55 de sua trajetória, entretanto, uma delas é crucial para a arquitetura de seu percurso, isto é, quando a personagem descobre sobre a sua verdadeira paternidade o seu destino trágico e fatídico é propulsionado. O herói trágico de Portagem, cego para o seu destino em descompasso como o seu orgulho extremo, tem a revelação de sua origem biológica através da confluência de duas forças, primeira: como a sua cor de pele distinguia-se dos demais indivíduos de seu ambiente de convivência, João Xilim, regularmente, fazia um questionamento sobre este fator que o diferenciava e o repelia da sociedade em que vivia; segunda: como não encontra uma resposta legítima as suas indagações, acidentalmente, descobre quem é o seu verdadeiro pai através do reconhecimento, ou também processo conhecido como anagnorisis, proporcionado pela própria narrativa, desencadeando, assim, uma das maiores decepções de sua trajetória. Aristóteles, em A poética clássica, afirma que estas sensações são acionadas nos heróis cujo destinos são marcados pela ventura ou desditas. Estes elementos, anagnorisis, peripécias, são provenientes das grandes tragédias clássicas, como: Édipo Rei, de Sófocles, Medéia, de Eurípedes, todavia, é perceptível que o romance Portagem tem um diálogo com a tradição literária, sendo que alguns traços daqueles estão presentes neste. Joseph Campbell diz que no gênero épico, quando um herói nasce, ou o seu pai já está morto, ou está em algum lugar desconhecido, por isso, quando o progenitor não habita o seio familiar, há o desejo da partida do filho com o intuito da concretização do fortuito (re)encontro. Mas para que a partida seja concretizada, há a necessidade do reconhecimento/anagnorisis, já que, na maioria das vezes, o pai é desconhecido, não se sabe, nem ao menos, qual seria a sua forma física ou a sua precisa antecedência. E, segundo Aristóteles, há a seguinte definição para este processo de recognição: O reconhecimento, como a palavra mesma indica, é a mudança do desconhecimento para o conhecimento, ou à amizade, ou ao ódio, das pessoas marcadas para a ventura ou a desdita. O mais belo reconhecimento é o que se dá ao mesmo tempo que uma peripécia, como aconteceu no Édipo. (ARISTÓTELES, 1995, p. 30) Após o reconhecimento da paternidade por Xilim, e da confirmação do acobertamento de sua real procedência por sua mãe, a personagem envolve-se por uma grande sensação de ódio e de vingança, jurando em dar tempo ao tempo para verem do que seria capaz de fazer. E partir disso, 23 Orlando Marques de Almeida Mendes, nasceu na ilha de Moçambique no dia 4 de agosto de 1916. Poeta, contista, romancista, dramaturgo e crítico literário, tem larga colaboração dispersa pela imprensa moçambicana e portuguesa. Falece em 1990, em Maputo.