 2012, não há informações do órgão reitor do sector que na sua informação recorre a indicadores estimados do INE (2009), considerando que no novo sistema educativo há um índice de paridade igual a 0,99. Porém, o CEIC considera que esse indicador está próximo da realidade do ensino primário mas muito distante da realidade do ensino secundário, como se pode verificar pelo gráfico infra: Assim podemos considerar, grosso modo, que dos 962.222 matriculados no ensino secundário, em 2012, dois terços são do sexo masculino e um terço do sexo feminino. Na 97 transição do ensino primário para o ensino secundário, existe uma queda da taxa de frequência total mas também por sexo, desfavorecendo o sexo feminino sobretudo no meio rural. Porém, há uma tendência para uma maior aproximação entre o género, no 2º ciclo (323.786), por força de haver um maior aproveitamento para o sexo feminino, como se pode constatar no gráfico infra: Fonte: CEIC a partir de dados do Ministério da Educação Evolução do corpo docente Em 2012, o corpo docente do ensino secundário cifrou-se num total de 106.819 professores, sendo 71.415, para o 1º ciclo e 35.404 professores para o 2º.ciclo,numa evolução de 6,45% e de 8,59%, respectivamente. Evolução do corpo docente no ensino secundário (2008-2012) Ano Efectivos Novos docentes Taxa de crescimento 1º ciclo 2ºciclo 1º ciclo 2ºciclo 1º ciclo 2ºciclo 2008 52.077 26.202 2.067 1.129 3,97% 4,31% 2009 59.024 29.698 6.947 3.230 13,34% 12,32% 2010 60.689 29.432 1.665 -266 2,8% -0,90% 2011 67.086 32.604 6.397 3.172 10,54% 10,78% 2012 71.415 35.404 4.329 2.800 6,45% 8,59 Fonte: CEIC-UCAN a partir de dados do GEPE, MED A evolução do corpo docente deste subsistema, nos últimos cinco anos, tem registado uma tendência crescente não uniforme, a uma média de 7,42%, para o 1º ciclo e de 7,02%, para 2º ciclo, tendo havido um ano negativo, como se pode conferir no quadro infra. 98 Evolução das infra-estruturas escolares Quanto a infra-estruturas, o ensino secundário, em 2012, regista 5.691 salas, correspondendo a 4.020 salas de aulas do 1º ciclo e 1.671 do 2º ciclo, assinalando uma progressão total de mais 167 salas de aulas que no ano anterior (5.524), numa variação sustentada média de 3,19%, como se pode ver no quadro infra. Nível Ensino Quadro ? - Evolução de salas de aulas, no ensino secundário 2008-2012 2008 2009 2010 2011 2012 de V% 1º Ciclo 3.467 3.571 3.678 3.902 4.020 16,0 2º Ciclo 1.441 1.484 1.529 1.622 1.671 15,9 4.908 5.055 5.207 (0,95%) (3%) (3%) Fonte: CEIC, a partir dos dados do GEPE do MED. 5.524 (6%) 5.691 (3%) 15,95 Total Rendimento escolar O rendimento escolar, no ensino secundário, depois das reformas, segundo as autoridades reitoras do sector, tem aumentado, sendo os actuais índices de aprovação, comparados aos do antigo sistema, mais elevados, para além de ter baixado as taxas de repetência e abandono escolar. O quadro infra faz um resumo explícito dessa realidade: Sistema de Educação Quadro ?: Rendimento Escolar no Ensino Secundário Antigo Sistema Novo Sistema Fases da Reforma Taxas Experimentação Generalização Aprov. Reprov. Aband. Aprov. Reprov. Aband. Aprov. Reprov. Aband. 1º Ciclo 45% 29% 30% 83,4% 12,80% 3,30% 67,10% 16,80% 15,10% 2º Ciclo 44% 30% 29% 27,3 14,20% 8,50% 70,80% 13,30% 15,90% Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do MED Como se pode ver, no quadro supra, os níveis de reprovação baixaram, passando, no 1º ciclo, de 29%, no início da reforma, para 16,80%, nos últimos anos, e indo, no 2º ciclo, de 30%, no antigo sistema para 13,30% no novo sistema. Os níveis de aprovação passaram, no 1º ciclo, de 45% para 67,10%, no novo sistema. Por outro lado, o abandono escolar reduziu em cerca de metade, nos dois ciclos, passando de 45% para 15,10%, no 1º ciclo, e de 44% para 15,90%, no 2º ciclo. E, este aumento da oferta educativa e melhoria da eficácia interna, levou a uma progressão do número de diplomados, nos últimos cinco anos, tendo passado de 35.402, em 99 2008, para 57.201 em 2012, representando um crescimento de 61,58%, como se pode constatar, no quadro infra. Quadro ? – Graduados no Ensino Secundário 2ºCiclo Ensino Secundário 2008 2009 2010 2011 2012 Formação de Profº. 10.220 11.855 12.116 12.480 12.854 Médio Técnico 17.987 19.965 22.161 23.511 24.943 Geral 7.195 7.986 8.864 9.130 9.404 TOTAL 35.402 39.806 43.145 45.121 57.201 No entanto, os 57.201 diplomados do ensino secundário, de 2012, representam apenas 17,66% dos efectivos matriculados no 2º ciclo, no mesmo ano lectivo (323.786) ou 5,9% do total de matrículas do ensino secundário. Não deixa de ser interessante notar que foram diplomados, em 2011, 12.480 professores mas, em 2012, apenas ingressaram 5.690 novos professores, para o ensino primário. 1. Educação de adultos Segundo o gráfico infra, o país tem cerca de 45% da sua população, com mais de 17 anos de idade, que não concluiu nenhum nível de ensino. A população com 18 anos ou mais anos de idade, segundo o IBEP 2010, representa 45,7% da população total do país (20.168.400), ou seja 9.216.959 pessoas, das quais 4.147.632 nunca frequentou a escola e, por isto, constitui a população potencial do ensino de adultos, nomeadamente da alfabetização. Fonte: CEIC, a partir dos dados do “ Angola em Números”, INE, 2012. 100 Porém, o programa nacional de alfabetização, apesar de assinalar, nos últimos cinco anos, uma progressão de 15,1%, como se pode ver no quadro infra, não ultrapassa os 578.267 alfabetizandos42. Quadro ? : Evolução dos efectivos da alfabetização 2008 – 2012 Nível de Ensino 2008 Alfabetização 502.350 2009 2010 532.491 532.943 2011 561.424 2012 * 578.267 V% 15,1 Fonte: CEIC a partir de dados do GEPE do Ministério da Educação 4.3. ENSINO SUPERIOR Apresentada como um dos objectivos principais da política do executivo para o sector social, a oferta de um ensino superior de qualidade, adequado às necessidades internas e aos padrões de exigência internacionais, ainda é uma realidade aquém das expectativas. Não obstante alguns avanços, registados nomeadamente no capítulo da expansão, acentuando-se assim um aumento significativo do número de vagas e da diversidade de cursos de licenciatura tanto na rede pública como na privada43, muitas mudanças se afiguram necessárias e urgentes. Após a extensão do ensino superior por todo a geografia do país, o desafio maior centra-se, agora, a par da contínua construção de infra-estruturas locais e da criação de outras condições técnicas indispensáveis, na formação dirigida de quadros docentes, no fomento de bolsas de estudo internas e externas para os diversos níveis e áreas de especialidade baseadas em critérios de mérito, no maior financiamento à pesquisa científica, na activação de mecanismos de fiscalização e avaliação da qualidade do ensino, bem como na criação de estratégias de mediação entre a universidade e o mercado de trabalho. De acordo com os dados oficiais44, o número de vagas disponíveis no ensino superior passou de 27.000, em 2011, para 31.000, em 2012. Este aumento reflecte não só os lugares vagos deixados pelos diplomados, mas também a entrada em funcionamento de algumas novas unidades orgânicas previstas no âmbito do estabelecimento das sete regiões académicas e a abertura de cursos de mestrado e doutoramento em algumas universidades. Assim, verifica-se, igualmente, um aumento no número de estudantes no ensino superior que passou de 140.016 (2011) para 150.000 (2012) estudantes, o que representa um crescimento de 7,1%, este ano, mas que vem no prosseguimento de uma dinâmica de crescimento que, na verdade, existe desde 2008, perfazendo um crescimento acumulado, nos cinco últimos anos (2008-2012) de 70,5%, conforme se pode constatar no quadro infra: Evolução do número de estudantes no ensino superior 42 Parece evidente que o presente gráfico tem um erro em relação ao ensino primário, pois não parece correlato com a realidade haver, no meio urbano, 55% da população que concluiu esse nível de ensino, enquanto, no meio rural, terão sido 82%. 43 Vide Relatório Social de Angola 2011, p. 99-100. 44 Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial, Plano Nacional de Desenvolvimento 20132017, Luanda, Dezembro de 2012, p. 119. 101 2008 2009 2010 2011 2012 N.º % N.º % N.º % N.º % N.º % 87.957 - 98.777 12.3 107.039 8.4 140.016 30.8 150.000 7,1% Fonte: CEIC, com base no Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística do Ministério da Educação e Ministério do Planeamento e Desenvolvimento Territorial. No que diz respeito ao quadro docente, nota-se um crescimento na ordem dos 21% em relação a 2011. Trata-se de uma ascendência considerável que resulta, em grande parte, do recrutamento de docentes estrangeiros a título de colaboração, facto que mais se tem verificado nas instituições públicas atendendo à necessidade do preenchimento de novas vagas criadas no âmbito do seu reordenamento. Evolução do número de docentes no ensino superior 2008 2009 2010 2011 2012 Var.% Rede pública 1.665 1.752 2.031 2.768 4.181 51,05 Rede privada 1.557 1.989 2.621 2.731 2.169 -20,58 Total 3.222 3.741 4.652 5.499 6.350 15,48 Fonte: CEI, com base no Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística do Ministério da Educação Do total de 6.350 docentes, entre doutores, mestres, pós-graduados e licenciados, 4.181 são da rede pública, e apenas 2.169 pertencem à rede privada. Em consequência, comparativamente aos anos anteriores, em 2012, constata-se um decréscimo inédito no número de docentes na rede privada e um aumento, em cerca de 78%, na rede pública. 4.6. DESPESAS COM A EDUCAÇÃO O gráfico abaixo mostra que nos recentes três últimos anos, há uma ligeira progressão,em termos absolutos, do financiamento da educação, embora haja também a assinalar uma redução gradual dessa progressão, indo de 263,5 mil milhões de kwanzas, em 2010, para 341,17, em 2011 e para 376,76, em 2012. 102 A análise do OGE 2012 mostra que, para este ano, verifica-se um ligeiro aumento da despesa de educação, em termos relativos, em relação ao ano anterior, já que em 2011 a despesa da educação teve, no interior do OGE, um peso relativo de 8,18%, quando este ano atingiu os 8,37. No entanto, esta progressão é ainda uma regressão em relação a 2010, ano em que a despesa da educação situou-se a 8,52% da despesa do OGE. A estrutura da despesa do sector da educação reflecte a opção do MED em fazer do ensino primário o sector prioritário, já que este subsistema tem a maior fatia do orçamento, representando respectivamente 60,77%, em 2010, 68,3%, em 2011 e 67,58%. 103 CAPÍTULO 5 A SITUAÇÃO DA FAMILIA E DA CRIANÇA (realidade, compromissos e desafios) “Superar a pobreza não é um exercício de caridade, é um acto de justiça. Tal como a escravatura e o apartheid, a pobreza não é natural. É produzida pelo homem e é possível superá-la e erradicá-la através da acção dos seres humanos. Cabe por vezes a uma geração ser grande. VOCÊS podem ser essa grande geração. Que a vossa grandeza floresça.” Nelson Mandela Nos últimos anos a situação social das famílias e da criança no país registrou melhorias significativas. Estas melhorias estão fortemente relacionadas com o “boom económico” que o país registou, nos últimos anos, principalmente em consequência da exploração dos seus recursos naturais (o petróleo), que lhe permitiu um ambiente macroeconómico favorável para o Governo implementar políticas públicas que permitiram melhorar progressivamente a situação social e promover desenvolvimento. O progresso registado nos últimos anos é visível e mensurável. De acordo com os últimos dados do Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População – IBEP (2010) a proporção de pessoas com renda inferior a 1 USD, por dia, era de 68%, em 2001, e passou para 37%45, em 2009, enquanto a taxa de mortalidade infanto-juvenil passou de 250 crianças, por mil nados vivos, em 2001, para 194, por mil nados vivos, em 2009, a taxa de frequência líquida à escola, de crianças de 6-11 anos, passou de 56%, em 2001, para 76%, em 2009, a esperança de vida, ao nascer, era de 45 anos, em 2000, e passou para 52 anos, em 2012. Vários programas do Governo implementados durante os últimos dez anos contribuíram significativamente para o progresso registado nos indicadores socioeconómicos apontados. Em relação à Criança e à Família, deve-se destacar os 11 Compromissos em prol da Criança que inclui metas específicas que visam reforçar e melhorar a condição de vida, a educação, a saúde, as competências familiares entre outros. Todavia, apesar dos resultados significativos alcançados nos últimos anos a situação das famílias e da criança em Angola ainda é bastante preocupante. Segundo as estatísticas, Angola ainda faz parte dos 10 países com as maiores taxas de mortalidade infantil no mundo. De acordo com o IBEP, apenas 42% dos partos ocorrem numa unidade sanitária, no meio rural a situação é mais grave já que 85% dos partos ocorrem em casa e, destes, apenas 24% são assistidos por pessoal qualificado (parteiras tradicionais), apenas 42% da população tem acesso à água potável e somente 60% a saneamento básico. No ensino primário, a média de 45 De acordo a linha de pobreza absoluta estalecida no IBEP 2008, cifrada em aproximadamente 52$/mensais por pessoa ou adulto equivalente. 104 alunos por sala de aulas é de 99 e apenas 31% das crianças, menores de 5 anos, possui registro de nascimento. Neste capítulo vai-se analisar os principais aspectos ligados a condição socioeconómica das famílias e das crianças, com base nos dados do Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (IBEP, 2010) que permita uma caracterização da situação da família e da criança em relação a alguns dos indicadores socioeconómicos julgados importantes para a análise, entre eles a estrutura demográfica, estado civil e relações conjugais, tamanho e estrutura dos agregados familiares, condições de habitação, meio ambiente e posse de bens, nível de receitas e despesas e índices de pobreza. E ainda uma análise dos indicadores de pobreza monetária e Indicadores de Pobreza não-Monetária46. Os dados recolhidos permitiram reavaliar as metas e compromissos assumidos pelo governo em relação á família e à criança e dimensionar os esforços ainda necessários para a promoção do verdadeiro bemestar das famílias e das populações. 5.1. Realidade socio-económica da família em Angola 5.1.1. Estrutura demográfica A situação da família em Angola está influenciada por três grandes problemas ligados directamente a estrutura demográfica do país. O primeiro problema está relacionado com a elevada taxa de fecundidade estimada em 6,4 nascimentos47, num país em que a esperança de vida é muito reduzida (estimada em 48 anos, 47 para os homens e 49 para as mulheres) e num país em que a taxa de mortalidade materno-infantil é também muito alta. A esperança de vida média na África Subsaariana é de 52 anos. O segundo problema está relacionado com a elevada taxa de crescimento da população, estando o nível de crescimento natural estimado em 3,1%, por ano48 Este crescimento da população ao não ser proporcional com o crescimento e desenvolvimento de estruturas que permitam a melhor acomodação da família e a realização dos seus direitos, agrava a condição das crianças, das mulheres e da família em geral. A população em 2008-2009 era estimada em 16.367.879 pessoas, das quais 48% são homens e 52% são mulheres. A população urbana, segundo o IBEP, foi estimada em 54,8% enquanto em 1995 era de 31% como indicou o MICS. Regista-se aqui uma tendência para o aumento da população residente sobretudo nas zonas urbanas prevendo-se que em 2015, a população atinja 21,842 milhões de habitantes (Plano nacional de Formação de Quadros 20132010, 2012; 6). Prevê-se que a população de 6 a 23 anos deverá aproximar-se, em 2015, dos 9,8 milhões, representando cerca de 44% da população total. Este crescimento explica-se pelo facto de se registar, com o advento da Paz, um “baby boom” que vai conduzir a que em 2015 se registe um aumento da população, sobretudo do grupo etário a concluir o ensino primário e entrando para o ensino secundário e para a Universidade. Haverá pois, uma rápida expansão da população escolar no 2º ciclo do ensino secundário. Estima-se que em 2015, a população economicamente activa atinja 10,7 milhões (Plano Nacional de Formação de Quadros 20132017, 2012; 6). 46 Nesta secção, destacamos na nossa análise os domínios da Habitação, Água, Saneamento e Inclusão. Os domínios da Educação e Saúde não são analisados (serão analisados futuramente em relatório próprio) 47 Relatório do IBEP, 2010; INE, Luanda, I vol., p. 19. 48 Relatório do IBEP 2010, INE, Luanda, I vol., p. 9. 105 Em terceiro lugar, deve-se referir a elevada taxa de dependência, estimada em 10149. Constata-se que a população angolana é muito jovem. Quase metade (47,7%) da população residente tem menos de 15 anos. A classe etária dos 15 aos 64 anos representa 49,7% da população. A percentagem de indivíduos com 65 anos ou mais não ultrapassa os 2,5%. Sendo pois uma população muito jovem, os níveis de dependência são maiores. Daí a necessidade de um Estado-Providência, principalmente promotor e gerador de meios para a subsistência dessa população jovem e não auto-suficiente. As políticas sociais deverão estar principalmente viradas para esta população dependente e vulnerável. 