História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no
auge do colonialismo, 1930 - 1961
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História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do
colonialismo, 1930 - 1961
Author/Creator
Hedges, David; Rocha, Aurélio; Medeiros, Eduardo;
Liesegang, Gerhard; Chilundo, Arlindo
Publisher
Universidade Eduardo Mondlane, Departamento da História
Date
1993
Resource type
Books
Language
Portuguese
Subject
Coverage (spatial)
Mozambique
Coverage (temporal)
1930-1961
Source
Northwestern University Libraries, Melville J. Herskovits
Library of African Studies, 967.9 H673 1988 v. 3
Rights
By kind permission of the Departamento de História da
Universidade Eduardo Mondlane.
Description
This book produced by the Department of History at
Universidade Eduardo Mondlane focuses on the period
1930 to 1961, but also includes an introductory chapter
covering the period 1885-1930. It provides both analysis
and narrative coverage, divided into the following periods:
1930-1937 (reinforcement of colonialism), 1938-1944
(restructuring of Mozambican society), and 1945-1961 (in
two chapter, one on the apogee of Portuguese colonialism,
and the other on resistance to colonialism. The back matter
includes extensive notes and references.
Format extent
(length/size)
316 pages
http://www.aluka.org/action/showMetadata?doi=10.5555/AL.SFF.DOCUMENT.crp2b20002
http://www.aluka.org
HISTORIA DE MOÇAMBIQUE
HISTORIA DE MOÇAMBIQUE
VOL.
MOÇAMBIQUE NO AUGE DO COLONIALISMO, 1930- 1961
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA UNIVERSIDADE EDUARDO
MONDLANE
História de Moçambique Volume 3
Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930-1961
Universidade Eduardo MondIane
Departamento de História - Faculdade de Letras
Maputo
473
Copyrigth
Coordenação deste volume:
ScLcção de fotografias: Mapas:
Capa:
Revisão do Texto:
Arranjo Gráfico: Montagem, Fotolito e Impressão: Editor:
N* de Registo:
Departamento de História - Faculdade de Letras, Universidade Eduardo
MondIane David Hedges
Amélia Souto , António Sopa, Paula Voss e Arlindo Chiluw Gerhard Liesegang
Quadro de Malangatana "Trabalho forçado" Fernanda Durão, Arlindo Chilundo e
Gilberto Matusse João Paulo Borges Coelho Imprensa da UEM Departamento de
História - Faculdade de Letras, Universidade Eduardo Mondlane 098 1IFBM/92
Maputo - 1993
SUMÁRIO
Lista de Quadros
viii
Lista de Mapas
viii
Lista de Fotografias
ix
Abreviaturas utilizadas
xi
Nota de Apresentação
xii
Capítulo 1:
A História de Moçambique, 1885-1930
1
Por Aurélio Rocha, David Hedges, Eduardo Medeiros e Gerhard Liesegang Com
revisões e novas matérias por David Hedges e Arlindo Chilundo
1 A conquista e a nova organização político-administrativa
1
2 A emergência da economia colonial
3
2.1 Produção agrícola
3
2.2 A reestruturação capitalista da economia camponesa
5
2.3 Portos, caminhos de ferro e trabalho migratório
6
2.4 Indústrias de transformação
6
2.5 Balanço geral da economia
7
2.6 Relações económicas entre Moçambique, Portugal e outros países 7
3 As mudanças demográficas entre 1885 e 1930
8
3.1 População total
8
3.2 Distribuição da população e função das cidades
8
4 A estrutura social, o racismo e o proto-nacionalismo
9
4.1 Discriminação racial na estrutura colonial
10
4.2 A luta dos trabalhadores brancos e o reforço das barreiras raciais 12 4.3 A
pequena burguesia moçambicana, assimilação e educação
13
4.4 Últimos focos da resistência militar e o início do proto-nacionalismo 17
As igrejas 'separatistas'
18
O movimento associativo e literário
21
5 Os conflitos do período 1915-1930
23
5.1 A I Guerra Mundial e a crise económica e social da década de 20 23 5.2 0
conflito sobre as bases da política colonial em Moçambique 26
5.3 0 golpe militar de 1926 em Portugal e a sua repercussão em Moçambique
28
NOTAS
Capítulo 2:
O Reforço do Colonialismo, 1930-1937
35
Por David Hedges e Aurélio Rocha
Com revisões e novas matérias por David Hedges e Arlindo Chilundo
1 Introdução
35
2 A crise económica e a produção em Moçambique
36
2.1 Origens e alcance da crise económica mundial
36
2.2 Produção em Moçambique na nova situação económica
36
2.3 0 trabalho migratório, trânsito e a situação financeira
39
3 0 reforço da dominação portuguesa
41
3.1 A ascensão do regime Salazarista em Portugal
41
3.2 0 proteccionismo e o novo regime político-administrativo
41
3.3 Novas relações de dominação económica
42
3.4 Educação e religião
46
4 A intensificação da exploração nas zonas rurais
49
5 Os conflitos sociais e a resistência anti-colonial, 1930-1937
53
5.1 0 conflito sobre as terras no Mossuril - Nampula
53
5.2 As greves de 1932-1933 na Beira e Lourenço Marques
55
A manifestação dos assalariados negros da Beira, 1932
56
A greve da 'Quinhenta' no porto de Lourenço Marques de 1933 59
5.3 0 movimento associativo e político
61
A divisão do movimento associativo
66
A repressão do jornalismo político
71
Ambiguidade da posição da elite
73
Agudização da tensão política e repressão fascista, 1935-1937 75
NOTAS
Capítulo 3:
A Reestruturação da Sociedade Mocambicana,1938-1944
83
Por David Hedges e Aurélio Rocha
1 Introdução: Características gerais do período 1938-1944
83
1.1 A procura renovada de matérias-primas
83
1.2 Capital português e reorganização da administração colonial 85 1.3 0 poder
reforçado do Governador-Geral
86
2 As culturas forçadas
88
2.1 Generalização do cultivo do algodão
88
2.2 Generalização da cultura obrigatória
91
2.3 0 cultivo forçado de arroz
93
3 A intensificação da exploração do trabalho
93
3.1 A crise de mão-de-obra rural
93
3.2 Actuação do governo colonial face à crise de mão-de-obra
95
3.3 A reorganização dos impostos
97
3.4 Reforço dos auxiliares administrativos: régulos e sipaios
98
3.5 Reforço do controle sobre trabalho em Lourenço Marques e Beira 99 3.6 0
novo sistema de sindicatos fascistas
100
4 A estrutura de produção e as suas consequências
101
4.1 Produção e rendimento nas zonas rurais
101
4.2 Diferenciação regional
102
4.3 Controle permanente da administração sobre a produção agricola 104 4.4
Crescente exploração do campesinato
104
4.5 Diferenciação social no seio do campesinato
106
4.6 Indústria, transportes e trabalho migratório
108
5 A resistência ao colonialismo
111
5.1 A resistência generalizada às culturas forçadas
111
5.2 A revolta Muta-hanu no Mossuril - Nampula, 1939
112
5.3 0 movimento associativo
114
6 0 Estado colonial, a Igreja Católica e o ensino rudimentar
117
NOTAS
Capítulo 4:
Moçambique durante o Apogeu do Colonialismo Português, 1945-1961: a
Economia e a Estrutura Social
129
Por David Hedges e Aurélio Rocha
1 Caracteristicas gerais do período
129
2 A intensificação da produção rural
130
2.1 A cultura forçada de algodão
130
Concentrações algodoeiras, blocos e picadas
132
Diferenças de produtividade
137
2.2 0 reforço do controle sobre a mão-de-obra rural
138
2.3 Produção global das mercadorias agrícolas de exportação
145
2.4 A estrutura da exploração rural colonial e as suas consequências 147
Violência e produção
148
O comércio rural
151
A degradação dos solos, subnutrição e fomes
153
3 Mão-de-obra migrat6ria
157
4 Os planos do fomento e industrialização
161
4.1 Acumulação portuguesa e a economia moçambicana
161
4.2 Os planos de fomento
161
4.3 Crescimento da população colona
164
4.4 Fomento industrial
168
4.5 A consolidação do capital português
171
5 0 desenvolvimento da estrutura social
172
5.1 A força de trabalho assalariado e a sua estratificação racial 172 5.2 A
educação, as missões e seu papel na estrutura social colonial 176
Ensino primário rudimentar e 'comum'
179
Ensino secundário
181
5.3 As formas de enquadramento colonial
182
O privilegiamento dos régulos e sipaios
183
As associações profissionais para negros
187
Os agricultores prósperos e as cooperativas
188
NOTAS
Capítulo 5:
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
197
Por David Hedges e Arlindo Chilundo
1 Introdução
197
2 0 reforço do colonialismo na Africa após a II Guerra Mundial
198
O âmbito regional na África Austral
200
3 As associações e o movimento juvenil, 1945-1955
202
4 A luta dos camponeses e trabalhadores
209
4.10 contexto da luta
209
4.2 A resistência contra as culturas forçadas
210
4.3 Resistência contra o trabalho forçado
213
A greve na açucareira de Xinavane, 1954
214
4.4 Greves no caminho de ferro e porto de Lourenço Marques
215
4.5 0 motim da pedreira de Goba
217
4.6 Considerações finais sobre a luta dos camponeses e trabalhadores 219
5 A contestação cultural
221
5.1 Canção, música e dança populares
222
5.2 A literatura como arma da luta
225
5.3 Artes plásticas
230
5.4 A contestação cultural resumida
231
6 A Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique
232
7 A luta anti-colonial, 1955-1961
238
7.1 A criação de organizações políticas internas e externas
238
7.2 0 massacre de Mueda e a repressão de 1960-1961
241
7.3 0 âmbito político em Lourenço Marques e a revitalização do NESAM 243 7.4
A evolução das organizações moçambicanas nos territ6rios vizinhos 245 7.5 As
organizações unitárias contra o colonialismo português 246
8. Resumo e conclusão
248
NOTAS
250
PRINCIPAIS FONTES CONSULTADAS
259
INDICE
Lista de Quadros
1 Principais exportações de Moçambique, 1928-1935
38
2 A crise económica, 1928-1937: Valor e Volume das exportações 39 3
Expansão das missões católicas, 1930-1937
47
4 Aumento do número de escolas rudimentares, 1930-1937
48
5 O volume das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 102 6 O
valor das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 103 7 Aumento
de missões católicas, 1938-1944
120
8 Número de escolas rudimentares, 1938-1944
120
9 Ensino rudimentar católico, 1940-1944
121
10 Produção de Algodão, 1945-1960
136
11 O volume das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 146 12 O
valor das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 146
13 Percentagem das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 147 14
Evolução da população total e da população colona de Moçambique 165 15
Crescimento da indústria de transformação, 1947-1961
169
16 Expansão do investimento fixo na indústria transformadora, 1956-1961 170
17 Proporção do valor de produção industrial, por sector, 1942-1960 171 18
Estimativa provisória do número de assalariados nos principais
sectores e actividades, 1950-1960
173
19 Aumento de missões religiosas, 1945-1961
178
20 Aproveitamento nas escolas rudimentares das missões católicas
e outras (missões protestantes e escolas oficiais), 1945-1960 180 21 Matrículas
nas escolas primárias 'comuns', 1945 e 1960
181
22 Matrículas nos Liceus, 1945 e 1960
182
Lista de Mapas
1 Produção de algodão, 1941: diferenciação regional
134
2 Produção de algodão, 1960: diferenciação regional
135
3 A expansão da rede ferroviária
160
4 Greves, contestações e protestos, 1930-1960
196
Lista de Fotografias
1. Construção da Ponte do Zambeze, 1933
44
2. Ponte do Zambeze, 1935
45
3. Trabalhadores no depósito do crómio no Porto da Beira
57
4. Retrato de Estácio Dias
62
5. Retrato de Karel Pott
62
6. Sede do Centro Associativo dos Negros (Instituto Negrófilo), 1939 63 7.
Kamba Simango
69
8. Tomada de posse do Governador-Geral J. T. Bettencourt
87
9. Parada militar em Lourenço Marques, 1942
87
10. Colheita de algodão
88
11. Mercado de algodão, Nampula
89
12. Processamento de algodão, Sofala
90
13. Paisagem da cultura de chá, Zambézia
94
14. Trabalhadores do chá, Zambézia
94
15. Carregamento da cana de açucar, Inkomati
96
16. Régulos com os seus bastiões de comando, Quelimane, 1939
98
17. Construção do Caminho de Ferro de Tete, 1944
109
18. Escola de Artes e Oficios, Moamba
122
19. Aula de sapataria, Escola de Artes e Oficios, Moamba
122
20. Caminho de Ferro do norte: abertura de uma trincheira
141
21. No parque de maquinaria, linha férrea de Tete,1949
162
22. Carros no caminho das Rodésias, Lourenço Marques, 1955
163
23. Colonos a chegar, Limpopo, 1954
166
24. Vista do colonato, Limpopo, 1960
166
25. Retrato de D. Soares de Resende, Bispo da Beira
177
26. A escola rudimentar da Missão católica de Murrupula, Nampula, 1960 179
27. Banja em Maniamba, Niassa, fim da década de 1950
184
28. Chefe Mataka, Niassa, fim da década de 1950
185
29. Os engraxadores de Lourenço Marques, 1946
187
30. Encontro dos Governadores-Gerais da Federação e de Moçambique, 1954 201
31. Eduardo Mondiane em 1949
204
32. M.M. Sicobele, fundador da Igreja Luz Episcopal
207
33. Figuras da contestação cultural, década de 1950
223
34. Retrato de Daniel Marivate
227
35. Retrato de João Dias, 1949
228
36. Manifestação em Lourenço Marques contra Resoluções da ONU, 1957 239
37. Notícias do julgamento da liderança da Convenção do Povo de
Moçambique, 1962
242
38. Nacionalistas da África Austral na altura da formação de CONCP 247
Abreviaturas Utilizadas
AA
Associação Africana de Lourenço Marques (o Grémio Africano)
AHM
Arquivo Histórico de Moçambique
ANC
African National Congress of South Afica
BA
O Brado Africano
BO
Boletim Oficial de Moçambique, I série
BSEM Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique
CAN Centro Associativo dos Negros (o antigo Instituto Negrófilo)
CAM
Companhia dos Algodões de Moçambique
CEA Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlan
CPC/SS Corpo da Polícia Civil, Serviços de Segurança Cx.
Caixa
DH
Departamento de História, Universidade Eduardo Mondiane
FA
Fundo do Algodão [Arquivo Histórico de Moçambique)
FAC
Fundo da Administração Civil [Arquivo Histórico de Moçambique]
FGG Fundo do Governo Geral [Arquivo Histórico de Moçambique)
FNI
Fundo dos Negócios Indígenas [Arquivo Histórico de Moçambique]
FTO
Fundo de Testemunhas Orais [Arquivo Histórico de Moçambique
HM II DH, História de Moçambique, vol.II, Maputo:Cadernos Tempo, 1983
INLD Instituto Nacional do Livro e do Disco
ISANI Inspecção Superior de Administração e Negócios Indígenas JEAC
Junta de Exportação de Algodao
MAC
Movimento Anti-Colonialista
MANU Mozambique African National Union
MJDM Movimento da Juventude Democrática de Moçambique
MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola
MUD Movimento da Unidade Democrática
NESAM Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique PAIGC Partido
Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde PIDE Policia Internacional
de Defesa do Estado
SAGAL Sociedade Agrícola Algodoeira S.d. Sem data
SE
Secção Especial [Arquivo Histórico de Moçambique)
S.n. Sem número
SR [A.I.Ferraz de Freitas],'Seitas religiosas gentílicas', 4 vols.,
Lourenço Marques,n.p., 1956-1957 TANU Tanganyika African National Union
UEM
Universidade Eduardo Mondlane, Maputo
UDENAMO União Democrática Nacional de Moçambique UNAMI União
Nacional de Moçambique Independente
Nota de Apresentação
Este terceiro volume da História de Moçambique segue as linhas gerais da
periodização estabelecida para a colecção, em 1981, sob a direcção do então chefe
do Departamento de História, Carlos Serra. Coube, porém, ao Departamento de
História, como um todo, a responsabilidade da elaboração deste volume.
Todos os capítulos foram previamente publicados na revista do Departamento,
Cadernos de História 2,4,5,6,7 (1985-1988), ao que se seguiu um processo de
revisão e reelaboração.
A grande parte deste volume cobre o período de 1930-1961, sendo objecto
principal Moçambique no apogeu do colonialismo. Neste volume procura-se
mostrar como é que Portugal, guiado pela estratégia do 'nacionalismo económico',
tentou, mais do que vinha acontecendo até então, tirar de Moçambique mais
vantagens em seu próprio benefício. Procura-se também avaliar a experiência
moçambicana deste intensivo, violento e muitas vezes sufocante processo.
Tentamos fazer um balanço sistemático do material novo e informações relativa e
largamente conhecidas. Porém, fica-nos a consciência de que este livro é uma
mera tentativa de uma síntese geral deste período. Longe de ser um manual
adequado de ensino e muito menos uma história oficial, esperamos não obstante
que o livro seja de fácil leitura. Com diferentes graus de sucesso procuramos
incluir a máxima informação possível sobre os temas sócio-políticos, tais como
religião, educação e associações políticas. Aspectos sócio-económicos também
mereceram um tratamento especial. Mesmo assim, muitos temas e formas mais
frutíferas de interpretação foram, sem dúvidas, insuficientemente desenvolvidos.
Muito fica ainda por fazer e esperamos que este trabalho provisório contribua
substancialmente para a delimitação de novos temas de investigação sobre a
história de Moçambique.
No princípio, os autores decidiram que os capítulos seriam, de preferência,
divididos conforme uma periodização, incorporando desta
forma as divisões temáticas e diferenças regionais. Este procedimento nos pareceu
o meio apropriado para a sintetização de materiais que se encontram ainda mais
dispersos e não trabalhados do que aqueles que formaram a base do volume
anterior.
Os autores também decidiram que tal estrutura requeria um capítulo introdutório
resumindo o período de 1885 a 1930 e que inclui novas informações que, à data
da elaboração do II volume, não estavam disponíveis.
A conclusão deste livro foi possível graças ao apoio sempre concedido, muitas
vezes em difíceis circunstâncias, do Dr. Fernando Ganhão, Reitor da
Universidade Eduardo MondIane, e os seus sucessores, Dr. Rui Baltazar e Dr.
Narciso Matos. Os autores gostariam de expressar a sua profunda gratidão ao
Arquivo Histórico de Moçambique cuja directora, Dra Inês Nogueira da Costa, e
restantes trabalhadores generosamente os apoiaram na localização de fontes e na
fase final da edição. O Índice beneficiou do generoso apoio profissional de
António Sopa e de Fernanda Mendes. A publicação do livro deve muito ao
entusiasmo e às capacidades técnicas de João Paulo Borges Coelho.
Os autores agradecem particularmente a Colin Darch, pela sua indispensável
ajuda na localização da grande parte das fontes utilizadas no Capítulo 5. Pelos
valiosos comentários e informações fornecidas no decurso do trabalho, agradecem
também a Carlos Serra (caps. 1 e 2), Luís Covane e Gerhard Liesegang, do
Departamento de História, e a Yussuf Adam, Teresa Cruz e Silva e Alexandrino
José, do Centro de Estudos Africanos da UEM (cap. 5), Eduardo Medeiros, do
Instituto Superior Pedagógico (caps. 3 e 4) e a Paulo Soares, do Ministério da
Cultura (caps. 2 e 3).
E, não em último lugar, o Departamento de História expressa a sua profunda
gratidão à Agência Sueca para Investigação e Cooperação Internacional
(SAREC), e à Agência Norueguesa para o Desenvolvimento (NORAD), pela
ajuda e encorajamento na área de investigação e pelo prestimoso apoio material,
sem os quais não seria possível a publicação deste livro.
Capítulo 1:
A História de Moçambique, 1885-1930
1. A conquista e a nova organização político-administrativa
Após a Conferência de Berlim, foram definidas novas formas de relacionamento
entre as potências europeias e os territórios colonizados, o que, em Moçambique,
se traduziu na delimitação de fronteiras e na ocupação militar, administrativa e
económica.
A implantação colonial no período imperialista efectivou-se, inicialmente,
aLravés da conquista militar do território moçambicano. Apesar da superioridade
em armas dos colonialistas, este processo durou mais de duas décadas (18861918), devido a fortes resistências nas diversas partes do território [1].
Para diminuir os custos directos da ocupação militar e administrativa, Portugal
optou por ceder as actuais províncias do Niassa e de Cabo Delgado à Companhia
do Niassa, uma companhia majestática, que, para além da sua função económica,
tinha poderes militares e administrativos. Da mesma forma, as províncias de
Manica e de Sofala passaram a ser administradas pela Companhia de
Moçambique. As províncias de Tete e da Zambézia foram submetidas a uma
administração conjunta do estado português e de companhias que arrendaram os
antigos prazos. A província de Nampula e o território ao sul do Rio Save
(Maputo, Gaza
Capítulo 1
e Inhambane) ficaram sob administração directa do estado português.
Como a acumulação de capital, em Portugal estava baseada em grande medida no
comércio, e a economia estava pouco industrializada, não havia grandes
excedentes de capitais para investimento produtivo no exterior. Assim se explica a
penetração do capital não-português em todas as zonas de Moçambique, incluindo
nas Companhias Majestáticas.
A implantação do sistema administrativo colonial processou-se em diferentes
fases nas diversas partes do país. Por exemplo, nas áreas de resistência mais
prolongada, ou de acesso difícil, a primeira etapa efectivou-se através da
ocupação militar quase permanente (capitaniasmores na província de Nampula e
partes de Zambézia, comando militar em Gaza). Noutros lugares, como, por
exemplo, na província de Maputo em 1896, o governo colonial passou
directamente à divisão do território em circunscrições civis que, de um modo
geral, deram origem aos actuais distritos. Nestas divisões foram instalados os
administradores e chefes de posto portugueses, bem como régulos africanos,
escolhidos pelo regime colonial, em substituição dos antigos chefes. A partir de
1907, este sistema substituiu gradualmente a administração militar em Gaza,
Zambézia e Nampula.
O objectivo principal do colonialismo no período imperialista era aproveitar a
força de trabalho africana de uma maneira mais directa e permanente que no
período anterior. As formas em que este aproveitamento se podia realizar
variavam desde a aplicação do trabalho nas plantações até à comercialização dos
produtos do campesinato e à venda aos moçambicanos de vinhos, têxteis e outros
produtos portugueses (ver ponto 2).
Vários métodos concretizaram esse objectivo. O imposto de palhota servia para
forçar a população a ganhar dinheiro através da venda dos seus produtos ao
comércio rural ou da venda da sua força de trabalho. Metade do mussoco (o
imposto pagável na Zambézia) era cobrado em trabalho a partir de 1890. A
cobrança do imposto era uma das tarefas principais do administrador e dos seus
subordinados. O dinheiro cobrado contribuiu largamente para as despesas da nova
rede administrativa colonial (vencimentos, edifícios, estradas, etc.).
A diferença dos níveis de desenvolvimento entre as -potências europeias reflectiuse nas suas colónias, sobretudo na concorrência pela utilização da força de
trabalho. Não obstante as más condições de
Moçambique, 1885-1930
trabalho nas plantações, minas e obras públicas na África do Sul, nas Rodésias,
Niassalândia, Tanganhica e Zanzibar, verificou-se um grande fluxo de migrantes
moçambicanos para esses territórios. Para tal contribuiu o facto de os salários
serem relativamente superiores nesses territórios, como corolário do nível
relativamente superior de capitalização, gestão, aplicação de tecnologia e
produtividade. Por outro lado, as mercadorias (em especial, os têxteis) vendidas
nesses territórios eram de melhor qualidade e mais baratas.
Colocado numa situação desvantajosa em relação aos outros poderes coloniais na
região, no que diz respeito ao recrutamento de trabalhadores, o estado colonial em
Moçambique recorreu, mais do que os estados coloniais vizinhos, ao sistema de
trabalho forçado, cuja supervisão era outra das tarefas principais do
administrador. Desta maneira, o colonialismo português pretendeu compensar o
baixo nível de investimento.
Foi através deste novo sistema político-administrativo, cuja actuação se fez sentir
a nível do uso da força de trabalho, que se estabeleceu a economia colonial no
período 1885-1930.
2. A emergência da economia colonial
2.1 Produção agrícola
A maior parte da população moçambicana pertencia ao sector agrícola. No novo
sistema, que emergiu entre 1885 e 1930, podemos distinguir vários tipos de
produção provenientes dos seguintes sectores:
a) As plantações de cana-de-açúcar, de coqueiros, de sisal e de chá, com as
respectivas fábricas de transformação anexas, constituíam a agro-indústria. A
produção de açúcar começou na última década do século XIX, com as principais
plantações situadas no vale do Zambeze, localizando-se outras unidades
importantes nos vales dos rios Buzi e Incomati. As plantações de sisal começaram
a ser feitas em 1904/6 na Zambézia, mas as da zona litoral de Nampula tornaramse as mais importantes por volta de 1930, havendo outras em Cabo Delgado e
Manica. A produção das plantações era quase totalmente exportada.
b) As machambas familiares dos camponeses produziam para exportação
quantidades sensqvelménte iguais às das plantações. Para além disso,
alimentavam não só a população rural, mas também os milhares
Capítulo 1
de trabalhadores na agro-indústria, que comprava os produtos aos camponeses na
sua rede de lojas montada para o efeito. A Sena Sugar Estates, por exemplo, criou
a Companhia de Comércio de Moçambique principalmente para este fim.
Os principais produtos comercializados, quer para exportação, quer para comércio
interno, eram o milho, o amendoim, o gergelim e a borracha, e provinham em
grande parte da província de Nampula, e em menor escala, das províncias da
Zambézia, de Cabo Delgado e de Inhambane.
Nas províncias de Gaza, Maputo e Inhambane, o campesinato ficou sem muitos
trabalhadores devido ao recrutamento para as minas sul-africanas. O imposto de
palhota nestas zonas (pagável em divisas) provinha geralmente dos salários dos
mineiros; reduziu-se, assim, a possibilidade e o estimulo da família camponesa
para produzir para a comercialização. Por estas razões, o campesinato nestas
províncias produzia poucos excedentes agrícolas. No entanto, na década de 20,
alguns migrantes regressavam da África do Sul já com charruas, o que tornou
possível a uma minoria de camponeses uma maior produtividade e até alguma
acumulação de bens e o aumento das áreas cultivadas, como no vale do Limpopo.
c) As pequenas e médias machambas de colonos individuais empregavam
trabalhadores africanos. Algumas estavam instaladas em zonas de colonização
antiga, perto de Quelimane e da Ilha de Moçambique, e produziam pequenas
quantidades de copra e cajú. Outras dedicavam-se à cultura do milho no Chimoio
a partir de 1907, e, no sul, à cultura do algodão a partir de 1920. Ainda neste
período, os agricultures colonos começaram a pro4u±ir citn'nos para o mercado
sul-africano e a criar gado para o mercado interno (principalmente para Lourenço
Marques).
As exportações por ýector, em termos de valor, eram as seguintes, em 1930 [2]:
Das plantações 40% Do campesinato 28% Dos agricultores 10%
Doutros sectores 22% vários: óleos, bagaços, sal, artesenato, minerais, etc.)
Moçambique, 1885-1930
Embora as exportações do campesinato, em quantidade, se igualassem às da agroindústria, os produtos desta última valiam mais no mercado internacional, até
porque iam já semi-transformados.
2.2 A reestruturação capitalista da economia camponesa Embora seja útil
distinguir, para efeitos de estudo, as formas de produção agrícola das formas de
produção indústrial que emergiram neste período, é, no entanto, importante
compreender que elas estavam perfeitamente interligadas na economia colonial.
Note-se que em todos os tipos de produção o trabalho era efectuado pela
população moçambicana, com ou sem a supervisão dos colonos. Para além disso,
é importante realçar o papel da produção camponesa no fornecimento de
alimentação aos trabalhadores das plantações, indústrias e machambas privadas.
Lembramos que estes trabalhadores eram migrantes sazonas, cujas famílias, além
de manterem a casa, produziam para a sua subsistência e do próprio migrante
depois do seu regresso.
Podemos dizer que a família camponesa veio a constituir a base de repodução
social do trabalhador migrante e, assim, a base fundamental de todas as formas de
produção que dela dependiam. Com este sistema, nem plantações, nem indústrias,
nem machambas privadas tinham que pagar um salário que alimentasse a família
do trabalhador, o que era sempre justificativo da atribuição de salários muito
baixos. Por essa razão os empreendimentos na nova economia colonial preferiam
o trabalho migratório, procurando o estado colonial evitar, na medida do possível,
o crescimento de uma força de trabalho permanente e estável, o que teria exigido
salários mais elevados e melhores' condições sociais. Os migrantes, devido ao
carácter temporário do trabalho, tinham pouco poder para reclamar junto do
empregador, que os podia despedir em qualquer altura sem remuneração
nenhuma.
Devido ao rendimento muito baixo que se podia esperar dos contratos ou do
trabalho forçado em Moçambique, que em geral somente bastava para pagamento
do imposto e aquisição de alguma roupa de trabalho, o enquadramento social do
homem e da mulher, através do casamento, dependia muitas vezes de contratos
sucessivos do homem nas minas e plantações dos territórios vizinhos, onde
ganhava o dinheiro necessário para o casamento e os impostos.
O sistema de trabalho migratório (dentro e fora do país) atingiu quase
Capítulo 1
todas as actividades produtivas, levando à proletarização parcial do campesinato
e, assim, tornando a situação das massas cada vez mais uniforme. Se, por um
lado, o recrutamento dos homens em brigadas nas zonas de origem, com a
segregação nos acampamentos e o repatriamento no fim do contrato, fortaleceu a
discriminação étnica, e facilitou o controlo rigoroso dos trabalhadores, por outro,
contribuiu para o início de uma experiência comum de exploração [3]. Um outro
aspecto fundamental da nova economia colonial era o comércio rural, essencial
para o escoamento de produtos. Foi, de facto, a produção familiar dos camponeses
que alimentou o crescimento e os lucros da rede de lojas rurais, exclusivamente
nas mãos de comerciantes asiáticos e europeus [4].
Desta maneira, o sistema de produção familiar camponesa, herdado do período
antes de 1885, foi transformado na base principal para a acumulação do capital na
nova economia colonial [5].
2.3 Portos, caminhos de ferro e trabalho migratório Enquanto a maior parte da
população continuava a viver da agricultura, com o surgimento da nova economia
colonial, havia um número reduzido que exercia a sua actividade na construção
dos portos e caminhos de ferro de Lourenço Marques e Beira, e como estivadores
e carregadores no seu funcionamento [ponto 3.2]. Para o fornecimento de grande
parte desta mão-de-obra, desenvolveu-se o sistema de trabalho forçado.
. Como vimos, outros trabalhadores foram para as minas e plantações dos
territórios vizinhos. Estas actividades beneficiaram principalmente os
empreendimentos das colónias britânicas vizinhas. No entanto, a burguesia
portuguesa tinha o seu benefício através da canalização das divisas provenientes
do trabalho nesses territórios para a rede comercial de Moçambique. Para além de
vários impostos de recrutamento, pagáveis em divisas ao estado colonial, o Sul
importava grandes quantidades de vinho, principal exportação portuguesa da
altura, que era vendido nas lojas rurais.
2.4 Indústrias de transformação
A extracção de óleos, a destilação de alcool, as moagens, a produção de cigarros,
de gelos e de refigerantes foram as primeiras indústrias de transformação,
principalmente viradas para o consumo de Lourenço Marques, e construídas antes
de 1914. Nos anos seguintes,
Moçambique, 1885-1930
estabeleceram-se fábricas de sabões, de cerveja e de cimento. O significado destas
indústrias foi muito reduzido até 1930, quer em termos de produção, quer em
termos do número de trabalhadores, maioritariamente não-qualificados.
2.5 Balanço geral da economia
Os portos e caminhos de ferro e a exportação de trabalhadores constituíram
sectores prioritários de desenvolvimento depois de 1885. Por isso, até cerca de
1910, sensivelmente, contribuíram com a maior parte do rendimento exterior da
colónia. No entanto, o desenvolvimento progressivo da produção agrícola até
1930, veio a transformar esta actividade na maior fonte de receitas de
Moçambique.
2.6 Relações económicas entre Moçambique, Portugal e outros países
Moçambique não foi, neste período, para Portugal, uma fonte importante de
matérias-primas, dado que este país, pouco industrializado no início do século
vinte, não precisava delas em grande quantidade. Os produtos de Moçambique
iam principalmente para outros países, como a França, a África do Sul, a GrãBretanha e a Alemanha. Por exemplo, calcula-se que, na década 1910/1920, uma
média de apenas 5 a 6 por cento das exportações iam para Portugal, enquanto 20 a
22 por cento iam para África do Sul.
Já em relação às importações de Moçambique, o Império Britânico
(nomeadamente Grã-Bretanha e India) era o maior fornecedor de têxteis, sendo
Portugal o principal fornecedor de vinho.
Em relação aos investimentos, havendo poucos excedentes de capitais em
Portugal, os equipamentos essenciais para plantações, portos e caminhos de ferro
etc., tinham que ser feitos ou por companhias estrangeiras, ou através de
empréstimos estrangeiros [6].
O baixo nível de trocas comerciais entre Portugal e Moçambique e a falta de um
sistema de controle efectivo das trocas com outros países, resultou na utilização
da moeda do principal parceiro de Moçambique, nomeadamente, a libra esterlina,
nas trocas internacionais e até internas da colónia. Essa prática alargou-se
consideravelmente com a queda do valor do escudo na década de 20.
Pode-se concluir deste quadro económico que, entre 1885 e 1930, a economia de
Moçambique foi reestruturada para servir os interesses das
Capítulo 1
burguesias europeias. Mas, enquanto noutras colónias essa nova economia
resultou em ligações económicas muito estreitas com as respectivas metrópoles,
no caso de Moçambique, tais relações com a metrópole foram relativamente
fracas. No período seguinte, 1930-1961, veremos que o objectivo central da
política colonial portuguesa será precisamente reforçar e proteger os interesses da
sua burguesia.
3. As mudanças demográficas entre 1885 e 1930.
3.1 População total.
As estimativas indicam um total de 3 milhões de habitantes em 1900 e de
4.200.000 em 1930. Este crescimento relativamente baixo explica-se pela
ocupação militar e pela imposição do imposto de palhota que, conjuntamente,
causaram fugas maciças para as colónias vizinhas. Acrescente-se a emigração de
milhares de moçambicanos para trabalhar na África do Sul, Rodésia do Sul e -São
Tomé e, ainda, epidemias, fomes e o recrutamento militar para as campanhas no
norte do país que, durante a I Guerra Mundial, causaram milhares de mortes [7].
3.2 Distribuição da população e função das cidades. A densidade da população era
muito variável, sendo as províncias de Nampula e Zambézia e algumas zonas do
litoral doutras províncias as mais populosas, com uma densidade que oscilava
entre 10 e 30 habitantes por quilómetro quadrado.
No fim dos anos 20, a esmagadora maioria da população moçambicana vivia nas
zonas rurais. Em 1930, apenas cerca de 100 mil pessoas viviam em centros
urbanos. Este número dividia-se entre Lourenço Marques, com 42.779 habitantes,
Beira, com 23.694, Inhambane, com 10.563, Quelimane, com 9.288 e Ilha de
Moçambique, com 6.898 habitantes.
De um modo geral, foi a nova dinâmica colonial do período imperialista que fez
crescer as cidades, como portos e terminais de caminhos de ferro, e centros de
administração, comércio e indústria.
Desde o início do novo período que as cidades se caracterizavam pela
coexistência de duas áreas distintas: o centro de administração, comércio, etc., e
os subúrbios, que se formaram à medida que as cidades foram
Moçambique, 1885-1930
crescendo. Na primeira, vivia a população branca e um reduzido número de
negros, indianos, chineses e mulatos, que formavam o conjunto dos funcionários,
dos comerciantes e primeiros industriais, dos profissionais independentes e dos
artesãos e operários. Nos subúrbios, viviam os trabalhadores braçais da
construção civil e aterros, das obras públicas, do porto e dos caminhos de ferro.
Esta população constituía o efectivo dos trabalhadores de carácter permanente nas
cidades.
A medida que o sistema de trabalho forçado se ,ia consolidando, trabalhadores
migrantes, recrutados nas zonas rurais, e recebendo salários extremamente baixos,
eram alojados nos compounds dos vários serviços (portos, caminhos de ferro e
óbras públicas, por exemplo).
4. A estrutura social, o racismo e o proto-nacionalismo
A colonização de Moçambique no período imperialista foi dinamizada pela
burguesia europeia, nomeadamente, de Portugal, Inglaterra, França e outros países
industrializados, que deve ser considerada, evidentemente, a classe dominante [8].
O interesse ou motivação desta classe era uma exploração, mais directa do que
anteriormente, dos recursos moçambicanos. Foi o campesinato africano que
forneceu a força de trabalho migratório e os produtos no novo processo de
acumulação do capital nas plantações, transportes, minas e comércio rural. Esse
mesmo campesinato continuou a alimentar a família do trabalhador e ele próprio
após o seu regresso. Foi ainda esse campesinato que forneceu, através dos
impostos, uma grande parte do rendimento do governo, e comprou grandes
quantidades de produtos das indústrias portuguesas.
Podemos considerar a burguesia, que vivia na Europa, e o campesinato
moçambicano, as principais camadas na nova estrutura colonial. A continuação da
resistência activa contra a ocupação colonial, as fugas maciças, e a resistência
contra o trabalho forçado expressam, no seu conjunto, a continuação do conflito
entre essas duas camadas.
No entanto, na evolução da nova economia colonial, emergiram outras camadas,
secundárias, mas muito importantes na vida política e económica do país e nos
conflitos que se desenvolveram nas cidades. Emergiu muito cedo, por exemplo,
uma burguesia comercial local, baseada principalmente em Lourenço Marques,
interessada no cresciCapítulo 1
mento da importação e exportação de produtos de e para o campesinato e no
trânsito de mercadorias de e para os países vizinhos. Os seus interesses estavam,
portanto, bastante ligados aos da burguesia na Europa e na África do Sul.
Mais tarde, desenvolveu-se uma burguesia agrícola local, que integrava os
colonos interessados na expulsão dos camponeses das melhores terras e a sua
transformação em trabalhadores forçados sazonais nas novas plantações e
machambas. Os interesses deste grupo entraram em conflito com os da grande
burguesia e do estado colonial, especialmente no sul do país, onde a burguesia
mineira inglesa insistiu sempre em reservar a maior parte do trabalho africano
para as suas minas sul-africanas [9].
Com o crescimento das cidades e a chegada de colonos à procura de trabalho,
emergiram duas camadas sociais: uma de trabalhadores permanentes, qualificados
e semi-qualificados, e outra da pequena burguesia. Devido ao privilégio
constitucional e legal proporcionado aos brancos pelo regime colonial, essas
camadas logo se dividiram em negros e mestiços, por um lado, e brancos, por
outro. Os brancos e não-brancos das duas camadas supracitadas estavam
igualmente interessados na defesa dos seus lugares contra a ameaça de
desemprego, em tempo de crise económica e, sempre que possível, no
alargamento das suas regalias, em tempo de expansão. Porém, o referido
privilégio constitucional assegurava que os benefícios recaissem sempre para os
brancos, frequentemente em detrimento dos outros.
Para melhor perspectivar os conflitos dessas camadas intermediárias, e a sua
relação com as barreiras raciais que cada vez mais dividiam a sociedade colonial,
é necessário recuar um pouco na análise dos interesses da burguesia e da política
do estado colonial.
4.1 Discriminação racial na estrutura colonial A discriminação racial era parte
inerente da estrutura colonial no período imperialista. Isto estava contido na
definição, expressa na legislação, regulamentos e instituições da colónia, da
população negra como fonte principal da riqueza na nova economia.
No fim do século XIX, os mais activos representantes do novo colonialismo
português em Moçambique, como Caldas Xavier, Antonio Enes e Mouzinho de
Albuquerque, justificaram as mais duras formas de
Moçambique, 1885-1930
extracção do trabalho da população, dizendo que o negro não era e não devia ser
igual ao cidadão português. Propuseram resolver o problema da falta de mão-deobra para empreendimentos capitalistas com o trabalho obrigatório do negro.
Esta filosofia vinha concretizada na primeia legislação sobre a divisão das terras
da época imperialista, que, em 1890, mandava reestruturar os antigos prazos da
Zambézia e estabelecia que os novos arrendatários dos prazos seriam unicamente
Europeus, sendo os 'indígenas' os fornecedores do trabalho obrigatório.
Em 189 ý, foram promulgados os primeiros regulamentos do passe em Lourenço
Marques, numa tentativa de evitar a escolha livre de emprego pelo trabalhador,
impedir a sua fuga e, assim, criar uma força de trabalho estável, com baixos
salários. Estas medidas distinguiam claramente o cidadão do 'indígena', e
obrigavam cada trabalhador 'indígena' na vila a trazer um certificado ou um disco
metálico, a chapa, com o número do seu passe. Se bem que, devido à falta de
estruturas policiais adequadas, tivessem pouco impacto no início, estes foram os
primeiros de uma série de regulamentos sucessivos para controlar, com cada vez
mais rigor, o trabalhador negro. Teoricamente os assimilados estavam isentos do
passe, mas, na prática, foram muitas vezes presos pela polícia colonial e
ameaçados com trabalho correcional [10].
Em paralelo, na administração rural, a diferenciação por raça era também evidente
no estabelecimento das circunscrições do distrito de Lourenço Marques em 1895,
com regulamentos (incluindo os relativos ao trabalho) apenas aplicáveis aos
'indígenas', prática sistematicamente seguida após a Reforma Administrativa de
Moçambique de 1907. Desde o início do século, tais regulamentos foram
progressivamente utilizados para assegurar o fornecimento regular de trabalho
forçado dos distritos rurais para as cidades.
Pode-se ver que as condições de luta dos trabalhadores pela defesa dos seus
interesses eram bastante diferentes segundo a raça, uma vez que a situação
política e legal do trabalhador branco era mais vantajosa. Para além do mais, as
organizações sindicais dos trabalhadores brancos foram sendo gradualmente
autorizadas pelo governo colonial depois de 1902, legitimação que não foi
extensiva aos trabalhadores negros. Em 1926, o regime colonial consolidou a
legislação discriminatória referente às posições política, civil e criminal da
maioria dos moçambicanos,
Capítulo 1
confirmando o que administrativamente veio a ser chamado o 'indigenato', para
referir a situação 'especial' do povo perante a constituição portuguesa.
4.2 A luta dos trabalhadores brancos e o reforço das barreiras raciais Incluídos
como plenos cidadãos na constituição política de Portugal, os trabalhadores
brancos não deixaram de lutar em defesa dos seus lugares, salários, e melhores
regalias. Esta luta significava que os salários e condições dos outros trabalhadores
iam piorando, porque a burguesia, aliciando os colonos com concessões
vantajosas, procurava sistematicamente recuperar os custos ao nível dos outros
escalões, diminuindo salários, utilizando mais trabalho forçado, etc. Desta
maneira, os trabalhadores brancos conseguiram obter sempre os melhores postos
de trabalho.
No entanto, a luta agudizou-se na crise económica que assolou o país durante e
depois da I Guerra Mundial. Com a justificação de que havia cidadãos
desempregados, os trabalhadores brancos, apoiados nas suas organizações,
reclamaram, com certo sucesso, a adopção dessas barreiras raciais no acesso aos
postos de trabalho que exigiam menos habilitações e, consequentemente, o
afastamento dos outros trabalhadores. Assim, na década de 20, por exemplo, o
lugar de guarda-retretes já era considerado um emprego para brancos em alguns
sectores de trabalho.
As desvantagens políticas e legais dos trabalhadores negros não impediram que
lutassem por melhoria de condições; só que as greves e protestos por eles
organizados, encontraram uma repressão policial sistemática e a utilização de
trabalhadores forçados como fura-greves. A luta dos poucos assimilados, através
dos jornais, também encontrou pouco sucesso contra o avanço dos trabalhadores
brancos.
Devemos dar ênfase ao facto de que não se trata aqui de um racismo proveniente
da ideologia pessoal dos trabalhadores brancos: o racismo institucionalizou-se na
sociedade colonial porque a-maioria da população foi definida como objecto
principal da exploração pela burguesia, e porque a nova estrutura colonial só
permitiu a um sector dos trabalhadores, os brancos, que lutasse pela defesa dos
seus interesses, através da criação da sua própria imprensa e organizações
sindicais [11].
Moçambique, 1885-1930
4.3 A pequena burguesia moçambicana, assimilação e educação Podemos
considerar que, no início do período imperialista, a pequena burguesia
moçambicana consistia em famílias e indivíduos de várias origens e posições
sociais. Havia, por exemplo, um reduzido número de comerciantes africanos que
abasteceriam a cidade de Lourenço Marques com mercadorias, como alimentos,
carne, peixe e lenha, de produção camponesa. Por outro lado, havia um pequeno
grupo de famílias mestiças, relativamente ricas, descendentes dos grandes
caçadores e comerciantes brancos que tinham explorado os recursos do sertão de
Lourenço Marques desde cerca de 1820. Estas famílias, ultrapassadas pelo fim do
comércio de marfim, entraram noutros campos económicos mais apropriados às
exigências da nova economia regional, nomeadamente, o recrutamento de
trabalhadores, comércio a retalho, e compra e venda de imóveis [12]. Em terceiro
lugar, havia um pequeno número de mulatos e negros que ocupavam posições
importantes no serviço militar e funcionalismo público [13].
A proeminência social dessa pequena burguesia deve-se ao facto de que, no
período pre-imperialista, as condições sócio-económicas e a atitude do poder
colonizador em relação às famílias mestiças e à assimilação dos negros, eram
diferentes do que viriam a ser no período entre 1885 e 1930. De facto, antes de
1885, isto é, antes da imigração de grande número de colonos brancos para
Moçambique, as famílias mestiças e os assimilados negros tiveram um papel
importante na expansão do comércio, administração e cultura portugueses em
Moçambique.
Por esta razão, antes de í885, a teoria de 'assimilação', segundo a qual os africanos
deveriam s- governados pela mesma lei e condições que se aplicavam a cidadãos
portugueses, teve alguma expressão real para uma reduzida minoria em
Moçambique.
Depois de 1885, este quadro sofreu consideráveis alterações. Uma breve análise
da estrutura do comércio mostra como a emergente estratificação nacional e racial
resultou na exclusão da pequena burguesia moçambicana. A expansão dos
principais portos e cidades e a conquista das zonas rurais resultaram numa onda
de migração de colonos brancos à procura de oportunidades nos vários ramos de
comércio. A pequena burguesia branca de origem portuguesa tentou sempre
utilizar os seus privilégios políticos na luta para assegurar as melhores posições.
Capítulo 1
Deve-se notar, contudo, que a discriminação em beneficio de portugueses contra
os já estabelecidos comerciantes asiáticos, frequentemente reclamada por
pequenos comerciantes brancos, foi difícil. Interessadas na rápida expansão do
comércio rural de vinho (de Portugal) e têxteis (da India e Portugal), as burguesias
inglesa e portuguesa defenderam os indo-britânicos, cujo acesso ao oapital
comercial, rede de contactos no litoral e competência de negócios lhes davam
grandes vantagens na promoção das vendas nas zonas rurais. Por outro lado, o
comércio de trânsito para países vizinhos já era dominado por firmas estrangeiras,
maioritariamente inglesas.
Na concorrência pelo aproveitamento das restantes oportunidades, a nascente
pequena burguesia moçambicana foi colocada na defensiva pela agressividade
política dos aspirantes portugueses e pelas acções das instituições coloniais. Por
exemplo, através de um sistema de licenças oficiais, a Câmara Municipal de
Lourenço Marques impôs controles discriminatórios que, cada vez mais,
impediram aos comerciantes africanos o acesso ao mercado central, em beneficio,
dos brancos, que passaram a controlar, em grande parte, o abastecimento da
cidade. A divisão discriminatória das melhores terras nos arredores foi' também
utilizada para assegurar a acumulação dos estrangeiros. Desta forma, no
comércio, a pequena burguesia moçambicana foi efectivamente bloqueada,
restando-lhe, em geral, a possibilidade de ocupar posições subalternas no
emprego, em firmas não-portuguesas.
Além disso, no crescente aparelho estatal, os postos de emprego foram cada vez
mais reservados, na prática, aos brancos, e mesmo aqueles mulatos e assimilados
que já ocupavam lugares de importância, para além de sofrerem exclusão na vida
social, corriam o risco de serem discriminados através da reforma antecipada,
sendo os seus lugares ocupados por brancos [14].
A nível constitucional também, a pequena burguesia moçambicana encontrou
reveses. Como referimos, o estado colonial, levado por imperativos de
desenvolvimento económico capitalista e, em particular, pela necessidade de criar
uma força de trabalho muito barata e bastante controlada, elaborou uma série de
leis, regulamentos e instituições discriminatórias que visavam a definição e
identificação da população colonizada como 'indígenas'.
No que diz respeito aos assimilados e mulatos, esta legislação foi
Moçambique, 1885-1930
completada em 1917 por uma medida estabelecendo que, teoricamente, estes
também teriam de ser portadores de um documento comprovando o seu direito a
cidadania portuguesa e que não eram 'indígenas'. Embora revogada em 1921, foi
incorporada na consolidação geral da legislação em 1926, e representava para os
mulatos e assimilados a prova final de que o estado colonial pretendeu legalizar e
reforçar a discriminação, na base de raça, entre eles e os brancos. É de notar que
este conjunto de legislação contrariou as ideias de assimilação apregoada do
século passado e que 'assimilação', como termo oficial, tornou-se uma justificação
deológica do colonialismo, através da qual se pretendia esconder as barreiras
raciais (racismo institucionalizado).
A evolução da pequena burguesia moçambicana foi também influenciada pela
forma de educação disponível e, particularmente, pela expansão das igrejas
protestantes. Com efeito, não obstante a discriminação cada vez mais
institucionalizada na estrutura social e a determinação do regime colonial de
limitar as aspirações sócio-políticas do povo moçambicano, o sistema de ensino
não se orientou por um plano rigoroso ou padrão uniforme no período 1885-1930.
Por um lado, desde o início do período imperialista, colonialistas como Antenio
Enes e Mouzinho de Albuquerque, advogaram abertamente um sistema racista de
ensino em que a educação para os negros fosse restringida h formação de
trabalhadores manuais, necessários ao desenvolvimento capitalista da colónia.
Esta forma reduzida de educação era já sinónimo de 'civilização'. Por isso,
Mouzinho escrevia em 1898:
"O que melhor temos a fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver
praticamente as suas aptidões do trabalho manual e aproveitá-lo para
a exploração da província" [15].
De igual modo, o Governador-Geral de 1906 a 1910, Freire de Andrade,
preocupando-se com o problema das dívidas da colónia e com a necessidade de
um desenvolvimento rápido da economia, apesar das escassas fontes de capitais,
concluiu que a única educação a dar ao negro seria aquela que fizesse dele um
trabalhador.
No que diz respeito ao ensino das massas, predominavam para a maior parte deste
período as missões cristãs não-portuguesas (protestantes), que se estabeleceram
após 1880, a partir de sedes nos territórios vizinhos. Desde 1881, os missionários
metodistas da Junta Americana
Capítulo 1
para Missões no Estrangeiro [16] tentaram fundar várias missões na Província de
Inhambane, e abriram uma em Mount Selinda (na então Rodésia do Sul), que
tinha uma dependência em Gogoi na Província de Manica. A partir de 1890, a
Igreja Metodista Episcopal Americana substituiu as missões da Junta em
Inhambane. Em 1882, missionários protestantes anglicanos (da Inglaterra)
começaram a trabalhar na Província do Niassa, onde mais tarde abriram a missão
de Messumba, estabelecendo outras missões no sul, a partir de 1890. A Missão
Suiça (presbiteriana), que, em 1887, fundara a sua primeira estação em Rikatla
(cerca de 20 quilómetros de Maputo) e, em 1891, estabelecera um missionário na
corte real de Gaza, tinha 5 missões nas províncias de Maputo e Gaza por volta de
1930.
Até cerca de 1882, a Igreja Católica só mantinha paróquias que se destinavam aos
europeus, goeses e assimilados. Depois começou também a fundar missões em
meios africanos. Em 1911, havia aproximadamente 15 missões católicas,
localizadas nos centros principais de Moçambique. No mesmo ano, fundou-se em
Portugal o Instituto Nacional de Missões, com o objectivo de travar a expansão
das missões protestantes. Na década de 20, o estado português passou a ajudar
activamente a Igreja Católica. Estabeleceram-se, assim, entre 1911 e 1930, 27
novas missões nas províncias de Maputo, Zambézia, Tete e Nampula. No fim da
década de 20, o número de crianças nas escolas católicas tinha finalmente
ultrapassado o número de inscritos nas escolas protestantes [17].
As divergências que se semearam através da expansão das igrejas missionárias
não se restringiram somente à religião. Atingiram uma das bases fundamentais da
cultura moçambicana, a língua. Enquanto em geral as missões católicas
utilizavam apenas a língua portuguesa, que foi considerada pelos colonizadores
um veículo da legitima dominação cultural, as missões protestantes ensinavam,
muitas vezes, na língua da zona em que operavam.
Para uma rápida expansão do ensino destas missões em línguas africanas teria
contribuído a publicação dos livros em Ronga por Roberto Mashaba, entre 1885 e
1893 [18], e a tradução da Bíblia do inglês para o xitsua, iniciada pelos metodistas
americanos Wilcox e -Richards, auxiliados por Tizora Navess e David Maperre, e
concluída por M.M. Sicobele, entre 1901 e 1908 [19]. É também sabido que, na
mesma altura, as missões suiça e metodista fizeram o mesmo para o Ronga [20].
Moçambique, 1885-I930
As actividades das missões protestantes, aliadas às suas fortes ligações com as
colónias inglesas vizinhas, deram lugar a protestos por parte de colonialistas
portugueses, que as acusaram de influenciar o povo moçambicano no sentido de
uma 'desnacionalização', em relação ao colonialismo e cultura portugueses. Com
efeito, alguns dos moçambicanos protestantes, que optaram, em geral, por postos
de emprego nas firmas privadas não-portuguesas [21], constituíram um novo e
distinto elemento da pequena burguesia nascente na cidade de Lourenço Marques,
no período entre 1885 e 1930.
4.4 Ultimos focos de resistência militar e o início do proto-nacionalismo
Após a resistência e a subsequente derrocada do apotentado estado de Gaza, que
constituía a maior ameaça ao plano de ocupação colonial, no sul de Moçambique,
alguns membros de proeminentes famílias de Gaza refugiaram-se no Transval. A
prisão, seguida da deportação do grande imperador Ngungunhana para os Açores,
teria também suscitado a vontade de voltar a pegar em armas para enfrentar de
novo o usurpador. Muitos eram, porém, os óbices à tamanha proeza, erguendo-se,
em primeiro lugar, a supremacia militar incontestável do inimigo e, em segundo, a
progressiva tomada de consciência dos derrotados de que a oposição à ordem
imposta por Portugal nunca mais podia, no futuro, basear-se exclusivamente nas
instituições tradicionais, seculares e religiosas.
A derrota da rebelião de Barué de 1917 [22], que marcou o fim das sublevações
armadas segundo moldes sócio-políticos tradicionais em Moçambique e África
Austral, e a ocupação do planalto dos Makonde em 1919-1920, confirmaram mais
uma vez essa convicção. [23].
No entanto, a evolução da nova estrutura sócio-económica após 1885 levou a
adopção de novas formas de contestação ao colonialismo. Essa contestação não se
baseava numa ideia desenvolvida de nacionalidade moçambicana nem da
reclamação de independência; não foi unificada nem coerente, e as formas em que
evoluiu foram claramente influenciadas pelo colonialismo. Por outro lado, as
ideias e acções revelavam, às vezes, uma certa independência de pensamento em
relação ao colonialismo, e contribuíram fundamentalmente para a sobrevivência
da cultura moçambicana. Por estas razões, podemos considerar essa contestação
Capítulo 1
como uma contribuição para o proto-nacionalismo, isto é, para os antecedentes do
nacionalismo moçambicano moderno.
A investigação histórica deste assunto até agora feita não nos permite um
tratamento aprofundado. Contudo, podemos constatar que uma das influências
que mais contribuiu para o desenvolvimento de novas formas de contestação foi a
expansão das missões, particularmente as missões protestantes, e a educação que
ofereceram. Para além do problema de 'desnacionalização', a que já referimos, do
ponto de vista do regime colonial, a au.;ência de controle do corpo docente, dos
currículos e dos manuais nas missões protestantes fez com que a formação e
exigências dos seus -beneficiários fossem incompatíveis com a dinâmica
capitalista colonial, assente sobre a exploração de massas pacificadas. Estes
indivíduos formados não aceitaram as normas de tratamento dos trabalhadores
braçais. Segundo o Administrador de Homoíne, na dé&ada de 20:
"Na província de Moçambique, . superabundam em todos os distritos os nativos
'letrados' - os assimilados, os quais não podendo ser todos atendidos nas suas
reclamações pelo direito de serem considerados aptos e nomeados para qualquer
lugar público, já pretendem associar-se em agremiações de classe, e fundar jornais
para atacar os poderes constituídos, não tardando muito que reclamassem o direito
de fazer propaganda política nacionalista, atacando e injuriando a raça europeia, a
semelhança do que tem sucedido,
e está crescendo nas colónias inglesas nossas vizinhas [241.
Estas atitudes de contestação foram evidentes entre o pessoal moçambicano das
igrejas protestantes, cujos catequistas eram considerados, por oficiais coloniais,
"os mais insubordinados, os mais avessos ao trabalho, os menos aproveitáveis de
todos os 'indígenas"' [25].
As igrejas 'separatistas'
De facto, a rejeição da subordinação manifestou-se com mais clareza nas
principais igrejas protestantes, que se separaram das missões religiosas europeias,
o que testemunha a consciência de religiosos moçambicanos da necessidade de
basear o seu desenvolvimento ideológico na cultura tradicional.
A primeira foi a African Gaza Church, fundada em 1907 por Benjamin Mavadhla
e outros moçambicanos residentes no Transval, que
Moçambique, 1885-1930
se separaram da Igreja Wesleyana. A identificação dos seus membros com o
antigo Império de Gaza manifestou-se numa justificação citada por Mavadhla
para a fundação da Igreja, nomeadamente, a referência bíblica à palavra 'Gaza'.
Não foi por acaso que, a esta Igreja, estava associado o nome de Simião Godide
Nqumayo, o herdeiro da linhagem real de Gaza, que vivia em Pissane, Transval,
"rodeado de muitos filhos dos emigrados a seguir a captura de Ngungunhane em
1895" [26]. Segundo a sua própria documentação, a Igreja teve sucursais noutras
partes da África do Sul e foi transplantada para a colónia de Moçambique em
1913 [27].
A informação citada, acrescentada aos conhecimentos relevantes da história da
África do Sul, mostra que as circunstâncias que conduziram à formação da Igreja
foram:
i) a conquista portuguesa de Moçambique e a penetração no sul do país do
capitalismo mineiro e agrícola da África do Sul, que resultou na emigração para
aquele território vizinho não só de trabalhadores moçambicanos como também de
representantes da casa real derrotada.
ii) a necessidade do povo de -uma expressão ideológica da sua identidade cultural
e da sua resistência contra a ocupação colonial,
visto que a oposição militar frontal era impossível.
iii) a incapacidade de algumas missões em Moçambique e na África do Sul de
acomodar as tradições sócio-culturais locais dos seus membros, de ultrapassar o
racismo dentro das suas próprias instituições, ou de separar-se suficientemente da
dominação política
colonial.
Foi em circunstâncias ,emelhantes que Sicobele, a quem já nos referimos, se
desligou da Missão Metodista Americana em Morrumbene, Inhambane, e juntouse a Victor de Sousa, então funcionário da administração em Inhambane, para
fundar, em Janeiro de 1918, a Igreja Episcopal Luso-Africana de Moçambique.
Sicobele, segundo suas palavras, fê-lo por "não querer servir mais os
estrangeiros..." [28], isto é, colonos portugueses e doutras nacionalidades.
De facto, os desígnios divergentes dos dois fundadores não tardaram a
desenvolver-se nos anos seguintes. Sousa participou na fundação da
Capítulo 1
Igreja "para combater, como diz, a 'desnacionalização' dos indígenas que
emigravam, e bem assim a influência das -missões evangélicas' estrangeiras que
contribuíam para essa 'desnacionalização"' [29]. Esta posição é bem patente no
relatório da sua II conferência anual que se realizou em Novembro de 1924, no
qual, inter alia, se afirmava:
"Os nativos súbditos de Portugal, vendo que os estrangeiros enviam seus
mi§sionários propagandistas em grande número a esta colónia, resolveram fundar
uma associação religiosa cristã Episcopal Egreja LusoAfricana [sici de
Moçambique, genuinamente portuguesa, para defender a soberania e a
Pátria" [301.
Sousa fundara a Igreja com o intuito de combater a 'desnacionalização' em relação
a Portugal. Sicobele, no entanto, recusando a língua portuguesa, e escrevendo em
xitsua e inglês, elaborou a história dos Tsua sublinhando a sua antiguidade e a
igualdade com a dos outros povos [31]. Analisando pormenorizadamente o texto
de história de Sicobele, suscitam-se-nos duas ideias fundamentais. A primeira é
que o autor recusa a inferioridade imposta e apregoada pelos colonizadores e
reivindica a igualdade. Trata-se de um caso raro no proto-nacionalismo
moçambicano, pois, enquanto muitos escritores e poetas exprimiram a sua revolta
na língua do colonizador, desprezando as línguas nacionais [32], Sicobele fê-lo na
sua língua materna e, no desejo de que a sua obra pudesse transpor as fronteiras,
escreveu-a também em inglês.
A segunda, a mais importante, que constitui o objectivo final da sua contestação
cultural e que confirma a sua posição patriótica, é dada pelo slogan A África é dos
Africanos, que encontrou o seu eco em Lourenço Marques, em 1919, um pouco
depois da fundação da nova igreja. Este reforça ainda a sua decisão de não querer
servir mais os estrangeiros. Por esta razão, um investigador colonial concluiu,
mais tãÈde, que o texto "é um 'maná' para a propaganda nacionalista" [33]. A
discórdia e a disparidade de desígnios entre Sousa e Sicobele teria sido a causa
principal da cisão em 1925, após a qual Sousa fundou a Igreja Nacional Etiópica
Moçambicana [34].
O movimento associativo e literário Neste período, na história do movimento
associativo e literário de Lourenço Marques manifestou-se uma contestação do
colonialismo em
Moçambique, 1885-1930
várias questões [35]. Em geral, a sua posição foi reformista, no sentido de que
advoga melhoramentos dentro do sistema colonial. Desde o início da sua
actividade, protestou, por exemplo, contra a insuficiência da educação
proporcionada aos não-brancos pelo estado colonial. A elite moçambicana, cada
vez mais discriminada na colocação de empregados no aparelho colonial e nas
empresas, quis melhorar a qualidade e nível de ensino para concorrer melhor com
os imigrantes europeus e asiáticos. Mais tarde, reclamou contra a intensificação
das barreiras raciais no sistema educacional em si, particularmente, contra o
estabelecimento de um colégio europeu pela Igreja Católica [36].. Reivindicou a
cessação total da imigração de estrangeiros, quer europeus, quer asiáticos, que
ocupavam postos de emprego em detrimento dos moçambicanos. Em relação à
vida económica do país, reclamou contra os abusos do trabalho forçado, e
reivindicou uma maior valorização económica dos camponeses como produtores
137].
Ao nível político, o Grémio Africano e o seu jornal, O Brado Africano, deram
ênfase aos direitos civis que a Constituição portuguesa republicana garantiu,
teoricamente, sem discriminação de raça, a todos os indivíduos que tivessem
adoptado os usos e costumes da gente 'civilizada'. O lema do Grémio Africano era
"Somos portugueses". A sua explicação para o facto evidente de que o estado
colonial em Moçambique negava, cada vez mais, os referidos direitos aos nãobrancos residia na influência retrógada do racismo sul-africano entre os colonos
portugueses, devido à ausência de um controle efectivo a partir de Lisboa [38].
Mostrou-se, assim, o carácter do pensamento desta fracção da pequena burguesia
na altura: não sendo desenvolvida a análise da relação entre capitalismo,
colonialismo e racismo na África do Sul e em Moçambique, não se percebeu que,
após a conquista, o estabelecimento de uma rígida hierarquia racial contribuiu,
fundamentalmente, para manter o sistema de exploração económica nestes
territórios, de que a burguesia na Europa foi o beneficiário principal.
Com efeito, perante a debilidade económica de Portugal, em comparação com a
Grã-Bretanha, como colonizador na África Austral, e enganados sobre as
verdadeiras bases do racismo, os principais colaboradores de O Brado Africano
advogaram um reforço da influência sócioeconómica de Portugal, como o único
meio de enfrentar o racismo sulafricano.
Capitulo 1
Esta linha de argumentação manifestou-se e, com uma certa justificação na época,
nas questões da independência e da possível redivisão do território moçambicano.
Deve-se notar que, em 1910, a Grã-Bretanha concedeu independência à África do
Sul sob uma constituição essencialmente racista. Quando, na década seguinte,
alguns brancos reclamaram independência para Moçambique, O Brado Africano,
receando, sem dúvida, a consolidação do racismo branco nos moldes sul
africanos, argumentou com força contra tal reclamação. De igual modo, os
colaboradores de O Brado Africano receavam uma nova divisão das colónias
portuguesas em benefício da África do Sul, frequentemente proposta no período
da I Guerra Mundial, e que ressurgiu, nas décadas seguintes [39].
Desta forma, embora criticando aspectos do colonialismo, as vezes com acuidade,
a liderança do Grémio e os principais colaboradores de O Brado Africano
defenderam a integridade do colonialismo português. Colaboraram com algumas
das suas iniciativas, como, por exemplo, a nomeação, em 1928, sob a sua própria
proposta, de um dos membros fundadores do Grémio como propagandista
agrícola, pago pelo estado colonial, cuja tarefa era a de promover a integração do
campesinato nos planos coloniais de produção agrícola [40].
Para além disso, se bem que O Brado Africano fosse publicado com algumas
páginas em Ronga, a direcção frequentemente criticou as circunstâncias que
levaram a essa necessidade, nomeadamente, o uso das línguas moçambicanas nas
missões protestantes. Por razões semelhantes, chegou mesmo a advogar a
expulsão de missionários católicos não-portugueses. Neste respeito, o seu
pensamento era pouco diferente do dos principais ideólogos coloniais [41].
Por outro lado, é provável que os exageros do Grémio na defesa da cultura do
colonizador, aliados à posição relativamente privilegiada dos membros das velhas
famílias mulatas, que compunham a maior parte da direcção e dos colaboradores
(que escreveram em português) do jornal, levaram à aparência de acomodação
excessiva a uma hierarquia social colonial desvantajosa aos negros.
As divergências sócio-culturais implícitas nesta situação teriam conduzido à cisão
temporária do movimento associativo em Lourenço Marques, nos inícios da
década de 20, com a tentativa de formação de um 'Congresso Nacional Africano',
por elementos ligados às igrejas
Moçambique, 1885-1930
protestantes e outros decepcionados com o Grémio Africano. Parece que a
tentativa foi frustrada logo no início -por causas ainda desconhecidas [42].
5. Os conflitos do período 1915-1930
Passamos a rever, com certo detalhe, os conflitos no período 1915-1930,
importantes porque mostram algumas consequências do colonialismo português
em Moçambique, nomeadamente, a sua participação obrigatd'ria na I Guerra
Mundial, os efeitos dessa Guerra para a sociedade moçambicana e, finalmente, o
conflito político sobre o futuro carácter da exploração colonial.
5.1 A I Guerra Mundial e a crise económica e social da década de 20 Em Maio de
1915, Portugal aliou-se à Grã-Bretanha, França e Rússia na Grande Guerra contra
a Alemanha. Esta guerra exigiu a utilização de recursos materiais e humanos não
só dos países beligerantes, como também das respectivas colónias. A Portugal foi
atribuído o papel fundamental de ajudar a Grã-Bretanha na defesa das colónias
britânicas de África [43].
Estima-se, provisoriamente, em 100 mil o número de moçambicanos recrutados
obrigatoriamente, não só no centro do país (Barué), como também, e sobretudo,
nas províncias do norte e em Inhambane. Estes recrutados destinavam-se a
engrossar o exército português, que operava no norte de Moçambique contra as
forças alemãs vindas do então Tanganhica. Como o exército português não tinha
transporte motorizado, a vasta massa do contingente moçambicano servia para
carregar material e munições. Devido às pessimas condições de alimentação e
saúde, a taxa de mortalidade era muito alta, calculando-se que a maioria dos
recrutados terá morrido em serviço ou durante o regresso à casa, o que
representou uma perda sócio-económica considerável nas zonas rurais [44].
Logo ap6s o início da guerra, começaram a agudizar-se os defeitos do frágil
sistema económico português em Moçambique, com maior incidência no sector
financeiro. Isto traduziu-se na desvalorização contínua da moeda (Escudo), à
razão de 100 por cento entre 1914 e 1919, 200 por cento em 1920 e 600 por cento
entre 1921 e 1924 [45].
Capítulo 1
Na prática, isto resultou em aumentos sucessivos do custo de vida, e na queda dos
salários reais dos trabalhadores, quer rurais quer urbanos. Aumentou também
sucessivamente o mussoco, e o imposto de palhota que, nalgumas áreas, passou a
ser exigido em libras, tanto ao trabalhador migrante como aos outros
trabalhadores locais. Diminuiu cada vez mais a qualidade dos tecidos importados,
artigo fundamental no comércio rural.
Estes factores conduziram, por um lado, à migração para fora do país, onde a
atracção da libra esterlina e tecidos de melhor qualidade era cada vez mais
evidente e, por outro, à deserção do trabalho pouco remunerado. Assim,
agudizaram-se todos os problemas relacionados com o recrutamento de mão-deobra tanto pelo estado colonial, como por empresas capitalistas. Perante esta
situação, a administração colonial intensificou rusgas para o aprisionamento de
pessoas, que depois eram enviadas para o trabalho forçado nas companhias e
obras públicas.
. Por exemplo, nas províncias de Cabo Delgado e Niassa, o campesinato que já
tinha sido sujeito à pilhagem em produtos, dinheiro e mão-de-obra pela
Companhia do Niassa, agora tinha que enfrentar uma nova onda de exploração
levada a cabo pelos empregados dessa Companhia. Estes, recebendo cada vez
piores salários em termos reais, recorriam à agricultura, recrutando trabalhadores
à força, levando a que muitos camponeses organizassem e promovessem fugas
maciças. Calcula-se em dezenas de milhar o número de camponeses que fugiram
para o Tanganhica e a Niassalândia neste período [46].
Nas cidades de Lourenço Marques e Beira, os trabalhadores brancos, que
usufruíam de privilégios coloniais, desenvolviam as suas acções separadamente
dos trabalhadores negros, que em geral não gozavam dos mesmos direitos e, por
conseguinte, moviam uma luta paralela, embora ilegal. Desta forma, registou-se
uma série de greves em que os trabalhadores se manifestaram activamente contra
os efeitos económicos da crise. Das greves levadas a cabo em Lourenço Marques,
destacaram-se as dos ferroviários (brancos) em 1917 e 1920, as dos estivadores
(negros: 4 greves entre 1919 e 1921) e as do pessoal da empresa dos tranportes
urbanos (brancos) em 1916, 1920 e 1923 [47].
O estado colonial utilizou a estratégia de reprimir e dividir os trabalhadores, quer
negros, quer brancos, deportando os activistas brancos em 1920, e neutralizando
rapidamente as greves dos negros.
Moçambique, 1885-1930
Mas, às vezes, aliciou o reduzido número de assimilados assalariados, garantindolhes algumas das regalias dos brancos.
Não obstante, a diferenciação de estatuto e tratamento dos brancos manifestou-se
bem evidente entre 1918 e 1920, ao ser concedido o pagamento em divisas da
maior parte do salário à maioria dos funcionários e trabalhadores brancos [48].
Nos anos seguintes, a crise manteve-se e veio a tomar proporções graves. O ano
de 1925 iniciou-se num autêntico clima de agitação. Foi-se desenvolvendo com
certa intensidade uma campanha a favor dos trabalhadores negros em Lourenço
Marques, através de O Brado Africano. Este apelava aos negros para se unirem e
lutarem por um objectivo comum.
Entretanto, os atropelos à lei eram prática corrente. Em Fevereiro de 1925, mais
de uma centena de trabalhadores negros recusou continuar a prestar serviço à
empresa Delagoa Bay Agency de Lourenço Marques, alegando maus tratos e
exigindo que os deixassem regressar às terras de origem. Pelo facto foram
imediatemente presos pela polícia colonial por ordem da Secretaria dos Negócios
Indígenas.
Em Junho, 300 trabalhadores negros dos Caminhos de Ferro de Lourenço
Marques reuniram-se junto à Casa dos Trabalhadores, manifestando-se contra o
não pagamento de um aumento salarial estabelecido pelo governo no ano anterior.
Entretanto, em todos os sectores de actividade continuavam a verificar-se as mais
flagrantes injustiças, desde violações às revisões salariais até ao despedimento
injustificado de trabalhadores.
Foi certamente animada pelo clima de descontentamento e agitação que pairava
sobre a cidade de Lourenço Marques que se deu em 13 de Agosto de 1925 a greve
dos trabalhadores da Delagoa Bay Development Corporation Limited, empresa
concessionária de diversos serviços urbanos (água, energia eléctrica e transportes
públicos). Os grevistas lutavam pela actualização de vencimentos.
Em Setembro de 1925, começou a greve dos estivadores negros do porto da
capital, reivindicando aumentos salariais e melhores condições sociais, seguindose a greve dos trabalhadores ferroviários e portuários brancos, em defesa dos seus
interesses e privilégios, o que veio a transformar-se em greve geral. Iniciada em
11 de Novembro, a greve só viria a terminar em Março de 1926, tendo obrigado o
governo a declarar o estado de sftio na cidade. Finalmente, o governo colonial
neutralizou a
Capítulo 1
greve; foram presos e deportados para vários pontos de Moçambique os principais
dirigentes grevistas.
Em Agosto de 1925 estalou uma greve geral na Beira. Tratou-se da paralisação
geral e concertada de trabalhadores, funcionários e pequenos empresários
brancos, em protesto contra uma série de medidas decretadas pela administração
da Companhia Majestática. Assim, em 7 de Agosto, entraram em greve os
comerciantes, protestando contra o controle de divisas por parte da Companhia,
seguindo-se-lhes, por idêntico motivo, os pequenos agricultores colonos. Os
funcionários da Companhia entraram em greve em 2 de Setembro, exigindo uma
compensação salarial que cobrisse a depreciação da moeda e a alta do custo de
vida, entre outras reivindicações. A situação só voltaria à normalidade a 10 de
Setembro, tendo os grevistas conseguido uma vitória quase total, embora
temporária [49].
