54 AS “PORTAGENS” DE JOÃO XILIM: TU ÉS NEGRO COMO TUA MÃE E TEU PAI Clauber Ribeiro Cruz, UNESP-FCL/Assis - CAPES ([email protected]) RESUMO: O romance Portagem (1966), do moçambicano Orlando Mendes (1916-1990),é considerado a primeira criação literária, em prosa, que reflete a inaptidão do mestiço na sociedade colonial de Moçambique. Com isso, a obra atua no desenvolvimento e fortalecimento do sistema literário moçambicano, uma vez que o romance abriga uma “voz protestatória” que irá ecoar os dramas e desejos de suas personagens, confluindo, por sua vez, temas, imagens e estilos. A reverberação dos sentimentos compostos na obra está focalizada na personagem protagonista do romance, João Xilim, cujo delineamento é tecido por meio das relações que o herói constrói ao longo de sua trajetória, entretanto, uma delas é crucial para o encaminhamento e firmamento de seu destino: o encontro com seu pai, ou mais conhecido como patrão Campos, o branco-português dono das minas. Este redescobrimento marca o seu percurso, impulsionando o destino trágico de Xilim. Joseph Campbell diz que nas epopeias clássicas é comum o herói ir ao encontro do seu destino, sendo conduzido pelos poderes mitológicos ou pelas profecias que lhe são atribuídas. Deste modo, este trabalho irá destacar o percurso errante do herói mulato Xilim, juntamente com cruzamento dos destinos paralelos e determinantes que o cercam. Palavras-chave: Não-lugar; Portagens; mulato/clandestino; Orlando Mendes. Tradição literária; Trajetória de um herói A história da Deusa se relaciona ao fato de que você nasceu de sua mãe e seu pai pode ser desconhecido, para você, ou ter morrido. Nas epopeias, frequentemente, quando o herói nasce, o pai já morreu ou está em algum outro lugar, então o herói tem de partir à procura do pai. (CAMPBELL, 1990, p. 176) A composição da personagem central do romance Portagem21, João Xilim22, do escritor moçambicano Orlando Mendes23, é delineada por meio das relações que o herói entretece ao longo O romance Portagem é publicado em 1966, mas a versão que será utilizada neste artigo será a de 1981, da Coleção Autores Africanos, da Editora Ática. 21 O nome de João Xilim deriva de uma corruptela do inglês, shilling, moeda corrente da África do Sul. Vejamos a passagem: “Quando andava pelos quatro anos, um parente regressado das minas do Kaniamato, dera-lhe uma moeda reluzente. João nunca a largava nem mesmo a dormir e dizia constantemente: ‘Tenho xilim, tenho xilim’ A rapaziada alcunhou-o e a própria família passou a trata-lo por João Xilim.” Orlando Mendes, Portagem. São Paulo: Ática, 1981, p.12. 22