5.1.2. Estado civil e relações conjugais A distribuição da família em relação ao estado civil pode explicar um conjunto de tendências e factos em relação ao comportamento e a práticas que favorecem (ou não) o bemestar da mulher e da família em geral. Segundo o IBEP, 2010, quase metade da população angolana, maior de 12 anos, tem uma relação marital (casada ou em união de facto) numa proporção de 52%, para homens e 47%, para mulheres. A união de facto deve ser a forma mais comum de relacionamento marital, em Angola. A nível rural a percentagem é mais alta; 54,5% da população, com mais de 12 anos, vive maritalmente. Porém, verifica-se que 11,6% da população considerada “casada” tem, entre 15 e 19 anos de idade e 1,3% está entre 12 e14 anos de idade. Sendo esta população composta por crianças e indivíduos dependentes dos pais, é de esperar que não consigam assumir as suas responsabilidades familiares, resultando em graves situações e limitações no modo de vida das referidas famílias. Por outro lado, tendo em conta que grande parte da população entre 20 e 24 anos não tem emprego é preocupante notar que quase metade da população, nesta faixa etária (43,6%) já é casada ou vive em união de facto. Em geral, 55,5% da população “casada” encontra-se entre 12-29 anos de idade, ou seja, num período de instabilidade profissional e financeira que não permite arcar com as responsabilidades familiares. O facto mais preocupante em relação a situação da família é notar que 63% dos casados não possui nenhum nível de escolaridade. Assumindo ser esta a situação, pode-se aferir as consequências que daí advêm: pobreza na família, graves problemas de abandono e negligência na educação e acompanhamento dos filhos, violência, para além de baixos rendimentos para a satisfação das necessidades das crianças. Constata-se que a população solteira é grande, estimada em 41%, mas surpreendentemente, os indicadores de divórcio e separação em Angola são muito baixos. Apenas 0,4% da população é divorciada e 4% é separado (IBEP, 2010). Apesar de indicar um nível baixo de separação e divórcio, esta cifra pode espelhar a elevada percentagem de estigmas sociais e culturais associados ao casamento e a família, denotando-se um alto grau de submissão da mulher, um aparente equilíbrio familiar assente na manutenção do casamento (ou dos relacionamentos) mesmo quando os indicadores de violência doméstica sejam referidos como bastante altos e onde os índices de pobreza continuam altos. A preservação de tais relacionamentos acaba sendo entendido como uma obrigação social, cultural e religiosa e um sinónimo de bem-estar. Esta situação levanta, com certeza, questões sérias acerca da condição da mulher na família, a discriminação e as disparidades sociais e do género. Analisando mais detalhadamente os dados do IBEP, constata-se, por exemplo, que a maior parte dos divorciados e dos separados são mulheres. Comparativamente a outros países, a incidência de separação e divórcio de Angola para além de ser baixa, exige outro tipo de reflexões. Por exemplo, em Portugal, em 2008, a taxa de divórcio passou os 60 por cento enquanto, há dez anos, a percentagem era de 30 por cento e, há 20, situava-se nos 12,9 por 49 Relatório do IBEP 2010, INE, Luanda, I vol., p. 12. 106 cento (Maia, MSN Noticias, 2010, online). Cuba se encontra entre os países que têm o mais alto índice de divórcios do mundo. Em 1999 o índice de divórcio era estimado em 69% (Roque, 2004, online). Em Cuba, a taxa de divórcio subiu para 75% (2010). A Austrália tem 12,9% de divórcios por 1000 casamentos. A França teve 117.716 divórcios anunciados em 1996, sendo 95% dos casos solicitados pelas esposas. Nos Estados Unidos, o índice de divórcio é de 49%, ou seja, 4.85% por 1000 casamentos (Worldwide diveorce rates, 2012). Não se faz uma apologia ao divórcio, porém os índices de separação espelham, muitas vezes, um nível mais alto de consciencialização das mulheres e sua emancipação, estando eles menos submissas e tolerantes ao abuso e violência. Para além das questões acima apontadas, será importante assumir que Angola é um país aonde a poligamia e as relações extraconjugais tanto no meio rural com urbano são bastante comuns. Segundo o relatório do IBEP, as relações poligâmicas, particularmente nos centros urbanos, não são livremente assumidas. Apenas 10% dos homens casados indicaram ter mais de uma esposa, estando a maior parte deles concentrados entre os 40 e 50 anos de idade (IBEP, 2010; 13). Uma análise empírica da realidade permite concluir que a poligamia nos homens é muito superior aos 10% declarados no IBEP. 5.1.3. Tamanho e estrutura do agregado familiar Outro indicador importante que utilizamos aqui para avaliar a condição da família é o tamanho e estrutura do agregado familiar. O agregado familiar em Angola é estimado em cinco pessoas, sendo comparativamente mais elevado que em 2001, que foi estimado em 4.3 (IBEP, 2010; 13). Esta tendência de crescimento é inversamente proporcional as tendências de desenvolvimento das sociedades, em que o acesso á informação, educação e bens tende a contribuir para a redução do número de filhos e consequentemente, para um mais elevado nível de estabilidade familiar. Os agregados familiares nas zonas urbanas têm em média mais pessoas do que nas zonas rurais: 5.2 e 4.7, respectivamente. Importa ressaltar que 39% dos agregados familiares são compostos por seis ou mais membros. Nas condições actuais de baixos salários e de elevados custos de vida, pode-se compreender as implicações deste facto sobre a vida das famílias. A maior parte dos agregados familiares é liderada por homens (77%). Mais de um, em cada cinco agregados familiares, são liderados por mulheres. As mulheres estão a chefiar principalmente agregados familiares compostos por 1, 2 e 3 membros. As mulheres chefes de família são em média três anos mais velhas que os homens, estando na sua maioria separadas, divorciadas ou viúvas (IBEP. 2010; 14). Em relação ao nível de escolaridade do chefe da família 20% dos chefes de família não têm nenhuma escolaridade, 45% possui o ensino primário, 29% o ensino secundário e apenas 3% tem o ensino superior. Isto permite inferir uma série de questões em relação a qualidade e tipo de relações familiares que se podem estabelecer nas condições em que cerca de 70% das famílias possui nenhuma escolaridade ou possui apenas o ensino primário. Os níveis altos de violência doméstica e a alta taxa de atraso e de abandono escolar, talvez estejam associadas também a baixa escolaridade dos chefes dos agregados familiares. 5.1.4. Habitação e meio ambiente O direito a habitação consagrado universalmente e a forma como este direito é exercido pode reflectir o nível de vida das famílias e é um reflexo dos níveis de desenvolvimento sustentado do país. O IBEP aponta que 80% dos agregados familiares vivem 107 em moradias. Porém 12.5% dos agregados familiares vivem em cubata ou cabana. Apenas 1.7% da população vive em apartamentos. O conceito “moradia” aqui parece confuso. Seria necessário compreender mais em detalhe o que é que os inqueridos pretendiam dizer com viver em moradias. Mas analisando o IBEP com mais detalhe, compreende-se, com tristeza, que 78.5% da população na zona urbana vive em habitações construídas com material não apropriado; 42.5% da população na zona urbana vive em habitações sobrelotadas. Em geral, 90.9% da população na área urbana vive em condições não apropriadas. Ou seja, mesmo as famílias da suposta classe média ou com rendimentos médios ainda vivem em habitações inapropriadas. Sendo a casa o espaço privilegiado para a formação da família e de desenvolvimento da personalidade e dos comportamento sociais, pode-se inferir que estando mais de 90% das famílias nas zonas urbanas a viver em casas não apropriadas, os resultados da educação e da formação desejada acabam sendo afectados. A falta de habitação condigna, para além de ser a expressão da pobreza familiar, reflecte a dimensão social de um problema bastante grave. A vida social, a educação, a moral, os valores e as noções sociais, religiosas, culturais dos membros das famílias fica, com certeza, condicionada ou afectada. Analisando o tempo de construção das moradias, 34% das habitações foram construídas nos últimos cinco anos, o que exprime o facto da maioria da população estar a optar pela autoconstrução, que acaba sendo não dirigida, anárquica e que perpetua a estrutura dos musseques e de desorganização urbana que se aprecia nas principais cidades de Angola. A situação contínua crítica em relação ao acesso a electricidade. Conforme o IBEP, Figura 1: Fonte de Energia para cozinhar Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010 5.2. Água e saneamento A proporção da população com acesso á água e saneamento apropriado é outro indicador que merece especial atenção porque define, no caso de Angola, um problema social bastante preocupante. Veja-se que a nível rural apenas 22.8% da população tem acesso á água para beber. Em geral, em todo país, nem metade da população tem acesso á água potável. Apenas 33% da população trata de forma apropriada a água para beber. Esta proporção é 108 bastante alarmante nas zonas rurais, aonde apenas 9,8% da população trata de forma apropriada a água para beber. Apenas 59% da população tem acesso a saneamento apropriado. É necessário analisar a eliminação segura de dejectos das crianças dos 0 aos 2 anos de idade. Segundo o IBEP, A nível nacional, 54% dos excrementos de crianças dos 0-2 anos de idade são eliminados de forma segura (Fig. 2), apesar de notar-se que 27% deixa ao ar livre, o que pode ser uma forma de poluir o ambiente e de contracção de doenças. A variação é grande entre zonas urbanas (79%) e rurais (28%), fortemente influenciado pelo nível de escolaridade do chefe do agregado e pela falta de programas mais intensivos de educação ambiental. Figura 2: Locais de eliminação de dejectos das crianças dos 0 aos 2 anos de idade Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010 5.3. Bem-estar e conforto (acesso a Informação e novas tecnologias) Olhando para os indicadores de bem-estar e de conforto, volta a ressalta o facto de estar-se perante uma situação preocupante, reflectindo indicadores muito mais baixos do que de outros países da região. Com vista a alcançar a propalada modernidade e a ambição de chegar a levar o país a ser uma potência em África, deve-se melhorar os indicadores de bemestar que influenciam a qualidade de vida dos angolanos. Por exemplo, segundo dados do IBEP, apenas 0,7% da população tem acesso á telefone fixo. A percentagem da população com acesso á telemóvel é de 32.6%, sendo que pelo menos metade da população nas zonas urbanas já possui acesso á telemóvel. No meio rural apenas 6.3% da população possui telemóvel. Comparando este indicador com países como a África do Sul com 100% de acesso á telemóvel e Nigéria aonde 55% da população tem acesso á telemóveis (World Development Indicators database, 2011). Angola está muito aquém das metas desejadas. 109 Veja-se, por outro lado, que apenas 4,1% da população tem acesso á computador e apenas 0,3% da população tem acesso á internet. O número de receptores de televisão em 2000 era de 13 em cada 1000 habitantes. 5.4. Impacto da Pobreza sobre a Família e a Criança Segundo o IBEP, 36,6% da população angolana vive abaixo da linha de pobreza (pobreza absoluta) nacional. Apesar de notar-se uma substancial redução dos índices de pobreza em comparação com o ano 2001, em que se estimava em 68%, a incidência de pobreza (relativa). De acordo com os dados disponíveis, podemos afirmar que houve uma redução na taxa da pobreza mas atendendo as diferenças na metodologia usada nas duas análises é difícil mensurar o nível real da redução da taxa de incidência da pobreza em Angola. Figura 3. Incidência, intensidade e severidade da pobreza em Angola Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP, 2010 De acordo com o IBEP, as taxas de incidência da pobreza variam significativamente do meio rural ao urbano e pelas diferentes zonais do país. Figura 4. Incidência da pobreza por região em Angola 110 Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010 Na região centro (aonde inclui as províncias do Bié, Huambo e Benguela) a taxa de incidência é de aproximadamente os 55%, nas regiões do centro-norte aos 53%, nas regiões leste e Sul no intervalo de 40 a 50%, a região norte 34% e a capital (Luanda) tem uma taxa de incidência muito inferior, quando comparada ao resto do país, apenas de 9% contra a média nacional de 37% (ver fig.5). Figura 5: Distribuição das receitas por Quintis de Rendimento, IBEP 2010. 70% 59%59% 55% 60% 50% 40% 30% 19%19%20% 20% 10% 7% 7% 8% 3% 3% 4% 12%12%13% 0% Mais Pobre Segundo Angola Medio Urbano Fonte: CEIC a partir de dados do IBEP 2010 111 Quarto Mais Rico Rural 11 COMPROMISSO COM A CRIANÇA 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. A esperança de vida Segurança alimentar nutricional Registo de nascimento Educação da primeira infância Educação primária Justiça juvenil Prevenção e educação do impacto do VIH/Sida nas famílias e nas crianças Prevenção e mitigação da violência contra a criança Competências familiares Criança e comunicação social A Criança no Orçamento Geral do Estado Conforme podemos ver na figura 5, há um nível de desigualdade na distribuição de receitas. O quinto quintil (ou seja, os 20% da população mais rica) detém 59% de todas as receitas do país, enquanto o primeiro quintil (ou seja, os 20% de população mais pobre) detém apenas 3% das receitas do país. Em outras palavras, a receita média de uma pessoa no quintil mais rico é 18 vezes mais alta do que a receita média de uma pessoa no quintil mais pobre. A desigualdade rural é menos severa, sendo que nestas áreas a receita média da população mais rica é 13 vezes superior à da população mais pobre. Estes dados justificam a necessidade de programas e intervenções cada vez mais sérias que visem aplicar o slogan “Angola crescer mais e distribuir melhor”, como premissa básica para a equidade social. 5.5. Os 11 Compromissos para as Crianças e o Orçamento Geral do Estado Segundo a Constituição (artigo 30º, CRA) “as crianças constituem absoluta prioridade, pelo que gozam de especial protecção da família, do Estado e da Sociedade com vista ao seu desenvolvimento integral”. Em 2007, durante o IIIº Fórum Nacional sobre a Criança, o Governo de Angola assumiu os 11 Compromissos de protecção à Criança. Mais tarde, no V Fórum Nacional sobre a Criança, em Junho de 2011, foram actualizados. Os 11 Compromissos em prol da Criança angolana constitui um marco referencial de política a favor da criança. Por esta razão, achamos interessante analisar como este compromisso nacional é enquadrado no principal documento de execução das políticas e programas públicos, o Orçamento Geral do Estado. Para calcular os montantes indicados na tabela infra foram subtraídas as rubricas cujo impacto directo nas políticas sobre a criança é marginal. Por exemplo, para o sector de educação foi deduzido o valor alocado ao ensino superior50. Para a saúde foi contabilizado o valor total, enquanto para a protecção social, apenas a rubrica família e infância foi incluído. O mesmo foi feito para a recreação e cultura em que os serviços recreativos e desportivos foram incluídos. Tabela ? Programas destinados as crianças, OGE 2013 Sector Valores em Milhares de Kwanzas Educação 454,719 50 Uma vez que os usuários destes serviços são maioritariamente maiores de 18 anos de idade 112 Saúde Protecção Social Recreação, Cultura e Religião Total 351,319 9,786 30,375 846,199 Fonte: Ministério das Finanças (Resumo da Despesa Por Função) Em resumo, com base nas suposições feitas mais acima, podemos dizer que o Governo de Angola, para o OGE de 2013, disponibiliza 8,787 milhões de dólares para gastos afectos às crianças, ou seja 12,8% da despesa total do OGE. Um volume de alocação significativo. Porém, apesar das crianças representarem 58,51% da população angolana, por cada 1 Kwanza investido nas crianças, na vertente de protecção social, o governo gasta 312 Kwanzas com os idosos52, grupo este que representa apenas 3,53% da população, fica evidente a priorização dos idosos em detrimento das crianças no OGE. 51 Valor per-capita calculado com base no Boletim nº. 9, Projecção da População, INE – Fevereiro de 2012, usando a projecção para 2013. 52 Idem 53 Idem 113 CAPÍTULO 6 ACTORES NÃO-ESTATAIS NA ACÇÃO DO DESENVOLVIMENTO E DA SOLIDARIEDADE Angola é um país rico em recursos naturais. Para além de ser o segundo maior produtor de petróleo na África Subsariana, depois da Nigéria, é o quarto maior produtor de diamantes ao nível do mundo, detém muitas potencialidades agrícolas, é a segunda potência em recursos hídricos na sub-região austral, a seguir a República Democrática do Congo, detém vastas extensões de floresta, com destaque para a floresta do Maiombe, a segunda maior do mundo. Do ponto de vista macroeconómico, desde o fim da guerra em 2002, o país tem conhecido uma tendência ascendente de crescimento, com destaque para o período de ouro de 2004 a 2008, em que os níveis do seu crescimento atingiram 20,6%, em 2005 e 20,9%54, em 2008. Em 2009 este ritmo quebrou-se fruto da crise global55, uma vez que a economia angolana depende a mais de 95% das exportações de petróleo56. A tendência é a de retoma do ritmo favorável de crescimento económico, sendo que em 2012 a economia cresceu na ordem de 9,1%57. Apesar das potencialidades naturais do país, da alteração do quadro macroeconómico desde 2002 e dos avanços que o país tem conhecido nos domínios das infraestruturas e do social, para citar apenas estes, paradoxalmente os níveis de desenvolvimento social do país continuam aquém do esperado58. Alguns indicadores sociais podem ajudar a ilustrar este facto: até 2008, apenas 42% da população angolana tinha acesso à água potável e 54 CEIC/UCAN (2009), Relatório Económico de 2008, Luanda, p. 25 Foi triste assistir ao filme produzido em 2008 pelos analistas pró-regime, no qual inicialmente cantavam aos 4 ventos do país que Angola estava salvaguardada dos efeitos da crise global, como se o país fosse parte de um outro planeta. Para a surpresa de todos, depois do Presidente da República reconhecer num discurso que Angola estava já a viver os efeitos da crise global, todos imediatamente realinharam o seu discurso ao ponto de vista do Presidente. 