5.2 0 conflito sobre as bases da política colonial em Moçambique Na década de
20, para além dos conflitos entre a burguesia, por um lado, e o campesinato e os
trabalhadores, por outro, desenvolveu-se também um conflito político cada vez
mais aberto entre a burguesia metropolitana e uma parte da burguesia radicada em
Moçambique, nomeadamente os machambeiros colonos. A diferença não residia,
obviamente, na questão da exploração de mão-de-obra moçambicana, mas sim na
maneira específica de o fazer.
Os machambeiros colonos viam com bons -olhos a política económica da África
do Sul e da Rodésia do Sul para com a capitalização da agricultura colona. Tendo
conhecimento dos apoios financeiros e em infraestruturas (divisão sistemática das
terras, comunicações, investigação, ajuda de especialistas, etc.) oferecidos pelo
estado naqueles países vizinhos, exigiam do estado colonial português benefícios
semelhantes. Pensavam, assim, enriquecer através de uma maior utilização da
mão-de-obra moçambicana em plantações, propriedades agrícolas, criação le gado
e outros empreendimentos, especialmente no sul do país.
Este projecto contrariava o já estabelecido interesse da burguesia portuguesa e
inglesa em fazer uma acumulação, mais rápida e mais fácil, através da exportação
de mão-de-obra, evitando, assim, grandes investimentos fora das zonas mais
acessíveis do litoral do país.
No entanto. P voz dos machambeiros colonos era também a voz de
Moçambique, 1885-1930
alguns nacionalistas portugueses, que depois da onerosa participação de Portugal
ao lado da Grã-Bretanha na I Guerra Mundial, queriam aproveitar-se dessa aliança
para procurar capitais ingleses que melhor financiassem uma colonização
verdadeiramente portuguesa em Moçambique, em lugar do sistema tão
generalizado de trabalho migrat6rio em beneficio de outros. Queriam ainda
enfrentar as pretensões sul-africanas de ingerência activa no sul do país,
justificada pela alegada incapacidade dos portugueses de promover o
desenvolvimento de Moçambique [50].
Com efeito, a experiência da década de 20 na cultura de algodão, a matéria-prima
mais procurada pela indústria portuguesa, mostrava as desvantagens e os altos
custos dos ambiciosos empreendimentos agrícolas projectados pelos
machambeiros colonos. Encorajados pelas altas cotações mundiais e pelas
experiências iniciais nas províncias de Maputo e Inhambane na campanha de
1920-1921, alguns colonos e pequenos empresários adquiriram concessões de
terras para a cultura de algodão. Por volta de 192415, cerca de 200 colonos
cultivavam algodão em cerca de 13.000 hectares nessas zonas. Tres fábricas de
descaroçamento foram construídas no mesmo período, na expectativa de bons
resultados. Porém, uma combinação de cheias, de uma praga de insectos e da seca
de 1925/6 fizeram ruir as esperanças dos colonos, que recorreram ao governo para
assistência do estado.
O governo colonial convidou um especialista em algodão norte-americano,
para estudar o potencial da Colónia neste ramo de produção. Concluiu, no seu
relatório, que era impossível justificar a continuação da cultura de algodão em
regime de plantações colonas, porque:
i) em comparação com os outros produtores, como os E.U.A. e o Egipto, por
exemplo, não existiam nem o apoio estatal na comercialização, nem o
conhecimento científico dos solos e da selecção das
plantas, essenciais à cultura intensiva de algodão;
ii) a pluviosidade no sul do país era pouco segura. Esses factores explicaram a
reduzida produtividade e rentabilidade dessa cultura em
regime de plantações.
Por outro lado, como reconheceu o relatório, a produção de algodão por
camponeses africanos nos seus próprios terrenos sob a supervisão global europeia
já tinha sido bem sucedida no ano 1925/6 no norte do
Capítulo 1
país, particularmente na província de Nampula. Exigindo poucos investimentos de
capitais ou pagamento de salários, a produção camponesa de algodão seria mais
realista; a reduzida produtividade por hectare seria contrabalançada pelo grande
número de produtores.
Esta experiência levou a burguesia portuguesa a decidir pela segunda modalidade.
Isto é, em vez de apoiar os machambeiros colonos com grandes investimentos e
empréstimos, adoptou a política de fomentar a cultura do algodão através de uma
exploração mais directa do camponês, deixando à comunidade rural os riscos de
tal produção (mau tempo, falta de apoio técnico, ausência de conhecimentos, etc.).
5.3 0 golpe militar de 1926 em Portugal e a sua repercussão em Moçambique
Em 26 de Maio de 1926, deu-se um golpe de estado militar em Portugal, apoiado
de imediato por vastos sectores da burguesia portuguesa. Esta, agindo sobre os
chefes militares agora no poder, pretendia que lhe fosse aberto todo um campo de
manobra para as suas ambições de acumulação mais rápida. Em Moçambique, um
dos resultados do golpe foi o reforço das posições dos representantes da burguesia
portuguesa, quer no estado colonial, quer nas grandes companhias, mesmo contra
os trabalhadores e machambeiros brancos.
Assim, em meados de 1926, a Companhia de Moçambique começou a retirar
algumas das concessões feitas aos trabalhadores brancos no ano anterior. Esta
actuação provocou mais uma greve que, iniciada em 20 de Setembro, paralisou os
mais importantes sectores de actividades na Beira, transformando-se em autêntica
greve geral. Com ela se solidarizaram muitos dos trabalhadores negros do porto
da Beira. Desta vez, a resposta da Companhia e do governo foi mais firme.
Proclamou-se o estado de sítio em todo o território de Manica e Sofala por ordem
do Governador Geral da colónia, e as principais circunscrições foram entregues a
autoridade militar. Entretanto, a Companhia começou a demitir trabalhadores.
Face à acção determinada do governo e da Companhia de Moçambique, a greve
fracassou em meados de Outubro.
Ap6s as greves e protestos, o estado e a burguesia portuguega estavam mais
conscientes da força que começava a representar a classe trabalhadora. O estado
colonial, utilizando todos os recursos disponíveis do seu aparelho repressivo,
conseguiu quebrar a onda de conflitos
Moçambique. 1885-1930
abertos. Com a repressão da greve geral da Beira em 1926, tornou-se claro para os
trabalhadores em geral o que seria o futuro polftico sob as rédeas da ditadura
militar implantada em Portugal. Por outro lado, reforçou-se a política de
protecção aos trabalhadores brancos a nível de postos de trabalho e salários,
contra uma possível infiltração dos negros e assimilados. Além disso, o estado
português comprometeu-se, através da sua própria política económica, a
desenvolver a estabilidade cambial e orçamental, favorável às reclamações dos
empresários e, também, dos trabalhadores brancos.
A partir de Outubro de 1926, foram promulgadas leis que revelaram a intenção do
novo regime de estreitar as relações entre as colónias e a Metrópole, corrigindo a
fraqueza das relações económicas existentes até então. Para o efeito, propôs-se a
imposição de um controle mais directo e rigoroso sobre os recursos das colónias.
Isto seria feito através de várias medidas, entre as quais podemos destacar a
unificação territorial, que significou a abolição do sistema de Companhias
Majestáticas e de arrendamento dos prazos. De facto, o contrato da Companhia do
Niassa não foi renovado quando atingiu o seu termo em 1929, passando este
território, bem como as zonas dos prazos, para a administração directa do estado
colonial no ano seguinte.
Procurando meios para assegurar a pequena indústria têxtil portuguesa com um
fornecimento regular da matéria-prima a preços baixos, e em conformidade com o
princípio de estabelecer controlo directo a nível da produção, o novo governo
português actuou com rapidez em relação à cultura do algodão. Baseando-se na
experiência da cultura de algodão em Moçambique até 1925, promulgou a lei de
Novembro de 1926, que estabeleceu as normas do futuro sistema de produção
camponesa de algodão. Segundo esta lei, que viria a vigorar até 1961, o governo
faria concessões de grandes zonas a companhias que se comprometeriam a erguer
uma fábrica de descaroçamento e um armazém em cada zona, bem como a
fornecer sementes à população camponesa. Esta devia encarregar-se de todas as
fases da cultura, sendo, depois da colheita, obrigada a vender a produção às
mesmas companhias a um preço determinado pelo governo. Assim, verificava-se
um lucro duplo: o da companhia concessionária, através da comercialização e
transformação parcial (descaroçamento) do produto camponês, em Moçambique,
e o da indústria têxtil, em Portugal.
Capítulo 1
Embora o sistema então proposto só viesse a atingir o seu apogeu mais de doze
anos mais tarde, significou um golpe decisivo nos projectos de fixação de grande
número de machambeiros colonos. Além disso, o novo sistema indicava já que o
desenvolvimento agrícola de Moçambique, no futuro, seria rigorosamente
controlado a partir de Lisboa, e baseado numa exploração directa do campesinato.
Outras acções do novo governo militar contribuíram para reforçar as posições da
burguesia portuguesa e inglesa em Moçambique. Por exemplo, pouco depois do
golpe, Portugal concedeu um grande empréstimo financeiro a Moçambique para
cobrir dívidas externas. De facto, isto fãcilitou crescentes importações de vinho
português, que aumentaram de 3.082.315 litros em 1926 para 6.758.601 litros em
1930.
Como corolário, abandonou-se o projecto de encontrar capitais ingleses para o
desenvolvimento do sul de Moçambique e assinou-se, em 1928, uma nova
convenção com a África do Sul. Nela ficou acordado o repatriamento cumpulsivo
dos migrantes, depois de um contrato de 18 meses, e um sistema de pagamento
diferido, pelo qual cerca de metade do salário do trabalhador era pago pelas minas
ao governo de Moçambique em divisas, sendo o trabalhador reembolsado em
escudos, no seu regresso.
Este acordo deu grandes vantagens à burguesia portuguesa. Por um lado, fez
diminuir a tendência dos mineiros ficarem permanentemente na África do Sul,
tendo então que regressar para receber o seu salário completo. Por outro, duplicou
o rendimento da Colónia, em divisas, do trabalho mineiro. Isto significou um
aumento do poder de compra da Colónia, quer dos regressados nas lojas rurais,
quer do governo no mercado mundial [51].
Em conformidade com a estratégia do Estado Novo para encontrar meios para
uma exploração mais eficiente da força de trabalho moçambicana, a política
laboral colonial foi outro objecto da atenção do governo português, que procedeu
a uma consolidação da legislação laboral.
Além disso, o aparente contraste nas condições de recrutamento e trabalho entre
Moçambique (e Angola) e os outros territórios da região levou a forf-s críticas
internacionais à incapacidade do governo português de melhorar as condições de
trabalho nas suas colónias. Por exemplo, o relatório feito pelo. sociólogo
americano, E.A. Ross, apresentado à Comissão Temporária da Liga das Nações
em 1925, levou ao público
Moçambique, 1885-1930
europeu exemplos concretos das péssimas condições de trabalho nas colónias
portuguesas. O governo português procurou melhorar a sua imagem junto das
outras potências colonizadoras, apresentando-se simultaneamente como um país
capaz de impor, a partir da metr6pole, um nível de eficiência na sua administração
colonial igual ao dos seus aliados, nomeadamente, em matéria de política
'indígena' e laboral.
Por estas razões, em 1928, foi promulgado o novo Código de Trabalho dos
Indígenas nas Colónias Poruguesas, completado para Moçambique por um
conjunto de regulamentos em 1930. Esta legislação proibiu, teoricamente, o uso
de trabalho forçado nas plantações e machambas privadas, cujos proprietários
teriam que observar novas regras sobre as condições de trabalho (acampamentos e
comida adequados, protecção da saúde, etc.). No entanto, a mesma legislação,
baseada nos princípios da discriminação racial entre 'indígena' e "não-indígena',
justificou o trabalho forçado para o primeiro, pelo menos para serviços públicos e
de interesse nacional e, no caso de fuga ao imposto, para as plantações e
machambas privadas. Para além disso, como veremos nos próximos capítulos, os
proprietários podiam aproveitar-se facilmente das omissões nos regulamentos
para diluir aspectos aparentemente positivos da legislação. Na prática, as
condições de recrutamento e trabalho continuaram a depender principalmente das
relações, frequentemente corruptas, entre os administradores distritais e as várias
empresas privadas.
NOTAS:
1. Ver HM II, pp. 114-118, 127-128, 141, 150-151, 177-184, 221-235.
2. Fstaifstica de comércio e de navegação, 1930, Lourenço Marques: Imprensa
Nacional, 1931.
3. Ver caps. 4-5 para a tendência uniformizadora da cultura forçada de algodão.
4. Calcula-se, provisoriamente, que cerca de 40 a 50% do valor final do
produto camponês ficava com este.
5. Para a parcial reestruturação da formação social 'tradicional, e a forma da
proletarização subsequente, em beneficio da economia colonial, ver, inter alia,
HM II, pp. 169-171; M. Wuyts, 'Peasants and rural economy in Mozambique',
Maputo: UEM/CEA, 1978 [Discussion paperi; UEM/CEA, O mineiro
Capítulo 1
moçambicano, Maputo: mimeo, 1979 [reedição]: 20-22, 100-135.
6. HM II, pp. 67-68, 77-82.
7. Informação fornecida por Dr. G. Liesegang.
8. HM II, caps. II e III.
9. HM II, pp. 246-247; ver, também, ponto 5.2 em diante. 10. HM II, pp. 224-225.
11. HM II, pp. 273-275.
12. J. Penvenne, '"We are ali Portuguese": Challenging the political economy of
assimilation: Lourenço Marques, 1870-1933', in Leroy Vail, [coord.], 7he creation
of:ribalism in southern Africa, Londres: James Currey, 1989, p. 261; J. Penvenne,
'A history of African labor in Lourenço Marques, 1877-1950', Tese
de Ph. D., Universidade de Boston, 1982, caps. 1-3.
13. BA, 13.10.1928: este jornal refere, inter alia, a um '...chefe de Serviços de
Saúde por muitos anos um preto o falecido coronel médico Dr. Pedro Sérgio
Viana de Andrade; um encarregado das observações metereológicas outro preto
de Moçambique, Domingos José Ferreira, ... hoje é coronel de cavalaria
reformada ...; um moçambicano não-branco João Fornasini que foi Governador
dos distritos de Sofala e de Lourenço Marques; agentes do Ministério Público
preto e mestiço, bachareis em direito; contador geral, sub-chefe e Inspector da
Fazenda, um moçambicano não-branco Alberto Pereira; muitos outros
moçambicanos em lugares de destaque na administração civil, militar e da
justiça...'. 14. Para este processo, ver, inter alia, J. Penvenne, 'The unmaking of an
African
petite bourgeoisie: Lourenço Marques, Mozambique', Universidade de Boston,
African Studies Center, [Working Papers no. 571, pp. 3-5; Penvenne,
'Challenging...', pp. 16-20; BA, 14.1.1928, 21.1.1928; G. Pirio, 'Commerce,
industry and empire: the making of modem colonialism in Angola and
Mozambique, 1890-1914', Tese de Ph.D., Universidade de California, Los
Angeles, 1982, p.
174f.
15. Moçambique, 1896-1898, Lisboa: Manoel Gomes, 1899, p. 101. 16. American
Board for Foreign Missions. 17. E. Moreira, Portuguese East Africa, London:
World Dominion Press, 1936, pp.
17-19, 22-27, 40-48; a lista das missões não é exaustiva: ver idem., para outras
missões protestantes.
18. Robert Mashaba nasceu, em KaTembe, cerca de 1855. Tendo emigrado para
Durban e, depois, para a Cidade do Cabo, figurou entre os muitos moçambicanos
que trabalharam nas minas de diamantes de Kimberley. Graças às suas
economias, conseguiu, em 1882, ingressar na reconhecida escola protestante de
Lovedale (a leste da então colónia britânica do Cabo). Regressou para
Moçambique em Fevereiro de 1885, onde aprendeu a língua portuguesa numa
missão católica em Lourenço Marques. Pelo seu próprio trabalho (por exemplo,
através de salários vencidos no caminho de ferro de Lourenço Marques-Ressano
Garcia, então em construção), fundou escolas em Komatipoort, KaTembe e
Lourenço
Moçambique, 1885-1930
Marques (em 1889). A partir de 1893, foi apoiado pela Sociedade Missionária
Metodista Wesleyana. Foi, em 1894-1895, denunciado como colaborador dos
chefes da resistência ronga contra o Governo de Lourenço Marques [a chamada
revolta de Nwamantibyane], e deportado para a Ilha de Fogo (Cabo Verde). Solto
em 1902, foi, porém, proibido de regressar a sua terra natal, e passou o resto dos
anos da sua vida activa como pastor wesleyano no Transval. Morreu em 1939; ver
Jan Van Butselaar, Africains, missionaires et colonialistes. Les origines de l
'Église presbyterienne du Mozambique (Mission Suisse) 1880-1896, Leiden: E.J.
BrilI, 1984, pp. 167-175; BA, 8.9.1934, J.J. Mansidão, 'Homenagem:
Jubileu ao Roberto Mashaba'; Moreira, op. cit., pp. 23-24.
19. A. G. Helgesson, 'The Tshwa response to Christianity: a study of the religious
and cultural impact of protestant Christianity on the Tshwa of southern
Mozambique', Tese de M.A., Universidade de Witwatersrand, 1971, p. 64.
M.M. Sicobele fez a tradução enquanto professor na Escola Metodista Americana
de Maxixe. Nascido em 1877, em Mocumbi, na então circunscrição de
Morrumbene, Sicobele era um celebre da Missão Metodista Americana na então
colónia de Moçambique. Sob os auspícios desta missão, Sicobele aprendeu
primeiramente o idioma local, denominado xitsua e, depois, o inglês. Em 1894
seguiu para a área de Durban, tendo ingressado no colégio de Amanzimtoti,
onde, após 6 anos, concluiu o seu curso. 20. Moreira, op. cit.,p. 24.
21. Penvenne, 'Unmaking...', p. 812.
22. Ver HM II, pp. 177-184.
23. Ver HM II, pp. 118.
24. J. Nunes, 'Apontamento para o estudo da questão de mão-de-obra do Distrito
de
Inhambane', Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Ser. 46, 1928, p.
139. Ver no próximo capítulo as medidas coloniais para rectificar essa situação.
25. Ver Actas do Conselho do Governo, 28.10.1914, p. 871. 26. SR II, p. 110.
27. SR II, pp. 87, 106, 110, 116.
28. SR II, p. 2.
29. SR 1, p. 79.
30. Ibid., p. 83.
31. Sicobele inspirou-se na Bíblia, na história da progenitura humana contida no
livro
de Genesis, segundo a qual Eva, esposa de Adão, teria concebido de uma só vez
seis filhos entre os quais dois brancos, dois negros e dois vermelhos, que mais
tarde se procriaram; SR II, p. 5.
32. Ver HM II, p. 282.
33. SR I, p. 86; 1I, p. 3-25.
34. Esta foi a primeira de uma sucessão de cisões e fusões. 35. Ver HM II, pp.
279-299
36. Ver, por exemplo, O Africano, 25.12.1908 [Número único]; BA, 23.7.1927
Capítulo 1
28.7.1928; 13.10.1928.
37. AHM, FGG, Cx. 108, Albasini ao Alto Comissário, 16.12.1921; BA,
22.5.1927;
24.3.1928; 24.11.1928.
38. O Africano, 25.12.1908; 7.4.1909; 14.1.1914; BA, 17.5.1924. 39. BA,
1.2.1919; 5.4.1919; 12.4.1919; 24.5.1919. 40. BA, 24.12.1948.
41. Ver, por exemplo, BA, 25.12.1908; 8.3.1919; 5.1.1927; 24.3.1928. 42. R. B.
Manuel Honwana, Memórias. Histórias ouvidas e vividas .e da terra,
Maputo, mimeografado, 1985, p.63.
43. Ver HM 1i, pp. 125-127; a Grande Guerra veio a ser conhecida como a 1
Guerra
Mundial a partir de 1918. Os Estados Unidos entraram na Guerra contra
Alemanha em Abril de 1917; a Rússia deixou de participar nos finais do mesmo
ano.
44. Informação fornecida por Dr. G. Liesegang. 45. HM II, pp. 268-269. A causa
imediata da crise monetária residia nas tentativas
do governo português de basear o" valor da moeda colonial moçambicana no
escudo português em vez do ouro, e nas manipulações descontroladas do Banco
Nacional Ultramarino. Este foi o banco privado que, através de uma concessão
monopolística do estado português, controlava os pagamentos exteriores de
Moçambique e, ap6s 1921, a emissão de notas; ver A. Smith, 'Antonio Salazar
and the reversal of Portuguese colonial policy', Journal ofAfrican History, vol.
15, 4 (1974), pp. 660-661; L. Vail e L. White, Capitalism and colonialism in
Mozambique: a study of Quelimane district, London: Heinemann, 1980, pp.
202-205.
46. Para o sul, ver HM II, pp. 242-244; J. Penvenne, 'Labor struggles at the port
of Lourenço Marques, 1900-1933', Review, vol. 8, 2 (1984), pp. 264-270.
47. HM II, pp. 273-275. Há notícias de outras greves ainda por investigar, inter
alia,
a dos pescadores de Inhaca (1920), e a do pessoal da Imprensa Africana (1920);
ver, por exemplo, J. Capela, O movimento operário em Lourenço Marques,
1898-1927, Porto: Afrontamento, 1984, pp. 157-162.
48. BO 26, 29.6.1918, Portaria Provincial 844, p. 157; BO 49, 6.12.1919, Portaria
Provincial 1364, p. 605; BO 20, 15.5.1920, Portaria Provincial 1507, p. 129. 49.
Para as greves de 1925-1926, ver', inter alia, A. Rocha, 'Lourenço Marques:
classe e raça na formação da classe trabalhadora do sector ferroportuário, 19001926', Tese de Licenciatura, Universidade Eduardo Mondlane, 1982;
Capela, op. cit.
50. HM II, pp. 247-248.
51. HM II, pp. 248.
Capítulo 2:
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
1. Introdução
Como referimos no capítulo anterior, até cerca de 1930, as relações económicas
entre Portugal e Moçambique eram reduzidas, sendo os investimentos portugueses
muito pouco significativos. Ap6s o golpe de Estado militar de 1926, o novo
regime estabelecido em Portugal tinha como um dos principais objectivos da sua
política alterar esta posição.
Este capítulo trata do período em que Portugal estabelece, em Moçambique,
algumas das bases do seu 'nacionalismo económico', isto é, a sua tentativa de pôr
verdadeiramente ao seu serviço a economia moçambicana. Entre outras acções
figuraram a centralização administrativa e política, a redução dos direitos das
companhias não portuguesas, o estabelecimento de uma zona monetária
portuguesa e a promoção da cultura de algodão.
Assim, os anos de 1930 até 1937 foram fundamentalmente um período de
transição, que apontava já para a plena implementação do 'nacionalismo
económico' português nos períodos seguintes.
Foi, contudo, a crise económica mundial de 1929-1934 que influenciou o carácter
da nova política portuguesa e também as circunstâncias sócioeconómicas em que
essa política veio a ser implementada em Moçambique. A combinação da crise e
do novo rigor no sistema colonial português teve efeitos graves nalgumas zonas
rurais, e agudizou os conflitos sociais que se manifestaram na época.
Capítulo 2
2. A crise económica e a produção em Moçambique
2.1 Origens e alcance da crise económica mundial Entre 1929 e 1934 uma grave
crise atingiu o sistema capitalista mundial. É importante rever as dimensões dessa
crise, que afectou a produção (e, evidentemente, os produtores) em Moçambique,
e a política colonial do novo governo português.
Na origem da crise estava o aumento da produção em quase todos os países
desenvolvidos depois da 1 Guerra Mundial, especialmente entre 1922 e 1928. A
produção ultrapassou o consumo e, como resultado, os preços das mercadorias,
incluindo os das matérias-primas, começaram a baixar. O sistema financeiro,
virado até então para o incremento da produção, começou a ressentir-se,
reduzindo créditos, o que conduziu a uma reacção em cadeia no sistema
económico. Fecharam-se fábricas e diminuiu a produção, o que originou o
desemprego de milhões de trabalhadores em todos os países industrializados. Os
piores anos da crise foram 1932 e 1933. Depois, a situação foi melhorando
lentamente.
As colónias de todos os países capitalistas foram severamente atingidas pela
redução da procura de matérias-primas, cujos preços baixaram, em geral, para
metade relativamente a 1928. No caso de Moçambique, os preços de amendoim,
milho, copra, açúcar e sisal diminuíram bastante. Apenas o cajú e o algodão
mantiveram ou mesmo aumentaram de preço.
2.2 Produção em Moçambique na nova situação económica Para enfrentar a crise,
os proprietários das plantações tiveram que tomar uma série de medidas:
- reduziram os seus custos através do abandono de actividades dispendiosas, de
despedimento de pessoal (incluindo europeus), e do encerramento de algumas
fábricas menos rentáveis. Por exemplo, a Companhia Boror abandonou algumas
plantações de sisal. e machambas experimentais, e fechou a sua salina e algumas
lojas rurais. Entre 1931 e 1935, a Sena Sugar Estates encerrou as suas velhas
plantações e fábricas em Caia e Mopeia, e reduziu um pouco a produção nas
fábricas de Marromeu e Luabo;
- produtos como o coco passaram a ser comprados aos camponeses a
preços mais baixos;
- as empresas recorreram ainda a reduções salariais;
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
- algumas plantações introduziram novos métodos para aumentar a produtividade,
como, por exemplo, a utilização de animais de tracção
em vez de trabalho braçal e de estrume como fertilizante.
Deste conjunto de medidas é importante destacar que, não obstante a diminuição
do número de trabalhadores nas plantações e dos preços de compra aos
camponeses, a agro-indústria como um todo manteve o volume de exportação
igual ao do período anterior à crise. Se bem que os rendimentos globais
diminuissem, as medidas tomadas asseguraram o restabelecimento de um nível
razoável de lucros apôs a recuperação dos preços praticados no mercado mundial
no fim da década de 30 [1].
Com efeito, na Zambézia, as condições económicas e administrativas da década
de 30 levaram à expansão das plantações de chá. Em primeiro lugar, o fim do
sistema dos prazos e a instalação de circunscrições administrativas em toda a
província, a codificação laboral promulgada no Regulamento do Trabalho dos
Indígenas de 1930 e a diminuição do número de trabalhadores empregados nas
outras plantações, deram novas perspectivas de ajuda estatal no fornecimento de
uma força de trabalho barata e rigorosamente controlada. Em segundo lugar, em
1933, o Acordo Internacional de Chá, que limitou a expansão de produção entre
os principais produtores mundiais (Índia, Ceilão e Índia Oriental Holandesa)
estabilizou o preço mundial, assegurando, assim, aos pequenos produtores (como
Moçambique) a rentabilidade dos capitais investidos.
Essa rentabilidade foi já evidente nas plantações de chá de Lugella, Milange.
Aqui, na expectativa de estimular o mercado interno de chá e de açúcar, a partir
de 1929, a empresa Sena Sugar Estates financiou a expansão da Companhia de
Lugella. Técnicas para aumentar a produtividade da mão-de-obra, semelhantes às
adoptadas nas restantes plantações, reduzindo os custos de produção de cada
quilograma de chá, produziram avultados lucros, apesar da crise económica
mundial.
Novas plantações e respectivas fábricas de tratamento foram construídas,
principalmente pela Companhia da Zambézia e M.S. Junqueiro no distrito de
Gurué, onde as montanhas de Namuli reuniam as condições climáticas e
geológicas favoráveis à cultura do chá. Estas iniciativas representaram o primeiro
passo na expansão de uma agro-indústria baseada em capitais portugueses,
acumulados na colónia, nomeadamente,
Capítulo 2
nos antigos prazos e no comércio da província. Desta forma, a produção de chá da
Zambézia aumentou de 117 toneladas em 1934 para 450 em 1937 [2].
A diminuição dos preços de milho e amendoim, aliada às iniciativas da
administração colonial e de alguns comerciantes, levou ao aumento das culturas
que mantinham altas cotações, como o cajú e o algodão. Nas zonas do litoral,
especialamente em Nampula e Cabo Delgado, milháres de camponeses,
incentivados, muitas vezes, pelos proprietários das terras, optaram pela cultura do
cajueiro, cujo fruto passou a ser muito procurado na India, de onde era
reexportado depois de descasque. A exportação do cajú aumentou de 6.530
toneladas em 1930, para 25.744 em 1938 [3].
Quanto ao algodão, o preço passou a ser garantido a um nível relativamente alto
pelo governo português [ver adiante], o que, considerando a diminuição dos
preços dos outros produtos e as más condições de trabalho e reduzidas salários
nas plantações, significou que a sua produção viria a ser mais atraente para o
camponês do que no período anterior. Foram feitas mais concessões às
companhias e a produção começou, lentamente, a aumentar no interior da
Zambézia, Nampula e Cabo Delgado. Desta forma, a exportação moçambicana de
algodão cresceu de 1.085 toneladas, em 1932, para cerca de 8.225, em 1937 [4].
Quadro 1: Principais exportações de Moçambique, 1928-1935 [Unidade: Milhares
de toneladas] [5]
Ano Açúcar Amendoim Milho Copra Sisal Algodao Cajú Chá* 1928 70
35
34 19 5 0,18 4,0 54
1929 86
23
29 20 6 0,25 4,9 55
1930 70
25
35 22 10 0,19 6,5 53
1931 69
26
12 22 12 0,15 10 106
1932 64
33
13 24 13 1,1 9 51
1933 83
13
8 30 15 1,5 11 86
1934 72
25
11 33 18 1,9 13 122
1935 74
30
9 34 20 1,8 26 148
1936 63
37
20 34 19 4,&.. 28 316
1937 73
26
2 35 21 8,4 40 396
[* = toneladas]
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
As medidas acima mencionadas permitiram que o volume global das exportações
de Moçambique se mantivesse, chegando mesmo a registarse subidas ligeiras,
durante a crise mundial, como mostra o Quadro 1.
No entanto, o valor das exportações de 1929 desceu para metade em 1933. Em
1936, e depois de uma certa recuperação, o rendimento foi apenas de 75%
relativamente a 1929, apesar de ser um ano recorde de exportações em termos do
volume [6]. O Quadro 2 ilustra claramente a tendência acima referida.
Quadro 2: A crise económica, 1928-1938 Valor e volume das exportações
2.3 0 trabalho migratório, trânsito e a situação financeira No sul, a corrente de
trabalhadores migrantes foi afectada por alterações no sistema económico sul
africano. Embora a produção do ouro não tivesse sido atingida pela crise, a
procura de mão-de-obra nas fábricas, machambas de colonos e serviços desse país
diminuiu e os trabalhadores despedidos começaram a substituir moçambicanos (e
outros) nas minas.
Capitulo 2
Assim, o número de mineiros moçambicanos na África do Sul desceu de 96.657
em 1929 para 58.483 em 1932 [7].
O decréscimo da actividade económica na África do Sul, Rodésias do Sul e do
Norte e Niassalândia reduziu o tráfego nos caminhos de ferro e portos de
Lourenço Marques e Beira. Aliado à diminuição nas receitas em divisas através
do pagamento diferido e dos impostos sobre migrantes, esta redução significou
uma quebra considerável no rendimento do Estado, que reagiu diminuindo
algumas despesas, suprimindo postos e distritos administrativos em algumas
províncias (Inhambane, por exemplo), reduzindo salários dos trabalhadores,
despedindo outros, etc. [8]. A comunidade colona não ficou completamente isenta
destas medidas: o número de brancos desempregados também aumentou entre
1930 e 1932 [9]. Ao mesmo tempo, o governo pretendeu limitar a perda de
divisas, renegociando, em 1934, a Convenção de 1928 com a Africa do Sul, para
garantir o emprego de um mínimo de 65.000 trabalhadores moçambicanos nas
minas [10].
Em Junho do mesmo ano foi assinado um novo acordo entre Moçambique e
Rodésia do Sul, fixando uma média de recrutamento de 15.000 trabalhadores na
província de Tete. As outras cláusulas mostram a preocupação do regime colonial
em aproveitar os trabalhadores migrantes como fonte de divisas. Esperava-se que
o sistema de pagamento diferido e o de cobrança de impostos, elaborados nos
acordos de 1913 e 1925 respectivamente, viessem finalmente a concretizar-se,
fixando o pagamento das taxas de passaportes e dos recrutadores em libras
esterlinas.
Com efeito, nos anos a seguir, as circunstâncias não favoreceram a observância do
acordo. Foi celebrado numa altura em que foi cada vez mais questionado o
controle centralizado sobre o recrutamento e distribuição do trabalho migratório
pela 'Rhodesian Native Labour Bureau': os empresários desejavam um sistema
menos dispendioso e mais flexível, mas capaz de suportar a expansão das
actividades que se verificou com as melhores condições económicas a partir de
1935. Por consequência, procedeu-se à instalação, em 1936, de um sistema em
que recrutadores individuais, subsidiados pelo gQverno rodesiano, operavam uma
frota de camiões entre Niassalândia, Tete e Rodésia do Sul, oferecendo livre
passagem e alimentação aos trabalhadores recrutados. Este sistema, vulgarmente
conhecido por Uleres (significa 'de graça' em
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
nianja), confirmou a tendência para o número de migrantes moçambicanos
clandestinos aumentar significativamente [11].
3. O reforço da dominação portuguesa
3.1 A ascensão do regime Salazarista em Portugal O Estado Novo, saido do golpe
de estado de Maio de 1926, em Portugal, ganhou vulto a partir de 1930 e
solidificou-se a partir de 1932, com a chamada de Salazar, Ministro das Finanças
entre 1928 e 1932, para a Presidência do Conselho. O governo de Salazar surgiu
com uma componente agrária muito forte, tendo-se instalado como um governo
de compromisso e arbitragem, de aliança entre uma burguesia fraca, mas em
ascensão, e os grandes proprietários fundiários bem estabelecidos. Teve a função
de criar condições para a consolidação da burguesia portuguesa e acelerar a
acumulação de capital, principalmente através da repressão dos trabalhadores e da
intensificação da exploração colonial [12].
3.2 0 proteccionismo e o novo regime político-administrativo A reacção inicial
dos países industrializados à crise mundial e, em particular, ao desemprego
generalizado, foi aumentar o grau de protecção das suas indústrias contra a
concorrência estrangeira, proibindo importações de artigos manufacturados ou
onerando-os com direitos alfandegários pesados e favorecendo, cada vez mais, as
importações de matérias-primas das suas próprias colónias.
Em Portugal, a crise mundial de 1929-1934 reforçou a estratégia, esboçada desde
1926, de valorização dos recursos de Moçambique no interesse da burguesia
portuguesa, através da exploração directa e mais intensa da população
moçambicana, reduzindo ao indispensável o uso de capitais nacionais e
estrangeiros. Como declarou o Ministro das Colónias, na abertura da Conferência
Imperial em Lisboa em 1932, a política do governo era evitar grandes obras de
fomento e a fixação dispendiosa de colonos e aproveitar, mais e melhor, o
camponês, no trabalho constante da terra.
É importante realçar que a estratégia colonial do Estado Novo não foi adoptada,
facilmente, de um dia para outro. Alguns elementos dessa estratégia, como por
exemplo a produção de algodão pelo campesinato
Capítulo 2
moçambicano, resultaram da análise das experiências anteriores [13]. A plena
implementação da nova estratégia durou pelo menos uma década, como veremos
nos próximos capítulos. A década de 30 representou, de facto, um momento de
transição, em que algumas das bases do 'nacionalismo económico' português se
estabeleceram seguramente em Moçambique.
A expressão real do 'nacionalismo económico' português manifestou-se no Acto
Colonial e na Carta Orgânica do Império Colonial Português de 1930, que
desenvolveram rigorosamente os princípios já delineados em 1926. Essa
legislação marcou o fim da autonomia formal da província de Moçambique, que
passou a designar-se 'colónia'. Concretamente, o $nacionalismo económico'
centralizou os poderes legislativos e financeiros nas mãos do Ministro das
Colónias, e visava colocar Portugal a par das restantes potências colonizadoras,
nomeadamente, em termos de capacidade de dominar a exploração dos territórios
ultramarinos.
Pela Reforma Administrativa Ultramarina de 1933,. a administração local ficou
sujeita ao mandato efectivo de Lisboa, assegurando-se assim os interesses da
burguesia portuguesa. As normas e práticas administrativas a adoptar estavam
rigorosamente detalhadas no regulamento. É de destacar o estabelecimento, pela
primeira vez, de um regime de Inspecções administrativas, cuja tarefa principal
era verificar o grau de cumprimento dos regulamentos vigentes. Nas décadas
seguintes, as informações recolhidas pelas inspecções administrativas
proporcionaram ao Ministro das Colónias o controle da actividade dos
administradores e a tomada de novas medidas necessárias à administração local.
3.3 Novas relações de dominação económica No período anterior, vimos que, ao
contrário do que acontecia com as outras potências colonizadoras, as relações
económicas entre Portugal e is suas colónias eram muito fracas. O proteccionismo
e a mais rigorosa exploração das colónias requeriam a modificação dessa situação
em prol la economia metropolitana. Nessa perspectiva, foram promulgadas
,redidas que tinham como objectivo estruturar o comércio externo das colónias em
benefício de Portugal, e que marcaram, assim, um passo importante para a criação
de uma 'zona do escudo'. Para esse efeito, uma lei de 1932 impôs:
- um sistema de licenças de importação e exportação em relação às
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
trocas com outros países e as suas colónias;
- a proibição do uso de moedas doutros países nas operações internas
da colónia [14];
- a centralização de todas as divisas nos cofres do Estado.
Foi ainda estabelecido um Fundo Cambial, sob o controle do Governador-Geral,
para a entrada e distribuição de divisas segundo prioridades rigorosamente
estabelecidas. Com efeito, a partir de 1932, as companhias exportadoras de
Moçambique ficaram autorizadas a reter apenas 20 por cento das divisas
provenientes das suas exportações. Os restantes 80 por cento entraram no Fundo
Cambial que, compensando as companhias exportadoras em escudos da colónia,
autorizou a utilização das divisas no sentido de aumentar as importações oriundas
da metrópole.
Paralelamente, o Estado português promoveu uma campanha de propaganda, o
chamado movimento 'comprar português', cujo ponto mais alto em Moçambique
foi a realização do Congresso Comercial e de uma feira de mercadorias
portuguesas em Lourenço Marques, em Agosto de 1932.
No mesmo ano, o Estado português começou a estimular, nas suas colónias, a
produção de algodão, a matéria-prima mais procurada pela indústria portuguesa.
Passou a incentivar, financeiramente, as concessionárias algodoeiras (que
exportavam das colónias), contrabalançando a baixa no preço mundial, que se
verificou a partir de 1927, para que as companhias incrementassem a
comercialização do algodão produzido pelo campesinato. Entre Julho de 1932 e
Dezembro de 1937, o Ministério das Colónias português pagou, por cada quilo de
algodão fibra de ¡a qualidade, exportado para Lisboa, um prémio equivalente a
diferença entre 8 escudos metropolitanos e os preços praticados no mercado de
Nova Orleães (EUA). Na prática isto significava que às concessionárias era
garantido, durante este período, o preço de 8 escudos (para o algodão de 1 a
qualidade) em Lisboa, contra o preço de cerca de 5 escudos no mercado mundial.
O total dos prémios pagos durante a vigência do esquema, até 1937, somava pelo
menos 25 mil contos; isto só era possível por ser uma lespesa em escudos e não
em divisas [15].
Este conjunto de medidas teve efeitos imediatos. Portugal viria a ser, pela
primeira vez, o principal fornecedor de Moçambique, com cerca de
44
Capitulo 2
Or U3
1. Construção da ponte sobre o'Zambeze, 1933-35. Com uma extensão de 3,6
quilómetros, era uma das mais cumpridas no mundo.
25 por cento do total das importações, em 1933, e cerca de 30 por cento em 1937.
Em 1933, Portugal passa a fornecer quase todas as enxadas e um terço dos
tecidos, uma proporção que aumentou para 45 por cento em 1935. No que diz
respeito às exportações de Moçambique, entre 1932 e 1937, Portugal aumentou
consideravelmente as suas compras, tornando-se o principal comprador, com
cerca de 31 por cento do total [16].
De notar que estes aumentos indicam, apenas, o estabelecimento do controle
efectivo do comércio de Moçambique a partir de Lisboa, e que a origem .ou
destino duma parte considerável das mercadorias eram ainda os países altamente
industrializados.
Para se aproveitar plenamente do novo sistema comercial, a indústria portuguesa
exigia a protecção activa. Note-se que as dificuldades na montagem e
desenvolvimento duma indústria têxtil em Moçambique datam de anos recuados,
devido à oposição sistemática- das associações das indústrias têxteis portuguesas.
O mesmo viria a passar-se em relação
O Reforço d-.- , ,n7, ,i, , ,rtupuês, 19.70-19:7
2. A ponte ao Zambeze, acabada, jacilitou o desenvolvimento da linha férrea de
Tete e, a partir de 1949, a exploraçdo das minas carboníferas de Moatize.
aos óleos vegetais. Já em 1933, protestava a Associação das Indústrias Têxteis de
Porto, manifestando o seu desagrado pela notícia da autorização a diversas firmas
para estabelecerem fábricas têxteis em Moçambique, medida que, segundo o
Lourenço Marques Guardian de 5 de Setembro de 1933, a ser adoptada
"representaria a ruína da indústria têxtil da metrópole".
Uma lei de 1936 estabeleceu novas bases para o fomento da indústria no império
português. Com o objectivo de limitar a concorrência internacional e assegurar
fundamentalmente a industrialização de
-Portugal, estes regulamentos sujeitaram a abertura de novas indústrias, em
Moçambique, à autorização do Míiüstro das Colónias, tendo sempre em vista os
interesses dos industriais portugueses. Desta forma, foi
-severamente limitado o desenvolvimento duma indústria transformadora em
Moçambique, mesmo de iniciativa de capital não-português. Foi a isto que se
chamou o 'condicionamento industrial' [17]..
Capítulo 2
Contudo, deve-se notar que a implementação do nacionalismo económico'
português em Moçambique não significou a exclusão total de capitais e iniciativas
doutras origens. Este facto evidenciou-se de uma forma espectacular na
autorização e construção, entre 1932 e 1935, da grande ponte ferroviária sobre o
rio Zambeze entre Sena e Mutarara. Esta grande obra de infraestrutura foi
concebida pela Companhia de Mozambique com o objectivo da melhor
rentabilização das minas de carvão de Moatize, do caminho de ferro BeiraNiassalândia e do porto da Beira. A sua construção foi facultada por garantias
financeiras do governo colonial britânico da Niassalândia [18].
3'4 Educação e religião
A partir de 1930, o Governo colonial procedeu a modificações no sistema
educacional de Moçambique. Concretamente passou a controlar mais
directamente o ensino destinado à população negra. O objectivo do Governo
colonial era criar um sistema capaz de habilitar o 'indígena' para o seu papel
específico de trabalhador barato na economia colonial moçambicana. Por outro
lado, o ensino para os brancos, que ocupavam os melhores postos de trabalho,
tinha que oferecer uma formação mais completa, que os 'indígenas' não
precisavam. Por esta razão, os funcionários da educação, perante o aumento da
população branca em Moçambique, propunham "uma separação mais acentuada
entre o ensino das crianças indígenas e o das civilizadas".
Estes motivos estiveram na base da criação do novo sistema de ensino rudimentar,
iniciado depois de 1930. Este tipo de ensino tinha por fim, segundo os
documentos oficiais, "civilizar e nacionalizar os indígenas da Colónia difundindo
entre eles a língua e os costumes portugueses", tornando-os "mais úteis à
sociedade e a si próprios" [19]. Esse ensino devia conter as seguintes disciplinas:
a) Língua portuguesa
b) Aritmética e sistema métrico
c) Geografia e história de Portugal
d) Desenho e trabalhos manuais
e) Educação física e higiene
g) Educação moral e canto coral
O Reforço do Cdldnialismo Português, 1930-1937
Para os professores de geografia e história, instruía-se que:
"tanto a escolha de trechos históricos como as explicações que forem feitas pelo
professor, deverão ter em vista criar nos alunos o amor de Portugal e o legítimo
orgulho de ter nascido em terra portuguesa" [201.
Além disso, a legislação de 1929-1930 impediu categoricamente o ensino de
moçambicanos nas línguas nacionais, com a excepção do ensino da religião. Esta
medida tinha como objectivo garantir a expressão da língua portuguesa. Com
estas disposições, o Estado colonial desejava ultrapassar o que julgou terem sido
as 'deficiências' do ensino no período anterior, e especificamente, tornar mais
portuguesa a população de Moçambique. A nova forma de educação era
obrigatória para todas as crianças negras que vivessem num raio de 3 quilómetros
à volta de uma escola rudimentar, não podendo frequentar qualquer escola nãooficial nessa zona.
Paralelamente, aumentou o número de missões e escolas católicas. Deve-se
realçar que, neste período, a 'nacionalização', (isto é, a portuguesificação), de
Moçambique veio a ser cada vez mais ligada à expansão da religião católica.
Pouco depois da inauguração do Estado Novo em Portugal em 1926, no Estatuto
das Missões Católicas Portuguesas, o governo' português manifestou a sua
intenção de garantir às missões católicas portuguesas protecção e ajuda do Estado,
sob a forma particular de subsídios para a formação de missionários em Portugal e
de concessão livre de terrenos em Moçambique. A nova Constituição portuguesa
de 1933 reforçou essa política em relação às missões católicas, 'entanto que
instituições de educação e instrumentos de civilização'.
Com esse apoio, a Igreja Católica em Moçambique expandiu-se
consideravelmente, como mostram as estatísticas oficiais, no Quadro 3.
Quadro 3: Expansão das missões católicas, 1930-1937
1930 1935 1937
Missões
30 42 50
Filiais
108 157 188
Missionários
34 53 66
Auxiliares
234 342 408
Capítulo 2
Da mesma forma, as suas escolas primárias rudimentares expandiram-se no
mesmo período, tal como as escolas rudimentares do Estado, enquanto o número
de escolas das missões protestantes diminuiu, como mostra o quadro seguinte.
Quadro 4: Aumento do número de escolas rudimentares, 1930-1937
Ensino
1930 1935 1937
Oficial
64 149 177
Católico
126 214 231
Protestante
84 55
45
Tudo indica que o ensino nas escolas rudimentares, com um professor semihabilitado em cada uma delas, tinha um nível muito baixo, e que, especialmente
no norte, as escolas primárias católicas não ultrapassariam a fase inicial de
construção. Segundo algumas inspecções confidenciais da administração, a ajuda
do Estado consistia, muitas vezes, apenas no fornecimento, pelo administrador
local, de jovens trabalhadores. Estes, juntamente com os 'alunos' da escola,
cultivavam algodão e outros produtos que, depois da colheita, eram vendidos pela
missão, cuja receita era posteriormente utilizada na compra de bens e
equipamento.
Se bem que ainda faltem investigações aprofundadas sobre o tema, é evidente que
a expansão da Igreja Católica, apoiada pelo Estado colonial, implicou a
diminuição da influência de, e até uma discriminação agressiva contra outras
religiões. Esta foi sem dúvida a intenção dos autores do Estatuto das Missões
Católicas. Portuguesas. Este facto manifesta-se, por exemplo, na diminuição do
número de escolas rudimentares protestantes nas zonas rurais, a que já referimos.
Além disso, a proibição do ensino de moçambicanos nas línguas nacionais, com a
excepção do ensino da religião, teve o efeito de discriminar as Igrejas
protestantes, que habitualmente utilizavam as línguas bantu nos primeiros anos de
escolarização, como o meio mais rápido de atingir a alfabetização básica, e cujos
missionários eram, no geral, mais capazes de comunicar nas línguas nacionais e
inglês do que em português. Perante a resistência de pastores protestantes contra a
discriminação religiosa, nos meados da década, alguns foram deportados.
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
A política religiosa do Estado Novo em Moçambique, neste período, resultou,
também, na imposição de algumas restricções sobre a religião mahometana. Os
seus aderentes, não-portugueses (Indo-britânicos), que ocupavam lugares
importantes no comércio do litoral do norte, foram vistos pela administração
colonial como agentes do Islão, no sentido de aliciarem moçambicanos para os
seus templos e sua fé, que de certo modo contrariava a expansão do catolicismo e
da autoridade portuguesa.
Em Fevereiro de 1937, as autoridades coloniais em Cabo Delgado detectaram, em
circulação, cartazes etíopes alusivos à defesa da independência da Etiópia nas I e
II guerras contra a ocupação italiana [21]. Estes cartazes foram considerados
subversivos por representarem a superioridade de tropas negras contra o
colonizador. Tendo concluído que os cartazes tinham entrado através dos circuitos
de comércio dominados por mahometanos, em Março, o governo colonial reagiu
contra os promotores do Islão acabando por encerrar mesquitas em Porto Amélia
[Pemba], Ibo, Mocímboa da Praia e Memba. Foi autorizada a sua reabertura em
Setembro do ano seguinte, para uso exclusivo da col6nia asiática, proibindo-se,
assim, a propaganda religiosa junto do povo moçambicano [22].
4. A intensificação da exploração nas zonas rurais
Na década de 30. a vida económica e social nas zonas rurais de Moçambique, foi
profundamente atingida pela crise económica, e pelo reforço da administração
portuguesa. Analisando este período de uma forma geral, podemos concluir que a
penetração administrativa na esfera de produção aumentou consideravelmente,
devido, especialmente, à maior agressividade na cobrança dos impostos e a
expansão da cultura de algodão. Desta maneira, incorporou-se cada vez mais a
produção camponesa na estrutura sócio-económica colonial.
Como veremos, a experiência do povo moçambicano, neste processo, variava
consoante as condições económicas, administrativas e até climáticas
prevalecentes nas diferentes zonas do país.
Para milhares dos produtores camponeses, a queda de preços dos seus produtos
significou a redução do rendimento em dinheiro. Diminuiu, por outro lado, a
possibilidade de encontrar empregos nas plantações, numa
Capítulo 2
altura em que os administradores eram cada vez mais eficientes e exigentes na
cobrança dos impostos. Para grande número de camponeses, a única solução foi a
de vender a maior parte da sua colheita de amendoim, ao preço mínimo, para
obter dinheiro suficiente.
Por outro lado, a introdução e expansão das culturas de cajú e algodão foi, para
outros, uma forma de equilibrar a situação, nomeadamente, nas zonas do litoral do
norte e noutras áreas de comunicação relativamente fácil.
Outras variantes resultaram da forma como a cultura de algodão foi introduzida
pelos administradores. Alguns mandaram os camponeses cultivar
individualmente, tal como era definido pela lei de 1926. Outros, aliados aos
agentes das companhias concessionárias, mandaram construir machambas
colectivas nas zonas próximas às administrações, onde obrigaram os camponeses
a trabalhar sob o controle dos cipaios, recebendo, como remuneração, apenas a
isenção do imposto. Este sistema de produção foi aceite inicialmente pelos
camponeses, que se encontravam sem meios para pagar o imposto, passando os
administradores. a usufruir das receitas provenientes da venda do algodão às
companhias [23].
Informações referentes a várias regiões do país revelam os detalhes do impacto
deste período na vida rural. Por exemplo, no sul de Moçambique, para além de
não haver emprego alternativo para os migrantes desempregados, o campesinato
tinha que enfrentar maus anos agrícolas, e há notícias de fomes, por exemplo,
aquela que assolou particularmente Guijá e Chibuto em 1932 [24].
No norte do país, vários factores contribuíram para agravar os efeitos da crise. A
expansão da administração portuguesa, em substituição da Companhia do Niassa,
trouxe consigo a cobrança de impostos mais elevados e a nomeação de novos
administradores desinteressados dos problemas e culturas locais. Além disso, a
imposição de um novo regime de direitos alfandegários, como parte essencial da
estratégia do 'nacionalismo económico' português afectou duramente os
produtores nas zonas fronteiriças das províncias de Niassa, Cabo Delgado e
Zambézia. Estes, habituados a vender os seus excedentes no Tanganhica e na
Niassalândia, regressando com tecidos ingleses e indianos comprados a 30% do
preço tabelado em Moçambique, procuraram defender os seus interesses [25]. Os
impostos a pagar eram elevados e, para a sua cobrança, os guardas
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
fiscais, na fronteira, começaram a empregar auxiliares armados no controle dos
postos e nas vias clandestinas principais de passagem. Este facto provocou grande
ressentimento entre os produtores, muitos dos quais resolveram mudar de
residência e cultivar para lá das fronteiras [26]. Além disso, a crise económica
obrigou as companhias sisaleiras de Cabo Delgado e Nampula a aumentarem o
seu recrutamento de mão-deobra barata, através das administrações [27].
O descontentamento gerado por esta situação e ainda pelas injustiças relativas à
cultura de algodão em regime de machambas colectivas, praticado por alguns
administradores, resultou numa nova onda de emigrações permanentes para as
colónias vizinhas [28]. Cálculos feitos por um inspector oficial mostram que,
apenas em Cabo Delgado, mais de 40.000 pessoas fugiram para o Tanganhica
entre 1930 e 1934. Nalgumas zonas fronteiriças, a percentagem de habitantes
'válidos', isto é, capazes de trabalhar e pagar o imposto, foi consideravelmente
reduzida [29].
Para aqueles que ficaram, a crise económica trouxe situações extremas,
especialmente para quem, vivendo no interior, ainda dependia da venda de
amendoim para conseguir os indispensáveis escudos do imposto. Com o fecho de
algumas lojas rurais, devido à crise, e a ausência de transportes baratos [3,0],
muitos camponeses tiveram de voltar à antiga prática de fazer as suas vendas no
litoral. Aqui, porque o amendoim rendia apenas 50 centavos por quilo (nos anos
1930-1934), o vendedor era obrigado a fazer várias viagens, a pé, até conseguir
transportar 140 quilos necessários à obtenção da quantia do imposto. No caso de
Montepuez, o próprio administrador reconheceu, em 1934, embora sem propor
alternativas, que tal situação era simplesmente desumana [31].
Um outro método, mais controlado, de efectuar a cobrança, do imposto, era a
coligação entre alguns administradores e proprietários das lojas que se mantinham
abertas nas plantações. Os administradore . organizavam viagens colectivas de
transporte e venda do amendoim, sol a supervisão de cipaios, cuja tarefa era
impedir roubos ou fugas no caminho e no acto da venda. Por exemplo, segundo a
documentação colonial, em Julho de 1935, o administrador de Erati trouxe
consigo para as lojas de Memba "13.000 homens, acompanhados pelos régulos,
cabos de terras e cipaios. As vendas só eram permitidas em 4 estabelecimentos.
Assim tinha sido concertado entre os dois administradores" [32].
Capítulo 2
As administrações, em muitos distritos, pressionadas pelo governo a fazer a
colecta regular dos impostos sobre um campesinato agora desprovido de um bom
mercado para os seus excedentes de milho e amendoim, viriam a insistir, cada vez
mais, no trabalho nas plantações, machambas privadas e no caminho de ferro, que
gradualmente se estendia do Lumbo para Cuamba. Desta forma, por exemplo, a
administraçâo de Meconta era
"uma administraçío convertida em Agência fornecedora de serviçais...
Verdadeiramente, na Administração, não se cuidava doutra coisa: todas as
preocupações consistiam em aceitar requisições de negros, mandá-los caçar às
aldeias, p6-1os em formatura, tomar-lhes as identidades, fazê-los marchar debaixo
de escolta e esperá-los na volta, para a colheita do dinheiro do
imposto" [331.
Nas próprias plantações e machambas, as condições de trabalho não melhoraram.
Com a conivência dos governos provinciais, os proprietários constataram que foi
possível ignorar as pequenas melhorias propostas na legislação de 1928 e de 1930
[34]. As inspecções do próprio regime revelam este facto.
Assim, por exemplo, trabalhadores de Montepuez, colocados nas plantações de
Mocímboa, a uma distância, portanto, de quase 400 quilómetros, tinham de fazer
um percurso de ida e volta a pé, a troco dos 50 escudos, o correspondente a 2
meses de trabalho. Maus tratos, trabalho sem protecção, mortes em acidentes de
trabalho devido, em especial, ao uso de vagonetes sem travões, ausência de
acomodação para os migrantes, comida habitualmente muito abaixo do nível da
dieta rural comum, a prática alargada de não marcar, ou mesmo, de não fornecer
os tiquetes de trabalho diário e, finalmente, a falta de pagamento de salários no
fim do contrato, eram normais para os contratados [35].
Devido às péssimas condições de trabalho nas plantações de sisal de Nampula,
uma das quais, em Geba, veio a ser bem conhecida a norte do Zambeze,
verificaram-se deserções constantes e mesmo greves. Deserções entre o local de
'contratação' (sede do distrito de origem) e as plantações eram frequentes. Por
exemplo, de 120 trabalhadores mandados de Nacala para Geba em meados de
Julho de 1935, só 26 chegaram; em Março de 1936, dos 400 contratados em
Memba para Geba, dias depois da sua chegada só 50 ficavam [36].
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
O Estado colonial era um dos grandes responsáveis pela intensificação da
exploração nas zonas rurais, aliando-se aos empregadores privados, a quem
apoiava no fornecimento de trabalhadores migrantes. Era frequente os
administradores locais receberem ordens superiores do governo da província,
estimulado pelos proprietários, no sentido de enviarem um certo número de
trabalhadores para uma ou outra plantação privada [.37]. Para dificultar a
deserção e regresso à casa, o governo recrutava as levas de trabalhadores nos
distritos cada vez mais distantes das plantações, para as quais eram forçadas a
deslocar-se a pé, percorrendo longas distâncias.
O pagamento atrasado de salários era outra prática do Estado. Umas vezes, era a
própria administração que não localizava os trabalhadores, depois do seu regresso
à casa; outras vezes, eram os trabalhadores que não queriam andar maiores
distâncias, a pé, sem terem a certeza de que o salário lhes seria pago. Disso
resultava, muitas vezes, que os trabalhadores deixavam de receber os seus
salários, os quais ficavam nos serviços e administrações locais [38].
5. Os conflitos sociais e a resistência anti-colonial, 1930-1937
Como vimos, na década de 30, a vida sócio-económica moçambicana foi atingida
devido aos efeitos da crise económica mundial e do reforço do colonialismo
português. Os conflitos sociais e a resistêfúcia, provocados pelo conjunto dessas
mudanças, foram de vária ordem e diferente carácter.
5.10 conflito sobre as terras no Mossuril - Nampula Enquanto os efeitos do
colonialismo reforçado se generalizavam nas zonas rurais, após a crise mundial,
no litoral da província de Nampula, surgiram sinais evidentes de conflito social
que se tornou numa resistência contra a política algodoeira do Estado colonial. No
entanto, inicialmente, era reflexo não só da contradição entre a população rural e
o capital, mas, também, do conflito entre os próprios colonialistas sobre a maneira
mais rentável de exploração.'
Em antigos locais de colonização mercantil. portuguesa, especialmente no distrito
de Mossuril, as terras haviam sido, desde séculos, divididas
Capitulo 2
entre colonos residentes e comerciantes da Ilha de Moçambique. Durante o
período de conquista, nos finais do século XIX e inícios do século XX, as
propriedades foram ocupando regiões vizinhas, desde a Lunga, a Matibane e
Mogincual, em benefício particular de oficiais participantes na ocupação militar,
transformados em proprietários de grandes lotes de terra [39].
O regime de trabalho instituído no século passado em tais propriedades era o
muta-hanu, isto é, a utilização de um tributo tradicional, pago aos senhores das
terras. Alargado aos escravos libertos nas 'Terras da Coroa', consistia no
pagamento, aos proprietários, de uma renda em trabalho não remunerado nas
plantações de coqueiros ou cajueiros.
Com a proibição da destilação e fabrico de bebidas alcoólicas na colónia em 1902,
medida de protecção à exportação do vinho português, o cajú, até então utilizado
essencialmente para fabricação de bebidas, passou a ser desprezado e muitos
cajueiros foram substituídos por coqueiros, para a venda de copra.
No entanto, as condições mais vantajosas da produção de copra na Zambézia
reduziram a importância destas plantações e, durante os anos 20, assistiu-se a um
desinteresse progressivo dos proprietários pelos terrenos. Os camponeses
passaram a fazer um aproveitamento mais integral da terra, utilizando as
plantações de cajú, não só para bebidas e alimentação, como também para a venda
da castanha aos comerciantes indianos que a exportavam directamente para a
Índia.
A súbita valorização, em 1.000 por cento, do caju, no mercado internacional, em
1933, provocou uma situação particular em todas as regiões produtoras. No
Mossuril, as propriedades até então praticamente abandonadas ganharam nova
importância, enquanto que inúmeros residentes procuraram, muitas vezes por
processos fraudulentos, obter direitos e concessões de terrenos para aquisição
rápida de lucros.
O antigo regime do 'muta-hanu' foi reaproveitado e intensificado, e as populações
que viviam em todos os terrenos de antigas propriedades ou recém-ocupados
foram obrigadas à limpeza e apanha de cajú, de modo gratuito, como forma de
pagamento de renda aos proprietários das terras. As plantações de cajú alargaramse, limitando-se ao mínimo os terrenos disponíveis para os camponeses fazerem
as suas machambas.
Em 1936, já praticamente todos os terrenos da administração de Mossuril eram
propriedade, legal ou ilegal, de particulares, europeus,
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
asiáticos e assimilados, que coagiam cerca de 15 mil residentes, através do
arrolamento dos habitantes e do apoio de um grande número de capatazes. Com
estes meios, a população foi obrigada a dar dois dias de trabalho, por semana,
para além dos cinco dias na época da apanha. Esta exploração proporcionava, aos
proprietários, um lucro três vezes superior ao que o Estado colonial cobrava,
anualmente, do imposto de palhota em toda a região.
No entanto, o avanço da cultura de cajú começou a entrar em choque com as
actuações e interesses do próprio Estado colonial que, na década de 30, queria
cobrar, com eficiência um imposto de palhota elevado, pagável em dinheiro e que
era, na prática, uma taxa sobre as vendas do cajú dos camponeses. Estes estavam
conscientes do alto grau de exploração a que eram sujeitos, com os dois impostos
coloniais, para além da diminuição dos terrenos familiares. Sabiam, também, que
a força de que dispunham os administradores locais era muito inferior ao
policiamento dos capatazes dos proprietários. Por estas razões, os camponeses
resistiam cada vez mais ao pagamento do imposto de palhota.
A situação agudizou-se quando o administrador de Mossuril tentou obrigar ao
trabalho compulsivo os que não pagaram o imposto. A esta medida resistiu de
imediato a população. Reagiram ainda os proprietários, que não estavam
interessados em ver a sua reserva de mão-deobra recrutada para outros trabalhos.
Isto resultou em dificuldades para o administrador, que, sem a ajuda dos
proprietários, não podia impor o trabalho compulsivo. Esta situação viria a
agravar-se em 1938 e 1939, como veremos no capítulo seguinte.
5.2 As greves de 1932-1933 na Beira e Lourenço Marques As condições da
década de 30 trouxeram, para a generalidade dos trabalhadores em Moçambique,
a redução dos salários, a cobrança de impostos mais elevados, em suma o
agravamento do custo de vida e das condições sociais. Aliado a isto, em grandes
zonas do país, verificou-se uma intensificação no recrutamento forçado de
trabalhadores, reduzindo as possibilidades de emprego para os trabalhadores
voluntários.
Aos trabalhadores moçambicanos, sujeitos às desvantagens do trabalho migratório
e trabalho forçado, foi coarctada, pelo regime colonial, qualquer tentativa de
criação das suas próprias organizações de classe.
Capítulo 2
Mas o facto de não haver organizações sindicais para os trabalhadores negros não
significou que não se desenvolvesse uma luta da classe trabalhadora.
Embora as informações sejam, por vezes, precárias, e não existam estatísticas
precisas, a evidência sugere que milhares de trabalhadores se recusaram a
fornecer a sua força de trabalho. Outros realizaram paragens de trabalho, reduções
no ritmo de irabalho e manifestações como formas mais comuns de
reinvindicarem as condições a que se julgavam com direito.
Exemplos disso foram as paralizações dos trabalhadores assalariados da Beira e
de Lourenço Marques que veremos a seguir.
A manifestação dos trabalhadores assalariados negros da Beira, 1932. Segundo os
jornais da época, os efeitos da crise económica mundial em Manica e Sofala eram
profundos. De facto, após 1928, a baixa de cotação para os principais produtos
agrícolas dessas províncias provocou a falência de muitas machambas privadas
coloniais e despedimentos nas grandes plantações. Desta maneira, a procura de
mão-de-obra, nos empreendimentos agrícolas capitalistas, diminuiu
consideravelmente, o que foi apenas parcialmente equilibrado pelo aumento de
produção de citrinos e algodão [40].
Paralelamente, como consequência do declínio das exportações e importações de
Rodésia do Sul, o tráfego ferro-portuário de Manica e Sofala diminuiu
drasticamente, registando-se em Fevereiro-Março de 1932 o ponto mais baixo de
sempre [411. Segundo um jornal da época, as autoridades portuárias reduziram o
número dos seus trabalhadores, de milhares para algumas centenas, e os caminhos
de ferro e as agências de importação-exportação fizeram reduções semelhantes
[42].
A crise de emprego foi agravada devido à redução drástica no número de
empregados domésticos. No entanto, os agricultores de arroz nas zonas verdes,
frequentemente os familiares dos trabalhadores ou desempregados na cidade,
enfrentavam baixos preços para os seu produto devido à concorrência
internacional [43].
Como aumentava o excedente de mão-de-obra, os salários baixaram, segundo os
próprios trabalhadores, de uma média de 125-150 escudos para 75-100 escudos.
Não se trata de coihcidência que, neste ambiente, os empregadores procurassem
aumentar o ritmo do trabalho. Por
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
3. Depósito do crómio, Beira: desde 1930, os trabalhadores do porto foram
conhecidos na região pelos recordes batidos no encarregamento dos navios.
exemplo, no meio da crise os estivadores do porto foram incentivados pelos
capatazes a bater o recorde regional (incluindo o da Africa do Sul) para o
carregamento de milho, intensificando assim a exploração absoluta do trabalho
[44].
A população de Manica e Sofala enfreãtava uma situação ainda mais grave. O
declínio da actividade económica resultou numa baixa equivalente dos
rendimentos da Companhia de Moçambique, que até então tirava grandes
benefícios de impostos sobre o comércio das duas províncias. Numa tentativa de
compensar a baixa, a Companhia virou para uma fonte aparentemente mais segura
de rendimento, o imposto de palhota: mesmo no meio da crise, elevou-se a taxa de
150 para 205 escudos [45].
É nestas circunstâncias que, na Beira, serviçais assalariados, dos diferentes
sectores de actividades, reivindicaram a diminuição do
Capítulo 2
imposto, exigido pela Companhia. Reclamaram por três vezes, pela via da petição
(requerimento), à Companhia e ao Governador do território. Não tendo obtido
resposta, resolveram paralisar o trabalho e manifestarse colectivamente.
Assim, cerca das 8 horas da manhã da 31 feira, dia 22 de Março de 1932, um
desfile de numerosos trabalhadores atravessou várias ruas da cidade em direcção à
Intendência, que representava as autoridades portuguesas junto da Companhia de
Moçambique. O Intendente, obrigado ao diálogo com 3 representantes dos
trabalhadores, que por várias horas permaneceram em frente da Intendência,
alegando não ter atribuições para resolver o assunto, prometeu remetê-lo para
Lourenço Marques. Para o efeito os trabalhadores deveriam retomar o trabalho e
enviarem 'papel selado' e ele próprio faria uma exposição para o governo em
Lourenço Marques.
As consequências dessa manifestação, sem dúvida, bem organizada, foram
imediatas. Segundo um jornal publicado na Beira, o Governador "mandou vir a
Companhia indígena, com metralhadoras e tudo, para estarrecer os indígenas, que
tiveram o atrevimento de dizer que não podiam pagar o imposto" [46]. Alguns
meses depois, soube-se que foram presos mais de uma centena de homens dados
como cabeças do motim 147].
O clima de tensão, provocado pela crise económica e pelas acções da Companhia,
continuou a sentir-se nos meses seguintes na cidade e fora dela. No distrito da
Beira, segundo o administrador, a dificuldade na cobrança do imposto era
"devido unicamente à grande crise de trabalho e pelo facto dos indígenas desta
circunscrição [distrito) terem Estado completamente fora da mão, indisciplinados,
e falta de contacto com o respectivo chefe de circunscrição" [48].
t
Com efeito, devido às tensões resultantes da crise, o contacto pessoal de
funcionários conhecidos pela população foi considerado pela Companhia
essencial nas campanhas de cobrança seguintes [49].
De facto, não obstante a repressão da manifestação dos trabalhadores e as várias
tentativas de cobrar o imposto, perante a resistência continua do povo, em Agosto,
a Companhia viu-se obrigada a aceder à reclamação principal dos trabalhadores,
reduzindo o imposto em 30 por cento, para cerca de 140 escudos [50].
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
A greve da 'Quinhenta' no porto de Lourenço Marques de 1933 Como vimos no
capítulo anterior, a grande greve ferroviária de Lourenço Marques de 1926 foi
neutralizada pelas autoridades coloniais. A repressão dos trabalhadores em geral
foi intensificada, atingindo especialmente os trabalhadores negros do porto,
voluntários, que veriam por diversas vezes reduzidos os seus salários e algumas
das suas regalias. Além disso, o Estado que, em 1929, passou a controlar as cargas
e descargas até então nas mãos de particulares, começou a substituir, cada vez
mais, trabalhadores voluntários e ocasionais por trabalhadores forçados
('chibalo'), em turnos que cobriam as 24 horas do dia, reduzindo ainda mais os
custos do trabalho e ameaçando assim os voluntários que restavam.
A imprensa de Lourenço Marques não deixou de referir constantemente à difcil
situação dos trabalhadores, às suas precárias condições de vida e trabalho e aos
baixos salários, alertando aqueles que detinham o poder e os patrões para as
prováveis consequências que disso adviriam.
Em Agosto de 1933, o salário dos estivadores eventuais foi reduzido de 12$50
escudos para 12$00 por dia. Os trabalhadores que, devido à diminuição do trafego
e utilização crescente de 'chibalo', trabalhavam, apenas, dois ou três dias por
semana, sentiram os efeitos da redução. Os $50 (quinhenta) eram o preço de cerca
de 150 gramas de carne ou de arroz e, provavelmente, o preço mínimo de uma
refeição para um estivador.
Concentrados no local próximo do actual mercado central, no dia 28 de Agosto,
decidiram, em bloco, não retomar o trabalho até que os $50 fossem
reconsiderados pelas autoridades do porto. A polícia, que tinha sido toda
mobilizada, chegou ao local de concentração as 15.30 horas. Depois de algumas
discussões e promessa de restituição da "quinhenta', os estivadores regressaram ao
trabalho.
Nas suas edições de 28/29 de Agosto, tanto o Lourenço Marques Guardian, como
o Noticias, numa tentativa de minimizar a importância da greve, atribuíram-na à
agitação promovida por uns poucos que, devido aos efeitos do vinho, tinham sido
dispensados.
A 4 de Setembro, e dado que as promessas não haviam sido cumpridas, os
trabalhadores dispuseram-se a paralisar, novamente, o trabalho. As autoridades
reagiram, mandando a polícia cercar os estivadores, num recinto vedado à arame
farpado na ponte-cais, impedindo-os de sair
Capítulo 2
durante a hora do almoço. Os estivadores não tiveram outra alternativa senão
regressarem ao trabalho, pois, caso não o fizessem, sabiam que seriam
substituídos por chibalos', ou, pior ainda, seriam eles próprios presos por
vadiagem e transformados em chibalos', com salários de 6 escudos por dia, em
lugar dos 12 do salário então reduzido.
.Quer O Brado Africano quer O Emancipador, jornais que de um modo geral,
embora não sistemático, ainda pugnavam pelos interesses das camadas
trabalhadoras, tomaram absolutamente partido pelos grevistas. No dia 9 de
Setembro, O Brado Africano dizia que
"tinham e tem razão para se revoltar contra esse corte, que outra coisa não
representa senão o fazerem economias à custa do preto".
Assim se justificou que, como resposta à redução salarial, os trabalhadores
protestassem abandonando o trabalho "numa atitude que os dignifica" [51].
O Brado Africano que, em geral, não era favorável ao recurso à greve, mas
reconhecendo ser a única forma de que os trabalhadores dispunham para
reivindicarem os seus legítimos direitos, atacou fortemente as autoridades do
porto pela decisão de reduzir salários e por não garantirem os quatro dias de
trabalho por semana a todos os trabalhadores, "o que não é nenhum impossível".
Atacando ainda a Direcção dosNegócios Indígenas pela ignorância demonstrada
perante os acontecimentos, lamentou que a 'questão indígena' não merecesse o
real tratamento, porque não seria assim que o problema seria resolvido. Num claro
aviso às autoridades e ao poder colonial, alvitrava O Brado Africano de 9 de
Setembro, o seguinte:
"Bom seria irem pensando muito bem no que sucederá amanhã, quando o preto
estiver mais unido, instruído e óonhecendo os seus direitos e os seus deveres.
Nessa altura o fechar as portas será o pior serviço que se poderá fazer aos que,
cheios de razões e com a barriga vazia, se encontrem frente a frente com os
patrões da ponte-cais,.agaloados, bem comidos e cheios de dinheiro'.
Nos restantes meses de 1933, a situação em Lourenço Marques não melhorou, a
avaliar ptla denúncia de situações de maus tratos, baixos salários e não
cumprimento dos salários mínimos a praticar, conforme tabela elaborada pela
Direcção dos Negócios Indígenas. Efectivamente,
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
e sob pretexto de não haver serviço, algumas firmas industriais iam explorando os
trabalhadores ainda mais, pagando-lhes diariamente 5 ou 8 escudos. E,
novamente, na sua edição de 28 de Outubro e sob título de "Exploração da mulher
pelo homem", O Brado Africano denunciava as casas que "dão trabalho, nas
estâncias, a mulheres, o que é justissimo, mas que as exploram miseravelmente,
pagando-lhes 30 escudos por semana", exigindo das autoridades que se mandasse
"indagar do que se passa procedendo com justiça". Ainda, em Novembro,
clamava O Brado Africano que a situação dos trabalhadores não melhorara "ali
nas fábricas industriais a favor do preto".
A tensão provocada pela repressão violenta e sistemática sobre os trabalhadores
continuou a sentir-se durante os meses seguintes. Na noite da passagem do ano,
houve distúrbios na cidade quando centenas de africanos agitaram as
áreasresidenciais da burguesia local, em que foram atacadas pessoas e
propriedades. O ataque não resultou, porém, em vítimas, ou danos significativos.