56 CEIC/UCAN (2012). Relatório Económico de Angola 2011, Luanda, p. 152 57 Este dado é do CEIC, o qual diverge dos outros actores, tais como o Governo (2,3) e o Banco Mundial (2,3) 58 Os Bispos Católicos Angolanos apelidaram este fenómeno como “o paradoxo da abundância na sociedade Angolana”, cf. Mensagem Pastoral dos Bispos Católicos de Angola, Por uma Justiça Económica. In Apostolado (Setembro-Outubro 2006), Nova Série – Ano I, Ed. 7, pp. 19-20 55 114 60% tinha acesso a estruturas melhoradas de saneamento básico59, o nível de mortalidade infantil é ainda alto60, isto é Angola continua a ser um mau país para uma criança nascer, a mortalidade materna é alta61, assim como o coeficiente gini (0,55)62, reflectindo os níveis de desigualdade que marcam as camadas sociais angolanas, com repercussões directas nos altos níveis de pobreza do país (37%)63, afectando sobretudo a população feminina (35,6%)64. Este quadro por si só é um convite aos demais actores sociais para juntarem sinergias com as autoridades governamentais na definição e execução de acções que ataquem as diferentes facetas que a pobreza assume no nosso país65. E assim é, o mosaico da sociedade civil angolana, é rico em organizações envolvidas em projectos de natureza diversa para a alcançar níveis altos desenvolvimento social das populações. Para além de exaustivo não é possível resumir num capítulo a contribuição que todas organizações da sociedade civil têm vindo a dar em prol do desenvolvimento social de Angola, mesmo que apenas centrados no ano de 2012. Este relatório dedica-se a analisar casuística e exemplificativamente o contributo de apenas cinco organizações: Associação dos Comités de Água para o Progresso Comunitário (ACAPC), Igreja Evangélica de Angola (IEA), Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA), a Federação Luterana Mundial –Angola (LWF) e a Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) cuja acção incide em vários domínios, nomeadamente, água potável e saneamento básico, saúde, empoderamento socioeconómico da mulher, promoção da paz e desenvolvimento comunitário. O propósito é dar visibilidade à sua actividade, descrevendo as acções desenvolvidas, em 2012, por estas cinco organizações em prol do desenvolvimento social das populações e analisar os benefícios sociais que decorrem destas para as comunidades-alvo. Tais acções constituem uma prova inequívoca de que o desenvolvimento social de Angola não é fruto da acção exclusiva do Governo, pelo contrário, conta com a participação de outros actores, no caso específico, as organizações da sociedade civil e, quanto maior for a abertura e o apoio à esta participação, maiores serão os ganhos sociais para o país. 6.1. ÁGUA E SANEAMENTO BÁSICO Água é um recurso natural de extrema importância para a vida das populações. Angola é um país rico em recursos hídricos, sendo a segunda potência da África Austral, a seguir a República Democrática do Congo mas apesar da sua disponibilidade, o acesso a água potável continua a ser um problema sério por parte das populações angolanas, sendo que apenas 42% da mesma tem acesso à água potável66. 59 UNICEF (2011). Relatório Anual. Para a realização dos 11 compromissos de Angola para com as crianças, Angola, p. 8. Ver também Instituto Nacional de Estatística (INE). Angola em números em 2012, p. 38. 60 Esteve na ordem de 158 em 2011. Veja Angola mortality rate. http://www.indexmundi.com/facts/angola/mortality-rate, accessed on 6/11/012 61 Em 2010 esteve na ordem de 337.34. cf. Angola mortality rate, retrieved from http://www.indexmundi.com/facts/angola/mortality-rate, on 6/11/012. 62 UNICEF (2011). Relatório Anual. Para a realização dos 11 compromissos de Angola para com as crianças, Angola, p. 8 63 Ibid. 64 Contra 37,7% dos homens. cf. INE, Angola em números 2012, p. 52. 65 Numa perspectiva em que as populações não sejam vistas como beneficiários passivos das acções de desenvolvimentos mas sim participantes activos do processo, “desenvolvimento participativo”. Veja Mulwa, 2010:24-25 66 IBEP -2011, Relatório de Tabelas – Vol. II, p. 285; 115 Para mitigar o impacto negativo do problema de água, o Governo Angolano, concebeu e implementou o programa “Água para todos” visando fornecer água potável a 80% da população rural de Junho de 2007 até 201267. No âmbito deste programa foram executadas diversas acções nas 17 províncias, com excepção de Luanda, para alem das outras que são executadas no âmbito do PIP (Programa de Investimento Público). A água ainda representa um grande desafio para o governo Angolano. Considerando as suas implicações no desenvolvimento social das populações, tem contado com acção de outros actores, entre eles parceiros internacionais do Governo e Organizações da Sociedade Civil Angolana (Associações, ONG e Igrejas). Neste relatório trazemos ao conhecimento as contribuições da Associação de Comités de Água e Progresso Comunitário, Igreja Evangélica de Angola e da Igreja Evangélica Congregacional de Angola. 6.1.1. O caso da Associação de Comités de Água e Progresso Comunitário (ACAPC) Os Comités de Água (CA) surgiram em 1999 sob a iniciativa da Development Workshop (DW) no âmbito do Programa de Luta Contra Pobreza Urbana (LUPP-1) que executou um projecto de água e saneamento básico na comuna Ngola Kiluange que terminou num fracasso total. Todavia em 2001 a DW executou mais projecto no mesmo domínio no âmbito de LUPP-2, cujo âmbito de acção abarcava as comunas de Hoji-Ya-Henda (Cazenga) e Ngola Kiluanje (Sambizanga). A missão dos Comités de Água foi e continua a ser até hoje zelar pelo funcionamento e manutenção dos chafarizes. Inicialmente os Comités eram constituídos por três pessoas (Monitor, Tesoureiro e a pessoa de manutenção)68. A estrutura actual é formada duas pessoas, tendo a figura de pessoa de manutenção sido eliminada. Os comités trabalhavam de forma isolada. A correcção deste erro e a necessidade de dar-lhes maior representatividade junto da EPAL e da Administração Comunal despoletou o processo que culminou com a fundação e proclamação da ACAPC em Dezembro de 2002. O ponto mais alto deste processo foi a publicação da Associação no diário da República (III série nᶱ 52), na terça-feira, 29 de Junho de 200469. Este acto confere legitimidade as acções que ACAPC tem vindo a desenvolver em conformidade com o seu âmbito interventivo. . Acções desenvolvidas pela ACAPC Os eixos fundamentais da acção da ACAPC incidem na água e saneamento básico no Sambizanga. No tocante à água, vamos destacar os papéis de providência e protecção que a ACAPC tem jogado. 6.1.1.1. ACAPC como provedor de água A Associação controla 36 chafarizes em 5 bairros de Ngola Kiluange, Campismo, Nguanha, Ossos, Vassa Roca e Mulemba. O número actual representa um decréscimo motivado pela entrada em estado de inoperância dos chafarizes de São Pedro da Barra por falta de conduta que transporta água para lá, situação que poderá ser superada com a 67 PESTANA, Nelson. Pobreza, Água e Saneamento Básico, Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, Luanda, Abril de 2011, p. 41 68 69 Historial de ACAPC, s/d., p. 1 Ibid. p. 2 116 conclusão das obras de colocação da nova conduta que transportará água da Mulemba até Comarca Central de Luanda (CCL). Cada chafariz constitui um Comité de Água, liderado por uma equipa de duas pessoas (monitor e tesoureiro), perfazendo um total de 36 Comités de Água que são considerados a coluna vertebral da Associação. A Associação recebe água da EPAL, bombeada a partir do tanque do Cazenga, esta é armazenada numa torre elevatória com um tanque de 250m3 de capacidade, situado junto da sua sede, de onde é aduzida para os chafarizes, por força da gravidade. A população beneficiária desta distribuição de água pelos chafarizes, é de um total de 10.800 famílias em todos os chafarizes, cerca de 54.000 pessoas, numa média actual de 300 pessoas por chafariz, embora inicialmente se tivesse previsto, apenas cem pessoas por chafariz70. A água é vendida aos consumidores um preço módico de Kz. 5.00,00, por bidon de 20 litros71. Os valores daí arrecadados são depositados pelos Comités de Água na conta da Associação, cabendo ao seu secretariado a redistribuição mensal dos mesmos, conforme a tabela abaixo ilustra. Gráfico – Distribuição dos proventos resultantes da venda de água Fonte: Relatório anual financeiro de 2012 da ACAPC O ano de 2012 foi o mais fraco no abastecimento de água às populações devido às prolongadas paragens que foram sendo verificadas por parte da EPAL causadas pela redução do caudal do rio Kwanza, a mesma razão que afectou o fornecimento de energia à cidade de Luanda por muito tempo, dificultando a estação em bombear a água ao tanque de armazenamento da Associação72. Os quatro (4) meses em branco na tabela a seguir, ou seja, 70 Considerando que a média de cada família angolana e de 5 pessoas. O equivalente a $ 0,05 (cinco cêntimos dólares americanos) 72 ACAPC. Relatório de balanco anual de 2012, pp. 1,4 117 71 meses em que a população esteve privada do direito à água, são um indicador claro desta debilidade. Tabela – Distribuição do bolo financeiro de 2012 entre ACAPC e seus parceiros Mês Valor arrecadado EPAL-30% AC-10% CA-25% ACAPC10% FM-25% Janeiro 124.865,00 37.459,50 12.486,50 31.216,25 12.486,50 31.216,25 Fevereiro 70.595,00 21.178,50 7.059,50 17.648,75 7.059,50 17.648,75 Março 214.300,00 64.290,00 21.430,00 53.575,00 21.430,00 53.575,00 Abril 199.925,00 59.977,50 19.992,50 49.981,25 19.992,50 49.981,25 Maio 0 0 0 0 0 0 Junho 0 0 0 0 0 0 Julho 0 0 0 0 0 0 Agosto 169.080,00 50.724,00 16.908,00 42.270,00 16.908,00 42.270,00 Setembro 123.410,00 37.023,00 12.341,00 30.852,50 12.341,00 30.852,50 Outubro 74.045,00 22.213,50 7.404,50 18.511,25 7.404,50 18.511,25 Novembro 203.055,00 60.916,50 20.305,50 50.763,75 20.305,50 50.763,75 Dezembro 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 TOTAL 0 Fonte: CEIC a partir do Relatório anual financeiro de 2012 da ACAPC Os 25% destinados à manutenção ajudam a Associação a desempenhar o seu papel protector e em parte isso explica a sustentabilidade do projecto ao longo destes anos. 6.1.1.2. ACAPC enquanto protectora Importa reiterar que os Comités foram criados para velar pela manutenção e funcionamento dos chafarizes. Neste âmbito a ACAPC tem levado a cabo acções de reparação empregando membros da sua equipa técnica. Em 2012, procederam a reparação e colocação de alpendres em 10 chafarizes, a intervenção numa rotura no bairro 11 de Novembro visando superar uma avaria que interliga os chafarizes devido à demora da EPAL e a ligação de um chafariz que andava inoperante há muito tempo mas agora está a abastecer água ao Hospital Municipal do Sambizanga, a partir do ramal da subestação da Mulemba73. Como já ficou dito, a 73 ACAPC. Relatório de balanco anual de 2012, pp. 2-3 118 acção de ACAPC abarca também a componente de saneamento básico, aliás ambos (água e saneamento básico) foram um binómio inseparável. 6.1.1.3. ACAPC como agente promotor de saneamento básico Ao longo da sua história, a ACAPC tem vindo a jogar um papel mobilizador bastante relevante junto da comunidade sobre o tratamento de lixo e água com a distribuição do produto certeza adquirido da PSI e o uso de latrinas caseiras. Particularmente em 2012, ACAPC realizou um conjunto de formações74 sobre higiene e saúde, com incidência sobre a prática de lavagem das mãos com base em recipientes adaptados, dirigido à Comissões de Moradores de 13 bairros, Igrejas, Comités, 4 escolas do Ngola Kiluange com um universo de aproximadamente 700 participantes e outras Associações dos municípios do Cazenga, Cacuaco, Viana e Kilamba-Kiaxi. A sua intervenção beneficiou igualmente alguns extractos da população do Bom Jesus, entre eles zeladores de chafarizes, professores, alunos e alguns médicos os quais participaram numa palestra administrada naquela localidade que abordou aspectos importantes, tais como uso e tratamento das latrinas caseiras, cuidado com a água e o lixo. Implementaram no seu campo de acção de 2010 a 2012 no ano passado o projecto de agentes comunitários75 no âmbito do qual o agente comunitário fazia um acompanhamento de 100 famílias, educando-as sobre o tratamento de água, lixo, cuidado das crianças. As acções de ACAPC têm conseguido produzir um impacto positivo no seio da comunidade. 6.1.1.3. Impacto da acção de ACAPC na vida socioeconómica da comunidade Não é possível falar em impacto olhando para as acções recentes da ACAPC, sobretudo as desenvolvidas em 2012 mas no transcurso dos 11 anos da sua existência podemos surpreender alguns indicadores que nos permitam medir o impacto de algumas acções da Associação na vida social, política e económica da comunidade alvo. 6.1.1.3.1. Alívio do fardo económico à população Quando há corte no abastecimento de água, a população recorre aos detentores de tanques que a comercializam a preços especulativos que oscilam dos kz. 50,00 a kz. 100,00 por um bidon de 20 litros. Esta situação representa um fardo pesado na vida económica da população. O cenário altera completamente quando a rede restabelece o abastecimento, a população acorre aos chafarizes da rede onde gastam kz. 5,00 para aceder a um bidon de água de 20 litros. Esta situação força os detentores de tanques a reduzirem os preços para Kz. 25,00 e em casos extremos até kz. 5,00. Portanto, a provisão de serviço pela ACAPC, no domínio de abastecimento de água permite à população poupar recursos e canaliza-los na satisfação de outras necessidades. 6.1.1.3.2. Equilíbrio de género Tirar a água do chafariz ainda é uma tarefa maioritariamente praticada por mulheres e crianças. Todavia com a instalação dos chafarizes no campo de acção da ACAPC tem-se verificado uma tendência de mudança cultural em que cerca de 20% de homens já partilham 74 Trata-se de uma réplica de uma acção internacional de troca de experiência em que ACAPC em Maputo (Moçambique) participou, sob a promoção da DW. 75 Financiado por uma Organização brasileira através das Administrações Municipais. 119 comparticipam nesta tarefa. Ao longo destes anos a Associação tem vindo a administrar palestrar para despertar a consciência da população sobre o género. Ainda assim há ainda um percurso longo a realizar. 6.1.1.3.3. Participação da comunidade na resolução dos seus problemas A rua que liga o mercado dos Kwanzas à CCL, passando pelo interior do bairro Nguanha, era intransitável há algum tempo e as autoridades de direito não estavam a dar sinais de intervirem a breve trecho para a solução do problema. Considerando a importância da mesma rua para a comunidade em geral, em 2004 a ACAPC tomou a iniciativa de mobilizar a comunidade para uma acção conjunta visando repor a sua transitabilidade. Esta acção contou com o apoio logístico da EPAL em termos de fornecimento de tubos de conduta de água, os quais a população local transportou com sacrifício até ao local da intervenção. O trabalho foi feito e até hoje a rua é transitável. Esta acção constitui um bom exemplo de como a comunidade pode participar da resolução de alguns senão muitos dos seus problemas. 6.1.1.3.4. Influência junto dos actores políticos locais Considerando o seu bom desempenho nas acções do seu âmbito interventivo, ACAPC foi credenciada como membro do Conselho de Auscultação e Concertação Social (CACS) em representação das demais ONGs e/ou Associações que actuam naquele distrito. São convidados para todos os encontros que a Administração Comunal promove com a sociedade civil e algumas vezes a Administração busca a sua opinião sobre matérias que dizem respeito à vida social da Comuna. De três em três meses a Associação realiza um fórum em que participam a comunidade, as comissões dos bairros, representantes da Administração e os actores ligados à temática em discussão. Neste fórum a comunidade tem tido a oportunidade de expor directamente os seus problemas às autoridades de direito. No caso particular de água e saneamento básico, o confronto da comunidade com as autoridades da EPAL ou ELISAL resultou na solução de remoção lixo acumulado e restabelecimento do abastecimento de água às zonas afectadas. 6.1.1.3.5. Escola de democracia participativa ACAPC funciona sob os princípios democráticos. A partir do zelador (base) até a direcção máxima da Associação (topo) têm mandatos determinados. Os dirigentes da base são eleitos com base num mandato anual renovável enquanto os do topo são eleitos para um mandato de dois anos, renovável uma vez apenas. Quando a Associação começou, a direcção geral era composta por 10 pessoas e quase todas elas já passaram pelo cargo máximo da Associação, Secretário-geral, sinal de que existe rotatividade dinâmica no acesso aos cargos de poder na Associação e a comunidade elege estes dirigentes de forma democrática. 6.1.1.3.6. Preservação da saúde da comunidade Em 2006, Luanda conheceu um surto de cólera cujo epicentro foi o bairro da Boavista. Rapidamente o surto se espalhou pelos demais bairros da capital e pelas províncias do país causando a morte de um número considerável de pessoas. Os bairros onde a ACAPC intervém, não sentiram os efeitos arrasadores da cólera devido ao trabalho intenso de mobilização social que a associação desenvolveu junto das populações, com apoio da UNICEF, distribuindo cloro e panfletos informativos sobre as formas de evitar a doença. 120 6.2. O caso da Igreja Evangélica de Angola (IEA) A Igreja Evangélica de Angola (IEA) foi fundada em 1898 e reconhecida pelo Estado angolano, com base no Decreto Executivo 9/87, do Diário da República I Série nº 7, datados de 24 de Janeiro de 1987. Actualmente está representada em 15 províncias do país, nomeadamente: Cabinda, Zaire, Bengo, Uíge, Luanda, Kwanza-Sul, Kwanza-Norte, Malange, Bié, Huambo, Benguela, Huila, Namibe, Kwando-Kubango e Cunene. É membro co-fundador do CAIE (Conselho Angolano das Igrejas Evangélicas), actual CICA (Conselho das Igrejas Cristãs de Angola) do qual é membro até data presente. No seio do Secretariado Geral da IEA funciona o Departamento de Desenvolvimento Comunitário (DDC), vocacionado a estudar, elaborar e implementar projectos comunitários visando o bem-estar social das comunidades, no âmbito da missão integral da Igreja. Em 2012, para além de outras acções que desenvolveu, merece destaque no âmbito deste relatório acção no domínio de água. 6.2.1. Acção no domínio de água e saneamento básico Com o financiamento da Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), a IEA implementou de Fevereiro de 2012 a 12 de Março de 2013 um projecto de água para beneficiar 669 pessoas das aldeias de Yala Katumbo e Kisala, na comuna de Piri, município dos Dembos, província do Bengo76. A execução deste projecto fundamentou-se em três vertentes principais: física, humana e social. Na vertente física, foi instalado um sistema de água que compreende: duas lavandarias para Yala Katumbo e uma para Kissala; três chafarizes e uma bica para Yala Katumbo e dois chafarizes para Kissala; um tanque de captação e outro de armazenamento e distribuição e uma casa de gerador. O tanque de armazenamento e distribuição tem uma capacidade de 18m3. Para o funcionamento do sistema foi adquirida e instalada uma bomba submersível com a função de bombear a água do tanque de captação ao de armazenamento e distribuição com a capacidade de bombear 15m3/h. O sistema é alimentado electricamente por um gerador de 9 KVA77. A componente humana teve a ver com os recursos humanos que tornaram realidade a implementação do projecto, no total 19 pessoas, sendo um (1) Coordenador; um (1) Assistente local; uma (1) Mobilizadora social; três (3) Canalizadores; quatro (4) Mestres; oito (8) ajudantes e Estagiária do ICRA, Madalena Issanzo que de Junho a Outubro de 2012, esteve destacada na comunidade, tendo focalizado a sua acção no domínio de saneamento básico na escola de Yala Katumbo, na praça de Mobil e no Hospital Regional dos Dembos, sita na Sede Municipal de Quibaxe. Para garantir a sustentabilidade do projecto, entre os 18 funcionários do projecto, 5 foram recrutados localmente. Adquiriram conhecimento durante a implementação do projecto e serão fundamentais na funcionalidade e manutenção do sistema78. A componente social ocupou-se da mobilização da comunidade para participar no projecto visando apropriação do projecto por esta e assegurar a sua sustentabilidade. A população participou da escavação das valas onde foram colocados os tubos condutores de água, tendo-se destacado a população da Kissala. As autoridades tradicionais locais colocaram à disposição da IEA duas residências localizadas no Yala Katumbo, sendo uma utilizada para o armazenamento do material e a outra para a residência dos funcionários, particularmente os mestres idos de Luanda. 76 O projecto orçou $ 139.498,00. Foi financiado pela Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), com fundos vindos da Statoil. 77 IEA, Relatório narrativo do Projecto de água para Yala Katumbo e Kissala, Janeiro de 2013, p. 7 78 Ibid. pp. 7-8 121 A segunda vertente da mobilização social teve a ver com os vários encontros que a equipa dirigente do projecto realizou ao nível local, comunal, municipal e provincial com vista a reportar sobre o projecto, ter o feedback das autoridades sobre o projecto e obter autorização para o corte transversal da estrada para a passagem dos tubos. Nessa senda, foram realizados dezoito (18) encontros com as autoridades tradicionais locais; seis (6) encontros com as autoridades políticas ao nível da Comuna de Piri79, quatro (4) encontros com as autoridades políticas do Município80; doze (12) encontros com as autoridades do Governo Provincial, sendo um (1) encontro com a então Vice-Governadora para a Área Social (S/Excelência Srª Elvira Van-Dunem), um encontro com o então Vice-Governador para a Área Técnica, dois encontros com o Vice-Governador para a Área Económica81), cinco encontros com a Direcção Provincial do INEA e dois encontros com a Direcção Provincial de Energia e Águas (na pessoa do Director Provincial). A terceira componente de mobilização social, consubstanciou-se na formação de 16 pessoas, membros da comunidade para o GAS (Grupo de Água e Saneamento). A formação, decorrida no Yala Katumbo de 5 a 6 de Julho, contou com a participação do Chefe Provincial do Departamento de Águas e do Técnico Supervisor de Gestão. Estes marcaram presença no evento em nome da Direcção Provincial da Energia e Águas do Bengo para além de terem visitado o projecto por quatro vezes durante o tempo da sua implementação. O GAS formado, embora tivesse funcionado com algumas debilidades, desenvolveu algumas tarefas, nomeadamente o encontro com as vendedoras do mercado da Mobil, cujo assunto dominante foi a limpeza do espaço onde exercem a sua actividade comercial; mobilização das famílias para o trabalho da escavação, encabeçada pelo Pastor Daniel Cangulo82. O povo correspondeu e fez o trabalho da escavação, tendo escavado de baixo até à metade da aldeia de Yala Katumbo; limpeza no mercado da Mobil sob a iniciativa das próprias vendedoras e a transição de local do lado esquerdo da estrada para o lado direito, considerando o sentido descendente e administração de uma palestra no Yala Katumbo sobre a importância e modalidades de tratamento do lixo. As acções do GAS contaram também com o trabalho motivacional da Coordenadora do Grupo, em virtude da sua própria função83. 6.3. O caso da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) A Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) foi fundada a 11 de Novembro de 188084, por uma equipa de três missionários85 que entraram por Benguela, prosseguiram para o interior e se fixaram no Bailundo, onde iniciaram a materialização do seu projecto missionário, tendo as suas primeiras acções incidido no sector da educação86. Actualmente 79 Com destaque para Senhor Pereira Capemba Fula Massa, então Administrador Comunal do Piri Com destaque para Administradora Municipal, Senhora Josefa José, actual Administrador Municipal em Exercício e o Secretário Geral Municipal, Senhor Pereira Capemba Fula Massa. 81 O referido encontro foi determinante para a solução final do problema do corte transversal de estrada para a passagem dos tubos condutores de água. No decurso do encontro, a Sua Excelência, nas vestes de Governador do Bengo em Exercício informou por telefone ao Administrador em Exercício dos Dembos de que a IEA estava autorizada a fazer o trabalho e instruiu-lhe a fornecer uma componente policial para proteger a equipa de projecto enquanto faria o trabalho. 82 Pastor da Igreja IEESA (Igreja Evangélica do Espírito Santo), a mais influente nas duas comunidades. 83 IEA, Relatório narrativo do Projecto de água para Yala Katumbo e Kissala, Janeiro de 2013, pp. 8-9 84 A IECA foi reconhecida pelo Estado angolano, a 24 de Janeiro de 1987, através do Decreto Executivo nº 9/87. 85 Entre eles se achava o Professor Samuel Taylor, que era um Universitário ligado as questões sobre transformação social, descendente de escravos Africanos, provavelmente originários desta Angola, nomeadamente Vie (actual Bié.). cf. SAMAKUMBI, L. História da IECA em Angola, Abril de 2013, (Inédito), p. 1, 86 SAMAKUMBI, L. História da IECA em Angola, Abril de 2013, (Inédito), p. 1 80 122 está representada em 17 províncias do país, com excepção da Lunda-Norte. O Departamento de Assistência Social, Estudos e Projectos (DASEP) é o braço social da Igreja com intervenções em vários domínios; água e saneamento, formação técnico-profissional, Saúde, educação, missão integral, igualdade de género, microcrédito e agricultura87. A nossa abordagem não é exaustiva sobre a acção da IECA no domínio social, apenas tem como foco a sua acção no domínio do acesso à água potável e ao saneamento básico. 6.3.1. Acção da IECA no domínio de água e saneamento básico Nestes últimos anos a IECA tem vindo a realizar acções em cada ano no domínio de água e saneamento básico, contribuindo assim para o desenvolvimento social das populações de Angola. De referenciar a construção de 9 fontenários, 31 poços de água e 5 sistemas de água em localidades do interior das províncias de Huila, Cuando-Cubango e Benguela. Estas acções beneficiaram 6.125 famílias, tendo orçado em $ 831.259, cujo financiamento proveio de Christian Aid, BMZ, Norwegian Church Aid (NCA), Pão para o Mundo e Diakony Emergência88. No tocante ao saneamento básico, a sua acção teve uma componente pedagógica e outra intervencionista. Esta última compreendeu a construção de latrinas enquanto a primeira fundamentou-se no despertar social da população através de palestras sobre higiene e saneamento básico. Os elementos do Grupo de Água e Saneamento (GAS) formados no âmbito dos projectos de água para velar pela manutenção e sustentabilidade dos equipamentos, foram também fundamentais na mobilização social, uma vez que a sua acção tem uma componente social. Estas acções tiveram um impacto positivo no seio das populações, nomeadamente a diminuição da mortalidade infantil, o equilibro do género e a participação dos moradores na vida política das suas aldeias89. De 2011 a 2012 a acção da IECA esteve particularmente concentrada no município da Baia Farta (província de Benguela) onde instalou dois sistemas de água que compreendem 18 chafarizes e 6 lavandarias em benefício da população da comuna de Chamune, aldeias de Mohingo, Farol, Saco, Chiome, Gengo e Tenda, num total de 9.524 pessoas90 e um custo do projecto de USD 668.200,00, financiado pela Norwegian Church Aid (NCA). 6.3.2. CONTRIBUIÇÃO DA IEBA NO DOMÍNIO DE SAÚDE Os sectores da saúde e da educação foram sempre um terreno fértil da acção social das Igrejas, desde os tempos dos missionários. Neste ponto, trazemos a contribuição da Igreja Evangélica Baptista em Angola (IEBA) no domínio da saúde, com particular incidência sobre o Centro de Saúde da Petrangol. A IEBA é uma das Igrejas centenárias de Angola, fundada em 187891, tem uma forte implantação no Norte do país, principalmente nas províncias do Uíge e Zaire, sendo esta última província tida como o berço da Igreja, pois foi em Mbanza Congo que os missionáriospioneiros fundaram a sua igreja92. Actualmente, a sua acção eclesiástica estende-se a 15 províncias do país, com excepção do Moxico, Malange e Namibe. 87 Ibid. pp. 4-5 Para mais informações, consultar Pestana, N. Pobreza, Água e Saneamento Básico, CEIC-UCAN, Abril de 2011, pp. 54-55 89 Ibid. 90 Ver também Relatório do Governo de Benguela de 2012, p. 36 91 A IEBA foi reconhecida pelo Estado Angolano através do Decreto Executivo 9/87 de 24 de Janeiro de 1987 92 Era eles os missionários ingleses George Greenfel e Thomas Comber. 88 123 A IEBA criou, em 1985, o seu Departamento Nacional de Saúde Comunitário (DNSC) com o propósito de promover a saúde nas comunidades, no âmbito da missão integral da Igreja que contempla as necessidades espirituais e materiais do ser humano como uma totalidade93. O DNSC é assim o organismo da IEBA que coordena as intervenções da Igreja no domínio de saúde, com estruturas sanitárias implantadas em seis províncias: Luanda, Zaire, Uíge, Cabinda, Huila e Lunda-Norte, nomeadamente quatro centros de saúde; em Mbanza Congo (Zaire); Petrangol (Luanda); Paróquia do Bem-Vindo94 (Uíge); Ebenezer (Cabinda); um laboratório e onze postos-médicos, estes últimos com perspectivas de evoluírem, a médio prazo, à categoria de Centros de Saúde. O departamento controla actualmente 111 trabalhadores, entre médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal administrativo. A IEBA assinou um convénio com o Ministério da Saúde que confere legitimidade às acções que o DNSC tem estado a desenvolver ao nível da sua rede, com incidência em quatro vertentes principais: saúde materno-infantil, VIH/SIDA, tuberculose e oftalmologia. Para além da parceria com o Governo, é de referenciar a CBM95, representada em Angola pela SOLE96 e a Baptist Missionary Alliance (BMS) como sendo os actores que cooperam com a IEBA no domínio da saúde, trazendo mais-valias que contribuem para o seu bom desempenho. Visando trazer ao conhecimento público a contribuição que a IEBA tem vindo a dar na promoção do bem-estar social das pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus pelas acções que desenvolve no domínio da saúde, o relatório escolheu para objecto de observação, o Centro de Saúde da Petrangol, considerado como sendo o projecto de referência, para além de ter sido o ponto de partida da rede sanitária da Igreja, analisando várias dimensões do seu funcionamento, nomeadamente, recursos humanos, áreas de intervenção e os resultados produzidos, em 2012, sua sustentabilidade, a articulação da cura física com a cura espiritual, sua relação com o Ministério de tutela, sua relação com demais estruturas sanitárias circunvizinhas. 6.3.2.1. Breve resenha histórica do Centro de Saúde da Petrangol (CSP) O percurso histórico do centro, como qualquer outro projecto humano, regista um ponto de partida, de onde evolui até ao momento presente, o do Centro de Saúde da Petrangol está localizado no município do Cazenga, comuna de Hoji-ya-Henda, próximo do exmercado Cala Boca. Este projecto foi arquitectado por uma equipa encabeçada pelo Senhor Garcia Destino, actual Director do Departamento Nacional de Saúde Comunitária da Igreja, cujo fundo inicial que assegurou o arranque dos trabalhos, saiu dos cofres da Igreja. Os pioneiros deste projecto foram motivados pela situação crítica de saúde que constataram no seio da comunidade circunvizinha, caracterizada por altos índices de doenças diarreicas, parasitoses intestinais e deficiente saneamento básico generalizado97. Face a esta situação e com a luz verde dada pela Direcção da Saúde, os trabalhos do Centro deram o seu pontapé de 93 Handerson, 2001, p. 201 Prestes a ser inaugurado 95 É uma organização internacional que trabalha em parceria com a OMS com o objectivo de reduzir a cegueira no mundo 96 Solidariedade Evangélica, cujo ponto operacional é o Hospital da Boa Vista/Benguela 97 As pessoas não usavam latrinas. Esta situação é pouco surpreendente, se tivermos em conta que 23 anos depois do arranque do projecto sanitário da Igreja, ao nível global permanente um desafio, baseando no facto de que apenas 60% da população angolana tem acesso à estruturas melhoradas de saneamento básico. cf. UNICEF. Relatório Anual. Para a realização dos 11 compromissos de Angola para com as crianças, Angola, 2011, p. 8. Em todo caso, é legítimo questionar até que ponto a situação evoluiu na comunidade da Petrangol em particular, pelo impacto que o projecto de saúde tem causado no seu seio ao longo destes 23 anos. 94 124 saída a 25 de Novembro de 1985, tendo as primeiras acções incidindo na educação sanitária, visando a mudança de comportamento da população em relação as doenças preveníveis, seguidas de acções terapêuticas contra os parasitas intestinais, entre outras acções que mereceram o apoio das autoridades sanitárias. Apesar de terem decorrido já vinte-e-três anos, desde o início do projecto, ele continua de pé, a funcionar plenamente, fiel à missão que norteou a sua fundação. 6.3 2.2. O CSP como unidade sanitária O Centro de Saúde, funciona com cinco médicos, sendo três efectivos e dois em regime de colaboração. Em termos de especialidades, dois dos cinco médicos são generalistas, e os demais são especialistas; em oftalmologia, imagiologia e pediatria. Estes cinco médicos são auxiliados por técnicos de imagiologia, laboratório e pessoal administrativo, como se pode ver, com mais detalhe, no quadro infra: Categoria Médicos Enfermeiros Técnicos de Laboratório Técnicos de Imagiologia (RX e Ecografia) Pessoal administrativo Tabela 3: Quadro do pessoal que funciona no CSP Número Homens Mulheres 5 8 11 8 4 Total 5 19 12 2 - 2 3 - 3 Fonte: CEIC com base nos dados colhidos no CSP O técnico de raio X é um enfermeiro adaptado ao sector e que frequentou uma formação específica para a sua integração naquele serviço. Na área de ecografia há também um enfermeiro, nas mesmas condições. Os 14 técnicos que asseguram o laboratório foram formados pela IEBA no IMELAC (Instituto Médio de Técnicos de Análises Clínicas) em parceria com o MINSA. Em 2012, por razões de ordem administrativa da Igreja o Instituto não funcionou. Constata-se um desequilibro muito grande em termos de género no quadro do pessoal do Centro. Com excepção da categoria das enfermeiras98 e a dos técnicos de laboratório, as demais categorias estão totalmente masculinizadas. Esta realidade indicia o fraco poder de que as mulheres dispõem nas tomadas de decisão sobre os assuntos que dizem respeito à vida do Centro. A acção do centro abarca as quatro vertentes atrás referenciadas no quadro do Departamento em geral, mais a medicina e as secções de farmácia e imagiologia. A área de protecção materno-infantil é subdividia internamente em três (3) subáreas: consultas prénatais, consultas pré-escolares (programa alargado de vacinação) e planeamento familiar. 98 Um estudo feito pela USAID sobre o sistema de saúde de Angola, apontou este aspecto como sendo positivo, no sentido de que nos últimos anos tem aumentado o número de enfermeiras nas unidades sanitárias do país, pelo que a situação constante do quadro do pessoal no CSP na categoria das enfermeiras não é exclusivo ao Centro. cf. USAID. Avaliação do sistema de saúde de Angola, Julho de 2010, p. 1 125 As consultas pré-natais compreendem o acompanhamento que se faz à mulher grávida. Estas consultas são gratuitas mas as pacientes pagam um valor módico (ver a tabela número 3) pela aquisição da ficha, um valor que serve para repor os gastos do Centro na compra das mesmas fichas no mercado, uma vez que já não constam dos kits de material que recebem das autoridades de saúde. As consultas pré-escolares abarcam a componente de vacinação que é aplicada às crianças do 0 aos 5 anos. Os kits de vacinação são fornecidos pelas autoridades sanitárias, daí a gratuitidade de todo serviço prestado no âmbito das consultas pré-escolares. O planeamento familiar tem registado pouca aderência por razões que ainda não foram estudadas localmente. Ao nível de Luanda, onde a situação é semelhante, um inquérito CAP, realizado em 2009 pelo ESD, sob o financiamento da USAID, mostrou que, 33% das mulheres não usam anticonceptivos por falta de conhecimento, 32% por desaprovação da sogra, 29% por desaprovação do parceiro enquanto 26% por receio de falta de privacidade ou confidencialidade99. As consultas e o serviço prestado neste âmbito são gratuitos pois os kits de materiais em uso nesta área provêm das autoridades sanitárias. Embora a fraca adesão ao planeamento familiar retrate um cenário do nível micro, não deixa de ser um indicador preocupante, se tivermos em conta a realidade macro, marcada por um crescimento demográfico alto, na ordem de 2,9 e incompatível com os progressos sociais que o país tem estado a registar100. A componente de consultas pré-natais, tem uma relação estreita com o programa do VIH e SIDA pois todas as mulheres grávidas são obrigadas a fazer o teste de VIH conforme as normas do Ministério de Saúde em vigor no nosso país, as quais o Centro tem cumprido com a devida rigorosidade. O programa de luta contra VIH e SIDA foi oficialmente criado no Centro pelas autoridades de Saúde, aos 7 de Abril de 2011 e abarca as componentes de aconselhamento, testagem voluntária, tratamento de doenças oportunistas e tratamento com os ARV. Antes da inclusão da vertente terapêutica do SIDA nos serviços que o Centro oferece, o mesmo veio trabalhando desde há oito (8) anos com um projecto comunitário, financiado pela Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN), denominado MAVOCI” (Ministério de Apoio à Viúva e Órfão de HIV e SIDA), virado para assistência às viúvas e órfãos de VIH e SIDA. O Centro criou o programa de tratamento da tuberculose para fazer face ao elevado número de casos com esta patologia que estavam a se registar no seio da comunidade. Este programa tem tido um bom desempenho no cumprimento escrupuloso das normas reitoras, estabelecidas pelas autoridades de saúde no tratamento da tuberculose. O seu bom desempenho já levou o Centro a ganhar por mais de uma vez prémios da área de luta contra a tuberculose do MINSA e da Direcção Provincial da Saúde enquanto no município de Cazenga, duas vezes o Centro teve uma excelente classificação por ter seguido bem os seus casos, não tendo havido doentes que abandonaram o tratamento e cerca de 96% dos casos do Centro terem chegado à cura. Os técnicos que funcionam neste programa recebem formações de refrescamento em cada ano, sob a promoção da área de luta contra