No entanto, a greve e os acontecimentos posteriores levaram o Estado colonial e a
burguesia local a acautelarem-se. Algumas das medidas preparadas para reprimir
os trabalhadores em Portugal foram aplicadas em Moçambique. Em 29 de Janeiro
de 1934, pouco depois dos distúrbios do fim do ano, a lei metropolitana de
censura de 1933 foi aplicada pelo Governador-Geral de Moçambique. Foi criada a
Comissão de Censura, composta por três oficiais militares, e que passou a rever
todos os jornais antes da sua publicação [52]. Foram banidas progressivamente as
associações de classe ainda activas, tais como a União dos Trabalhadores de
Moçambique (Lourenço Marques) e a Associação Geral do Trabalho da Beira,
animadas por trabalhadores brancos. O jornal O Emancipador foi suspenso em
1937 e, no mesmo ano, um alto funcionário da administração colonial foi
colocado na direcção do Brado Africano [53].
5.3 0 movimento associativo e político
A crise económica mundial e a nova dinâmica da política colonial,
cujos efeitos, na economia e na luta de classes dai emergentes, já vimos, não
podiam deixar de ter as suas consequências, na já restrita vida política do país.
Deve-se realçar que, à grande maioria do povo moçambicano, foi negado o
exercício de direitos políticos pela imposição, inter alia, do Estatuto Político e
Civil dos Indígenas de 1926.
Capítulo 2
Apenas à pequena minoria de educados, regra geral mulatos e assimilados, foi
permitido o privilégio de uma actividade polémica. Já antes da Lei de Imprensa de
1926, que impôs restricções mais severas, a actividade política concreta,« no
sentido da organização de um partido ou movimento laboral, ou acesso aos
círculos e postos mais altos do regime, estava de facto proscrita.
Neste subcapítulo, pretendemos mostrar que, apesar de um surto inicial de crítica
contra certos aspectos do colonialismo no período 1930-1932, uma censura mais
estrita, imposta em 1934, entre outras manobras exercidas pelo regime colonial,
sufocou gradualmente a expressão escrita de protesto. O regime aproveitou as
divergências sociais entre mestiços
4. Estácio Dias (177-1 937), Director, O Brado Africano, década de 1930.
5. Karel Pott (1904-1953), dinanizador das associações, década de 1930.
e negros assimilados para dividir o movimento associativo herdado do passado
em fracções raciais. Perante estas novas circunstâncias, as ambiguidades e
divergências de posicionamento político, na reduzida camada de intelectuais
moçambicanos, se manifestáram com mais clareza. Quase no fim deste período,
novas medidas, anti-comunistas e antiO Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
subversivas reduziram ainda mais a possibilidade da livre expressão de opiniao e
debate no seio da elite moçambicana da época, deixando o terreno ainda mais
aberto para a emergência de colaboradores e fiéis ao regime, e arrumando,
temporariamente, o desenvolvimento político do país para as sombras criadas pela
repressão fascista.
O Grémio Africano de Lourenço Marques, legalizado em 1920, era a mais
importante organização da oposição moderada. Dirigida pelos irmãos Albasini
desde a sua criação, o Grémio integrava o grupo dos mulatos e negros
assimilados. Além dos Albasini, estiveram ligados ao Grémio Africano nomes
como Estácio Dias, Karel Pott, Francisco Bemfica, entre outros. Sob a máscara da
valorização cultural e promoção
6. Sede ao Centro Associativo dos Negros (ex-lnstituto Negrófilo),.inauguraao
pelo Presidente português em 1939.
intelectual da comunidade negra, o Grémio pugnou essencialmente pela defesa
dos mulatos e assimilados, contra a discriminação racial que cada vez mais os
atingia. O Grémio estava, contudo, dependente de subsídios do governo devido à
fraca capacidade económica dos seus associados. A expressão mais evidente da
sua actividade era o jornal O Brado Africano.
Capítulo 2
A crise económica, o desemprego, a intensificação das barreiras raciais e do
nacionalismo português agravaram a situação social do Grémio e dos seus sócios.
A pequena minoria de mestiços e assimilados que, no período anterior, conseguiu
postos no funcionalismo público ou um alto grau de instrução formal, se viu
relegada para o segundo plano com ainda mais vigor do que antes. Este facto
coincidia com o regresso ao país em 1930, após a conclusão da licenciatura em
direito, de Karel Pott, que se tornou uma das grandes figuras, senão a mais
importante, do movimento reivindicativo e crítico à administração colonial. Foi
nomeado director de O Brado Africano em Agosto de 1931 e eleito presidente do
Grémio Africano em Março de 1932. Nas páginas de O Brado Africano publicou
vários artigos atacando as formas de governação do poder colonial, entre os quais
se tornou celebre o intitulado "Psitagama ha dyini ba nkubana?", expressão ronga
que traduzida em português significa "Qual será o fim disto, seus saloios?" [54].
Neste artigo, Pot criticava a discriminação racial existente no então Instituto da
Namaacha, onde havia "uma oposição aberta e declarada à admissão de crianças
de cor" [54] e à forma como o governo colonial dirigia a sua política 'indígena'.
Este artigo fazia parte de uma campanha contra a discriminação racial, que se
fazia sentir, especialmente, na educação, na administração da assistência pública
aos desempregados, na recusa da admissão de negros ao funcionalismo público
(só eram admitidos como intérpretes), e nos salários, grosseiramente inferiores,
dos enfermeiros negros. A campanha culminou numa manifestação pública no
edifício do Grémio Africano em Abril de 1932 [56]. Como dizia Estácio Dias:
"Na verdade, como se pode admitir que quem estabeleceu como fundamento de
distinção a condição única de mérito, da justiça e do direito em todo o território
português, venha impor nas Colónias a distinção de cor?.. .A justiça não existe
quando se trata de pretos.. .nem justiça e, muito menos, humanidade..." [57].
A dinâmica transmitida ao movimento associativo pelas circunstâncias da crise
não se restringiu somente à capital la colónia. Pelo contrário, neste período,
concretizaram-se tentativas, as vezes prolongadas, de formar associações
semelhantes noutras cidades do país, nomeadamente em Quelimane, na Ilha, na
Beira, em Inhambane e Gaza [58].
O Grémio Africano de Quelimane, criado em 1925, só em 1931 veria os seus
estatutos aprovados. Entre os objectivos destaca-se:
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
"...o aperfeicoamento moral e intelectual dos africanos, promovendo a sua
educação cívica e despertando neles o sentimento humanitário e de
nacionalidade" (portuguesa, N.R.) [59].
Na Ilha de Moçambique, um grupo de pessoas tentou formar, em 1924/5, o
Grémio Africano de Moçambique e, em 1926, a Liga Moçambicana; todavia,
ambos morreram sem terem visto nunca a luz do dia. No entanto, foi dessas
tentativas que surgiu, em 1930, o Grémio Luso-Africano da Ilha.
Na Beira, foi criado, em 1932, o Grémio Africano de Manica e Sofala. Os seus
objectivos não se diferenciavam dos das outras associações e foi sujeito às
mesmas pressões da parte das autoridades. Segundo os seus estatutos, para além
das actividades recreativas e culturais, propunha-se ainda a protecção moral e
material dos africanos, em geral, e dos associados, em particular. O facto de que
os seus membros seriam assimilados transparece na definição dos sócios
ordinários como "africanos ... cidadãos portugueses", e na cláusula seguinte:
"...são considerados africanos todos os nativos portugueses e seus descendentes
legítimos que sabendo ler e escrever português regularmente, adoptem os usos e
costumes europeus e exerçam profissão, comércio ou indústria de que se
possem manter" [60].
No mesmo ano, o Grémio Africano de Manica e Sofala começou a publicar um
semanário, A Voz Africana, que partilhava a iniciativa e entusiasmo literários do
período 1930-1932.
De facto, os participantes nas iniciativas dessa época julgaram-se uma nova
geração que se não deixou intimidar pela actuação do então regime colonial, e
que, segundo o próprio Karel Pott, "... revelou mentalidades dum grande valor
moral e intelectual e marcou uma etapa de esplendor na história da nossa política
... ". Lutava sem tréguas pelo estabelecimento de " ... uma imprensa nossa,
retintamente africana..." [61].
O conteúdo dessa fase de jornalismo político pode-se avaliar através de O Brado
Africano que, apesar de denunciar publica e veementemente os "desvairos,
desmandos, desvios de poder, esbanjamento", era um jornal dominado pela
pequena burguesia reformista, cujo objectivo era somente 'humanizar' o
colonialismo. Esta ideia transparece mais num extracto do editorial de 27.2.1932,
cujo titulo era "Basta", onde se escreve:
Capítulo 2
"Desejamos de vós, enfim, uma mais humana política..."
No mesmo editorial ainda se pode ler:
"Não pretendemos as comodidades de que vós rodeais, à custa do nosso suor, se
bem que a elas houvéssemos mais direitos que vós; não pretendemos a vossa
refinada (?) [sic] educação,&ão alardeada na nossa presença, pois não desejamos
viver obsecados pela ideia de roubar ao nosso semelhante aquilo de que ele carece
e que não nos pertence. Não, mil vezes! Antes a nossa selvageria que
tanto vos enche a boca ... e as bolsas".
1
Apesar da aparente rejeição dos valores do colonizador, ao mesmo tempo,
pronuncia-se o desejo de igualdade de todos perante a lei, quando se lê, no mesmo
editorial: "Queremos ser tratados como aos vossos tratais". Estava assim selada a
ambiguidade. Por um lado critica-se e recusa-se a cultura do colonizador e, por
outro, reivindica-se a igualdade dentro do próprio sistema do colonizador.
A divisão do movimento associativo No entanto, o regime colonial, fiel à sua
estratégia de desigualdade racial, não podia abster-se perante essas reclamações
modestas. Pelo contrário, desenvolveu-a cada vez mais, procurando explorar as
diferenças sociais, que existiam na elite dos colonizados, na base de raça, de
religião, ou de filosofia de acção.
Em 1931-1932, o Grémio Africano de Lourenço Marques foi seriamente atingido
devido a divergências surgidas entre os seus sócios. Foram várias as causas
apontadas, por vários sectores, para explicar a crise. Além de pormenores,
porventura curiosos, ressalta à evidência o posicionamento radical de um grupo de
assimilados negros, que exigia do Grémio acções mais enérgicas na defesa dos
seus membros, contra as barreiras raciais de que cada vez mais eram vítimas [62].
,De qualquer modo, a história das relações entre os dois grupos é a história da
competição pela representatividade da comunidade negra, não ocultando, muitas
vezes um certo ambiente dominado pela intriga, pela desconfiança e, até mesmo,
pela discriminação racial originada pelas circunstâncias da dominação colonial.
Até então, devido ao seu acesso mais fácil à educação e melhores postos de
emprego, em geral, os mulatos dirigiam a oposição moderada e literária em
Lourenço Marques.
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
Essas divergências foram aproveitadas e logo fomentadas pelas autoridades
coloniais, por intermédio da Secretaria dos Negócios Indígenas e por alguns
colonos influentes. O objectivo era claramente dividir mulatos e assimilados,
diluir toda e qualquer perspectiva reivindicativa do Grémio e de O Brado
Africano, e influenciar os negros assimilados isoladamente. Separar os negros
*assimilados' dos mulatos dava às autoridades coloniais a possibilidade de aliciar
os primeiros com regalias e privilégios, quebrando assim o seu potencial
radicalismo, anteriormente estimulado pela subordinação aos mulatos. Ainda por
cima, essa estratégia possibilitou a integração de importantes figuras protestantes
do sul de Moçambique, cuja religião foi até então considerada altamente
subversiva ao regime sócio-político colonial [63].
Os negros 'assimilados' sairam do Grémio e formaram o Instituto Negrófilo, cujos
estatutos foram imediatemente aprovados em Março de 1932 [64]. De notar que a
aprovação dos estatutos do Grémio Africano tinha levado doze anos a efectivar-se
(de 1908 a 1920). Entre os mais destacados dirigentes e membros do Instituto,
durante os primeiros anos da sua existência, figuram Brown Dulela (o primeiro
presidente da Direcção), João Manuel e Enoque Libombo.
Segundo O Brado Africano, Dulela era "uma grande figura financeira e
comercial" de Lourenço Marques. Nessa altura, Dulela ia para Europa onde
tencionava "adquirir maquinismos em alguns países da Europa e representação de
algumas grandes firmas para vir montar nesta cidade várias indústrias por conta
própria e dar emprego a alguns dos seus patrícios" [65].
Os objectivos do Instituto definiam-se pela promoção do desenvolvimento
material, intelectual e moral dos seus associados e, em geral, de todos os negros
'portugueses'. Tendo feito alguns esforços para manter uma ligação constante com
a população negra, especialmente a da zona sul, a preocupação essencial era o
apoio às familias dos sócios. Apoio moral que se manifestou na tradicional
presença da Direcção em todas as cerimónias fúnebres. Apoio económico e social,
que tanto podia surgir sob a forma de frequentes, embora magros, empréstimos,
como na colocação de desempregados. A assistência social era feita através de
uma Caixa de Auxilio aos pobres. Atenção especial mereceu também a educação,
como sector de promoção social e económica, havendo notícias de, em 1932, o
Instituto ter organizado cursos nocturnos de português e
Capítulo 2
inglês. Por outro lado, por solicitação dos sócios das zonas rdrais, o Instituto
intercedeu junto das autoridades para a criação de escolas em algumas áreas onde
elas não existiam.
Mas, na maior parte das vezes, o Instituto reagiu apenas às queixas e aos pedidos.
Contudo, nem sempre do mesmo modo. Se uns sócios pediam providências contra
colonos que tentavam arrebetar-lhes as terras, a Direcção comunicava logo o caso
às autoridades administrativas, como o fazia se a queixa era contra um
administrador novo que exagerava nos processos de repressão à população.
Nestes casos, a cautela era grande e a Direcção sabia, perfeitamente, até onde iam
os seus limites. Quando régulos ou indunas se consideravam usurpados, devido à
nomeação de outros indivíduos afastados da linha de parentesco que lhes dava o
direito de sucessão, a Direcção podia recusar a causa, atribuindo ao
Administrador toda a competência, ou então mandava que o assunto seguisse para
a frente, mas sempre dentro dos preconceitos estabelecidos pelo poder colonial.
Seja como fôr, o Instituto chegou mesmo a tocar certos pontos mais sensíveis,
embora de modo pontual. Por exemplo, o imposto da palhota foi objecto de
petições e entrevistas com os governantes e a situação dos enfermeiros 'indígenas'
foi também sua preocupação, como era, alias do Grémio Africano.
Apenas um ano depois da sua formação, surgiram diferenças de perspectiva entre
os membros do Instituto Negrófilo, alguns dos quais censuravam os dirigentes
pela sua preferência em promover assimilação aos hábitos e vestuário dos
brancos. Não muito contundente na sua posição, o 'movimento' parece ter morrido
à nascença. Para a Direcção do Instituto, o lema era principalmente promover a
elevação social dos negros dentro do sistema colonial existente.
De facto, o Instituto fazia parte importante da estrutura racial criada pelo
colonialismo. Como as outras associações, vivia essencialmente de subsídios
particulares e oficiais. Entre os 'mecenas', destaca-se o grande empresário local,
Paulino Santos Gil, mas contribuíram ainda firmas como as de João Ferreira dos
Santos, F. Dicca e a WENELA, entre outras. O governo, eventualmente, fornecia
dinheiro, como por exemplo, para a construção da sede, que seria inaugurada pelo
então Presidente Carmona de Portugal, em 1939. Existia ainda um pequeno fundo
da Direcção dos Serviços de Negócios Indígenas, proveniente da diferença
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
obtida na operação cambial de recepção dos salários dos mineiros, regressados da
Africa do Sul, que era destinado ao Instituto Negrófilo.
Na Beira, também, as autoridades, neste caso, policiais, aproveitaram diferenças
sociais, no sentido de apoiar a criação de uma associação só para negros, o
Grémio Negrófilo de Manica e Sofala, independente do já existente Grémio
Africano.
Entre os moçambicanos contemplados com uma bolsa educacional da Missão
Episcopal Americana, em Mount Silinda, na então Rodésia do Sul, encontrava-se
Kamba Simango, que trabalhou na escola da missão. Daqui foi enviado para os
Estados Unidos da América, onde concluiu um curso de professor em 1923.
Depois de uma passagem por Portugal, onde fez o exame de professor na
Universidade de Coimbra, e pela Costa do Ouro (hoje Gana) e por Angola,
regressou a Moçambique onde obteve um certificado de professor da Companhia
de Moçambique em 1927. Trabalhou nos anos seguintes nas escolas de Gogoyo
(Mossurize) e
7. Kamba Simango (c.1897-1967), inspirador do Grémio (depois, Núcleo)
Negrófilo de Manica e Sofala, constituidona Beira em 1935.
Capítulo 2
Mechameje (Buzi). Expulso da missão, foi à Beira, onde montou vários negócios
que iam desde uma pensão até à construção civil. Ali influenciou Chovane
Simango, carpinteiro e pregador, que tinha estudado em Gogoyo em 1929, no
sentido de este fundar uma associação com "escola e religião" onde fosse rezada
missa "separada dos brancos" [66].
No entanto, Chovane viu-se também encorajado pelo Comissário da Polícia, no
sentido de formar uma associação, receoso que a acção de Chovane lhe escapasse
ao controlo. Arranjado um financiador, o pedido foi feito, e o alvará concedido,
em Março de 1935, pela Companhia de Moçambique. O Grémio, cujos sócios só
podiam ser negros, tinha os mesmos objectivos e actividades gerais que o Instituto
Negr6filo de .ourenço Marques: "defesa dos interesses dos associados, a sua
iromoção social e intelectual, actividades recreativas e intelectuais", etc.
Também,lneste caso, a Companhia reservava para si o habitual direito de
encerramento e anulação do alvará, caso o Grémio "se desviasse dos seus fins"
[67].
A estratégia política de assimilação e aliciamento de opositores potenciais e de
focos de descontentamento não se restringiu, apenas, aos negros e mulatos.
Consagrada a divisão entre estes, faltava às autoridades montar o cenário para o
terceiro grupo: o dos 'naturais', os filhos dos colonos nascidos em Moçambique.
Não foi difícil aproveitar um certo descontentamento entre estes que, com a
implantação da política colonial do Estado Novo, se viam crescentemente
relegados para o lugar de .portugueses de segunda', fosse no prestígio social, fosse
no acesso a lugares mais importantes no funcionalismo, fosse ainda na ostensiva
recusa de iguais direitos no que respeitava a certas regalias sociais.
A Associação dos Naturais da Colónia de Moçambique foi fundada em Janeiro de
1935. Nasce, aparentemente, como uma casa 'regional', e afirmava nos seus
estatutos "pugnar pelos interesses dos naturais da colória. Na realidade, numa
altura em que a burguesia portuguesa pretendia consolidar os seus interesses em
Moçambique, subordinando mesmo os interesses dos colonos já estabelecidos
localmente, e quando o governo reorganizava o funcionalismo colonial para
reforçar a sua dependência em relação à Lisboa, a criação da Associação dos
Naturais tinha por objectivo principal o aliciamento de uma potencial oposição
moçambicana branca.
Resumindo o que era o papel e a função social destas instituições, no
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
sistema colonial capitalista, podemos dizer que serviram o interesse fundamental
dos grandes empregadores de mão-de-obra barata moçambicana que, como
vimos, eram os seus principais contribuintes financeiros. A maioria dos sócios
eram mulatos e negros assimilados, como funcionários, enfermeiros, intelectuais e
camponeses com algumas posses, constando ainda um ou outro régulo e alguns
trabalhadores do porto, estes no Instituto Negrófilo de Lourenço Marques. Assim,
o Estado colonial integrou, de forma subalterna, a camada mais capaz de dirigir e
organizar os trabalhadores na sua luta contra a exploração. Receando o
surgimento de uma força anti-colonial e nacionalista, as autoridades coloniais
portuguesas confiaram nesta camada, exercendo um controle sobre ela, enquanto
utilizavam métodos de repressão directa e violenta contra a generalidade dos
trabalhadores rurais e urbanos.
A dependência destas associações em relação ao governo colonial implicava o
cumprimento de obrigações oficiais tais como constantes homenagens às
autoridades portuguesas, que iam desde a apresentação de boas-vindas, ao
descerramento de fotografias, a apoios a manifestações públicas de 'desagravo',
etc. Esta colaboração, não isenta de humilhação, proporcionava situações
caricatas. Por exemplo, num peditório público, o Instituto Negrófilo distribuiu
bandeirinhas com a seguinte inscrição:
"Contribuir para a melhoria das condições sociais dos nativos e engrandecer o
Império Português" [68].
A repressão do jornalismo político Além dessa forma de controle político e social
que o regime esboçava contra a elite moçambicana, as suas reclamações
jornalísticas foram cada vez mais sujeitas à censura. Esta foi, em parte,
informalmente imposta dentro do movimento associatívo. Assim, nos fins de
1932, Karel Pott, acusado por moderados de ser "revolucionário, perigoso e
inútil", foi substituído como Director de O Brado Africano, devido à publicação
de uma alegada difamação a um colono naquele jornal.
Não obstante a censura oficial, imposta em 1934, e a divisão no movimento
associativo, até 1936 O Brado Africano continuou a exprimir a aversão dos
colaboradores mais conscientes aos desvairos do regime. Tendo alguns se
apercebido da estratégia colonial, cuja tónica principal era dividere et imperare,
concluíram que a única arma mais eficaz de luta contra os desmandos do
colonialismo era a unidade e solidariedade dos
Capítulo 2
africanos. Recordemos, por exemplo, o artigo do famoso mestre moçambicano de
sonetos, Rui de Noronha, intitulado 'Solidariedade' e publicado em O Brado
Africano em 1936. Neste artigo, Rui de Noronha, advertia que:
"Enquanto todos nós africanos civilizados não conseguimos ser um único bloco,
trabalhando em conjunto para alcançar um fim que nos satisfaça a todos, podemos
ter a certeza, mas certeza absoluta, de que serão baldados todos os
esforços ... " [69].
Desenvolvendo a argumentação de Karel Pott, que se opôs à criação do Instituto
Negrófilo [70], Noronha estava convencido que só através da unidade e
solidariedade se alcançaria "em dez vezes menos tempo ... a Causa Africana ... "
[71].
Num outro plano, no soneto 'Pós da História', Noronha introduziu na poesia um
elemento ideológico, proveniente talvez da literatura oral, que veio a ser
importante para o nacionalismo moderno moçambicano [72]:
Caiu serenamente o bravo Queto Os lábios a sorrir, direito o busto
Manhune que o seguiu mostrou ser preto
Morrendo como Queto a rir sem custo
Faz-se silêncio lugubre, completo no kraal do vátua celere e vestuto
E o Gungunhana, em pé, sereno o aspecto
Fitava os dois, o olhar augusto
Então Impincazamo, a mãe do vátua Triunfando da altivez humana e fátua
Aos pés do vencedor caiu chorando
Oh dor da mãe sublime que se humilha
Que o crime se não esquece a luz que brilha
Oh mães nas vossas lágrimas gritando
Este texto evoca a derrota do Imperador de Gaza, Ngungunhane. Ao fazê-lo, Rui
de Noronha subverte a imagem de Ngungunhane, produzida de forma
estereotipada pelo aparelho ideológico do Estado colonial, em torno dessa derrota:
Ngungunhane, sentado no chão, por ordem de Mouzinho de Albuquerque.
Contudo, Ngungunhane é poeticamente apresentado "em pé, sereno, ... o olhar
augusto". Era a imagem inversa
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
dos compêndios de história de Portugal. Representava uma opção deliberada de
enquadrar o antigo rei como símbolo orgulhoso da resistência moçambicana à
dominação colonial [731.
Ambiguidade da posição da elite
No entanto, face às circunstâncias internacionais e à política do regime colonial, a
ambiguidade da posição política da elie meçambi~aa manifestou-se ainda com
mais clareza.
De facta, o Grémio Africano e o seu jornal lutavam tradicionalmente contra vários
aspectos da economia colonial, como o "chibalo' e o trabalho migratório que,
devido à pilhagem de mão-de-obra à família camponesa e à propagação de
doenças graves resultantes do trabalho nas minas (por exemplo, pneumonia,
silicose e tuberculose), tiveram consequências nefastas na sociedade rural [74].
Mas, simultaneamente, O Brado Africano, sem dúvida enganado em relação aos
possíveis benefícios ao povo moçambicano, argumentava a favor de várias
^iniciativas coloniais, que só podiam resultar na extensão da dominação colonial,
como o projecto da irrigação do Limpopo que, na sua implementação definitiva,
mais tarde, resultaria na expulsão de milhares de camponeses em prol da
colonização europeia.
A ressuscitada simbologia política de Ngungunhane, proposta por Rui de
Noronha, não significa a adopção, pela elite, de uma visão uniforme sobre o
relacionamento pol*ítico entre os régulos e o regime colonial. Por exemplo,
alguns membros da elite preferiam recomendar o papel positivo de régulos
colaboradores como agentes da civilização portuguesa. E O Brado Africano
argumentava a favor do pagamento aos régulos de uma percentagem do imposto
de palhota, em compensação pela sua colaboração na cobrança [75].
Sobretudo, dava considerável apoio à campanha para a introdução de algodão
como cultura de rendimento. O principal propagandista de algodão, no sul, foi um
delegado do Grémio Africano de Lourenço Marques, pago pelo governo colonial.
O relatório de uma viagem progandística a Inhambane em 1935, publicado -em O
Brado Africano, descreve com aprovação e satisfação a imposição da cultura
algodoeira, como modelo da intensificação da agricultura 'indígena', chegando
mesmo a louvar as- palestras "sobre a história dos portugueses como
colonizadores e sobre o Império colonial", que sempre acompanhavam
Capítulo 2
a propaganda agrícola [76].
O Brado Africano descreveu como "justos e brilhantes" as afirmações do Ministro
português das Colónias feitas em 1935, segundo as quais o negro devia ser o
objecto central de toda a política colonial, no sentido de torná-lo um melhor
produtor e consumidor. O Brado encarava bem a política, enunciada pelo
ministro, de limitar a fixação branca, colocando os colonos apenas em postos de
direcção e como técnicos. Devemos lembrar que, na altura, esta política apareceu
como um avanço considerável sobre aquilo que foi praticado antes de 1926, que
resultou na fixação descontrolada de machambeiros e trabalhadores brancos, em
detrimento dos produtores e trabalhadores moçambicanos [77].
Além disso, a leitura dos artigos dos jornais ligados às associações leva à
conclusão de que, não obstante uma maior ênfase na unidade, a análise do
carácter real da dominação colonial pouco avançou, e que, por esta razão,
soluções concretas não se esboçaram. Por exemplo, a 'Causa Africana', veiculada
por Noronha e outros, permanecia como uma ideia geral. A referida *unidade'
significou só aquela entre os mulatos e assimilados, já quebrada pelas divisões no
movimento associativo. Não foram delineados objectivos precisos de luta, senão o
cumprimento dos expressos nos estatutos das associações, um objectivo limitado,
assim, ao melhoramento da situação da elite na estrutura colonial [78].
Da mesma forma, nesta fase o "africanismo', 'pan-africanismo' e &patriotismo'
não chegaram a ser definidos em termos de uma nacionalidade senão a
portuguesa. Esta dificuldade em analisar as bases profundas do colonialismo ia
ainda mais longe. Como noutros territórios da África Austral, existia a tendência,
por parte da elite africana, de enculpar a burguesia europeia local, e a população
branca em geral pelas injustiças do colonialismo, e de confiar na 'justiça' e 'boa fé'
do governo da metrópole para corrigir estes 'erros'. Isto é, esperava-se que a
burguesia metropolitana desenvolvesse uma política que responderia às
reclamações da pequena burguesia africana e reformista, em detrimento do poder
da população branca radicada em Moçambique. Sem nenhuma análise profunda
do colonialismo, colocando, as vezes, os interesses da metrópole no primeiro
plano, a elite ficou naturalmente míope no que concerne ao carácter real das
'injustiças' e, assim, aos meios políticos para a sua eliminação.
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
Agudização da tensão política e repressão fascista, 1935-1937 No entanto, a
invasão da Etiópia pela Itália mussolínica em Outubro de 1935, que se prolongou
por sete meses devido à resistência abnegada do povo abissínio, apareceu como
um elemento catalizador da consciência política anti-colonial em Moçambique.
Quase todos os colaboradores do Brado Africano, ainda que em determinadas
circunstâncias tenham tido análises políticas heterogêneas, ao eclodir o conflito,
foram todos unânimes na condenação e repúdio à agressão italiana.
A opinião pública, revelada na imprensa em Moçambique, deplorava a agressão
italiana e solidarizava-se com o povo abissínio, que resistia a moderna máquina
de guerra italiana. Pôs-se em causa o cinismo da apregoada missão civilizadora da
Itália na Etiópia que "provoca a guerra que traz a morte, desolação e a miséria em
muitos lares ... " [79]. Outros se interrogavam "se a pretensão mussolínica é
unicamente para civilizar o povo abissínio, para tornar um povo culto, porque
deixou de civilizar i Líbia e Somália?" [80]. Um artigo não assinado, publicado na
revista Luzitana e reproduzido em O Brado Africano, mostra muito claramente o
desapontamento do imperador Negus que, ao abandonar o seu país, não só
abandonou o trono como também todas as ilusões "sobre a consciência cúpida do
europeu-ávido como um bárbaro e falso como um civilizado decadente ... " [81].
Este conflito foi aproveitado pelos escritores conscientes para contornarem ainda
mais a censura da imprensa imposta em 1934. Sob a máscara da condenação das
barbaridades da Itália mussolínica, os críticos do sistema colonial interrogavam-se
sobre a obra civilizadora do colonialismo europeu que, até então, nada tinha feito.
Faz-se publicamente, tomando como exemplo a Itália, o balanço da actividade dos
colonizadores em Africa, em geral, e em Moçambique, em particular.
Por outro lado, a conquista italiana da Etiópia não só mostrou o apetite das
grandes potências europeias por colónias, como também reforçou as ideias, nunca
postas de lado, desde a I Guerra Mundial, de uma redivisão de Angola e
Moçambique em benefício dessas potências (particularmente Alemanha e Itália).
Receando essa possibilidade, apesar do vigor e acuidade das opiniões reveladas
relativamente ao colonialismo aquando da conquista italiana da Etiópia, um mês
após a ocupação de Adis Abeba (em Maio de 1936), o Grémio Africano e o
Instituto Negrófilo de Lourenço Marques mandaram um telegrama ao Ministro
português das
Capítulo 2
Colónias, em que defenderam publicamente a integridade do Império Colonial
Português [82].
Apesar dessas ambiguidades, cresceu na segunda metade da década de 1930 a
consciência da necessidade de ultrapassar os limites que circundavam o
movimento associativo. Por exemplo, em Agosto de 1936, alguns activistas,
insÁtisfeitos com o Instituto Negrófilo, formaram a União dos Negros Lusitanos.
Os seus estatutos não eram realmente diferentes das outras associações, mas as
suas reuniões deram ocasião para debates abertos, considerados indesejáveis pelas
autoridades.
Vários artigos em O Brado Africano questionaram incisivamente a desunião a que
o movimento associativo foi destinado no sistema colonial. Um editorial, em
Junho de 1937, chegou a propor a formação de uma comissão de representantes
das várias associações, com o objectivo de formar uma confederação. Além disso:
"Conseguida essa obra procurar-se-ia interessar pela divulgação de ideias,
necessárias à concepção elevada do objectivo político do povo nativo, todos os
filhos da terra conscientes e civilizados, pelos problemas mais importantes para a
vida de todo o povo africano e essencialmente para a preparação do seu
futuro" [83].
Esta proposta visava, assim, o passo fundamental para a unificação da oposição e
o objectivo concreto da promoção da consciência política.
De facto, o momento para este avanço na organização política moçambicana não
podia ter sido menos propício, devido à determinação portuguesa de reforçar o
seu poder nas colónias através dos meios repressivos já em vigor em Portugal.
Desta forma, em Setembro de 1936, as intenções reais do governo português
ficaram mais patentes aquando da promulgação de uma lei que ia longe na
repressão política fascista em Moçambique. Esta lei exigiu um juramento de todos
os funcionários do Estado, serviços autónomos, bem como os corpos e
corporações administrativos, de estarem integrados na ordem social estabelecida
na constituição fascista portuguesa, " ... com activo repúdio do comunismo e de
todas as ideias subversivas" [84]. Encarregou os directores e chefes de serviços,
sob pena de reforma imediata, de cuidar que os seus respectivos funcionários não
professassem "doutrinas subversivas". Além disso, as empresas privadas, se
pretendessem ajuda do Estado, tinham que impor as mesmas regras.
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
A implementação desta lei em 1937, com a sua definição muito genérica de
comunismo e subversão, e a utilização subsequente de informadores contra
'subversivos', representava um golpe considerável nos membros das associações e
nos escritores. Na sua maioria, estes lutavam para proteger postos de emprego nas
instituições do Estado ou serviços autónomos e, a partir desta altura, tinham que
camuflar ainda mais as -suas opiniões políticas, e mesmo o seu orgulho e
personalidade africanos [85].
Em Julho de 1937, porque não se conformava com os preceitos repressivos da
política colonial, o governo mandou encerrar a União dos Negros Lusitanos após
só 11 meses de existência [86]. A proposta comissão de representantes nunca
chegou a reunir.
No que diz respeito à Imprensa em si, com a saída de Pott, a morte de José
Albasini (1935) e de Estácio Dias (1937), e a colocação na direcção de O Brado
Africano, em 1937, de pessoal seguramente identificado com os interesses do
regime colonial, o controle governamental sobre a imprensa associativa em
Lourenço Marques foi assegurado. No mesmo ano, apareceram editoriais no
jornal que davam apoio aberto e incondicional aos objectivos político-económicos
do regime salazarista [87].
NOTAS:
1. L. Vali e L. White, Capitalism and colonialisn in Mozambique: a study of
Quelimane district, London: Heinemann, 1980, pp. 254, 265.
2. Ibid.. pp. 265-268.
3. AHM, ISANI, Cx. 76, Armando Eduardo Pinto Correia, Relatório da Inspecção
ordinária às circunscrições do distrito de Moçambique, 1936-1937, vol. II, p.
263; ibid., Cx. 94, Armando Eduardo Pinto Correia, Relatório e documentos
referentes à Inspecção ordinária da província do Niassa, 1938-1940, vol. II, pp.
150-158; FEstatftica de Comércio e de Navegação, 1930-1937.
4. BO 27, 1938, Decreto 28.697, 25.5.1938, preAmbulo. Para uma comparação
das
eventuais vantagens da produção familiar de algodão em relação ao trabalho nas
plantações, ver, p. ex., AHM, FGG, Cx. 2450, No. 86, J. Figueiredo, Governo
da Província do Niassa, Relatório, 1938, 1 parte, pp. 212-213.
5. Estatística de Comércio e Navegação (1928-1935); Anuário da Companhia de
Moçambique, 1928-1935.
Capítulo 2
6. Idem.
7. UEM/CEA, O mineiro moçambicano, Maputo: mimeo, 1979 [reedição], p. 26;
ver também, J.Granger, 'A convenção', BSEM, no. 10, Agosto 1933, p. 20.
8. Ver, por exemplo, AHM, ISANI, Cx. 30, A. A. Furtado Montanha, Relatório
e documentos referente à Inspecção ordinária às circunscrições do Distrito de
Inhambane, 1930, p. 34f.
9. Ver Actas do Conselho do Governo 10. L. A. Covane, 'As relações económicas
entre Moçambique e a África do Sul,
1875-1964: edição crítica dos Acordos e Regulamentos principais', Trabalho de
Diploma, Licenciatura em História com especialidade em Documentação,
UEM/AHM, 1985, pp. 86-88, 92-94.
11. J. das Neves, 'O trabalho migratório de Moçambicanos para a Rodésia do Sul,
1913-1958/60', Trabalho de Diploma do grau de Licenciatura, Instituto Superior
Pedagógico, Maputo, 1990, pp. 23, 27-31, Anexos, p.4; 1. Phimister, An
economic and social history ofZinbabwe, 1890-1948: capital accumulation and
class struggle, Londres: Longman, 1988, p. 183, passim; BO 39, 26.9.1934, p.
615: Acordo sobre recrutamento de trabalhadores indígenas no distrito de Tete,
Colónia de Moçambique, para serem empregados na Colónia de Rodésia do Sul;
sobre esta matéria ver, particularmente, A. Rita Ferreira, 'Trabalho migratório
de'Moçambique para a Rodésia do Sul,' História (Lisboa), 8, Junho, 1985, pp.
42-49; sobre os 'Uleres' ver P. Scott, 'Migrant labor in Southern Rhodesia',
Geographical Review, 44 (1954), pp. 29-48.
12. Inês Nogueira da Costa, Contribuição para o estudo do colonial-fascismo em
Moçambique, Maputo: AHM/UEM, 1986 [Série Estudos 1], p. 15 13. Ver
Capítulo I, pontos 5.2, 5.3.
14. Com a excepção de Manica e Sofala, onde se utilizou a libra especial da
Companhia de Moçambique até 1942, e da cobrança do imposto de palhota no
sul, pagável em libras esterlinas da África do Sul.
15. BO 26, 25.6.1932, Decreto no. 21.226, 22.4.1932; M. G. Beatriz, 'A
classificação e os preços do algodão-caroço em Moçambique de 1930 a 1962',
Gazeta do
Agricultor, vol. 14, no. 163, 1962, pp. 356-357.
16. J. Cardoso, 'O comércio de Moçambique: a sua evolução durante os últimos
dez
anos', BSEM, 9 (1940), pp. 82-222; para uma síntese mais global desta
tendência, ver Nogueira da Costa, op.cit., passim. 17. Ibid., p. 16
18. L. Val, 'Railway development and colonial underdevelopment: the Nyasaland
case', in R. Palmer e N. Parsons, [coord.], The roots of rural poverty in southern
and central Africa, Londres: Heinemann, 1977, pp. 365-395; idem., 'The making
of an imperial slum: Nyasaland and its railways, 1895-1935',
Journal ofAfrican History, vol. 16, 1(1975), pp. 89-112.
19. Anuário do Ensino, 1930, Lourenço Marques, 1931, pp. 10-11. 20. Idem.
O Reforç do Colonialismo Português, 1930-1937
21. Deve-se recordar que, na famosa batalha de Adua, em 1896, o exército etíope
repulsou a primeira invasão italiana. A resistência e independência vieram a ser,.
desde então, um símbolo da resistência de povos africanos noutros territórios
colonizados. [Acrescentada à história do cristianismo na Etiópia, desde
antiguidade, Etiópia, e as palavras 'etíope' e 'etiópico' vieram a significar
'independência' ou até, mesmo, *subversão', em relação ao colonialismo, em
grandes zonas de Africa. Em particular, as igrejas que se formaram após uma
separação de missões europeias na África Austral, a partir da década de 1890,
como a de Sicobele e Sousa em Moçambique (capítulo 1), eram geralmente
conhecidas como 'Igrejas etiópicas']. No entanto, em 1935, melhor prepandos, os
italianos voltaram a invadir, e apesar de uma prolongada resistência etíope,
conseguiram ocupar a capital, Adis Abeba, em Maio de 1936, impondo depois o
domínio colonial sobre o país. Foi, provavelemente, para encorajar o povo etíope
nessa última resistência que os cartazes, no texto referidos, foram feitos. 22.
AHM, Administração Civil, Seçcão E, Missões religiosas, Cx. 197, Pinto
Correia ao Governador da Província do Niassa, 4.2.1937; Circular Confidencial
12/6, 13.3.1937; Encarregado do Governo da Província do Niassa ao Director
dos Serviços de Administração Civil, 20. 8. 1937.
23. AHM, FGG 57, J.B. Casqueiro, Relatório anual do Governo da província do
Niassa, 1935-1936, pp. 23-24; AHM, ISANI, Cx. 76, Pinto Correia, 1936-1937,
vol. II, pp. 16-18, 278; ibid., Cx. 94, Armando Eduardo Pinto Correia, Relatório e
documentos referentes à Inspecção ordinária da província do Niassa, 1938-1940,
vol. I, pp. 98-99; AHM, FTO, entrevista com Alfredo Kanchale; Carlos do
Amaral Osório, 'Impressões de uma viagem ao norte da Colónia',
BSEM, 28 (1935), p. 268.
24. BA, 20.2.1932.
25. AHM, ISANI, Cx. 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, p. 131; para uma
reclamação de moçambicanos residentes na Rodésia do Norte (Zâmbia) contra
aspectos desta situação, ver AHM, FGG, Cx. 2450, No. 86, J. Figueiredo,
Relatório, 1938, 1 parte, pp. 40-42.
26. AHM, ISANI, Cx. 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, pp. 130-131. 27.
Ibid., p. 86; Cx 76, Pinto Correia, 1936-1938, passim. 28. Ibid., Cx 94, Pinto
Correia, 1938-1940, vol. 1, p. 133. 29. Ibid., pp. 129-130; segundo essa
estimativa, a população de Cabo Delgado
diminuiu de 387.319 em 1930 para 339.058 em 1934.
30. Ver, por exemplo, Ibid., Cx 76, Pinto Correia, 1936-1938, vol. 1, p.263, vol.
2, p. 267; em Nacala, por exemplo, o número de lojas continuou a diminuir
durante a década: das 18 em funcionamento em 1934, só 6 se registaram em
1937, e estas abriram apenas para a comercialização de cajú.
31. Administrador de Montepuez a Director Distrital de Fazenda, Nota 284,
31.5.1934, citado em ibid., Cx 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, p.137. 32.
Ibid., Cx 76, Pinto Correia, 1936-1938, vol.1, p. 298.
Capítulo 2
33. Ibid., vol. 2, pp. 52, 56.
34. Ibid., vol. 1, p. 320; Cx 94, vol. 1, p. 87. 35. Ver, inter alia, ibid., Cx 76, vol.
1, pp. 320-321, vol. 2, p. 275. 36. Ibid.
37. Ver ibid., pp. 320-321, passim; ibid, Documentos anexos, Parecer, lnspecçao
Superior da Administração Colonial (Lisboa), 14.10.1938.
38. AHM, ISANI, Cx. 97, C.H. Jones da Silveira, Relatório e documentos
referentes
à Inspecção ordinária feita na província do Niassa - 2a parte, 1944: Relatório, p.
45; (F. Monteiro Grilo) Relatório do Chefe dos Serviços de Agricultura, 19401944, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1946, 1 parte, pp. 159-160. 39. A
matéria que se segue baseia-se em AHM, ISANI, Cx. 76, Pinto Correia,
vol.1, p. 117f; Cx. 95, Jones da Silveira, p. 37 e documentos xxxi-xxxii; AHM,
FGG, Cx. 2450, No. 86, J. Figueiredo, Relatório, 1938, 1 parte, pp. 27-39; Paulo
Soares, 'O caju e o regime das propriedades no Mossuril entre 1930 e 1950',
Arquivo, 4 (1988), pp. 91-104. Os autores agradecem a Paulo Soares o acesso a
um resumo da versão original deste artigo, e a sua ajuda na elaboração
deste sub-capitulo.
40. AHM, FCM, Relatórios do Director de Agricultura, 1927-1933. 41. Beira
News, 30.3.1932.
42. O 19 de Junho (Beira), 25.3.1932. 43. AHM, FCM, Secretaria-Geral,
Circunscrição da Beira, Relatório da cobrança do
imposto de palhota, 1932.
44. Ibid; Beira News, 23.3.1932.
45. O 19 de Junho, 25.3.1932.
46. Ibid.
47. O Emancipador, 6.6.1932.
48. AHM, FCM, Secretaria-Geral, Cx. 140, Relatório anual da circunscrição da
Beira, 1932.
49. Ibid., Cx. 160, Correspondência expedida da Secretaria-Geral para diversas
entidades, 5/483, S-G ao Chefe da circunscrição de Mossurize, 4.5.1932. 50.
BCM, 17, 1.9.1932, Ordem no. 6478, 25.8.1932. 51. O Emancipador, 11.9.1933.
52. BO 21, 27.5.1933, BO 31, 5.8.1933, Decreto-lei 22.469 (11.4.1933) com
alterações em Decreto-lei 22.756 (5.8.1933); A. Sopa, 'Catálogo dos periódicos
moçambicanos precedido de uma pequena notícia histórica: 1854-1984', Trabalho
de Diploma, Licenciatura em História com especialidade em Documentação,
Universidade Eduardo Mondíane, 1985, p. x e n.30. 53. Ibid., pp. 56-57, 92.
54. Tradução conforme R.B.M. Honwana, Memórias: Histórias ouvidas e vividas
dos
homens e da terra, Maputo, 1985, p. 67. 55. BA, 27.2.1932.
56. BA, 19.3.1932, 25.3.1932, 16.4.1932.
O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937
57. BA, 20.2.1932.
58. Ver Karel Pott, 'Um aniversário', A Voz Africana [Beira], 31.12.1936. 59. BO
48, 28.11.1931, p. 501.
60. BCM 22, 16.11.1932, Estatutos do Grémio Africano de Manica e Sofala,
27.10.1932. Deve-se notar que, após 1937, quando a estrutura de organizações
corporativas do estado fascista português se tornou extensiva às colónias, as
associações até então chamadas 'Grémios' tinham que modificar a sua
denominação, de modo a distinguirem-se nitidamente das novas organizações.
[BO 21, 26.5. i937, Decreto 27.663, 23.4.1937]. Assim, por exemplo, o Grémio
Africano de Manica e Sofala veio a ser chamado 'O Centro Africano da Beira'; o
Grémio Luso-Africano de Moçambique passou a ser a 'Liga Luso-Africana de
Moçambique', e o Grémio Africano de Lourenço Marques a 'Associação
Africana'.
61. 'Um aniversário', A Voz Africana, 31.12.1936, (a testemunha pessoal de Karel
Pott)
62. Os parágrafos seguintes baseiam-se em: J. Moreira, 'O dividido movimento
associativo moçambicano', Maputo: UEM/DH, s.d. (mimeo); AfiM, Cód.
116260-116263, Livro das Actas da Assembleia Geral do Instituto Negrófilo;
Honwana (1985), pp. 64-65.
63. Ver cap. 1, pontos 4.3, 4.4.
64. BO 11, 12.3.1932, Portaria 1617, 12.3.1932: Estatutos do Instituto Negrófilo.
65. BA, 21.5.1932; O Brado Africano acrescenta ainda que Dulela gozava "... de
uma grande influência na África do Sul, onde conta com a amizade íntima com o
grande caudilho negro Khadalie"; Secretário-Geral do Sindicato Geral dos
Trabalhadores de Indústria e Comércio. Este sindicato (a 'Industrial and
Commercial Workers Union of Africa', ou ICU), representava a primeira fase de
sindicalização negra sul africana. Na década de 1920, mobilizou cerca de 100.000
trabalhadores negros, nas zonas urbanas e rurais, através de uma propaganda
política militante; veio a ser destruído devido à repressão governamental,
contradições internas sobre os seus objectivos e ao desemprego durante a crise
mundial, 1929-1933; ver UEM/DH, Manual de História, lOa classe, Maputo:
Ministério de Educação e Cultura, 1980, p.55; R. Davies, D.
O'Meara e Sipho DIamini, The strugglefor South Africa, Londres: Zed Books,
1984, vol.1, p. 16.
66. J.K. Rennie, 'Colonialism and the origin of nationalism among the Ndau of
Southern Rhodesia, 1890-1935', Tese de Doutoramento, Universidade de
Northwestern (EUA), 1973, pp. 379-419; SR II, 63-67; Moreira (s.d.): 39-40; para
Kamba Simango, ver M. de Andrade, 'Proto-nacionalismo em Moçambique.
Um estudo de caso: Kamba Simango [c.1890-19671', Arquivo, 6 (1989), pp.
127-147.
67. AHM, FCM, Secretaria Geral, Cx. 866, Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala,
Acta da Reunião preparatória para a fundação na Beira do Grémio Negrófilo de
Manica e Sofala, 19.11.1934; BCM 8, 16.4.1935, p. 168, Alvará pela qual são
Capítulo 2
aprovados os estatutos da associação de recreio e instrução denominada 'Grémio
Negr6filo de Manica e Sofala', 7.3.1935; SR 1I, 68-69; Moreira (s.d.): 39-40. 68.
AHM, c6d.116260-116263, Livro das Actas do Instituto Negrófido. 69. BA,
18.4.1936.
70. Honwana, op. cit., p. 64.
71. Idem. Como escreveu o são-tomense Jorge Netto, um colaborador regular do
jornal, referindo à divisão do movimento associativo, "(a) desunião em
Moçambique é a queda desastrosa da formação das elites..."; ver BA, 12.5.1934.
72. BA, 3.11.1934.
73. Ver F. Mendonça, 'Rui de Noronha. António Rui de Noronha, Lourenço
Marques 28.10.1909-25.12.1943', Domingo [Maputo], 4.1.1987. 74. Ver, por
exemplo, BA, 2.4.1932, 30.5.1936. 75. Ver BO 4, 24.1.1934, Portaria 2179, que
concedeu o pagamento de 2% dos
proventos do imposto da palhota aos régulos; José Cantine, 'A acção do
malogrado régulo Machatine', BA, 24.12.1936. 76. BA, 20.4.1935; ver, também,
cap. 1, ponto 4.. 77. BA, 3.8.1935.
78. Ver, por exemplo, 'Frente Unica' por Francisco Veloso da Rocha, BA,
13.3.1937; para uma análise sociológica do discurso protonacionalista antes da I
Guerra Mundial, ver M. de Andrade, 'As ordens do discurso do "Clamor
Africano": continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário', Estudos
Moçambicanos, 7 (1990), pp. 10-17. 79. Ver BA, 7.3.1936.
80. BA, 21.3 1936.
81. BA, 16.5.1936.
82. BA, 13.6.1936; para os receios de uma redivisão das colónias portuguesas, ver
também BA, 20.4.1935, 8.8.1936, 5.9.1936. 83. BA, 19.6.1937; ver também BA,
18.4.1936. 84. BO 41, 14.10.1936, Decreto-lei 27.003 de 14.9.1936, extensivo ao
'ultramar'
pela Portaria Ministerial 8530, de 29.9.1936.
85. Para o ambiente criado por esta lei, ver, por exemplo, O Emancipador,
14.6.1937; Honwana (1985): 72.
86. BO 32, 12.8.1936, Portaria 2833; BO 30, 28.7.1937 87. Ver, por exemplo, 'O
Estado Novo é a nossa Pátria renascida', BA, 15.5. 1937;
'Urge integrar a mocidade das colónias nas ideias nacionalistas do Estado Novo',
BA, 5.6.1937.
Capítulo 3:
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
1 Introdução: Características gerais do período 1938-1944
1.1 A procura renovada de matéria-primas Em 1938, o estado português começou
a desenvolver métodos novos e mais eficazes para o aumento da produção de
algodão nas colónias. Se bem que a produção em Moçambique tivesse
aumentado, entre 1931 e 1937, isso representava apenas cerca de 20 por cento das
necessidades da indústria têxtil portuguesa (capítulo anterior).
Com a crescente procura mundial, o preço do algodão no mercado internacional
aumentou. Foi nesta altura que a indústria têxtil portuguesa recebeu um grande
estímulo para o seu desenvolvimento através do acesso ao mercado têxtil em
Espanha, cujas fábricas diminuíram a produção durante a prolongada guerra civil
que atingiu esse país europeu (1936-1939).
Pressionado pelos proprietários da indústria têxtil, o governo de Salazar alterou o
antigo sistema de prémios financeiros e criou instrumentos administrativos
capazes de fomentar, directa e mais eficazmente, a cultura e comercialização do
algodão. O objectivo era garantir a auto-suficiência em algodão, a preços baixos,
dentro do chamado 'Império Português'.
Capítulo 3
O governo português, através de legislação para o efeito, passou a poder
controlar, a partir de Lisboa, todos os aspectos da produção e comercialização do
algodão nas colónias. Criou-se, em 1938, a Junta de Exportação de Algodão
Colonial (JEAC), com sede em Lisboa. Através desta organismo, o governo
pretendeu estabelecer um maior controle sobre as companhias concessionárias em
Moçambique. O sistema de produção camponesa mantinha-se, e as companhias
obrigaram-se a desenvolver, mais activamente, a cultura do algodão em
concessões alargadas. Toda a exportação tinha de ser aprovada pela JEAC, sob
pena de perda das suas concessões [1].
Para além da crescente procura do algodão, a II Guerra Mundial, que durou de
Setembro de 1939 até Setembro de 1945, e que envolveu todos os países
industrializados, provocou graves perturbações no comércio mundial de matériasprimas, tendo naturalmente afectado a economia de Moçambique, país fornecedor
desses recursos. Desenvolveu-se uma guerra marítima de grande envergadura, em
que cada beligerante procurou estabelecer o controlo exclusivo sobre as rotas do
comércio, assegurando dessa forma, o fornecimento de matérias-primas para
garantir o aumento da sua produção industrial bélica. Por outro lado, cada um dos
blocos em conflito pretendia impedir, ao seu oponente, o acesso às fontes dessas
matérias-primas, como forma de enfraquecer a respectiva indústna.
As enormes perdas de recursos provocadas pela guerra (por exemplo, navios
carregados afundados) e a produção industrial elevada tiveram como resultado a
elevação dos preços das matérias-primas. A GrãBretanha, em especial, pagava
altos preços pelas suas importações de produtos alimentares.
A deslocação do comércio marítimo e dos mercados mundiais reforçou a
estratégia da burgúesia portuguesa em se abastecer, na medida do possível, de
matérias-primas das suas próprias colónias, incluindo o algodão. Além disso,
Portugal, aproveitando a crescente procura internacional de matérias-primas, foi
grande fornecedor de produtos das suas colónias aos blocos beligerantes.
Portugal utilizou a sua neutralidade de modo bastante lucrativo e em benefício da
sua própria acumulação. Os dirigentes colonialistas portugueses apresentaram a
guerra como um 'flagelo necessário', a suportar por todas as partes da 'Nação'. Era
a 'economia de guerra', de
A Reestruturaçao da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
1939 a 1945, que se podia resumir no seguinte:
i) um processo de acumulação maciço de capital, centralizado, pelos mecanismos
do estado corporativo, na grande burguesia industrial e
bancária portuguesa com as suas ramificações coloniais;
ii) um processo de acumulação assente na sobre exploração dos trabalhadores e no
saque colonial. A não participação na Guerra e a posição ambígua face aos blocos
em conflito, irá permitir o reforço da posição de Portugal a nível do comércio
externo, com base no aproveitamento das matérias-primas de Moçambique e das
outras
colónias.
1.2 Capital português e, reorganização da administração colonial As
circunstâncias da guerra facilitaram também a crescente substituição do capital
não português em Moçambique por capital português que, após dez anos da
política económica de Salazar, já tinha atingido um certo nível de acumulação. No
fim da década de 30, a burguesia portuguesa procurou colocação segura, garantida
pelo estado, para os seus capitais e investimentos.
O exemplo mais evidente deste processo foi a transformação da Société Colonial
Luso-Luxembourgeoise, antiga concessionária de algodão no norte de
Moçambique. Depois da ocupação do Luxemburgo pela Alemanha, o ministro
português das colónias julgou conveniente encorajar capitalistas portugueses a
pagar 50 milhões de escudos aos antigos proprietários pela sua parte na
companhia [2]. Em 1942, esta sociedade foi absorvida pela Companhia dos
Algodões de Moçambique que, recém-constituída com capitais portugueses e
detendo o monopólio da produção algodoeira de Nampula e de vastas regiões de
Cabo Delgado, Niassa e Zambézia, se tornou, de longe, na maior companhia de
algodão em Moçambique.
Em 1943, o governo português legislou sobre a actividade de capitais estrangeiras
em Portugal e nas suas colónias. Foi então promulgada a Lei de Nacionalização
de Capitais, a qual explicitava que a exploração de serviços publicos, actividades
em regime exclusivo ou quaisquer outras de interesse fundamental para a defesa
do estado ou para a economia, só seria permitida a empresas portuguesas. A lei
especificava que empresas
Capítulo 3
portuguesas eram todas aquelas em que pelo menos 60 por cento do capital fosse
pertença de portugueses.
A legislação do 'nacionalismo económico', não impediu, contudo, totalmente, a
penetração de capitais não-portugueses, mas facilitou a aquisição e o controle de
empresas e actividades na estrutura industrial, a empresários e grupos capitalistas
portugueses, inclusivamente colonos.
Como foi referido, a política de integração administrativa do espaço colonial tinha
já sido adoptada antes de 1930. Quando terminou a concessão majestática da
Companhia de Moçambique em 1942, o estado colonial português tomou a seu
cargo a administração das províncias de Manica e Sofala, passando a maioria dos
funcionários da companhia cessante para o novo quadro administrativo. Também,
nesta zona, o período favoreceu a expansão de capitais portugueses. Segundo o
testemunho de um Inspector do Estado português, a Companhia Colonial do Búzi,
com capitais portugueses, foi considerada como uma companhia verdadeiramente
portuguesa, tendo expandido as suas actividades no sector agro-industrial. Por
outro lado, a Companhia de Moçambique, transformada então numa companhia
privada, fechou as suas minas em Macequece e Inchope, e propôs-se a vender
quase todas as suas fazendas[3].
1.3 0 poder reforçado do Governador-Geral Em 1940, chegou a Moçambique um
novo Governador-Geral: José Tristão de Bettencourt. Homem da máxima
confiança nos círculos dirigentes portugueses, Bettencourt teve o papel de
dinamizar o aparelho de Estado colonial no sentido de coordenar, de uma maneira
mais rigorosa do que anteriormente, a produção nas zonas rurais de Moçambique,
para que a burguesia portuguesa aproveitasse plenamente as circunstâncias da
Guerra. Como veremos neste capítulo, começou também com ele a introdução das
instituições fascistas no país, e a implementação do acordo entre o Vaticano e o
governo português para a promoção da Igreja Católica nas colónias.
Na concretização dessas linhas gerais da política colonial, Bettencourt soube tirar
proveito da situação de guerra. De facto, com os grandes países industriais em
guerra, foi consideravelmente reduzida a possibilidade de críticas internacionais
ao colonialismo português, nomeadamente em matéria de política laboral. O
próprio Bettencourt confirmava em
A Reestruturaçâo da Sodedade Moçambicana, 1938-1944
8. Tomada de posse do Governador-Geral colonial, J. T. Bettencourt, 20.3.1940.
9. Saudação fascista do Ministro das Colónias, frente à Mocidade Portuguesa,
Lourenço Marques, 1942, na presença de Bettencourt e o Cardeal Gouveia.
Capítulo 3
1944, ap6s uma intensificação da produção rural através de métodos violentos:
"No momento actual, em que as grandes nações estão preocupadas com os
problemas de guerra, é natural que passe sem comentário, qualquer arbitrariedade
por nós praticada em relação ao sistema do trabalho imposto
por acordos internacionais" [4].
Foi, por isso, possível a intensificação da exploração, acompanhada, em geral, por
todo o género de arbitrariedades, ao mesmo tempo que o bloqueio informativo
imposto impediu que a resistência da população encontrasse ou recebesse
qualquer apoio internacional.
2. As culturas forçadas
2.1 Generalização do cultivo do algodão Os decretos e regulamentos de 1938
tinham já definido muito claramente as condições segundo as quais as
companhias concessionárias podiam actuar se pretendessem manter as suas
licenças. Estas novas disposições não faziam referência aos meios pelos quais o
algodão se devia tornar a
10. Apesar de ser una cultura obrigatória, em alguns lugares favorecidos,
particularmente na década de 1950, o algodão tornou-se mais rentável.
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A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
11. Mercado de Nametil, Nampula. Os baixos preços e vigarices praticados nos
mercados de
algodão provocaram a constante
resistência dos produtores.
principal cultura na área da concessão, e como os camponeses deviam ser
obrigados a cultivar, prioritariamente, essa planta. De facto, a partir de 1938, o
cultivo do algodão, nas concessões reorganizadas, iniciou uma longa luta entre os
produtores camponeses por um lado, e as companhias e administradores por
outro, que decorreu numa primeira fase até 1942, e durante a qual foram
elaborados, passo a passo, os mecanismos de um sistema de cultura forçada.
De início, em 1939, a JEAC tentou promover o aumento da cultura do algodão
através da propaganda e da persuasão. Em reuniões nos regulados escolhidos para
a promoção da cultura, os administradores, chefes de posto, agentes da Junta e
missionários propagandearam que o cultivo do algodão seria um grande benefício
para o povo, e este aproveitaria do dinheiro da produção e de roupas baratas, de
algodão, que seriam produzidas e vendidas localmente. Além disso, partindo do
princípio de que esta era uma cultura que aumentaria o bem estar material do
campesinato, ela devia ser efectuada nos melhores solos e ocupar a maior parte do
tempo de trabalho do camponês. No primeiro ano, os camponeses que não tinham
experiência do algodão aceitaram os argumentos que lhes foram expostos, e
começaram a experimentar a nova cultura quando as sementes foram distribuídas.
Mas, algumas das desvantagens para os produtores da cultura
Capítulo 3
12. Descaroçamento de algodão, Buzi, Sofala; apesar das más condições, trdbalho
nas fábricas contribuiu para a formação do assalariado rural.
algodoeira cedo se tornaram visíveis logo após o início do cultivo. A não ser
quando cultivado em solos particularmente apropriados, tais como alguns
existentes em Cabo Delgado, Nampula, norte da Zambézia, norte de Manica e
Sofala (Chemba), o rendimento por hectare era baixo. Mesmo o preço então
oferecido pelos compradores era mais baixo do que aquele praticado em 1937.
Enquanto o rendimento proveniente do algodão obtido pelo cultivador, em zonas
geograficamente favorecidas, atingia os 140 escudos, noutras zonas era apenas de
5 a 8 escudos. Em 1939, o rendimento médio para todo o país era de cerca de 85
escudos por cultivador. Isto era uma fraca recompensa para uma cultura como o
algodão, que requera uma constante atenção - normalmente cerca de 150 dias de
trabalho em cada época.
Além disso, os produtores só podiam vender o algodão a uma companhia
concessionária. Impedidos de levar a sua produção a outros locais, estavam
sujeitos às práticas fraudulentas dos oficiais da Companhia. Essas práticas iam
desde a pesagem viciada à classificação de
A Reestruturaçdo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
qualidade inferior do produto, justificando, assim, a aplicação de preços mais
baixos.
2.2. Generalização da cultura obrigatória Em reacção à crescente resistência à
cultura do algodão em vastas áreas, as Companhias e o Estado colonial
começaram a desenvolver os seus métodos para forçar o cultivo, quaisquer que
fossem as condições dos solos.
Os meios de intimidação utilizados incluíam os sipaios, agentes da administração
colonial, cuja função era geralmente acompanhar os recrutadores de mão-de-obra
forçada. Do ponto de vista do administrador, este era o melhor modo de assegurar
que os camponeses tivessem o suficiente para pagar o imposto. Além disso, os
decretos de 1937 e 1938 reforçaram os poderes dos administradores,
providenciando que pudessem impor sanções contra aqueles que infringiam os
regulamentos locais sobre a promoção do algodão.
Entretanto, em 1939140, não tendo o Estado colonial deixado outra alternativa às
companhias concessionárias que não fosse assegurarem a produção do algodão ou
desistirem das suas concessões, elas pressionaram os seus representantes locais a
terem uma acção mais directa do que até então. Por exemplo, em 1940, o director
local da concessão da Mutarara, da Companhia da Zambézia, foi instruído a:
i) ter uma cópia do censo populacional e assegurar que qualquer homem, mulher
ou criança (rapaz ou rapariga) estivesse provido de
sementes;
ii) que cada pessoa devia ter meio hectare de terra preparada até
Novembro e outro meio hectare até Dezembro;
iii) que o algodão devia ser plantado antes de qualquer cultura
alimentar;
iv) que todo aquele que não cumprisse devia ser enviado à administração para ser
punido, o que, conforme foi dito ao director, não
seria necessário se a vigilância fosse feita como devia ser [5].
Em 1940, ap6s a chegada do Governador-Geral Bettencourt, o próprio Estado
colonial começou a adoptar uma polftiça muito mais eficaz em relação à
promoção da cultura do algodão. Segundo BettenCapítulo 3
court, a maior parte dos governos provinciais contentava-se até então em deixar
'completemente livre para ociosidade o indígena que tivesse satisfeito a sua
obrigação de contribuinte' (do imposto). De facto, em 1940-41, nem todos os
governadores provinciais e administradores estavam de acordo com a extensão
das obrigações dos camponeses através da repressão sistemática na produção
familiar.
Para assegurar que as necessidades da burguesia portuguesa fossem assumidas e
que consequentes acções fossem levadas a cabo nas províncias, Bettencourt
decidiu nomear novos administradores, apoiantes da política económica do Estado
português, para que promovessem a intensificação do uso da força no
desenvolvimento da produção algodoeira.
Em 1941, com o fim de melhor controlar as várias fases do cultivo, os
Governadores das províncias passaram a emitir ordens de serviço que permitiam
às companhias concessionárias empregar capatazes na promoção do cultivo do
algodão, nas respectivas áreas. Eles deveriam ficar formalmente sob o controlo
dos sipaios dos administradores. A partir de então, pancada, torturas, abuso sexual
e prisões arbitrrias, feitas por sipaios e capatazes, tornaram-se métodos comuns
para promover a produção de algodão nas machambas familiares.
Estes meios de repressão sobre o campesinato no processD de produção não eram,
de forma nenhuma, novos, pois já tinham sido usados por agentes das companhias
e por alguns administradores na década anterior. Alargaram-se, neste período, a
quase todo o país, como parte integrante de uma acção sistemática, levada a cabo
pelas autcridades coloniais, para garantir a maior participação possível na cultura
de algodão. Desta forma, o número de produtores cresceu rapidamente: em 19431944, ý.tingiu os 791.000, ou seja cerca de 30% da populaçio moçambicana em
idade activa. A produtividade era extremamente baixa: uma média de 85 quilos de
algodão caroço por produtor por ano, e um rendimento de menos de 1 escudo por
quilo, no período 1941-1944 [6].
Do ponto de vista da burguesia portuguesa, a expansão do uso de tais métodos
violentos de compulsão obtiveram o efeito desejado. Em 1941, a produção do
algodão excedeu a de 1939, o primeiro ano da propaganda generalizada. Então,
em 1942, os jornais de Lisboa orgulhavam-se ao anunciar que a produção do
algodão colonial passara a cobrir mais de 90 por cento das necessidades
portuguesas, comparada com os 40 por cento dos dois anos anteriores, sendo a
maior parte produção moçambicana.
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
2.3 0 cultivo forçado de arroz
Para além do reforço da política já estabelecida para a cultura de algodão, as
circunstâncias da II Guerra Mundial exigiram uma nova política para a cultura de
arroz. Na década 1929-1939, a produção e comercialização de arroz em
Moçambique diminuiu, tornando-se mais barato importar arroz a granel do
sudeste asiático (via Singapura). Esta importação atingiu cerca de 11.000
toneladas em 1939 [7].
No entanto, a redução significativa da navegação comercial e o desenrolar dos
acontecimentos políticos no sudeste asiático, nomeadamente a expansão do Japão
e a queda de Singapura em seu favor, provocaram a interrupção no fornecimento
do arroz.
Em resposta a esta última situação, e para promover a autosuficiência em arroz, o
governo colonial decidiu introduzir a produção obrigat6ria do arroz. Círculos
orizicolas foram constituídos e os europeus responsáveis pela compra, descasque
e comercialização, passaram a ser supervisionados pela Divisão do Fomento
Orizícola, criada em 1942, e que tinha poderes semelhantes aos da Junta de
Exportação de Algodão Colonial. De facto, a cultura forçada de arroz baseava-se,
desde o seu começo, no modelo da cultura do algodão. Ela baseava-se também na
pressão exercida pelos administradores, cipaios e capatazes. Os concessionários
deviam distribuir as sementes, fertilizantes e sacos, tendo cada homem que
cultivar um hectare e cada mulher meio-hectare. O arroz devia ser vendido pelo
camponês apenas ao concessionario, a um preço baixo, fixado pelo governo. O
concessionário processava e revendia o produto, enriquecendo-se, dessa forma,
em todo o processo de comercialização.
3. A intensificação da exploração do trabalho
3.1 A crise de mão-de-obra rural
O rápido avanço do cultivo de algodão e de arroz (1939-1942) provocou uma
crise no fornecimento de mão-de-obra para outros sectores da economia colonial
de Moçambique, patticularmente a norte do Zambeze. Com vista a apreciar a
extensão desta crise e o significado das medidas tomadas para a resolver, é
necessário examinar a interligação de todas as culturas do ponto de vista do
processo de trabalho [8].
Como vimos nos capítulos anteriores, açúcar, chá, copra e sisal eram extensas
culturas de plantação que normalmente precisavam de um
Capítulo 3
13. Paisagem da cultura da Chá, Gurué, Zambézia.
14. Para a colheita e processamento, as plantações de chá requeriam grande
número de trabalhadores sazonais.
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
grande número de trabalhadores com contratos curtos, de quatro a oito meses,
durante a época de colheita e de transformação. Tendo a II Guerra Mundial
despertado a procura de todas estas matérias-primas, os proprietários das
plantações começaram, simultaneamente, a dinamizar a produção, necessitando,
por isso, de urgentes e maiores fornecimentos de mão-de-obra.
Essa procura foi acentuada pela política de culturas obrigatórias: a produção
forçada do algodão e do arroz levou a que muitos homens, nas zonas em que a
venda de tais produtos era suficiente para pagar o imposto, deixassem de ter
interesse em serem trabalhadores sazonais nas plantações. Na verdade, em áreas
de solos apropriados e havendo boas condições climatéricas, o cultivo de algodão
podia ser mais lucrativo do que o trabalho na plantação.
3.2 Actuação do governo colonial face à crise de mão-de-obra Em reposta às
crescentes queixas dos proprietários das plantações, que desejavam apropriar-se
dos lucros rápidos que se podiam obter com os preços práticados durante a guerra,
o Governador-Geral visitou as províncias do Norte para apreciar a extensão da
crise. Na Zambézia, província mais afectada, o governo reuniu pela primeira vez
os dados populacionais de cada administração. A não ser algumas excepções,
cada uma mostrava ter um grande número de homens que podia integrar-se no
trabalho sazonal, mas que, por falta de 'incentivo', não o faziam. Para toda a
província, o total de homens disponíveis era adicionado de mais 40 mil homens,
número suficiente para resolver a crise de mão-de-obra nas plantações.
Com tais informações, Bettencourt optou por uma solução administrativa para
obstar a falta de 'incentivo' para o trabalho nas plantações. Com base, unicamente,
nos seus poderes de Governador-Geral, emitiu a circular 818/D7 de 7 de Outubro
de 1942, que foi enviada aos Governadores provinciais. Esta circular informava
que não era suficiente a população rural pagar o imposto e a 'contribuição braçal'
nas obras públicas (teoricamente apenas 5 dias por ano para aqueles que pagassem
o imposto). Determinou que, a partir de então, cada homem devia provar ao
administrador ou chefe de posto que ganhava dinheiro através de um emprego ou
através da venda de produtos agrícolas. As autoridades deviam registar esta
informação, em folhas de registo especiais e
Capítulo 3
15. Carregamento da cana de açucar, lncomat, 1944.
na caderneta de identificação, que cada homem devia 'possuir [9].
Na prática, os homens que não eram agricultores de vulto, e que não podiam
provar o seu trabalho por conta de outrem, eram considerados 'vadios', e podiam
ser capturados pelo administrador ou chefe de posto. Concentrados nas sedes e
postos, eram recrutados pelas plantações e outras entidades. Na ideologia
colonial, este acto de recrutamento representava a chamada 'livre escolha' de
emprego estipulada na lei.
Legislação complementar a Circular 818/D7 introduziu novos regulamentos de
identificação da população negra, estipulando novos deveres para o administrador
e os patrões no sentido destes fornecer informações completas sobre todos os
trabalhadores. Estas informações, acrescentadas às que cada régulo tinha de
fornecer, obrigatoriamente, à administração local sobre cada homem de mais de
16 anos de idade no seu regulado, constituíram a base de um sistema de controlo
muito rigoroso sobre o trabalho e as deslocações da população em geral [10].
Uma outra cláusula da Circular deu poderes aos governadores para decidirem
sobre a área considerada suficiente para cultivo a atribuir aos camponeses que
tivessem preferido permanecer nas suas terras, produzindo culturas de
rendimento. Deste modo, nas melhores áreas para algodão e arroz, os camponeses
podiam evitar o trabalho obrigatório, se
A Reestruturaçao da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
fossem registados como seus produtores. Por outro lado, devido ao seu baixo
rendimento na maior parte das concessões, foram cada vez mais as mulheres os
únicos produtores a serem registados. Nas áreas consideradas improdutivas para o
algodão e arroz, não havia, praticamente, escolha para o camponês, a não ser
oferecer a sua força de trabalho, pois que estas eram, geralmente, as zonas menos
férteis, ou menos beneficiadas com estradas, que lhes possibilitassem
comercializar outras culturas.
Com o 'incentivo' estabelecido a nível de regulamento, começou a sua
implementação. Apesar da carência de cadernetas, já no fim de 1942, os
administradores distritais conseguiram impor o novo sistema de controlo, de
maneira a acabar de vez com a falta de mão-de-obra. Como apontou com orgulho
o próprio Bettencourt, tinham-se acabado as queixas dos proprietarios
incomodados [11]. No entanto, devemos notar que o controlo rigoroso, assim
reforçado sobre o trabalho de cada moçambicano, através de cadernetas e registos,
ainda não era o mais completo possível. Como veremos nos próximos capítulos,
no período do p6s-guerra, verificou-se uma extensão e intensificação deste
sistema.
3.3 A reorganização dos impostos
Simultaneamente com a Circular 818/D7 e o novo regulamento de identificação, o
governo colonial de Bettencourt procedeu, em 1942, a reorganização do sistema
de impostos aplicáveis à população negra.
Como base deste sistema, estabeleceu-se que o imposto de palhota, já em declínio
na década anterior, devia ser substituído definitivamente pelo imposto de
capitação. Isto significou que, com a ajuda das novas regras de identificação,
todos os negros, incluindo as mulheres, tinham de ser colectados segundo critérios
uniformes em toda a colónia. As mulheres pagavam, em geral, o chamado
'imposto reduzido'. Este novo imposto também se aplicava aos homens inválidos
[12].
Como resultado desta reorganização, o rendimento do imposto aumentou
rapidamente. Na Zambézia, por exemplo, em 1943, a cobrança teve um aumento
de 2 mil contos sobre o ano anterior [13]. Nota-se que, através deste mecanismo,
o governo colonial não só incrementou o seu rendimento geral, como também
incentivou a família camponesa a trabalhar nas culturas obrigatórias e nas
plantações.