a tuberculose do MINSA. A área de oftalmologia, compreende consultas e tratamentos aos pacientes acometidos com dificuldades de visão, com incidência na despistagem de casos que provocam cegueira. O Centro não faz cirurgias, os casos desta natureza são encaminhados para o Hospital da Boavista (Benguela). Trata-se de uma política do Governo que procedeu à definição do espaço de actuação para os três actores: SOLE “Boavista (Benguela –Sul), Instituto 99 USAID. Avaliação do sistema de saúde de Angola, Julho de 2010, p. 8 A teoria malthusiana chama atenção sobre a desproporcionalidade entre o crescimento populacional e a insegurança alimentar. Embora a realidade dos países industrializados represente uma nulidade desta teoria, nos países em desenvolvimento, Angola não é excepção, ela deve ser tomada em consideração. cf. Todaro & Smith, 2011, pp. 278-281 100 126 Nacional de Oftalmologia (Luanda) e IEBA (Norte) através do Centro de Saúde de MbanzaKongo. Este tem realizado duas sessões de cirurgia por ano, cujos pacientes são provenientes maioritariamente das áreas do interior das províncias do Zaire e Uíge. Em 2012, este trabalho resultou no atendimento de 135 casos101. Entre os casos que área de oftalmologia registou em 2012, as mulheres destacam-se como estando mais afectadas em termos de cataratas, por razões que têm a ver com a sua maior exposição ao meio ambiente, onde sofrem a acção das poerias, alergias e conjuntivites. A seguir as mulheres, constatou-se que as crianças com a idade entre 2 a 15 anos, são mais frequentemente atacadas por conjuntivites bacterianas e alérgicas. Em termos globais, os adultos com a idade dos 40 anos adiante, apresentaram maior número de casos de catarata, enquanto os jovens dos 15 a 35 anos, apresentaram maiores problemas relacionados com erros de refracção. O funcionamento da área de oftalmologia não conta com nenhum apoio da Saúde. O seu sustento baseia-se no projecto sob o financiamento de CBM, o qual contempla um kit de medicamentos, específico para os pacientes a serem operados e outros fármacos genéricos para os pacientes que não tenham casos de cirurgia. O Centro possui um laboratório e uma área de imagiologia que constituem uma componente fundamental na determinação dos diagnósticos. O laboratório funciona todos os dias. Os exames que realiza compreendem as seguintes áreas: hematologia (VS, gota espécie, falsiformação, hemograma completa e hemoglobina); serologia (vidal, VDRL, teste de VIH); urinologia (urina 1 e 2); microbiologia (espermograma, enxugado vaginal, enxugado uretral, pesquisa de BK) e parasitologia (fezes). Os reagentes utilizados no laboratório são adquiridos no mercado paralelo. A secção de raio X funciona de Segunda a Sexta-feira. Os seus exames incidem sobre os traumatismos e pulmões, com maior destaque para este último. Por seu lado, a secção de ecografia funciona apenas duas vezes por semana: quartas e sextas-feiras, cujos exames abarcam a ecografia abdominal, pélvica, obstetrícia e mama. O centro não tem internamento mas possui 9 camas para casos de observação, até 72 horas, no máximo. As suas consultas e atendimento normal funcionam de segunda a sábado, das 8h00 às 15h00 mas fica uma equipa de piquete constituída por dois enfermeiros para cobrir as situações que eventualmente venham a surgir com os pacientes em observação, bem como prestar os primeiros socorros aos novos casos que possam eventualmente surgir. O Centro recebe abastecimento da Direcção Municipal de Saúde do Cazenga mediante o envio de relatórios mensais. Conforme a constatação do estudo da USAID102, a regularidade neste abastecimento ao nível nacional permanece um desafio por ser ultrapassado, com todas as implicações negativas que daí resulta na saúde das populações, no caso particular dos pacientes de VIH e SIDA, às vezes vêm-se obrigados a interromper a terapia devido à rotura do stock no Centro. O abastecimento da Direcção Municipal de Saúde do Cazenga abarca kits que são usados no programa de luta contra malária, reagentes, medicamento da luta contra TB e vacinas para a protecção materno-infantil. O mesmo faz também o Instituto Nacional de Luta contra SIDA (INLS) no fornecimento dos ARV e testes do VIH. Os medicamentos que cobrem os programas acima referidos são adquiridos pelos pacientes na farmácia de forma gratuita porém os demais que o Centro adquire no mercado paralelo por sua iniciativa, a farmácia vende-os aos pacientes, cujo preço varia de acordo com a receita médica. 101 Para mais informações, consultar DNSC, Relatório da 5ª Sessão de Cirurgias de Cataranas em Mbanza Congo, Outubro de 2012, pp. 1-2 102 USAID. Avaliação do sistema de saúde de Angola, Julho de 2010, p. xxi 127 A Baptist Missionary Alliance (BMS)103 é outro actor que trabalha em parceria com a IEBA e a sua co-participação tem também um impacto na vida particular do Centro pela sua envolvência na aquisição dos medicamentos, equipamentos e meios de transporte em uso no Centro e noutras unidades sanitárias da rede. Em termos globais, as acções que o Centro desenvolveu em 2012 no âmbito das suas principais vertentes interventivas, resultaram no atendimento de 153.690 casos, conforme o quadro abaixo ilustra mais pormenorizadamente. Tabela 4. Casos atendidos no Centro em 2012 Área Média Medicina geral Oftalmologia Materno-infantil VIH e SIDA Tuberculose Laboratório Imagiologia Consultas pré-natais Consultas pré-escolares Planeamento familiar Raio x Ecografia Total Fonte: CEIC com base nas informações recolhidas do CSP № de casos 35/dia 40/mês 35 a 45/dia 20 a 23/dia 70/dia - 10.993 6.186 4.259 13.215 252 4.391 543 87.141 26.710 153.690 Quanto aos casos da medicina geral, destacam-se o paludismo e a pneumonia; Os 4.391 foram aconselhados e testados em VIH em datas diferentes, nomeadamente: 883 mulheres grávidas, de Maio a Dezembro de 2012; 3.428 homens, jovens e crianças, de 7 de Abril de 2011 a 31 de Dezembro de 2012 e 80 seropositivos têm sido acompanhados desde Maio que aderiram ao tratamento anti-retroviral a Dezembro de 2012. Dos 543 notificados com TB, 266 fizeram o teste voluntário de VIH, dos quais 14 acusaram positivo, um número relativamente baixo, se tivermos em conta a tendência geral da associação da TB com o VIH e SIDA. Parte do serviço que o Centro oferece é remunerável enquanto outro gratuito. As receitas que o Centro faz constituem a sua base principal de sustentabilidade. 6.3.2.2.1. Sustentabilidade, gestão e preços praticados no Centro O Centro tem uma tabela definida de preços pelos serviços que presta nas áreas remuneráveis. Veja a tabela abaixo para mais detalhes. Tabela 5. Tabela de preços praticados CSP em 2012 Área Natureza do caso Kz. Protecção materno- Compra de ficha p/ consulta pré- 300,00 infantil natal Oftalmologia Consulta e tratamento 2.000,00 103 Tarifa fixa Equivalência em $ 3,00 20,00 Trata-se da agência missionária que desenvolveu a acção evangelística que resultou na fundação da IEBA 128 Laboratório Realização de exames Imagiologia (Raio X) Realização de exames Imagiologia (Ecografia) Realização de exames Farmácia Aquisição de medicamento Medicina ou outra Catalogação e consulta Medicina ou outra Pacientes em observação (criança) Medicina ou outra Pacientes em observação (adultos) Fonte: CEIC com base nas informações recolhidas do CSP 2.000,00 3.000,00 2.000,00 12.000,00 15.000,00 20,00 30,00 20,00 120,00 150,00 Se considerarmos os preços que são praticados nas outras unidades sanitárias privadas, concluiremos que os preços do CSP são acessíveis e compatíveis com a condição socioeconómica da maior parte do seu grupo alvo conforme a vocação primária do Centro que é contribuir para a maximização do bem-estar social da população, através do serviço de saúde que presta. Os preços pelos exames do laboratório não são uniformes, variam de acordo com a natureza do exame. As receitas que o Centro arrecada, servem para assegurar a sua sustentabilidade, sobretudo no tocante aos salários de todos os funcionários104 e na aquisição de fármacos não abrangidos nos kits abastecidos pelas autoridades de saúde e na aquisição de outro material necessário. Todos os Pastores da IEBA e seus familiares directos estão isentos de qualquer pagamento no Centro assim como os membros da Igreja que têm sido encaminhados por estes. Estudos estão em curso para a determinação de uma taxa inferior a ser paga pelos membros da IEBA sem pôr em risco a capacidade de auto-sustentabilidade do Centro. As receitas produzidas no Centro e nas outras unidades de saúde da IEBA são canalizadas à tesouraria geral da Igreja. Trata-se de um sistema centralizado de gestão financeira em que as receitas relacionadas com outros departamentos do Secretariado Geral da IEBA são igualmente canalizadas à tesouraria geral de onde parte o plano geral da realocação dos recursos aos diferentes sectores, conforme as necessidades. O CSP é rodeado por outras unidades sanitárias, sendo a mais próxima pública e outras são privadas. A relação com estas unidades é de cooperação e complementaridade. 6.3.2.2.2. CSP e outras Unidades Sanitárias na Petrangol Num perímetro de 5 km, existem outras estruturas de saúde privadas, para além do Centro de Saúde público “Ana Paz”, construído sob o financiamento da União Europeia e localizado há menos de um (1) km do Centro de Saúde da Petrangol. Todas estas estruturas foram criadas da década 90 para cima. A sua existência não cria uma situação de competição com o CSP e nem tem afectado a sua clientela, este pelo contrário, tem vindo a crescer cada vez mais nos últimos anos. No fundo o maior beneficiário destas unidades sanitárias tem sido a população local que vê os serviços de saúde mais próximos do local de residência, fazendo com que recorram pouco às unidades do segundo ou terceiro nível de Luanda. Oposta a relação de competição entre as unidades sanitárias que circundam o CSP, a relação que lhes liga é de cooperação e complementaridade, particularmente os Centros de Saúde Ana Paz e Grasp. Por exemplo, perante a necessidade de evacuação de um paciente do 104 A situação poderá ser atenuada caso, alguns funcionários venham a ser admitidos no funcionalismo público conforme os esforços que têm vindo a ser empreendidos pelo DNSC junto das autoridades de Saúde mas que até agora ainda não surtiram os efeitos desejados. 129 CSP para uma unidade hospitalar de referência105, o Centro tem se servido da ambulância do Ana Paz. Algumas vezes, o CSP tem encaminhado alguns pacientes ao Centro de Saúde Grasp e vice-versa, em função das especialidades de atendimento. A cura física que o CSP promove, articula-se com o trabalho de capelania que visa curar a alma, no intuito de atingir a totalidade da pessoa. 6.3.2.3. CMP trata mas só Deus cura O primeiro tratamento que os membros recebem é a Palavra de Deus, dentro de uma estratégia geral em que todo o serviço que a Igreja oferece tem um objectivo evangelístico. É esta a visão que norteou a criação do serviço de capelania no Centro em 2009, sendo a Pastora Teresa Gabriela a primeira capelã do mesmo. Este serviço estende-se à todas as demais unidades sanitárias da IEBA. O serviço de capelania compreende entoação de hinos congregacionais, orações de intercessão e pregação de Evangelho com fins evangelísticos e conforto espiritual, com uma frequência diária de Segunda à Sexta-Feira, no espaço das 7h00 às 8h00 antes do trabalho clínico. Para além deste trabalho pedagógico-espiritual, os pacientes em observação têm sido visitados pelos membros da equipa de capelania, sempre que for necessário. O trabalho de capelania é encabeçado pelo Rev. João Milando que trabalha em cooperação com uma equipa de 24 elementos, todos estudantes do STB (Seminário Teológico Baptista) que funciona no mesmo quintal onde está baseado o Centro Médico e demais estruturas sociais e eclesiásticas (escola, templo, casas de congregação, residências de estudantes de teologia e escritórios, respectivamente). Na grade curricular dos estudantes de teologia, consta da cadeira de “teologia e desenvolvimento” que lhes prepara do ponto vista teórico para intervirem no domínio social, à luz dos pressupostos da missão integral da Igreja. A audiência dos cultos que se realizam no âmbito da capelania é composta pelo corpo clínico de serviço e pelos pacientes, religiosos ou não que acorrem ao Centro em busca de saúde física, aproveitando o seu estado de doença física como uma oportunidade para pregar-lhes o Evangelho, tal como os missionários faziam na implantação da Igreja em Angola. “ Sob ponto de vista positivo, o trabalho médico tornou-se porta de entrada para a obra evangelística, visto que muitos atingidos pela influência cristã nunca teriam tido oportunidade de ouvir a mensagem do Evangelho ou nem sequer teriam dado atenção, se não tivessem tido a necessidade de procurar alívio físico”106. Não há registos formais dos resultados evangelísticos (conversões) que decorrem do trabalho de capelania mas na eventualidade de conversão durante os serviços de capelania, os ouvintes que sejam vinculados à uma denominação religiosa, têm sido recomendados para se apresentarem aos seus líderes e reportarem a eles a sua experiência espiritual para fins de acompanhamento pastoral. É o serviço de capelania que faz a diferença com as demais unidades sanitárias que funcionam em derredor do Centro e provavelmente estará na base do aumento de procura pelos serviços que o Centro oferece107. Para além do sector de saúde, o empoderamento da mulher, uma área bastante mereceu a atenção dos actores não estatais, como é o caso da Federação Luterana MundialAngola. 105 Os casos que estão acima das capacidades do CSP, normalmente são encaminhados ao Hospital Cajueiros, que é o primeiro hospital de referência do Centro. 106 107 ABC 15, 1, Vol. 56 APUD Henderson, 2001:200-201 Pensamento de Garcia Destino, expresso em entrevista ao Eduardo Sassa, aos 9/03/2013 130 6.4. Empoderamento das mulheres, um factor imprescindível para o desenvolvimento, o caso Federação Luterana Mundial – Angola (FWL) O nosso mundo tem sido globalmente dominado pelos homens, vistos como sendo o sexo forte enquanto as mulheres o sexo fraco. Este preconceito tem sido transmitido de geração em geração ao longo do curso da história através do processo de socialização108. Por esta razão Beauvoir argumentava que ela não nascera mulher mas sim a sociedade a fizera mulher. Esta situação tem levado as mulheres a terem uma posição de falta de empoderamento do ponto de vista social, económico e político. A maior parte das mulheres ao nível do mundo têm sido privadas do direito à educação porque a prioridade é dada aos homens. Daí que a população feminina represente 2/3 dos 796 milhões de analfabetos, no mundo109. Sendo o seu nível de educação baixo, as mulheres têm poucas oportunidades económicas em relação aos homens, sendo também mais pobres que estes110. Ora o empoderamento da mulher não é apenas uma questão de direito mas sim sobretudo uma questão de desenvolvimento sustentável111. Uma vez a mulher empoderada, contribuirá para o bem-estar da sua família, para uma melhor saúde e nutrição dos filhos112, através da comparticipação na vida económica do lar para citar apenas estes benefícios. O empoderamento da mulher ainda é um grande desafio no mundo e, em particular, em Angola. Apesar dos progressos que o país tem conhecido em termos de acesso das mulheres à educação, ao poder político e económico, muito ainda precisa de ser feito, pelo Governo e outros actores sociais, sobretudo nas comunidades rurais onde o quadro é mais retrógrado. Nesta parte abordaremos o caso da Federação Luterana Mundial - Angola, com base no projecto focalizado no empoderamento da mulher, desenvolvido em 2012, com realce para o contexto da sua intervenção, acções desenvolvidas e seus benefícios junto das populações. 6.4.1. Contexto da intervenção da LWF-Angola A Federação Luterana Mundial (LWF) é uma organização internacional sedeada em Genebra, com representação em vários pontos do mundo, incluindo Angola, onde se estabeleceu em 1986, nas províncias orientais de Lunda-Norte, Lunda-Sul e Moxico, desenvolvendo acções nos domínios de emergência, repatriamento, reconstrução nacional e depois o programa de desenvolvimento. Actualmente, o âmbito da LWF é o desenvolvimento comunitário visando atingir os seguintes objectivos: melhorar as condições sociais das famílias rurais (através das componentes de água, agricultura, microcrédito-e-pequenos negócios, educação de adultos, educação ambiental e construção de infra-estruturas sociais básicas); capacitar os parceiros locais (Organizações Baseadas na Fé, Agências de Desenvolvimento Comunitário, 108 Giddens, 2007, p. 300 Endereçado por Irina Bokova, Directora General da UNESCO por ocasião de UNESCO Future Fórum Gender Equality: the Missing Link? Rethinking the Internationally Agreed Development Goals beyond 2015 Athens, 9 September 2010, p. 3 110 L. – V. Thomas, 1984 APUD Leandro, 2001, P. 70 111 Ulisavo, Margarida. Os Programas de Desenvolvimento da Mulher em Angola. MOSAIKO Inform. Nᴼ2, Março de 2009, p. 19 112 Agnes R. Quisumbing. Power and resources within the household: overview. In Household Decisions, Gender and development. A synthesis of Recenet Research. Edited by Agnes R. Q., 2003, pp. 20-21 109 131 Administrações Locais, ONGs locais e Igrejas); facilitar educação preventiva contra o HIV/SIDA e doenças preveníveis (malária, infecções sexualmente transmissíveis, TB e outras) e reforçar a capacitação institucional da própria LWF para realizar com eficiência e efectividade as acções acima mencionadas. Neste capítulo, a nossa análise restringiu-se ao programa de empoderamento, com incidência particular sobre o projecto de empoderamento das mulheres no desenvolvimento socio-económico, implementado em 2012, com base nas acções que a seguir descrevemos. 