Capítulo 3
3.4 Reforço dos auxiliares administrativos: régulos e sipaios Uma outra política,
dinamizada por Bettencourt, na reorganização da força de trabalho rural, dizia
respeito aos poderes dos régulos. Uma cláusula da circular 818/D7 deu aos
régulos, quando fossem encarregados nesse sentido pelos administradores e
chefes de posto, o papel de reunir aqueles que não tivessem cumprido
integralmente as suas obrigações, a fim de serem distribuídos pelas empresas que
precisavam de mão-de-obra.
Contudo, segundo Bettencourt, a divisão dos chefados tradicionais tinha sido
demasiado grande, nos decénios que se seguiram a conquista colonial, e o poder
da maioria dos chefes ficara reduzido a tal ponto, que eles eram mais símbolos de
decadência do que de autoridade. Tinham muito poucos súbditos, embora
guardando alguns privilégios. S&" os régulos deviam exercer um papel mais
activo na nova perspectiva de exploração colonial, então, tinham de ser escolhidos
mais cuidadosamente dentro da linhagem tradicional reinante (dominante) do
regulado, e reduzido o seu número. Desta maneira, o Governador-Geral queria
16. Régulos com os seus bastões de comando juntam-se para prestar homenagem
ao Presidente português Carmona, Quelimane, 1939.
A Reestruturaçâo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
reforçar a posição dos régulos e da ideologia local, de forma a desempenharem, o
melhor possível, as suas novas obrigações, trabalhando a par com a administração
portuguesa na organização da produção e na identificação administrativa da
população [14].
Os primeiros passos foram dados em 1942, tentando-se associar esta reabilitação
às campanhas de propaganda de algodão, e à cobrança revigorada dos impostos.
Na Zambézia, por exemplo, cada chefe que apoiasse a campanha obteria uma
casa, construída as vezes de alvenaria e com depósito de água, à custa da
administração e das companhias concessionárias. Segundo o Governador, esta
acção era da maior importância, pois servia de exemplo para os outros chefes,
mostrando os benefícios concretos de colaboração com o Estado colonial. No
final de 1943, 49 destas casas tinham sido construídas na Zambézia, por um custo
superior a 100 mil escudos [15].
Em 1944, o regime colonial completou uma reorganização profunda de toda a
política referente aos 'auxiliares' da administração civil, nomeadamente os sipaios,
intérpretes e régulos. O regulamento promulgado detalhava exaustivamente os
deveres dos régulos, chefes de grupos de povoações e chefes de povoações,
preconizando o seu papel fundamental como "executores" da "intervenção
superior portuguesa" [16].
Desta reorganização, nos anos seguintes, tiravam alguns régulos proventos
consideráveis, como: percentagem do imposto de capitação, prestações de
serviços dos camponeses nas suas próprias machambas de algodão e outras
culturas, multas aos infractores das leis coloniais e tradicionais, pagamento de
tributos em dinheiro, aquando de cerimónias e ritos, ete.
3.5 Reforço do controle sobre trabalho em Lourenço Marques e Beira As medidas
implementadas nas zonas rurais, que resultaram num afluxo de pessoas para as
cidades, fugindo ao trabalho e culturas forçadas, foram complementadas por
outras que intensificaram o controle sobre os trabalhadores, em Lourenço
Marques e Beira.
Com o objectivo de reprimir a força de trabalho permanente e migrante, de limitar
a presença de negros 'desnecessários' nas cidades, e de evitar concorrência de
salários entre os patrões, em 1944, o governo colonial promulgou um novo
Regulamento dos Serviçais Indígenas. Esta medida codificou e tornou mais
rigorosa a fiscalização de contratos,
Capítulo 3
permanência e comportamento dos trabalhadores das duas cidades.
O mecanismo principal dessa repressão, como anteriormente, era o Comissariado
da Polícia, que mantinha um registo de todos os trabalhadores negros na cidade, e
que concedia, e controlava cada ano, o livrete de serviço que cada trabalhador
tinha que levar consigo [17], além da sua caderneta de identificação. Um aspecto
essencial do sistema era a constante fiscalização da documentação pessoal dos
negros, nas ruas ou nas rusgas nocturnas. Ap6s a sua chegada a cidade, o
trabalhador negro tinha que se apresentar a administração, que averbava na sua
caderneta a autorização de permanência de 10 dias. Neste período, tinha que
encontrar serviço, inscrever-se no registo, e, assim, obter o seu livrete, sem o qual
estava sujeito a ser preso como vadio e a ser entregue a uma brigada de trabalho
forçado nas obras públicas.
O novo rigor do sistema assentava na regulamentação dos deveres dos
trabalhadores em relação aos patrões, e na extensão das penalidades já
estabelecidas para infracções administrativas (falta de inscrição no registo, por
exemplo). A partir dessa altura, foram especificamente autorizadas penalidades,
severas, sobre os trabalhadores para os mais ligeiros actos de desleixo, desrespeito
e indisciplina. Para além de espancamentos, as infracções eram punidas com a
pena de 15 a 120 dias de trabalho correcional, nas obras públicas. Infracções mais
severas eram, por exemplo, insubordinação perante agentes da polícia. Isto
resultava no trabalhador ser julgado "elemento indesejável ou perigoso para a
ordem e segurança pública", e levavam a penalidade de desterro, até ao máximo
de seis anos, para o seu distrito de origem, ou mesmo, para uma outra província.
Em contraste, o patrão que não pagasse o salário, ou que maltratasse o
trabalhador, pagava, apenas, uma multa de 50 a 300 escudos.
3.6 0 novo sistema de sindicatos fascistas Na mesma altura, o governo colonial
preparou-se para a repressão mais completa dos trabalhadores permanentes no
comércio, indústria e outros serviços. Iniciou-se, neste período, a criação de
sindicatos corporativos que tinham o objectivo de organizar, de forma controlada,
todas as actividades sindicais dos trabalhadores brancos, separando-os claramente
dos trabalhadores negros.
Estava legislado que os novos sindicatos subordinavam as suas activi100
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
dades aos interesses da 'Nação' portuguesa. Os seus dirigentes eram nomeados
pelo Ministro das Colónias em Lisboa, e segundo o estipulado na lei:
"o sindicato reconhece que constitui um factor de cooperação activa como todos
os factores da economia nacional e por conseguinte, repudia a luta de classes,
propondo-se a obter satisfação num espírito de harmonia e paz
social" [18].
Em 1943, seria criado o primeiro sindicato corporativo em Moçambique [19]. A
22 de Junho, a Associação dos Empregados do Comércio e da Indústria
transformou-se no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria
(SNECI) [20]. Em 1944, um novo sindicato corporativo foi criado: o Sindicato
Nacional dos Motoristas e Ferroviários de Moçambique [21]. Outros serão criados
nos períodos seguintes.
Assim, os sindicatos corporativos eram estruturas de integração dos trabalhadores,
no aparelho de Estado colonial. Actuavam no sentido do enquadramento dos
trabalhadores brancos no sistema, e tinham, simultaneamente, um papel da acção
social de assistência, uma espécie de mutualismo sócio-profissional.
Estreitamente controlados, não representavam grande perigo para a administração
colonial. Um conjunto de medidas legais impediam, eficazmente, a criação duma
burocracia político-sindical, que defendesse os seus próprios interesses. Por outro
lado, tinham, internamente, uma acção de controle, através dos seus registos
sindicais, onde estava o cadastro de cada trabalhador, inclusivamente o seu
comportamento.
Como a legislação sobre os sindicatos exêluiu, especificamente, os trabalhadores
negros, a sua sindicalização foi efectivamente interdita. Por esta razão, as
regulamentações relativas a salários e outras vantagens destinadas aos
trabalhadores sindicalizados, não abrangiam os,trabalhadores negros [22]. Isto
representava, para os empregadores, a possibilidade de, sempre que lhes
interessasse, empregarem trabalhadores negros qualificados, mas com salários
inferiores.
4. A estrutura de produção e as suas consequências
4.1 Produção e rendimento nas zonas rurais A subida de produção agrícola,
resultante das medidas mencionadas foi, do ponto de vista do colonialismo, um
êxito notável. A intlu-nti letívi
101
102
Cap(tulo 3
Quadro 5: 0 volume das .íncipais exportações de Moçambique, 1939-1944
Contos
1939
1942
1944
L Algodao
-Caju
Acucar IZI] Sisal
LCopra
Amendoim
dade do Estado em promover o cultivo do algodão em 1939-1942 teve como
resultado que o algodão constituísse cerca de 42 por cento do valor total das
culturas exportadas em 1942. Depois disso, e em seguida à famosa Circular
818/D7, em benefício das culturas de plantação, estas aumentaram a sua produção
e, assim, o algodão decresceu um pouco, na sua importância relativa, mas
continuou a ser, de longe, a exportação de maior volume.
Da análise dos Quadros 5 e 6, se verifica que, enquanto a tonelagem absoluta dos
produtos exportados aumentou, os preços desses produtos, excluindo o do
algodão, aumentaram muito mais [23]. Por estas razões, o valor total das
exportações agrícolas triplicou entre 1940 e 1944 [24].
4.2 Diferenciação regional
É de realçar a existência de importantes diferenças regionais. Por exemplo, em
relação ao algodão, nos anos 1941-1944, oitenta por cento da produção vinha das
províncias de Nampula, Cabo Delgado e Zambézia, onde se encon200 150 100 50
o
200 150 10e
50
o
A Reestrrturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
Quadro 6: O valor das principais exportações de Moçambique, 1939-1944
Mil toneladas
1939
1942
1944
E Algodao
[ Caju
Acucar Sisal
Copra Amendoim
travam 78 por cento dos produtores. Cerca de 48 por cento do total provinha de
Nampula, cujos produtores receberam uma média de 105 escudos, isto é, menos
de 1 escudo por dia de trabalho.
Na província de Nampula, cerca de 40 por cento do algodão foi produzido nas
circunscrições de Mogovolas e Eráti. Estas zonas, tradicionalmente locais de
concentrações de população afastadas das propriedades do litoral, tinham sido
declaradas 'reservas indígenas', na década de 20, em parte para impedir a
alienação de terras aos colonos e, assim, evitar os problemas sociais encontrados
em Mossuril a que referimos no capítulo anterior. Beneficiavam também de
comunicações razoáveis com o litoral. Aqui, já havia a tradição de cultivar
algodão desde a década de 20. O rendimento dos produtores era ligeiramente mais
alto que a média em todo o país: 165 escudos por ano, ou um pouco mais de 1
escudo por dia de trabalho.
Em algumas partes de Manica e Sofala, como Cheringoma, por
exemplo, alguns camponeses conseguiram um rendimento de 600, 700 ou mesmo
800 escudos por ano. Contudo, a maioria dos camponeses de Manica e Sofala não
receberam mais de 200 escudos, e tiveram de pagar um imposto de 180 escudos.
4.3 Controle permanente da administração obre a produção agrícola Segundo a
documentação oficial, a produção relativamente alta de algumas destas zonas foi
sempre o resultado de uma efiiente fiscalização administrativa, da colaboração
activa de alguns régulos e da pressão constante das companhias. O papel
fundamental das autoridades gentflicas foi bem reconhecido pelo Inspector do
regime colonial, que visitou Manica e Sofala em 1944, e que chegou a propor uma
maior recompensa para os régulos para que estes ficassem menos "dependente das
pressões da sua gente".
No mesmo ano, um outro Inspector colonial criticou os excessos de um régulo de
Mogovolas, que exigia dos seus súbditos trabalho gratuito, nas suas machambas
colectivas de algodão. Relatou os "actos terroristas" de agentes da Companhia dos
Algodões de Moçambique no Eráti, dizendo que era aparentemente estratégia dos
agentes actuar numa zona até a própria administração tomar conhecimento dos
protestos. Nessa altura começavam a aterrorizar outra zona. Normalmente, o
agente, de machila, mandava os seus capatazes fazer as intimidações e agressões
exemplares, que frequentemente resultavam em ferimentos graves e mortos. O
agente podia ficar, assim, ilibado de qualquer acção ilegal.
4.4 Crescente exploração do campesinato A crescente taxa de exploração, que
exigia a manutenção e até a intensificação da pressão administrativa, pode-se
avaliar através do custo de vida. Nas zonas rurais, a medida habitual disto era 9
preço de tecidos de algodão, o produto transformado mais procurado. Informações
da Zambézia e de outras zonas do Norte mostram que, no período da Guerra, o
preço dos panos subiu 300 por cento em relação ao valor que tinham antes da
Guerra, descendo substancialmente na sua qualidade e duração. De facto, a
indústria portuguesa, agora sem concorrência dos Indianos e Ingleses, vendia
produtos de qualidade inferior nas suas colónias. Um inspector colonial chegou
mesmo a aconselhar a população, através dos régulos, a poupar o seu pouco
dinheiro na esperança da chegada de melhores tecidos, depois da guerra.
Capítulo 3
104
A Reestruturaçao da Sodedade Moçambicana, 1938-1944
Da mesma forma, a maioria dos contratados continuou a receber o salário mínimo
estabelecido em 1930. Se uma minoria de trabalhadores das fábricas recebia 2$50
escudos por dia, sem alimentação, esta remuneração representava uma diminuição
considerável, se se considerar a inflacção dos preços, especialmente dos tecidos.
O custo da alimentação também aumentou, rapidamente, durante a Guerra. O
custo fixado para alimentação, nas plantações do norte, em 1930, foi de 50
centavos. Em 1944, 1 escudo já não era suficiente: a alimentação fornecida aos
soldados custava 2$70 por dia, o que explicava o facto de não faltarem homens a
oferecerem-se para o recrutamento militar, onde o trabalho, em tempo de paz, não
se comparava, em dispendio de energia, com o do trabalhador rural, que passava 9
horas de enxada na mão.
No Sul do Save, onde o nível de salários e impostos era mais alto, agravou-se
também a inflação de custos. O próprio Governador propôs um aumento de 25 por
cento dos salários, para evitar manifestações de descontentamento [25].
A elevação de preços, incluindo o dos géneros alimentícios, colocou o camponês
de todo o país numa situação muito diffcil. Com efeito, um hectare de amendoim
rendia, normalmente, 700 escudos e com menos trabalho que um hectare de
algodão, que dava, na melhor das hipóteses, apenas 200 escudos. No entanto,
ainda em 1944, o Governo-Geral diminuiu, ainda mais, o preço de compra do
algodão. Pode dizer-se que a força policial e o clima de tensão foram, cada vez
mais, necessários nas zonas rurais para induzir o camponês a produzir algodão,
quando estava mais interessado em produzir outras culturas, como reconheceu o
já referido Governador:
"o indígena, como todo o agricultor gosta mais de se dedicar às culturas que
melhor remuneração lhe puder proporcionar" [26].
O empobrecimento da maioria da população atingiu, neste período, proporções
ainda mais graves. A retirada de grandes quantidades de mão-de-obra, devido às
culturas forçadas e à elaboração de um rigoroso sistema de trabalho por contrato,
reduziu a capacidade da família camponesa de assegurar, cada ano, o desbaste de
terra suficiente para a rotação, e mão-de-obra para as culturas não obrigatórias. Na
Zambézia, tradicionalmente produtora de excedentes alimentares, os prejuízos
105
Capítulo 3
decorrentes da política colonial foram evidenciados por um Inspector que visitou
aquela região em 1944:
"as necessidades enormes de mão-de-obra das actividades agrícolas exploradas
por grandes capitais - companhias - influenciaram decisivamente o entrave ao
desenvolvimento da agricultura indígena que, quanto aos
géneros alimentares, não satisfaz sequer as necessidades internas" [271.
Por esta razão, as culturas alimentares, tais como o milho, mapira ou amendoim,
que exigem um trabalho sistemático e pesado, deram lugar, ao norte do Zambeze,
a uma cultura que requeria muito menos atenção. Foi o caso da mandioca que,
sendo menos nutritiva, era, até então, usada como uma cultura de reserva, a fim de
assegurar as necessidades básicas em época de chuvas irregulares.
Além disso, a obrigação de cultivar algodão nos melhores solos disponíveis, a
ignorância por parte dos administradores coloniais sobre até que ponto o.algodão
esgotava os solos e, ainda, a não observância de um mínimo de requisitos em
relação ao pousio, começou a baixar a capacidade do campesinato de produzir
alimentos suficientes para a sua própria subsistência.
Mais ainda, pressionado a pagar impostos elevados, o camponês tinha que vender,
cada vez mais, a sua produção de alimentos básicos, diminuindo assim as suas
reservas. Conforme o Inspector, em 1944, em Manica e Sofala,
"pode-se afoitamente afirmar que a população indígena, em regra, passa
fome" [28].
4.5 Diferenciação social no seio do campesinato Enquanto a situação da maioria
da população se deteriorou de uma maneira alarmante, um número reduzido de
camponeses conseguiu melhorar o seu nível de vida. Alias, a prõpija circular de
Bettencourt de 1942 visava deliberadamente essa possibilidade. Esta legislação
isentou do trabalho contratado os camponeses que obtivessem proventos capazes
de assegurar o sustento familiar, e todos os encargos tributários.
Além de alguns régulos, que eram ricos, devido ao aproveitamento que fizeram
das tributações linhageiras e do aparelho administrativo colonial, há testemunhos
doutros camponeses, que conseguiram manter
106
A Reestrutura 'çúv da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
ou melhorar a sua situação, durante este período. Por exemplo, informações de
Manica referentes ao ano de 1944, dão conta de vários agricultores negros
estabelecidos há muito tempo, que cultivavam milho perto da fronteira com a
Rodésia do Sul, e, que, frequentemente vendiam o seu produto às lojas daquela
colónia. Nos postos distritais de Tambara e do Dondo havia pequenos núcleos de
agricultores, praticando culturas extensivas de batata, arroz, milho, hortícolas e
feijão.
Em Chemba, nesse mesmo ano, um agricultor, com a ajuda das suas 12 mulheres
e 24 filhos, produziu 250 sacos de algodão e 1.070 sacos de mapira. Com a venda
de 500 sacos de mapira, a 50 escudos cada um, realizou 25.000 escudos, para
além do valor do algodão. Em Matire, distrito de Buzi, 3 agricultores de arroz
conseguiram, apesar das cheias que assolaram a zona, vendas no valor de 6.600,
7.200 e 13.200 escudos. Quase todos os agricultores destas zonas pediram, às
autoridades, ajuda na aquisição de equipamento, como charruas de disco e
tractores para obviar as perdas em bois abatidos pela tripanosomiase, e camiões
para assegurar o transporte conveniente. Desejavam aumentar os seus
rendimentos, através de produção mais intensiva e da sua participação na rede de
transportes e comércio rural, que rendiam maiores lucros, mas eram
normalmente monopolizados pelas empresas coloniais (incluindo comerciantes
asiáticos).
Estas e outras reclamações mostram a discriminação a que mesmo estes
agricultores, privilegiados, estavam sujeitos, quanto ao fornecimento de meios de
produção e à comercialização dos seus produtos. Uma comissão de agricultores
negros de Manica dirigiu-se às autoridades distritais, em 1944, solicitando um
aumento do preço de compra de milho. Na sua exposição, mostraram que o
machambeiro branco recebia quase 3 vezes mais, por saco, que o agricultor negro.
O sistema montado servia, de -facto, os interesses dos machambeiros brancos. O
Grémio de Produtores de Cereais do Distrito da Beira, estabelecido na sequência
da mesma legislação corporativa de 1937 que autorizou os sindicatos para brancos
(ver ponto 3.5), representava estes interesses. O Grémio assegurava o
ensacamento e o transporte aos machambeiros negros e, assim, o aproveitamento
da comercialização da produção camponesa.. No entanto, os negros foram
excluídos de receber os apoios canalizados, através do Grémio e doutros
organismos aos machambeiros brancos.
Capítulo 3
No sul, apesar do aumento do número de agricultores negros com charruas e bois,
a subida dos preços atraiu novos machambeiros brancos aos melhores solos,
originando, por conseguinte, a expulsão dos negros.
Nesta região, também, os interesses dos criadores de gado negros entraram, cada
vez mais, em choque com os dos criadores brancos e as necessidades da capital
colonial. Na altura do cancelamento das importações de carne da Africa do Sul no
início da II Guerra Mundial, em vez de aumentarem a quantidade de cabeças
proveniente de criadores negros para abate no matadouro municipal ao preço de
compra estabelecido para os criadores brancos, promoveram várias campanhas
para venda compulsiva de gado. A venda fazia-se em feiras especiais, nas quais
eram oferecidos preços geralmente baixos aos criadores negros.
Isto originou uma forte resistência destes criadores porque, além do preço baixo,
surgiram dúvidas sobre o destino do gado vendido. Suspeitava-se que era, em
parte, acrescido às manadas dos brancos, o que foi confirmado pelo Chefe dos
Serviços Agrícolas, em 1944 [29]. Como resultado destas aquisições, no mesmo
ano, a Cooperativa de Criadores de Gado, que representava os criadores brancos,
fornecia já um número considerável de cabeças de gado para abate. Esta
organização, numa tentativa de aumentar os seus lucros, começou a pressionar as
autoridades para reduzirem a compra, para abate, aos criadores negros.
4.6 Indústria, transportes e trabalho migratório para o estrangeiro O principal
investimento na indústria, neste período, incidiu, grande parte, na transformação e
armazenagem do algodão. O sistema de culturas forçadas e um mercado garantido
em Portugal foram incentivo suficiente para estimular a construção de mais
fábricas de descaroçamento e armazens nas várias concessões. Note-se que a
instalação dessas fábricas era essencial, na medida em que o descaroçamento
diminuía o peso da matéria-prima para cerca de 30 por cento, baixando, assim, os
custos de transporte para o local de transformação em têxtil, neste caso, as
fábricas em Portugal. No geral, verificou-se um aumento da produção agroindustrial para exportação.
A II Guerra Mundial originou mudanças na comercialização e industrializaçãQ de
sementes de óleo e seus derivados, devido, principalmente à crescente procura de
óleos alimentares e bagaços em Portugal, ao declínio dessa procura, noutros
mercados tradicionais (como França)
108
A Reest~rturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
17. Transporte da brita na construção do caminno dejerro de Tete, 1944.
e à escassez de navegação. Estes factores resultaram no incentivo para a
exportação de um produto transformado, de alto valor, em vez da matéria-prima
de grande volume e baixo valor, isto é, óleo e bagaços em lugar de sementes.
Assim, verificou-se uma intensa actividade na montagem de novas fábricas, ao
mesmo tempo que se procedia a remodelações e ampliações das já existentes.
Foi neste período que, para facilitar o desenvolvimento da indústria extractiva de
carvão e o escoamento deste produto, se iniciou a construção da inha férrea de
Tete, entre Dona Ana (Mutarara) e Moatize (254 quilómetros), para ligar a região
carbonífera de Moatize ao porto da Beira, através do caminho de ferro transzambeziano. A linha, iniciada em 1938, só veio a atingir Moatize em 1949, depois
de um período de interrupção, devido à Guerra, que provocou a falta de
maquinaria e equipamento.
Se bem que este período não tivesse trazido transformações profundas
109
Capítulo 3
às indústrias viradas para o mercado interno, proporcionou, no entanto, a sua
consolidação, especialmente, as de cimentos, cerveja, águas minerais, sabão,
cigarros e moagem de milho. Originou, ainda, o surgimento de outras, tais como
uma pequena indústria têxtil, com uma produção de pequena escala de vestuário,
sendo a matéria-prima importada de Portugal, e pequenas outras indústrias de
artigos de borrachá, mobiliário e verniz. Todo este crescimento foi estimulado
pela insegurança das viagens marítimas decorrente do conflito mundial.
Efectivamente, a produção para o mercado interno representava, no fim deste
período, cerca de 20 por cento do total da produção industrial, em comparação
com menos de 10 por cento, para o quinquénio anterior.
Aproveitando a situação da Guerra, e ao abrigo da legislação a que nos referimos
anteriormente (ponto 1.2 deste capítulo), alguns grupos portugueses passaram a
exercer um maior controle sobre sectores industriais importantes. Por exemplo,
em 1944, o grupo Champalimaud comprou ao Banco Nacional Ultramarino a
fábrica de cimentos da Matola, tornada a Companhia de Cimentos de
Moçambique em 1945. É, porém, no período seguinte, que se verificará maior
crescimento da indústria, particularmente da indústria transformadora, virada para
o mercado interno.
No período da Guerra aumentou, consideravelmente, o número de moçambicanos
que trabalhavam temporária ou permanentemente nos territórios vizinhos.
Segundo as estatísticas oficiais, o número de trabalhadores moçambicanos, na
África do Sul, passou de 105.286, no começo de 1940, para 137.676, no fim de
1944. Na Rodésia do Sul, no mesmo período, de 68.304 passou para 93.977.
Neste país, a partir de 1940, o número de trabalhadores moçambicanos
ultrapassou o número proveniente dos fornecedores tradicionais, nomeadamente,
Niassalândia e Rodésia do Norte.
Este aumento explica-se pela conjunção de dois factores. A crescente actividade
produtiva destes países, que aumentaram, rapidamente, o fornecimento de
matérias-primas a Grã-Bretanha e construíram novas indústrias locais, capazes de
substituir importações daquele país, provocou uma grande procura de mão-deobra. Moçambique, país já constituído como reserva de mão-de-obra, estava em
condições de responder, prontamente, a essa procura, porque as más condições de
vida, causadas, particularmente, pelas culturas forçadas e pela elevada
110
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
taxa de exploração absoluta, estimularam a saída de muitos trabalhadores, atraídos
pelos melhores salários oferecidos, nesse tempo de expansão económica.
Verificam-se, porém, ligeiras alterações no destino que levavam os migrantes
moçambicanos. Por exemplo, deu-se uma redução do número de migrantes para
as minas do Rand, onde os salários estavam fixados em 3 libras (300 escudos),
enquanto aumentava o número dos que iam para as plantações de açúcar do Natal,
onde se pagava 4 libras [30].
5. A resistência ao colonialismo
A crescente exploração colonial provocou, novamente, uma forte e contínua
resistência do povo moçambicano, particularmente, contra as culturas forçadas,
que afectaram simultaneamente vastas áreas do país de norte a sul.
5.1 A resistência generalizada às culturas forçadas Os camponeses, submetidos a
uma intensa exploração, reagiram das mais variadas formas: são númerosos os
exemplos dessa resistência, que se verificou em tão diversas regiões de
Moçambique.
Em 193911940, os administradores de áreas próximas das fronteiras com a África
do Sul e Suazilândia assinalaram que algumas familias preferiam incendiar as
suas próprias palhotas e atravessar a fronteira a cultivar o algodão. Igualmente,
em Cabo Delgado, recomeçou a emigração de famílias para o Tanganhica, logo
ap6s a introdução da cultura forçada do algodão. O mesmo aconteceu em áreas
mais distante da fronteira, como Manjacaze, em Gaza.
O subcultivo deliberado, isto é, espalhar quantidades insuficientes de semente, ou
ferver as sementes antes de as semear, eram também formas muito utilizadas. Esta
reacção à cultura algodoeira era feita, normalmente, nas zonas mais pobres, na
esperança de que a contínua má produtividade conduziria a considerar a área
completemente improdutiva para o algodão.
Uma outra forma de resistência, mais aberta, contra os baixos preços, era também
frequente, desencorajando sistematicamente o cultivo em áreas consideradas
impróprias. Por exemplo, quando, em 1938, a
Capitulo 3
Companhia da Zambézia quis impor nos mercados a tabela de selecção e
classificação, conforme as orientações da JEAC, os camponeses reagiram.
Segundo um relatório de um Inspector colonial:
"assumiram atitudes de verdadeira revolta, queimando ou espalhando nas estradas
e lançando ao rio ou enterrando no mato, o algodão trazido para o
mercado" [31].
No fim da campanha agrícola de 1940, em Mulevala, ao norte da Zambézia,
alguns camponeses preferiram queimar as suas colheitas a receber as somas
baixíssimas, que os seus vizinhos tinham recebido, o correspondente a uma média
de 11 escudos por cultivador.
A criação de comunidades em fuga permanente para áreas mais distantes,
localizadas fora do controlo político da administração colonial, foi outra das
formas utilizadas. Estabelecidas normalmente em zonas montanhosas ou de
pântano, de difícil acesso, viviam em regra da caça e recolecção. Testemunhos
indicam que cou,Lnidades deste tipo se estabeleceram nos distritos de Monapo,
Mogincual, Nampula e no vale do rio Cuarezi, ao longo da fronteira com a
Rodésia do Sul. Um entrevistado contou, assim, a experiência por si vivida nas
montanhas perto de Meloco, Montepuez:
"Nós conseguimos defender-nós através de uma vigilância muito grande.
Como estavamos no cimo da montanha, quando os portugueses chegavam,
deixávamos que eles subissem até metade antes de lhes atirarmos com grandes
pedras, matando alguns. Algumas pessoas escondiam-se nas caves (cavernas,
N.R.). Quando os portugueses chegavam, punham à entrada mato e madeiras e
chegaram-lhe fogo, pensando que todos os que estavam lá dentro (na caverna)
iam morrer sufocados pelo fumo. Mas como o fumo não
encheu a caverna, ninguém morreu. Aí continuamos a viver lá" [32].
5.2 A revolta Muta-hanu no Mossuril - Nampula, 1939 [33] Enquanto essas
formas de resistência se generalizavam, a imposição da cultura de algodão fez
deflagrar o conflito social no Mossuril. Este conflito, entre os produtores locais
(proprietários e camponeses), foi resultado de uma história de alienação de terras
e da imposição de uma renda em trabalho gratuito (capítulo 2).
Com as pesadas exigências de trabalho nas machambas familiares, a política da
cultura forçada de algodão era, evidentemente, hostil aos
112
A Reestruturaçdo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
produtores e comerciantes de cajú, tendo em conta os lucros mais elevados que
podiam obter da exportação do cajú para a India.
Com o objectivo de alterar as relações de trabalho existentes entre proprietários e
camponeses residentes nas suas terras, o governo colonial publicou, em 1938,
uma lei que visava eliminar a renda em trabalho. Isto significou que os patrões
teriam de pagar um salário por dia de trabalho, e que.os camponeses, vivendo em
terras privadas, pagariam uma renda em dinheiro.
A resistência dos patrões e camponeses a submeterem-se a estas disposições levou
o governo a publicar nova legislação, em Agosto de 1939, dando poderes aos
governos províncias para intervirem, directamente, no estabelecimento das novas
relações de trabalho. No mesmo mês, o Governador convocou os proprietários das
terras de Mossuril a Nampula, mas não conseguiu obter resultados favoráveis.
Entretanto, o administrador do Mossuril, pressionado para cobrar o imposto de
palhota a todos os contribuintes, tenta fazê-lo através dos régulos e cipaios
regulares, mas sem qualquer resultado.
A 31 de Agosto, o administrador chamou a companhia de polícias de Monapo,
força treinada, especialmente, para reprimir os estivadores do Lumbo, dando-lhe
ordens no sentido de se deslocar às povoações e conseguir o pagamento do
imposto, mesmo à custa do saque e de destruição. Porém, a população amotinouse e, formando uma grande multidão armada de facas, paus e alfaias agrícolas,
marchou para a secretaria da circunscrição, atacando o acampamento da
companhia com particular violência.
Feita a comunicação da revolta ao Governador da Província, este decidiu mandar,
no dia seguinte, contra os insurrectos, a 51 Companhia Indígena de Infantaria,
estacionada em Nampula, tendo ele próprio acompanhado a acção. Foram presas
187 pessoas, mas centenas de outras conseguiram fugir ao assalto militar. Dias
depois, chegou novo grupo de 50 polícias de Monapo, que obrigou a população ao
pagamento do imposto de palhota.
Esmagada a revolta, a situação acalmou, aparentemente. O sucesso da intervenção
militar deu uma nova força e mais autoridade à administração local que, em
Outubro de 1939, conseguiu obter um acordo com os proprietarios. Estes
passaram, teoricamente, a cobrar as famílias que viviam nas suas terras uma renda
mensal de 2$50 e a pagar um salário
Capítulo 3
conforme os dias de trabalho. No entanto, nos meses e anos seguintes, o
administrador do Mossuril constatou que a situação não estava normalizada,
enquanto habitantes e proprietários procediam com relutância à celebração e
reg.sto dos contratos de renda e salário.
De facto, a administração ainda não tinha poder de fiscalização suficiente para
garantir o cumprimento integral do acordo, que era sistematicamente ignorado
tanto pelos proprietários, como pelos habitantes. Apenas o declínio do comércio
de cajú em 1942, que resultou da II Guerra Mundial, tornou a situação mais calma
e, assim, permitiu o estabelecimento da cultura de algodão no Mossuril.
5.3 0 movimento associativo
A II Guerra Mundial foi, para toda a Africa, de uma importância decisiva. Os
africanos das colónias não-portuguesas foram largamente utilizados, dentro e fora
da África, integrados nos exércitos coloniais. O chamado 'esforço da guerra' tinha
levado, ainda, à intensificação da produção e da exploração do trabalho, nos
vários países colonizados. Disto resultou a morte de milhares de africanos nos
teatros de guerra (estima-se que só a Africa oriental tera perdido cerca de 50 mil
homens).
O colapso repentino do poder imperialista britânico e francês, no oriente,
culminando com a invasão japonesa de Malásia, Singapura e Birmânia, contribuiu
para a queda do mito da invulnerabilidade, em geral, dos sistemas coloniais
europeus. A entrada em contacto com outros povos e outras ideias, e a
participação, lado a lado, de soldados africanos, numa posição subordinada aos
Europeus, aceleraram a difusão de uma ideologia anti-colonial e nacionalista, que
marcou as semelhanças entre o fascismo, contra o qual lutavam a Grã-Bretanha e
a Franca, e o colonialismo por eles, de facto, praticado.
De referir, ainda, a importância que nesse campo desempenhou a propaganda
anti-colonial, que ganhava vulto quer nas assembleias internacionais quer em
países como a União Soviética, os E.U.A. e, mesmo, a Grã-Bretanha. Como
resultado, nos preparativos já em curso para a formação das Nações Unidas,
confirmaram o direito dos povos a dispor do seu próprio destino. Além disso,
futuros dirigentes prestigiados (Nkrumah de Ghana, por exemplo), tinham-se
familiarizado, nos E.U.A., com a corrente panafricanista, que então ganhava
grande popularidade.
Neste quadro, três vias para o nacionalismo começaram a desenhar-se
114
A Reesruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
na vida política africana: as associações culturais de estudantes, intelectuais e
religiosos, as organizações sindicais, e os partidos políticos. Ora fundindo, ora
movimentando-se em paralelo, estiveram na base da formação dos futuros
movimentos nacionais de libertação, que levariam a independência, nas décadas
seguintes, a maior parte dos países africanos.
Nas então colónias portuguesas, o impacto das transformações também se fez
sentir, salvaguardadas algumas diferenças. Se nas outras partes de África,
incluindo a África do Sul e a Rodésia do Sul, os partidos e os sindicatos se
apresentaram como os núcleos nacionalistas mais activos, em Moçambique e nas
outras colónias portuguesas esse papel ficou circunscrito as associações. De facto,
o atraso do desenvolvimento económico, a acção controladora e repressiva do
colonial-fascismo, e a política deliberada de 'assimilação' não permitiram que as
associações se transformassem em verdadeiros partidos. Os *assimilados', os
intelectuais, em suma, a liderança nacional debutante viu, assim, coarctada a
possibilidade de ter uma expressão política tão activa como a das outras colónias
de África.
Como vimos no capítulo anterior, o Estado colonial estabeleceu relações de
aliciamento e repressão com a população africana urbana, através das suas
associações. A vida e acção destas associações continuavam a processar-se
segundo duas perspectivas. De um lado estavam as autoridades coloniais, que
mantinham o controle e a vigilância sobre a camada que se agrupava nas
associações e na qual confiavam como agentes da sua polftica, mas que, ao
mesmo tempo, receavam como potencial oposição anti-colonial nacionalista. Do
outro lado estava a comunidade colonizada que encarava as associações, na
pessoa das suas direcções, como intermediários, advogados das suas causas. No
entanto, as associações não mantinham uma ligação estreita com o povo, não
obstante as suas direcções estarem conscientes de representar essa mesma base
social. Entre essa noção de representatividade associativa e a de partido, ficava
sempre o limite, que o aparelho colonial impedia fosse excedido.
Porque tentavam harmonizar os interesses diversos dos colonizadores e dos
colonizados, as associações irão sempre relacionar-se com o governo colonial, ora
em aberta sintonia, ora em cautelosa desconfiança. Nas suas manifestaç es,
responderão com rasgados protestos de 'patriotismo' português, alternando com
tímidas reivindicações.
115
Capítulo 3
As suas acções de compromisso com a autoridade colonial devem ser vistas,
simultaneamente, como desejo e esforço consciente de defesa, mais ou menos
activa e agressiva, ainda que receosa, dos interesses de vastos sectores da
população local. Foi o caso da educação, do desporto, da cultura e da acção social.
A capa da assistência social e das actividades recreativas e culturais não podia
esconder o desejo consciente de legítima representatividade das comunidades
locais. Neste contexto, continuavam a ser as associações sediadas em Lourenço
Marques, as mais activas na defesa dos interesses das populações: a Associação
Africana (AA), o Centro Associativo dos Negros (CAN - novo nome que assumiu
o Instituto Negrófilo) e a Associação dos Naturais. De menor incidência a acção
do Centro Africano da Beira e da Associação Africana da Zambézia.
Dentre as acções mais notáveis levadas a cabo pelas associações, neste período,
destacaram-se a exigência pelo direito à educação e ao trabalho e a abolição de
impostos. Por exemplo, numa acção conjunta promovida pelo CAN e pela AA, foi
exigida a abolição do imposto de capitação sobre a mulher africana [34].
A educação, como sector de promoção social e económica, continuava a merecer
a atenção das associações, nomeadamente da AA e do CAN. A AA continuou
ligada à escola para raparigas 'João Albasini' (criada em 1920), mesmo depois da
sua integração nos serviços coloniais de instrução. Ali ensinou a professora
primária Cacilda Dias, filha de Estácio Dias e irmã do escritor João Dias, figura
importante no período seguinte. Por solicitação dos sócios residentes nas zonas
rurais, o CAN intercedeu, por diversas vezes, junto das autoridades coloniais, para
o estabelecimento de escolas nas zonas onde elas não existiam. Durante a guerra,
e quando grassava já uma crise de empregos, derivada dos efeitos do conflito
mundial, ambas as Associações apelaram à Igreja para que se cingisse aos
naturais da terra para o provimento de lugares de.auxiliares das missões [35].
Acerca da educação dada pelas escolas missionárias, exigiam não apenas a
possibilidade de as frequentar, como também queriam trabalho, o que lhes vinha
sendo negado sistematicamente tanto nos serviços públicos como nos
estabelecimentos privados.
"Porque toda esta civilização e instrução que nos dão para nos sujeitar depois às
inclemências da sorte negra? (...) Não queremos só escolas, queremos também
trabalho, porque depois de acabados os estudos temos que enfrentar
116
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
a vida.... Pediamos (a Sua Exa. Rev. o Prelado de Moçambique) ... que não
mandasse vir mais pessoal para os serviços auxiliares, porque há criaturas
competentes entre a nossa gente que podem desempenhar esses lugares com tanta
proficiência e dedicação como qualquer europeu, porque anos atrás o
desempenharam" [36].
Está bem patente, assim, a ambiguidade da posição das Associações, no facto de
reclamarem emprego na Igreja Católica, nqma altura em que, mais do que nunca,
esta instituição religiosa se tornava parte integrante da estrutura de dominação
colonial (ponto 6).
Em geral, a imprensa ligada às associações, amordaçada já com a implantação do
fascismo, tinha substituído a irreverência por uma ironia cuidadosa, pela
referência ambígua, ao mesmo tempo crítica e servil. O Brado Africano, tendo
perdido muito do seu carácter de jornal de intervenção política, começou a utilizar
uma sistemática divulgação poética que, no período seguinte, viria a ser uma
forma importante de expressão anticolonial. A produção literária, poética em
geral, apareceu ainda dispersa por outros jornais. Uma importante página literária
conheceu a luz do dia durante este período. Criado em 1941, em Lourenço
Marques, por um grupo de intelectuais brancos anti-fascistas, o Itinerário tinha
por objectivo enriquecer as letras moçambicanas, conforme dizia, "pela
conjugação de valores novos que possam vir a afirmar-se" [37].
Num outro plano, o desportivo, a AA esteve ligada ao Grupo Desportivo Vasco
da Gama, um dos diversos clubes que disputavam o campeonato de futebol da
Associação de Futebol Africana, um espécie de segunda divisão para 'indígenas'.
Segundo José Craveirinha, era na Associação e nas suas acções que os africanos
procuravam "pugnarjuntos em busca da glória atlética, em termos de maioridade"
[38].
6. O Estado colonial, a Igreja Católica e o ensino rudimentar
Para além da repressão sobre a resistência e a actividade política, já referenciadas,
houve outras formas, como a religião e o ensino, em que o propósito da burguesia
portuguesa de intensificar a submissão da população moçambicana transparece
mais claramente. Desde 1930 que o governo colonial vinha implementando, para
além de medidas de exploração económica, toda uma filosofia de ocupação
baseada no
Capítulo 3
"orgulho nacional, na fé, no dever, no humanitarismo...". Para os objectivo§ da
exploração colonial no plano ideológico, a presença da Igreja Católica surgia
como ingrediente fundamental.
No entanto, as circunstâncias diversas dos anos 1939 e 1940 favoreceram uma
aliança muito mais efectiva, institucional, entre a Igreja Católica e o Estado
português.
Em 7 de Maio de 1940 foram assinados, entre o Estado português e o Vaticano, a
Concordata e o Acordo Missionário, consagrando, desta forma, o papel da Igreja e
da sua doutrina como a grande força inspiradcra e justificadora do regime
colonial-fascista português. O Acordo Missionário seria depois regulamentado
pelo Estatuto Missionário, em 1941.
A isto chamou Salazar, em 1940, a 'nacionalização' do apostolado missionário
português. Também Franco Nogueira, cronista-mor do salazarismo, afirmava ser
o Acordo Missionário "da mais alta importância", pois que retirava do Vaticano
"qualquer jurisdição sobre os missionários do Ultramar Português". Missionários
esses que o respectivo Estatuto submetia às autoridades portugueses a quem
exigia, no mínimo, concordância com a situação política prevalecente.
A Igreja Católica portuguesa foi, assim, instituída como instrumento ideológico
fundamental da defesa da ordem interna em Portugal e da preservação do domínio
colonial. Estreitamente ligada aos objectivos sócio-políticos do Estado português,
foi investida de grande autoridade, iniciando, a partir de 1940/41, uma agressiva
campanha de expansão, concorrendo, em condições altamente favoráveis, com as
Igrejas protestantes. O regime transferiu a responsabilidade do ensino rudimentar
oficial para a Igreja Católica, estabelecendo ainda um rigoroso controle sobre toda
a actividade da Igreja.
O pessoal missionário era objecto de controle político pelo Estado, mesmo o da
alta hierarquia da Igreja, cuja nomeação só poderia ser feita pelo Vaticano, desde
que tivesse a confirmação do governo português. Foi, também, estabelecido o
controle político da formação de professores nas missões. Só com o acordo do
governo português podiam os missionários estrangeiros não-portugueses trabalhar
em Moçambique, ficando, contudo sujeitos aos mesmos regulamentos e leis
disciplinares que os portugueses. O Estatuto Missionário estabelecia que todo o
pessoal docente 'indígena' devia receber a sua preparação em escolas
118
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
criadas para o efeito, devendo o pessoal dessas escolas ser, obrigatoriamente, de
nacionalidade portuguesa.
Para além disso, e apesar do ensino primário africano estar confiado,
principalmente, às missões católicas, os conteúdos de ensino deviam ser,
exclusivamente, apreciados e autorizados pelo Estado português. Na verdade, a
Concordata confirmava o que tinha sido estipulado em 1930, (capítulo 2, ponto
2.4): os materiais de ensino tinham de ser aprovados e o ensino da história, em
particular, tinha de contemplar objectivos ideológicos e políticos bem concretos.
Neste campo, as autoridades da Igreja deviam assegurar que,
"... no ensino das disciplinas especiais, como no da história, se tenha em
conta o legítimo sentimento patriótico português" [391.
No entanto, a acção missionária da Igreja Católica era, para além de um meio de
expandir o cristianismo, um poderoso instrumento ideológico destinado a
pressionar as populações a aceitar trabalho nas actividades coloniais, e a pagar
impostos. Isto vinha claramente expresso no Estatuto Missionário que definia o
principal objectivo da educação como
"... a perfeita nacionalização e moralização dos indígenas e a aquisição de habitos
e aptidões de trabalho, de harmonia com os sexos, condições e conveniências de
economias regionais, compreendendo na moralização, o abandono da ociosidade e
a preparação de futuros trabalhadores rurais e artífices que produzam o suficiente
para as suas necessidades e encargos
sociais' [401.
A expansão da Igreja caracterizou-se por uma ligação estreita com os elementos
mais repressivos do sistema colonial, como o trabalho forçado e as culturas
obrigatórias. A isto não faltaram a expropriação de terras aos camponeses e a
utilização de mão-de-obra, sujeita a salários miseráveis, ou mesmo forçada, dos
próprios alunos das missões. Os alunos eram normalmente usados como força de
trabalho na produção agrícola, especialmente do arroz e do algodão. Estes
produtos eram depois vendidos, revertendo a receita a favor da missão. Era o
chamado xipadre (chibalo na machamba das missões), trabalho forçado extraido
pelas missões aos alunos como forma de pagamento da educação recebida.
Capítulo 3
De referir que, entretanto, e no âmbito da estreita colaboração entre a
administração colonial e a Igreja, aquela fornecia trabalhadores às missões
(principalmente os presos) enquanto estas permitiam o recrutamento, quer pela
administração, quer por particulares, dos alunos mais velhos, antes de regressarem
às suas casas.
Com estes apoios, o número de missões católicas continuou a aumentar
consideravelmente, como mostra as estatísticas oficiais:
Quadro 7: Aumento de missões católicas, 1938-1944
1938
1944
Missões
52
64
Filiais
211
598
Missionários
71
114
Auxiliares
443
Irmaõs/Irmãs
265
Assalariados
1950
Como resultado da expansão da Igreja e da gradual junção dos dois tipos de
ensino primário rudimentar (oficial e missionário) sob a responsibilidade da
própria Igreja Católica, aumentou rapidamente o número de escolas para o ensino
rudimentar das missões católicas:
Quadro 8: Número de escolas rudimentares, 1938-1944
Ensino
1938
1944
Oficial
188
96
Católico
245
502
Protestante
49
36
A educação ministrada nestas escolas continuou a ser de qualidade muito baixa.
Com a duração de 3 anos de escolariedade, este ensino consistia, principalmente,
em lições de língua portuguesa e de catequese (o ensino do catecismo). Este
último era, em geral, ensinado em língua africana local, enquanto as outras
matérias eram, obrigatoriamente, ensinadas em português. Regra geral, os
monitores, deficientemente
120
A Reestruturaçdo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
preparados, consideravam mais fácil dedicarem-se ao ensino do catecismo do que
a outras matérias numa língua em que tinham grandes dificuldades, pelo facto de
ser, para eles, uma segunda língua. Isso viria a reflectir-se nos resultados das
escolas das missões católicas, nomeadamente no número extremamente baixo de
alunos que passaram o exame, após os 3 anos de ensino:
Quadro 9: Ensino rudimentar católico, 1940-1944
1940
1944
Total de matrículas
52.238 94.494
Aproveitamentos no ano final
224
804
Assim, a crer nas estatísticas oficiais, menos de um por cento dos alunos, que
iniciavam o ensino rudimentar nas missões católicas, chegavam ao fim com
aproveitamento e, por isso, com o direito de avançar para o ensino primário
comum.
O ensino rudimentar, pelo que vimos, não tinha em vista facilitar o acesso da
população negra a uma educação semelhante a dos brancos e de um escasso
número de 'assimilados'. Só um muito reduzido número de negros conseguia
ascender ao II' grau do sistema escolar. No ensino elementar oficial que, a partir
de 1930, era destinado principalmente para brancos, os negros constituíram
apenas 77 matrículas de um total de 4.019, em 1944, enquanto no ensino
elementar católico, destinado principalmente para negros e onde o nível de ensino
era baixo, 2.646 das matrículas foram das crianças negras (de um total de 4.107).
De facto, o sistema primário oficial expándiu-se, após 1930, principalmente para
facilitar o acesso dos brancos ao ensino secundário que, por seu turno, dava
acesso ao ensino superior e aos postos importantes no aparelho estatal e
comercial. O sistema discriminava manifestamente os negros, vedando-lhes o
acesso a estes níveis de ensino (em 1944 só um negro se matrículou no ensino
secundário), o que automaticamente os impedia de ocupar determinados postos de
trabalho.
Isto estava em concordância com os objectivos do sistema educacional colonial,
em que o ensino rudimentar se devia processar, servindo, na prática, de barreira à
educação efectiva da população negra. A partir de
122
CapftulO
18. Escolas de Artes e Ofctos, como esta de Moamba, constituiram parte
integrante do sistema de educação para negros.
1940, a assimilação, teoricamente promovida pela Igreja, tornou-se, mais do que
dantes, uma ideologia com a qual os dirigentes políticos e religiosos promoveram
a consolidação do sistema colonial. Era a forma de justificar, perante si próprios e
seus subordinados políticos e administrativos, a verdadeira face repressiva e
discriminat6ria do colonialismo português: o trabalho forçado e o carácter racista
da política
19. Aula de sapataria na Escola de Artes e Ofícios de Moamba
122
.4 Rr,'sn utu, ;'-ao .... S,,Uedaac Moçambicana, 1938-1944
e das instituiçoeb coloniais. Desta forma, o projecto cultural da 'assimilaçãu'
enquadrava-se mais do que nunca, nos desígnios políticos e ideológicos do
colonialismo português.
No mesmo ano em que foram assinados com a Igreja a Concordata e o Acordo
Missionário, realizou-se, em Lisboa, a Primeira Exposição Colonial do chamado
'mundo português'. O entusiasmo que então se pretendia pelas colónias destinavase, nada mais nada menos, a incrementar a colonização portuguesa. A retórica
dominante aí demonstrada, foi a 'necessidade' de expansão da religião católica, da
língua portuguesa e do conhecimento da "grandeza e das qualidades especiais" da
colonização portuguesa. Todo este discurso, destinado a explicar a política
colonial do Estado português em Africa, era feito numa altura em que o governo
colonial, em Moçambique, levava a cabo a campanha política e administrativa
que culminou com a implantação das culturas forçadas e do controle estatal
rigoroso sobre toda a força de trabalho.
A maior preocupação do Estado colonial português era, como vimos, assegurar a
submissão política e económica da população negra, impedindo-lhe, de facto, o
acesso à toda a educação que fosse além da rudimentar. A repressão efectiva de
quaisquer aspirações dos negros estava na base da política a seguir pelo Estado,
tendo a população negra, por seu turno, de trabalhar para o desenvolvimento da
economia colonial.
A intensificada agressividade ideológica, através da Igreja Católica oficializada,
foi acompanhada por um crescente ritmo de discriminação, controle e, até,
repressão das Igrejas protestantes. A discriminação contra estas missões foi
efectuada, particularmente, através dos regulamentos que controlavam a formação
de professores moçambicanos, o que impediu a expansão do trabalho educacional
dos protestantes. Além disso, nalgumas zonas, como no vale do Limpopo, onde a
Igreja Católica tomava conta de escolas oficiais há muito tempo estabelecidas,
famílias protestantes eram forçadas, cada vez mais, a matricular os seus filhos em
escolas católicas rudimentares. No II grau do ensino, isto é, o 'ensino elementar
comum', o sistema educacional era da alçada das missões católicas, havendo uma
única escola protestante [em 1944], na missão de Messumba em Niassa.
Mas, segundo informações presentemente"disponíveis, a repressão activa incidiu
com mais rigor nas Igrejas separadas 'etiópicas'. Por exemplo, em 1941, foram
"mandadas encerrar por ilegais a sede e filiais
123
Capítulo 3
124
da Igreja Luz Episcopal", a principal Igreja etiópica, que trabalhava
particularmente na província de Inhambane. Em 1942, o governo colonial decidiu
o encerramento imediato de todas as igrejas não oficializadas, isto é, todas as
igrejas protestantes que não eram apoiadas por uma organização missionária
estrangeira. Como justificação, referiu-se na documentação oficial,
"à nociva actividade de tais instituições e seus representantes, que só poderiam
concorrer para a desnacionalização espiritual e material dos
moçambicanos" [411.
No entanto, a actividade destas igrejas não parou. De início, a Igreja Luz
Episcopal procurou ultrapassar as restricções, apresentando os seus estatutos ao
Governo-Geral para oficialização. O Governo-Geral nunca se pronunciou,
deixando a Igreja e os seus aderentes numa situação de ilegalidade e sujeita a um
controle apertado.
NOTAS:
1. BO 27, 6.7.1938, Decreto 28697, 25.5.1938; para a Comissão Reguladora de
Algodão em Rama, que passou a controlar os preços e importações, ver BO 26,
30.6.1938; para o resumo provisório da questão algodoeira que constituiu a base
de trabalho deste sub-capitulo, ver D.Hedges, 'As culturas obrigatórias e as
transformações na economia rural sob o colonial capitalismo, 1930-1960' UEM,
Departamento de História, 1983, (mimeo); para uma periodização sistemática e
relação da legislação relevante, ver o trabalho fundamental de M. J. de Lemos,
'Fontes para o estudo do algodão em Moçambique: Documentos de arquivo,
1938-1974', Trabalho de Diploma, Licenciatura em História com especialidade
em Documentação, UEM/AHM, 1985.
2. Ver, por exemplo, J.do Amparo Baptista [coord], Moçambique, província
portuguesa de ontem e hoje, Vila Nova de Famalicão, 1962, p.401.
3. AHM, ISANI, Cx.39, A.S.Moutinho, Relatório da Inspecção ordinária às
circunscrições de Buzi, Chemba, Cheringoma, Chimoio, Gorongoza, Manica,
Marromeu, Mossurize, Sena, e Sofala, 1943-1944, pp.91-92.
4. AHM, ISANI, Cx.77, H.E.de Sousa, Relatório da inspecção ordinária ao
Distrito
de Nampula, da Província do Niassa, 1946-1948, p.86, citando Circular
Confidencial no.1041/D7, do Governo-Geral, de 9 de Novembro de 1944.
A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
125
5. Ver Vail e White, op.cit., p.315.
6. Para Zambézia, ver Vail e White, op.cit., pp.316-317; L. Val e L. White,
'Tawani machambero!: forced cotton and rice growing on the Zambezi', Journal
ofAfrican History, vol.XIX (1978), pp.239-263. Para Nampula e Cabo Delgado,
ver, por exemplo, AHM, ISANI, Cx.96, C.H.Jones da Silveira, Relatórir, e
documentos referentes à inspecção ordinária feita na província do Niassa, 19431945, vol.2, Doc.7; Cx.97, idem., II parte, pp.47-49. Para a situação global, ver
Bravo, A cultura algodoeira, p.81; AHM, FA, JEAC, Relatório da Inspecção de J.
Contreiras, 1945, esp. pp.15-16,19,23,31-32; (para diferenças regionais, ver 4.2
em diante); C.Fortuna, "A mudança de côr do algodão moçambicano: estado,
capital e trabalho no período entre guerras", Revista Internacional de Estudos
Africanos, 10/11 (1989), pp. 121-122. Segundo a obra Trente annéés de cufture
cotonnière ao Congo Belge 1918-1948, Bruxelas: Compagnie Cotonnière
Congolaise, s.d., p.43, o sistema de cultura forçada do
Congo Belga era mais de duas vezes mais produtiva (cifras de 1946).
7. Este sub-capítulo baseia-se principalmente em: Vail e White, 'Tawani
Machambero', pp.257-259; idem., Capitalisin and Colonialism, pp.279,318-319;
ver, também, inter alia, O. Roesch, "Migrant labour and forced rice production in
southern Mozambique: the colonial peasantry of the lower Limpopo valley",
Journal of Southern African Studies, 17 (1991), pp. 237-270; AHM, FGG, P.do
Rego, Relatório do Governador interino da Província do Sul do Save, relativo ao
ano de 1942, pp,400-402
8. Para a crise de mão-de-obra, ver Vail e White, Capitalisn and colonialism,
pp.279-280, passim.
9. Ibid., pp.280-281; ..T.Bettencourt, Relatório do Governador-Geral de
Moçambique, 1940-1942, 2 vols., Lisboa: 1945, vol.2, pp.79-86 10. BO 50,
19.12.1942, pp.836-839, Portaria 4950, 19.12.1942 11. Bettencourt, op.cit., vol.2,
p.86.
12. BO 25, 27.6.1942, pp.179-181, Portaria 4768, 27.6.1942 13. AHM, ISANI,
Cx.62, J.F.Rodrigues, Relatório e documentos referentes à
inspecção Gurué, Ile, Lugela, Massingire, Milange, Nhamarroi, e Zambeze,
1944, Relatório, p.109.
14. Bettencourt, op.cit., vol.1, pp.45-47. 15. Val e White, Capitalism and
Colonialisn, p.307 16. BO 31, 29.7.1944, p.367, Portaria 5639, 29.7.1944, Artigo
118: "Os chefes
gentilicas procurarão desempenhar-se das funções que lhes incumbem,
respeitando tanto quanto possível os usos, costumes ou tradições indígenas que
não contrariem as disposições legais em vigor; a autoridade administrativa
cumpre dirigí-los activamente por forma que a acção benéfica que desenvolverem
apareça às populações em verdade como o resultado da intervenção superior
portuguesa,
em que aos regedores e chefes de povoação coube a função de executores".
17. De facto, o Regulamento de 1944 estabeleceu vários livretes pessoais: a
'Cédula
Capítulo 3
de Serviço', para os recrutados e contratados temporários não-residentes
(substituindo a antiga chapa metálica, que os trabalhadores braçuLs tinham que
levar no braço direito); o 'Livrete de Serviço', para a maioria de serviçais
residentes, incluindo oomésticos; e a 'Cédula Pessoal', para serventuários do
Estado, proprietários e os que tenham "um nível de vida superior ao dos outros
indígenas e que tenham boa conduta moral e civil". Este último grupo, que era
isento de inscrição no registo do Comissariado da Polícia, tinha que levar um
terceiro documento justificativo dessa isenção; ver BO 24, 12.6.1944, pp.280,
283, Portaria 5.565, 12.6.1944, Regulamento dos Serviçais Indígenas, artigos 1
e 27.
18. BO 35, 28.8.1943, p.306, Portaria 10.420, de 22.6.1043, artigo 10; M.Cahen,
'Corporatisme et colonialisme: approche du cas mozambicain, 1933-1979, 1. Une
genèse difficile, un mouvement squelettique', Cahiers d'Études africaines, 92,
XXIII-4, 1983, p.392; ver, também, cap.4, ponto 5.1.
19. Com a promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional, em 1933, o regime
salazarista iniciou a sua ofensiva final pela fascização dos sindicatos em Portugal,
proibindo as associações de classe e outrãs organizações congéneres, ainda
existentes; Decreto-Lei 23.048 de 23.9.1933. Contudo, esta legislação só foi
extensiva às colónias em 1937, pela publicação do Decreto-Lei 27.552 de 5 de
Março de 1937, que, por sua vez, marcou a extensão às colónias da legislação
corporativa por excelência; Cahen, op.cit., pp.385-386.
20. A antiga Associação tinha sido, com efeito, a maior organização de
trabalhadores
brancos de Moçambique desde 1902. Coexistindo com outras organizações mais
combativas, como por exemplo o Sindicato Geral das Classes Trabalhadoras, a
Associação do Pessoal do Porto e Caminhos de Ferro de Lourenço Marques, a
Associação das Artes Gráficas, a União dos Trabalhadores Africanos e outras,
tinha-se sempre mantido à margem delas, não tendo nunca sido interdita.
Efectivamente, nesta organização, não se filiara nenhum dos sindicalistas que
vieram a distinguir-se na acção operária desenvolvida em Moçambique entre 1910
e 1926; Cahen, op.cit., p.392; J.Capela, O movimento operário em
Lourenço Marques, 1898-1927, Porto: Afrontamento, s.d., pp.106-107.
21. Ver Portarias 10.422 e 10.713, BO nos.35, de 1943 e 41, de 1944,
respectivamente.
22. Ver Decreto-Lei no.27.552 de 5.3.1937, BO 14, 10.4.1937, p.161, artigo 2;
Portaria 5.553 de 3.6.1944, BO 23 de 1944.
23. Por exemplo, entre 1939 e 1944 a tonelagem de produtos comprados aos
camponeses aumentou de 116.000 para 167.000 toneladas por ano, mas o seu
valor triplicou, de 69.100 contos para 175.662 contos.
24. Nomeadamente, de 165.305 contos em 1940 para 512.215 em 1944. O
algodão
constituiu 38 por cento deste último montante.
25. AHM, FGG, Paulo do Rego, op.cit., 1944, p.395. 26. Ibid., p.362.
126
A Reestruturaçao da Sociedade Moçambicana, 1938-1944
27. AHM, ISANI, Cx.62, J.F.Rodrigues, 1944, op.cit., p.127. 28. AHM, ISANI,
Cx.39, A.S.Moutinho, 1943-1944, op.cit.p.112. 29. (F.M.Grilo), Relatório do
Chefe da Repartição Central dos Serviços Agrícolas,
Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1946, partes II/III, p.288.
30. Sobre esta matéria, ver, por exemplo, M. Legassick e F. de Clerq, 'Capitalism
and migrant labour in southern Africa: the origins and nature of the system',
Universidade de Londres, Institute of Commonwealth Studies, mimeo, 1978; J.
das Neves, 'O trabalho migratório de Moçambicanos para a Rodésia do Sul, 19131958/60', Trabalho de Diploma para o grau de Licenciatura, Instituto
Superior Pedagógico, Maputo, 1990, esp. pp.28,58.
31. Ver AHM, FA, JEAC, Relatório da inspecção de J.Contreiras, 1945, p.100.
32. Brigada de História do Curso de Letras, Actividades de Julho 1979,
Universidade
Eduardo Mondlane, [A.Isaacman, A.Pililão, E.Macamo, M.J.Homem, M.Stephen
e Y.Adam] 'A resistência popular à cultura forçada de algodão em
Moçambique, 1930-1961', Maputo: mimeo, 1979. 33. Ver nota 36 do capítulo 2.
34. BA, 30.11.1940.
35. BA, 14.12.1940
36. BA, 23.11.1940
37. Citado em M.Ferreira, Literaturas africanas de expressão portuguesa, Lisboa:
Instituto de Cultura Portuguesa, 1977, vol.2, p.68.
38. J.Moreira, 'O dividido movimento associativo moçambicano', Maputo: UEM,
s.d., [mimeo].
39. Concordata e Acordo Missionário de 4 de Maio de 1940, Lisboa: Secretariado
da Propaganda Nacional, 1943, pp.25-26. 40. Idem: p.120.
41. AHM, FNI, Cx 696, Repartição Central dos Negócios Indígenas, Informação
59,
de 5.11.1942, e despacho do Governo-Geral, 10.11.1942.
127
Capítulo 4:
Moçambique durante o Apogeu do Colonialismo Português 1945-1961:
a Economia e a Estrutura Social
1. Características gerais do período Este período marcou o apogeu do
colonialismo português em Moçambique no sentido de ser aquele em que a
exploração colonial mais se desenvolveu em benefício do capital metropolitano
A produção agrfcola de exportação aumentou consideravelmente através da
utilização intensiva dos meios já estabelecidos de coerção e exploração da força
de trabalho, nomeadamente, em sistemas de cultivo e trabalho forçados.
Novos investimentos em infra-estruturas garantiram maior eficiência da economia
colonial, e o fomento de investimento controlado permitiu um avanço gradual na
indústria de transformação.
Paralelamente, aumentou a população colona, que ocupava um crescente número
de postos de trabalho que exigiam especialização, e cuja situação económica e
social privilegiada veio a ser reforçada por barreiras raciais cada vez mais
marcadas, principalmente, sob a capa da sindicalização dos trabalhadores brancos.
Por outro lado, a maioria da população continuou a ser sujeita a um sistema de
educação que, de facto, funcionava como uma barreira considerável a qualquer
avanço significativo na sua formação geral, e ao
Capítulo 4
seu acesso aos postos de emprego que requeriam qualificação técnicoprofissional.
O sistema de repressão, erguido pelo colonialismo, baseava-se cada vez mais na
recuperação e promoção dos régulos que, na sua maioria, passaram a ser os
auxiliares directos da autoridade administrativa, utilizando a estrutura tradicional,
ideológica e sócio-cultural, para garantir a tranquilidade, na medida do possível,
da população rural.
No entanto, foi neste período que, em resposta a esta experiência, e por influência
da luta anti-colonial regional e mundial, se procedeu uma clarificação progressiva
dos objectivos do movimento anti-colonial moçambicano, estabelecendo-se,
assim, um movimento verdadeiramente nacionalista (capítulo 5).
2. A intensificação da produção rural
2.1. A cultura forçada de algodão Neste período, o algodão continuou a ser
considerado, pelo Estado colonial, de longe o maior foco de desenvolvimento,
reflectindo a importância da indústria têxtil para a industrialização de Portugal.
No entanto, embora bem sucedido, no sentido de fornecer grandes quantidades de
algodão à metrópole, o sistema sofreu algumas mudanças superficiais.
Como vimos no capítulo anterior, o sistema implicava algumas fraquezas graves:
provocou a forte resistência do campesinato, em especial as fugas
que, difíceis de controlar, resultaram na diminuição do recurso
principal da colónia, a sua força de trabalho;
- o declínio da produção de culturas alimentares e o enfraquecimento
da capacidade do campesinato em se reproduzir;
- a reduzida rentabilidade por hectare e por cultivador em áreas geográficas muito
extensas, implicando um esforço bastante dispendioso na propaganda e na
fiscalização da maioria dos produtores, que estavam pouco motivados para a
cultura do algodão, para além das grandes despesas relacionadas com o transporte
(camiões, construção
de estradas e pontes, etc.).
130
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
Em 1944 e 1945, nos finais da II Guerra Mundial, surgiu uma nova questão,
nomeadamente o receio das reacções internacionais contra a violência do sistema
[1]). No mesmo período, começou a verificar-se uma outra grave deficiência: o
enfraquecimento do principal meio de produção rural nas áreas do algodão, o solo
[2].
Apesar dessas deficiências, e das críticas feitas ao sistema algodoeiro por
funcionários da própria Junta de Exportação de Algodão Colonial [JEAC], em
1946, o Governo português renovou o sistema de concessões algodoeiras por mais
10 anos.
No entanto, o regime colonial iniciou uma política de mudanças no
funcionamento do sistema algodoeiro, que visavam uma maior e eficiente
rentabilidade da cultura. Previa-se que estas mudanças não afectassem as bases do
sistema [3].
As principais iniciativas datam de 1947. Naquele ano, iniciou-se o
Reconhecimento Ecológico-Agrícola, cuja função era a localização dos solos,
mais apropriados para o algodão, e o eventual reajustamento das zonas das
concessões.
Face ao declínio da produção das culturas alimentares, nos seus relatórios
internos, o regime colonial reconheceu que a base da subsistência camponesa foi
de facto reduzida pela cultura de algodão. Mas, em vez de erradicar a causa do
mal, que era o sistema de cultura obrigatória de algodão em si, a partir de 1946/7,
o Estado colonial alargou gradualmente este sistema às culturas alimentares
também. Desta maneira, nas zonas de algodão, todas as actividades produtoras do
campesinato, não meramente a do algodão, vieram a ser dirigidas pela
administração e pelos agentes das companhias concessionárias.
Esta situação tinha uma contradição inerente: o interesse imediato das
concessionárias estava na produção de algodão; a promoção das culturas
alimentares constituía uma interferência no cumprimento desse objectivo, em
termos de tempo e trabalho, quer dos seus agentes, quer dos produtores. Era difícil
para o administrador, mesmo que tivesse a vontade e capacidade, de promover a
produção adequada ao sustento familiar, contra as concessionárias, que eram a
principal força económica nas zonas algodoeiras.
Os agentes, capatazes e regentes agrícolas, empregados pelas concessionárias,
eram, muitas vezes, quem orientavam as obras de construção e reparação das
picada, Po(ntt',.-tr A Junta de Exportação
Capítulo 4
de Algodão Colonial (JEAC) e o Centro de Investigação Científica Algodoeira
(CICA), devido às suas reduzidas verbas, apoiaram as campanhas nos distritos de
uma maneira muito selectiva, de modo que as concessionárias eram,
normalmente, as únicas capazes de apoiar o administrador na implementação da
política colonial rural.
Numa tentativa de aumentar o nível geral de fiscalização, um sistema de controle,
baseado no anteriormente em vigor em algumas zonas de Manica e de Sofala, foi
gradualmente alargado às restantes concessões do país. Os produtores de algodão
foram divididos em duas categorias: o primeiro era os 'agricultores de algodão',
homens válidos entre 18 e 55 que tinham que cultivar um hectare de algodão e
igual área de culturas alimentares; o segundo era os simples "cultivadores', os
restantes produtores, principalmente, mulheres, que tinham a obrigação de
cultivar 0.5 hectare de algodão e igual área de culturas alimentares. A todos foi
distribuído*, em cada ano, um cartão, de côr diferente, segundo a categoria, no
qual seria registado o cumprimento de todas as fases da produção, desde a
distribuição da semente até à venda do produto. Com o objectivo de obstar os
principais abusos nos mercados e transportes, o Governo-Geral fez circular
instruções detalhadas sobre a comercialização.
Concentrações algodoeiras, blocos e picadas No início da década de 50, começou
a construção de 'concentrações algodoeiras', que consistia na colocação de grupos
de produtores, em localidades seleccionadas pela administração e companhias.
Cada uma teria espaço suficiente .para a rotação de culturas, e a sua própria
picada de acesso. O objectivo do esquema foi:
- intensificar a produção, através da supervisão mais estrita de cada
produtor;
- assegurar a produção de alimentos suficientes;
- localizar facilmente os maus produtores que deviam ser indicados
para contratação nas plantações;
- reduzir o número e a extensão das viagens pelos administradores e
agentes concessionárias;
- diminuir os custos do transporte.
A implementação dessa política enfrentou entraves de vária ordem.
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
Em particular, os derrubes e a construção de picadas e novas palhotas que
implicavam muitas horas de trabalho não pago do camponês, que acaba por
oferecer uma resistência contínua.
As primeiras concentrações da Companhia dos Algodões de Moçambique (CAM)
em Ocua, Cabo Delgado, que foram estabelecidas em 1951, mostraram os
problemas. Em primeiro lugar, os camponeses que se tinham oferecido,
voluntariamente, para a construção de uma só concentração, viram-se compelidos,
à força, péla administração local, para a construção de outras três. Em segundo
lugar, o rendimento por hectare no primeiro ano, que tinha sido normalmente alto,
devido aos solos virgens, foi apenas de 308 quilos por hectare, ligeiramente
inferior à média para a cultura de algodão fera das concentrações.
De facto, no fim da década de 50, ainda não se tinha resolvido o problema dos
custos das obras necessárias (derrubes e construção). Um cálculo feito em
Nampula em 1959 mostrou que, enquanto as despesas para uma família, nos
primeiros sete anos de uma concentração, incluindo o custo do trabalho nas
construções, atingiam os 16 contos, o rendimento seria, na melhor das hipoteses,
só de 8 contos. Face à relutância das concessionárias em financiar o
empreendimento, a implementação dessa política não podia avançar a não ser que
o próprio camponês suportasse os custos, facto que, de uma forma geral,
intensificou a resistência à política colonial rural, salvo casos excepcionais, como
aqueles em que a administração ou concessionária construiu represas e poços.
Por outro lado, porque não implicavam, necessariamente, a cultura de produtos
alimentares, mas davam possibilidades de melhorar o acesso às machambas e,
assim, a fiscalização e transporte dos produtos, as concessionárias e
administrações insistiram muito mais nos 'blocos', machambas alinhadas,
rectangularmente, frente às picadas, que não exigiam a mudança de residência dos
cultivadores.
Para financiar a construção das picadas, blocos, concentrações, pontes, postos
sanitários, etc., em 1952, o regime colonial estabeleceu o 'Fundo de Algodão'.
Este fundo tinha como principal receita os descontos feitos aos produtores no acto
da compra na razão de 0,30 e 0,20 escudos por quilo do algodão caroço da 1a e 2a
qualidades
* respectivamente.
Estabeleceu-se assim mais um imposto sobre os produtores rurais, que
133
Caqpítjo 4
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134
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ALGODÃO 1941
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Principais zonas de
cultivo de algod3o (em 195S)
colheita comerci alizada o
de algodão em 1.000t 10
Mapa 2: Produção de Algodão, 1960
Capítulo 4
vieram a contribuir directamente para uma grande parte dos capitais para a infraestrutura rural colonial. Isto significa que os poucos melhoramentos que foram
feitos nas zonas rurais, como, por exemplo, represas, poços, postos de saúde e
escolas rudimentares, foram pagos pelo povo, no só directamente, através do seu
trabalho na construção, ccmo também, indirectamente, através da compra de
materiais com a verba do 'Fundo de Algodão'. Além disso, como comprovaram os
relatórios provinciais coloniais, a maior parte das verbas, sob este fundo, consistia
nos custos de administração e nos vencimentos dos funcionários coloniais
envolvidos.
As mudanças na cultura de algodão atingiram o objectivo principal colonial.
Aumentou a produção global e, assim, a exportação em beneficio da indústria
portuguesa. Aumentou um pouco a produtividade, o que significou que se
conseguiu esta produção com, ligeiramente, menos produtores. O preço pago ao
camponês também aumentou ligeiramente. No Quadro 10, mostramos os
resultados globais da cultura de algodão, calculados na base das médias anuais
dos quadriénios indicados.
Quadro 10: Produção de Algodao, 1945-1960 [4]
Media por ano
Período A.Caroço Produtor- kg/ha kg/ esc/ esc/
(tons.) res:n0
prod kg prod
1945-1948 64.300 621.750 255 103 1$66 171 1949-1952 81.838 508.000
318 161 2$31 371 1953-1956 95.007 517.000 341 184 2$63 484 19571960 118.590 523.000 392 227 2$74 621
O algodão de Moçambique só podia ser vendido na metrópole, o que continuou a
render lucros fabulosos para a indústria portuguesa, e diminuiu o rendimento dos
produtores em Moçambique. Um estudo colonial mostrou que, no período 19461956, a venda do algodão a preço mundial, em vez do preço português, poderia
ter beneficiado Moçambique com mais 2.774.000 contos do que realmente
recebeu. Só no ano de 1955 a indústria portuguesa economizou cerca de 387.000
contos através
136
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
das suas compras a Moçambique.