6.4.2. Acções desenvolvidas pela LWF-Angola Este projecto113 foi executado nas localidades de Leua-Camanongue (Moxico) e Muconda (Lunda-Sul) com o propósito de empoderar as mulheres visando aumentar os seus meios de sobrevivência através de poupança e planos de crédito, género, direitos humanos e literatura, com base em microgrupos de finanças organizados114 tendo em consideração de que elas jogam um papel crucial para alcançar o desenvolvimento sustentável da comunidade. Os microgrupos de finanças constituem o núcleo central do projecto. Estes reuniam duas vezes por mês para analisar questões internas e fazer as suas contribuições que eram registadas nos livros, (de caixa e de entradas diárias) para assegurar a transparência e a prestação de contas. A confiança nas transacções dos grupos é um elemento determinante na sua afirmação. A ausência deste elemento, constatado no percurso do projecto, foi atribuída ao baixo nível de escolaridade dos membros. A LWF-Angola, enquanto agente implementadora, o seu papel consubstanciou-se no empoderamento dos grupos e dos outros stakeholders por meio das seguintes acções: 14 formações 14 aldeias, dirigidas a iniciantes de 236 SACS, (82%, são mulheres); 10 formações, 10 grupos, sobre desenvolvimento empresarial, com 145 participantes, sendo 72% mulheres; 3 formações sobre liderança, dirigidas a 57 pessoas, sendo 71% mulheres; administração de 10 sessões de consciencialização sobre a importância da alfabetização, em 10 nas aldeias, onde se previa criar novas turmas de alfabetização, com a participação de 850 pessoas, entre elas 78% são mulheres; abertura de 10 novas turmas de alfabetização em 10 aldeias com 285 alunos, sendo 67,7% mulheres; realização de uma sessão de capacitação a 10 professores de alfabetização, 100% homens; realização de uma sessão de refrescamento a 44 professores de alfabetização, entre eles 2 mulheres e doação de 12 roupeiros e variados estacionários para apoiar em 12 grupos de SACS e a compra de 5 moinhos de martelos para apoiar a iniciativa do grupo de mulheres115. Estas acções trouxeram com certeza benefícios sócio-económicos às suas populações-alvo. 6.4.3. Benefícios socioeconómicos das acções da LWF-Angola junto do grupo alvo Ainda é cedo demais para falar em impacto do projecto, mas podemos referenciar as mudanças a medio prazo que o projecto produziu, em benefício das populções, do ponto de vista social e económico. Findo o projecto, constata-se que os grupos cresceram em termos de compromisso em participar na identificacao dos problemas e sugestão de caminhos para a sua solução. Uma vez que as acções da FLM-Angola vão continuar, este ganho poderá contribuir na aceleração de geração de rendimentos, influenciando directamente a afirmação dos SACS que 113 Orçou EUR 100.000,00 LWF Angola Program, Project (Leua-Camanongue, Moxico & Muconda, Lunda-Sul) 2012 Annual Monitoring Report (AMR), Women Empowerment in Socio-economic Development 19-4702, pp. 2-3 115 Ibid. pp. 6-8 114 132 por sua estimulará a adesão de outras mulheres, culminando com a formação de novos grupos116. Por outro lado, verificou-se que as famílias aumentaram o seu rendimento, aumentaram também os alimentos básicos, reduziram a disparidade no acesso e controlo dos recursos, no interior família, bem como aumentou a autonomia da mulher117. E que nos permite concluir, parafraseando um adágio da sabedoria africana, “Se quiser caminhar rápido, anda sozinho mas se quiser chegar longe, anda com os outros”. Tal como acontece com a LWF, a acção desenvolvimentista da ADRA tem particular incidência nas áreas rurais, como veremos no ponto seguinte que aborda a contribuição desta importante ONG nacional, em particular em 2012. 6.5. O caso da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) A Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) é uma organização angolana que através do seu trabalho, desenvolvido ao longo de mais de 20 anos, tem sido uma referência nacional no que toca ao trabalho de promoção do desenvolvimento rural integrado e, ao mesmo tempo, um exemplo de persistência, capacidade visionária e de gestão organizacional, num contexto económico caracterizado pela crescente escassez de recursos financeiros no mercado internacional, resultante da crise que vem afectando alguns países da União Europeia nos últimos quatro anos118 e um ambiente político interno pouco favorável à intervenção política de organizações da sociedade civil. A sua acção incide sobre famílias camponeses residentes em 22 municípios, distribuídos pelas seis províncias do país em que opera: Benguela, Huila, Huambo, Malanje, Luanda e Cunene. Em termos populacionais, beneficiam da sua acção um total de 164.495 pessoas, através de 582 organizações de camponeses, integradas por 32.899 responsáveis de agregados familiares. Neste capítulo pretende-se enfatizar as acções desenvolvidas pela ADRA, em 2012, de acordo com os seus eixos de intervenção, designadamente programa de desenvolvimento local sustentável, programa de cidadania e educação formal e o programa de lobby e advocacia social. 6.5.1. Acções desenvolvidas pela ADRA em 2012 O ano 2012 constituiu para a ADRA o início de mais um ciclo de implementação do seu Plano Estratégico119 em que reafirma, claramente, o seu posicionamento perante os desafios impostos pelo contexto global do país, perante os quais a ADRA não ofuscou a sua chama operacional, conforme a descrição que se segue. 6.5.1.1. Desenvolvimento sustentável 116 Ibid. p. 9. No Muconda (Lunda-Sul) a mudança de atitude por parte dos governantes locais em reconhecer os grupos formados naquela localidade é encorajador e poderá facilitar apoios concretos por parte destes. O cenário é o oposto no Camanongue (Moxico) onde as autoridades locais não mostram interesse em reconhecer aqueles e nem apoiar as aulas de alfabetização. Ibid. p. 11 117 Ibid. p. 9 118 Cerca de 66% dos fundos da ADRA são captados a partir da contribuição de cidadãos da Europa 119 Este plano Estratégico tem um período de vigência de quatro anos, até 2016. 133 No domínio do desenvolvimento local sustentável, entendido como o eixo de orientação estratégica que visa contribuir para a redução da pobreza por meio do aumento dos rendimentos económicos das famílias, do fortalecimento dos mecanismos de diálogo entre os actores locais e da promoção de práticas de gestão sustentável dos recursos naturais. Para o alcance deste objectivo, o trabalho previsto apresenta uma estrutura consubstanciada nas componentes de segurança alimentar e nutricional, ambiente e gestão de recursos naturais, terra e poder local. No âmbito deste programa, a intervenção da ADRA em 2012 esteve focalizada nas linhas da melhoria das técnicas de produção agrícola, através da aprendizagem promovida seguindo a metodologia das Escolas na Lavra do Agricultor, dinamização das caixas comunitárias de crédito, reforço das capacidades de gestão e de articulação das organizações de camponeses (associações e cooperativas), assessoria jurídica às comunidades para a legalização das suas terras, assim como o envolvimento com as conferências da sociedade civil, de âmbito local, provincial e nacional. Actualmente, estão a funcionar 10 caixas comunitárias, sendo cinco (5) na província do Huambo e cinco (5) na província de Benguela. Estas constituem um instrumento concreto e valioso que as cooperativas de produtores agrícolas têm ao seu dispor, com uma gestão sob controlo de comissões especificamente criadas dentro das cooperativas, visando o financiamento das suas iniciativas. Os fundos de cada caixa são irrisórios, pelo que, o valor de um crédito também não satisfaz as necessidades de financiamento dos beneficiários de uma só vez, quer sejam membros da cooperativa ou não, porém os pequenos montantes podem acelerar a velocidade de rotação do crédito, fazendo com que os interessados possam ter acesso mais do que uma vez, num período de tempo relativamente curto. O processo tem fortes possibilidades de evoluir, bastando apenas que sejam asseguradas as condições necessárias para haver um acompanhamento sistemático. Para reforçar a sua capacidade, a ADRA deu formação sobre planos de negócios, empreendedorismo, diagnóstico rural participativo, associativismo e cooperativismo, num total de 20 sessões ao longo do ano. Para além das dinâmicas registadas ao nível das caixas comunitárias, a ADRA também envolveu-se em contactos com a banca, exercendo um papel de mediação para viabilizar o benefício de crédito por parte dos camponeses. Por exemplo, na província de Malanje foram financiadas 21 iniciativas de projectos dos camponeses com um valor aproximado de USD 17.000,00. Na linha do ambiente e gestão de recursos naturais há que considerar a implementação de uma experiência piloto de promoção de sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, envolvendo 625 famílias camponesas do município da Caála, província do Huambo. Esta iniciativa está a ser complementada com o repovoamento florestal e educação ambiental que já resultou na instalação de um polígono florestal numa parcela de 4,5 hectares de eucalipto (espécie saligna). No que diz respeito a questão da terra, o trabalho da ADRA abrange a dimensão da disponibilização de informação sobre o quadro legal das questões fundiárias, a mediação de conflitos através da assessoria jurídica e a legalização de terras que deve passar por um diagnóstico e sua consequente delimitação, seguindo todos os passos necessários. Em 2012, a ADRA mediou conflitos de terras que opunham fazendeiros, por um lado e as comunidades por outro, nos municípios do Bailundo (Huambo) e Kiwaba Nzonji (Malanje). O debate sobre a lei de terras vigente envolveu mais de 300 pessoas nas zonas de intervenção da ADRA ao longo do ano 2012. A componente designada de poder local, diz respeito ao trabalho de reforço da capacidade organizativa das comunidades em associações e cooperativas, a sua articulação entre si e com outras instituições ao nível e não só, bem como todas as iniciativas de diálogo e concertação que envolvem os actores estatais e não estatais. Neste âmbito o trabalho 134 desenvolvido em 2012 sintetiza-se na promoção dos encontros das comunidades, 21 encontros municipais, 4 provinciais e 1 nacional, com particular realce para o facto de nesse ano ter havido alguma contribuição financeira do governo da província de Malanje. Pela primeira vez em 12 anos, o encontro nacional realizou-se fora de Luanda, concretamente no município do Bailundo, província do Huambo, para onde afluíram alguns titulares de cargos ministeriais e deputados à Assembleia Nacional para dialogarem com os membros das comunidades anfitriões e provenientes das províncias de Malanje, Huila e Benguela. Na verdade, os encontros nacionais das comunidades organizados anualmente, têm sido espaços privilegiados de diálogo directo entre governantes e os governados, discutindo o grau de alcance das políticas públicas. Um dos desafios da Organização no tocante a componente do poder local, tem sido o funcionamento dos Conselhos de Auscultação e Concertação Social que ainda apresentam irregularidades na organização das reuniões e dificuldades de abertura à participação dos representantes das comunidades. Por outro lado, estas precisam também de se estruturar melhor para poderem apresentar as suas ideias junto desses espaços legalmente consagrados. 6.5.1.2. Programa de cidadania e educação formal Este programa visa contribuir para o fortalecimento da consciência cívica e de cidadania, estimulando, em particular, a participação mais efectiva dos jovens, mulheres e crianças no debate público sobre a vida política e social do país. O trabalho no âmbito deste programa tem consistido nas linhas de participação cívica, acções de género e HIV/SIDA, trabalho com a criança e com a juventude. Em 2012 a ADRA empenhou-se bastante na divulgação de informação diversa aos seus grupos de referência, promoção de espaços de discussão, envolvimento no processo de observação eleitoral, realização de workshops, etc. Do balanço que se pode fazer a respeito do trabalho neste programa, destaca-se a distribuição de 840 exemplares e extractos de legislação diversa, como a Constituição da República de Angola, a Lei das Associações Privadas, Lei de Organização e Funcionamento das Administrações Locais do Estado, Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e Lei de Terras. Outros aspectos a destacar estão relacionados com a realização de 127 sessões de discussão (entre debates, palestras e encontros comunitários) sobre eleições, associativismo, liderança, terras e participação em 22 municípios, envolvendo cerca de 7.708 pessoas; a realização de três workshops sobre o Orçamento Geral do Estado nos municípios do Sumbe, Malanje e Huambo com envolvimento de 121 participantes dos quais 99 homens e 22 mulheres; realização de 12 debates e palestras sobre a violência doméstica nas quatro províncias, tendo participado 487 pessoas sendo 299 mulheres e 188 homens. Na linha do género, há dois anos a ADRA tem vindo a desenvolver uma experiência de trabalhar este tema através da implementação da metodologia GALS (Gender Action Learning System) enquanto uma ferramenta de promoção da participação consciente e empoderamento das mulheres e dos homens nas suas famílias e nas suas organizações. Tratase de uma metodologia concebida principalmente para pessoas com dificuldades de leitura e escrita. Em 2012 foram realizadas 40 acções de vários tipos (formações, debates e palestras) sobres a referida metodologia, justiça de género e violência doméstica. Estiveram envolvidos 930 participantes (524 mulheres e 406 homens). A ADRA realizou uma conferência sobre os direitos dos seropositivos coma a participação de 73 representantes de organizações da sociedade civil, instituições públicas e pessoas vivendo com o VIH/SIDA. 135 As questões que envolvem a criança e a juventude, sempre estiveram presentes nas preocupações da ADRA, tendo em conta que estes são o garante do futuro do país. Por isso, o seu trabalho também contempla acções concretas viradas para a criança e para os jovens. Desta feita, a ADRA esteve envolvida na reflexão sobre os 11 compromissos assumidos pelo Executivo Angolano em relação a criança assim como nas discussões da Lei de Protecção da Criança ao nível do Conselho Nacional da Criança. 6.5.1.3. Programa de lobby e advocacia social As acções no âmbito deste programa visam influenciar as ideias, crenças, comportamentos e políticas através do fortalecimento da capacidade da ADRA e de outros actores de debate, maior engajamento da sociedade civil nos espaços de articulação e na defesa dos direitos humanos. A previsão é que este desiderato seja alcançado através da implementação de acções em redes, parcerias e alianças; estudos, pesquisas e sistematização; informação, documentação e comunicação; e monitoria e avaliação das políticas públicas. A concepção deste programa de orientação estratégica resultou do entendimento de que apesar de ter definido o município como o seu foco de intervenção, alguns problemas que afectam as comunidades têm solução fora dos municípios, isto é, ao nível dos órgãos decisórios provinciais e/ou nacionais. Por isso, a actuação da ADRA vai para além do município, havendo a necessidade de identificação de outras arenas onde possa dialogar a outros níveis (nacional e internacional). Visando o trabalho de lobby e visibilidade no plano interno, a ADRA marcou presença regular nos diferentes órgãos de comunicação social públicos e privados. Só no quarto trimestre de 2012, teve 38 notícias publicadas no sítio da Angop, 12 no club K, 21 no Jornal de Angola, 6 na Rádio Despertar, 35 na Luanda Antena Comercial, 5 na Rádio Escola, mais de 30 vezes na Rádio Ecclesia, 7 na Televisão Pública de Angola, 5 no Novo Jornal, 2 no Semanário Angolense, 2 no Gazeta e mais de 15 vezes nas rádios provinciais. Além destas referências, foram publicadas entrevistas de quadros da ADRA em revistas nacionais e internacionais. No quadro dos estudos, pesquisas e sistematização, o maior destaque vai para a realização de dois estudos, sendo um sobre segurança alimentar e nutricional e outro sobre terras, assim como a produção e difusão de um documento de análise da proposta do Orçamento Geral do Estado de 2013 em parceria com o OPSA (Observatório Político e Social de Angola). No plano externo (internacional) a ADRA reforçou o seu engajamento em redes, parcerias e alianças anteriormente estabelecidas e inseriu-se em outras que considera relevantes no âmbito da necessidade de intercâmbio de experiências e articulação internacional. Ao longo do ano 2012, a ADRA participou em vários eventos internacionais, tais como: fórum da Rede de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP em Moçambique, Conferência sobre Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul, Brasil, Encontro do Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial, Japão e 3ª Assembleia Geral da ANCEFA, Senegal. Outrossim, as questões relacionadas com a cidadania e educação formal foram objecto de trabalho que lançou a Organização num trabalho da Rede Africana de Educação para Todos. Além destas, a ADRA participou nos seguintes eventos: 51.ª Sessão da Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos onde foi apresentado o relatório sobre a situação dos Direitos Humanos em Angola120; Fórum Internacional da AWD-Association For Women's Rights 2012 na Turquia, sob o tema "Transformando o Poder Económico para Avançar e Melhorar os Direitos das Mulheres e a Justiça; Conferência Regional sobre Saúde 120 Teve lugar em Abril da República da Gâmbia 136 Sexual e Reprodutiva e VIH/SIDA, promovida pelo Grupos África da Suécia (GAS)121; Conferência Regional dos Parceiros do Grupos África da Suécia (GAS), sobre agricultura, segurança alimentar e meios de vida sustentáveis122; Formação de Formadores em Género e Não-Violência, no Brasil, Rio de Janeiro, pela CEPIA - Cidadania, Estudos, Pesquisa, Informação e Acção, no mês de Junho; Seminário Internacional sobre os desafios globais para o direito humano à alimentação, soberania e segurança alimentar e nutricional promovido pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) e Intercâmbio sobre VIH/SIDA com representantes de organizações de Moçambique que se fizeram deslocar à Angola. Estas acções foram possíveis graças a uma engenharia financeira que se baseou em fontes externas e internas. 