No entanto, o reajustamento dos solos e a implementação das concentrações,
elementos bastante interligados na política de reformas coloniais, na década de
50, não conseguiram aumentar a produtividade aos níveis desejados pela
administração. De facto, mesmo pelos padrões modestos da política colonial, a
cultura do algodão continuou a ser muito deficiente, não só porque se baseava na
produtividade exígua por produtor, mas também requeria altos custos na
fiscalização e comercialização.
Nem a média de 400 quilos de caroço por hectare, modesta em comparação com
outros países produtores, mas considerada aceitável pela JEAC nos anos 40, nem
a de 450 quilos indicada pela orientação do Governador-Geral em 1951, foram
atingidas, regularmente, pelo sistema de cultura forçada. Só nos anos de 1953,
1959 e 1960, a média ultrapassou 400 quilos por hectare (455, 432 e 471,
respectivamente) [5].
Na província de Nampula, o maior produtor de algodão na Colónia, a média de
produção por hectare e de rendimento por produtor, no período 1957-1960
(incluindo 2 dos 3 melhores anos da década para a cultura), foi de 353 quilos e
510 escudos por ano. De facto, na década de 50, a maioria dos produtores de
algodão não auferiam, ainda, mais que 400 escudos por ano. Calcula-se que os
relativamente pequenos aumentos de produtividade e de preço em nada
compensaram a subida dos impostos e do custo de vida [6], situação que se vai
agravando, cada vez mais, até ao final do período.
Diferenças de produtividade
Nalgumas áreas restritas, contudo, existiram condições que levaram a um
melhoramento da produção de algodão. Estas eram áreas onde:
- outras actividades económicas tinham imposto uma competição feroz
para a exploração de mão-de-obra rural;
- a rede dos transportes era mais desenvolvida;
- a fertilidade dos solos era maior;
- algumas famílias camponesas tinham já conseguido comprar meios
de prddução mais evoluídos como, por exemplo, a charrua.
Condições como estas, provocando, muitas vezes, maior esforço da
administração, das concessionárias e dos serviços técnicos da JEAC,
137
Capítulo 4
porque davam a possibilidade de uma maior rentabilidade em relação ao
investimento, existiam particularmente em zonas de Zambézia (Mocuba, Mugeba,
Derre, Mocubela, Maganja da Costa, Morrumbala) e Gaza (Alto Changane, Gaza
sede, Chibuto, Mabalane, Bilene, Massingir, Guijá). Nestas zonas, a cultura de
algodão, ainda que obrigatória, registou maior produtividade e, assim, maior
rendimento por produtor. Nota-se que nalguns blocos e concentrações do norte,
onde foram experimentadas novas variedades de semente, como, por exemplo, as
mais resistentes ao ataque de lagarta, o r¿i.dimento também aumentou.
Analisemos as diferenças de produtividade: considerando a média desejável de
450 quilos por hectare, a análise da estatística colonial mostra que, no período
1954/1959, apenas cerca de 25 por cento dos produtores conseguiram
rendimentos acima desse nível, produzindo cerca de 34 por cento do total do
algodão caroço; os restantes 75 por cento, abaixo do nível recomendável, em
1951, produziram 65 por cento do total [7].
Essa diferenciação, que se desenvolveu gradualmente ao longo deste período,
diminuiu a posição dominante da província de Nampula, como produtor principal
de algodão. No período 1957-1960, produziu cerca de 26 por cento do total do
país (aproximadamente 48 por cento em 19411944), enquanto a produção da
Zambézia aumentou, proporcionalmente, para cerca de 23 por cento (menos de 14
por cento, em 1941-1944). Além disso, as províncias de Inhambane e Gaza
passaram a produzir cerca de 25 por cento do total em 1957-1960 contra apenas
cerca de 5 por cento em 1941-1944 [8].
2.2. O reforço do controle sobre a mão-de-obra rural O regime colonial
aproveitou-se do clima bélico imposto pela II Guerra Mundial para intensificar a
exploração do povo moçambicano, através de uma generalização de trabalho
forçado, nas zonas rurais [9].
Através de uma nova circular de 1947,, o Governo-Geral colonial reafirmou a
obrigação, estabelecida em 1942, segundo a qual todos os homens válidos, que
não eram agricultores de algodão, deviam trabalhar por conta. de outrém durante
seis meses em cada ano. Mas, pretendendo esconder melhor o trabalho forçado
dos seus crfticos internos e externos, o regime 'proibiu' as administrações locais
de exercerem qualquer papel no recrotamento de trabalhadores para as plantações.
Esta orientação
138
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
provocou muitas reclamações da parte dos proprietários e agricultores privados,
que queriam proteger o seu fornecimento de mão-de-obra barata, com baixos
custos de recrutamento.
Estas preocupações foram tomadas em conta aquando da implementação da
medida nas províncias. É exemplo disso a reorganização nas províncias de
Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Embora se tivesse tirado do administrador uma
parte notória do seu papel no recrutamento, reforçou-se, ainda, o sistema de
trabalho forçado. Os administradores e chefes de posto foram orientados no
sentido de deixarem de capturar e concentrar os chamados 'vadios e ociosos' nas
sedes e postos, donde, até então, eram levados pelos recrutadores. A partir de
1947, licenciados pelo Governos provinciais e reconhecidos pelos
administradores, os recrutadores tinham, teoricamente, que ir aos regulados onde
desejavam recrutar. Depois, e segundo a nova orientação provincial:
"De regresso das terras, os agentes de recrutamento apresentarão os contingentes
de trabalhadores engajados, para efeitos de celebração ou aprovação dos
indispensáveis contractos, pelos agentes do curador ou os seus delegados. Se vier
a ser verificado que o número de trabalhadores recrutados é inferior às
necessidades de cada patrão, a autoridade administrativa ordenará rusgas nas
povoações indígenas, onde comparecerá pessoalmente ou se fará representar por
um funcionário administrativo, como seu legítimo delegado. Todos os indígenas
válidos disponíveis que forem encontrados sem ocupação serão detidos e levados
compulsivamente ao trabalho .... se não pretenderem e pedirem, nessa altura, para
ir procurar patrão de sua livre vontade e à sua escolha. Todos os indígenas que,
mesmo assim, deixaram de efectivamente se contratarem voluntariamente serão
capturados novamente, e mandados trabalhar seis meses, apenas com alimentação,
para uma divisão administrativa o mais longe possível dos seus domicílios
permanentes, como
acto repressivo de reincidência" [101.
Assim, enquanto o sistema ficasse dependente da actuação rigorosa das
autoridades coloniais para o seu funcionamento, aumentava um pouco ,» papel
dos recrutadores privados e daqueles régulos que, recebendo :ompensações das
companhias e regalias da administração, se tornavam mais activos no
recrutamento de trabalfadores.
De facto, na ausência de capitais para o desenvolvimento rural, a tendência era
aumentar o grau de rigor no sistema laboral, para assegurar a materialização dos
planos económicos coloniais, sem criar novas verbas
Capítulo 4
para salários e postos permanentes de trabalho. Isto dizia respeito não só às obras
públicas como também à construção de outros empreendimentos. Assim, em
1948, o Governo colonial reafirmou que o administrador podia empregar o
excedente dos habitantes, definidos como *vadios' e 'ociosos', na reparação e
conservação de estradas e abertura de caminhos, por tempo não superior a seis
meses, recebtendo estes trabalhadores, apenas, alimentação.
Particularmente nas três províncias do norte, os planos económicos coloniais
requeriam a mobilização maciça de mão-de-obra extremamente barata para novas
tarefas, nomeadamente, as obras associadas à cultura de algodão, à fixação de
colonos, à construção urbana e à expansão das plantações de sisal. Para facilitar
esses planos, sem o dispêndio de capitais, o Governo-Geral decidiu alargar, ainda
mais, o âmbito do trabalho forçado gratuito, tendo em vista:
- a abertura de concentrações algodoeiras e vales de irrigação e
drenagem de pântanos;
" a construção de aldeamentos, aeródromos, gafarias, maternidades e
postos de consulta e tratamento;
- o fabrico de tijolo, cal e todos os materiais necessários à administração.
Para obviar a falta de verbas para a alimentação dos trabalhadores empregados
nestas obras, podia o trabalho de alguns 'ociosos' e 'vadios' ser aproveitado em
machambas destinadas a produzir culturas alimentares[1 1].
Na prática, do ponto de vista colonial, o sistema de recrutamento forçado ainda
tinha as suas fraquezas. Uma delas era a dificuldade de impedir as deserções dos
trabalhadores, pouco compensados pelos salários, face à elevação dos custos de
vida e dos impostos. As deserções contribuíram, significativamente, para a grave
crise de mão-de-obra no norte, nos inícios da década de 50. Este problema
afectou, particularmente, as plantações de sisal, produto que, tendo sido
incentivado pela subida de preços no período de 1948 a 1952, é atingido por uma
queda brusca em 1953. Precisaram, assim, de aumentar a sua produção para
manter os seus lucros, reduzindo ao mínimo todos os custos de mão-deobra.
140
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
20. O regime de trabalho compulsivo, pago ou gratuito, contribuiu decisivamente
para a construção de infraestruturas, corno o Caminho de Ferro do Norte.
Cpítulo 4
A agravar a crise, na altura, registou-se no mercado mundial o aumento da
procura e da subida de preços de outros produtos agrícolas, nomeadamente,
acúcar, chá, copra e cajú. Os elevados preços oferecidos pelos comerciantes
asiáticos para a castanha de cajú estimularam a expansão do plantio do cajueiro
pelo campesinato do norte, que pretendia ganhar o seu sustento em condições
mais agradáveis e rentáveis do que nas plantações. Uma parte do campesinato,
conseguiu desta maneira, uma substituição parcial do rendimento previamente
atingido através das vendas de amendoim. Com a elevada procura de mão-deobra, os proprietários das plantações olharam com ansiedade a crescente
distribuição dos cartões pelos agricultores e cultivadores de algodão e do arroz. O
sistema de cartões, que instituía um melhor e mais eficiente controle, em prol
destas culturas, significou, na prática, uma redução cada vez maior das
disponibilidades de mão-de-obra para recrutamento.
Por estas razões, nos inícios da década 50, começou a revisão e sistematização de
toda a matéria da chamada 'política indígena', com incidência especial no
recrutamento rural. Em 1953, o Governo Geral emitiu uma nova circular sobre
mão-de-obra rural, que visava, essencialmente, intensificar o controle
administrativo, para efeitos de trabalho, de todos os homens válidos no país. O
recrutamento devia ser realizado na base de um recenseamento detalhado de cada
homen válido em cada regulado, cujos elementos deveriam ser. registados numa
ficha especial para o efeito, e regularmente actualizados, através das informações
obrigatoriamente fornecidas pelas entidades patronais.
Assim, por exemplo, nas províncias do norte, foram postas a circular novas
orientações, catalogando exaustivamente as tarefas e obrigações de todos os
participantes (companhias, recrutadores, administradores, régulos e
trabalhadores). Esta medida consolidou o sistema estabelecido pelas circulares de
1942 e 1947. O próprio régulo tinha a obrigação de colaborar, intensivamente,
com as autoridades administrativas na elaboração do ficheiro, de perseguir os
'ociosos', 'vadios' e 'prófugos', denunciando-os, imediatamente, às autoridades
administrativas, e de acompanhar os cipaios às terras, de maneira a evitar-se
perturbações no meio rural.
Apenas a um número muito reduzido de trabalhadores migrantes foi concedida a
escolha de patrão (considerada como o direito de todos, no RTI de 1930). Alguns
desses trabalhadores migrantes, 'privilegiados' em
142
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
comparação com a maioria, que suportava a rigorosa disciplina laboral colonial,
beneficiaram de contratos sucessivos, prémios ou abonos sobre .os salários.
No entanto, para efeitos de contratação da maioria dos trabalhadores, os distritos
permaneciam, normalmente, como reservas privadas de mão-de-obra de uma só
entidade patronal.
Este facto e o reforço dos poderes administrativos significavam que, apesar das
constantes reafirmações da necessidade de obrigar os recrutadores a ir
pessoalmente aos regulados para angariar trabalhadores, como orientado nas
circulares de 1947 e 1953, os administradores continuaram a recrutar
trabalhadores entre a população rural. Isso efectuava-se por vários métodos:
i) através da "contribuição braçal', trabalho forçado de uma semana, anualmente,
nas estradas ou outra obra pública, após o qual os
trabalhadores tinham que optar por um patrão;
ii) utilizando as informações recolhidas dos registos e ficheiros, o administrador
mandava os sipaios concentrar os que, não possuindo cartões de agricultor, não
tinham cumprido a sua obrigação de seis
meses de trabalho;
iii) as entidades patronais, utilizando os seus próprios registos, informavam os
administradores distritais dos nomes dos trabalhadores que deviam apresentar-se
para contratação, após os seis meses de
descanso.
Além disso, procurando evitar tais compulsões arbitrárias, os trabalhadores,
muitas vezes, ofereciam-se *voluntariamente', aos recrutadores privados.
Trabalhando em estreita ligação com os administradores e chefes de posto, os
recrutadores tinham reduzidas despesas de funcionamento. Por seu turno, os
empregadores pagavam ao recrutador ou mesmo directamente ao administrador,
por cada recrutado, mais que ao próprio contratado, durante os seis meses de
trabalho [12].
Largamente auxiliados pela administração na obtenção da sua força de trabalho,
as entidades empregadoras não tinham que se preocupar com os salários e
condições de trabalho. Um relatório colonial fazia um balanço sobre este aspecto
em 1959:
143
Capitulo 4
"De uma maneira geral, as entidades patronais oferecem a maior resistência à
fixação de salários justos; desinteressam-se por completo por atrair e captar a
mão-de-obra de que precisam; não curam da eficiência nem dos processos de
recrutamento, limitando-se a pagar as importâncias que os recrutadores lhes
exigem, muitas vezes escandalosamente elevadas; não constrõem acampamentos
e habitações para os trabalhadores, senão quando compelidas; evitam prestar
assistência médica adequada e distribuem as peças de vestuário regulamentar de
pior qualidade que lhes é consentida. Todas as medidas tendentes a modificar tal
Estado de coisas são combatidas proclamando a incapacidade financeira, a ruína
dos empreendimentos e das empresas, o descalabro da economia da Província
(colónia, N.R.)... A atitude descrita é muitas vezes apoiada e reforçada pelos
próprios serviços do Estado... As autoridades administrativas.. .tomam quasi
sempre a defesa das entidades patronais, receosas de que exigências
incomportáveis provoquem o atrofiamento económico, senão a ruína das regiões
que lhes estão confiados" [131.
Forçado ao contrato, o trabalhador migrante r&éebia o seu salário, através do
pagamento diferido, que era um outro- meio de exploração, no sistema de trabalho
imposto após. 1930. A prática normal, até ao fim da década de 50, era pagar uma
pequena percentagem (habitualmente só uma sexta parte) do salário no local do
trabalho. Às vezes, esse pagamento consistia em roupa em vez de dinheiro. Os
restantes 80 por cento eram pagos no regresso aos distritos de origem,
descontando o administrador o imposto do contratado.
A título de exemplo, o trabalhador nas plantações de Xínavane em Maputo
recebia no local de trabalho 20 escudos por mês e, após 6 meses de contrato,
recebia do administrador, no seu distrito, 300 escudos (600 escudos menos 300 do
imposto). No norte a situação era pior: o trabalhador nas plantações de sisal de
Nampula e Cabo Delgado, onde o salário normal era 66 escudos por mês, recebia,
no local de trabalho, 66 escudos, ou o seu equivalente, durante os seis meses, e
200 escudos no seu regresso (330 escudos menos 130 de imposto). Com este
dinheiro, tinha que contribuir para o seu sustento, nos seis meses de 'descanso' em
casa, para a compra dos meios de produção da agricultura familiar, e outras
mercadorias, como tecidos e cobertores.
O reforço de controle administrativo e policial, sobre a mão-de-obra rural e o
sistema migratório, permitiram ao regime colonial justificar o pagamento de
salários que eram muito abaixo do custo de subsistência dos trabalhadores e das
suas famflias. Este facto é claramente evidenciado nos inquéritos sobre salários e
custo de vida para trabalhadores não
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
especializados, feitos no fim da década de 50. Por exemplo, os salários pagos na
altura em Manica e Sofala e Niassa, eram de 120 e 66 escudos respectivamente.
Porém, os Governadores calcularam que seria necessário um mínimo absoluto de
250 e 235 escudos, para pagar todos os encargos (imposto, alojamento, vestuário)
de um casal com dois filhos, tirando os custos de alimentação, pagos pela empresa
e produto do trabalho familiar na terra.
No entanto, mesmo tendo em conta a subida do custo de vida e a situação política
criada pelo massacre de Mueda em 1960 [14], o Governo Geral optou, apenas, por
ligeiros aumentos salariais (para 140 e 90 escudos no caso de Manica e Sofala e
Niassa). Decidiu, assim, responder às reclamações da agricultura capitalista e das
concessionárias de algodão, que seriam afectadas pela concorrência, se houvesse
uma subida significativa dos salários pagos nas plantações e machambas.
Juntamente com o próprio Estado colonial, não encaravam, facilmente, os
investimentos de capitais e de tecnologia necessários para tornar o sistema de
produção rural menos dependente da força administrativa e com maior
produtividade por trabalhador [15].
A renovada intensificação da pressão administrativa colonial, que se verificou
entre 1945 e 1961, produziu bons resultados nas plantações e machambas de
Moçambique. Compensando o esforço inicial na compilação dos registos de
trabalho, que facilitavam a localização de cada camponês/trabalhador, diminuiu
rapidamente o número de deserções e, assim, os custos de recrutamento.
Conseguiu-se, deste modo, uma divisão administrativa de trabalho mais eficiente,
no sentido de proporcionar a todas as actividades produtoras coloniais, o
fornecimento de quantidades adequadas de mão-de-obra barata.
Desta maneira, as plantações mantiveram o seu ritmo de trabalho; no caso das
plantações de sisal, o aumento do nível de assiduidade (de 40 para 80 por cento),
no período entre 1953 e 1956, compensou o declínio do preço com uma alta de
produção, que, no fim da década de 50, era, anualmente, quase o dobro da década
anterior.
2.3 Produção global das mercadorias agrícolas de exportação Do ponto de vista
do regime colonial, as medidas tomadas para a promoção das principais culturas
de exportação, e para a actualização da divisão do trabalho, foram bem sucedidas.
14
14( 12( 10( 80 60
40 20
O
600 500
400 300 200 100
o
1945-48
19-19-52
1953-56
1957-60
i ilgodao
F.i A<.a,.
E Copra
1 sa 1
Clia
Quadros 12: Principais exportações, 1945-1960: Valor ConL.ob
1945-48 L Algodao ll Caju
1949-52
1953-56
1957-60
Acucar
-- Copra
Sisal
Cha
600 500
400 300 200 100
o
5
)
Capítulo 4
Quadro 11: Principais exportações, 1945-1960: Volume
Milhares de toneladas 140 120 100 80 60
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
Quadros 11 e 12, elaboradas na base de médias anuais em cada quadriénio do
período em estudo (com o objectivo de obviar as flutuações inuais devido aos
maus anos agrícolas, falta de navegação, e oscilação de preços), mostram o
aumento das exportações.
A tonelagem geral destas 6 mercadorias aumentou de uma média anual de
183.500, em 1945-1948, para 307.370 em 1957-1960, um aumento de 67,5 por
cento. Contudo, o valor destas mercadorias aumentou, no mesmo período, de
545.000 contos para 1.570.069 contos, isto é, quase três vezes mais.
O valor das exportações de açucar, cajú e chá aumentou significativamente em
relação ao de copra e sisal, neste período, como mostra o Quadro 13.
Quadro 13: Percentagem das principais exportações de Moçambique, 1945-1960
[16]
1945-1948 1957-1960
Algodão
35
35
Acúcar
15
20
Cajú
8
14
Copra
21
12
Sisal
14
9,5
Chá
3
9,5
2.4 A estrutura da exploração rural colonial e as suas consequências Não obstante
os grandes avanços nos rendimentos globais das concessionárias e plantações, a
situação de grande número de produtores piorou, neste período, devido a vários
factores inerentes à estrutura de exploração colonial.
Um dos principais factores foi a diferença de interesses e de poderes entre as
concessionárias algodoeiras e orizicolas, por um lado, e os produtores, por outro.
Referindo-se ao período 1945/1947, um crítico do regime fascista, que estudou o
sistema algodoeiro em Moçambique,
Capítulo 4
caracterizou as posições relativas das companhias e dos produtores:
"Não deve haver muitos negócios mais seguros em todo o Império. Os indígenas
correm todos os. riscos (e não são pequenos) da exploração agrícola: intempéries,
invasão de parasitas, insuficiência dos terrenos, etc.
Como o concessionário não é agricultor e apenas compra o algodão que lhe for
apresentado pelos agricultores, a preço fixo, corre... todos os lucros.
Quer dizer a parte arriscada fica para o indígena, a grande fatia dos lucros
e da segurança fica para o concessionário" [171.
Um ,'elatório confidencial de 1947 considerou que, mesmo se fosse atingida a
meta de 400 quilos de caroço por hectare, a cultura não podia ser compensadora,
porque implicava um rendimento de cerca de 600 escudos, que não dava para
comer, vestir, e pagar o imposto. O mesmo relatório continuou:
"É modalidade de escravidão o que se está fazendo em matéria de produção de
algodão pelo 'indígena'. Ela empobrece-o e definha-o, porque lhe não
permite fazer culturas alimentares e mais rendosas' [18].
A situação não melhorou nos anos seguintes. Um estudo feito em 1950, por
exemplo, mostra que o preço de milho, amendoim e feijão, produtos que o
camponês antigamente comercializava, e que passou a ter, muitas vezes, de
comprar, tinha sofrido um aumento duas vezes maior que o do algodão na década
de 40, e conclui que a cultura de algodão era a que
"menos benefícios traz para o indígena, numa inversão da situação que
normalmente se observa em todas as regiões do globo" [19].
Como já vimos, a.maioria dos produtores não conseguiram, mesmo no fim da
década de 50, um rendimento superior aos 400 escudos.
Violência e produção
Para assegurar a expansão de produção nas zonas rurais, contra a vontade e a
resistência do povo, quer nas machambas dos camponeses quer nas plantações
(capítulo 5, ponto 4), o regime colonial continuou a basear a sua estratégia, em
grande parte, na força policial e violência corporal. Passamos a citar somente
alguns depoimentos, colhidos em várias regiões
148
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
do país, que se referem a esta situação.
Num extracto que refere ao início da década de 50, Martha Chissano, então mãe
de 24 anos, descreve a cultura forçada do arroz no regulado de Makupulani, no
distrito de Mandhlakazi, Gaza:
"Em Mandhlakazi, cada pessoa era obrigada a cultivar algodão ou arroz; ninguém
era obrigado a cultivar os 2 produtos ao mesmo tempo. Contudo, havia
discriminação contra, as mulheres porque além disso, as mulheres deviam prestar
trabalho gratuito aos régulos quando eles o exigiam. As mulheres sem maridos
[ausentes como trabalhadores migrantes], ou solteiras eram, especificamente,
indicadas para este fim. Como todos tinham cartão de identificação, o régulo,
através dos seus sub-chefes e sipaios, estava sempre
em condições de saber qual a família que não tinha pago o imposto.
"Eu cultivava ar.oz para Makupulani, nosso régulo. Imediatamente antes
da colheita de arroz, os capatazes eram mandados a cada machamba para fazer
uma estimativa do número de sacos que cada cultivador ia colher e, na base desta
estimativa, os capatazes entregavam os sacos ... Se, no fim, não fossem capazes
de encher os sacos, (...) eles podiam acusá-las de ter escondido uma parte da
produção para o seu próprio consumo. Não era permitido consumir nenhum arroz
por nós produzido; deviamos fornecer cada grão às autoridades, e depois iamos às
lojas comprar o arroz para o nosso
próprio consumo.
"O cultivo do arroz causou grandes sofrimentos nas terras de Makupulani.
Numa ocasião, algumas mulheres, eu própria incluída, foram presas e conduzidas
a um dos sub-chefes do régulo para averiguações, porque não tinhamos cultivado
as nossas machambas, no prazo. A razão.porque muitas de nós não conseguiram,
toda a gente sabia: nenhuma de nós tinha charrua, e tinhamos que lavrar as terras
duras e pesadas do leito do rio apenas com as enxadas. Algumas das mulheres não
conseguiram porque estavam doentes, mas todas estas razões válidas foram
rejeitadas, imediatamente, pelo chefe, que nos ordenou deitar de barriga para
sermos chicoteados nas costas" [20].
Canções de trabalho, colhidas na Zambézia e referentes aos meados da década de
50, revelam as práticas, particularmente violentes, dos capatazes de algodão da
concessionária do baixo Zambeze, Sena Sugar Estates Limited. Para além dos
castigos corporais, considerados normais nas culturas forçadas, as mulheres de
Luabo, que trabalhavam
nas
machambas de algodão, tinham que enfrentar um 'incentivo' ainda mais
desumano: o do capataz, Varajim, que, habitualmente, agarrava os bebés
Capítulo 4
das suas costas, e punha-os num caixote, para obrigá-las a trabalhar melhor [21].
No extracto seguinte, referente aos finais da década de 50, Albino Maheche, então
enfermeiro no hospital de Nampula, descreve acontecimentos frequentes:
"Na altura, era hábito vermos nos hospital de Nampula, homens e mulheres com
nádegas escavadas, com feridas, ou seja, úlceras, porque esse administrador
[refere-se ao administrador de Murrupula, N.R.] usava um chicote, preparado com
restos de pneus velhos e um cabo especial, que servia para torturar as pessoas que
fugiam ao cultivo do algodão e do arroz. Batia tanto nas nádegas que ficavam
lesadas com feridas, ou úlceras, quando
estivessem num estado mais avançado.
"Na cidade de Nampula era hábito ver pessoas acorrentadas, vestidas apenas de
camisola interior, tanga ou meconta. Em plena cidade, os presos andavam quase
nus. Conseguíamos vê-los assim quando regressavam aos calabouços
vindos do trabalho forçado.
"Aquilo era espectáculo nas ruas de Nampula, na época, para as pessoas que não
se tinham habituado a ver coisa igual. As pessoas admiravam-se porque passavam
acorrentadas em filas de 20/30 pessoas, na ida e regresso da machamba para os
calabouços. Alguns destes indivíduos faziam parte
daqueles que eram apanhados a fugir ao cultivo do algodão e arroz" [22].
No depoimento seguinte, Joaquim Maquival descreve a violência por detrás do
trabalho para plantação da Sociedade de Chá Oriental de Milanje, na mesma
altura:
"Comecei aos 12 anos a trabalhar para a companhia; pagavam-me 15 escudos por
mês. Trabalhava desde as 6 da manhã até ao meio dia, parávamos duas horas e
continuávamos das 2 até as 6 da tarde. Toda a família trabalhava para a
companhia: meus irmãos, meu pai .... meu pai ganhava 150 escudos por mês.
Tinha que pagar 195 escudos de imposto anual. Nós não queriamos trabalhar para
a companhia, mas se recusassemos, o governo mandava a polícia às aldeias e
prendiam aqueles que recusavam, e se fugissem o governo punha a circular
fotografias e dava início à caçada ao homem.
Quando os apanhavam batiam-nos, metiam-nos na prisão e quando saiam tinham
que ir trabalhar sem receber férias; o argumento era que eles fugiam porque não
precisavam de dinheiro. ... Assim, nos nossos campos só ficavam as nossas mães,
que pouco podiam fazer. Só tinhamos para comer
o pouco que elas conseguiam produzir" [23].
150
A Econona e a Estrutura Social, 1945-1961
O comércio rural
A par da implementação das culturas e trabalho forçados, aumentou a rede
comercial rural. À primeira vista, este desenvolvimento beneficiava o
campesinato, devido a uma comercialização mais alargada. Mas, numa breve
análise, concluímos que representava a crescente penetração e dominação da
economia familiar pela economia capitalista portuguesa, o que agravou o
empobrecimento de grande número de camponeses.
A implementação da política colonial, nas extensas áreas geográficas, exigia a
construção de estradas para a fiscalização, comercialização e transporte das
culturas até às fábricas e portos. O número de mercados e lojas no interior
aumentou notavelmente, sobretudo, ao norte do Zambeze, onde se estima que o
número de lojas, fora das principais cidades, aumentou de 1.000 para 2.000 entre
1942 e 1960. Esta expansão teve a sua origem no aumento dos rendimentos
obtidos pelo povo, e na crescente necessidade dos produtores das culturas
forçadas em comprarem parte da sua subsistência, e dos seus meios de produção.
É de notar que, embora pequeno o rendimento individual proveniente das culturas
forçadas e outras culturas e dos salários obtidos nas plantações, a soma de tudo
isto, canalizada para os comerciantes, era considerável. Por exemplo, na reserva
de Eráti, em Nampula, onde o rendimento monetário vinha, principalmente, do
algodão, o rendimento médio de cada produtor foi só 443 escudos por ano entre
1949 e 1959, antes da colecta dos impostos. Contudo, é principalmente na base
destes dinheiros e, talvez, dos 100 a 150 escudos que cada família obtinha da
venda de outros produtos e salários de migrantes, que o número de lojas cresceu
de 16 a 51, no mesmo período. Calcula-se que, nos meados da década, cada loja
movimentava cerca de 500 contos por ano. Na década de 50, em Amaramba,
Niassa, onde o rendimento das vendas de algodão era de 507 escudos por
produtor, por ano, o número de lojas aumentou de 25 para 66 [24].
Os principais produtos vendidos aos camponeses eram produtos alimentares, sal,
tecidos e vestuário, enxadas, tabaco, fósforos, sabão, vinho e bicicletas. O
aumento do comércio rural serviu, assim, como uma forma de vender,
relativamente caro, os produtos, quer da indústria portuguesa, quer local. Note-se
que a bicicleta, cuja utilização aumentou consideravelmente neste período, longe
de servir para transporte pessoal, constituía, além dos carros de bois na posse de
alguns régulos e outros
Capítulo 4
camponeses, relativamente ricos, o único meio moderno capaz de substituir a
força humana no transporte das mercadorias familiares para as lojas.
O comércio rural foi o veículo através do qual a indústria e o comércio
portugueses expandiram o seu mercado. De facto, o custo de vida rural foi
gravemente, afectado pela exclusividade das relações comerciais entre
Moçambique e Portugal. Assim, Moçambique só podia comprar os seus tecidos, o
artigo de importação mais procurado, ou em Portugal, ou por seu intermédio.
Com a proibição de importação de tecidos mais baratos e de alta qualidade, de
Itália, Japão, Índia e Alemanha, os preços dos panos portugueses subiram tanto,
que constituíram uma outra imposição sobre os produtores. Por exemplo, calculase que, nos meados da década de 50, Moçambique pagou duas vezes o preço
mundial pelas importações de cobertores (cerca de 10.000 contos por ano).
Além destes custos, que o povo tinha de pagar, havia os que resul.tavam da
política de fixação de colonos seguida após 1945. A instalação de comerciantes
brancos, nas zonas rurais, em detrimento doutros comerciantes, principalmente
asiáticos, foi vista como um meio importante na expansão da influência
portuguesa. Protegidos pelo Estado colonial, porque não podiam concorrer com os
outros comerciantes, devido às suas aspirações (acumulação rápida e participação
no estilo de vida da elite branca), estes comerciantes praticavam preços
demasiado altos. Por estas razões, os produtores moçambicanos de algodão, não
só recebiam apenas metade daquilo que o mesmo trabalho dava nas colónias
vizinhas, como também tinham que pagar, pelo menos, o dobro pelos tecidos que
compravam, o que constituía um motivo constante para a resistência e emigração.
O reduzido rendimento e poder de compra do povo, nas zonas rurais, deve ser
compreendido em relação à estrutura global de trabalho. O sistema de culturas
forçadas dependia, em geral, de um campesinato capaz de se sustentar e
reproduzir pelos seus próprios recursos, sem contar com os proventos do seu
trabalho nas concessionárias, que serviam para pagar os impostos e pouco mais.
Isto significa que, enquanto uma grande parte do fundo do tempo e da capacidade
de trabalho fosse absorvida nas empresas e administração coloniais, elas não
contribuíam para os custos sociais da família
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
camponesa. Por outras palavras, da mesma forma em que a sociedade rural tinha
que absorver os custos sociais de migração (a reprodução familiar, a reforma, os
ferimentos e, possivelmente, mortes devido aos acidentes industriais) ao
campesinato cabia, também, o papel de suportar todas as desvantagens das
culturas forçadas.
A degradação dos solos, subnutrição e fomes A agravar esta situação, a
intensificação da cultura forçada de algodão provocou a degradação dos solos, o
que diminuiu a colheita de todas as culturas no sistema de rotação. Este processo
é bem ilustrado pelas condições preyalescentes, no fim da década de 40, em
Mogovolas, Nampula, que até então era um dos distritos de maior produção de
algodão e produtos alimentares na província de Nampula. Nestes anos, houve uma
acentuada quebra na produção de alimentos e, também, de algodão, devido à
exaustão dos solos, depois de mais de uma década de culturas obrigatórias.
Numa tentativa de recuperar os antigos níveis de produção de algodão, os
capatazes europeus e 'indígenas' da concessionária, apoiados pelo administrador,
instituíram um reino de terror contra a população em geral, em que figuravam
extorsões, espancamentos e. outras violências. Os próprios régulos, as vezes
publicamente humilhados pelos capatazes, temiam reclamar junto do
administrador. Nesta situação, os camponeses foram obrigados a cultivar áreas
excessivas de algodão, em detrimento das suas culturas de mapira, amendoim,
feijão e mandioca, não havendo possibilidade de criar a tradicional reserva de
alimentos.
Por estas razões, o mau ano agrícola de 1950-1951 provocou a fome e uma
epidemia de disenteria que, segundo o conhecimento local, resultou na morte de
mais de 3.000 pessoas, e que gerou, contra a administração, uma atitude
generalizada de hostilidade e resistência passiva, que alguns régulos partilhavam.
Um inquérito sobre as causas foi elaborado por agrónomos não pertencentes à
JEAC nem à administração civil, e por isso, de algum modo, mais aptos a fazer
uma apreciação independente, embora, na altura, confidencial. O relatório do
inquérito fazia uma crítica à inflexibilidade da política e aos métodos da produção
colonial. Segundo o relatório, isto provocou que uma zona densamente povoada e,
até então, capaz de se abastecer a si própria e de produzir excedentes em
153
amendoim e milho (quer para venda, quer para reserva alimentar), passasse a estar
à beira do desastre. Referindo-se ao período antes da fome, o relatório conclui que
a população de Mogovolas estava mais pobre do que antes de se iniciarem as
campanhas de produção:
"Em resumo, o 'indígena' não está melhor agora do que há trinta anos o devia
estar. Nem ele, nem ninguém vê qualquer resultado do seu esforço"[25].
Concordando com o relatório, o Governador da província escrevia que Mogovolas
dava todas as indicações de ser uma terra 'insofismavelmente exausta'. A situação
deste distrito era ainda mais grave: devido aos constantes derrubes nas terras
virgens durante a vigência da política de algodão, havia espaço para apenas mais
2 anos de cultivo, caso a administração insistisse nA plena implementação da
cultura forçada.
Os problemas que as culturas forçadas trouxeram não se restringiram apenas a
Mogovolas, mas eram comuns a muitas outras partes de Moçambique, como
afirma o mesmo relatório:
"O ora verificado em Mogovolas está à beira de se dar em todas as circunscrições
mais populosas da Província (Colónia, N.R.). O que se desenha em Netia,
Memba, Namapa, Ile ... é uma autêntica corrida para a
miséria futura da terra" [26].
Se bem que para o caso de Mogovolas, o Governo-Geral desse orientações para
uma redução da cultura de algodão, noutras zonas, a política de algodão continuou
com mais intensidade. O reajustamento de solos e a instalação de concentrações,
embora promovessem o aumento gradual de produção, em nada contribuíram para
alterar a perigosa situação das zonas densamente povoadas, que permaneciam
constantemente sujeitas a crises alimentares, caso as condições climáticas fossem
desfavoráveis. Um relatório do governo provincial de 1957 confirmou este facto:
"Em Mogovolas, Meconta, Nacala, Eráti, Memba e outras divisões onde a
densidade populacional oscila entre 20 e 40 habitantes por quilómetro quadrado, o
solo degradava-se muito para além de qualquer possibilidade de recuperação
económica. Repetidas culturas nos mesmos lugares em anos e anos sucessivos,
sem a incorporação de adubos e sem os pousios regeneradores, a terra empobrecia
mais e mais, até que, abandonada por imprestível. . ."[27].
Capítulo 4
154
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
Se apenas as culturas alimentares falhassem, os camponeses tinham que recorrer,
então, ao produto da venda do algodão e arroz, ap6s lhes terem sido descontados
os diversos impostos, para a compra de alimentos. Pior ainda era se, além disso, a
colheita do algodão também fracassava, deixando-os sem qualquer possibilidade
de aquisição de alimentos aos cantineiros rurais. Tais situações surgiram de novo
em 1959 no distrito de Murrupula e em partes de Iuluti, Mogovolas e Morna,
provocando centenas de mortos. É evidente que estas situações eram frequentzs.
As culturas forçadas, a exaustão dos solos, a erosão, e a retirada da força de
trabalho masculina para as plantações e outras obras, atingiram profundamente a
capacidade do campesinato, em grandes zonas do país, de proporcionar a sua
própria subsistência. Provocaram uma consequência menos dramática, mas mais
crónica que as calamidades: a diminuição da variedade de alimentos básicos
disponíveis nas zonas rurais e o surgimento da subnutrição. Isto deveu-se à
negligência relativa a que foram votadas as culturas de amendoim e feijão e à
obrigação de vender, muitas vezes, uma parte considerável destes produtos, para
satisfazer os encargos monetários, tendo em conta o reduzido rendimento da
cultura de algodão.
Para isto, contribuiu, também, a crescente substituição, na dieta familiar, de
cereais como sorgo, mapira e milho por mandioca, devido à economia de tempo
na sua produção. Pela mesma razão, mandioca era, de longe, o produto mais
barato que as plantações podiam comprar para a alimentação dos seus
trabalhadores, cujas refeições eram, raras vezes, acompanhadas com proteínas e
vitaminas. Note-se que o milho, a mapira e o sorgo fornecem mais minerais e
proteínas do que mandioca, mas requerem muito mais trabalho.
õ processo de privilegiar a cultura da mandioca em detrimento dos cereais e de
outros produtos mais nutritivos remonta à década de 20. As culturas forçadas, e as
campanhas de cultura alimentar obrigatória, cada vez mais implementadas a partir
de 1947, e que foram quase exclusivamente de mandioca, intensificaram essa
tendência.
Embora as verdadeiras dimensões destas mudanças fiquem, ainda, por aprofundar,
algumas das suas consequências já se destacam. Por exemplo, com a excepção de
períodos de autêntica calamidade, como a seca e fomes de 1899-1902, antes de
1930, o campesinato da Zambézia
155
era capaz de se auto-abastecer em milho e mapira, e exportava amendoim e
gergelim. No final dos anos 40, porém, passou já a depender, em grande parte, da
cultura de mandioca. Contudo, nessa província, os distritos fronteiriços de
Milange e Morrumbala, onde a política colonial era mais virada para impedir
fugas para Niassalândia, não foram sujeitos ao regime normal de algodão nem de
recrutamento. Por conseguinte, a produção camponesa de milho floresceu neste
período, fornecendo excedentes para venda noutras zonas [28].
Da mesma forma, o campesinato de Nampula que, nas décadas de 20 e 30, tinha
sido capaz não só de se alimentar mas, também, de exportar quantidades
significativas de milho e outros alimentos para outras províncias e, mesmo, para o
estrangeiro, passou a depender, na década de 50, não só da cultuta generalizada de
mandioca como o alimento principal, mas também, em alguns anos, de
importações de alimentos doutras províncias vizinhas.
Segundo um relatório colonial referente a Nampula, neste período, as anemias
provenientes de subnutrição afectavam largamente a população. Inforfitado sobre
a extensão do problema por especialistas chamados de Nairobi, Quénia, nos
meados da década de 50, o regime colonial não procedeu à análise das causas
básicas, nem a uma reestruturação da produção de alimentos em moldes mais
modernos. Movido, principalmente, pela necessidade de extrair mais rendimento
por hora dos recrutados nas plantações, o governo optou por aliviar o problema
num curto prazo, e de modo bastante económico, através da utilização de produtos
químicos na comida fornecida naquelas unidades de produção.
No entanto, este paliativo não podia, de maneira nenhuma, responder à gravidade
do problema, em particular no que diz respeito a subsistência familiar camponesa.
Apesar da falta de estudos coloniais sobre a questão, informações referentes à
província de Nampula, do fim da década de 50, indicam que a deficiência
alimentar qualitativa contribuiu, significativamente, para a baixa taxa de
natalidade e a elevada taxa de mortalidade infantil, nas zonas rurais. Além disto,
as constantes migrações definitivas de famílias, fugindo das culturas forçadas e do
trabalho nas sisaleiras, concorreram também para que a taxa de crescimento
populacional estacionasse [29].
Capítulo 4
156
A Economia e a Estrujura Social, 1945-1961
3. Mão-de-obra migratória
Por seu turno, a degradação das condições de vida em grandes partes das zonas
rurais de Moçambique, contribuiu para a intensificação da migração, que levou
dezenas de milhares de moçambicanos ao trabalho temporário, ou residência
permanente, nos territórios vizinhos, neste período.
Do ponto de vista do trabalhador, a preferência para trabalho industrial ou
agrícola, no estrangeiro, foi baseada no desequilíbrio das condições de trabalho e
no reduzido poder de compra de salários moçambicanos. Enquanto as zonas rurais
de Moçambique fossem sujeitas a trabalho e culturas forçados, havia maior
liberdade de escolha de trabalho fora do país. Mesmo que os salários nem sempre
fossem elevados, o poder de compra, no que se refere à aquisição de artigos de
vestuário e materiais de construção, a preços acessíveis, era maior [30].
Por outro lado, o sistema de pagamento diferido vigente em relação a migração
para África do Sul, e outros subsídios, contribuíram significativamente para o
balanço positivo de divisas da economia colonial moçambicana, o que levou a que
o governo colonial encorajasse a migração temporária. Pretendeu, contudo,
sempre regulamentar as correntes migratórias para melhor cobrar impostos e
assegurar o repatriamento, investindo consideráveis fundos na repressão da
emigração clandestina, pelo menos no sul do país, através da polícia secreta
africana, montada para o efeito.
No plano regional, a situação sócio-económica a partir de 1945 favoreceu uma
expansão de migração. Após as mudanças associadas com a II Guerra Mundial,
surgiu, nos principais centros de desenvolvimento capitalista da África Austral,
nomeadamente, África do Sul e Rodésia do Sul, uma grave crise de mão-de-obra.
A crescente proletarização interna, o empobrecimento das reservas, e a subida
vertiginosa do custo de vida, agudizaram a luta de classes nas indústrias chaves
destes territórios. Associada com avanços importantes na organização sindical e
polftica dos trabalhadores, essa luta culminou em reivindicações, entre os
mineiros negros no Witwatersrand, de significativos aumentos salariais e na
grande greve de 1946, ferozmente reprimida pelo Governo sul-africano.
Simultaneamente, na Rodésia do Sul, verificou-se um verdadeiro surto de
organização sindical entre os trabalhadores dos caminhos de ferro, das
157
Capítulo 4
minas, das municipalidades e doutros sectores.
Como parte da estratégia para reprimir essa luta e para assegurar o fornecimento
de mão-de-obra barata, a burguesia e o Estado nesses territórios recorreram aos
países vizinhos que constituíam a sua reserva de força de trabalho, principalmente
Moçambique [31].
A WENELA, a organização de recrutamento da Câmara de Minas, impulsionou
novamente as suas operações em Moçambique, estimulando os seus empregados
locais, através de concursos, nos quais as estações mais eficientes no
recrutamento de migrantes recebiam prémios.
Em 1946, a Rodésia do Sul criou a 'Rhodesian Native Labour Supply
Commission' (RNLSC), para organizar sistematicamente as correntes migratórias.
No Acordo Suplementar de 1947, os Governos coloniais de Moçambique e
Rodésia do Sul autorizaram a RNLSC a estabelecer uma rede de estações de
recrutamento na província de Tete. Em recompensa, tinha que organizar o registo
de migrantes clandestinos e a cobrança de impostos sobre os trabalhadores
moçambicanos na Rodésia do Sul [32].
Após estas inciativas, o número de migrantes nas minas da África do Sul
aumentou de cerca de 78.000, em 1945, para cerca de 96.000, em 1960, e o total
dos moçambicanos na África do Sul para mais de 200.000. Segundo os dados
oficiais, o número de migrantes legais moçambicanos na Rodésia do Sul
aumentou de cerca de 103.000, em 1946, para cerca de 117.000, em 1956, ano em
que atingiu o seu máximo.
No entanto, na segunda metade da década de cinquenta, o desenvolvimento da
economia rodesiana e o aumento de desemprego urbano provocaram uma
mudança de política do governo que, a partir de 1958, permitia a criação de uma
força de trabalho urbano permanente. Em 1959, as autoridades rodesianas
denunciaram o acordo de 1947. Como consequência, o número de Moçambicanos
legalmente empregados na Rodésia do Sul diminuiu para cerca de 30.000 em
1960.
Contudo, os machambeiros rodesianos precisavam, ainda, de trabalho barato e,
nas zonas rurais, ainda se autorizava o emprego dos migrantes estrangeiros,
particularmente, a utilização sazonal de milhares de homens, mulheres e crianças
da província de Tete, nas machambas de tabaco e chá [33]. Mostra-se, assim, as
vantagens para o capital rodesiano do sistema de trabalho migratório que,
permitindo a distinção entre trabalho urbano mais produtivo e trabalho rural
braçal, era capaz
158
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
de expulsar facilmente os trabalhadores que o capital não precisava.
No norte de Moçambique, as péssimas condições de trabalho e subsistência eram
a base da continuação da migração para Tanganhica, entre 1945 e 1961. Neste
país, os trabalhadores moçambicanos, de Cabo Delgado e Nampula, constituíram
uma parte importante da força de trabalho nas sisaleiras. Estas, devido ao maior
aperfeicoamento das técnicas de gestão, e de selecção e produção da fibre,
conseguiram maiores rendimentos que as suas contrapartidas moçambicanas,
mesmo nos anos de crise. Por esta razão, ofereceram melhores salários e
condições de trabalho. Calcula-se que, no fim da década de 50, cerca de 20.000
moçambicanos trabalhavam nas sisaleiras e outros lugares de emprego em
Tanganhica.
Como nos outros territórios vizinhos de Moçambique, no Tanganhica constavam,
também, outros milhares de camponeses que tinham atravessado a fronteira para
se fixarem, definitivamente, e aproveitarem dos melhores preços oferecidos para
os seus produtos, especialmente, neste caso, mandioca e cajú [34].
*De facto, considerando que o número total de moçambicanos nos territórios
vizinhos atingiu, provavelmente, o dobro dos oficialmente registados ou
conhecidos, justifica-se a conclusão do relatório do OIT de 1958, de que
"Moçambique é o território africano onde a migração para o estrangeiro
atinge as suas maiores proporções" [351.
Em comparação com as grandes correntes migratórias para os países vizinhos, o
recrutamento para trabalhar nas plantações de São Tomé e Príncipe era
relativamente menor neste período. Após um surto inicial, o número anual de
migrantes diminuiu ligeiramente: de uma média de 2.460 para 1.987, entre 19481951 e 1957-1958. O número total de moçambicanos existentes nessas ilhas, no
fim dos anos 1951 e 1958 era de 8.499 a 7.515, respectivamente. No entanto, a
migração para São Tomé não era a simples resposta às condições económicas em
Moçambique. Na política laboral colonial, a migração 'obrigatória' constituiu um
método importante de punição e repressão da força de trabalho moçambicana.
Nos contingentes de migrantes constava, sempre, um número considerável de
moçambicanos, condenados a desterro, por serem considerados *refractários',
'indesejáveis' ou, simplesmente, 'ociosos'.
159
160
1 é.
a.
(PENMA)
1'~
A EXPANSÃO DA REDE
FERROVIÁRIA
INHAMBANE
Mapa 3: A expansdo da refekferrovidria, 1930-1961.
1
Caíulo 4
SINAIS CAMINHOS DE FERRO u construidos até 1930
.. .. 1940
. . 1950
"'" " - 1960
depois de 1960 1912 ano de inauguração
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
4. Os planos do fomento e industrialização
4.1 Acumulação portuguesa e a economia moçambicana De notar que, até a II
Guerra Mundial, estavam asseguradas, em Portugal, as condições internas para a
repressão da luta de classes, garantindo, assim, uma forte acumulação de capital.
A guerra veio, por seu turno, reforçar o processo de acumulação de capital da
burguesia portuguesa, constituindo o factor que mais a impulsionaria. A não
participação na guerra (posição ambígua de Portugal face aos blocos em conflito),
e o fluxo constante de divisas provenientes do comércio externo das colónias,
proporcionaram a Portugal um reforço do seu próprio comércio externo, uma
maior acumulação de reservas e a duplicação das receitas públicas. Após a guerra,
a revolução industrial portuguesa avançou com mais rapidez e, embora Portugal
continuasse a ser um país essencialmente agrário e analfabeto, a situação tendia
para a concentração e crescimento do poder do capital industrial e bancário.
Este processo significou que o capital português se encontrasse um pouco mais
capaz de fazer o que, nos períodos anteriores, não tinha tido condições de fazer,
nomeadamente, investir nas colónias na promoção dos seus lucros. Mesmo assim,
os investimentos governamentais foram concedidos na forma de empréstimos
reembolsáveis a curto prazo, e em grande parte para financiar a construção de
infraestruturas, como caminhos de ferro e obras nos portos. Estes facultaram
avultados lucros, em divisas, através do trânsito de mercadorias para os países
vizinhos, e o fornecimento de energia para as cidades principais. Os investimentos
privados continuaram a concentrar-se, sobretudo, na comercialização e
transformação de produtos agrícolas de exportação.
4.2 Os planos de fomento
No período pós Guerra, o Estado colonial promoveu a consolidação das
infraestruturas de Manica e Sofala, cujo desenvolvimento permitiria a melhor
exploração da zona.
Em 1946, foi autorizada a constituição da Sociedade Hidro-eléctrica do Revuè
(SHER), que construiu a barragem de Chicamba Real, que melhorou o
fornecimento de energia à cidade de Beira e possibilitou também a venda de
energia à vizinha colónia da Rodésia do Sul.
Capítulo 4
162
21. Parque de maquinaria no prolongamento do caminho de ferro de Tete:
Moalize, 1949
Em 1947, o governo português facilitou um empréstimo de 100 mil contos para a
fase final da construção do caminho de ferro de Tete, que atingiu Moatize em
1949. Esta linha foi construída com vista a expioração econ6mica das minas de
carvão dessa zona (capítulo 3). A Companhia Carbonífera de Moçambique com
sede em Moatize foi então criada, em 1947, uma companhia privada em que o
Estado portugu&ç detinha 10 por cento do capital.
Em 1949, o governo colonial tomou conta (por resgate) do porto da Beira, e
comprou o caminho de ferro que ligava o porto da Beira à Rodésia do Sul, sob
controle de uma companhia concessionária britânica, aquando do termo da
concessão majestática da Companhia de Moçambique, em 1942.
A partir da década de 50, o governo deu um novo impulso à exploração dos
recursos de Moçambique. Iniciaran.-se os 'Planos de Fomento' e a fixação
sistemática de colonos. O primeiro plano (1953A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
22. Parque de carros ingleses em Lourenço Marques desnnau., à Rodésia do Sul
através do novo caminho de ferro do Limpopo, 1956.
1958) previa investimentos da ordem de 1.848.500 contos, dos quais vieram a ser
realmente aplicados 1.661.284, assim distribuídos:
Caminhos de ferro, portos e transportes aéreos 63% Aproveitamento de recursos
e povoamento 34%
Diversos
3%
O plano não previa a atribuição de quaisquer kerbas nem para a investigação
científica, nem para a saúde pública e ensino.
A obra principal durante a vigência deste plano foi a construção dos quasi 300
quilómetros da linha férrea de Lourenço Marques a Malvérnia, na fronteira com a
então Rodésia do Sul. O objectivo era aproveitar, plenamente, o crescente tráfego
da nova Federação Central Africana, a confederação das colónias de Rodésia do
Sul, Rodésia do Norte (Zâmbia) e Niassalândia (Malawi), um bloco que, segundo
os planos britânicos, facultaria um crescimento económico e acumulação rápida,
particularmente na Rodésia do Sul.
163
Capítulo 4
Esta linha foi construída contra os planos regionais das autoridades sul-africanas,
que pretendiam dominar todo o tráfego ferroviário ao sul do equador ap6s a II
guerra mundial, e que tinham proposto a construção de uma linha entre Ressano
Garcia e Rodésia do Sul via Beit Bridge (ponte principal rodoviária, sobre o
Limpopo, entre África do Sul e Rodésia do Sul, que só em 1974 veio a suportar
uma linha férrea). Com a ajuda diplomática britânica, Portugal obteve um
empréstimo de 17 milhões de dolares do Banco de Importações e Exportações,
sediado nos E.U.A., que pagava cerca de 80 por cento das despesas de construção,
e que constituiu cerca de 36 por cento do total das despesas do I Plano do
Fomento.
Esta obra, concluída em 1956, não servia somente os interesses capitalistas da
Rodésia do Sul, como também beneficiou consideravelmente o orçameuto
colonial de Moçambique. Nos três anos ap6s a sua conclusão, as receitas (em
grande parte em divisas) dos Caminhos de Ferro e Portos de Moçambique
aumentaram 25 por cento, relativamente aos três anos anteriores (de uma média
de cerca de 750.000 contos para mais de 1.050.000 contos), e o acréscimo no
rendimento foi, teoricamente, suficiente para reembolsar o empréstimo em apenas
3 anos.
Para além desse beneficio para as finanças do governo colonial, o novo caminho
de ferro facultou as obras de construção de um outro projecto fundamental do I
Plano de Fomento, o início da fixação sistemática de colonos no Vale do Limpopo
e o escoamento das suas produções.
4.3 Crescimento da população colona O crescimento da população colona em
Moçambique, neste período, esteve intimamente ligado ao problema da
proletarização progressiva do campesinato português, devido à capitalização
gradual do campo, sob o impulso da industrialização. Enquanto vastas correntes
migratórias fossem para Europa industrializada e para as Américas, o governo
português pretendeu utilizar uma pequena parte dos desempregados e despojados
das suas terras para a formação de uma camada de auxiliares leais, não só para o
desenvolvimento económico das colónias, como também para a manutenção da
autoridade colonial.
Por estas razões, entre 1945/50 e 1960, adquiriu grande significado o povoamento
de colonos, oficialmente organizado pelo Estado portuA Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
guês. Entre 1951 e 1960, fixaram-se, em Moçambique, mais de 13 mil colonos,
cujas passagens e custos de instalação foram assegurados pelo governo português,
através das verbas orçamentadas nos Planos de Fomento. Em todo o período
colonial, a década de 50 registou a maior taxa de crescimento anual de colonos.
Quadro 14: Evolução da população total e da população colona de Moçambique
[36]
População 1930
1940
1950
1960
Total
3.885.447 5.085.627 5.738.911 6.603.653
Colona
17.842 27.438 48.213
97.245
O 1 Plano de Fomento contemplava o -aproveitamento de recursos e povoamento
da colónia', com especial relevância para a preparação de terrenos (abertura,
irrigação e enxugue) e assistência técnica e financeira, com vista ao transporte e
instalação de alguns colonos, nas zonas rurais. Os colonatos eram regiões de
ordenamento e fixação desses colonos europeus, que foram organizados numa
tentativa de recriar, em Moçambique, a pequena propriedade rústica portuguesa.
Tinham, por outro lado, o objectivo de estabelecer zonas que deviam constituir
barreira ao avanço de qualquer movimento nacionalista que, na altura, emergia
por toda a África, e dava em Moçambique os primeiros passos.
Se bem que o número de colonos fosse, numericamente, reduzido, a sua
instalação implicou uma nova onda de expulsões de camponeses moçambicanos.
Criados em áreas agrícolas de grande fertilidade, nos principais vales fluviais,
como os do Limpopo e Revuê, e nas terras altas de Lichinga e Montepuez, os
colonatos eram, também, zonas estratégicas de desenvolvimento futuro agroindustrial. A sua instalação retirou, de repente, aos camponeses, alguns dos quais
agricultores 'evoluídos', as vantagens de cultivo em tais áreas favorecidas, e impôs
uma nova barreira contra o desenvolvimento económico e social do campesinato
nessas zonas, mostrando mais do que qualquer argumento teórico, a hipocrisia da
política portuguesa de assimilação.
O primeiro colonato foi criado no vale do Limpopo, em 1954, tendo
165
166
Capítulo 4
23. O Colonato do Limpopo ocupava grande espaço na ideologia colonial de
assimilação: Os primeiros colonos a chegar, 1954.
ali sido instaladas as primeiras dez famílias, oriundas de Portugal. Em 1957, já
viviam no Limpopo 204 famílias portuguesas, e nos inícios da década de 60, já
estavam distribuídas pelas 14 aldeias do colonato, cerca de 1.400 das 3.000
famílias que se pretendia instalar.
Criaram-se outros colonatos no vale do Revuè, e em Sussundenga, na
24. Vista do Colonato do Limpopo, Guijá, 1960.
166
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
província de Manica. No início dos anos sessenta, foi criado o colonato de Nova
Madeira, próximo de Lichinga, no Niassa.
Os colonos instalados estavam, teoricamente, proibidos de utilizar mão-de-obra
estranha às suas famílias, e tinham que entregar ao Estado, para custear os
encargos da sua instalação, 1/6 do valor anual da produção. Só depois do
reembolso feito, podiam obter o título definitivo de propriedade. Em alguns
colonatos, procedeu-se à colocação de famílias africanas, em parcelamentos
menores, (normalmente com 2 hectares, contra os 4 para os portugueses), junto
das áreas dos colonos europeus, no intuito de tentar criar uma camada de
pequenos proprietários de pele negra, e, na linguagem colonial paternalista, de
ensinar à população hábitos portugueses de trabalho rural.
O segundo Plano do Fomento (1959-1964) surgiu na continuidade do anterior.
Continuava, na sua concepção de base, a ser, tal como o primeiro, um plano'de
investimentos públicos e de alguns (poucos) projectos do sector privado. Tinha os
investimentos programados, basicamente, para os seguintes sectores:
- povoamento, com o prosseguimento da obra do colonato do Limpopo, e novos
programas para a fixação de colonos para as
culturas de tabaco e do chá;
- comunicações e transportes;
- aproveitamento de recursos, concretamente, no fomento agrário,
florestal, pecuário, hidro-agrícola e hidro-eléctrico;
- conhecimento científico do território, com estudos a realizar no que se refere a
cartografia geral e estudos geológicos (mineiros e
pedológicos).
Era, essencialmente, um plano que visava o fomento da produção e do
povoamento e continuava a não contemplar a indústria, pelo menos directamente,
no que respeitava à direcção dos investimentos. Foi, ainda, destinada uma
pequena verba para a instrução e saúde e melhoramentos locais (abastecimento de
água). Juntamente com os estudos científicos do território, esta verba não
ultrapassava os 19 por cento dos investimentos programados, ou seja, apenas
cerca de 520 mil contos.
É impressionante verificar que todo o esforço de investimento em infraestruturas,
em equipamento, e mesmo o reduzido investimento em
Capítulo 4
obras sociais (educação, saúde,etc.), estava francamente em ligação com a
instalação de colonos portugueses. Na totalidade, podemos afirmar que mais de
75 por cento dos investimentos tinham essa finalidade. Caminhos de ferro,
estradas, melhoramentos hidro-eléctricos, apetrechamento de portos, eram obras
que confluíam para a criação de condições de formação de 'centros de
colonização' e de melhoramento dos já existentes.
4.4 Fomento industrial
Em geral, a industrialização de Moçambique, neste período, foi ainda
severamente limitada pelas restricções impostas por Portugal, em benefício das
suas próprias indústrias.
No entanto, desde finais da II guerra mundial, tinha-se criado um clima favorável
para a intensificação da produção, incluindo a transformação de culturas
agrícolas, em especial, o algodão, o açúcar, o chá, a maqeirá, as oleaginosas e o
tabaco, isto é, matérias-primas ou mercadorias não produzidas em Portugal.
Este período será, portanto, ainda dominado pela agro-indústria de exportação. A
produção no sector continuará a assentar na utilização de mão-de-obra pouco
especializada, embora se assistia a uma crescente mecanização e a melhoramentos
técnicos, em algumas das indústrias como a do açúcar.
Por outro lado, começou a ser feito o aproveitamento industrial da semente do
algodão, a partir de 1946, pela Companhia Luso-Belga (mais tarde, a Companhia
Industrial Portuguesa) no Monapo, e verificarem-se avanços na transformação dê
outras oleaginosas, como a copra. Dos produtos derivados transformados
começaram a destacar-se: o óleo refinado, o bagaço, o sabão, os ácidos gordos e a
fibrilha. Note-se que estas mudanças resultaram num avanço considerável dos
lucros derivados do trabalho rural barato. No caso dos óleos alimentares, a
crescente procura local foi devida ao aumento da população urbana (dos colonos e
do proletariado negro) e a baixa de produção de amendoim.
No que diz respeito ao cajú, uma única fábrica de descasque foi construída, neste
período (começando a sua produção em 1951), de modo que mais de 90 por cento
da produção desta cultura teria, ainda, que ser exportada para Índia, para a sua
transformação.
Para além do incremento que sentiram, na década de 50, outras
168
A Economia e a Esírutura Social, 1945-1961
indústrias, já estabelecidas, como o cimento, essencial na expansão das infraestruturas e de construção urbana, iniciaram-se as indústrias de vestuário (1951),
de fiação e tecelagem de juta (1951), , moagem de trigo (1952). No entanto,
havia, apenas, uma fábrica de tecelagem de algodão instalada (1952), localizada
em Chimoio, que, em 1953, absorveu só 338 das 125.000 toneladas de akodão
caroço produzido pelo campesinato moçambicano, aumentando o seu consumo,
lentamente, para 1788 toneladas, em 1960. Sublinhe-se que a maior parte das
indústrias se localizava em Lourenço Marques.
Após uma alteração no regime industrial, em 1954, ficaram isentas de restricções
diversas indústrias, nomeadamente, as indústrias de vestuário, de coiro e peles, de
mobiliário, alimentares, de reparação de máquinas, veículos e material eléctrico,
de soldadura, e outras indústrias manuais ou com potência inferior a 2 cavalosvapor. Esta medida resultou num surto de indústrias de carácter ligeiro, em
Lourenço Marques, Beira e, em menor escala, em Quelimane e Nampula, que
produziam, principalmente, para as cidades e a população colonial, ou ofereciam
serviços essenciais como, por exemplo, no sector de transportes.
Quadro 15: Crescimento dh indústria de transformação, 1947-1901 [37]
1947 1954 1956 1958 1961
No. de empresas *150 *157 690 913 1025 Capital fixo ** 796 1146
2134 2954 4610
* principais empresas indicadas
** milhares de contos
O Quadro 15 mostra que, enquanto, no início da década de 50, as empresas eram
pequenas, ou médias, o mesmo não se verifica no fim da década, em que a
expansão industrial se manifesta através de maior crescimento do capital fixo em
relação ao número de empresas.
O crescimento do sector industrial, após 1955, pode ser avaliado com maior
profundidade pela evolução dos índices de produção e investimento de capitais.
Tomando como base, para o^ ano de'1955, o índice 100, temos a seguinte
evolução em termos do volume geral da produção
169
Capítudo 4
industrial (abrangendo a pesca, as indústrias extractivas, pas indústrias
transformadoras, a construção e obras públicas, e a electridcdade) [38]:
1955
1957 1959 1961
100 127,9
159,4 223,5
Quadro 16: Expansão do investimedto fixo na indústria transformadora, 19561961 [39]
Capital (contos)
Ano
1956
1961
Total 2.134.027 4.610.029
1. Têxteis
Descaroçamento,tratamento e pre445.872
824.471
paração de fibras têxteis
Fiação, tecelagem, e acabamento
140.653
205.192
Calçado, vestuário e têxteis em obra 370
8.931
2. Indústrias alimentares
Refinação de açucar
376.344 808.120
Moagem, descasque de cereais
198.648
363.222
Diversas
118.398
158.122
Refinação de óleos e gorduras
134.015
158.112
3. Madeiras
197.143
347.919
4. Cinento
192.014 379.433
5. Reimação de petróleo
218.403
6. Bebidas
46.977 201.698
7. Reparação de veículos, etc.
28.641
147.209
8. Indústrias metálicas
49.265 114.059
9. Electricidáde, gás e água
330.306
581.877
A evolução do investimento nas principais indústrias moçambicanas na segunda
metade da década de 50 revela-se no Quadro 16, que mostra uma certa
concentração dos investimentos, nas principais indústrias directamente ligadas a
exportação de produtos primários, como o algodão
170
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
e outras fibras, açúcar, e madeiras. Mas, de facto, em relação ao total dos
investimentos, na indústria transformadora, a percentagem investida, nestas
indústrias, diminuiu de cerca de 48 por cento em 1956 para cerca de 43 por cento
em 1961.
Esta mudança no carácter dos investimentos veio reflectir-se na proporção relativa
do valor da produção de cada sector industrial.
Quadro 17: Proporção do valor de produção industrial, por sector, 1942-1960
1942 1955 1960
Produção industrial para o mercado externo 72% 60% 54%
(Agro-indústrias)
Produção para o mercado interno (alimen- 28% 40% 46%
tares, bebidas,metálicas, etc.)
A base deste crescimento foi garantida pela política do 'nacionalismo económico'
que fomentou, em Portugal, a acumulação do capital industrial e financeiro e
favoreceu também o investimento selectivo nas colónias.
A expansão industrial e comercial, e a fixação de colonos, que trabalhavam,
principalmente nas novas indústrias transformnadoras, no comércio e transportes,
provocaram um crescimento de construção habitacional, industrial, e de serviços,
particularmente, em Lourenço Marques e na Beira. A construção do caminho de
ferro de Lourenço Marques para Chicualacuala, e o avanço da economia da
Rodésia do Sul, na década de 50, deram grande impulso a este processo.
4.5 A consolidação do capital português Por volta do fim da década de 50, mercê
da política de condicionamento e protecção imprimida pelo governo português,
diversos grupos industriais e comerciais, portugueses e locais, tinham criado, ou
alcançado o controle de, um grande número de empresas em Moçambique.
Evidenciaram-se o Grupo Entreposto (uma subsidiária da Companhia de
Moçambique, abrangendo mais de 20 grandes empresas), a Companhia Uniao
Fabril (CUF), que era, praticamente, dona da
Capítulo 4
Sociedade Agrícola do Incomati, Champalimaud, João Ferreira dos Santos,
Monteiro e Giro etc., todas com grandes interesses na agricultura, indústri4 e
comércio. Para além das condições rentáveis concedidas pelo estado colonial a
todas as empresas capitalistas, estes grupos eram capazes!de rentabilizar a sua
posição dominante, se não monopolizadora, no comércio global de uma ou mais
regiões geográficas (como João Ferreira dos Santos no norte), ou na
comercialização de produtos chaves em todo o país (como Champalimaud nos
cimentos).
Ao nível do capital financeiro, os grandes bancos, tinham aproveitado da
repressão colonial fascista para investir e tirar lucros de produção. Por exemplo, o
Banco Português do Atlântico estava ligado à Sociedade Hidro-eléctrica do
Revuè, e tinha grande interesses nos sectores de algodão, têxteis, açúcar e vidro.
O Banco Nacional Ultramarino detinha 1/3 do capital da Companhia Colonial do
Buzi e estava associado com a CUF na SOCAJU, proprietária da única fábrica
para o descasque de cajú construída no período.
Nota-se que o estado colonial tinha, também, aumentado a sua posição como
detentora de enormes capitais, principalmente, nos caminhos de ferro e portos.
O sucesso da política colonial da promoção dos capitais portugueses, quer
metropolitanos, quer locais, na agricultura, pode avaliar-se pelo facto de, em
1960, das 2.700 empresas agrícolas existentes, cerca de
2.500 serem portuguesas.
5. O desenvolvimento da estrutura social
5.1 A força de trabalho assalariado e a sua estratificação racial Como resultado do
desenvolvimento da economia colonial e, particularmente, da agro-indústria e das
outras indústrias transformado:as, a força de trabalho aýsalariado, quer voluntário,
quer forçado, cresceu consideravelmente (Quadro 18).
A divisão racial continuava a ser uma característica fundamental na evolução
sócio-económica da força de trabalho assalariado. De facto, devido à política
portuguesa de imigração colona, da expansão dos sindicatos corporativos
fascistas, e da elaboração do corpo legislativo essencialmente racista, as barreiras
raciais intensificaram-se significativa172
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
mente em beneficio da crescente população colona.
Os Sindicatos Nacionais começaram a ser instalados em Moçambique como meio
de incorporar os trabalhadores brancos e alguns indivíduos assimilados, no
aparelho de governação colonial, com certos privilégios estatutários, como, por
exemplo, uma tabela salarial fixa (capítulo 3). Após a II Guerra Mundial, foram
criados novos sindicatos. Em 1946, foi autorizado o Sindicato Nacional dos
Empregados Bancários, profissão que até então era integrada no Sindicato
Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria (SNECI). Em 1948, foram
criados outros dois sindicatos: o dos Motoristas de Moçambique que, abrangendo
inicialmente apenas motoristas e mecânicos, foi progressivamente alargado a
outras profissões mecânicas, na agricultura, na marinha mercante e nas indústrias
metalo-mecânicas e eléctricas; e o dos Operários da Construção Civil e Ofícios
Correlativos.~
Quadro 18: Estimativa provisória do número de assalariados nos
principais sectores e actividades, 1950-1960 [40]
Serviços Agrícolas* Não-agríc. Migrantes
públicos particulares particulares **
1950 71.850 110.000 163.420 200.000
1960 115.000 130.000
290.000 290.000
*Incluindo os contratados sazonais nas plantações do país.
**Legalnente nos países vizinhos
Devido aos reajustamentos da economia de toda a Africa Austral, ao influxo de
novos colonos portugueses e, por vezes, à prática dos proprietários de empregar
trabalhadores não-brancos com salários menores, surgiu, no após guerra, o
problema do desemprego de um número considerável de brancos. Desprovidos
pela legislação de qualquer possibilidade de luta directa, anti-capitalista, ou de
conciliação de posições multi-raciais, os sindicatos montaram uma campanha para
impedir o acesso dos não-brancos aos postos de emprego abrangidos pela
legislação sindical, sob o pretexto de defender os seus membros contra
trabalhadores não qualificados. Note-se que até então, embora excluídos dos
sindicatos, os negros e outros trabalhadores não-brancos não eram,
173
Captulo 4
especificamente, impedidos de trabalhar naqueles postos.
Em Julho de 1947, teve lugar a primeira reunião dos sindicatos coloniais em
Moçambique, em que foi discutida a questão do desemprego dos brancos e as
possíveis soluções. Depois, o Conselho Geral do SNECI, que era de longe o maior
e mais influente dos sindicatos, dirigiu ao Governo-Geral uma exposição sobre a
'intromissão de indígenas nas profissões tuteladas por este Sindicato'. Disto
resultou, em Julho de 1948, um despacho sucinto (de duas linhas) do GovernadorGeral, Gabriel Teixeira, pelo qual foi pura e simplesmente vedado aos 'indígenas'
o exercício das profissões abrangidas por aquele Sindicato. Este despacho foi
considerado extensivo a todas as profissões organizadas em sindicatos. Assim, por
exemplo, após 1950, os motoristas negros que tinham uma carta de condução só
podiam, legalmente, exercer a sua actividade como 'motoristas auxiliares'. A
isenção dos assimilados dessas exclusões dependia das informações recolhidas em
inquéritos feitos para cada caso [41].
Além disso, para melhor controlar as admissões ao emprego e concretizar, assim,
as barreiras raciais, os sindicatos argumentaram a favor do sistema da 'Carteira
Profissional', o que foi concedido pelo GovernoGeral, e que entrou em vigor em
Janeiro de 1949. Passou a ser interdito a qualquer trabalhador empregar-se sem
ter, previamente, obtido a carteira profissional emitido pelo respectivo sindicato.
Paralelamente, e na mesma altura, foram estruturadas em cada sindicato agéncias
de colocação de trabalhadores da respectiva profissão [42].
Estas medidas constituíam ferramentas poderosas na 'protecção' dos trabalhadores
brancos. Os sindicatos passaram a identificar os postos de trabalho que deviam
cair sob o seu controle, nas actividades existentes e nas outras que se
estabeleciam, colocando neles, apenas, os possuidores da carteira profissional
respectiva, muitas vezes, colonos recém-chegados de Portugal.
Com estes meios de controle, a situação dos trabalhadores brancos começou a
melhorar significativamente. A legislação e os despachos a partir de 1948
facultaram emprego a numerosos brancos, suprimindo a concorrência de outros
trabalhadores, particularmente nas cidades. Como dizia laconicamente o relatório
do Conselho Geral do SNECI em 1954, acerca do 'trabalho de indígenas', "nos
grandes centros o assunto está sendo lenta mas seguramente resolvido" [43]. A
colaboração entre
174
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
trabalho [branco] e capital, sob egide do Estado fascista, aprofundou-se ainda
mais com a promulgação do Diploma Legislativo 1:595 de 1956 e as suas 18
Portarias complementares, que levaram uma nova sistematização dessa matéria,
adaptando a legislação laboral metropolitana à estrutura racial colonial [44].
Apesar de uma certa relutância de alguns proprietários, cujos interesses não eram
sempre bem servidos pelo emprego de mão-de-obra branca com salários mais
elevados do que os dos restantes trabalhadores, o número de trabalhadores
inscritos nos sindicatos aumentou de 12.719 em 1949 para 32.582 em 1961. Esta
expansão reflecte não só o aumento da população colona no período como
também a agressividade dos sindicatos em ampliar as suas actividades nos vários
pontos do país [45].
Note-se que a prática desta forma de privilegiar os trabalhadores brancos teve
consequências profundas na economia e estrutura social. Os privilégios e regalias
dos trabalhadores brancos, que iam do vencimento tabelado à garantia do lugar
em caso de doença ou serviço militar e, muitas vezes, à licença graciosa regular
em Portugal (com passagens pagas), suportavam um nível de vida
consideravelmente superior àquele vivido por trabalhadores de igual nível na
Europa. Por exemplo, segundo uma análise colonial, os trabalhadores brancos na
indústria têxtil de Chimoio ganhavam o quíntuplo dos de Portugal, para além de
regalias como habitação, licenças graciosas e passagens.