6.5.2. Recursos financeiros com que a ADRA trabalhou em 2012 O trabalho acima apresentado foi realizado através da implementação de cerca de 29 projectos com uma duração média de dois anos e financiados por organismos internacionais, com contribuições percentuais conforme o gráfico seguinte: Gráfico Distribuição percentual da contribuição dos doadores da ADRA . Para realizar o trabalho apresentado de forma resumida nas linhas anteriores, a ADRA mobilizou recursos no valor de USD 5.137.128,35. Deste total de receitas, 88% resultaram da contribuição dos doadores apresentados no gráfico anterior e 12% das fontes internas (prestação de serviços de consultoria, alugueres, etc.). Concluindo, a despeito das dificuldades impostas pelas mudanças que ocorrem no mundo cada vez mais interactivo, a ADRA tem sabido interpretar os sinais e adoptado medidas coerentes de adaptação a cada situação. A sua relação estreita com as comunidades, tem funcionado como uma motivação para esta busca de alternativas aos constrangimentos, quer sejam de ordem financeira, metodológica ou de gestão. A lenda do humbi-humbi (adoptado como sua marca institucional), fala disso mesmo: voar alto, a procura de novos horizontes 121 122 Realizou-se na Namíbia, no mês de Setembro Realizou-se em Cape Town, no mês de Julho 137 CAPÍTULO 7 PACIFICAÇÃO E RECONCILIAÇÃO SOCIAL O ano de 2012 marca dez anos do fim do conflito armado que opunha o então movimento rebelde da UNITA e o governo, liderado pelo MPLA, e para que o processo de desenvolvimento sustentável seja efectivo, a par das iniciativas que visam a reconstrução e reabilitação de infra-estruturas, é indispensável a pacificação, a integração social, o avanço do processo democrático e a reconciliação social, neste capítulo vamos analisar a questão da pacificação e da reconciliação social, condição indispensável para que os benefícios económicos e sociais da paz sejam sustentáveis e duradouros. 7.1. PACIFICAÇÃO Logo após a assinatura formal do cessar-fogo, o país teve de lidar com as exigências de uma árdua tarefa de reconciliação social que transcende a assinatura formal dos acordos de paz, já que o conflito interno causou profundas feridas na sociedade ao ponto de afectar a coesão social. Contrariamente ao que tem sido habitual em outros países o processo de assinatura formal dos acordos de paz e a sua aplicação, não contou com a participação internacional, nem muito menos de qualquer outro actor, para alem das partes directamente em conflito. Não tendo sido prevista a presença de missões internacionais que normalmente tutelam ou monitoram a aplicação dos acordos de paz nas suas componente civil e militar, nem muito menos de instituições da sociedade civil, idóneas que poderiam exercer o papel de observadores independentes. Em 2012 nos deparamos com divergências envolvendo as partes signatárias do conflito, casos de intolerância politica e tensões sociais devido a divergências de percepções em relação aos objectivos e métodos de trabalho, e entendimentos em relação aos direitos dos cidadãos e das responsabilidades das instituições do estado. A conclusão do processo de desmobilização e o cumprimento dos compromissos do estado para com este grupo da sociedade foi uma das questões mais problemáticas até a presente data, sendo o principal motivo pelo qual um grupo de ex-militares se manifestou nas ruas de Luanda, tendo a mesma sido dispersada de forma violenta pelas forças da ordem, e se registram até aos dias de hoje desaparecidos. A existência de um número significativo de pessoas civis e militares que reclamam e exigem uma serie de recompensas e privilégios por terem tido algum envolvimento no conflito armado, e os esforços para acomodar alguns destes em detrimento de outros, tende a afetar profundamente o funcionamento das instituições do estado e dos partidos políticos a que pertencem, condicionando a vida do país porque a satisfação das suas exigências originam frequentemente outros problemas. Uma das lições extraídas deste processo em 2012 é de que os acordos devem ser suficientemente precisos, a fim de se evitarem ambiguidades em relação a pontos críticos tais como a falta de objectivos claros e mandatos legais das instituições responsáveis pelos 138 processos de desmobilização e reintegração dos ex-militares na vida civíl, e também flexíveis para se adaptar as alterações de contextos. O facto de que o final da guerra ser percebido mais como resultado da derrota de uma das partes do que o culminar de um processo de negociações, faz com que volvido 10 anos desde a assinatura do memorando de entendimento para a paz, ainda é muito aceite a ideia de que uma das partes se esta a submeter a outra o que em termos práticos dificulta o processo de pacificação e reconciliação social. Entretanto é largamente consensual a ideia de que a paz e a reconciliação nacional devem ser uma das maiores prioridades para uma sociedade que ficou visivelmente cansada de guerra e que na sua maioria não mais acredita em soluções militares para os problemas que o país enfrenta. No entanto a presença das igrejas, Organizações Não Governamentais, e Instituições do estado em muitas partes do território nacional têm contribuído para aumentar os níveis de confiança dos cidadãos numa paz verdadeira, em geral as forças socias implicadas no processo de pacificação desenvolvem uma serie de actividades cujo propósito tem sido o de educar, comunicar e informar em prol da paz. 7.1.2 DESMOBILIZAÇÃO E REINTEGRAÇÃO DOS EX-MILITARES É perceptível que uma das questões mais delicadas do ponto de vista politico e administrativo que o país teve logo depois da assinatura formal dos acordos de paz em 2002 é a questão da desmobilização e integração dos ex-militares na vida civil ou nas forças armadas Angolanas. Habitualmente estes processos são realizados sob verificação de instituições neutras e independentes que acompanham as condições em que estes decorrem e costumam a ser detalhados nos acordos de paz. Em 2012 registou-se o eclodir de um conflito envolvendo os ex-militares que reclamam o não cumprimento por parte das instituições do estado dos compromissos assumidos para com este aquando da sua desmobilização. O tratamento dado as reivindicações deste segmento da nossa sociedade parece ter sido pouco eficaz e carece de uma boa planificação e coordenação entre os diferentes organismos responsáveis pela resolução do diferendo que opõe os ex-militares e as instituições do estado. O que poderá a médio prazo contribuir para o aumento do volume de despesas com as forças armadas que já é grande ou criar embaraços ao processo de reconciliação nacional. A implementação de programas para satisfação das necessidades imediatas dos exmilitares e a sua reintegração socioeconómica visando garantir o seu sustento e das suas famílias parece estar muito aquém das expectativas dos desmobilizados e é a principal reivindicação de todos os que se manifestaram a par do pagamento dos subsídios a que têm direito. Um pouco por todo o país são muitos os ex-militares que reclamam estar a viver problemas como a falta de documentação que atesta a sua situação, habitação, meios de subsistência, falta de oportunidades formativas e de capacitação. Por esta razão reclama uma serie de compensações que lhes permitam uma boa integração na sociedade. Todas estas preocupações põe em evidencia a necessidade de se fazer uma avaliação urgente da situação dos ex-militares e dos programas a estes dirigidos, já que embora não se disponha de dados concretos, o numero de ex-militares desempregados e a viverem em condições péssimas é grande o que pode significar algum risco de instabilidade social a medio prazo. Os traumas provocados por exposição a combates e outras situações extremas, a falta de experiencia laboral, o estigma por se ter pertencido a um ou outro lado do conflito, 139 implicam escassas oportunidades, carências, hábitos de trabalho e qualificações adequadas a vida civil, o que lhes torna mais facilmente vulneráveis ao fenómenos como o desemprego, instabilidade no seio familiar e outros. Uma questão que se coloca a cada dia que passa é em relação ao tempo que devem durar os programas e apoios especialmente dirigidos aos ex-militares militares de forma específica uma vez que já lá vão mais de dez anos desde o fim do conflito e da sua desmobilização, sendo que existem outros grupos de pessoas que foram vítimas do conflito e que igualmente precisam de apoios, como os refugiados, deslocados, órfãos e viúvas. Embora esta questão ainda não é amplamente discutida, é importante que se comece a estabelecer propósitos e metas concretas para não se dar a ideia que começa a ser generalizada em muitas comunidades de que em determinados momentos como foi o caso do período pré-eleitoral as ajudas são apenas canalizadas aqueles que empunharam armas durante o conflito, com pagamentos de subsídios e outros bens. Outro subgrupo que carece de algum apoio especial é o dos ex-militares que ficaram mutilados, já que se deparam com muito mais dificuldades de inserção laboral e requerem apoio específico para sua reabilitação física e psicológica, bem como devido a sua situação muitos deles representam grandes encargos para a sua família. Frequentemente são esquecidos já que se tende a subestimar os riscos que estes representam para a instabilidade social, o que aumenta o nível de marginalização. Por exemplo quando se falou muito da questão dos ex-militares fruto em parte das manifestações por estes protagonizadas no ano de 2012, muito pouco se falou da situação daqueles que ficaram mutilados, dos soldados menores, das mulheres envolvidas no conflito e que foram obrigadas a desempenharem funções normalmente feitas por militares. Provavelmente a implementação dos acordos de paz, não prestou atenção específica a estes grupos especiais dentro da categoria dos desmobilizados, o que contribui para o seu esquecimento, tratando-se de um grupo especialmente vulnerável, seriam necessários programas especialmente dirigidos a estes para facilitar a sua reinserção na sociedade. Dez anos depois muito pouco se sabe da sorte dos ex-militares mutilados, das crianças soldados e das mulheres que prestaram apoio as operações militares, bem, como se tem um fraco registro de programas de apoio psicológico, de sensibilização comunitária e outros que tivessem facilitado a sua reinserção social. 7.1.3. ELEIÇÕES MULTIPARDIDARIAS E DEMOCRACIA O processo democrático e a celebração de eleições democráticas de forma regular constituem um passo muito importante para a consolidação da paz e reconciliação nacional, já que dão oportunidades para os cidadãos, diferentes partidos e formações políticas canalizarem pacificamente as legitimas reivindicações e opiniões que possuem, sem precisarem de fazer recursos a violência nem estarem submetidas a mesma da parte de quem se opõe. Deste ponto de vista, notou-se um certo retrocesso, em relação ao processo de consolidação da democracia a julgar pela maneira como decorreu o processo eleitoral, e a violência, e incumprimentos da lei que se verificaram ao longo de 2012, um ano marcado por muitas manifestações com destaque para as que foram promovidas por um grupo de jovens denominados “Movimento Revolucionário”, e por ex-militares. A maneira como as instituições do estado lidaram com um número crescente de manifestações públicas de descontentamento por parte de cidadãos, de forma individual ou colectiva, subordinando direitos constitucionalmente aceitas em detrimento de alegada estabilidade, representam um risco significativo para a paz e reconciliação nacional a medio prazo. 140 É igualmente perigoso as recorrentes demonstrações de poder por parte das instituições do Estado e do partido vencedor das eleições, sem que seja conferido algum espaço para concertação e diálogo com outras formações politicas ou grupos de interesse de cidadãos com certo reconhecimento e representação legítima de interesses específicos. Estes problemas se verificaram nos casos em que ocorreram demolições de residências, deslocações de populações e outras situações que poderiam ter alguma resolução pacífica caso se tivesse optado ela aplicação integral do previsto na lei e pelo diálogo e concertação com as partes interessadas ou seus representantes. O processo de preparação e realização do pleito eleitoral implicou uma árdua tarefa para todos os actores da sociedade, infelizmente foi notória o difícil espirito de cooperação e colaboração entre os diferentes actores, quer sejam partidos políticos, instituições do estado e da sociedade civil. O facto de que as diferentes formações e partidos políticos participantes do pleito eleitoral, não terem concorrido em pé de igualdade, manchou o processo aumentou o número de pessoas que colocam em dúvida a lisura do processo. As denúncias relativas aos atropelos constantes a liberdade fundamentais com destaque para a liberdade de expressão, de manifestação e o acesso equitativo aos meios de informação e comunicação públicos e privados, condicionaram marcaram o ano e representam um grande obstáculo ao processo de pacificação e ao desenvolvimento ao longo prazo. 7.2. RECONCILIAÇÃO SOCIAL Em 2012 se realizaram as segundas eleições livres em tempo de paz e de acordo com os prazos estipulados pela lei, embora já tenham passado dez anos desde a data da assinatura do memorando do Luena e dos acordos de paz entre o governo angolano e o então movimento rebelde da UNITA, é visível que a realização de eleições e o fim do conflito armado não têm sido suficientes para alcançar a harmonia e a reconciliação nacional. Embora seja unanime em toda sociedade a ideia de que a paz é o bem maior a ser preservado, dez anos depois do conflito armado a questão da reconciliação nacional continua suscitar muitas preocupações, uma vez que ainda não foram muitos os actos de reconhecimento mutuo pelos danos causados, o compromisso de não repeti-los, os esforços para trabalhar na superação dos traumas psicológicos, e a reparação das ofensas e injustiças cometidas contra milhares de cidadãos. Num ano particularmente marcado pelas tensões próprias de períodos pré-eleitorais e pós-eleitorais, acrescido de acções de pretextos e manifestações protagonizadas sobretudo por cidadãos que sentem os seus direitos violados, e algumas formações politica, muitas delas desembocaram em actos de violência, controversas e acusações, envolvendo manifestantes e forças da ordem. Ficou evidente a necessidade de criar novas relações sociais e introduzir profundas mudanças nas percepções e nas atitudes que as diferentes forças da sociedade civil, partidos políticos, instituições do estado e sector privado têm umas das outras. Este ano (2012) foi um ano em que ficou persistente na nossa sociedade, o sentimento de desconfiança, de hostilidade e de intolerância, o que tem vindo a condicionar os níveis de participação cívica na vida pública, a superação da cultura de violência e as profundas divisões sociais criadas pela guerra. Neste contexto, os programas e políticas públicas para o desenvolvimento implementados pelo que executivo Angolano, têm vindo a contribuir de forma limitada para manutenção ou superação das tensões derivadas ou causadas pelo conflito armado. Embora seja difícil quantificar, notam-se que em 2012 foram escassas as medidas e decisões políticas que visaram contribuir para a reconciliação nacional. 141 Olhando para os níveis de execução dos programas e políticas é limitado o volume de verbas destinado directamente a componente de reconciliação nacional em programas cujo objectivo foi o de promover o desenvolvimento humano sustentável, o bem-estar social, a democracia e a promoção dos direitos económicos, civis e políticos de todos os cidadãos. Tais componentes são importantes porque podem servir para corrigir as desigualdades existentes entre os cidadãos dos diferentes extractos sociais, e os desequilíbrios e assimetrias entre as regiões. Uma das prioridades do executivo angolano é a de consolidar a paz e o processo de reconciliação nacional, através da implementação de políticas publicas que combatam a pobreza e as assimetrias regionais, e corrijam os desequilíbrios existentes entre os diferentes grupos sociais em relação oportunidades políticas económicas e sociais. Para tal é preciso em primeiro lugar assegurar que as políticas públicas beneficiem de igual forma a todos os cidadãos, independentemente das suas opções político partidárias, das classes sociais a que pertencem ou da região geográfica em que se encontram. Porém continuam a existir reclamações por parte de um número considerável de cidadãos que se diz vítima de descriminação em termos de oportunidades, económicas e socias, em função das suas opções politicas, ou por não fazer parte do círculo de pessoas com algum poder de influência sobre as decisões que os afectam. Com efeito, a medida que estas percepções se vão alargando pelos vários estratos da nossa sociedade, aumentam os riscos de tensões sociais e perigam os esforços de reconciliação social. O facto de serem muito poucos os casos em que se estimula ou se evidenciam a colaboração de elementos provenientes de grupos antagónicos anteriormente envolvidos na guerra, ou a forma como se celebram e homenageiam figuras e factos históricos relacionados com o conflito em Angola, são indicadores do que afirmamos anteriormente. Ao nível das comunidades algumas organizações não-governamentais e igrejas tendem a incorporar nas suas intervenções a dimensão da cultura de paz, através de actividade educativas, culturais, religiosas e outras que promovem a cidadania e a participação democrática. 142 CONCLUSÃO “Se quiser caminhar rápido, anda sozinho mas se quiser chegar longe, anda com os outros”. Sabedoria africana Angola continua a ser um país de baixo desenvolvimento. Depois da guerra o país entrou na era do desenvolvimento mas não conseguiu até agora, dez anos volvidos, resolver todas as situações de emergência que assolam várias regiões. Há situações paradoxais de fome e óbitos repetidos por carestia de alimento e água, quer para as pessoas, quer para o gado e a lavoura. A estiagem é uma dura realidade que continua a ceifar vidas, nomeadamente no sul do país, embora seja um fenómeno natural previsível. 1. A configuração e a participação políticas do país permanecem marcadas pela tensão entre a aspiração de liberdade dos cidadãos e a realização de direitos em concreto, ou seja, continua a haver dificuldade em concretizar os direitos fundamentais em liberdades públicas, pois a ordem estabelecida apresenta dificuldades em conviver de forma pacífica com a realização dos direitos de cidadania. Esta, sofrendo de limitações, está quase exclusivamente confinada à capital. Este ano, 2012, foi marcado pela realização das primeiras “eleições gerais”, no âmbito da nova Constituição de 2010, o que representou uma lufada de ar fresco para a democratização do Estado e da sociedade. Estas eleições pretenderam confirmar a entrada de Angola na era da regularidade eleitoral, o que é muito importante para um país em que apenas se realizaram três escrutínios, em 20 anos de transição para a democracia e 38 anos de independência. Resta agora o desafio das eleições autárquicas, forma de organização do poder local prevista na Constituição. 