Desta forma, agrava-se a situação já verificada relativa às décadas de 20 e 30,
nomeadamente, a necessidade da recuperação dos custos económicos das regalias
concedidas aos brancos, em detrimento do fundo dos salários dos restantes
trabalhadores não-brancos. Para o efeito, manteve-se, e até, se intensificou, a
preferência para o trabalho forçado mal pago nos postos de trabalho braçal, cujo
número aumentou, devido a expansão das plantações, construções e
infraestruturas.
Isto pode ser avaliado pelas diferenças de salários. Na indústria, a maioria dos
trabalhadores negros, em regime de contrato, recebia entre 4 e 5 escudos, por dia,
e os poucos trabalhadores negros especializados recebiam 20, 30 ou,
excepcionalmente, 50 escudos. Havia, no entanto, grande diversidade de indústria
para indústria e por zonas geográficas. Na indústria têxtil, por exemplo, a média
de salários era de 7 escudos, e na de cimento era de 13$50 por dia. Tendo em
conta que o imposto era elevado (passou a ser 330 escudos, no sul, em 1957),
pode-se concluir
175
Capítulo 4
que os salários da maioria eram extremamente baixos.
Por outro lado, o trabalhador branco, mesmo na indústria de cimentos, auferia
salários iguais ou superiores a 200 escudos por dia, ou seja, quatro vezes o mais
alto salário pago ao negro, por vezes, com a mesma tarefa e responsabilidade
semelhante.
Segundo, uma estimativa americana, no início da década de 60, o salário médio
anual de um negro na indústria, em geral, era de 4.104 esc., isto é, dez vezes
menos do que o salário médio de um branco, que andava a volta de 47.540 esc.
Isto significava que a elite branca, constituindo apenas 10 por cento da força de
trabalho na indústria transformadora, recebia 50 por cento dos salários. Em
indústrias específicas, a diferença era maior, como, por exemplo, na de
fornecimento de energia eléctrica, onde os 10 por cento dos trabalhadores que
eram brancos, recebiam 64 por cento dos salários, ou na indústria mineira, onde
os 2 por cento dos trabalhadores, brancos, recebiam 19 por cento dos salários
[46].
5.2 A educação, as missões e seu papel na estrutura social colonial Neste período,
a educação separada para negros e brancos e assimilados, tormou-se mais
claramente definida. Para enquadrar, principalmente, os filhos da crescente
população branca, expandíu-se o regime de educação semelhante ao de Portugal,
que era, predominantemente, oficial ou supervisionado pelo estado. Esta expansão
foi acompanhada por um conjunto de legislação para garantir a organização
interna dos estabelecimentos de ensino, manter o nível do ensino através do
controle das provas, exames de admissão aos liceus (2 em Lourenço Marques e 1
na Beira em 1960), e assegurar auxilio económico aos alunos, incluindo bolsas e
passagens aéreas. Por outras palavras, o nível de investimento económico e
administrativo, neste ensino, foi relativamente alto.
Para a maior parte da população africana existiam, apenas, as escolas das missões
católicas portuguesas e algumas, poucas, escolas do estado e das missões
protestantes.
A identificação do estado português com a Igreja Católica, aliada à sua pobreza
económica, impediu esta de tomar o papel progressivo em Moçambique, nem
mesmo ao nível da educação, que manifestou nalgumas colónias vizinhas, como
Rodésia do Sul, por exemplo. Os agentes da Igreja, revelando-se mais portugueses
que missionários,
176
A Ecomomia e a Estruura Social, 1945-1961
assumiram a sua missão de cristianizar as populações locais assimilandoas 1
cultura portuguesa, acima de tudo.
Durante este período, apenas um reduzido sector da Igreja protestou contra os
inúmeros excessos das acções do governo e dos interesses económicos coloniais.
O Bispo da Beira, D. Soares de Resende, denunciou, vigorosamente, o trabalho
forçado, as condições de trabalho nas plantações, as culturas forçadas, as fugas
para os territórios vizinhos, etc. F¿-lo através do jornal Didrio de Moçambique,
criado pela diocese da Beira em 1950, e de várias cartas pastorais e livros, embora
sem pôr em causa publicamente os fundamentos da presença colonial portuguesa.
Receando a sua influência, e impulsionado pelos interesses dos capitalistas e da
população colona, o governo colonial viu-se obrigado a retirar ao Bispo da Beira a
responsabilidade que tinha na direcção da única escola secundária naquela cidade.
Pelas mesmas razões, o Dirio de Moçambique sofreu várias suspensões até 1961.
De facto, a posição "moderada', defendida pelo Bispo da Beira, que visava a
expansão do catolicismo, em moldes mais cristãos, e que incluiu
25. D. Soares de Resende, Bispo dã Beira,
1943-1967, ganhou o
oprõbrio dos defensores
do racismo com as suas
críticas ao sistema
colonial.
Capítulo 4
propostas de melhoria do ensino secundário e de formação de padres africanos,
provocou críticas violentas dos defensores da supremacia branca portuguesa,
dentro e fora da Igreja [47].
Tirando a posição do Bispo da Beira, a actuação da Igreja católica surgiu como
resultado duma colaboração activa entre ela e o Governo colonial. Como
consequência, a Igreja Católica expandiu-se maciçamente entre 1945 e 1961 em
comparação com as missões protestantes.
Quadro 19: Aumento de missões religiosas, 1945-1961
1945 1961
Missões católicas
70 184
Filiais
379
Missionários
127
445
Irmãos/Irmãs
306
954
Assalariados
1.811 5.259
Missões protestantes 14
15
Filiais
35
53
Missionários
41
85
Auxiliares
321
474
Verifica-se que uma grande percentagem do pessoal que figurava na expansão das
missões católicas era de nacionalidade e formação portuguesas, incluindo um
número considerável dos assalariados, que trabalhavam nas construções,
manutenção e funcionamento económico da Igreja.
A expansão das missões protestantes foi limitada por razões financeiras (o Estado
praticamente não apoiou as suas escolas) e por vários regulamentos, como, por
exemplo, os que estipulavam que professores moçambicanos, encarregados das
escolas rudimentares, deviam frequentar a Escola Normal de Habilitaçõo, em
Manhiça, Maputo, que só matriculava católicos. A aplicação discriminatória de
outros regulamentos, como os relacionados com as construções, também atingiu
estas missões [48].
Além disso, as Igrejas protestantes foram sujeitas a um crescente controle pela
administração colonial, que as encarava como agentes de uma cultura estranha à
portuguesa que se pretendia implantar e, por isso, possíveis focos de pensamento
anti-colonial e nacionalista.
178
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
26. A escola rudimentar da Missão católica de Murrupula, Nampula, 1960.
A repressão das Igrejas etiópicas, promovida a partir de 1941 tinha sido apenas
parcialmente efectiva. De facto, as mudanças sócioeconómicas e a opressão
cultural e racial, que favoreceram o seu nascimento nas décadas anteriores,
intensifiicaram-se, significativamente, neste período. Por isso, apesar de serem,
teoricamente, ilegais, ressurgiram e cresceram, após 1945, o que provocou uma
atenção especial das autoridades. Concluindo que uma eliminação total destas
igrejas não era praticável, a curto prazo, o regime tolerou as suas actividades,
enquanto fizesse investigações aprofundadas sobre a sua extensão, e sujeitou os
seus dirigentes a uma fiscalização apertada, particularmente nas suas viagens ao
campo [49].
Ensino primário rudimentar e 'comum' Como vimos nos capítulos 2 e 3, o
Governo colonial elaborou toda uma legislação sobre o ensino dos indígenas,
tratando de todos os aspectos deste ensino e de forma muito pormenorizada. Foi
uma legislação necessária, na óptica do regime colonial, pois que permitia apenas
um
179
Capítulo
tipo de ensino e cerceava as possibilidades a todos aqueles que não aceitassem a
submissão ideológica da Igreja Católica. Este era o compromisso real entre o
governo colonial e a Igreja.
Foi esta instituição que ministrava o ensino rudimentar (designado 'ensino de
adaptação' após 1956), uma espécie de ensino "pré-primário', através do qual
todas as crianças negras tinham que passar. A posição privilegiada da Igreja
Católica significou que o número das suas escolas rudimentares aumentasse, de
579 com 99.477 matriculados, em 1945, para 2.925 com 379.000, em 1960.
Os resultados obtidos deste ensino continuaram a ser extremamente baixos. A
fraqueza do 'ensino rudimentar' ou 'de adaptação', devido ao conjunto de factores
referidos no capítulo 3, foi comprovada pelo baixo número de alunos que
terminavam, com aproveitamento, o período de escolariedade dos 3 anos previstos
nas missões católicás, representando menos de 1 e 3 por cento dos matriculados,
em 1945 e 1960, respectivamente (Quadro 20).
Quadro 20: Aproveitamento nas escolas rudimentares das missões
católicas e outras (missões protestantes e escolas oficiais) [50]
Alunos matriculados Alunos aprovados Missões Outras Missões Outras
católicas
católicas
1945
99.477 9.639
853
246
1950
232.923 6.484
1.844
325
1960
379.060 6.435 10.448 1.741
Conforme as estatísticas oficiais podemos concluir que, durante todo o período,
entre 1945 e 1960, em média, apenas um em cada 40 alunos (1 em 30, em 1960)
matriculados no ensino rudimentar passava no último ano. Por esta razão, críticos
da política educacional -da Igreja Católica comentavam, no fim da década de 50
que, "afinal de contas, a Igreja servia apenas para ensinar o catecismo e pouco
mais" [51].
Para além da fraca qualidade do ensino ministrado, o que tornou o ensino
rudimentar uma barreira mais efectiva na educação do povo, foi o seguinte
regulamento administrativo: só os que completavam este nível
180
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
até aos 14 anos tinham possibilidades de prosseguir no nível seguinte, o terceiro
ano do ensino 'elementar', que era o ensino primário 'comum'.
,Neste grau de ensino, o número de escolas oficiais e particulares, viradas,
principalmente, para a população branca e assimilada, aumentou, paralelamente,
com as necessidades da população colona e da economia. Segundo as estatísticas
coloniais, o número das escolas católicas, viradas principalmente para negros,
também aumentou.
Quadro 21: Matrículas nas escolas primárias 'comuns', 1945 e 1960
Ensino/Ano
1945
1960
Oficial e particular
5.251 18.577
Missões católicas e protestantes 3.803 12.285
Apesar da designação 'comum', as estatísticas coloniais mostram, também, 'o grau
de exclusividade racial e as vantagens e desvantagens relativas à frequência nos
dois tipos de ensino (Quadro 21). No primeiro, onde o ensino era controlado pelo
Estado, o grau de aproveitamento geral foi cerca de 60 por cento, em 1960.
Alunos negros constituíram apenas 13 por cento do total das matrículas. Esta
percentagem foi muito menor do que em 1930: antes dessa data, quando as
crianças négras se podiam matricular nas escolas primárias 'comuns', sem
passarem através das escolas rudimentares, constituíram mais de 50 por cento dos
alunos matriculados. No segundo tipo de ensino, desprovido do apoio e controle
do Estado, e onde os alunos negros constituíram 76 por cento dos matriculados,
em 1960, o grau de aproveitamento foi menos de 29 por cento.
Ensino secundário
As estatísticas coloniais mostram que as barreiras contra a educação dos nãobrancos eram ainda mais efectivas no ensino secundário (Quadro 22).
Verificou-se uma situação idêntica nos cursos regulares das escolas comerciãis e
industriais, que se expandiram em paralelo com as necessidades da economia
íolonial, neste período. Apenas nos cursos nocturnos de aperfeiçoamento geral
destas instituições, destinados a assalariados, os não-brancos constituíram uma
maioria dos matriculados, em 1960.
Capítulo 4
182
Quadro 22: Matrículas nos Liceus, 1945 e 1960
1945
1960
Total
704
2.550
Brancos
554 [78,6%]
2.077 [81,4%]
Não-brancos
150 [21,3%]
473 [18,5%]
Negros
1 [0.14%]
69 [2,7%]
Destas informações, destacam-se três conclusões principais:
- por volta de 1960, apenas 0,2 por cento.da população negra atingiu, anualmente,
um grau rudimentar de alfabetismo. Calculava-se que a
percentagem global de analfabetismo era cerca de 95 por cento;
- um número muito reduzido de crianças negras era autorizado a receber uma
educação primária igual a dos brancos, e a proporção de crianças negras, em
relação às crianças brancas, nas escolas primárias e secundárias 'comuns', foi
muito menor em 1960 do que
em 1930;
- as barreiras à educação do negro eram mais efectivas, na medida em que
avançavam nos vários níveis de ensino. Foi poC esta razão que um número
considerável de negros fugiu para os países vizinhos, para ter acesso à educação
secundária, como, por exemplo, Eduardo MondIane, que conseguiu matricular-se
numa escola da Missão Suiça,
no Transval.
5.3 As formas de enquadramento colonial Destas informações podemos confirmar
que a política de 'assimilação', mesmo no sentido restrito, de levar a população,
através da educação, a participar numa cultura europeia e a gozar os direitos de
cidadania do 'império' português, não deixou de ser uma mera justificação teórica
para a presença colonial, cuja estrutura de dominação racial, na prática, impediu
tal acesso. A discriminação racial, no sistema de educação, no regime jurídico e
de propriedade, na legislação e nas práticas laborais, no código comercial e,
fundamentalmente, no acesso aos direitos políticos, mostra a hipocrisia da
ideologia colonial de assimilação.
Em 1955, numa população total estimada em 5.650.000 habitantes, havia 4.555
assimilados, uma minoria irisória de cerca de 0,08 por cento
A Economia e a Estrutura Social. 1945-1961
da população.
De facto, o estatuto dos 'indígenas portugueses', promulgado em 1954, dificultou
ainda mais a situação desta pequena camada social, introduzindo novos requisitos
legais para comprovar, com efeitos retroactivos, o seu estatuto. Esta medida fez
com que muitos dos considerados assimilados, sem que para tal fosse necessário
possuir quaisquer documentos, chegando alguns a ser inscritos nos
recenseamentos eleitorais e a usarem do direito do voto, passassem à condição de
'indígena' que nunca antes haviam tido.
Embora a medida não implicasse, necessariamente, a perda do emprego do
indivíduo, significou, muitas vezes, que as crianças de uma pessoa até então
considerada 'assimilada', tinham agora de submeter-se à educação discriminatória
indicada para a maioria dos negros [52].
No entanto, o regime colonial estava cada vez mais interessado em outras formas
de assimilação, as que asseguravam o enquadramento, através de instituições
económicas ou sociais coloniais, de alguns trabalhadores negros em postos de
confiança ou de carácter permanente. Outras figuras, ou tradicionais, ou de um.
certo prestígio sócioeconómico, ou auxiliares do regime na repressão da maioria
(capatazes e sipaios), foram também alvo dessa política de assimilação.
O privilegiamento dos régulos e sipaios Em continuação da política enunciada no
período anterior (capítulo 3), várias medidas foram tomadas pelo regime tolonial
para consolidar o oder dos seus principais auxiliares nas áreas rurais, os régulos.
Por exemplo, estabeleceu-se, em 1950, uma escola para os filhos dos régulos, com
o objectivo de oferecer-lhes uma formação privilegiada em relação aos restantes
alunos, e ensinar a maneira mais correcta de relacionamento com a autoridade
colonial, por um lado, e enfrentar a população, por outro. A organização e
fardamento de sipaios foi, também, objecto de atenção e despesas especiais, neste
período.
O pouco esforço que o regime dispendeu no fomento económico, nas zonas rurais,
foi aplicado de maneira a reforçar, onde era possível, a posição privilegiada dos
régulos. Em -algumas áreas, foram eles que beneficiaram da distribuição de gado
para pecuária e tracção, que constituíam um acréscimo considerável no seu poder
económico e social, servindo, simultaneamente, para melhorar as suas relações
com os
183
Capitulo 4
184
27. Banja em Maniamba, década de 1950, parte integrante da administração, as
banjas serviam para as autoridades coloniais enaltecerem o papel dos régulos.
administradores, e incrementar a distância existente entre eles e o povo. A
distribuição de árvores de fruto (cajú) e outras plantas foi feita, normalmente,
através dos régulos, reforçando, também, o seu poder económico.
Esta estratégia foi particularmente importante em áreas onde os régulos tinham
sido demasiado desprestigiados. Por exemplo, após o desastre ecológico de 19501951 em Mogovolas, Nampula [ponto 2.4], o prójecto administrativo para a
recuperação económica do distrito foi acompanhado por uma prolongada
campanha de aliciamento dos régulos, através da introdução de gado bovino e
outras regalias económicas.
De uma forma geral, o regime colonial promoveu, neste período, boas relações
políticas com os grandes régulos do país, particularmente com os que já tinham
mostrado a sua capacidade de acomodar-se ao domínio colonial, tornando-os
agentes da disciplina política, social e, em especial, laboral, do colonialismo.
Por outro lado, nalgumas dinastias locais, foram escolhidos como chefes
indivíduos capazes de ser bons intermediários com as autoridades coloniais. Foi o
caso de Abdul Camal, chefe da dinastia Megama do
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
28. Chefe Mataka, numa banja, Niassa, década de 1950; nem sempre os régulos
eram fieis ao regime: na década a seguir, Mataka aliou-se à FRELIMO.
Chiúre, Cabo Delgado, a partir da década de 1940. Os seus predecessores tinhamlhe deixado um regulado bastante povoado, tendo aproveitado de boas relações
comerciais com os primeiros invasores portugueses na região e, particularmente,
com Porto Amélia, estabelecendo um novo centro de poder, no litoral, em
detrimento dos antigos grandes chefes Ekoni, da zona ocidental. Abdul Carnal
conseguiu prestigiar-se, na década de 30, através do fornecimento de
trabalhadores para obras particulares e para o porto, e de mulheres para a vila de
Porto Amélia (Pemba). Tornou-se imã islâmico e conhecia a língua portuguesa.
Ap6s a sua instalação em 1940, chegou a ser um dos mais conhecidos chefes
Ekoni do sul de Cabo Delgado, reforçando os laços coloniais da dinastia.
Aquando do estabelecimento das culturas forçadas e da reestruturação dos
poderes dos régulos pelo regime colonial (capítulo 3), Abdul Carnal foi
apresentado, nas banjas organizadas pelo administrador do Chiúre, como um
chefe modelo e aliado dos brancos.
Entre 1945 e 1960, o poder colonial não perdia ocasião para elogiar o Megama,
que chegou a ser (à semelhança de outros régulos) um conhecido pessoal do
Governador-Geral, Gabriel Teixeira (1947-1958).
Capítulo 4
Megama era solícito em desempenhar as funções que o colonialismo lhe
prescrevia, e tinha dinamismo, iniciativa e ambição suficientes para se tornar um
chefe poderoso e rico dentro do sistema, posição esta que não colidia, ainda, com
os interesses particulares dos colonos [53].
De facto, as estruturas sócio-económicas e políticas africanas foram submetidas à
dominação colonial, desde a época da conquista, no sentido de todas as
actividades produtivas se efectuarem, directa ou indirectamente, em beneficio do
colonialismo. A estratégia colonial foi, por conseguinte, o de manter, na medida
do possível, e através da repressão administrativa e policial, as formas sociais da
produção camponesa, nos seus moldes pouco modernos, de maneira a recairem
sobre a famflia camponesa o grosso dos riscos e custos de produção e,
concomitantemente, a evitar dispendiosos investimentos do capital na agricultura.
A produção de subsistência e para mercado continuava, assim, sem beneficiar de
melhoramentos dos meios de produção, investimento em tecnologia, formação de
força de trabalho, investigação do meio ambiente, e sistemas de gestão.
Para que se pudesse exercer, mais eficazmente, o controle do campesinato, a
administração colonial valorizou e reforçou o poder dos regedores (régulos), em
detrimento de chefes menores e mesmo, em alguns casos, de chefes poderosos,
embora procurasse, sempre que possível e achasse conveniente, fazer coincidir os
interesses destes com os daqueles. Mas, para que tal fosse possível, era
indispensável dinamizar o 'tradicional' das estruturas sociais e políticas dos
camponeses, ao nível das quais se podia exercer, com maior eficácia, o poder das
'autoridades gentflicas' (régulos, chefes de grupos de povoações, chefes de
povoações).
Foi durante este período, que os 'hábitos e costumes' começaram a ser estudados,
de uma maneira mais sistematizada, pelos administradores e pelos missionários,
mais para os manter do que para os combater.
Por outro lado, para que os régulos pudessem ter força e prestígio, passaram a
beneficiar, cada vez mais, da sua posição na administração colonial (salário,
gratificações, etc.) e a poder acumular riqueza, explorando os seus subordinados
directos. Esta crescente clivagem social trouxe conflitos graves no seio do
campesinato, que se manifestavam, particularmente, nas suçessões dos régulos.
186
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
As associações profissionais para negros Para a administração colonial punha-se a
necessidade de encontrar a forma de enquadramento dos trabalhadores negros
que, nas cidades, exerciam os mais variados pequenos ofícios, isto é, os pequenos
artesãos, trabalhando por conta própria. Para isso, o governo colonial promoveu a
criação das associações profissionais para 'indígenas'.
A primeira a ser criada, por iniciativa do Director dos Serviços dos Negócios
Indígenas, foi a 'Associação Mútua dos Engraxadores de Lourenço Marques', em
1946 (mas cujos estatutos só, em 1966, seriam aprovados). Nela se integraram, no
ano seguinte, os polidores de carros e móveis. Sempre sob a tutela dos Serviços
dos Negócios Indígenas, esta Associação dispunha de alguns fundos monetários e,
em Fevereiro de 1947, inaugurou a sua sede no Chamanculo.
Com a publicação, em Abril de 1949, do Regulamento dos Serviçais Indígenas,
foram criadas outras associações profissionais de trabalhadores negros que
desenvolviam a sua actividade por conta própria, em vez de
29. Os engraxadores de Lourenço Marques frente da sede da sua Associação,
pouco depois da sua fornação em 1946.
Capítulo 4
serem trabalhadores contratados ou forçados. A palavra 'serviçal' ou 'servidor'
significava, de facto, todo o indivíduo 'destribalizado', trabalhando,
permanentemente, nas zonas urbanas. Em 1950, existiam as seguintes
associações: Associação dos Negociantes Indígenas, dos Carpinteiros, dos
Lavadores, dos Barbeiros, dos Sapateiros, dos Pintores, dos Criados da Mesa e
dos Alfaiates.
Não tendo estatutos legais, as associações serviram o objectivo de controlar as
actividades sociais de um número considerável dos trabalhadores permanentes da
cidade, através, por exemplo, da supervisão oficial da educação oferecida na
escola das associações. As associações proporcionavam algumas vantagens aos
seus sócios mas, dependendo estreitamente da boa vontade da administração
colonial, eram veículos para a imposição da disciplina laboral e política coloniais.
Os agricultores prósperos e as cooperativas Não obstante a situação sombria, já
analisada, da maioria dos camponeses e trabalhadores, deve notar-se que,
nalgumas localidades, se reforçou a pequena camada de agricultores relativamente
privilegiados, que já se evidenciou no período anterior [54].
Com efeito, um dos principais objectivos da política rural colonial foi o
enquadramento destes produtores 'evoluídos'. Em 1944, o Governo publicou o
chamado Estatuto do Agricultor, que visava a promoção e controle de "uma classe
de pequenos proprietários rurais, mergulhando ainda por algum tempo as suas
raizes no indigenato, mas ascendendo para a civilização ..." [55].
Esta legislação providenciou que os agricultores 'evoluídos' se registassem na
administração, e que recebessem certas ajudas, na promoção de culturas,
particularmente as alimentares. Visava, também, controles sobre a sua
comercialização, e estipulou que o agricultor tinha de construir a sua casa de tijolo
dentro de um período de 5 anos a partir da data da sua inscrição. O objectivo era,
evidentemente, o de controlar a evolução dessa camada social.
Após 1945, o Governo-Geral pretendeu identificar todos os agricultores
'evoluídos' que, às vezes, recebiam uma atenção especial do Governo. Por
exemplo, aquando das tentativas de promover a cultura de trigo, no Limpopo,
entre 1954 e 1958, e paralelamente à instalação do colonato, alguns agricultores
'evoluídos' foram incluídos nas campanhas
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
com parcelamentos de terra de 20 ou 30 hectares.
No entanto, estas tentativas entraram, evidentemente, em conflito com a política
colonial de fixação de colonos, particularmente no Limpopo, onde a expansão do
colonato significou não só a expulsão de cultivadores negros e, como resultado,
um crescente conflito sobre a posse das terras, mas também a aplicação de ajudas
financeiras, etc., numa base claramente racial. Para além disso, os agricultores
'evoluídos', que foram aliciados a participar no desenvolvimento agrícola, tinham
que vender o seu produto a uma instituição ou comerciante estipulados pelo
Estado colonial. Foram impedidos pela estrutura racial do comércio de realizar o
rendimento integral da sua produção, que, normalmente, se fazia só a nível de
comercialização.
Nalgumas localidades do país, desenvolveram-se concentrações de agricultores
prósperos, que mereceram a atenção especial do regime colonial. Por exemplo, o
distrito de Zavala, em Inhambane, tendo condições eoológicas favoráveis a uma
densidade populacional relativamente alta, era sempre considerado uma reserva
de mão-de-obra, para a cidade de Lourenço Marques e as minas da África do Sul,
e produtor de quantidades significativas de algodão e cajú. Neste contexto,
ý"aforamento de terras aos colonos foi, praticamente, excluído. Por outro lado, os
solos de certas zonas do distrito eram próprios para serem cultivados com charrua.
Utilizando os proventos do trabalho assalariado e das vendas, de produtos
agrícolas, nos meados da década de 50ý cerca de 1.300 famflias já possuíam
charruas, incrementando assim a sua produtividade agrícola e acumulação, e
alargando a área. das suas culturas. Constituiu-se, assim, um núcleo de
agricultores relativamente privilegiados em relação às restantes 17.000 famflias
do distrito.
Em 1955, o administrador do distrito iniciou a criação de várias cooperativas, para
controlar a jevolução deste núcleo e, em particular, equilibrar as suas aspirações
com a política colonial de reforçar o poder dos régulos. Cada membro da
cooperativa tinha de possuir uma área mínima cultivada de 3 hectares e pagar uma
jóia de entrada de 500 escudos e uma quota mensal de 300. Por um lado, através
da concessão de créditos especiais, vindos do Fundo de Algodão, para a compra
de alfaias, gados e máquinas, e de uma certa libertação na comercialização dos
seus produtos e dos outros agricultores, incrementou-se a possibilidade de
acumulação. Por outro lado, na direcção de cada cooperativa, foi
189
Capítulo 4
colocado um régulo que, habitualmente, era também um agricultor próspero [56].
Da mesma forma e em condições sócio-económicas semelhantes, durante a
década de 50, outras- coop.rativas foram criadas pela administração em Chibuto
(Gaza), Marracuene e Manhiça (Maputo). As cooperativas de Salamanga e
Santaca (Maputo) foram criadas para evitar uma desestruturação total da
sociedade camponesa, afectada pela emigração, reforçando, simultaneamente, as
relações tradicionais e os laços com a administração colonial. A Cooperativa dos
Pescadores do Govuro, baseado em Nova Mambone, foi criada, após as
perturbações de 1953, na Machanga (Sofala), para retomar o controle duma
situação social muito tensa [57].
O facto de que, para o regime colonial, o objectivo principal das cooperativas não
era beneficiar os agricultores prósperos, mas de os enquadrar, manifestou-se ainda
com mais clareza nos fins da década. Como disse o Governador-Geral, Gabriel
Teixeira:
"Pretendeu-se muito especialmente prevenir o surto de novas condições sociais
resultantes da expansão econ6mica dos agricultores em regime individual ... de
criar novas relações e hábitos de ordem e disciplina ... (e de) ... estimular a criação
de novos laços sociais que se harmonizem com a nossa política secular de
assimilação e sirvam para substituir os vínculos
tribais em vias de desaparecimento" [58].
As cooperativas foram consideradas, assim, 'obras de cooperação social' em
beneficio da estrutura s6cio-económica existente. Confirmando este facto, após
reclamações dos comerciantes asiáticos e portugueses estabelecidos no distrito,
em 1960, a administração de Zavala decidiu retirar, em grande parte, os
privilégios das cooperativas na comercialização, onde residiam as suas melhores
perspectivas de expansão [59].
Uma outra forma de cooperativização surgiu em relação à cultura de algodão, e,
particularmente, após a legislação de 1955, respeitante a essa cultura. Esta
legislação elaborou uma polftica para a promoção de cooperativas algodoeiras,
sob a tutela das companhias concessionárias, com o objectivo de fomentar a
cultura. voluntária e de reduzir, desta maneira, os custos de administração e
produção.
Dessas cooperativas, a de maior relevo foi a Sociedade Algodoeira
190
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
Africana Voluntária de Moçambique, mais conhecido pelo nome Liguilanilu
(Kimaconde: 'entre-ajuda'), formada em 1957, no planalto de Mueda, na província
de Cabo Delgado (capítulo seguinte).
NOTAS
1. Para as circunstâncias internacionais no fim da II Guerra Mundial, ver ponto
1.1
do capítulo 5.
2. AIM, FA, JEAC, 'Viagem ao norte da colónia, de 18 de Maio a 9 de Junho de
1945: II relatório', p. 14.
3. BO 45, 9.11.1946, p. 459: Decreto 35:844, 31.8.1946.
4. Adaptado de N.S. BraVo, A cultura algodoeira no norte de Moçambique,
Lisboa:
Junta de Investigações do Ultramar, 1963, pp. 81, 83, 192-193.
5. AHM, FA, 'Estudo das condições da comercialização dos algodões de
Moçambique', Anexo II, 'Produção média por hectare de algodão caroço da
província de Moçambique nas campanhas agrícolas de 194112 a 195819'; Bravo,
op. cit., p.
81.
6. Ibid., pp. 152-162, 184, 285.
7. AHM, FA, 'Estudo das condições da comercialização dos algodões de
Moçambique' (1959), Anexo III, 'Média das campanhas 1953/4 a 1958/9
inclusive...'.
8. Bravo, op.cit., pp. 81, 135-139.
9. Ver Capítulo 3.
10. AHM, Ordem do Niassa, 9, 30.9.1947, Ordem de Serviço 9/47, 30.9.1947, p.
82.
11. Repartição Central dos Negócios Indígenas, Compilação das ordens e
instruções
de carácter permpnente expedidas até 21 de Dezembro de 1952, em circulares,
oficiais, notas, despachos e pareceres, Lourenço Marques: Imprensa Nacional,
1953, pp. 185-189, Circular 2:875/B/15, 29.8.1947; Informação no. 42,
19.11.1947, 'Novo esclarecimento sobre o emprego de ociosos'.
12. Ver J. Capela, Escravatura: conceitos, empresa de saque, Lisboa:
Afrontamento,
II edição, 1978, pp. 18-19, citando o diário do Bispo da Beira, que considerava o
sistema de recrutamento uma moderna 'escravatura', em que se vendia e
comprava pretos.
13. AHM, FGG 721, L. Pinto da Fonseca, Relatório da Direcção dos Serviços dos
Negócios Indígenas e da Curadoria Geral, 1959, p. 19. 14. Ver no capítulo
seguinte.
15. AHM, FNI, Cx. 1149-1150, Direcção dos Serviços dos Negócios Indígenas,
Capítulo 4
'Salários e subsídios, 1958-1961'; P. Soares, Inquéritos sobre a revisão dos
salários, 1960-1961, AHM, ms. dactilografado, 1984.
16. Estatísticas de Comércio e de Navegação, 1945-61; Anuário Estatístico, 194561. 17. H. Galvão, Ronda da África, Porto: Editorial 'Jornal de Notícias', s.d., vol.
II,
pp. 483-484.
18. AHM, FGG 273, Relatório da Inspecção à Colónia de Moçambique pelo
Inspector Superior D. António de Almeida, 1947, pp. 92-93.
19. AHM, FA, JEAC, 'Reajustamento dos preços do algodão aos restantes
produtos
da cultura indígena de Moçambique', (Lisboa, Marco de 1951), pp.2a-3.
20. Citado em A. Manghezi, 'Interviews with Mozambican peasant women', em
H.
Johnson e H. Bernstein [coord.], Tlird world lives of struggle, Londres:
Heinemann/Open University, 1982, p. 165 [nossa tradução].
21. L. Vail e L. White, 'Tawani machambero!: forced cotton and rice growing on
the Zambezi', Journal ofAfrican History, vol. XIX (1978), pp. 255-256.
22. AHM, FTO, Entrevista com Albino Maheche orientada por Gerhard
Liesegang,
Maputo, 4.10.1981.
23. Citado em Eduardo Mondiane, Lutar por Moçambique, Lisboa: 1977, p. 90.
24. Ver, inter alia, Bravo, op. cit., pp. 225-229. 25. AHM, FA, A. M. Silva e
outros, 'Mogovolas: esboço de estudo da recuperação
dos solos e ordenamento agrícola', Lourenço Marques: mimeo, 1951, p.10. 26.
Ibid., p. 8.
27. E. F. de Almeida, Governo do Distrito de Moçambique, Relatório, Lisboa:
Agência Geral do Ultramar, 1957, vol. 1, p. 14.
28. Vail e White, Capitalism and coloniali'm in Mozanbique..., pp. 219,313,353,
359,376.
29. Ferreira de Almeida, op. cit., vol.1, p. 65; AHM FGG, António Lopes dos
Santos, Relatório do Governo do Distrito de Moçambique, 1959, p. 33.
30. Ver, por exemplo, AHM, FGG 273, António de Almeida, Relatório da
Inspecção
Superior Administrativa à Colónia de Moçambique, 1947.
31. Ver, por exemplo, M. Legassick e F. de Clerq, 'Capitalism and migrant labour
in southern Africa: the origins and nature of the system', Universidade de
Londres, Institute of Commonwealth Studies, mimeo, 1978, pp. 7-10; D.G.
Clarke, Contract workers and underdevelopment in Rhodesia, Gwelo: Mambo
presi, 1974, pp. 14-18; D. O'Meara. 'The 1946 African mineworkers strike and the
political economy of South Africa', Journal of Commonwealth and
Comparative Politics, 13 (2) 1975, pp. 150-151, 157-162.
32. UEM/CEA, O mineiro moçambicano, Maputo, mimeo, 1979, pp. 31-34;
AHM,
FNI, Cx. 132, Repartição Central dos Negócios Indígenas, Elementos para o
relatório de S.Exa o Governador Geral de Moçambique relativo aos anos de 1947,
1948 e 1949, Anexo, Acordo Suplementar ao Acordo de 30 de Junho de 1934,
sobre o recrutamento de trabalhadores indígenas no distrito de Tete, para
serem empregados na colónia da Rodésia do Sul, 13.11.1947.
192
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
33. Legassick e de Clerq, op. cit., p. 15; A. Rita Ferreira, 'Trabalho migratório de
Moçambique para a Rodésia do Sul,' História (Lisboa), 80, Junho, 1985, pp.
45-46; i.das Neves, 'O trabalho migratório de Moçambicanos para a Rodésia do
Sul, 1913-1958/60', Trabalho de Diploma para a obtenção do grau de
Licenciatura, Instituto Superior Pedagógico, Maputo, 1990, esp. pp. 33-44; sobre
a reestruturação da economia rodesiana neste período, ver I. Phimister, An
economic and social history ofZimbabwe, 1890-1948: capital accumulation and
class struggle, Londres: Longman,1988, cap. 5; H. Dunlop, The development of
european agriculture in Rhodesia, 1945-1965, Salisbúria: University of Rhodesia,
1971 [Department of Economics Occasional Paper, nU 5].
34. E.A. Alpers, "'To seek a better life": the implications of migrations from
Mozambique to Tanganyika for class formation and political behaviour',
Canadian Journal ofAfrican Studies, 18 (2) 1984, pp. 375, 377-379; B. Egero,
Colonisation and migration. A summary of border crossing movements in
Tanzania before 1967, Uppsala: Scandinavian Institute of African Studies, 1979,
[Research report no. 52], pp. 31-37; J. Dias, 'Missão de estudos das minorias
étnicas do ultramar portugues. Relatório da campanha de 1959', Lisboa: Junta
de Investigações do Ultramar, 1960, pp. 22-23. 35. Citado em Alpers, op.cit., p.
368.
36. Censo da população indígena da colónia de Moçambique, em 1930, Lourenço
Marques: Imprensa Nacional, 1932; Censo da população não-indígena em 2 de
Maio de 1935, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1936; Censo da população
em 1940, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1942-1945; Recenseamento
geral da população em 1950, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1953-1955;
111 Recenseamento geral da população na província de Moçambique, Lourenço
Marques: Imprensa Nacional, 1969. A taxa de crescimento anual da população
total nas décadas 1930-40,1940-50, e 1950-60 foi 3,1%, 1,2% e 1,5%
respectivamente. Para a população colona foi 5,4%,
7,6% e 10,2%.
37. Estatísticas Industriais, 1947-1961.
38. Economia de Moçambique (Lourenço Marques), vol. II, no. 11, Novembro de
1965.
39. Estatísticas Industrais, 1956, 1961. 40. Estimativa baseada em:
Recenseamento geral da população, 1950, 1950, 1960;
A. Rita Ferreira, 'O emprego assalariado em Moçambique', Indústria de
Moçambique, vol. 3, no. 8, Agosto 1970, p. 282; A. Castro, O sistema colonial
português em África, Lisboa: Editorial Caminho, 1980, p.283. Deve-se realçar
o carácter provisória desta estimativa.
41. BO 32, 7.8.1948, p. 491, Despacho de G. Teixeira, 21.7.1948; SNECI,
Relatório do Conselho Geral, 1948, Lourenço Marques: Empresa Moderna, 1949,
p. 9; BO 6, 11.2.1950, pp. 65-66, Portaria 8250, 11.2.1950; M. Cahen,
'Corporatisme et colonialisme. Approche du cas mozambicain, 1933-1979, 1.
193
Une genèse difficile, un mouvement squelettique', Cahiers d'Études africaines, 92,
XXIII-4, 1983, pp. 383-417, esp. pp. 398-401; [ver capítulo 3, nota 18]. As
profissões abrangidas por SNECI foram as seguintes: guarda-livros, caixa,
empregado de escritório de qualquer categoria, caixeiro de balcao, de praça, de
armazem, ou viajante, químico, farmacêutico, ajutante ou praticante de farmácia,
e de uma forma geral, todos os indivíduos empregados em qualquer empresa
privada da natureza atrás indicada que recebam pelo seu trabalho uma
remuneração mensal. Ver BO 35, 28.8.1943, Portaria 10.420, de 22.6.1943.
42. BO 38, 23.9.1948, pp. 507-513, Despachos de G. Teixeira, 23.9.1948; SNECI,
Relatório do Conselho Geral, 1948, p.9.
43. Boletim do SNECI, 6 (1955), p 51, passim; ver, também, SNECI, Relatório e
Contas, 1953, Lourenço Marques, 1953, p. 12-13
44. Boletim do SNECI, 11 (1956)ý pp. 11-17; BO 18, Suplemento, 7.5.1956, esp.
pp.
431-434.
45. Anuário Estatístico, 1949-1961
46. A B. Herrick (coord.), Area handbook for Mozambique, Washington, D.C.:
United States Government Printer, 1969, p. 267.
47. Sobre esta matéria, ver, por exemplo, S. de Resende, Colonização portuguesa.
Sentido, objecto, factores, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1946, pp.
44-45; S. de Resende, Ordem anti-comunista, Lourenço Marques: Imprensa.
Nacional, 1950, pp. 149-152.
48. 'Ver, por exemplo, J. Paul, Mozambique: memoirs of a revolution,
Harmondsworth: Penguin, 1985, p. 29; AHM, FNI, Cx. 700, Governo-Geral ao
Ministério do Ultramar, 14.11.1953, incluindo declarações do Bispo anglicano ao
Church
I7mes, -8.5.1953.
49. S.R. I,II, passim.
50. Para confirmação dessa análise, ver, por exemplo, C. de Castro Coelho, As
reformas de 6 de Setembro de 1961 e a sua incidência em Moçambique,
Dissertação de Licenciatura, ISCSPU/Universidade Técnica de Lisboa,' 1964,
p.28; AHM, ISANI, Cx. 26, A. P. de Sousa Santos, Inspecção ordinária à
eircunsrição de Guijá (Sede, e posto de Massingir) do período de Agosto de 1942
a Janeiro de 1957, pp. 26, 37-38. Fontes para Quadros 19-22: Anuário
Estatístico de Moçambique, 1945-1961.
51. A. da Silva Rego, 'Considerações sobre o ensino missionário', Ultramar, vol.5,
no.18, 1964, p. 22.
52. Sobre esta matéria, ver, por exemplo, BA, 27.6.1959, J. Roldão, 'Carta
Aberta';
Castro Coelho, op.cit., pp.17-19; AHM, FGG 721, L.M. Pinto da Fonseca,
Relatório da Direcção dos Serviços dos Negócios Indígenas e da Curadoria Geral,
7.6.1958 a 31.12.1959, Anexo XVIII; AHM, FGG 722, idem, Relatório
da Aplicação do Estatuto dos Indígenas Portugueses (1955-1959, passim.
53. B. B. João, 'Abdul Kamal (1892-1966) et l'histoire du Chiuré au XIXe e XX
siècles', Mémoire d'Histoire et d'Anthropologie, Paris, Diplome de I'EHESS,
Capítio 4
194
A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961
1989, pp. 65-67,70-77,97-98; ver também, E. Medeiros, 'A chefatura dos Megama
do Chiuré: contexto económico e político da sua instalação', Cadernos de História,
4(1986), pp. 21-27; os autores agradecem a Eduardo Medeiros para
informações sobre Megama e os regulados. 54. Ver Capítulo 3, ponto 4.5.
55. Estatuto do agricultor indígena, aprovado pelo diploma legislativo no. 919, de
5 de Agosto de 1944, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1944, p.4.
56. Y. Adam, 'Cooperativização agrícola e modificação das relações de produção
no
período colonial em Moçambique', Trabalho de Diploma, Licenciatura em
Hist6ria, Universidade Eduardo Mondiane, 1986, pp. 79-96; AHM, Secção
Especial, L.L. Santos, A cooperação social ao sul do Save, Lourenço Marques:
Serviço de Acção Psicossocial, 1962, pp. 9-17.
57. M. Cahen, 'Corporatisme et colonialisme. Approche du cas mozambicain,
1933-1979, 11. Crise et survivancedu corporatisme colonial, 1960-1979', Cahiers
d'Études africaines, 93, XXIV-1, 1984, p. 6; sobre o motim de Machanga, ver
Capítulo 5, ponto 3.
58. Relatório da Administração da circunscrição de Zavala sobre as cooperativas
da
sua área, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1958, pp.10-11.
59. AfIM, Secção Especial, Santos, op. cit. p. 38; Adam, op. cit., pp. 102-103.
Capítulo 4
F
x-4F
ira 1932
/ hG R EV ES. CONTESTAÇOES
/Machanga
.195 3
E PROTESTOS
1930-1960
SINAIS
AProtestos,etc. relacion-ids com o culti-vo forçado de algodão a195
FFugas para território;
1958
vizinhoi.
tManj cazePF
GGreves
..1951)
G PProtestos cortra o reXinavane 1943,1954
gime
colonía',trabalho
S G1
forçado, abusos, etc.
_ G Lourenço Marques 1933,1947 GobaL195410
1949
M"-- 4: Greves, contestações e protestos, 1930-1960.
196
Capítulo 5:
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
1. Introdução
Como vimos nos capítulos anteriores, uma das bases fundamentais da crescente
exploração que Portugal quis implantar em Moçambique, ap6s 1930, era a
repressão política fascista, que impediu o desenvolvimento de organizações anticoloniais. Com a divisão racial do movimento associativo como, por exemplo, na
criação, em 1932, do Instituto Negrófilo, apoiado pelo Governo colonial e alguns
grandes capitalistas, procurava-se enquadrar, em moldes aceitáveis pelo
colonialismo, as aspirações da elite moçambicana. Procurava-se, sobretudo,
impedir que surgisse uma plataforma anti-colonial comum, entre membros da
pequena burguesia moçambicana de diferentes origens sociais e raciais.
Embora houvesse uma pequena abertura para a expressão política anti-fascista
logo após a II Gurra Mundial, a repressão da actividade política moçambicana
tomou novas formas, neste período.
Apesar do rigor da repressão, a intensificação da exploração rural e das barreiras
raciais no trabalho, a crescente divisão e alienação das terras em beneficio dos
colonos e a discriminação religiosa [1] não podiam deixar de inspirar oposição da
parte do povo moçambicano. A contestação anti-colonial continuou a manifestarse sob várias formas. Surgiram, por exemplo, greves, motins e outras formas de
protesto da parte dos camponeses e trabalhadores.
Capítulo 5
198
Embora muito reduzido em termos absolutos, o número de estuaantes
moçambicanos que conseguiram fazer ensino secundário, dentro ou fora do país,
cresceu gradualmente, formando um núcleo que começou a questionar a
assimilação política e cultural da elite moçambicana nas estruturas coloniais (as
associações) e o seu carácter racista. Além disso, com a proibição da expressão
aberta de opiniões políticas, a actividade cultural veio a ser um veículo importante
de oposição à situação colonial.
No fim da década de 50, incentivada pela crescente repressão interna e pelo
avanço da luta anti-colonial no contexto regional e continental, a reclamação pelo
fim do domínio colonial, e a sua substituição por um estado independente ganhou
uma nova dinnsão.
Por seu turno, não obstante algumas mudanças na organização da economia, o
regime oólonial respondeu com uma repressão mais feroz à exigência das mais
elementares reformas políticas, como se verificou, por exemplo, no massacre de
Mueda em 1960. Perante a intransigência do regime colonial, formaram-se, fora
do país, os movimentos que, na fase posterior, se juntariam, fundando a Frelimo.
2. O reforço do colonialismo na África após a II Guerra Mundial
No fim da II Guerra Mundial, em 1945, o clima mundial altera-se, temporariamente, relativamente às lutas anti-coloniais. A guerra dos aliados, URSS,
EUA e Grã-Bretanha (e os seus domínios) contra o fascismo tinha, como
objectivo principal, o derrube do fascismo alemão, italiano e japonês. Apesar de
existir, entre os aliados, grandes divergências de estruturas económica e
ideológica, em termos gerais, lutaram para o estabelecimento da liberdade e
democracia. No pós-guerra, torna-se evidente a desarmonia entre este objectivo e
a prática de dominação colonial, que se aproximava do fascismo, no sentido em
que negava a liberdade e democracia aos povos subjugados. Tal opressão veio a
ser posta em causa, em tempo de paz, no período da reconstrução da economia
mundial e das relações internacionais.
A URSS, que tinha a posição anti-colonial mais firme, viu a sua influência
internacional consideravelmente incrementada, devido ao seu papel preponderante
na aliança contra fascismo. O alargamento de apoio popular na Europa para a
causa socialista, como se evidenciou, por
A Contestaçao da Situação Colonial, 1945-1961
a
exemplo, nas tentativas, embora reprimidas, de revolução na Itália, Grécia e
França, reforçou essa posição. Mesmo na Grã-Bretanha, a vitória eleitoral e o
acesso ao poder do Partido Trabalhista em 1945, significou que, face à longa luta
nacionalista, nas suas colónias asiáticas, o Governo britânico adoptasse uma
política de descolonização. Os Estados Unidos adoptaram uma política de portas
abertas à penetração capitalista nas colónias dos países europeus [2].
Foi neste ambiente, em que as contradições estruturais e políticas entre as grandes
potências vitoriosas estavam temporariamente relegadas para o segundo plano,
que se criou, em 1945, a Organização das Nações Unidas [ONU]. Uma das
principais declarações desta organização obrigava os países colonizadores a
preparar os povos colonizados para a independência, o que abriu novas
perspectivas para a descolonização a nível mundial.
Outros desenvolvimentos reforçaram, parcialmente, essa tendência. Em Outubro
de 1945, o V Congresso Pan-Africano, que teve lugar em Manchester (GrãBretanha), reivindicava, no seu manifesto final, a independência imediata e
completa para todas as colónias. Em 1947, a índia, Paquistão, e Birmânia e, em
1948, Ceilão (hoje Sri Lanka) conquistaram, de facto, as suas independências à
Grã-Bretanha, mostrando que o colonialismo não era, necessariamente, invencível
nem seguro.
Mesmo em Portugal, o regime salazarista foi, no fim da II Guerra Mundial,
inicialmente, posto na defensiva. Isto foi devido, em primeiro lugar, à série de
greves em Lisboa e zonas circunvizinhas, entre Novembro de 1942 e Maio de
1944, e ao apoio popular português, evidente nas manifestações pró-democracia,
no fim da guerra, a vitória anti-fascista dos aliados. Em segundo lugar, a GrãBretanha e os EUA pressionaram, aparentemente, o regime português a fazer
reformas. Este declarou eleições 'livres'; a censura foi aliviada, e milhares de
pessoas aderiram ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) e ao
MUDJuvenil, que integravam liberais, socialistas e comunistas [3].
Aparentemente sob as mesmas pressões internacionais, o Ministro português das
colónias começou a discursar sobre a necessidade de acabar com todas as formas
de trabalho forçado, provocando pânico entre os proprietários das plantações em
Moçambique, que tiravam grandes lucros dessa forma de trabalho [4]. No entanto,
as palavras foram mais
ameaçadoras que as acções, e o regime colonial em Moçambique começou a
desenvolver meios mais sofisticados e camuflados de controle laboral (capítulo
4).
As mudanças em Portugal eram, de facto, bastante superficiais e bem calculadas.
A abertura foi suficiente, porém, para o regime recolher os nomes de centenas de
aderentes e activistas da oposição, que vieram a ser vítimas de uma onda de
repressão instigada pelo Governo, através do reforço da polícia secreta (PIDE), e
da legalização de detenções até 180 dias sem julgamento [5].
Além disso, a partir de 1946, a situação internacional mudou radicalmente, no
sentido de travar o processo de descolonização, particularmente em África. Para a
burguesia ocidental, a crescente influência da URSS, concretizada nos estados da
Europa oriental (Bulgária, Checoslováquia, Húngria, Polónia, Roménia, e a
República Democrática Alemã), representava um catalisador da revolução social,
já em progresso na China, nas várias colónias asiáticas e no médio-oriente. De
facto, as relações amigáveis entre a URSS e os EUA, que se tinham desenvolvido
durante a luta contra o fascismo, pouco sobreviveram após a II Guerra Mundial.
Foram gradualmente substituídas por um ambiente de desconfiança mútua,
baseada no desequilíbrio económico e militar entre as duas potências mundiais, e
que culminou na divisão da cena internacional em dois campos principais e na
corrida dos armamentos [6].
Como potência colonizadora na Africa, e detentor das ilhas estratégicas dos
Açores no Atlântico, Portugal veio a ser incluído como membro integral do bloco
ocidental, não obstante o seu governo fascista e sua neutralidade durante a II
Guerra Mundial. Passou a receber benefícios sob o Plano Marshall, que canalizou
ajuda americana em prol da reconstrução da economia europeia ocidental, e, em
1949, tornou-se membro fundador da Organização do Tratado do Atlântico do
Norte (OTAN). Com efeito, os direitos políticos do povo português, e a reforma
do sistema colonial português, constituíam uma prioridade já muito secundária
para o Ocidente.
Aproveitando a nova situação, o regime promulgou outras medidas que
reforçaram a segurança do Estado fascista [7].
O âmbito regional na África Austral Na África Austral, a crise económica pósGuerra foi acompanhada por
Capttulo 5
200
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
uma crise s6cio-política, em torno do desemprego de trabalhadores brancos, e da
crescente militância dos trabalhadores negros, que se manifestou, especialmente,
na greve dos ferroviários da Rodésia do Sul, em 1945, e na grande greve dos
mineiros na África do Sul, em 1946 [8].
Na África do Sul, a indecisão do Governo, face às reclamações ostensivamente
irreconciliáveis, resolveu-se quando, nas eleições de 1948, o eleitorado branco
votou a favor do Partido Nacionalista, determinado na implementação do
apartheid, que significava a extensão e intensificação da segregação racial
existente, e assim, a repressão total das reclamações dos negros [9].
No mesmo ano, devido, em parte, às reivindicações dos trabalhadores brancos, o'
regime colonial, em Moçambique, decidiu alargar, significativamente, as barreiras
raciais contra os negros nos empregos a favor dos brancos imigrantes, tendo já
encontrado meios para dissimular a continuação e a intensificação do trabalho
forçado dos negros. Na
30. Entendimento regional: encontro dos Governadores-Gerais de Moçambique e
da Federação das Rodésias e Niassaltândia, Lourenço Marques, 1954.
Capítulo .5
mesma altura, verificou-se mais uma intensificação do controle sobre os
trabalhadores negros, nas cidades de Lourenço Marques e Beira.
3. As associações e o movimento juvenil em Moçambique, 1945-1955
Contudo, o conjunto dos acontecimentos internacionais decorrentes do final da II
Guerra e a transmissão por rádio das informações e debates que os provocaram
não podiam deixar de encorajár oponentes do regime em Moçambique. '
Pouco depois da Guerra, formou-se, em Moçambique, um movimento
complementar ao MUD-Juvenil português, o Movimento dos Jovens Democratas
Moçambicanos [MJDM], cujo objectivo era fazer uma intensa propaganda contra
o Estado Novo, através da distribuição de panfletos de propaganda política
clandestina. A liderança do MJDM era constituída por Sobral de Campos (antigo
consultor jurídico da Confederação Geral de Trabalho e de outros organismos
operários portugueses, radicado em Moçambique), Sofia Pomba Guerra, e Raposo
Beirão (advogado). João Mendes, Ricardo Rangel (fotógrafo) e Noémia de Sousa
(poetisa) faziam também parte do movimentoque pretendeu:
"combater as grandes injustiças sociais de que estavam a ser vítimas os
trabalhadores por parte dos patrões ..(e)... promover a unidadede todos os
africanos..." [10].
No entanto, vigiado pela polícia e limitado pelas divisões raciais impostas ao
movimento associativo, o MDJM não podia ter um impacto fora do seu núcleo
fundador. Em 1948-1949, o regime reprimiu o Movimento, através de processos
de julgamento dos seus líderes [11].
Foi neste ambiente, de perspectivas que foram encorajadas inicialmente pela luta
anti-fascista e anti-colonial internacional e, depois, confrontadas pela retomada
rigidez do colonialismo na África Austral, que funcionaram as Associações mais
velhas. O Centro Associativo dos Negros de Lourenço Marques, as Associações
Africanas de Lourenço Marques e de Quelimane e o Núcleo Negrófilo de Manica
e Sofala constituíram parte do aparelho legal através do qual o regime colonial
pretendeu enquadrar as aspirações culturais e políticas da pequena burguesia, dos
vários grupos raciais (capítulos 2 e 3).
202
A Contestaçõo da Situaçdo Colonial, 1945-1961
Se bem que o papel'destas associações, tuteladas pelo Director dos Ser-ýços dos
Negócios Indígenas, fosse limitado, em geral, à apresentação de petições e
queixas eventuàis, não podiam ficar inteiramente isoladas das mudanças sóciopolíticas do período, quer dentro de Moçambique quer fora. No entanto,
acontecimentos dos fins da década de 40 e inícios de 50, mostraram que novas
iniciativas em defesa dos negros através das associações legais iam encontrar a
repressão, com um grau variante de subtileza, pelo regime colonial.
Em inícios de 1949, formou-se em Lourenço Marques, com cerca de vinte
membros, o Núcleo dos Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM), que
funcionava dentro do Centro Associativo dos Negros (CAN), o novo nome do
Instituto Negrófilo [12].
Esta organização pretendeu representar os poucos estudantes que conseguiram
matricular-se nas escolas secundárias da colónia, ou que obtiveram a sua
formação na África do Sul. ó objectivo do Núcleo era fomentar unidade e
camaradagem entre os jovens africanos, através do desenvolvimento da sua
capacidade intelectual, espiritual e física, para melhor servir a sua comunidade.
Eduardo Mondiane, o seu fundador principal, nascido em 1920, era, no final da
década de 40, um estudante com certa maturidade e experiência organizativa.
Escolhido como catequista e organizador de grupos da juventude (mintlawa) na
Missão Suiça, nos finais da década de 30, viu a sua educação bloqueada.pela
legislação discriminatória colonial. Depois de ter frequentado a escola secundária
Lemana da Missão Suiça, no norte do Transval, entre 1944 e 1947, passou,
brevemente, por uma escola de trabalho social em Joanesburgo, em 1948,
regressando a Moçambique no fim do mesmo ano. Em Fevereiro de 1949, foi lhe
concedida uma bolsa do Conselho Cristão de Moçambique para estudar Ciências
Sociais, que levou MondIane a matricular-se na prestigiosa Universidade de
Witwatersrand. Contudo, em Agosto do mesmo ano, foi informado da sua
expulsão do país pelo novo Governo sul-africano, em cumprimento das novas
medidas discriminatórias [13].
Mondlane era influenciado não só pelas condições discriminatórias de educação e
religião em Moçambique, que eram mesmo piores do que na África do Sul, como
também pela radicalização do ANC sul-africano, nesses anos, sob o impulso da
sua Liga da Juventude, em que foi envolvido. Mondlane teve, também, contactos
regulares com mineiros
203
Capítulo 5
204
31. Eduardo Mondiane,
em 1949, ano do seu
regresso da Africa do Sul,
e da fundaç4o do NESAM
moçambicanos, nos compounds das minas do Witwatersrand, na sua capacidade
de assistente missionário [14].
A primeira fase da existência do NESAM, embora dinamizada pela experiência e
pelos ideais de Eduardo Mondíane, durou pouco tempo. Para as autoridades
coloniais o NESAM era "uma organização nacionalista embrionária" [15], e a
polícia tentou eliminar o conteúdo político dos seus objectivos. Como Mondlane
relatou:
"Logo desde o início, a polícia vigiou de perto o movimento. Eu própcio, .como
era um dos estudantes vindos da África do Sul que tinham fundado o NESAM, fui
preso e longamente interrogado acerca das nossas actividades
em 1949" [16].
A Contestaçdo da Situação Colonial, 1945-1961
A polícia, nos seus interrogatórios, quis colher informações sobre possíveis
contactos entre NESAM e os já eminentes nacionalistas da África ocidental,
Kwame Nkrumah (Gana) e Namdi Azikiwe (Nigeria).
Foi, de facto, nesta altura que, para melhor impedir a 'subversão' política, o
Governo colonial tornou extensiva a Moçambique a legislação repressiva
portuguesa de 1949. Entre outras medidas, estabeleceu o Conselho de Segurança
Pública sob controle do Governador-Geral, e regras específicas e rigorosas de
vigilância para infractores [17].
Posto em liberdade, Mondlane foi então chamado à Direcção da Administração
Civil, onde lhe foi proposto um plano para a colaboração do NESAM com o
governo e oferecida uma bolsa para ele estudar em Lisboa. Mondlane recusa. No
entanto, pouco depois, opta por aceitar estudar em Lisboa, mas com uma bolsa
oferecida por uma fundação privada [18].
A partir desta altura e até à segunda metade da década, parece que o NESAM, que
era constituído, principalmente, pelos filhos das famílias membros do Centro, se
restringiu a actividades sõcio-culturais da pequena camada estudantil negra,
deixando de ser um movimento abertamente político [19].
As limitações impostas sobre as associações legais eram também evidentes no
caso do Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala e do motim de Machanga em 1953.
Nos anos anteriores, o Núcleo havia conquistado uma certa reputação entre os
habitantes de Machanga como porta-voz das suas queixas, particularmente as que
referiam à questão das terras, junto das autoridades coloniais.
Com efeito, alguns dos régulos da zona começaram a sentir-se ultrapassados e a
sua autoridade diminuída pela prática de reclamar junto do Governo através do
Núcleo, cujo prestígio se viu, assim, aumentado. Além disso, o Núcleo estava
associado desde a sua criação com uma Igreja protestante independente, a Igreja
Evangélica, bem implantada em Machanga [ver cap. 2]. Apesar das actividades
religiosas dentro do Núcleo terem sido proibidas em 1944, a Igreja continuou a
funcionar[20].
Fazendo fé a testemunhos orais, pode-se asseverar que, entre 1949 e 1952, as
queixas do povo diziam respeito à corrupção e prepotência do chefe de posto em
Machanga. Além de ter recrutado compulsivamente trabalhadores migrantes que
estavam ainda no seu período de descanso,
205
e ter espancado camponesas por não terem ido às machambas todos os dias, este
oficial esteve também envolvido na caça ilegal ao elefante, no comércio ilegal de
marfim bem como no desvio, em proveito pessoal, de produtos doados, destinados
a aliviar a situação das populações afectadas pela fome [21].
Os acontecimentos no posto de Machanga quando 3 delegados do Núcleo alf se
dirigiram para se inteirarem das queixas são revelados na testemunha seguinte:
"Chegam os delegados do Centro (i.e. Núcleo), houve cerimónias no estado,
recepções, porque o Centro tinha os estatutos aprovados e era uma associação
política. O chefe de posto prendeu-os, acusando-os de o terem denunciado. Nem
deixava a família visitá-los. Os delegados que ficaram juntaram-se aos de
Mambone e foram perguntar porque e que eles estavam presos e incomunicáveis.
Se fosse lá uma só pessoa era presa. Por isso reunimos muita gente, de Mambone
e da Machanga. O posto ficou cercado de gente. Sim, senhor era realmente muita
gente. Ele, quando saiu da residência viu o mar de gente e disse: "O que se passa?
O cabo, pergunte o quer esta gente toda". Dissemos: "Nós precisamos de saber
por que é que aquela gente foi presa e por que é que não se lhes dá comida,
porque estio incomunicáveis'. O chefe de posto, perante isto, teve medo e mandou
abrir as portas do calabouço, soltando aquela gente. Eles foram então recebidos
em ombros pelas pessoas, com aplausos e gritos, apitos e assobios" [221.
Contudo, o regime, depois de conseguir identificar a grande parte dos
participantes, ptendeu-os, junto com membros da Direcção do Núcleo, durante as
averiguações que se seguiram.
É claro que as actividades do Núcleo, e particularmente o facto de que gozava de
maior reputação na população de Machanga do que os régulos ou mesmo
funcionários coloniais, constituíam uma ameaça contra a autoridade e prestígio do
regime colonial. O Núcleo tinha ultrapassado os limites da tolerância do regime
pelo facto de ter auscultado as queixas não só dos seus sócios como também da
população em geral, e pelo facto de ter prosseguido com a propagação da Igreja
Evangélica em Machanga e Beira, e concedido hospitalidade a outras igrejas
protestantes independentes. É de salientar que o Núcleo tinha aliciado o poderoso
chefe Chiteve, pois, segundo as palavras do inquérito oficial, ia " ...
subrepticiamente destruindo o poder das autoridades legalmente constituídas"
[23].
Capítilo 5
206
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
<2. M.M. Sicobele,
tradutor da Bíblia para
Xitsua e co-fundador da
Igreja Luz Episcopal em
1918; na década de
1950, como outros dirigentes de Igrejas independentes, foi ainda
considerado subversivo
pelas autoridades.
Apesar da extensão geográfica e politicamente limitada da sua acção, Chovane
Simango e os seus co-dirigentes mostraram menos cautela e prudência que o
governo colonial exigia para o funcionamento do seu sistema de enquadramento
associativo. O governo reagiu por encerrando definitivamente o Núcleo Negrófilo
de Manica e Sofala [24]
Não obstante a repressão de actividades abertamente políticas nas associações, a
consciência anti-colonial entre os jovens e outros cresceu acentuadamente, na
década de 50. Isto deveu-se a vários factores. Embora a grande maioria dos jovens
não conseguisse, na melhor das hip6teses, mais do que a 33 ou 4a classes, o
número de lugares, em sectores específicos, aumentou gradualmente, o que
estimulou a frequência nas aulas dos cursos nocturnos.
É assim que o jovem Samora Machel, que vira a sua educação escolar bloqueada,
recusa entrar para o seminário católico e entra, como outros, no curso de
enfermagem, uma das poucas profissões abertas aos jovens negros que, de algum
modo, estimulava-a sua vontade para
207
Capíndo 5
208
estudar. Mas, de facto, este processo levou-os à experiência e análise da
discriminação colonial, tão nítida na organização dos serviços de saúde.
Com efeito, o avanço dos projectos coloniais para a fixação de colonos, a
intensificação das barreiras raciais, para acomodar os interesses dos trabalhadores
brancos enquadrados nos sindicatos fascistas, aliados às informações postas a
circular nos meios de comunicação internacionais sobre o progresso da luta
popular no Gana, Egipto e Quénia, não podiam deixar de suscitar uma crítica cada
vez mais aguda ao colonialismo português, em Moçambique, no decorrer da
década de 50 [25].
Entretanto, os poucos estudantes que conseguiram beneficiar da política colonial
de educação, e que sairam para formação nos níveis secundário e universitário,
continuaram a actividade política anti-colonial. Num primeiro passo, em 1947,
Marcelino dos Santos foi para Lisboa, seguido por Noémia de Sousa e Mondiane,
em 1950. Na capital portuguesa, existia a Casa dos Estudantes do Império, uma
associação legalizada, cujo objectivo era enquadrar as actividades sociais dos
jovens 'assimilados' das colónias, e desenvolver o sentimento patriótico como
'lusitanos' entre a elite dos estudantes das colónias. No entanto, permitiu o que era
impedido pela divisão das associações, nas colónias, nomeadamente, a
confraternização entre estudantes de várias origens sócio-culturais.
Nos finais da década de 40, estudantes africanos em Lisboa, como outros em Paris
e Londres, começaram a questionar a sua assimilação aos valores culturais do
colonizador. Através de eventos culturais, palestras e, sobretudo, a sua própria
produção escrita, começaram a reflectir sobre a cultura africana, opondo-se à
política do regime para com as elites africanas, na área de educação.
Como as discussões avançaram para além das reflexões sobre a importância da
cultura africana, e se encaminharam para a análise da luta pela independência em
lugar da antiga reivindicação de direitos civis dentro do império português, em
Outubro de 1951, os estudantes africanos formaram, fora do âmbito da Casa dos
Estudantes do Império, o Centro de Estudos Africanos. Este consistia, de facto,
num grupo de pessoas que se reunia, semanal e clandestinamente, para a análise
do colonialismo e da situação africana, em geral. Agostinho Neto, Amflcar Cabral
(posteriormente lideres do MPLA e PAIGC, respectivamente),
A Contesta ço da Si~uuçdo Colnial, 1945-1961
Marcelino dos Santos, Noémia de Sousa e Mário de Andrade (um dos fundadores
do MPLA) eram os principais participantes. Com objectivos evidentemente
diferentes dos do regime, o Centro não podia deixar de interessar a polícia de
seguranca, PIDE [26].
Com efeito, no auge do fascismo, Portugal era um país pouco propício para
estudos avançados, particularmente nas ciências sociais, ou para uma actividade
política aberta. MondIane, por exemplo, foi sujeito a perseguições pelas
autoridades, devido à sua descrição e análise da política colonial portuguesa, em
encontros com universitários e liberais. Partiu para os Estados Unidos em 1951,
onde se doutorou em 1957 [271. No início de 1952, Marcelino dos Santos fugiu
de Portugal para continuar os seus estudos em Paris [28]. Ao nível interno, só com
o crescimento gradual do número de estudantes secundários, na segunda metade
da década de 50, se agudizou novamente a contradição entre a tendência
nacionalista no NESAM e os fiéis do regime na direcção do CAN.
4. A luta dos camponeses e trabalhadores
4.10 contexto da luta
A luta dos camponeses e trabalhadores moçambicanos foi determinada, em parte,
pela repressiva estrutura política e económica do colonialismo português. Para
além de ser definido como a força de trabalho para o capital, foram vedados ao
povo moçambicano direitos políticos efectivos. De facto, devemos sublinhar que
o objectivo principal da administração colonial era manter, de uma forma
permanente, e para seu proveito económico, a submissão das populações dos
territórios ocupadas.
O aparelho repressivo integrava vários elementos, que passamos a rever. Nas
zonas rurais, o administrador distrital, os sipaios e os régulos, aliados aos agentes
do algodão e do arroz e seus capatazes, e os recrutadores das plantações e trabalho
migratório, tiveram um papel fundamental na divisão de trabalho colonial:
nomeadamente, a quantificação e identificação da força de trabalho (através dos
recenseamentos), e a sua distribuição entre as várias exigências da economia
colonial. O uso da violência contra a população era parte integrante desse papel.
Se bem que, como resultado do desenvolvimento económico após
209
Capítulo 5
1945, houvesse um crescimento significativo do número de assalariados negros,
particularmente nas cidades de Lourenço Marques e Beira [29], estes
trabalhadores continuaram a ser sujeitos ao mais rigoroso controle. As formas
mais importantes eram as leis de passe e residência, que limitaram a mobilidade
do trabalhador e o seu poder de escolha de trabalho, e a vigilância apertada da
polícia.
Por detrás deste controle, havia sempre a possibilidade de violência corporal, de
incorporação nas brigadas de trabalho forçado, e de desterro para outras
províncias ou São Tomé. Enquanto a palmatória fosse principalmente aplicada
aos serventes domésticos, e as brigadas de chibalo normalmente constituídas por
recém-chegados e trabalhadores braçais, todas estas sanções eram parte
fundamental do aparelho de repressão estatal. Aliado à rede de informadores, à
prática de rusgas noturnas nos bairros, e à arbitrariedade das punições, criaram o
ámbiente de receio e inseguranca, em que vivia a grande parte da população negra
nas cidades [30].
Nos lugares de trabalho, a resistência dos camponeses e trabalhadores enfrentava
outros constrangimentos. Nas zonas rurais era, principalmente, a constante
ameaça de ser recrutado, compulsivamente, para trabalho nas plantações e nos
outros empreendimentos. Nestes, figuravam:
- o carácter sazonal do trabalho e a divisão dos trabalhadores na base
étnica;
- o alto grau de mobilidade das brigadas de trabalho e o controle
rigoroso do processo de trabalho pelos capatazes;
- a coligação entre proprietários e administradores distritais, que
impuseram sentenças pesadas para violações da disciplina laboral.
Nos portos e caminhos de ferro, onde se tratava dos voluntários, era a constante
ameaça de ser substituído por trabalhadores forçados fornecidos pelas autoridades
administrativas.
Não obstante todo este aparelho repressivo, os camponeses e trabalhadores
resistiram de várias maneiras contra a exploração colonial.
4.2 Resistência contra as culturas forçadas. A resistência contra as culturas
forçadas e, particularmente, contra o empobrecimento provocado pela
intensificação destas, manifestou-se em
210
A Contestaçdo da Situaçdo Colonial, 1945-1961
vários pontos do país.
Por exemplo, no começo da campanha do algodão, em 1947, no Bdzi, centenas de
mulheres recusaram-se a aceitar as sementes de algodão, distribuídas pelo
administrador, argumentando que os seus homens tinham ido trabalhar nas
plantações da Sena Sugar, e por isso, não tinham mão-de-obra nem tempo
suficientes para produzir algodão, assim como géneros alimentares, em
quantidades razoáveis. O administrador acedeu, então, em dispensar do cultivo as
mulheres grávidas e aquelas que tivessem mais de quatro crianças; as restantes
foram obrigadas pelos capatazes a cultivar, como antes [31].
Da mesma forma, face à degradação ecológica em Mogovolas em 1950/1951, os
produtores adoptaram a resistência passiva contra a continuação da cultura, e
nisso, foram apoiados por alguns régulos que, nessa ocasião, recebiam o
tratamento desumano normalmente reservado aos seus súbditos [32].
Informações provenientes de localidades tão diversas como Magude, Manjacaze,
e Chibuto no sul, e Montepuez, Pemba e Mueda no norte, mostram que numa
tentativa de sabotar a cultura e de provocar o seu abandono pela administração
colonial, os produtores coziam, clandestinamente, as sementes de algodão, antes
de as semear. Noutras zonas, face aos novos regulamentos, que visavam o
controle cada vez mais apertado da cultura (capítulo 4), semear e queimar, fora do
prazo indicado, era a táctica adoptada. A prática de cultivar áreas menores do que
as estipuladas era, também, frequente [33].
A resistência às culturas forçadas incidiu, também, contra os baixos preços
oferecidos nos mercados e através da recusa em transportar o algodão de grandes
distâncias, à cabeca, para o mercado. As vezes, os camponeses preferiam queimar
ou deitar fora o seu algodão [34].
O depoimento que se segue, que relaciona acontecimentos na aldeia de
Namepuita, na antiga regedoria de Niquaria, Montepuez, mostra várias
características da luta entre os produtores e a concessionária de algodão, SAGAL"
... as autoridades e os chefes de SAGAL descoorram que as pessoas
punham pedras e panelas de barro nos sacos para torná-los mais pesados, então
apesar de ter havido muito algodão, a SAGAL foi de casa em casa recolher o
dinheiro que as pessoas tinham recebido pelo algodão. Isto aconteceu porque eles
não sabiam quem tinha posto as panelas e as pedras
211
2Catulo 5
nos sacos.. .(.)..recolheram os dinheiros todos. (Depois), chegou-se a
queimar o algodão no armazém da aldeia de Namepuite" [351.
Outras informações mostram uma resistência camponesa mais consequente, no
sentido de ter apresentado reclamações, com força e coerência, até ao próprio
Governo-Geral. Foi o caso dos cultivadores da circunscrição colonial de
Manjacaze, que, através de alguns agricultores pr6speros e alfabetizados da zona,
mandaram, em 1951, uma exposição escrita a Lourenço Marques sobre as
violências e extorsões praticadas pelos capatazes, brancos e negros, das
concessionárias de algodão e arroz. Como consequência do inquérito iniciado,
instaurou-se um processo disciplinar contra o administrador e o chefe de posto, e
proibiu-se aos capatazes europeus implicados o exercício da sua função em
qualquer área da colónia. Os 3 capatazes negros em questão foram mandados
como 'recrutados' para São Tomé por 6 anos. Contudo, uma outra reclamação, da
mesma origem, contra o baixo preço de arroz, não foi atendida [36].
Segundo fontes orais, nos meados da década de 50, alguns produtores em
Guijane, Gaza, liderados por Gabriel Makave, um membro do Centro Associativo
dos Negros em Lourenço Marques, promoveram encontros clandestinos para
organizar a sua luta contra as injustiças praticadas, principalmente, na cultura de
algodão e no trabalho forçado. O movimento chamou-se mfuxe-mfuxe (Tsonga:
coisa desconhecida que anda a noite), e tinha os seus mensageiros de confiança,
que comunicavam entre os indivíduos envolvidos. Após consultas entre alguns
agricultores prósperos e anciãos, entrou-se em contacto com os régulos da zona.
Embora a maioria receasse participar, os régulos Hlomani e Eduardo Nkuna
concordaram ser representantes, junto do administrador, que os rejeitou
imediatamente.
O grupo optou por organizar uma manifestação maior, em Setembro de 1958, em
que participaram muitos dos chefes da zona, e que teve lugar em frente da sede
administrativa. Após discussões acérrimas, o administrador propôs uma banja
formal no dia 4 de Dezembro. Nesse dia, seguindo um plano previamente
elaborado, anciãos de várias zonas apresentaram os seus próprios protestos, sobre
o uso de violência, nos campos de algodão, e o recrutamento semanal de trabalho
forçado, que se tinha intensificado, na altura.
212
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
Uma outra questão levantada dizia respeito à crescente alienação de terras e
fornecimento de recursos em benefício dos colonos e, em especial, o uso
exclusivo das represas, construídas com o Fundo de Algodão, para servir como
bebedouros das suas manadas de gado. Deve-se notar que esta zona foi uma das
mais atingidas pela construção do Colonato do Limpopo, e que, a partir dos finais
de 1953, surgiram descontentamentos devido ao número de expulsões das terras
de regadio e sequeiro, destinados às culturas e pastagens de colonos. No regulado
Leonde [hoje distrito de Limpopo], em que foram concentradas as obras do
caminho de ferro, do colonato e da albufeira e ponte, criou-se uma
desmoralização generalizada entre os camponeses, muitos dos quais deixavam de
cultivar as terras por receio de ver o seu trabalho perdido. Como diziam os
camponeses, acerca dessa obra colonial, "como o sol: onde chega, queima tudo".
Foi uma situação que levou a uma nova onda de fugas de famílias inteiras para a
vizinha África do Sul.
Nas reclamações, focou-se também o receio dos migrantes, que trabalhavam na
África do Sul, em regressar a casa devido ao risco de serem presos para o chibalo.
Desconfiando do administrador, no fim da banja, mandaram alguns anciãos
contactar um advogado simpatizante em Lourenço Marques. Através do Governo-
Geral e do Governo Provincial, foram feitas algumas reformas, que reduziram a
violência na cultura de algodão e no trabalho forçado nesta localidade [37].
4.3 Resistência contra o trabalho forçado Entre as formas de resistência ao
trabalho forçado e ao recrutamento para as plantações, a mais vulgar e efectiva era
a fuga para as zonas em que a administração colonial era menos eficiente como,
por exemplo, nas fronteiras entre Zambézia e Nampula. As vezes os camponeses
fugiam para o distrito onde houvesse menos severidade no recrutamento, o que
resultou no sobrepovoamento de algumas zonas, como a reserva de Mogovolas,
Nampula. Outras vezes fugiam para as colónias vizinhas, onde, no geral, os
moçambicanos eram considerados mão-de-obra barata, mas, mesmo assim,
conseguiam ganhar maiores salários reais que em Moçambique.
Deve notar-se que alguns destes trabalhadores participavam, activamente, na luta
dos trabalhadores nos territórios vizinhos. Os Maconde e Macua que trabalhavam
nas sisaleiras ou nos portos de Tanganhica e
213
Capítulo 5
Quénia não eram excluídos dos sindicatos legais nestes países. Um deles, L. M.
Milinga, que trabalhou nos sindicatos de Quénia, veio a ser o Secretário-Geral da
Mozambique African National Union (MANU) [38].
Uma vez 'recrutado' e colocado nas plantações, a deserção e absentismo eram
reacções vulgares, quando possíveis, muito embora fossem alvos de uma onda da
repressão. Como vimos no capítulo anterior, a taxa de absentismo nas plantações
de sisal de Nampula nos inícios da década de 50 foi cerca de 60 por cento, o que
provocou novas medidas de controle pela administração. Na açucareira de
Marromeu em Sofala, que dependia de migrantes do distrito de Mopeia na
Zambézia, a taxa de absentismo oscilava entre 45155 por cento, nos meados da
década. O administrador de Mopeia resolveu a crise através de um aumento de
castigos corporais.
O alto grau de repressão e vigilância nas plantações não era capaz de eliminar as
formas de resistência disfarçada. Por exemplo, era notória a sabotagem no
cumprimento das tarefas, através da deliberada má interpretação das orientações
sobre o corte da cana ou de sisal, onde a falta de exactidão trazia prejuízos
económicos para o proprietário. Nem sempre a organização em brigadas étnicas
podia assegurar o controle total sobre os trabalhadores: às vezes, aproveitavam-se
dos laços tradicionais para atrasar o acabamento das tarefas, apesar da violência
dos capatazes [39].
A greve na açucareira de Xinavane, 1954 A história de uma greve na açucareira
do Inkomati Sugar Estates (Xinavane), na província de Maputo, em 1954, mostra
como o controle rigoroso sobre os trabalhadores funcionou de maneira a reprimir
formas de luta mais aberta. Evidenciou-se, também, a constante necessidade de o
Governo colonial reforçar, através de exemplos, a posição de dureza e
agressividade frente aos trabalhadores, de modo a manter o seu poder de
intimidação total.
No dia 18 de Agosto de 1954, cerca de 300 trabalhadores distribuídos em todos os
acampamentos da empresa, recusaram iniciar o trabalho, devido às chuvas
torrenciais que tinham saturado os canaviais, desde a noite anterior, e que
resultavam, sempre, em péssimas condições de trabalho. Este acontecimento
passou-se sem qualquer reacção por parte da companhia, até o dia 24, em que
foram distribuídos abonos de
214
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
assiduidade, referente à semana anterior, a todos, menos aos implicados na greve
do dia 18.
Informados pelo Director da empresa que apenas receberiam abonos na semana
seguinte se adoptassem um bom comportamento, 37 dos trabalhadores resolveram
regressar as suas terras. Alertada pela empresa, uma força da polícia de Magude
prendeu todos no caminho, obrigando 35 dos 37 a voltar para os acampamentos.
Os dois restantes, homens de cerca de 45 anos, e indicados por empregados da
empresa como os responsáveis da acção dos trabalhadores, foram condenados
pelo Curador (o Administrador de Magude) a seis e três meses de trabalho
correcional [40].
Contudo, nos níveis superiores do regime, esta sentença foi considerada
insuficiente. Para o Governo da Província (o Sul do Save, na altura), foi
"... muito conveniente adoptar um procedimento que marque bem a nossa firme
atitude e evite a repetição de actos que são explorados ao sabor de
cada um" [41].
O Governador concluiu que os sentenciados eram pouco desejáveis no meio
'indígena' a que pertenciam, e propôs o seu envio para São Tomé, devendo dar-se
a máxima publicidade desta pena entre os trabalhadores. No seu despacho, o
Governador-Geral concordou com tais sentimentos, determinando uma sentença
exemplar de 12 e 9 anos de trabalho, em São Tomé, para onde foram mandados
integrados num contingente de trabalhadores contratados [42].
4.4 Greves no caminho de ferro e porto de Lourenço Marques As condições para
uma luta organizada de trabalhadores noutras actividades eram também pouco
favoráveis. Os exemplos que citamos mostram que as reivindicações eram,
contudo, limitadas e completamente justificadas, mas a repressão dos cabecilhas
pelo estado colonial foi completa.
No caminho de ferro de Lourenço Marques, no dia 7 de Julho de 1947, dois
grupos de 150 trabalhadores, contratados para carregar areia nos vagões no
quilómetro 10, recusaram continuar fora do horário do trabalho, reclamando a
falta de pagamento de horas extras, durante um período de 2 meses. A- polícia foi
chamada a intervir, e foram indicados
215
Capítulo 5
pelos capatazes 54 homens considerados 'agitadores'. No dia seguinte, quando as
brigadas recusaram, de novo, a carregar um comboio nas horas extras, a polícia
prendeu imediatemente os alegados 'agitadores'. Intimidados pela polícia, os
outros recomeçaram o trabalho. Foram presos, também, mais 14 homens que
trabalhavam na gare de triagem de Lourenço Marques. O relatório polícial
confirmou a veracidade da reclamação dos trabalhadores mas, não obstante, os
'instigadores' foram condenados ao desterro para Niassa por 2 anos, e 61 dos
restantes trabalhadores ao trabalho 'correcional' durante 60 dias [43].
Da mesma forma, a história da greve dos trabalhadores voluntários do porto de
Lourenço Marques, em Abril de 1949, exemplificou o funcionamento e o poder
repressivo do regime laboral colonial, com o seu recurso habitual a brigadas de
trabalho forçado.
A causa fundamental da greve foi a elevação do custo de vida em relação aos
salários mínimos, que não tinham aumentado desde a greve da 'quinhenta', em
1933, recebendo os estivadores 20 escudos por dia, incluindo horas extras. No
entanto, o imposto tinha aumentado para 150, em 1938, e para 250, em 1943.
Mas, segundo depoimentos feitos ap6s a greve, foi o aumento do custo de
produtos de primefra necessidade, no período pós-guerra, que agudizou a
situação. Em 194$ e inícios de 1949, vários artigos, passados pela censura e
publicados em O Brado Africano chamaram a atenção do governo colonial para as
consequências desses aumentos no nível de vida dos trabalhadores que
movimentavam a enorme tonelagem do porto. Enquanto os salários dos brancos
iam sofrendo aumentos, como compensação da subida do custp de vida, os
salários dos negros ficavam estacionários [44]. No dia 1 de Abril, estivadores
eventuais das principais empresas de importação e exportação, Mann George,
Delagoa Bay Agency e Rennies, apresentaram aos respectivos superintendentes
uma reclamação para um aumento de salários de 20 para 50 escudos por dia.
Enquanto o movimento da estiva continuava normalmente, 4 porta vozes dos
trabalhadores foram mandados para a Secretária dos Negócios Indígenas (SNI),
onde o intendente rejeitou a sua argumentação, dizendo que auxiliares de polícia e
serventes do Estado recebiam apenas 10 escudos diários.
As direcções das empresas, reunidas no dia 4, resolveram recusar a reclamação.
Na manha do dia 5, várias centenas de trabalhadores entraram em greve, que
continuou no dia seguinte. Entretanto, o
216
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
movimento do porto foi assegurado por brigadas de trabalho forçado, fornecidas
pela Direcção dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes.
De manhã cedo, no dia 7, apesar de alguns dos cerca de 500 estivadores terem
mostrado que estavam preparados para abandonar a greve, a polícia fechou os
acessos rodoviários do porto, e conduziram todos à capitania. de polícia. Durante
as averiguações, os trabalhadores explicaram de novo os objectivos económicos
da greve, acrescentando que, muitas veLes, num mês, só ganhavam durante 2
semanas. Recusaram-se a indicar qualquer indivíduo que tivesse instigado às
reclamações. Após ameaças das graves consequências que poderiam incidir sobre
o comportamento semelhante no futuro, a polícia soltou todos os estivadores
menos os 15 considerados recalcitrantes.
Destes, 4 foram indicados pelo chefe da polícia de segurança para 2 anos de
desterro no Niassa, sentença que foi aumentada para 3 anos pelo Director do SNI.
Em Junho do mesmo ano, o Governador-Geral alterou esta sentença para 3 anos
de deportação para São Tomé, para onde foram os 4 estivadores, em Novembro,
incorporados num contingente de trabalhadores 'contratados' [45].
4.5 0 motim da pedreira de Goba, Maputo A acção dos trabalhadores da pedreira
de Goba veio a ser a mais violenta de todas de que, até ao presente, há
informações seguras. Trata-se de uma reacção de trabalhadores forçados contra as
más condições, abuso de regulamentos e o racismo e insensibilidade do
encarregado da concessão.
As condições de trabalho e alojamento eram de facto péssimas e, como se
verificou a partir das informações oficiais, recolhidas após o incidente, as tarefas
da incumbência do administrador como Curador de Negócios Indígenas,
nomeadamente, a investigação das deficiências e fiscalização de melhorias
propostas, foram ignoradas.
Estas circunstâncias foram agravadas pelas atitudes ultra-racistas do encarregado
da pedreira. Altamente considerado pela empresa, devido à excelente
produtividade da concessão, o encarregado tinha perdido qualquer vestígio de
respeito entre os trabalhadores. A sua falta de consideração pelas condições
mínimas de vida dos trabalhadores, e os insultos e abusos que habitualmente
utilizava para marcar a sua alegada
217
Capítulo 5
superioridade racial, provocaram um ambiente de grande ódio contra ele [46].
Não foi a primeira vez que essas atitudes tinham provocado uma resposta
violenta:
"A má fama do encarregado Fonseca, certamente, há muito corria pelo mato fora,
levada pelos trabalhadores de muitos chibalos que passaram pela pedreira. Sabiam
que houve chibalos de Chidenguel que o agarraram e meteram debaixo da célebre
torneira do acampamento; noutra ocasião cercaram-lhe a casa; várias vezes o
quizeram espancar; jogava a pancada (sic) com um 'indígena'; e outra vez um
grupo de chibalos deslocou-se a
Lourenço Marques a pé, para dele se queixarem" [471.
A força de trabalho na pedreira, em Setembro de 1954, era constituída por cerca
de cem homens; sendo a grande maioria integrada em duas brigadas de
trabalhadores forçados, divididos segundo o seu distrito de origem,
nomeadamente, Inharrime e Morrumbene. Logo após a sua chegada à pedreira,
cada brigada elegeu um ndota (Tsonga: ancião), para a dirigir, aconselhar e
resolver as questões que emergissem.
A causa mais próxima do levantamento residiu no facto de, ap6s o trabalho do dia
22 de Setembro, os trabalhadores, quando se preparavam para jantar, terem
descoberto que a água não saía da única torneira que lhes era disponível,
impedindo-os de lavar-se, antes, ou beber durante a refeição. Informados de que a
pressão da água tinha sido reduzida por causa do enchimento da caldeira principal
das instalações, os trabalhadores pediram ao Fonseca uma interrupção desse
trabalho até ao fim do jantar. A sua recusa resultou numa eclosão do ódio e de
insultos, da parte dos trabalhadores, que obrigaram o encarregado a refugiar-se,
primeiro na casa de máquinas e, depois, na estação do caminho de ferro de Goba.
No dia seguinte, os trabalhadores resolveram trabalhar deficientemente, com o
objectivo de obrigar Fonseca a chamar o chefe da secção, em Boane, para a
apresentação das suas queixas.
Chegado o chefe de posto de Changalane, cerca de 12 quilómetros da pedreira, os
primeiros trabalhadores que encontrou recusaram-se a cumprimentá-lo, o que era
considerado um grave insulto à autoridade colonial. Após a aproximação de
outros trabalhadores, eclodiu uma luta generalisada e confusa. Um trabalhador
tirou o chicote ao chefe de posto,
218
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
que veio a ser cercado pelos outros. Ao tentarem agarrá-lo, arrancaramlhe uma
das divisas oficiais da sua camisa. Quando os sipaios intervieram, os
trabalhadores, agora em número maior, enfrentaram-nos e chegaram mesmo a
tirar uma das palmatórias. O encarregado armou-se com um pau, mas os
trabalhadores apedrejaram-no. Perante esta atitude solidária dos trabalhadores, o
chefe de posto, acompanhado pelo Fonseca e dois sipaios, viu-se obrigado a
retirar-se para a estação de Goba.
Somente com a chegada do chefe da secção de Boane e de pessoal armado da
administração do Maputo, que estacionaram ao cimo da pedreira, se reestabeleceu
a ordem. Todos os trabalhadores foram levados para o posto de Changalane, onde
os cabecilhas e outros, mais de 50, foram detidos [48].
As averiguações conduzidas pelo administrador justificaram todas as reclamações
dos trabalhadores. O encarregado da pedreira foi retirado do seu posto, e
investigações por repartições técnicas do Estado instituidas. Não obstante, a acção
dos trabalhadores foi considerada completamente injustificável. Os dois madota,
(que tinham 50 e 45 anos respectivamente), foram desterrados para São Tomé por
15 anos. Outros dezanove trabalhadores foram para o mesmo destino com penas
entre os 9 e 12 anos. Trinta e cinco foram mandados por 'contratos' às Obras
Públicas, para o norte de Moçambique, alguns por 12, outros por 18 meses [49].
4.6 Considerações finais sobre a luta dos camponeses e trabalhadores Da análise
das acções dos trabalhadores, que é necessariamente provisória, devido à reduzida
investigação sistemática até agora feita sobre o assunto, vários aspectos merecem
destaque:
1. Os camponeses e trabalhadores reclamavam contra condições muito concretas
como, por exemplo, baixos preços para os seus produtos, baixos salários, a
violência dos capatazes, e péssimas condições de trabalho e alojamento. As vezes
reclamaram contra a não observância de 'egulamentos, por exemplo, sobre horas
extras,
vestuário legal e rações tabeladas.
2. Se bem que brigadas de trabalho forçado fossem habitualmente utilizadas para
furar greves de voluntários, as más condições em que essas brigadas trabalhavam
levaram à eclosão de protestos, às vezes
violentos.
219
Capíítio 5
3. Perante a resistência, generalizada e constante, contra as culturas forçadas, o
Estado colonial aumentou, ligeira e gradualmente, os preços pagos aos
camponeses (capítulo 4). Para a maioria dos produtores, estes aumentos estavam
sempre aquém da elevação dos impostos e do custo de vida em geral, e nunca
atingiram os preços oferecidos nas colónias vizinhas. No entanto, contribuíram
para o aumento das despesas das concessionárias e do sistema de culturas
forçadas como um todo. Não havendo aumentos consideráveis de produtividade, o
sistema veio a ser considerado cada vez mais ineficaz, na década de 50.
4. Apesar da repressão das manifestações dos trabalhadores, o regime aumentou,
ligeiramente, os salários nominais, em 1950, 1954, e 1961. Para a maioria dos
trabalhadores, pouco compensou, face ao aumento dos impostos e do custo de
vida.
5. Para manter a ideologia da justeza da sua política laboral e 'indígena', o regime
colonial sempre procurou localizar a causa das acções mais abertas nas
influências estranhas ao colonialismo português:
- a influência de greves noutros países, como nos Estados Unidos da América, de
que os trabalhadores podiam ter ouvido falar, e "o hábito de manifestarem o seu
descontentamento por meio dot greves na África do Sul", foram indicados como
causas principais da greve nos caminhos de ferro, em 1947;
no caso da greve dos estivadores de 1949, suspeitava-se ser uma agitação levada a
cabo pelo jornal O Brado Africano e comunistas europeus;
- na greve de Xinavane, em Agosto de 1954, fora a experiência dos cabecilhas no
Transval que levou os trabalhadores a tornarem-se "indisciplinados e exigentes
sem razão";
- no levantamento de Goba, foi a mesma experiência considerada "um factor
preponderante nos acontecimentos", para além da influência das Igrejas
protestantes prevalecentes nos distritos de origem dos trabalhadores [50].
De facto, como já tivemos oportunidade de ver, o processo de proletarização a
que o povo moçambicano tinha sido sujeito não foi, simplesmente, o resultado do
desenvolvimento dos centros urbanos e das infraestruturas em Moçambique.
Centenas de milhares de
220
A Conuestauçdo da Situaçao Colonial, 1945-1961
Moçambicanos tinham experiência de trabalho e de luta, nos
territórios vizinhos.
Mas, como os inquéritos do próprio regime colonial mostraram, todas as
reclamações e acções foram baseadas em circunstâncias concretas, existentes em
Moçambique, criadas pelo regime colonial.
5. Na sua preocupação de manter um sistema político e laboral altamente
repressivo, o regime colonial manteve a proibição absoluta de actividade política
oposicionista e, especificamente, de organizações sindicalistas para negros. Essa
proibição dificultou o desenvolvimento de uma liderança capaz de sintetizar e
orientar a luta dos
trabalhadores.
6. Não obstante este facto, os casos em que os camponeses e trabalhadores
lutaram contra uma repressão violenta, eram de tal maneira frequentes, em todas
as regiões do país, que constituíram uma experiência comum do povo
moçambicano, em relação ao carácter prevalecente do colonialismo português, e
uma parte fundamental do contexto político em que se desenvolveu, no período
seguinte, a luta armada.
5. A contestação cultural
Apoiando-se na justificação ideológica da superioridade cultural, o regime
colonial tentou assegurar, com um aparente sucesso temporário, a divulgação de
uma cultura favorável ao seu domínio.
Para o efeito, como vimos, foi instituído um sistema educacional e religioso, cujos
objectivos visavam a despersonalização sistemática do homem e mulher
moçambicanos e inculcar valores culturais da sociedade portuguesa como, por
exemplo, amor pelo Estado português e pela Igreja Cat61ica. Negando a cultura
do povo colonizado, procurou simultaneamente apresentar estes valores como os
únicos que facultariam a elevação e avanço da população negra da colónia.
De facto, a implantação de tais valores encontrava obstáculos consideráveis, um
dos quais era a resistência da cultura popular, que se adaptou para melhor
enfrentar as realidades do colonialismo.
Vimos que, ap6s a II Guerra Mundial, o regime salazarista aproveitou-se da
atmosfera internacional para reforçar a segurança do
221
Capítulo 5
Estado fascista. Paralelamente, desenvolveu-se a articulação entre defensores da
cultura moçambicana e o movimento anti-fascista, conduzido por democratas
portugueses, radicados em Moçambique, pois, ao nível cultural, a sua acção
convergia, em diversos momentos, contra as realizações programadas pelo
regime.
Dada a repressão de meios políticos para a manifestação de protesto directo, a
vida cultural constituía uma das principais frentes de oposição ao domínio
colonial-fascista. Foi nela que se desenvolveram a observação, análise e ideologia
sociais que contribuíram, profundamente, para a formação e motivação de
participantes da luta de libertação.
Os contos que se narravam no ambiente familiar, as canções dos camponeses e
trabalhadores nos campos e portos, as obras de arte plástica (escultura e
máscaras), a pintura e a literatura oral e escrita, como meios de transmissão de
valores culturais da sociedade, constituíram as formas de crítica social e de
protesto ao colonialismo. Estas formas de expressão foram as mais viáveis,
porque eram, geralmente, imunes à censura colonial, por serem, em grande
medida, incompreensíveis ao colonizador, que menosprezava a língua e cultura do
povo.
5.1 Canção, música e dança populares Enquanto que, na teoria colonial, o povo
colonizado era objecto de uma acção "civilizadora' e benéfica, a resposta popular,
face a esta atitude assimiladora, era denunciar a realidade da opressão, através das
suas manifestações culturais. As canções dos trabalhadores e camponeses
exprimiam angústia e repulsa ao trabalho forçado, e denunciavam a acção dos
colaboradores negros do regime e as humilhações raciais constantes, que os
colonos utilizavam para manter a subserviência e servilismo dos negros. Tratavase de uma "rejeição psicológica do colonizador e sua cultura" [51]. É testemunho
disso uma canção Chope da época:
Ouçam a canção da gente de Chigombe:
É aborrecido dizer 'bom dia' a todo o momento
Macarite e Babuane estão na cadeia
Porque não disseram 'bom dia',
Tiveram que ir para Quissico para dizer 'bom dia' [52].
Esta forma de manifestação também se desenvolveu na poesia lírica oral. Por
exemplo, num dos movimentos de um Msaho (dança orquestral
222
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
33. Neste grupo, da área de cultura na década de 1950, vê-se, entre outros, ficardo
Rangel (de pé), José Craveirinha (sentado) e Rui Nogar (de pé atrás).
Chopi), composto na década de 40, protesta-se contra a cobrança generalizada de
impostos, em que "as raparigas mais velhas tem de pagar imposto". Reclama-se,
também, a ausência de direitos do povo na sua própria terra, pois os chefes locais
eram nomeados por "brancos" (o regime colonial), sem se respeitar a lei
consuetudinária, o que conduziu a que se nomeassem "plebeus", que se
transformavam em sequazes servis do colonialismo [53].
Outras canções denunciavam o trabalho forçado, especialmente nos vários portos
do país, e referiam-se às dificuldades de adaptação à vida nas minas, aos
problemas das mulheres sozinhas, por os homens terem sido deportados ou terem
emigrado, à procura de trabalho para poderem pagar o imposto. A canção Paiva,
que teria surgido cerca de 1900, descreve com repulsa a violência dos capatazes
brancos e negros, chefiados por Paiva Raposo, sobre os trabalhadores da
companhia açucareira britânica, Sena Sugar Estates, no Zambeze. Desde então,
até
223
Capítulo 5
aos anos 50, esta canção evoluiu em várias formas, sendo, porém, todas as versões
repletas de protestos às culturas forçadas, de tal maneira que Paiva se tornou num
símbolo regional das injustiças praticadas em nome da companhia [54].
Um outro tipo de expressão, que manteve vivas as noções históricas culturais, foi
a canção épica que recordou importantes figuras da resistência à conquista
colonial, no século passado. Por exemplo, uma canção, cantada por estivadores
em Lourenço Marques nos anos 50, referia vários episódios da vida de
Ngungunyane, que reflectem a dominação política do reino de Gaza sobre outros
chefes da região, e o choque cultural entre o colonisado e o colonisador [55].
Uma oufra canção invocativa do Ngungunyane, que foi introduzida nos cânticos
da Igreja Etiópica Luso-Africana, nos anos de 40, não só denunciava as
atrocidades e barbaridades do colonialismo, como também cantava a angústia de
que a população se estava imbuída. Recordando um dos heróis da resistência anticolonial, Ngungunyane, apelava à revolta e à expulsão dos colonizadores. Esta
ideia é expressa numa das passagens do hino que soa: "ficaremos a governar com
catanas" [56].
Ap6s a II Guerra Mundial a Igreja Shembita ou Nazarita passou a ser um veículo
de ideias panafricanistas e anti-coloniais. Esta atitude reflectiu-se mais através dos
hinos cantados durante as orações. Um deles, por exemplo, incita a África a lutar
para sair da inércia em que se encontra e que, por causa dela, se tornou um
"ridículo para todas as nações" porque os seus filhos "são escravos dos
estrangeiros" [57].
Discos gravados por Moçambicanos na África do Sul veiculavam, também,
protestos contra o colonialismo. De facto, uma das primeiras canções
moçambicanas a ser gravadas, na década de 30, foi de Daniel Marivati, que
comentava o encerramento de algumas das escolas protestantes. No fim da década
de 40 e nos anos 50, aumentou consideravelmente o número de gravações, em
várias línguas moçambicanas, que criticavam, por exemplo, aspectos da vida dos
migrantes, o trabalho forçado, os baixos salários, e o risco de ser deportado para
São Tomé.
Tendo-se apercebido do perigo desta forma de comunicação, o regime colonial
lançou, em 1953, uma campanha de censura aos discos, identificando treze
gravações como repreensíveis. De salientar que a polícia sul-africana colaborou
na repressão de várias dessas gravações, e a delegação da alfândega em Ressano
Garcia apreendeu e destruiu muitos
224
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
discos nos anos seguintes. Da mesma forma, o regime colonial censurou
conjuntos musicais, levando alguns, como Francisco Maiecuane e Alberto Langa
a fugir para a África do Sul, onde as condições de censura eram menos rígidas.
Por exemplo, Maiecuane, numa das suas canções, Xibhalo muni, Makhandane,
faz referência à prepotência do administrador de Macia, mais conhecido por
Makhandane, que tinha por prática, como muitos outros administradores, apanhar
os migrantes recém-chegados das minas, para o trabalho forçado, ignorando o seu
direito a 6 meses de descanso.
Estas informações mostram o vigor da cultura moçambicana, mais concretamente,
a tradição de compor canções que comentavam as situações em que o povo se
encontrava, adaptando-se a novos meios de comunicação, como as gravações. As
manifestações culturais constituíram, assim, um veículo de resistência ideológica,
que confirmou a incapacidade do colonialismo de esmagar as tradições sócioculturais através de uma assimilação forçada ou repressão sistemática.
Nota-se que, devido à própria natureza da dominação colonial, estas formas de
expressão foram criadas, por vezes, na base de elementos culturais étnicos ou
religiosos. Embora não constituíssem ainda uma posição consciente e reflectida
nacional [58], as circunstâncias e episódios a que referiam eram comuns,
tornando-se, assim, parte integrante do património anti-colonial do povo
moçambicano.
5.2 A literatura como arma de luta Paralelamente às formas de expressão popular,
a escrita foi-se desenvolvendo, igualmente inspirada na experiência diária
moçambicana. É importante não olvidarmos que a críticá escrita, como, por
exemplo, em O Brado Africano, tinha sido progressivamente reprimida desde os
meados da década de 30. Por esta razão, as críticas ao colonialismo, neste
período, eram quase exclusivamente sob forma poética, por ser meio de
comunicação mais imediato e menos dispendioso, entre o reduzido número de
intelectuais nas principais cidades.
As circunstâncias e a atmosfera políticas do período pós-guerra estimularam o
aparecimento de uma literatura marcada por uma rejeição da cultura colonial.
Parte desta literatura deixa perceber a sedução pela ideia de uma sintese futura
entre duas visões do mundo, duas formas de expressão: a africana e a europeia.
225
Capítulo 5
São exemplos da primeira, os 'filhos da terra', discriminados pelo sistema
colonial, integrando pretos, brancos e mulatos, que se destacam também no
princípio da década de 50, dando novo alento aos ideais nacionalistas e de
africanização, típicos deste período precursor das independências africanas, e que
assumem forma artística, em particular, no domínio da poesia.
É a poesia de Noémia de Sousa e de José Craveirinha que enceta a afirmação de
uma africanidade próxima da negritude. As aspirações populares encontraram, em
Noemia de Sousa, uma nova expressão e uma nova formulação tendo, inclusivé,
ultrapassado as fronteiras nacionais e manifestado, publicamente, a africanidade e
o pan-africanismo [59].
Escolhemos como o exemplo da poesia de africanidade, que se apresenta em
dcois sentidos complementares, na linha negritudiana e na afirmação, ainda não
muito clara, do carácter nacionalista, o poema Canção Fraterna, de 1948, primeira
da sua obra:
Irmão negro de voz quente o olhar magoado diz-me:
Que séculos de escravidão geraram tua voz dolente? Quem pôs o mistério e a dor
em cada palavra tua? E a humilde resignação na sua triste canção? E o pouco de
melancolia no fundo do teu olhar? Foi a vida? o desespero? o medo? Diz-me aqui,
em segredo, irmão negro.
Porque a tua canção e sofrimento e a tua voz, sentimento e magia.
Há nela a nostalgia de liberdade perdida,
a morte de emoções proibidas, a saudade de tudo que foi teu e já não é.
Diz-me, irmão negro, quem a fez assim... Foi a vida? o desespero? o medo?
Mas mesmo encadeado, irmão, que estranho feitiço o teu! A tua voz dolente
chorou de dor e saudade, gritou de escravidão, e veio murmurar a minha alma
ferida que a tua triste canção dorida não é só tua, irmão de voz de veludo e olhos
de luar... Veio, de manso murmurar que a tua canção é minha.
Como exemplo da poesia de denúncia escolhemos Lição de 1949 que, muito
claramente, mostra a desilusão do 'assimilado' perante o carácter
226
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
do colonialismo português. O 'assimilado' descobre a triste realidade de que,
afinal de contas, o homem branco não o reconhece como irmão, contrariamente ao
que havia aprendido na missão [60].
Ensinaram-lhe na missão, quando era pequenino: "somos todos filhos de Deus;
cada Homem é irmão doutro Homem".
Disseram-lhe isto na missão, quando era pequenno.
Naturalmente, ele não ficou sempre menino: cresceu, aprendeu a contar e a ler
e começou a conhecer melhor essa mulher vendida
- que é vida
de todos os desgraçados.
E então, uma vez, inocentemente, olhou para um Homem e disse: "Irmão..."
Mas o Homem pálido fulminou-o duramente
com seus olhos cheios de ódio e respondeu-lhe: "Negro"
34. Daniel Marivati, romancista e compositor na língua Tsonga, que gravou um
dos primeiros discos moçambicanos, na década de 1930.
227
Capítulo 5
35. João Dias, 1926-1949, filho
de Estácio Dias, e autor de
Godido e outros contos, no dia
da sua graduação em 1949.
A obra de José Craveirinha seguiu a wesma linha que a ce Noémia, tendo-a,
todavia, superado pela sua clareza na definição da posição nacionalista. Um
tópico que captou bem a atenção de ambos foi o sistema de trabalho migratório,
cujas consequências sociais para os trabalhadores e as suas famílias,
particularmente, a brutalização a que estes eram submetidos, foram tratadas por
Noémia de Sousa em Magaiça e por Craveirinha em Gado Mamparra Magaiza e
Marnana Saquina. De facto, através destes poemas, a palavra magaiza tornou-se,
para os intelectuais conscientes, um símbolo dos males da estrutura colonial [61].
A comparação feita em Gado Mamparra Magaiza (1954) entre os migrantes que
iam para as minas da África do Sul e uma pianada de gado, que ia para o abate,
dá-nos, em linguagem poética, o sistema de reprodução social na base da
exploração mineira sul-africana: os homens eram tirados da sociedade rural, e
devolvidos, frequentemente, feridos ou mortos, ficando as mulheres em casa com
as outras responsabilidades da famflia. O poema refere-se,. ainda, à necessidade
de o trabalhador se oferecer para contratos sucessivos, e aos vários centros de
distribuição dentro da África do Sul, onde os trabalhadores eram 'vendidos', na
228
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
linguagem dos mineiros, pela WENELA a diversas minas [62].
Segundo uma análise mais recente, com Craveirinha, "surge pela primeira vez na
poesia moçambicana escrita a afirmação nacionalista de comunidade de
território", de um Moçambique como um todo [63], através da enumeração
sucessiva de quatro culturas da economia colonial
- chá, sisal, tabaco e algodão. No poema Manifesto, Craveirinha já prenunciava o
que hoje simboliza a unidade e coesão da nação moçambicana. "É nas fronteiras
de água do Rovuma ao Incomati" disse o poeta da identidade nacional.
No Poema do futuro cidadão está inequivocamente expressa a sua posição
nacionalista [64]:
Vim de qualquer parte
tenho no coração
de uma Nação que ainda não existe. gritos que não são meus somente
Vim que estou aqui!
porque venho de um país que ainda
não existe.
Não nasci apenas eu
nem tu nem nenhum outro... Ah! Tenho meu Amor a todos para
mas Irmão.
dar
do que sou.
Mas
Eu!
tenho amor para dar as mãos-cheias. Homem qualquer
Amor do que sou
cidadão de uma Nação que ainda não
e nada mais.
existe,
E
Entre os principais autores da poesia de protesto deste período, há também a
considerar os estudantes moçambicanos que estavam, temporariamente, em
Portugal, e que viriam a desempenhar um papel activo no movimento
de'libertação. Referimo-nos a Marcelino dos Santos (Kalungano), Sérgio Vieira, e
Fernando Ganhão.
A prosa foi menos adaptada pelos literatos deste período. Das poucas obras
produzidas, que revelaram as contradições sociais sempre presentes no quotidiano
negro moçambicano, e que denunciaram o sistema colonial, destacam-se Godido e
outros contos, por João Dias, publicado em 1952 pelo Casa de Estudantes do
Império em Lisboa, e Nós matamos o cão tinhoso de Luís Bernardo Honwana,
contos escritos por volta de 1960. Outro contista, talvez o menos conhecido desta
época, é Anibal
229
Aleluia, que publicou, na revista Itinerário e em O Brado Africano, contos cuja
essência e, amiúde, de prow.szo [65].
A outra tendência na literatura, que já definimos como sendo europeia, mas que
pretendia "aficanizar' as suas obras, pertfncia o grupo de escritores que fundou,
em 1952, a revista Msaho. No entanto, o clima político e cultural em que ela
emergiu revelou-se inóspito para tal iniciativa, e o único número da revista
publicado não constituía, ainda, uma ruptura com a literatura portuguesa. Ainda
que tenham adoptado uma palavra de uma língua moçambicano, corno designação
da sua revista, os autores estão conscientes de que não pertencem ao meio do
'nativo' [66]. Julgavam ser possível introduzir em Moçambique o património
literário português e transformá-lo em moçambicano.
Na segunda metade da década de 50, o confronto sempre presente entre escritores
e autoridades coloniais começou a agudizar-se. Por um lado, as injustiças do
colonialismo eram cada vez mais evidentes ao reduzido número de intelectuais,
negros ou brancos; por outro, com o início do processo de descolonização, noutras
partes da África, o regime tornou-se mais sensível a qlualquer reclamação anticolonial. Assim, em 1955, surge um suplemento literário, ligado a O Brado
Africano, cuja continuação foi, efectivamente, anulada em 1958. Mais tarde, em
1960, a publicação do livro Poemas do tempo presente, de Virgílio de Lemos,
resultou na prisão e julgamento, em tribunal, do autor, por alegado insulto à
bandeira de Portugal.
5.3 Artes plásticas
Para além das formas de crítica acima mencionadas, as artes plásticas, sobretudo a
escultura e a pintura representaram, também, outra forma de crítica social.
Na escultura Maconde, assistiu-se a uma evolução de qualidades caricaturalistas,
evidenciando-se um refinado desenvolvimento da crítica social. São exemplos, as
figuras da colecç3o do Museu de Nampula, que representavam respectivamente o
Acminist,.'ador colonial, o Secretário da Administração e o Macon'de assimilado
aos costumes ocidentais [67]. A crítica aqui representada surge em defesa da
soberania e patriotismo cultural tradicional, em oposição ao colonialismo. É
importante notarmos que, apesar de a escultura maconde ter sido um elemento
isolado, regional e ter continuado fechada no seu mexo rural, a sua aceitação, no
capítulo 5
230
A Cor.estação da Situação Colonial, 1945-1961
meio intelectuai urbano e a nível internacional, significa que a sua obra foi vista,
pelo meros, como um elemento da cultura nacional.
A pintura ganha uma nova dimensão com Bertina Lopes (década de 40 e 50), e
Malangatana Ngwenya (fim da década de 50), que recriam os motivos da
escultura moçambicana, em geral, nos seus quadros. Bertina Lopes, cognominada
pelo colonialismo a 'pintora revoltada', formada na Escola de Belas Artes, em
Portugal, lidera, na pintura, o movimento de reafricanização. Desenvolvendo uma
acção cultural junto de Craveirinha z Nogar, combate os padrões clássicos
ocidentais, para afirmar as suas raizes africanas. No período 1953-1960, pintava
tudo quanto a impressionasse: a fome, o desespero, a humilhação e a pobreza
[68].
A pintura de Malangatana, com raízes profundamente africanas, contribuiu
fortemente para a revalorização da cultura africana de Moçambique. Malangatana
expôs a sua obra em público, pela primeira vez, em 1959, numa exposição
organizada aquando da vinda do então ministro português do Ultramar. Nesta
estreia, o pintor foi sujeito a fortes críticas, por a visualização imprimida nas suas
obras nada ter a ver com os padrões 'aceitáveis' pela sociedade colonial. De facto,
como se afirma numa síntese de apreciações da obra de Malangatana, o seu
trabalho "representava, claramente, a luta de um povo oprimido para suportar a
violência e selvageria com dignidade, e para libertar-se das manilhas que o ligam
[69].
5.4 A contestação cultural resumida Num ambiente colonial-fascista que garantia
a repressão de outras formas de expressão popular, as canções, música e danças
populares, a literatura e a arte constituíram meios fundamentais para o reforço da
resistência anticolonial. Vieram, também, a proporcionar uma base importante na
discussão dos intelectuais.
Muitas vezes, estes eram estudantes ou funcionários, que tinham conseguido
beneficiar de algum modo do sistema de educação colonial, normalmente, com o
apoio e sacrifício das suas famílias.. Assim, não eram sujeitos às piores.
brutalidades do sistema laboral, mas encontravam a discriminação racial no
acesso aos postos de trabalho e nos salários. Assegurando a circulação das
informações e análises que facultaram o crescimento da ideologia anti-colonial, a
literatura e arte contribuíram, directamente, para a formação intelectual e política
de muitoý que, na
Capítulo 5
fase posterior, se lançaram no movimento de libertação nacional, quer aberta, quer
clandestinamente [70].
Podemos, ainda, concluir que, na década de 50, jovens intelectuais e artistas
encontraram formas, mais ou menos subtis, de crítica ao regime colonial
português, e contribuíram para a evolução do conceito da nação moçambicana e
da cultura nacional.
6. A Sociedade Algodoeira Africana Voluntaria de Moçambique, em Cabo
Delgado
No planalto de Mueda, no norte de Moçambique, desenvolveu-se um movimento
rural que conseguiu aproveitar, temporariamente, do sistema económico colonial
e das circunstâncias específicas locais, para elaborar um sistema de produção que
trazia vários benefícios aos produtores, tendo constituído, na prática, uma ameaça
potencial ao regime colonial, no distrito, e contribuído para as reclamações e
tensões no planalto, nos inícios de 1960.
Em parte, este movimento foi estimulado pela evolução sócio-polftica na vizinha
Tanganhica, cuja experiência passamos a resumir. Após a sua fundação em 1954,
TANU [Tanganyika Africa National Union, precursor da Chama Chama
Mapinduzi] adoptou a já velha tradição de sociedades camponesas de produção e
comércio, como o eixo fundamental na mobilização político-rural. Propunha-se o
incremento das sociedades com o objectivo de promover os interesses dos
produtores dos vários produtos agrícolas, como café e algodão, quebrando o
monopólio dos comerciantes asiáticos e assegurando aos camponeses o acesso às
terras e aos meios de produção modernos, como tractores, insecticidas e apoio
técnico e financeiro. Pode-se verificar que estas mudanças, embora susceptíveis
de reestruturar, parcialmente, o sistema colonial de acumulação, não eram
consideradas socialistas, no sentido de alargar, sistematicamente, a base de
propriedade ou riqueza rurais.
E nesta base que o número de socied-des no Tanganhica se expandiu rapidamente.
De 188 sociedades, com 153.000 sócios, em 1952, passou a 474 com 305.000 em
1957. Em 1959 as 617 sociedades controlavam a comercialização de todo o
algodão e café de produção camponesa [71]. Desta maneira, a estratégia da
TANU tinha resultado em benefícios
232
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
consideráveis, mas requeria para a sua efectivação integral, a tomada do poder
estatal pela maioria, isto é, a independência. As sociedades camponesas
constituíram a base principal da expansão do poder da TANU, atingindo uma
população alienada pelo regime colonial e os régulos, tornando-se, assim, num
símbolo da luta anti-colonial.
Em Cabo Delgado, entre os que acompanharam o desenvolvimento da política
além-fronteira, às vezes através das conversas com migrantes, que regressavam às
suas casas e que tinham assistido a reuniões políticas na Tanganhica, havia um
grupo de aderentes das missões católicas holandesas de Imbuhu e Nangolo, no
planalto de Mueda. Os líderes desse grupo eram Cornélio Mandanda, João
Namimba e Lázaro Nkavandame. Mandanda foi professor em Nangololo entre
1949 e 1951, e depois foi lojista da missão. Escrevia para jornais católicos do
Uganda e Quénia. João Namimba era cozinheiro da missão de Imbuhu.
Nkavandame, o mais velho, tinha 40 anos quando se juntou, em 1957, à missão
Imbuhu, após prolongadas estadias em Tanganhica, durante as quais conseguiu
estabelecer-se no comércio, sendo proprietário de uma loja e de três carros em
Mtwara. Outros membros do grupo eram professores, como Alberto Chipande e
Raimundo Pachinuapa, e catequistas [72].
Entretanto, no norte de Moçambique, o ano agrícola 1955-1956 foi extremamente
mau, o que tornou a principal cultura dos camponeses, o algodão, ainda menos
rentável para os produtores do distrito de Mueda. O rendimento de cada produtor
declinou de uma média de cerca de 240 escudos, no período 1950-1955, para
apenas 96 escudos. A companhia concessionária, SAGAL, sofreu também
prejuízos financeiros. A campanha de 1956-1957 foi muito melhor,
reestabelecendo a norma interior de produtividade na zona (cerca de 250
quilogramas por hectare). O rendimento por produtor subiu para cerca de 450
escudos, devido ao aumento do preço pago ao produtor [73].
Nesse ano, inspirado pelo exemplo dos benefícios que resultaram das sociedades
no território vizinho e pelos melhores rendimentos realizados na colheita e
comercialização do algodão, Nkavandame pôs-se à frente do grupo da missão,
organizando a primeira sociedade camponesa de produção. Era constituída por 12
membros, e chamava-se a 'Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de
Moçambique' (SAAVM), mais conhecida na localidade pelo nome Liguilanilu,
(Kimaconde: 'entreajuda'). Nkavandame e Namimba eram presidente e vicepresidente,
233
Capítulo 5
respectivamente, e Cornélio Mandanda e Raimundo Pachinuapa, os seus
secretários [74]. Segundo Mandanda, o grupo mandou Namimba contactar a
liderança de TANU que, na sua resposta, enfatizou
"a necessidade de se criar uma espécie de associação de camponeses, a fim de
permitir a sua organização e o desenvolvimento da discussão política" [751.
Várias circunstâncias contribuíram para o sucesso e alargamento do
empreendimento, em 1958. Em primeiro lugar, inicialmente, tanto os missionários
como o Governo-Geral português favoreceram o estabelecimento da iniciativa. À
primeira vista, cabia, perfeitamente, na política colonial de enquadramento das
iniciativas económicas africanas rurais. Foi também um meio de fumentar a
estabilidade da população que, de outro modo, preferia trabalhar no Tanganhica
porque obtinha'maior rendimento. Além disso, tanto para as missões católicas
como para o regime colonial, tratava-se de uma necessidade urgente de combater
a crescente infiltração das seitas maometanas, que se verificou no norte do país na
década de 50, através de trabalhadores moçambicanos que regressavam a casa no
fim dos seus contratos [76].
A legislação de 1955, que renovou o sistema de concessões algodoeiras,
simultaneamente autorizou a criação de sociedades camponesas de produção, sob
a tutela das companhias, com o objectivo de fomentar a cultura voluntária, em vez
do regime da cultura forçada. Na lógica do regime colonial, as sociedades de
algodão
n... constituem... um veículo de civilização e um método til de colaboração
dos indígenas nas actividades produtivas das suas regiões" [77].
Para a SAGAL, essa legislação facultou a diminuição, se não a anulação integral,
dos altos custos de supervisão (emprego de capatazes, viagens de inspecção aos
camposí etc.) e administração (emissão e controle de cartões), devendo os
membros de uma tal sociedade assumir esses encargos. Não se estranha, portanto,
que a concretização da SAAVM se procedeu com o apoio de SAGAL, que
continuou a fornecer sementes e a controlar a comercialização do produto [78].
Se estas foram as razões para a tolerância e apoio do regime colonial, numa
primeira fase, outros foram os motivos da aderência a SAAVM de
234
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
mais de 3 mil cultivadores, no segundo ano. O principal motivo foi a
possibilidade de evitar dois aspectos odiosos na economia colonial: quem tivesse
cartão de membro da SAAVM não tinha que fazer trabalho forçado, nas
plantações de sisal de Mpanga e Nangololo (Mocímboa da Praia), nem a cultura
forçada de algodão.
O que reforçou essa motivação foi a aversão generalizada aos régulos, instalados
e privilegiados pela administração colonial, ao trabalho gratuito nas suas
machambas, a sua participação no fornecimento de trabalho forçado para as
sisaleiras, e ao seu papel no controle da cultura forçada de algodão. O facto de a
SAAVM ter algum controle local sobre as formas e relações de produção foi, de
certo modo, importante. Na sua propaganda, Nkavandame enfatisou a ligação
entre esta cooperativa e o bem-estar da população, dizendo, segundo alguns
membros, que a auto-gestão traria benefícios económicos para todos [79].
De facto, a sociedade oferecia uma rara oportunidade de reagir abertamente contra
o colonialismo português, cuja opressão e brutalidade contrastava, cada vez mais,
com o avanço para Uhuru (liberdade), na vizinha Tanganhica. Nesse país, a
campanha para as eleãções gerais de Setembro de 1958, em que a TANU venceu
todos os lugares, e as medidas tomadas em beneficio dos trabalhadores e das
sociedades camponesas, contribuíram para o aumento da tensão social em Cabo
Delgado. Como um relatório confidencial colonial de 1958 afirma, a situação em
Tanganhica
"... tem a sua repercussão no norte de Moçambique, embora não se exteriorisem
porque o 'indígena' sabe perfeitamente que não pode, por enquanto, fazer qualquer
movimento de protesto. Contudo, notamos este ano uma inquietação maior, uma
maior necessidade de reagir contra a rigidez e
severidade dos nossos métodos" [801.
As operações da SAAVM realizavam-se por várias fases. Os dirigentes escolhiam
as zonas para cultivo, onde se fazia o trabalho colectivo do derrube e preparação
dos terrenos, que eram divididos, posteriormente, pelos mesmos oficiais, em
machambas de 4 hectares, para o cultivo por famflias individuais. Conseguiu-se,
assim, a concentração de machambas algodoeiras, que era essencial para um
controle rigido da cultura, tão diffcil de impor, para a administração e
companhias.
Enquanto a maioria dos sócios cultivavam na base do trabalho
235
2Captulo 5
familiar, alguns membros, que tinham capitais suficientes, empregavam
trabalhadores nas suas machambas, em troca de um salário pagável em sal, uma
mercadoria muito escassa no planalto. Nota-se que nessa altura não era difícil
encontrar trabalhadores no planalto. Para além da exaustão dos solos, verificavase, a partir da década de 30, a gradual estratificação social e divisão de terras, em
benefício das linhagens e famflias que se destacavam na estrutura social colonial.
As melhores terras para agricultura eram escassas e, no fim da década de 50,
falava-se da compra e venda dessas terras. Como resultado deste processo, um
número crescente de famflias tinha dificuldades de acesso à terra suficiente para a
produção para o mercado e de subsistência. Membros de tais famlias tinham de
procurar trabalho nas machambas de outros. Em 1958, a situação foi agravada
pelo regresso de muitos migrantes de Tanganhica, relacionado com a crise de
sisal, naquele país.
Utilizando ferramentas normais, os sócios e os seus trabalhadores cultivavam
algodão, em média, 3 dias por semana e as culturas alimentares nos outros 3 dias.
Além disso, alguns plantaram cajueiros. Segundo Mandanda, após a colheita, a
comercialização do algodão processava-se em Imbuhu, sob a supervisão dos
oficiais da sociedade, evitando, assim, os abusos usuais nos mercados de algodão.
O produto era depois transportado para a fábrica num camião de SAGAL. O
dinheiro ficava com o produtor individual, que tinha que pagar a SAAVM 2$50
escudos, anualmente, pelo seu cartão. Desta maneira, a sociedade acumulou
fundos suficientes para a compra de bicicletas, utilizadas na inspecção das
culturas, e material de escritório e escolar [81].
O beneficiário principal do trabalho da SAAVM, nos seus três anos de
funcionamento, foi a concessionária colonial de algodão, que, no planalto de
Mueda, viu aumentar o número de produtores de algodão de 4.262, em 1957, para
mais de 5.000, em 1959 e 1960. A produção aumentou de 732 toneladas, na
colheita de 1957 (isto é , antes do início da SAAVM e, em si, um recorde) para
um pouco mais de mil toneladas nos anos 1959 e 1960. Embora se desconheça
ainda a contribuição precisa das machambas liguilanilu em todo o distrito, o facto
de a grande maioria dos produtores de algodão serem sócios da SAAVM confirma
a sua influência no aumento de produção [82].
Dentro da sociedade, os sócios que empregavam mão-de-obra assalariada nas suas
machambas cram os principais beneficiários. Por
236
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
exemplo, segundo um testemunho, o próprio Nkavandame conseguiu colheitas
avultadas, na ordem de 150 sacos (de 50 quilos cada) de algodão, e Mandanda
cerca de 30 sacos, o que significa que cultivavam mais de um bloco de 4 hectares,
comercializando o total da produção através da sociedade [83]. Segundo o
administrador, já em 1958, Nkavandame tornou-se um dos maiores agricultores
inscritos na cultura de algodão, com produções avultadas [84].
A média geral da maioria dos produtores era de cerca de 4 a 5 sacos por colheita,
o que significava um rendimento total de 600 a 750 escudos, um pouco melhor do
que os 518 escudos que era a média geral para todos os produtores do planalto,
nos anos 1958-1960. Tendo em conta a taxa do imposto, que era 115 escudos na
altura, isto representava uma melhoria considerável sobre o rendimento médio de
cerca de 220 escudos atingido no período de 1950 a 1956. Contudo, alguns sócios
desistiram, devido aos reduzidos rendimentos que conseguiram [85].
O crescimento da SAAVM e o seu bem evidente sucesso, ao nível de mobilização
popular provocou a hostilidade de vários elementos da estrutura económica
existente. Por exemplo, os capatazes da SAGAL ficaram desempregados. Mais
importante, ainda, os régulos e cipaios que, anteriormente, estavam envolvidos no
fornecimento de mão-de-obra às sisaleiras do litoral, mediante gratificações
consideráveis, ou que tinham grandes machambas de algodão, viram ameaçados
os seus rendimentos [86].
Por seu lado, a administração provincial começou a prestar mais atenção ao
significado político da SAAVM, como uma sociedade capaz de tão extensiva
mobilização, com base nas tensões do sistema colonial, e de dispor de fundos
avultados, independentes do controle do governo. Com o objectivo de assegurar o
seu dominio, a administração colonial mandou Nkavandame para o seminário de
Mariri, no sul de Cabo Delgado, no fim de 1959, para completar a 4a classe e
aprender português; privando a sociedade da sua liderança e, segundo
testemunhos dos missionários, iniciando o seu enquadramento na estrutura
colonial [871.
Em resumo, podemos concluir que, em relação à produção, através da SAAVM, a
companhia concessionária ganhava as vantagens das concentrações agrícolas, sem
dispender grande parte dos custos normais. Os camponeses deixaram de ser
forçados a cultivar pela concessionária.
237
As novas relações de trabalho que emergiram na exploração de trabalho
assalariado rural, na acumulação de riqueza e na concentração do poder
económico nas mãos de Nkavandame, estavam longe de ser igualitárias. A
SAAVM era, deste modo, semelhante a multas sociedades na Tanganhica, na
mesma altura.
Não obstante este facto, e apesar de ter, inicialmente, algumas vantagens ao nível
de produção para o colonialismo, a inesperada extensão da mobilização constituiu
uma ameaça às bases em que assentava o regime no distrito. Mostrando uma certa
independência da estrutura sócio-económica colonial, a SAAVM inverteu,
temporariamente, a política colonial de enquadramento, tornando-se uma
potencial ameaça polftica, uma base para possíveis contestações ao regime e os
seus colaboradores, tudo isto agravado pela rápida evolução da Tanganhica para a
independência. Como veremos, as tensões no planalto de Mueda agudizaram-se
nos inícios de 1960.
7. A luta anti-colonial, 1955-1961.
Nos últimos anos da década de 50 as actividades anti-coloniais em África
ganharam novo dinamismo. Após 1957, ano em que a luta nacionalista deu
origem à independência total de Gana, começou-se a programar a independência
da Nigéria, colónia britânica mais populosa em África. A luta anti-colonial na
África do Sul, Rodésias e Niassalândia atingiu novas dimensões. A divulgação da
filosofia pan-africanista e anti-colonial de Aimé Cesaire e de Nkrumah ganhava
vulto entre os intelectuais, nos vários pontos do continente. Enquanto isto,
reflectindo a nova vontade britânica para soluções pacíficas e neo-coloniais,
frente à luta nacionalista africana, o primeiro ministro britânico, falando à
assembleia racista em Cape Town, a 3 de Fevereiro de 1960, referiu-se,
abertamente, aos %ventos de mudança', que sopravam sobre África.
7.1 A criação de organizações políticas internas e externas A partir de 1957,
surgiram organizações políticas, provocadas pela intensificação da exploração
colonial. No entanto, em Moçambique, organizações partidárias, para fins aberta e
fundamentalmente políticos, tinham sido sempre ilegais, não se estranhanio oue as
novas associações,
Capítulo 5
238
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
36. Manifestação política, dirigida pelo Governador-Geral colonial, contra as
Resoluções das Nações Unidas, Lourenço Marques, 1957.
formadas no interior, tivessem, na melhor das hipõteses, tido um carácter político
clandestino, e as suas operações restritas às suas zonas de origem, com alguns
contactos com o exterior.
Sobre estes movimentos há, ainda, pouca informação, devido à sua actuação
clandestina e limitada, e à ausência de estudos aprofundados da materia. A sua
relevância histórica reside no facto de as reclamações políticas democráticas,
senão nacionalistas, se terem alargado para as principais cidades do país, nos
finais da década de 50. Além disso, porque a sua interelação política foi reprimida
pelo regime fascista, o crescimento de um movimento unido anti-colonial no
interior, também, foi impedido [88].
No plano exterior, a luta nacionalista, cada vez mais vigorosa, na África do Sul,
Rodésia do Sul, Niassalândia e Tanganhica, criou um ambiente que encorajou as
actividades políticas de algns imigrantes moçambicanos que trabalhavam
naqueles territórios.
No entanto, na África do Sul e Swazilândia, as condições para se desenvolver
uma luta consequente em prol da independência de Moçambique eram pouco
melhores que no interior, devido à crescente vigilância
239
Capítulo 5
da polícia sul-africana, e a sua colaboração com a PIDE. Mesmo assim, nos finais
da década de 50, formou-se na África do Sul a Convenção do Povo de
Moçambique. Para além do facto de, segundo a PIDE, a organização reclamara a
independência de Moçambique, pouco se sabe sobre esta organização,
exceptuando os nomes dos seus lideres, Diniz Menjane, de Manjacaze e residente
em Durban, Tomas Nhantumbo, de Madender, e Dr. Agostinho Ilunga, que
representava o partido na Suazilândia, e que pretendeu mobilizar migrantes nestes
territórios [89].
Na Rodésia do Sul, na altura, as condições para a luta política não eram muito
melhores. Trabalhadores moçambicanos radicados em Salisbúria (hoje, Harare) e
Bulawayo formaram, no fim da década de 50, a 'Mozambique East African
Association' (Associação Moçambicana da África Oriental). Segundo um dos seus
colaboradores, a liderança pertencia ao Rev. U. T. Simango, Philip Foya, Gabriel
Moyana, Philip Madzedzere, Jaime Khamba, C. Sadaka e P. Katsande. Para
sobreviver, num ambiente em que a PIDE e a polícia de segurança rodesiana
colaboravam, cada vez mais, a organização consultou o consulado português,
sobre alguns dos seus objectivos, chegando mesmo a alterar o seu nome, após
longas discussões, para 'The Portuguese East African Association' (Associação
Portuguesa da África Oriental). Confundindo os objectivos com os de uma
associação de mutualidade, isto é , de apoio social aos moçambicanos e seus
familiares, esperava abrir gabinetes, em várias cidades dentro de Moçambique.
Por seu turno, o regime colonial português considerou a associação um veículo
para a localização de moçambicanos, na Rodésia do Sul, a fim de os vigiar melhor
e de proceder à cobrança de impostos [90].
Em Tanganhica, ainda protectorado britânico, cuja independência formal estava
prevista, então, para breve, trabalhadores moçambicanos constituíram várias
organizações, entre as quais se destacaram a 'Tanganyika-Mozambique Makonde
Union' (União dos Maconde de Tanganhica e Moçambique), formada em 1958, e
a 'Makonde and Makua Zanzibar Union' (União dos Maconde e Makua no
Zanzibar). Inicialmente, a primeira destas organizações estava organizada em
moldes etnicos. Segundo a sua constituição, os seus membros só podiam ser os
Maconde do sul de Tanganhica e de Moçambique. Além da assistência social em
casamentos e enterros, entre os seus objectivos, que eram semelhantes aos de uma
associação de ajuda mutua progressiva,
240
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
figuravam os de
"promover um ambiente de laços fraternais e amigáveis entre membros, e de
fomentar este espírito entre todos os membros da nossa tribu ... (e de)
zncorajar a educação acadêmica e técnica dos filhos dos membros" [91].
Segundo um relatório colonial, os inspiradores da União eram elementos
católicos, apoiados pelos missionários instalados nos dois lados da fronteira, que
viam na União um meio de lutar contra a expansão islâmica na região. O seu
primeiro chefe foi um carpinteiro moçambicano, da missão de Mikindani, que
conseguiu muitos adeptos entre os Maconde de Dar es Salaam e Tanga. Deve-se
notar que a União não podia deixar de se tornar num movimento político, no
sentido de pretender elevar o nível social e económico dos seus membros, que o
sistema colonial português negava. A União, que funcionava em paralelo com a
SAAVM, encetou o seu trabalho político em Cabo Delgado nos inícios de 1960
[92].
7.2 0 massacre de Mueda e a repressão de 1960-1961 Nessa altura desenvolveu-se
no planalto de Mueda um ambiente de tensão política devido à confrontação
entre, por um lado, os camponeses, a SAAVM e a União Maconde e, por outro, as
autoridades coloniais determinadas a manter, com rigidez, a antiga estrutura de
exploração.
De facto, cônscios dessa rigidez, as reclamações que os representantes da União
apresentavam à administração, por diversas vezes nos inícios de 1960, eram
relativamente moderadas. Pediam o fim do trabalho forçado, a autorização para
fazer a propaganda da SAAVM, a abertura de lojas e a venda livre e a preços
aceitáveis, de cabritos, galinhas e ovos.
No final do terceiro encontro, em 12 de Junho, o administrador propôs um outro
encontro no dia 16, na presença do Governador da província. Chegaram o
Governador e um pelotão da tropa colonial de Porto Amélia (Pemba), e os sipaios
chamaram a população para a reunião marcada para o dia 16. Segundo
testemunhos da reunião, o Governador colonial começou por assegurar a
população que havia boas perspectivas de colheita, naquele ano, mas, perante as
reclamações apresentadas, decidiu mandar os porta-vozes, Faustino Vanomba e
Kibiriti Diwane, à cadeia. A reunião transformou-se numa insurreição popular,
não
241
242
Capítuo 5
deixando arrancar o carro em que os prisioneiros iam algemados. O Governador
colonial mandou o pelotão abrir o fogo. Centenas de manifestantes foram
brutalmente massacrados a tiro e a baioneta [93].
Este massacre confirmou, sem qualquer possibilidade de dúvida para a população
local e para os que ouviram falar dele, a verdadeira natureza do colonialismo
português. Veio a ocupar um lugar-chave na hist6ria da luta anti-colonial,
moçambicana e regional, contribuindo significativamente para a
consciencialização popular de que a resistência pacífica era em vão [94].
Outros acontecimentos contribuíram para a mobilização política moçambicana no
mesmo ano. Se 1960 foi o ano das 'independências', em que 17 colónias africanas
se tornaram independentes, foi também o ano do massacre de Sharpeville (21 de
Março) e do banimento do ANC na África do Sul, que marcou o fim de qualquer
possibilidade de luta pacifica nesse país. No Congo, devido à ausência de
instituições políticas centralizadas, desenvolveu-se, imediatamente após a
independência, uma
37. Reportagem do julgamento dos dirigentes Moçambique, Lisboa, 28.2.1962.
Terminou na Boa Hora
o julgamento
dos dois moçambicanos
LISBOA, 1 ,(Lusitãnia). - No Plenário Criminal da Boa Hora, terminou o
julgamento dos moçambicanos Diniz Menjane oW Diniz Mossossote, de 30 anos,
e de Tomás Betulane Nhantumbo,, de 31 anos, que organizaram na Africa do Sul
um movimento denominado x<Convenção do Povo de Moçambique> que tinha
por fim principal sóparar da Mãe-Pátria aquela província.
Foram condenados a 4 e 2 anos e meio de prisão respectivamente, a 15 anos de
suspensão dos direitos , políticos, e a medidas de segurança por um .período de 3
anos, depois de cumpridas as sentenças. Presidiu o desembargador Silva Caldeira.
da Convenç4o do Povo de
PRINCIPIOU
:.na Boa-Hora
o julgamento de deis me.' ca*bicanos acusados de
crime grave contra a in*
legridade da Pátria
LISSOA. ti (LUcIloiaI. <No PlenOrio Criminei de Boa Nlora começou o
julRamento dos mOÇambiconol Diniz MonhoC ou 01n1 MASiMosse0. de 30
anos. < n*lural de Manjacae . residonle em Ourban. Arica do Sul, a Tomás Bolule
Nhantumbo, de 31 anos, natural de Madender. Ambos ; acusados do crime Sravo
contra a mnleridade de Patrio. Os réus orlanliaram na RlOpubllce da Agrica do
Sul, um partido ou movimenfo denOmi nado .Cononenoe do povo de
MeçmbIque., Que linha o fim principal de porar a Mie PáIria daquela- ProvlncIa
e vi.iam ambos na clandoestinidad, endo peeculdore, de documentos laios,
relaclonados com a idolidad que izavem. :o|pectiol. mento os nomes de Dennia
"'rIu MOlfey 0 Thomas r arlfol SeCnde o dcpacho do pronúnela. : maio orevisto
poro leoarar a Provincie da Mae Pueril
*r* O vilin i" * l¢oud. . luta de lrrnrllll. 0 rtuz colaboranem com o Or. Aulfín I
filunse, lã concenado. Tinham rll84es com os NOclO1 Africanos de ena cem e
chemado -,urolu 01 Alfrcan Aflar",. movlmenlo cac 0o00 cm Sana. A eSio da
lerdo de boje fOi preenchida com um demorado Inlerroialrie aos rõu e leiquI.
ri0o dos d oclaranes o das fel,O ac1celi
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
crise política de graves proporções, que culminou com um golpe de estado, uma
guerra civil, e a intervenção das Nações Unidas. No norte de Angola, o
levantamento que se iniciou, em meados de Março de 1961, foi brutalmente
reprimido pelo regime português, mostrando de novo as intenções colonialistas
portuguesas [95].
Em Moçambique, notícias destes acontecimentos foram acompanhadas por uma
crescente e intensa repressão pelo regime colonial, o que, por sua vez, provocou a
afluência de uma nova onda de refugiados, especialmente ao Tanganhica, em
1961 [96].
A intensificação da repressão em Moçambique resultou também, em 1961, no
assassínio de chefes tradicionais como Zintambira Chicusse de Angónia, um
antigo oponente do regime colonial, e outros chefes ligados à luta anti-colonial. A
PIDE aumentou a sua vigilância nas fronteiras e a sua colaboração com as forças
policiais da África do Sul, Suazilândia e Rodésia do Sul. Membros da 'Portuguese
East African Association' (Rodésia do Sul) foram raptados, em 1961 e inícios de
1962. Os lideres da Convenção do Povo de Moçambique, Dr Agostinho Ilunga
(Suazilândia), e Diniz Menjane e Tomás Nhantumbo (África do Sul) foram
julgados e sentenciados em Lisboa, no mesmo período [97].
7.3 0 ambiente político em Lourenço Marques e a revitalização do NESAM
De facto, o crescente ritmo dos acontecimentos relacionados com o destino
político da África não podia deixar de ter uma influência considerável na vida
política em Lourenço Marques, sobretudo, nos jovens instruídos. Um testemunho
de Samora Machel descreve este impacto psicológico e intelectual:
"comeeei a pensar a sério sobre a possibilidade da independência de
Moçambique... Foi então que, simultaneamente com essas ideias, começou
a realizar-se a consciência de ser oprimido, desprovido e explorado.
"Nessa altura, as autoridades portuguesas incrementavam a repressão de todos os
africanos alfabetizados e educados. Estimulou muito a nossa curiosidade para
saber porque queriam que não lessemos jornais, ou escutassemos emissões
estrangeiras. E depois veio 1961 em Angola..."[981.
Nestes anos, o NESAM volta a ser, para a mocidade negra instruída, e com os
sempre necessários subterfúgios contra a vigilância policial,
243
Capítulo 5
uma plataforma para a discussão e comunicação, não só sobre o problema de
educação discriminatoria como, também, sobre o nacionalismo e independência.
Entre os membros que asseguraram essa nova dinâmica por volta de 1959/1960
destacam-se Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Luís Bernardo Honwana,
Augusto Hunguana, Filipe Samuel Magaia, Mariano Matsinhe, Josina Muthemba,
Pascoal Moeumbi, e Jorge Tembe, entre outros.
Este processo veio a ser acelerado pela passagem de Eduardo MondIane por
Moçambique, em 1961, como emissário das Nações Unidas, onde trabalhava.
Organizaram-se manifestações de recepção a Mondlane, pintaram-se cartazes
denunciando o Governo colonial e prepararam-se também panfletos distribuídos
pelos correios em vários pontos no país. Estas e outras actividades clandestinas
levaram nacionalistas como Albino Maheche, Amaral Matos, Virgílio Lemos e
outros à cadeia, em 1961 [99].
De facto, os jovens do NESAM, embora relativamente privilegiados, lutavam
num ambiente pouco propício para assegurar a sua educação, particularmente, ao
nível superior, e a sua evolução cultural e política. Debateram e propuseram
mudanças consideráveis no Núcleo, com maior ênfase para o alargamento do
âmbito da sua formação, através de palestras organizadas e, especialmente, da
actualização da biblioteca. Por outro lado, deveria dar-se menor ênfase às
tradicionais festas e bailes de puro divertimento.
Além disso, foi proposta a colaboração com a Associação dos Naturais onde, no
fim da década de 50, um pequeno grupo de brancos anti-fascistas conseguiu tomar
controle da direcção, abrindo as suas portas a indivíduos de outras raças, e
promovendo vários cursos de formação, que o sistema oficial não facultava aos
negros. Esta proposta encontrou a hostilidade da liderança do Centro Associativo
dos Negros [CANI, orgão de tutela do NESAM, cujo presidente, um fiel do
regime, estava mais interessado na promoção de divertimento desportivo do que
da educação e cultura [100]. Como observou o responsável da biblioteca do
NESAM, Luís Bernardo, em 1961, em relação às aspirações da juventude, havia
"... mais vontade na parte exterior do Centro, isto é, nas pessoas que não estavam
ligadas a ele, do que nas pessoas que do Centro faziam
parte" [101].
244
A Contestação da Situaçao Colonial, 1945-1964
Esta contradição agudizou-se no ano seguinte, o que levou a destituição do
próprio presidente do CAN e, com a luta de libertação já iniciada, ao período de
maior dinamismo político-cultural do Núcleo. Contudo, pouco tempo depois, a
sua actividade foi minada pela infiltração crescente de agentes coloniais, e em
1965 foi oficialmente banido.
O próprio Mondlane resumiu o papel que o NESAM começou a assumir, nessa
altura, da maneira seguinte:
"A eficácia do NESAM, como a de todas as organizações dos primeiros tempos,
era estritamente limitada pelo pequeno número dos seus membros ...(.)... Mas,
pelo menos de três maneiras, deu um importante contributo para a revoluçáo.
Comunicou ideias. nacionalistas à mocidade negra instruída. Conseguiu certa
revalorização da cultura nacional, que contraatacou as tentativas dos portugueses
para levarem os estudantes africanos a desprezarem e abandonarem o seu próprio
povo. Deu a única oportunidade de estudar e discutir Moçambique sem ser como
um apêndice de Portugal.
E, talvez o mais importante de tudo, cimentou contactos pessoais, estabeleceu
uma rede de comunicação a nível nacional, que se formou entre gente de todas as
idades, e que podia ser utilizada por um futuro movimento
secreto" [102].
7.4. A evolução das organizações moçambicanas nos territóri's vizinhos
Perante a repressão dMlonial no interior, a organização polftica moçambicana no
exterior registou mudanças. Na Rodésia do Sul, nos fins de 1960, um grupo de 3
trabalhadores moçambicanos em Bulawayo, chefiado por Adelino Gwambe, e um
outro grupo de 7 trabalhadores em Salisbúria (Harare), chefiado por Lopes
Tembe, formaram a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO),
sob a liderança de Adelino Gwambe [103].
Esta organização era mais claramente virada para a independência de
Moçambique do que a antiga Portuguese East Africa Association, e tinha ligações
com o Movimento Democrático Africano de Moçambique (Vila Pery, hoje
Chimoio) e, possivelmente, com o Movimento Nacional de Moçambique, na
Zambézia, para além dos contactos com moçambicanos na África do Sul.
Contudo, as novas medidas repressivas do regime rodesiano contra a luta anticolonial, e a facilidade com que a PIDE
245
Capítulo 5
operava na colónia britânica, condicionou a saída de UDENAMO para
Tanganhica, no início de 1961.
Uma outra organização que surgiu como resultado dos acontecimentos de 1960
foi a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI). O seu
líder, Baltazar Chagonga, foi preso nesse ano, temporariamente, devido às suas
críticas à repressão colonial. Exilado em Niassalândia, foi, também, a Dar es
Salaam em 1961 [104].
Entretanto, os progressos da luta anti-colonial na África oriental tinham resultado
na formação, em 1958, do 'Pan-African Freedom Movement for East and Central
Africa' (PAFMECA: Movimento Pan-africano para a Libertação da África
Oriental e Central). Inspirada por Julius Nyerere e Tom Mboya (líder sindical do
Quénia), esta organização pretendeu implementar, no contexto regional, a
filosofia pan-africanista, elaborada principalmente por Kwame Nkrumah. A
materialização dessas ideias requeria a construção de uma federação dos
territórios, futuramente independentes, da África oriental e, com o avanço de
alguns desses países para independência, o apoio aos movimentos anti-coloniais,
nos territórios em que o direito à independência não estava, ainda, reconhecido.
Neste ambiente político, fomentou-se a transformação das antigas associações dos
Makonde e Makua na Tanganhica ('Tanganhica-Mozambique Makonde Union' e
'Zanzibar Makonde and Makua Union'), na 'Mozambique African National Union'
(MANU: União Africana Nacional de Mozambique), fundada em Mombaça,
Quénia, em Fevereiro de 1961 [105].
7.5 As organizações unitárias contra o colonialismo português Paralelamente à
dinamização do movimento anti-colonial em Moçambique e nos territórios
vizinhos, entre 1957 e 1961, começou uma nova fase na evolução das
organizações anti-coloniais radicadas na Europa. Entre 15 e 18 de Novembro de
1957, teve lugar, na casa de Marcelino dos Santos, em Paris, a 'Reunião de
consulta e estudo para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo
português', com Amilcar Cabral, Guilherme Espírito Santos e outros. Tendo
analisado a experiência das lutas anti-coloniais, na década de 50, os participantes
elaboraram um manifesto, que apelava à luta patriõtica dos povos das colónias
portuguesas de forma científica e organizada, baseada na unidade política,
246
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
38. Figuras nacionalistas da iÍfrica Austral em Marocos na altura da criação da
CONCP, 1961.
nacional e internacional, e na força fundamental dos trabalhadores. No entanto,
um dos principais problemas era o desconhecimento, a nível internacional, sobre
as colónias portuguesas, devido à repressão fascista de informação. Para
ultrapassar este obstáculo, a reunião criou o Movimento Anti-colonialista (MAC)
[106].
Estimulado pelo avanço da luta de libertação, em África, pela efectuação da
política de descolonização elaborada pela Inglaterra e França e, sobretudo, pela
perspectiva de uma ajuda concreta dos países agora independentes, o MAC
ganhou uma nova dinâmica e mudou para a África. Em Janeiro de 1960 o MAC
transformou-se na Frente Revolucionária para a Independência Nacional das
colónias Portuguesas (FRAIN), para representar os povos das respectivas colónias
portuguesas na Conferência dos Povos Africanos, em Tunes no mesmo mês [107].