2. Em relação à população e à sua repartição pelo território, assinala-se uma crescente urbanização, a uma média anual, em 2012, de 2,2% para as principais capitais e de cerca de 5% para Luanda, o que provoca uma correspondente desertificação das zonas rurais. Esta concentração urbana, estimulada pelo crescimento económico concentrado nas capitais de província, em geral, e na faixa litoral, em particular, vai continuar, podendo atingir, em 2020, cerca de 72%, se não houver políticas públicas que favoreçam e facilitem a instalação do investimento público e privado no interior do país, criando oportunidades de emprego e promovendo salários mais elevados. As condições de vida dos angolanos não melhoram grande coisa neste último ano, o IDH angolano é bem a prova disto, nomeadamente nas suas componentes sociais, como a esperança de vida e a taxa de escolaridade. A profunda desigualdade distribuição da riqueza não permite fazer com que os ganhos do crescimento económico sejam partilhados por todas as camadas sociais de forma mais equitativa, de maneira a proporcionar melhores condições de reprodução social das camadas mais pobres. O país precisa de alterar o modo como o acesso às oportunidades de geração de renda é organizado e gerido e reestruturar o processo de distribuição do rendimento nacional. 143 3. No plano da saúde há uma realidade epidemiológica e médico-sanitária distinta nas zonas urbanas e nas rurais, desde logo, em relação à evidente assimetria de alocação de recursos mas também na prestação de serviços. Das doenças registadas, a malária continua a ser a principal causa de notificação e de óbitos, correspondendo a uma taxa de letalidade nacional de 0,16%. Em segundo lugar vêm as doenças respiratórias agudas (19%) que assinalam, este ano, um agravamento, de casos mas não necessariamente de óbitos. As doenças diarreicas (9%), seguidas da disenteria (4%), da febre tifóide (3%) e outras (3%). Como se disse, todas as principais doenças estão associadas à poluição do meio e à falta de saneamento básico e à qualidade da água consumida, pelo que se pode deduzir um agravamento das condições de vida das populações, sobretudo nos centros urbanos de maior concentração populacional. È também nestes centros onde se desenvolve um novo e grave problema de saúde pública que são as doenças cardiovasculares que estão associadas ao stress e a mudanças no regime alimentar, muito condicionado pelo uso excessivo de gorduras, açúcar e álcool. O agravamento do quadro epidemiológico, em relação a algumas das principais endemias do país, revela que os programas de combate ao vector de transmissão e de profilaxia desenhados estão com implementação insuficiente ou há uma maior incapacidade dos centros médico-sanitários na resposta aos casos notificados e um agravamento nas condições dos doentes quando recorrem a esses centros médico-sanitários. Também não é de excluir, tal como já se verificou no passado, a possibilidade do surgimento de novas estirpes e menor eficácia do fármaco utilizado na prevenção ou tratamento. 4. A educação tem um papel estratégico para o desenvolvimento sustentado do país e para a promoção social da sua população, no entanto continua a não merecer um tratamento diferenciado da governação. Não se compreendeu ainda que não é possível educação sem professor. O investimento nas infra-estruturas físicas, embora necessário não é bastante, pelo que o país precisa de uma formação massiva de professores e o seu recrutamento, não somente constante mas também suficiente e, sobretudo, seguido de capacitação e de valorização continuas, para aumentar o nível académico e pedagógico dos professores de maneira a proporcionar-lhes qualidade, profissionalismo e espírito de missão, resolvendo também os seus problemas de colocação e sedentarização, nomeadamente nas áreas rurais e periurbanas. Pelo que alguns dos indicadores da educação têm que ser relativizados, na medida que muitos dos professores recrutados, não têm competências académicas e pedagógicas suficientes ou, embora constando das folhas de salários das direcções provinciais da Educação, não estão no seu local de colocação, porque estão em formação e, por isso, dispensados temporariamente das suas obrigações docentes, porque abandonaram por falta de transporte, falta de habitação nesse local, pois a maior parte desses professores que vencem os concursos públicos não são residentes locais de colocação. 5. Em relação a situação da família e da criança o país está longe de ser uma sociedade desenvolvida e sadia em relação aos indicadores de bem-estar, habitação, relações conjugais, tutela paternal e outros. Apesar dos progressos registados a situação da família e da criança contínua preocupante. Os compromissos e programas implementados não tiveram o impacto suficiente para que a pobreza deixasse de ser visível. Os indicadores básicos que permitem definir a condição socioeconómica dos agregados familiares ainda são alarmantes. As elevadas taxas de crescimento da população e de fecundidade, assim como a elevada taxa de dependência criam situações de agravamento da condição social das famílias. A política para o desenvolvimento da família tem que levar em conta os recursos e a capacidade de captação de recursos do Chefe do Agregado Familiar. As evidências indicam que o seu nível de escolaridade é um factor determinante na sua empregabilidade e empreendedorismo, pelo que a aposta na educação não deve apenas cingir-se às crianças mas de forma generalizada, a 144 toda a população, sendo que a educação para os adultos tem que ser profissionalizante ou virada para o empreendedorismo. A habitação e o meio ambiente são outras componentes importantes da política de família, pelo que não basta criar centralidades e o fundo habitacional, outras medidas relativamente mais simples e menos onerosas podem ser aplicadas, como é o alargamento e comparticipação no parque de habitação social, através do loteamento e urbanização das áreas de autoconstrução dirigida, a bonificação dos preços dos materiais de construção adequados. Também seria útil realizar acções coordenadas, o acompanhamento e monitorização das promessas e dos programas do Governo, de modo a evitar a desorganização do espaço bem como a aquisição de equipamento básicos para o mínimo conforto das famílias. É preciso vencer a ideia de que as pessoas já estão habituadas a beber água imprópria ou a andar quilómetros em busca de água potável. Angola precisa de aproveitar a sua capacidade ociosa, fazendo uso do seu principal recursos que são as pessoas que pouco ou nada poderão contribuir para o crescimento da Nação, caso estejam privados de serviços socias tão básicos como acesso à água e saneamento adequados. Para tal urge intensificar os investimentos na melhoria de infra-estruturas e da rede de fornecimento de água e o alargamento da rede de saneamento, podendo ser envolvidos nesta tarefas actores nãoestatais. É preciso fazer frente a este cenário, especialmente no domínio da família, já que para as crianças existem os 11 Compromissos e um conjunto de acções a vários níveis. Permanece ainda o dilema da execução efectiva das políticas públicas e a monitoria e avaliação constante dos esforços. No domínio da criança, o Governo parece estar ciente dos principais desafios, pelo menos, os 11 compromissos, os planos e programas em prol da criança e, mais recentemente, a Lei de Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança, são bons exemplos de vontade política a favor das crianças em Angola. Porém, materializar esta vontade requer uma sincronia ou harmonização entre os planos, programas e os respectivos orçamentos bem como a exigência de uma cultura institucional fundada na solidariedade e na cooperação entre os diferentes sectores do governo, pactuados nos compromissos, na transparência e na prestação de contas, para alcançar os resultados desejados. Essa vontade política, aliada a um bom momento da economia, constituem factores favoráveis e até mesmo “uma oportunidade de ouro” para os angolanos criarem um modelo de gestão pública baseados nos direitos humanos que seja bem implementado, monitorado e documentado que constitua um modelo referencial de boas práticas. Muito deverá ser feito, para se poder assegurar o bem-estar, as condições sociais e humanas para a sobrevivência da família como núcleo fundamental de desenvolvimento da sociedade. O acesso ao conhecimento, à água e luz, ao saneamento básico, ao lazer e o acesso aos bens duradoiros, próprios da era da comunicação; como televisão, telemóvel, internet, computador, não são um luxo ou um privilégio de alguns, deve ser uma realidade partilhada por todos e o Estado deve assumir o seu papel de provedor de serviço público, nesses domínios, estimulando também o investimento da sociedade civil, quer privado, cooperativo ou comunitário. Os planos de desenvolvimento de longa duração têm que visar atingir metas que permitam o país firmar-se como um país de desenvolvimento médio, garantindo água potável, luz e saneamento básico para todos, educação de qualidade, gratuita e universal desde a préprimária, um sistema integrado de creches públicas, familiares e comunitárias alavancando, deste modo, as famílias para que estas possam dar tudo que a criança merece. 6. Nesse esforço, os autores não-estatais também têm dado a sua contribuição para o desenvolvimento social do país atacando as várias facetas da pobreza que afecta várias camadas da nossa população. Em 2012, destaca-se o trabalho da ACAPC, da IEA, da IECA, da 145 IEBA e da ADRA que desenvolveram acções no domínio de água, saneamento básico, saúde (nas áreas de Medicina, VIH/SIDA, Tuberculose, Oftalmologia, Protecção materno-infantil, Farmácia e Imagiologia), empoderamento da mulher rural, educação, produção agrícola, segurança alimentar e nutricional, terras, igualdade de género, liderança, microcrédito, diálogo, lobby e advocacia social, em várias províncias: Luanda, Bengo, Benguela, Malanje, Huambo, Lunda-Sul, Moxico e Huíla. Os benefícios sociais da intervenção destes actores nãoestatais deviam estimular os decisores políticos do país, no sentido de estabelecer parcerias com estes, apoiando-os administrativa, financeira ou materialmente nas suas acções, visando criar sinergias colectivas para um combate mais eficaz da pobreza. 7. É unânime em toda sociedade a ideia de que a paz é o bem maior a ser preservado e que para tanto se justificam alguns sacrifícios. No entanto, o processo de pacificação e de reconciliação devia assegurar, em primeiro lugar, que as políticas públicas beneficiem de igual forma a todos os cidadãos, independentemente das suas opções político partidárias, da classe social a que pertencem ou da região geográfica em que se encontram. Porém continua a existir reclamações por parte de um número considerável de cidadãos que se diz vítima de descriminação em termos de oportunidades, económicas e sociais, em função das suas opções politicas, ou por não fazer parte do círculo de pessoas com algum poder de influência sobre as decisões que os afectam. E, a medida que estas percepções se alargam pelos vários estratos da nossa sociedade, aumentam os riscos de tensões sociais e perigam os esforços de reconciliação social. O facto de serem muito poucos os casos em que se estimula ou se evidenciam a colaboração de elementos provenientes de grupos antagónicos anteriormente envolvidos na guerra, ou a forma como se celebram e homenageiam figuras e factos históricos relacionados com o conflito em Angola, são indicadores de que a questão da reconciliação nacional continua, dez anos depois do conflito armado, a suscitar muitas preocupações, uma vez que ainda não foram muitos os actos de reconhecimento mútuo pelos danos causados, o compromisso de não repeti-los, os esforços para trabalhar na superação dos traumas psicológicos e a reparação das ofensas e injustiças cometidas contra milhares de cidadãos. Há necessidade de criar novas relações sociais e introduzir profundas mudanças nas percepções e nas atitudes que as diferentes forças da sociedade civil, partidos políticos, instituições do Estado e sector privado têm umas das outras para acabar com vírus da beligerância. Enfim, o país precisa de quebrar o monopólio da paz e de a espalhar pelos cidadãos, precisa de sair do círculo vicioso em que está mergulhado e de romper com os atavismos que o mantém, ano após ano, como uma economia de enclave com base na exploração do petróleo, numa situação de continuada dificuldade de acesso e de fraca qualidade do ensino, superlotação crónica do sistema, limitada formação dos professores, falta de materiais, débil acesso à água potável e ao saneamento básico, altos níveis de pobreza (56,8%) e baixos indicadores sociais; 52 anos de esperança de vida, 30% de taxa de analfabetismo, 57,7% de taxa líquida da instrução primária. Nesta era de modernidade e globalização, e visando metas para o desenvolvimento sustentável, é urgente partilhar amplamente um conceito estratégico nacional e pensar e executar de forma diferente, para educar a população e priorizar, de verdade, os factores que permitirão o desenvolvimento humano e de cada homem. 146 BIBLIOGRAFIA Angola mortality rate. http://www.indexmundi.com/facts/angola/mortality-rate, acedido aos 6/11/012; ACAPC, 2013, Relatório de Balanço Anual de 2012; ACAPC, s/d, Historial da ACAPC, . QUISUMBING, Agnes R., 2003, Power and resources within the household: overview. In Household Decisions, Gender and development. A synthesis of Recenet Research. Edited by Agnes R. Q.,; Casa Civil da Presidência da República, 2012, Plano Estratégico de Formação de Quadros 2012-2020; CEAST, 2006, Mensagem Pastoral dos Bispos Católicos de Angola, Por uma Justiça Económica. 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Sumário do Inquérito Integrado sobre o Bem Estar da População – IBEP- INE, Angola 2009; _________________________, IBEP, 2010, Sumário do Inquérito Integrado sobre o Bem Estar da População – IBEP- INE, Angola 2009; Constituição da República de Angola (CRA), artigo 157º, 1 e 2; Irina Bokova (Director-General of UNESCO), Athens, 9-9-2010. The Missing Link? Rethinking the Internationally Agreed Development Goals beyond 2015, addressed on the occasion of the UNESCO Future Forum Gender Equality; Jornal de Angola, 26 de Março de 2012; LEANDRO, M. Engrácia, 2001, Sociologia contemporâneas. 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O Tribunal Constitucional 1.1.4. A Comissão Nacional Eleitoral 1.1.5.Sorteio da ordem no boletim de voto 1.1.6.Debate de ideias 1.1.7.Campanha eleitoral 1.1.8.Os resultados eleitorais 2012 1.1.9.Reclamações 1.1.10. Nova Assembleia Nacional 1.1.11. A credibilidade das eleições 1.1.12. Os observadores nacionais 1.1.13. Os observadores internacionais 1.1.14. Polémica marca as eleições de 2012 1.5. O espaço público 1.2.1. Direito de manifestação 1.2.2. Movimento reivindicativo autonomista 1.2.3. Movimento reivindicativo social e trabalhista 1.2.4. O Parlamento 1.2.5. O sistema de justiça 1.2.6. Administração pública 1.6. A situação de democracia e de liberdade 2. POPULAÇÃO, CONDIÇÕES DE VIDA E POBREZA 2.1. População 2.2. Condições de vida e índice de desenvolvimento humano 2.3. Pobreza e poder de compra dos salários 3. COMPROMISSO COM A SAÚDE 3.1. Quadro epidemiológico do país 3.1.1. A malária 3.1.1.1. Geografia da doença 3.1.1.2. Prevalência e letalidade 150 3.1.1.3. Formas de combate e tratamento 3.3. Médicos e doentes 3.1.2. Doenças respiratórias agudas 3.1.3. Tuberculose 3.1.4. VIH e SIDA 3.2. Indicadores-chave de saúde 3.2.1. Vacina contra a tuberculose 3.2.2. Vacina contra a Poliomielite 3.2.3. Situação vacinal em geral 3.3. Saúde curativa 4. COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO 4.1. Ensino primário 4.1.1. Cobertura escolar 4.1.2. Evolução do corpo docente 4.1.3. Evolução das infra-estruturas e equipamentos escolares 4.1.4. Rendimento escolar 4.1.5. Abandono escolar 4.2. Ensino secundário 4.2.1. Cobertura escolar 4.2.2. Índice de desigualdade de género 4.3.3. Evolução do corpo docente 4.3.4. Evolução das infra-estruturas escolares 4.3.5. Rendimento escolar 4.3.6. Educação de adultos 5. A SITUAÇÃO DA FAMÍLIA E A CRIANÇA: REALIDADE, COMPROMISSO E DESAFIOS 5.1. Realidade socio-económica da família em Angola 5.1.1. Estrutura demográfica 5.1.2. Estado civil e relações conjugais 5.1.3. Tamanho e estrutura do agregado familiar 5.1.4. Habitação e meio ambiente 5.2. Água e saneamento 5.3. Bem-estar e conforto (acesso à informação e novas tecnologias) 5.4. Impacto da pobreza sobre a família e a criança 5.5. Os 11 Compromissos com a Criança e o Orçamento Geral do Estado 6. Capítulo VI: ACTORES NÃO-ESTATAIS NA ACÇÃO DO DESENVOVLIMENTO E DA SOLIDARIEDADE 6.1. Água e saneamento básico 6.1.1. O caso da Associação de Comités de Água e Progresso Comunitário (ACAPC) 6.1.2. Acção desenvolvida pela ACAPC 6.1.2.1. ACAPC como provedor de água 6.1.2.2. ACAPC enquanto protectora 6.1.2.3. ACAPC como agente promotor de saneamento básico 6.1.3. Impacto da acção de ACAPC na vida socioeconómica da comunidade 6.1.3.1. Alívio do fardo económico à população 6.1.3.2. Equilíbrio de género 6.1.3.3. Participação da comunidade na resolução dos seus problemas 151 6.1.3.4. Influência política junto dos actores políticos locais 6.1.3.5. Escola de democracia participativa 6.1.3.6. Preservação da saúde da comunidade 6.2. O caso da Igreja Evangélica de Angola (IEA) 6.2.1. Acção no domínio de água e saneamento básico 6.3. O caso da Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) 6.3.1. Acção da IECA no domínio de água e saneamento básico 6.4. Contribuição da IEBA no domínio de saúde 6.4.1. Breve resenha histórica do Centro de Saúde da Petrangol (CSP) 6.4.2. O CSP como unidade sanitária 6.4.2.1. Sustentabilidade, gestão e preços praticados no Centro 6.4.2.2. CSP e outras Unidades Sanitárias na Petrangol 6.4.3. CMP trata mas só Deus cura 6.5. Empoderamento das mulheres, um factor imprescindível para o desenvolvimento, o caso Federação Luterana Mundial – Angola (FWL) 6.5.1. Contexto da intervenção da LWF-Angola 6.5.2. Acções desenvolvidas pela LWF-Angola 6.5.3. Benefícios socioeconómicos das acções da LWF-Angola junto do grupo alvo 6.6. O caso da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) 6.6.1. Acções desenvolvidas pela ADRA em 2012 6.6.1.1. Desenvolvimento sustentável 6.6.1.2. Programa de cidadania e educação formal 6.6.1.3. Programa de lobby e advocacia social 6.6.2. Recursos financeiros com que a ADRA trabalhou em 2012 Capítulo 7. A PACIFICAÇÃO E A RECONCILIAÇÃO 7.1. Pacificação 7.1.2 Desmobilização e reintegração dos ex-militares 7.1.3. Eleições multipartidárias e democracia 7.2. Reconciliação social 8. CONCLUSÃO 152 153