Os massacres de Mueda e de Sharpeville, a formação da UDENAMO, MANU e
UNAMI, e a vontade expressa por Gana, Guiné,
247
Capfiuo 5
Egipto, Marrocos, Argélia e Mali na Reunião dos Chefes do Estado Africanos em
Casablanca em Janeiro de 1961 para apoiar a liquidação do colonialismo em todo
o continente deram mais um impulso ao movimento internacional contra o
colonialismo português. Na mesma capital, entre 18 e 20 de Abril de 1961, teve
lugar a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas
(CONCP), que constituiu o primeiro encontro dos movimentos opostos ao
colonialismo português.
Para Moçambique, a UDENAMO foi a representante à conferência, que sublinhou
a necessidade de unidade e coordenação política entre, não só, as organizações
que participavam na conferência, como também, as que não estavam presentes.
Comprometeu-se a lutar contra o colonialismo e o neo-colonialismo, não
especificando, contudo, os meios a ser adoptados. A conferência enfatisou a
necessidade de esclarecer o povo português, sobre a justiça da luta dos povos nas
cólonias, diferenciando, assim, os interesses do povo e os da burguesia
portuguesa. A conferência tornou-se num movimento permanente, estabelecendo
um secretariado, com o objectivo de coordenar os esforços diplomáticos e de
enfrentar o colonialismo português na base de uma posição unida. Marcelino dos
Santos foi eleito o Secretário-Geral e, a fim de promover unidade entre os
movimentos moçambicanos, foi a Dar es Salaam, nos meados do mesmo ano
[108].
8. Resumo e conclusão
1. No período 1945-1961, a luta anti-colonial foi desenvolvida em várias formas,
entre as quais se destacam a resistência contra aspectos da exploração económica
colonial, a formação de movimentos políticos dentro e fora do país, e o seu
acompanhamento cultural e intelectual.
2. A repressão colonial fascista de todas as actividades políticas impediu que estes
movimentos se pudessem desenvolver dOntro do país. Foi-lhes negada a
possibilidade de evoluir, através de um prucesso de elaboração de programas e de
formas de organização, em consulta aberta com o povo. Da mesma forma, foi
impossível o seu interrelacionamento ou unificação, impedindo a construção, no
interior do país, de um muvimento unificado, que representasse as várias camadas
sociais em todas as regiões. Deste modo, a luta anti-colonial moçambicana foi
bastante
248
A Contestaçao da Situaç&o Colonial, 1945-1961
diferente das lutas nos territórios vizinhos. Por exemplo, mesmo na Rodésia do
Sul, a interligação entre os sindicatos africanos legalizados e o movimento
político constituía uma parte integrante do movimento nacionalista. Na África do
Sul, os múltiplos movimentos que, em 1955, formaram a 'Aliança do Congresso'
para enfrentar o 'apartheid', tinham um passado muito rico de acção aberta.
3. As or'ganizações moçambicanas que se encontravam no Tanganhica, em 1961,
reflectiam ainda as circunstâncias da sua origem diversa, entre migrantes
moçambicanos radicados no estrangeiro. A MANU estava virada quase
exclusivamente para a melhoria das condições dos residentes de Cabo Delgado. A
UDENAMO, embora pequena, era composta de moçambicanos oriundos de
várias províncias, como Tete, Gaza e Maputo, e tinha uma visão mais ampla dos
problemas dos camponeses e trabalhadores moçambicanos. A UNAMI era ainda
mais pequena que a UDENAMO e o seu suporte estava baseado em Tete e no sul
da Zambézia.
4. Além disso, embora a liderança da UDENAMO falasse da incapacidade do
regime português em estruturar reformas e, por conseguinte, a necessidade de
liquidação do colonialismo e da conquista da independência nacional [109],
nenhuma das organizações tinha um programa elaborado que visasse a
concretização da luta contra a repressão político-militar portuguesa, em
Moçambique. Por estas razões, as organizações moçambicanas, no exílio, eram
diferentes dos movimentos e partidos nos países vizinhos, como TANU e KANU
(no Quénia), que já tinham desenvolvido linhas políticas e programas de acção,
adequados às circunstâncias específicas em que operavam.
5. Desta forma, nos fins de 1961, a fase de avanço da luta anti-colonial, tratava,
não meramente da unificação dos movimentos existentes, mas da construção de
um programa e de-um aparelho político, capazes de derrubar a forma específica
do colonialismo em Moçambique.
249
Capítulo 5
NOTAS
1. Ver cap. 4.
2. Ver, inter alia, W. Abendroth, A short history of the European working class,
Londres: NLB, 1972, pp. 101-156; F. Claudin, The Comunist movement.from
Comintern to Cominform, Londres: Penguin, 1976, pp. 307-369.
3. Ver A. Moreira, 'Barreiro: as greves dos anos 40', Diário de Notícias,
(Lisboa), 28.6 1984; A. de Figueiredo, Portugal. fifly years of dictatorship,
Londres: Penguin, 1975, pp. 115, 117; A. H. de Oliveira Marques, História de
Portugal, Lisboa: Palas Editora, 1973, p. 343; M Sertório, 'Da guerra do
carimbo a ASP', Diário de Notícias, 23.9.1984.
4. Notícias, (Lourenço Marques): 7.2.1945; Vail e White, Capitalism and
colonialism in Mozambique..., pp. 302-303.
5. Figueiredo, op. cit., pp. 115-117; Oliveira Marques, op. cit., pp. 344.
6. Abendreth, op. cit., p. 126; D.F. Fleming, The Cold War and its origins,
1917-1960, 2 vos., Londres: Alen e Unwin, 1961, vol.1, pp. 265-520.
7. Figueiredo, op. cit., p. 124; Oliveira Marques, op. cit., p. 347; BO 8,
25.2.1950, Decreto-lei 37:732, de 13.1.1950.
8. D. O'Meara, 'The 1946 African mineworkers strike and the polítical economy
of South Africa', Journal of Conmnonweafth and Comparative Politics, 13(2) July
1975, pp. 146-173; A. Turner, 'The growth of railway unionism in the Rhodesias,
1944-1955', in R. Sandbrook e R. Cohen (coord.), ne development of an African
working ciass: studies in class formaion and action, Londres:
Longman, 1975, pp. 73-98.
9. Ver, entre outros, O'Meara, op. cit., pp. 161-169. 10. A. Sopa, 'Catálogo de
periódicos moçambicanos, precedido de uma introdução
histórica, 1854-1984', Trabalho de Diploma, (Licenciatura em História com
especialidade em documentação), UEM, AHM, Maputo, Julho 1985, pp.
257-258; ver também, 1. Casimiro, 'Movimento associativo como foco de
nacionalismo-movimento estudantil - NESAM e AAM', UEM, DH,
dactilografado, 1979. p. 7.
11. Sopa, op. cit., pp. 257-258.
12. E. Friedland, 'A comparative study of the development of revolutionary
nationalist movements in southern Africa - Frelimo (Mozambique) and the
African National Congress of South Africa', Ph. D thesis, City University, New
York, 1980, p. 144, citando Eduardo Mondíane, 'Frelimo: the real choice',
Tricontinental, (Havana), May-June 1969, pp. 100-101.
13. P. V. Tobias, 'A little known chapter in the life of Eduardo MondIane',
Genève-Afrique, vol.XVI, No.l, (1977-1978), pp. 119-124; E.A. Hawley,
'Eduardo Chivambo Mondíane (1920-1969): a personal memoir', Africa Today,
250
A Contestaç4o da Situação Colonial, 1945-1961
26(1) 1979, p. 20; C. Khambane e A.D. Clerc, Chidango: filho de chefe, Maputo:
Cadernos Tempo, 1990, esp. pp. 135-218; T. Cruz e Silva e A. José, 'Eduardo
Mondiane: a traject6ria de um nacionalista', Cadernos de História,
8(Outubro, 1990), pp. 5-53.
14. Hawley, op. cit., p. 20; Dr. A. Manghezi, comunicação pessoal. 15. Palavras
do Procurador-Geral português em Moçambique: Friedland, op. cit., p.
144, citando Mondlane, 'Statement submitted to UN General Assembly, 17th
Session', Special committee on territories under Portuguese administration,
9.4.1962 (A/AC. 108/11)
16. Eduardo Mondlane, Lutar por Moçambique, Lisboa: Livraria Sã da Costa
Editora, 1977, p. 121.
17. BO 8, 25.2.1950, Decreto-lei 37:732, de 13.1.1950. Segundo essa lei, a
advocacia da independência de Moçambique da 'mãe-pátria' (Portugal), era
considerada crime.
18. 'Statement made by Mondlane to UN Special Committee on territories under
Portuguese Administration, 8th meeting, 9.4.1962', in R. H. Chilcote, Emerging
nátionalism in Portuguese Africa. Documents, Stanford: Hooverlnstitution Presa,
1972, pp. 412-421.
19. Ver Casimiro, op. cit., pp. 8-9; para a formação das Associações, ver Cap. 2,
ponto 3.2.
20. SR II, pp. 61-63,. esp. depoimentos dos régulos Chiteve e Lucine; BO 47,
18.11.1944, Portaria 5792.
21. A. José, 'Beira: lembranças da cidade colonial', Arquivo, 6 (1989), pp. 190193,
depoimento de Raul Domingos Mucacho. 22. Ibid., p. 191.
23. AHM, Fundo do Secretário de Administração Civil, Cx. 21, Processo de
averiguações relativas às actividades do Núcleo Negr6fdo de Manica e Sofala,
28.11.1955.
24. BO 12, 24.3.1956, P. 11404.
25. Ver Samora Machel, entrevistado por John Saul, 1974; 1. Christie, Machel of
Mozambique, Harare: Zimbabwe Publishing House, 1988, pp. 9-10.
26. P. Chabal, Amilcar Cabral. Revolutionary leadership and people's war,
Cambridge University Press, 1983, pp. 43-46; na altura da formação do CEA,
Mondlanejá tinha saído para os EUA.
27. T. H. Henriksen, Mozambique. A history, Londres: Rex Collings, 1978, p.
165. 28. Chabal, op. cit., p. 46.
29. Ver cap. 4, pontos 4.4 e 5.1
30. Ver J. Penvenne, 'Here everyone walks with fear. The Mozambican labor
system
and lhe workers of Lourenço Marques, 1945-1962', in F. Cooper, ed., Struggle for
the city: migrant labor, capital and the staté in urban Africa, Beverly
Hilis/Londres: SAGE, 1983, pp. 139-140.
31. Brigada do DH, UEM, 'A resistência popular à cultura forçada de algodão em
Captulo 5
Moçambique, 1930-1961', Maputo: mimeo, 1979, p. 5, citando Arquivo do
Instituto do Algodão, JEAC, 'Confidencial 1947', subdelegado JEAC Beira
(António Mira Mendes) ao chefe da Delegação (Lourenço Marques), 24.12.1947.
32. AHM, FGG, A. M. da Silva, et ai, 'Mogovolas. Relatório da Brigada de
Estudos, 1951'.
33. Brigada do DH, UEM, op. cit., pp. 5, n. 51, 6; Mahawani Khosa, entrevistado
por Alpheus Manghezi e Salomão Zandamela, Guijane, Gaza 17.2.1979; N. S.
Bravo, A cultura algodoeira na economia do norte de Moçambique, Lisboa:
Junta de Investigações do Ultramar, 1963, p. 120. 34. Brigada do DH, UEM, op.
cit., p. 6. 35. Eugênio Niquaria, entrevistado pela Brigada do DH, UEM,
Montepuez,
24.7.1979.
36. AHM, FNI, Cx.117, Chefe da Repartição Central dos Negócios Indígenas,
Inquérito à Circunscrição dos Muchopes, 10.7.1951.
37. Gabriel Makave e Abner Ngwenya, entrevistados por Alpheus Manghezi,
Guijane, Gaza, 16.2.1979; Abner Ngwenya, entrevistado por Alpheus Manghezi,
Ximbongweni, Gaza, 15/18.5.1980; AHM, ISANI, Cx. 26, A. Policarpo de Sousa
Santos, Inspecção ordinária à circunsrição de Guijá (Sede, e posto de Massingir)
do período de Agosto de 1942 a Janeiro de 1957, pp. 51-54, 124-6; K. Hermele,
Land struggles and social dífferentiation in southern Mozambique: a case study of
Chokwé, Limpopo, 1950-1987, Uppsala: Scandinavian Institute of African
Studies, 1988 [Research Report, N1 82], pp. 39-41; para indicações sobre as
desordens e confrontações entre negros e operários brancos atendentes ao início
das obras, ver AHM, FGG, Cx. 373, Brigada Técnica de Fomento e Povoamento
do Limpopo, Vol.1I, Chefe do Gabinete do Governador Geral ao
Comandante de Polícia, Lourenço Marques, 28.8.1953.
38. J. Head, 'State, capital and migrant labour in Zambézia, Mozambique: a study
of the labour force of Sena Sugar Estates, Limited', Ph.D thesis, University of
Durham, 1980, p. 324; B. Munslow, Mozambique." lhe revoluion and its origins,
Londres: Longman, 1983, p. 76; J. Marcum, 7he Angolan revolution: vol. 1, lhe
anatomy of an explosion, (1950-1962), Cambridge: Massachusetts Institute of
Teehnology Press, 1969, pp. 196-197; para a agudização da luta nas sisaleiras, ver
D. Bolton, 'Unionisation and employer strategy: the Tanganyika sisal industry,
1958-1964', in P.C.W. Gutkind, R. Cohen, e J. Copans, [coord].
African labor history, Beverly Hills/Londres: SAGE Publications, 1978, pp.
175-204; sobre MANU, ver ponto 7 em diante.
39. Head, op. cit., pp. 346, 352; J. Head, 'Opressão colonial e formas de luta dos
trabalhadores: o caso da Sena Sugar Estates', Não Vamos Esquecer, 2/3
(Dezembro 1983), p. 41.
40. AHM, FNI, Cx. s.n., Agência da Curadoria dos Indígenas da Circunscrição de
Magude [daqui em diante ACMI, 1954, fis. 2-6, 19-21, 25-26. 41. Ibid., fis. 2930.
252
A Contestaçdo da Situação Colonial, 1945-1961
42. Ibid., fis. 31. Além disso, há notícias de greves na plantação de açúcar de
Xinavane em 1947 e 1949 e, possivelmente, em 1952 [Munslow, op.cit., p. 72;
Friedland, op.cit., p. 161.
43. AHM, FNI, Cx. s.n., Corpo da Polícia Civil, Serviços de Segurança [daqui em
diante CPC/SS], Proposta no. 129, 9.9.1947, 1947, fis. 3-3v, 143v.
44. BO 51, 22.12.1937, P. 3245, p. 596; BO 25, 27.6.1942, P. 4768, p. 180;
AHM,
FNI, CPC/SS, Proposta no. 84, 8.6.1949, i. 16, del. de Angelo Barrame Júnior,
11.4.1949, i. 16; deci. de Porfírio Ventura Lourenço, 8.4.1949, i. 4; BA, 24.4. e
27.11.1948, 26.2., 5.3 e 26.3.1949; recortes destes artigos jornalisticos foram
incluídos em AHM, FNI, CPCISS, Proposta no. 84. No presente estado de
investigação, não se pode concluir que os artigos incentivaram directamente os
trabalhadores, se bem que, por sua parte, a polícia de segurança concluísse que
foram 'a causa principal" das reclamações e da greve [ibid.,
Relatório do encarregado dos Serviços de Segurança, i. 41v].
45. Ibid., decl. do António de Barro Pereira, 11.4.1949, i. 9, dcl. do Angelo
Barrone Junior, i. 16, decl. de M. A. Bulley, 11. 4. 1949, i. 14, decl. de Joaquim
Maria Rodrigues, 10.4.1949, fi.5, Relatório do encarregado dos Serviços de
Segurança, 13.5.1949, is. 41-43, parecer de A. Montanha, 31.5.1949; Proposta de
8.6.1949 (A. Montanha); despacho do Governador-Geral,
9.6.1949; informação de 2.11.1949, is. 45-48v; Notícias, 9.4.1949.
46. AIM, FNI, Cx. 119, Circunscrição do Maputo (daqui em diante CM),
Processo
de averiguações aos acontecimentos ocorridos na pedreira dos Caminhos de Ferro
situada em Goba, 23.9. 1954, Relatório do Administrador, fi.180; Relatório da
Repartição Técnica da Indústria e Geologia), is. 229-230; Relatório da Inspecção
dos Serviços de Assistência aos Trabalhadores Indígenas, fl.233-234; Despacho
do Governador-Geral, i. 212.
47. Ibid., Relatório do Administrador, i. 183. 48. Ibid., is. 185-187, 190-196;
declarações de Candir e Majaule Zendiquia
Nhanombe Pamuane, is. 29v, 33v.; declarações de Majaule Zendiquia
Nhanombe Pamuane e Penicelo Notiço Guambe Joaquim, is. 32-39.
49. Ibid., Relatório do Administrador, fis. 190-196, 207; Despacho do
GovernadorGeral, li. 212v.
50. AHM, FNI, CPC/SS, 1947, li. 143; 1949, fis. 10, 41v.; ACM, 1954, is. 29-30;
Cx. 119, CM, 1954, i. 202.
51. Mondane, op.cit., (1977), p. 109.
52. Ibid., p.110; Quissico é a sede do distrito de Zavala, (a onde os refractores
foram levados para punição).
53. Ver Tempo, 505, 15.5.1980, p. 55. 54. E.A. Alpers, 'The role of culture in the
liberation of Mozambique', Ufahamu,
vol. XII(3) 1983, pp. 155-163; Vail e White, op.cit., pp. 340-347.
55. G. Liesegang, 'Ngoma ya hosi Ngungunyane', in W.J.G. Mohlig, F. Rottland
e B. Heine, (coord.), Zur Sprachgeschichte und Ethnohistórie in Afrika. Neue
253
2«pítulo 5
Bertrage afr'ilanistischer Forschungen, Berlim: Dietrich Reine, 1977, pp.
103-126.
56. SR 1, p. 97.
57. SR III, p. 45.
58. Mondlane, op. cit., (1977), p. 109; informações sobre as gravações fornecidas
por Dr. G. Liesegang.
59. Ver A. Lobo, 'Noémia de Sousa, notas para uma proposta de leitura', Limani,
2, Maio de 1987, pp. 85-97. Ainda na literatura poética deste género podemos
incluir uma obra de um pastor da Missão Metodista Episcopal Americana, Elias
Saúte Mucambe, intitulada 'Seu Negro' e escrita, presumivelmente, nos fins dos
anos 40 ou princípios dos 50. Trata-se de um poema. de protesto contra as
humilhações raciais e denúncia à exploração a que o negro estava sujeito na sua
pr6pria terra por estrangeiros.
60. N.p., dactilógrafado, 27.5.1949: matéria gentilmente fornecida por Fátima
Mendonça.
61. Alpers, op. cit., pp. 168-171; R. G. Hamilton, Literatura africana. Literatura
necessária, 2 volumes, Lisboa: Edições 70, 1984, II, p. 52.
62. J. Craveirinha, Xigubo, Maputo: INLD, 1980, pp. 63-64. Note-se que a partir
dos meados da década de 1970, a indústria mineira sofreu reformas
organizacionais e salariais que tomaram migração mais rentável e segura: ver
UEM/CEA,
O mineiro moçambicano, Maputo: mimeo, reedição, 1979, pp. 36-41.
63. F. Mendonça, 'O conceito de nação em José Craveirinha, Rui Knopfli, e
Sérgio
Vieira', Paris: mimeo, 1985; sublinhado nosso. Ver o poema Chamamento em
Xigubo, p. 58.
64. Ibid., p. 18.
65. M. Ferreira, Literaturas africanas de expressão portuguesa, 2 volumes, Lisboa:
Instituto de Cultura Portuguesa, 1977, II, pp. 99-100; Hamilton, op. cit., II: 45-50;
Luís Bernardo Honwana, Nós matámos o cão tinhoso, Maputo: INLD, 1980 (2a
edição); Anibal Aleluia, Mbelele e outros contos, Maputo: Associação
de Escritores de Moçambique, 1988.
66. Alpers, op. cit., p. 168.
67. Ver R. Duarte, Escultura Maconde, Maputo: UEM, Núcleo
Editorial/Departamento de Arqueologia e Antropologia, 1988, pp. 43-47.
68. Ver Entrevista conduzida por Arlindo Lopes, 'Bertina Lopes: Sinto nostalgia
da
minha terra', Tempo, 564, 2.8.1981, pp. 50-54. 69. Alpers, op. cit., p. 173.
70. Ver Mondíane, op. cit., pp. 114-120. 71. J. Iliffe, A modern history of
Tanganyika, Cambridge University Press, 1979, pp.
292, 294, 464-466, 523; H. W. Stephens, The political transformation of
Tanganyika: 1920-1967, New York: Praeger, 1968, p. 143; A. Coulson, Tanzania:
A polítical economy, Oxford: Clarendon Press, 1982, pp. 115-116. 72. Cornélio
João Mandanda, entrevistado Brigada do DH, UEM, Mueda,
254
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
30.7.1979; idem., entrevista publicada em Domingo, 28.10.1984, pp. 8-9;
Y.Adam e A.M.Gentili, 'O movimento dos Liguilaniu no planalto de Mueda,
1957-1962', Etudos Moçambicanos, 4, 1983, p. 57; A. M. Gentili, 'Suil origini
rurali dei nazionalismo mozambicano', Rivista di Storia Contemporanea,
(Torino) 1 (1984), pp. 108-109.
73. Bravo, op. cit., p. 145; M.G. Beatriz, 'A classificação e os preços do
algodãocaroço em Moçambique de 1930 a 1962', Gazeta do Agricultor, vol. 14,
no. 189 (Dezembro, 1962), p. 360; A. Isaacman, 'The Mozambique cotton
cooperative: the creation of a grassroots alternative to forced commodity
production', African Studies Review, 25(2/3) 1982, p. 7, citando Arquivo do
Instituto de Algodão, JEAC, 901, 'Planos de trabalho 1958', Gastão de MelUo
Furtado, Chefe de Delegação ao sub-delegado JEAC, 14.7.1958; não se pode
confirmar a informação apresentada por Isaacman (1982), p. 11, de que SAGAL
negociou um preço especial para o algodão da SAAVM. Como Mandanda
relatou, o rendimento de um saco (de 50 quilos) foi 150 escudos, o que
corresponde ao preço normal de 3 escudos por quilo da 1a qualidade: ver Beatriz,
op. cit., p.
360.
74. lonas Nakutepa, Ernesto Lacuana, Nkangala Lauka, Jose Napome e Jose
Gregório, entrevistados Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia comunal Miculela,
31.7.1979; Tanga Karinga Tangadica, Ernesto Vandaya Namakomba, Jonasse
Bacar Tombo, e Mponde Kamanga Camela entrevistados Brigada do DH, UEM,
Mueda, Aldeia comunal Imbuhu, 31.7.1979; Entrevista, Mandanda,
(1984).
75. Idem.
76. Anon. 'Islam in Mozambique (East Africa)', Islamic Literature, vol.15
(September 1969), p. 552; J. Dias, M. V. Guerreiro, 'Missão de estudos das
minorias étnicas do ultramar português: relatório da campanha de 1958
(Moçambique e Angola)', Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1959, p.13.
Com as informações presentemente disponíveis, não se pode necessariamente
concluir, embora seja provável, que a expansão de tais seitas constituiu
parte integral da reacção popular anti-colonial.
77. BO 51, 17.12.1955, p. 763, Decreto-lei 40:405, 24.11.1955, preambulo. 78.
Entrevistas, Mandanda (1979, 1984). 79. Entrevistas, Niquaria, Nakutepa et ai,
Tangadica et aí, (1979), Mandanda (1984);
Daime Magaga Mbela, Kudeba Nchamade Otinga, e Mangane Nkula NQuénia,
entrevistados Brigada do DH, UEM, Chai (Macomia), 30.7.1979; Afonso, Taele
Capembe, Jacinto Baquile, e Matias Alguime, entrevistados Brigada do DH,
UEM, Mapupulo, Montepuez, 21.7.1979. 80. Dias et ai, op. cit., p. 10.
81. Entrevistas, Mandanda (1979, 1984), Tangadica et ai, (1979); Adam e Gentili,
op. cit., p. 59; Gentili, op. cit., pp. 99-100; Dias, op. cit., p. 9; as entrevistas e
trabalhos até agora feitas não mostram com a devida precisão como se
255
Capítulo 5
localizavam os terrenos, quem autorizou, etc.
82. Bravo, op. cit., p. 145; a média para os anos 1950-1956 foi 300,5 toneladas.
83. Entrevista, Mandanda, (1979).
84. Gentili, op. cit., p. 107, citando Administração da Circunscrição dos
Macondes,
19.12.1958. Um testemunho indica que Nkavandame não era sempre superior a
prática colonial de não pagar quem produzia o algodão: ver as palavras de Issai
Kilama, na entrevista com Cocote Zimu et al, (1979), em relação a experiência do
seu pai: "veio o Lázaro e levou os seus sacos dizendo que traria o dinheiro,
mas nunca trouxe".
85. Entrevista, Tangadica et aí, (1979); Bravo, op. cit., p. 145. 86. Entrevista,
Mandanda, (1979); Justíno Joao Bonifacio, entrevistado Brigada do
DH, UEM, Mueda, Aldeia Nambula, 12.8.1979.; Gentili, op. cit., pp. 109-110. 87.
Entrevistas, Nakutepa, et ai, (1979), Mandanda (1984); testemunho de Alberto
Chipande em Mondíane, op. cit., (1977), pp. 145; Gentili, op. cit., p. 110. O
massacre de Mueda, no ano seguinte, provocou o colapso final da sociedade. 88.
Segundo Friedland, entre' estas organizações destacam-se a Comissão
Organizadora para a Independência de Moçambique, o Movimento Popular de
Libertação de Moçambique, (Mocímboa da Praia), o *Movimento Democrático
Africano de Moçambique (Vila Pery, hoje Chimoio), a União Progressiva de
Moçambique (Manica e Sofala), o partido Socialista Católico (Inhambane), e o
Movimento
Nacional de Moçambique, na Zambézia; op. cit., p. 149.
89. Notícias, 28.2. e 2.3.1962; J. M. Khamba, 'History of national liberation
struggle in Mozambique', (sic), n.p., s.d., p. D19; Marcum op. cit., p. 197. 90.
Khamba, op. cit., D9-12.
91. 'The Constitution of the U nion', in J. Dias, M. V. Guerreiro, e M. Dias,
'Missão de estudos das minorias étnicas do ultramar português: relatório da
campanha de 1959 (Moçambique, Angola, Tanganhica e União Sul Africana)',
Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960 [n.p.], p. 53 (tradução nossa);
ver também J. da Costa Freitas, 'Movimentos subversivos contra Moçambique', in
Moçambique: curso de extensão universitária, ano lectivo de 1964-1965,
Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, 1965. pp.
322-323.
92. Ver F.M. Chambino, 'Subversão em Cabo Delgado. Contribuição para o seu
estudo', Dissertação para o acto de Licenciatura, Universidade Técnica de
Lisboa, 1968, pp. 449-450.
93. Testemunho de Alberto Chipande in Mondíane, op. cit., (1977), pp. 125-126;
entrevista, Mandanda, (1979); ver, também, 'Mauvilo a ku Mweda. Sobreviventes
e participantes históriam massacre', Tempo, no. 350, 19.6.1977, pp. 42-49. 94.
Ibid; Mondlane, op. cit., (1977),p. 126; cp. o massacre de Pidjiguiti em Guiné,
de 3.8.1959
95. Ver, inter alia, Marcum, op. cit., pp. 140-180. 96. Mondíane, op. cit., (1977),
pp. 127.
256
A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961
97. Gwambe, in Chilcote, op. cit., p. 425-426; Khamba, op. cit., p. D18-19;
Notícias (Lourenço Marques), 28.2. e 2.3.1962.
98. Citado em B. Davidson, In the eye of the siorm. Angola's people, Londres:
Longrnan, 1972, pp. 178-179.
99. Casimiro, op. cit., p. 9, citando entrevista com Luís Bernardo Honwana,
4.9.1979; AHM, Livro das Actas do Núcleo dos Estudantes de Moçambique;
Teresa Cruz e Silva, comunicação pessoal.
100. AHM, NESAM, Actas; Munslow, op. cit., p. 69. 101. AHM, NESAM,
Actas, 2.12.1961. 102. MondIane, op. cit., p. 121.
103. Semiiário sobre as origens da luta armada, UEM, Maputo, 21 e 23.6.1982.
104. Ver nota 83; Friedland, op. cit., p. 149; Marcum, op. cit., p. 197;
SeminarioUEM, (1982); Marcum, op. cit., pp. 196-198. 105. Ibid., pp. 196-197,
311.
106. 'Reunião de consulta e estudo para o desenvolvimento da luta contra o
colonialismo português', Paris, 15 a 18 de Novembro de 1957, reproduzido em
UEM/CEA, Ideologias da libertação nacional, Maputo: mimeo, 1985; Marcum,
op. cit., pp. 193-194; Chabal, op. cit., p. 86. 107. Idem; Marcum, op. cit., p. 43.
108. 'A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas
(CONCP) - Casablanca de 18 a 20 de Abril de 1961. Déclaration g6nérale', in
UEM/CEA, op. cit; Marcum, op. cit., pp. 160-161; Chabal, op. cit., p. 208. 109.
Testimony, Gwambe (1.6.1962), citado em Friedland, op. cit., p. 166.
257
259
Principais Fontes Consultadas PLANO:
1. ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS
2. DOCUMENTOS NÃO PUBLICADOS
3. DOCUMENTOS PUBLICADOS
4. TESES E ARTIGOS NÃO PUBLICADOS
5. JORNAIS
6. LIVROS E ARTIGOS SOBRE MOÇAMBIQUE
7. BIBLIOGRAFIA GERAL
1. ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS [As entrevistas e depoimentos não
publicados encontram-se no Núcleo de Documentação do Centro de Estudos
Africanos e no Arquivo Histórico de Moçambique, da Universidade Eduardo
MondIanel
Justino João Bonifácio, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia
Nambula, 12.8.1979 [CEAI.
Taele Capembe, Jacinto Baquile, e Matias Alguime, entrevistados pela Brigada
de Hist6ria do Curso de Letras, Actividades de Julho 1979, Universidade Eduardo
MondIane, (Allen Isaacman, Agostinho Pililão, Eugénio Macamo,
Principais Fontes Consultadas
Maria João Homem, Michael Stephen e Yussuf Adam)[daqui em diante
Brigada do DH, UEMI, Mapupulo Montepuez, 21.7.1979 [CEAI.
Mahawani Khosa, entrevistado por Alpheus Manghezi e Salomão Zandamela,
Guijane, Gaza 17. 2. 1979 [CEAI.
Samora Machel, entrevistado por John Saul, 1974 [CEAI. Albino Maheche,
entrevista orientada por Gerhard Liesegang, Maputo 4.10.1981
[AHM].
Gabriel Makave e Abner Ngwenya, entrevistado por Alpheus Manghezi, Guijane,
Gaza, 16.2.1979 [CEAI.
Cornélio João Mandande, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Mueda,
30.7.1979 [CEA].
Cornélio João Mandanda, entrevista publicada em Domingo, 28.10.1984, pp.
8-9.
'Mauvilo a ku Mweda. Sobreviventes e participantes historiam massacre',
Tempo, no. 350, 19.6.1977, pp. 42-49.
Daime Magaga Mbela, Kudeba Nchamade Otinga, e Mangane Nkula Nquenia,
entrevistados pela Brigada do DH, UEM, Chai (Macomia), 30.7.1979 [CEAJ.
Jonas Nakutepa, Ernesto Lacuana, Nkangala Lauka, José Napome e José
Gregório, entrevistados pela Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia comunal
Miculela, 31.7.1979 [CEAI.
Abner Ngwenya, entrevistado por Alpheus Manghezi, Ximbongweni, Gaza,
15/18.5.1980 [CEAI.
Eugénio Niquaria, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Montepuez,
24.7.1979 [CEAI.
Marcelino dos Santos, 'Palestra concedida pelo dirigente de Sofala a cooperantes
em serviço na cidade da Beira', Beira, 28. 11. 1984, Sede do Comité
Provincial do Partido Frelimo [CEAI.
Seminário sobre as origens da luta armada, Universidade Eduardo Mondlane,
Maputo, 21 e 23.6.1982 [CEA].
Tanga Karinga Tangadica, Ernesto Vandaya Namakomba, Jonasse Bacar Tombo,
e Mponde Kamanga Camela, entrevistados pela Brigada do DH, UEM,
Mueda, Aldeia comunal hnbuhu, 31.7.1979 [CEA].
Matata Tembe, entrevistado por Célio Mouco, Notícias, 17.3.1983 'A voz do
mineiro', (entrevistas e canções recolhidas e traduzidas por Alpheus
Manghezi), Estudos Moçambicanos, 1 (1980), pp. 91-110.
260
Principais Fontes Consultadas
2. DOCUMENTOS NÃO PUBLICADOS
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Beira, Relatório da cobrança do imposto da
palhota, 1932.
Secretaria-Geral, Cx. 160, Correspondência expedida da Secretaria-Geral para
diversas entidades, 5/483, S-G ao Chefe da circunscrição de Mossurize,
45.1932.
Secretaria-Geral, Cx. 140, Relatório anual da circunscrição da Beira, 1932.
Secretaria-Geral, Cx. 866, Núcleo Negrófilo de Manica e SQfala, Acta da
Reunião preparatória para a fundação na Beira do Grémio Negrófilo de
Manica e Sofala, 19.11.1934.
Fundo do Algodão [FA]:
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'Estudo das condições da comercialização dos algodões de Moçambique', Anexo
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nas campanhas agrícolas de 1941/2 a 1958/9'.
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indígena de Moçambique', (Lisboa, Março de 1951).
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Fundo da Administração Civil: Inspecção Superior dos Negócios Indígenas
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circunscrições do Distrito de Inhambane, 1930.
Cx. 76, A.E. Pinto Correia, Relatório da Inspecção ordinária às circunscrições
do Distrito de Moçambique, 1936-1937, 3 vois.
Cx.. 94, A.E. Pinto Correia, Relatório e documentos referentes à Inspecção
ordinária da província do Niassa, 1938-1940, 3 vols.
Principais Fontes Consultadas
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Buzi, Chemba, Cheringoma, Chimoio, Gorongoza, Manica, Marromeu,
Mossurize, Sena, e Sofala, 1943-1944.
Cx. 62, J. F. Rodrigues, Relatório e documentos referentes à Inspecção ordinária
feita aos Concelhos de Quelimane e Chinde e às circunscrições de Guru¿, Ile,
Lugela, Massingire, Milange, Nhamarroi, e Zambeze, e respectivos postos
administrativos, 1944.
Cx. 95-97, C.H. Jones da Silveira, Relatório e documentos referentes à
Inspecção ordinária feita na Província do Niassa, 1943-1945, 5 vols.
Cx. 77-78, H.E. de Sousa, Relatório da Inspecção ordinária ao Distrito de
Nampula, da Província do Niassa, 1946-1948, 6 vols.
Fundo do Governo-Geral [FGG]:
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relativo ao ano de 1942.
No. 57, J.B. Casqueiro, Relatório anual do Governo da Província do Niassa,
1935-1936.
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Superior D. António de Almeida, 1947.
No. 716, A.L. dos Santos, Relatório do Governo do Distrito de Moçambique,
1959.
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Negócios Indígenas e da Curadoria Geral, 7.6.1958 a 31.12.1959.
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Fundo dos Negócios Indígenas [FNI]: Cx 696, Repartição Central dos Negócios
Indígenas, Informação 59, de
5.11.1942.
Corpo da Polícia Civil, Serviços de Seguranca [CPC/SS], Serviços dos Negócios
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262
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Marques: Imprensa Nacional, 1969.
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18.4.193Q6.5.1936, 13.6.1936, 8.8.1936, 5.9.1936, 13.3.1937, 15.5.1937,
5.6.1937, 19.6.1937, 27.6.1959
Beira News: 23.3.1932, 30.3.1932.
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Covane, L.A., As relações entre Moçambique e a África do Sul, 1850-1964,
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273
275
índice
A
Acordo Missionário 118, 123, 127 Acordo Suplementar (1947) 158 Acto Colonial
42
Açucar 3, 36, 93, 96, 142, 147,
168, 170
Adia Abeba 75 Administração 2-3
civil
circunscrições 2, 11
distritos 2
regulados 98-99, 186; ver:
Régulos
militar 2
capitanias-mores 2
comandos militares 2 África Austral 157, 200 África do Sul 19, 21, 224
agricultura 26 apartheid 201
caminhos de ferro 164
capital 10
comércio com, 7
crise económica (pós II Guerra
Mundial) 157
expansionismo 22
fugas para, 111, 225
greves 210, 220
luta nacionalista 238-240, 242243, 245
Aliança do Congresso (1955)
249
Sharpeville (massacre de) 242
Mondlane, Eduardo 203-204
trabalhadores 189
trabalho migratório 8, 73, 157158, 203, 213, 228
Convenção (1928) 30
minas 3, 4, 158, 189, 204
obras públicas 3
pagamento diferido 157
plantações 3 .kfrica Oriental 246 African Gaza Church 18 African National
Congress (ANC)
203,250
Agricultura,
agricultores 4, 26, 56, 96, 107108, 132, 138-139, 142, 148,
165, 188, 190, 212, 237
agricultores prósperos 188-190,
212
produção agrícola geral 3, 5, 7,
22, 101, 104, 119, 129
açucar 3, 36, 93, 96, 142, 147,
168, 170
amendoim 4, 36, 38, 50-52, 105-106, 142, 148, 153-156,
168
arroz 56, 59, 93, 95-97, 107, 119, 142, 149, 150, 155, 209,
212
batata 107 borracha 4
cajú 4, 36, 38, 50, 54-55, 79, 113, 114, 142, 147, 159, 168,
172, 184, 189
chá 3, 37-38, 93-95, 142, 147,
276
150, 158, 167-168, 229
citrinos 4
coqueiros 3
feijão 107, 148, 153, 155
gergelim 4, 156
hortícolas 107
mandioca 106, 153, 155-156,
159
mapira 153, 156
milho 4, 36, 38, 52, 57, 106,
107, 110, 148, 154-156
sisal 3, 36, 38, 51-52, 93, 140, 144-145, 147, 156, 159, 214,
229, 235-236, 252
sorgo 155
produção camponesa 5, 13, 28,
29, 49, 84, 107, 156, 186, 232
produtividade geral 3, 4, 37,
145, 189, 220
ver: Algodão, Campesinato, Comércio externo, Comércio rural,
Plantações
Agro-indústria 3-5, 27, 37, 165,
168, 170-172; ver: Agricultura,
Plantações
Albasini (irmãos) 34, 63 Albasini, José 77 Albuquerque, J. Mouzinho de 10,
15, 72
Aleluia, Anibal 254 Algodão 4, 229
agricultores pr6speros, cooperativas 107, 189-191, 232-237
companhias 29, 85, ~133, 148,
211, 233-234, 236, 237
descaroçamento 27, 29, 90, 108.,
170
empobrecimento, fomes 153-156
131,
estado, concentrações,concessões, cultura obrigat6ria 28-29, 35, 41, 43, 49-50,
83-84, 88-93, 130-135,
148-150, 209, 234
Fundo de Algodão 133, 136,
189,213
Junta de Exportação de Algodão Colonial (JEAC) 84, 89, 93, 112, 131-132, 153,
191-192,
252, 255
força de trabalho rural 95-97,
138, 140, 142, 145
indústria 168-170, 172
machambas colectivas 50-51, 104
missões católicas 48, 119
preços 36, 38, 43, 89, 92, 103104, 136
produção, rendimento, exportações 38, 56, 102-108, 135-137,
148, 151
produtividade 27-28, 92, 111,
130, 136-138, 233
propaganda 73, 89, 99
resistência 51, 91, 111-114, 210,
213
ver: Comércio rural
Aliança do Congresso 249 Alto Changane 138 Amaramba 151 Amendoim 4, 36,
38, 50-52, 105,
106, 142, 148, 153-156, 168
American Board for Foreign Missions
(Junta Americana para Missões no
Estrangeiro) 15-16
ANC ver: African National Congress Andrade, A. Freire de 15 Andrade, Mário de
209. Angola 69, 243 Ang6nia 243 Apartheid 201, 249 Argélia 248
Arroz 56, 59, 93, 95-97, 107, 119,
142, 149-150, 155, 209, 212
Assimilação 68, 177, 183, 198,
208, 225
277
assimilados 121, 182, 226-227
associações 62-67, 71, 74, 173,
208
educação 176, 181
Estatuto dos Indígenas Portugueses
183
ideologia 15, 122-123, 182
ocupações 13
pol'tica colonial 68, 70, 115,
182, 190
sindicatos 173-174
Associação Africana de Lourenço
Marques 81, 116, 202 ver: Grémio Africano de Lourenço
Marques
Associação Africana de Quelimane
202
Associação do Trabalho Geral da
Beira 61
Associação dos Alfaiates 188 Associação dos Barbeiro 188 Associação dos
Carpinteiros 188 Associação dos Criados de Mesa 188 Associação dos
Empregados do Comércio e da Indústria 101; ver: Sindicato Nacional dos
Empregados do Comércio e da Indústria Associação dos Lavadores 188
Associação dos Naturais da Colónia
de Moçambique 70, 244
Associação dos Negociantes Indígenas
188
Associação dos Pintores 188 Associação dos Sapateiros 188 Associaç4o
Moçambicana da África
Oriental 240
Associação Mútua dos Engraxadores
de Lourenço Marques 187
Associação Portuguesa da África
Oriental 240
Associações,
cooperativas 189-191
Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique 233-234, 238
políticas:
Associação Africana de Lourenço Marques 81, 116, 202 Associação dos Naturais
da Co16nia de Moçambique 70, 244 Associação Moçambicana da África Oriental
240 Grémio Africano de Lourenço Marques (Associação Africana de Lourenço
Marques) 21, 23, 63-69, 73, 75, 81, 116-202 Grémio Africano de Manica e Sofala
(Centro Africano da Beira) 65
Grémio Africano de Quelimane (Associação Africana de Quelimane) 65
Grémio Luso-Africano da Ilha de Moçambique (Liga LusoAfricana da Ilha de
Moçambique) 65
Grémio Negrófilo de Manica e Sofala (Núcleo Negrófilo' de Manica e Sofala) 6970, 205207
Instituto Negrófilo (Centro Associativo dos Negros) 63, 67-72, 75-76, 81- 82,
116, 197, 202-203, 244
Mozambique East African Association 240
Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) 203-205, 209, 243245, 250, 257
Portuguese East Africa Association (Associação Portuguesa da África Oriental)
243, 245 União dos Negros Lusitanos
278
76-77
profissionais 187-188
Associação dos Alfaiates 188 Associação dos Barbeiros 188 Associação dos
Carpinteiros
188
Associação dos Criados de
Mesa 188
Associação dos Lavadores 188 Associação dos Negociantes
Indígenas 188
Associação dos Pintores 188
Associação dos Sapateiros 188 Associação Mútua dos Engraxadores de Lourenço
Marques
187
Azikiwe, Namdi 205
B
Banco de Importações e Exportações
164
Banco Nacional Ultramarino 34,
110, 172
Banco Português do Atlântico 172 Banjas 184-185, 212-213 barreiras raciais, ver:
Discriminação
racial
Barué
revolta 17
trabalhadores 23 Batata 107
Beira
associações 64-65, 69, 116, 205207
caminho de ferro 6, 40, 46, 162
construção urbana 171
energia eléctrica 161
ensino secundário 176
greves 26, 28-29, 55-58
indústria 169, 171
leis de passe 99, 202
porto 6, 40, 46, 56-57, 109, 162
serviços 171
Soares de Resende, Bispo da 177,
178
trabalhadores 6, 24, 26, 56-58,
99,210
Beirão, Raposo 202 Bemfica, Francisco 63 Berlim (Conferência de) 1
Bettencourt, J.T. (Governador-Geral,
1940-1946) 86-87, 91-92, 95, 97,
98, 106, 125 Bilene 138 Birmânia 114, 199 Boane 218-219 Borracha 4 O Brado
Africano 21,22, 25, 60-65,
67, 71-77, 81, 117, 216, 220,
225, 230
Bulawayo 240, 245 Buzi 70, 172, 211
rio 3
C
Cabo Delgado
algodão 38, 85, 90, 102, 111,
133, 233-238
colonialismo português 49-50
comércio rural 4
Companhia do Niassa 1, 24
despovoamento 51, 111
Megama 184-186
Mozambique African National Union (MANU) 214, 246-247,
249
produção camponesa 4, 38
reçrutamento 139
salários 144
sisaleiras 3, 51
Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique
279
(SAAVM) 191, 233-238, 241
trabalhadores (Tanganhica) 159 Cabral, Amiflcar 208, 246, 251 Caderneta de
identificação 96, 100 Café 232
Caia 36
Cajd 4, 36, 38, 50, 54-55, 79, 113114, 142p 147, 159, 168, 172,
184-189
Carnal, Abdul 184-185 Câmara de Minas 158 Câmara Muncipal de Lourenço
Marques 14
Caminhos de ferro 7, 157, 161, 163164, 210
Beira 6, 46, 162
Goba 218
Limpopo 163-164, 171, 213
Lourenço Marques, 6, 25, 163,
171,215
Norte (Moçambique) 52, 141
Tete 45, 109, 162
Campesinato 22, 26, 30, 50
algodão 43, 50, 89, 103-104, 109
consumo 2, 10, 151
empobrecimento de 105-106,
130-131, 155-156
estratificação 106-108
expulsão de 119, 165, 189
fugas de 24, 130
impostos 52
política colonial 30, 41, 43, 92
produção 2, 5, 10, 27-28, 155156
rendimento 103-106, 142, 151152
reprodução social 4-6, 9, 131,
152-153, 186
Campos, A. Sobral de 202 Canções de trabalho 149, 222-224,
226
Cape Town 238
Capital
acumulação
colonial 6, 9, 14, 152, 163,
232
de camponeses 4, 189, 238
inglesa 26
na base de produção familiar 6,
9, 148, 186
política colonial 28, 45-46, 8485
portuguesa 2, 26, 41, 85, 161,
171
colonial 108 comercial 14
escassez 15, 139-140
português 2, 7
financeiro 172
indústrial 169-171
infra-estrutura rural 136
inglês 27, 30
na agricultura 56, 145, 186
algodão 28, 85
chá 37
nacionalização (portuguesa) 8586, 162
não português 2, 41, 45-46, 86
política colonial 41
português 41, 86, 129
concentração 171-172
expansão em Moçambique 161162, 171
relação capital-trabalho 11, 53,
140, 148, 174-175, 209
territórios vizinhos 3, 26, 157159
Carmona, A. O. de Fragoso 68 Carta Orgânica do-lmpério Colonial
Português 42
Carteira profissional 174 Casa dos Estudantes do Império 208 Casa dos
Trabalhadores 25 Casablanca 248
280
Ceilio 199 Censura 61, 224 Centro Africano da Beira (Grémio
Africano de Manica e Sofala) 65,
116
Centro Associativo dos Negros 63,
116, 202-203, 212, 244
Centro de Estudos Africanos (Lisboa)
208-209
Centro de Investigação Científica (CICA) 132
Cesaire, Aimé 238 Chá 3, 37-38, 93-95, 142, 147, 150,
158, 167-168, 229
Chagonga, Baltazar 246 Chama Chama Mapinduzi 232 Changalane 218-219
Checoslováquia 200 Chemb.a 90, 107, 124 Cheringoma 103 Chibalo 59, 73, 119,
210, 213, 218
ver:- Trabalho forçado Chibuto 50, 138, 190, 211 Chicamba Real 161
Chicualacuala 171 Chicusse, Zinthambira 243 Chidenguel 218 Chimoio (ver: Vila
Pery) 4, 169,
175
Chipande, Alberto 233, 256 Chissano, Joaquim 244 Chissano, Martha 148
Chiteve 206 Chiúre 185 Chope 222 Citrinos 4 Código de Trabalho dos Indígenas
31
Colonatos 166, 165-167, 189.
Limpopo 166-167, 188-189, 213
Nova Madeira 167
Revué 166
Sussundenga 166
Colonialismo português 3, 10, 2223, 35, 53, 86, 122-123, 129, 208-209, 220, 221,
227, 235,
242, 246, 248, 257
Colonos 12, 19, 21, 67-68, 70, 86,
186, 222
fixação 30, 41, 74, 140, 152,
162, 164-168, 171, 189, 208
imigração 13, 172-173
machambas 4, 10, 39
machambeiros 10, 26-28, 30
ocupação de terras 103, 165,
197, 213
política colonial 26-28, 30, 41, 74, 86, 140, 152, 162, 189, 208
população 165
proprietários 54
supervisores 5, 74
ver: Colonatos
Comércio 8, 13, 37, 49, 57, 84,
114, 173, 189, 206, 232-233
comércio externo
exportações 3, 4-5, 7, 38-39, 43-44, 56, 102-103, 146-147,
164
importações 7, 30, 41-44, 56, 84-85, 108, 110, 124, 152, 156,
161, 164
relações económicas externas 7-8,
29, 35, 152, 168
Portugal 2, 7, 42-44, 85, 92,
152, 161, 171-172
comércio rural 2, 4, 6, 9, 14, 24,
107, 151-152, 172.
Comissão de Censura 61 Comissariado da Polícia 100, 126 Companhia
Algodoeira de Moçambique 104
Companhia Carbonifera de Moçambique 162
Companhia Colonial do Buzi 72, 172
281
Companhia da Zambézia 37, 91, 112 Companhia de Cimentos de Moçambique
110
Companhia de Comércio de Moçambique 4
Companhia de Lugela 37 Companhia de Moçambique 1, 26,
28, 46, 57-58, 69-70, 77-78, 86,
162, 171
Companhia do Boror 36 Companhia do Niassa 1, 24, 29, 50 Companhia dos
Algodões de Moçambique 85, 104, 133
Companhia Industrial Portuguesa
168
Companhia Luso-Belga (Companhia
Industrial Portuguesa) 168'
Companhia União Fabril (CUF) 171172
Companhias majestáticas 1, 2 Comunismo 77, 220 Concentrações algodoeiras,
ver:
Algodão
Concessões algodoeiras, ver: Algodão Concordoia 118-119, 123, 127 Conferência
de Berlim 1 Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias
Portuguesas
(CONCP), 247-248, 257 Conferência Imperial 41 Congo 242
Congresso Comercial 43 Congresso Nacional Africano 22 Congresso PanAfricano, V 19, 199 Conquista militar (1886-1918) 1
Gaza 2
Maputo 2 Nampula 2 Zambézia 2
Conselho Cristão de Moçambique
203
Conselho de Segurança Pública 205
Contestação cultural 20, 221, 231 Contribuição braçal 95, 143 Convenção do
Povo de Moçambique
240, 242-243
Cooperativa dos Criadores de Gado
108
Cooperativa dos Pescadores do Govuro 190
Cooperativas
agrícolas 188-190, 195
algodoeiras 190, 235
Copra 4, 36, 38, 54, 93, 142, 147,
168
Coqueiros 3
Costa do Ouro, ver: Gana Craveirinha, José, 117, 223, 226,
228-229, 231, 254
Crise económica mundial 35-37, 53,
56, 61
Cuamba 52
Cuarezi (rio) 112
D
Dar es Salaam 241, 246, 248 Delagoa Bay Agency 25, 216 Delagoa Bay
Development Co. 25 Demografia, ver: População Derre 138
Diário de Moçwnbique 177 Dias, Cacilda 116 Dias, Estácio 62-64, 77, 116 Dias,
João 116, 228-229 Dicca, F. 68
Diocese da Beira 177 Direcção de Administração Civil 205 Direcção dos
Negócios Indígenas,
ver: Secretaria dos Negócios Indígenas
Direcção dos Serviços dos Portos;
Caminhos de Ferro Transportes
217
284
11 (1939-1945) 42, 84, 93, 95, 108, 114, 131, 138, 157, 161, 164, 168, 173, 191,
"197-200,
221,224
Guijá 50, 138, 166, 194, 252 Guijane 212 Guiné 247, 256 Guru4 37, 94 Gwambe,
Adelino 245
H
Harare ver: Salisbúria HIomani 212 Honwana, Luís Bernardo
254, 257
Húngria 200 Hunguana, Augusto 244
229,244,
i
Ibo 49
Igreja Anglicana 16 Igreja Católica 16, 21, 47-48, 86,
117-120, 123, 176, 178, 180, 221
4cordo Missionário 118, 123
Concordata 118-119, 123
cultivo de algodão 48, 119
Estatuto das Missões Católicas
Portuguesas 47-48
Estatuto Missionário 118-119
Igreja Episcopal Luso-Africano. de
Moçambique 19, 20
Igreja Etiópica Luso-Africana 224 Igreja Evangélica 205 Igreja Luz Episcopal
124, 207 Igreja Metodista Episcopal Americana
16, 19, 69
Igreja Nacional Etiópica Moçambicana 20
Igreja Shembita (ou Nazarita) 224 Igreja Wesleyana 19
Igrejas protestantes 15, 18, 23, 48,
118, 123-124, 178, 206, 220
Igrejas 'separatistas'/etiópicas 18-20,
123, 179
Ile 154
Ilha de Moçambique 4, 8, 54, 65 Ilunga, Agostinho 240, 243 Imbuhu 233,236
Impincazamo 72 Importações, ver: Comércio externo Impostos 5, 9, 40, 49-50,
52, 55,
97, 99, 105-106, 119, 137, 140, 151, 152, 155, 157-158, 220,
223,240
imposto de capitação 97, 99, 116 imposto de palhota 2, 4, 8, 24,
55, 57, 73, 78, 80, 1.13
imposto de recrutamento 6 Inchope 86 Incomati (rio) 3 índia 7, 152, 168, 199
Indigenato 12, 183, 188 Indústria 8, 44-45, 84, 100, 108110, 129, 151-152, 167173, 175,
176
alimentar 169-170
açucar 3, 171-172, 214
cajú 168
cereais 171
6leos 6, 168, 171
óleos alimentares 168
pesca 170
extractiva 170
carvão 109, 162
química
gaz 170
petr6leo 170
transformadora 6, 169-172
águas 170
alcool 170
algodão 168 bebidas 170
285
cerveja 6, 110
refrigerantes 6, 110
borracha 110
calçado 170
cigarros 6, 110, 168
cimento 6, 110, 169, 170, 172,
176
coiro e peles 169
construção e obras públicas 170
copra 168
electricidade 170
fiação e tecelagem de juta 169
gelo 6
madeiras 168, 170-171
material eléctrico 169
metálicas 170
moagem 6, 110, 169 mobiliário 110, 169
reparação de máquinas 169
reparação de veículos 170
sabão 6, 110
sisal 156, 159, 213, 235
soldadura 169
têxtil 3-5, 27, 29, 43-45, 83, 104, 108, 110, 130, 169, 170,
172, 175
veículos 169
verniz 110
vestuário 169, 170
vidro 172
produção e investimento de capital
170-172
protecção 41-44, 171 Inhambane
administração 2, 40
agricultores pr6speros 189
agricultura 4
algodão 27, 73, 138
associações 64
comércio rural 4
demografia 8
igrejas protestantes 124
missões protestantes 16, 19
terras (concessões) 27
trabalhadores (recrutamento) 23 Inglaterra ver: Grí-Bretanha Inharrime 218
Inkomati Sugar Estates 214 Instituto da Namaacha 64 Instituto Nacional das
Missões 16 Instituto Negr6filo (Centro Associativo dos Negros) 63, 67-72, 75,
76, 81-82, 116, 197, 203 Itália 75, 152, 199 Itinerário 117. 2"" luluti 155
3
Japão 152
JEAC (Junta de Exportaçou de Algodão Colonial) ver: Algodão Joanesburgo 203
Junqueiro, M.S. 37 Junta Americana para Missões no
Estrangeiro (American Board for
Foreign Missions) 15-16
Junta de Exportação de Algodão
Colonial (JEAC) ver: Algodão
K
Kalungano 229 Katsande, P. 240 Kenya Africa National Union
(KANU) 249
Khambe, Jaime 240
L
Langa, Alberto 225 Legislação do Trabalho, ver: Trabalho
Lei da Imprensa 62
288
Meloco 112 Memba 49, 51-52, 154 Mendes, João 202 Menjane, Diniz 240, 243
Messumba (missão) 16, 123 Mestiços 13, 64 Mfx~e-mfuxe 212 Mikindani
(missão de) 241 Milange 37, 125, 150, 156 Milho 4, 36, 38, 52, 57, 106-107,
110, 148, 154-156 Millinga, L. M. 213 Missão Episcopal Americana 69 Missão
Suiça 16, 182, 203 Missões 15-20, 22, 32, 47-48, 116,
123, 178, 180-181
católicas 16, 118-121, 1769 233234
protestantes 16-18, 22, 32, 48,
176, 178, 180, 182
MJDM (Movimento dos Jovens
Democratas Moçambicanos) 202 Moatize 45-46, 109, 162 Mocfmboa da'Praia 49,
235, 256 Mocuba 138 Mocubela 138 Mocumbi, Pascoal 244 Mogincual 54, 112
Mogovolas 103-104, 153-155, 184,
192, 211, 213, 252 Moma 155 Mombaça 246 Monapo 112-113, 168 Mondane,
Eduardo 182, 192, 203205, 208-209, 244-245, 250-251,
253-254, 256, 257 Monteiro e Giro 172 Montepuez 51-52, 79, 112, 165,
211,252, 255' Mopeia 36, 214 Morrumbala 138, 156 Morrumbene 218
Mossuril 53-55, 80, 103, 112-114 Mossurize 69
Motim ver: Luta de camponesa e
trabalhadores
Movimento Anti-Colonialista (MAC)
247
Movimento Associativo 20, 22, 6162, 64, 66, 71, 74, 76, 81-82, 114, 127, 197,
202, 250 ver.
Associações
Movimento Democrático Africano de
Moçambique 245, 256
Movimento de Unidade Democrática
(MUD) 199, 202
Movimento dos Jovens Democratas
Moçambicanos (MJDM) 202 Movimento Juvenil 202-205 Movimento Nacional
de Moçambique
245, 256
Movimento Pan-Africano para a
Libertação da África Oriental e
Central (PAFMECA) 246
Movimento Popular de Libertação de
Angola (MPLA) 208-209 Moyana, Gabriel 240 Mozambique African National
Union
(MANU) 214,246-247,249,252 Mozambique East African Association 240
Mpanga 235
MPLA (Movimento Popular de Libertaçio de Angola) 208-209 Msaho 222
Msalio 230
Mtwara 233
MUD (Movimento de Unidade
Democrática) 199, 202
Mueda 191, 211, 232-233, 236, 23t..,
241
massacre de 145, 198, 241, 247 Mugeba 138
Mulevala 112
289
Murrupula 150, 155, 179 Museu de Nampula 230 Mussoco 2, 24 Muta-hanu 54,
112 Mutarara 46, 91 Muthemba, Josina 244
N
Nacala 154 Nacionalismo 114, 165
económico (português) 35, 42,
46, 50, 86, 171 Nairobi 156 Namapa 154 Namepuita 211 Nametil 89 Namimba,
João 233 Nampula
administração 1-2
algodão 27-28, 38, 53, 55, 85, 89-90, 102-103, 133, 137, 138,
150
cajú 38, 54-55
comércio rural 4, 151
demografia 8, 156
despovoamento 156, 213
empobrecimento 156
Igreja Católica 16, 179
indústria ligeira 169
Museu 230
Muta-hanu (revolta) 112-114
salários 144
sisaleiras 3, 51-52, 144
trabalhadores (Tanganhica) 159 Namuli 37 langololo 233, 235 Navess, Tizora 16
Ndota 218 Negócios Indígenas (Direcção) 25, 60, 67-68, 187, 203, 216-217
NESAM (Núcleo de Estudantes Se-
cundários de Moçambique) 203205, 209, 243-245, 250, 257 Netia 154
Neto, Agostinho 208 Ngungunhane 17, 19, 72-73, 224 Ngwenya, Malangatana
231 Nhantumbo, Tomás 240, 243 Niassa
algodão 85
colonatos 167
colonialismo português 50
comércio rural 151
Companhia do Niassa 1, 29
despovoamento 24 Mataka (chefe) 185
missões protestantes 16, 123
recrutamento 139
salários 145
Niassalândia 3, 24. 40, 46, 50, 110,
156, 163, 201, 238-239, 246 Nigéria 238 Niquaria 211, 252, 255 Nkavandame,
Lázaro 233, 235, 238 Nkrumah, Kwame 114, 205, 238,
246
Nkuna, Eduardo 212 Nogar, Rui 231 Nogueira, Franco 118 Noronha, Rui de 7274, 82 Nós matámos o cão tinhoso 229 Notícias 59
Nova Madeira (colonato de) 167 Nova Mambone 190 Nqumayo, Simeão Godide
19 Núcleo de Estudantes Secundários de
Moçambique (NESAM) 203-5,
209, 243-5, 250, 257
Núcleo Negr6filo de Manica e Sofala
205-207 ver: Grémio Negrófilo
de Manica e Sofala Nycrere, Julius 246
286
Lemos, Virgílio de 230, 244 Leonde 213 Lbia 75
Libombo, Enoque 67 Lichinga 167
colonato 165
Liga da Juventude 203 Liga Luso-Africana da Ilha de Moçambique (Grémio
Luso-Africano
da Ilha de Moçambique) 65 Liga Moçambicana 65 Liguilanilu 191, 233, 236
Línguas nacionais 16, 47 Limpopo
agricultores prósperos 4
caminho de ferro 163-164
colonato 165-167, 188-189, 213
ensino católico 123
irrigação 73
Lopes, Bertina 231 Lourenço Marques
abastecimento 6, 13-14
administraçio 11
associações 20, 23, 63-68, 70-71, 73-77, 116-117, 202-205, 212213,243
profissionais 187
burguesia 9
caminhos de ferro 6, 40, 163,
215-217
Congresso Comercial e feira de
mercadorias 43
construçio urbana -171 ensino secundário 176
greves 24, 25, 55, 59-61, 215217
indústria 169, 171
leis dç passe 11, 99-100, 202,
210
porto 6, 24, 59-61, 215-217
população 8, 17, 210
serviços 171
trabalhadores 6, 9, 56-60, 210,
224
trabalho 189
Lourenço Marques Guardian 45, 59 Luabo 36, 149 Lugella 37
Lumbo 52, 113 Lunga 54 Luta anti-colonial 246 Luta de camponeses e
trabalhadores
111-113, 198, 209, 210-214, 219
deserções 140
fugas 51, 111-112, 213
greves 12
África do Sul 157, 201, 221
Beira 26, 28-29, 56-58
Lourenço Marques 25, 59-61,
215-217, 220
Rodésia do Sul 201
Xinavane 214-215, 220
motins
Goba 217-220
Machanga 205-206
revoltas
Guijane 212
Mossuril 112-114
Luta de libertação 245, 247 Luxemburgo 85
M
Mabalane 138 MAC (Movimento Anti-Colonialista)
247
Macequece 86 Machambas familiares 3, 92, 112 Machanga 190
motim da 205-206
Machel, Samora M. 207, 243, 251 Macia 225 Maconde 213, 240-241
escultura 230
287
ocupação militar 17 Macua 213 Madender 240 Madzedzere, Philip 240 Magaia,
Filipe Samuel 244 Magaiça 228 Maganja da Costa 138 Magude 211, 215 Mahec
ie, Albino 150, 192, 244 Maiecuane, Francisco 225 Makave, Gabriel 212, 252
Makonde and Makua Zanzibar Union
240
Makupulani 149 Malangatana ver: Ngwenya, Malangatana
Malásia 114 Malawi 163 Mali 248
Malvérnia 163 Mamana Saquina 228 Manchester 199 Mandanda, Cornélio 233234 Mandhlakazi ver: Manjacaze Mandioca 106, 153, 155-156, 159 Manhiça 178,
190 Manhune 72
Maniamba 184 Manica
agricultores prósperos 107
colonatos 107
Junta Americana para Missões no
Estrangeiro (Gogoi) 16
sisaleiras 3
ver: Manica e Sofala Manica e Sofala
algodão 90, 103-104, 132
Companhia de Moçambique 1, 86
crise económica (1932) 56-57
estado de sítio (1926) 28
fome 106
Grémio Africano 65
Grémio Negr6filo (Núcleo Negr6filo) 69, 202, 205, 207
infraestruturas 161
salários 145
Manjacaze 111, 149, 211-212, 240 Mann George 216 Mão-de-obra ver: Trabalho
MANU (Mozambique African National Union) 214, 246-247, 249,
252
Manuel, João 67 Maperre, David 16 Mapira 106-107, 153, 156 Maputo
administração 1, 2
algodão 27
cooperativas 190
Escola Normal de Habilitaçio
178
Goba (motim de) 217, 219 lnkomati Sugar Estates 214
missões católicas 16
salários 144
trabalho migratório 4
UDENAMO (União Democrática
Nacional de Moçambique) 249 Maquival, Joaquim 150 Mariri 237 Marivati,
Daniel 224, 227 Marracuene 190 Marrocos 248 Marromeu 36, 214 Mashaba,
Roberto 16, 32-33 Massingir 138, 194, 252 Mataka 185 Matibane 54 Matos,
Amaral 244 Matsinhe, Mariano 244 Mavadhla, Benjamin 18 Mboya, Tom 246
Mechameje 69 Meconta 52, 150, 154
288
Meloco 112 Memba 49, 51-52, 154 Mendes, João 202 Menjane, Diniz 240, 243
Messumba (missão) 16, 123 Mestiços 13, 64 Mfuxe-mfuxe 212 Mikindani
(missão de) 241 Milange 37, 125, 150, 156 Milho 4, 36, 38, 52, 57, 106-107,
110, 148, 154-156 Millinga, L. M. 213 Missão Episcopal Americana 69 Missão
Suiça 16, 182, 203 Missões 15-20, 22, 32, 47-48, 116,
123, 178, 180-181
católicas 16, 118-121, 176: 233234
protestantes 16-18, 22, 32, 48,
176, 178, 180, 182
MJDM (Movimento dos Jovens
Democratas Moçambicanos) 202 Moatize 45-46, 109, 162 Mocímboa da-Praia 49,
235, 256 Mocuba 138 Mocubela 138 Mocumbi, Pascoal 244 Mogincual 54, 112
Mogovolas 103-1W4, 153-155, 184,
192, 211, 213, 252 Moma 155
Mombaça 246 Monapo 112-113, 168 Mondane, Eduardo 182, 192, 203205, 208209, 244-245, 250-251,
253-254, 256, 257 Monteiro e Giro 172 Montepuez 51-52, 79, 112, 165,
211,252, 255 Mopeia 36, 214 Morrumbala 138, 156 Morrumbene 218
Mossuril 53-55, 80, 103, 112-114 Mossurize 69
Motim ver: Luta de camponeses o
trabalhadores
Movimento Anti-Colonialista (MAC)
247
Movimento Associativo 20, 22, 6162, 64, 66, 71, 74, 76, 81-82, 114, 127, 197,
202, 250 ver.
Associações
Movimento Democrático Africano de
Moçambique 245, 256
Movimento de Unidade Democrática
(MUD) 199, 202
Movimento dos Jovens Democratas
Moçambicanos (MJDM) 202 Movimento Juvenil 202-205 Movimento Nacional
de Moçambique
245, 256
Movimento Pan-Africano para a
Libertação da África Oriental e
Central (PAFMECA) 246
Movimento Popular de Libertação de
Angola (MPLA) 208-209 Moyana, Gabriel 240 Mozambique African National
Union
(MANU) 214,246-247, 249,252 Mozambique East African Association 240
Mpanga 235
MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) 208-209 Msaho 222
Msaho 230
Mtwara 233
MUD (Movimento de Unidade
Democrática) 199, 202
Mueda 191,211,232-233,236,23t.,
241
massacre de 145, 198, 241, 247 Mugeba 138
Mulevala 112
289
Murrupula 150, 155, 179 Museu de Nampula 230 Mussoco 2, 24 Muta-hanu 54,
112 Mutarara 46, 91 Muthemba, Josina 244
N
Nacala 154 Nacionalismo 114, 165
económico (português) 35, 42,
46, 50, 86, 171 Nairobi 156 Namapa 154 Namepuita 211 Nametil 89 Namimba,
João 233 Nampula
administração 1-2
algodão 27-28, 38, 53, 55, 85, 89-90, 102-103, 133, 137, 138,
150
cajú 38, 54-55
comércio rural 4, 151
demografia 8, 156
despovoamento 156, 213
empobrecimento 156
Igreja Católica 16, 179
indústria ligeira 169
Museu 230
Muta-hanu (revolta) 112-114
salários 144
sisaleiras 3, 51-52, 144
trabalhadores (Tanganhica) 159 Namuli 37 ý4angololo 233, 235 Navess, Tizora
16 Ndota 218 Negócios Indígenas (Direcção) 25,
60, 67-68, 187, 203, 216-217
NESAM (Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique) 203205, 209, 243-245, 250, 257 Netia 154
Neto, Agostinho 208 Ngungunhane 17, 19, 72-73, 224 Ngwenya, Malangatana
231 Nhantumbo, Tomás 240, 243 Niassa
algodão 85
colonatos 167
colonialismo português 50
comércio rural 151
Companhia do Niassa 1, 29
despovoamento 24 Mataka (chefe) 185
missões protestantes 16, 123
recrutamento 139
salários 145
Niassalândia 3, 24. 40, 46, 50, 110,
156, 163, 201, 238-239, 246 Nigéria 238 Niquaria 211, 252, 255
Nkavandame, Lázaro 233, 235, 238 Nkrumah, Kwame 114, 205, 238,
246
Nkuna, Eduardo 212 Nogar, Rui 231 Nogueira, Franco 118 Noronha, Rui de 7274, 82 Nós matámos o cão tinhoso 229 Notícias 59 Nova Madeira (colonato de)
167 Nova Mambone 190 Nqumayo, Simeão Godide 19 Núcleo de Estudantes
Secundários de
Moçambique (NESAM) 203-5,
209, 243-5, 250, 257
Núcleo Negr6filo de Manica e Sofala
205-207 ver: Grémio Negrófdo
de Manica e Sofala Nyerere, Julius 246
290
O
Ocua 133
Organização das Nações Unidas
(ONU) 114, 199, 243-244
Organização do Tratado do Atlântico
do Norte (OTAN) 200
Organização Internacional do Trabalho (OIT) -159
P
Pachinuapa, Raimundo 233, 234 PAFMECA (Pan-African Freedom
Movement for East and Central
Africa) 246
Pagamento diferido 30, 40, 144, 157 PAIGC (Partido Africano da Independência
da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC) 208
Paivdf (canção) 223, 224 Pan-African Freedom Movement for
East and Central Africa
(PAFMECA) 246
Pan-africanismo 114, 224, 246 Paquistão 199
Paris 246
Partido Africano da Independência da
Guiné e Cabo Verde (PAIGC)
208
Partido Nacionalista (África do Sul)
201
Partido Trabalhista (Grã-Bretanha)
199
Passe, leis e regulamentos de 11, 96,
99, 100, 210; ver: Caderneta de Identificação, Regidamnento dos
Serviçais Indígenas
Pemba 49, 185, 211, 241 PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) 200,
209, 240,
243,245
Plano Marshall 200
Planos de Fomento 162-168 Plantações 2-7, 9-10, 26-27, 31, 3638, 49, 51-54, 56,
77, 105, 132, 147-148, 150, 155-156, 175, 199,
213,235
açucar 3, 36, 96, (Natal)l11,
149-150, 223, 252
cajú 54, 55
chá 3, 54-55
condições de trabalho 90, 94, 96, 143-144, 150, 155-156, 159, 177,
209, 210, 213-214
coqueiros 3
força de trabalho 95-97, 138-140,
142-145
resistência, greves 140, 209-210,
213-215 sisal 3
ver: Sena Sugar Estates, Xinavane
Poemas do tempo presente 230
Polícia Internacional de Defesa do
Estado ver: PIDE
Política colonial 8, 19, 117-118, 209
agricultura 26-28, 43, 83-84,
106, 151-156, 234, 238
algodão 27-28, 137
colonização 123, 172, 189
comércio rural 151-152
discriminaçao racial 15, 174-175
educação 15, 46, 48, 119, 208
Estado Novo 36, 61, 70, 74, 86
finanças 42-43
indústria 45
religião 16, 47-49, 118-119, 123,
124
sindicatos nacionais 172-173 Polónia 200
População 8-9, 164-165, 175, 182183, 193
Porto Amélia 49, 185, 241 ver:
Pemba
291
Portos 7-8, 13, 151, 161, 163, 168,
172, 213, 223
Beira 6, 40, 46, 56-57, 109, 162 Lourenço Marques 6, 24, 59-61,
215-217
trabalho 6, 9, 56-60, 210, 213214, 222
Portugal 2, 7, 41, 61, 69, 84-85,
108, -130, 152, 161, 164, 166,
175
Portugues,: East Africa Association
240, 243,245
Pott, Karel 62-65, 71-72, 77, 81 Prazos da coroa 1, 11, 29 Proteccionismo 41-44
Proto-nacionalismo 9, 17-18, 20, 81;
ver: Movimento Associativo
Q
Quelimane 4, 169 Quénia 156, 208, 214, 233, 246,
249
Queto 72
Quissico 222
R
Rangel, Ricardo 202, 223 Raposo, Paiva 223 Reconhecimento ecológico-agrícola
131
Reforma Administrativa de Moçambique 11
Reforma Administrativa Ultramarina
42
Registo 95, 100, 114, 126, 158 Regulamento dos Serviçais Indígenas
99, 126, 187
Régulos 51, 106, 151, 233
administração 2, 73, 96, 98-99, 104, 106, 113, 142, 130, 183186, 209,235
cooperativas 189, 190
desprestígio 98, 205-206 Instituto Negrófilo 69, 71
pagamento 73, 186
recrutamento de trabalhadores
139, 142, 237
resistência 153, 211, 212 tributações 106, 149, 237
Relações internacionais, II Guerra
Mundial, 198-201
Religião 16, 46-49, 66, 67, 70, 117,
123,203
Rennies 216
República Democrática Alemã 200 Resende, D. Sebastião Soares de
177-178, 194
Reservas indígenas 103 Resistência 53, 58, 75, 88, 108,
117, 148,242, 248
ocupação colonial 1-2, 9, 17, 73
trabalho forçado 9, 148
fugas 9
cultural 221-222
canções 222-225
literatura 117, 225-230
culturas forçadas 89, 91, 111114, 130, 133, 152-153,210-213,
220
religiosa 48
ver: Igrejas separatistasletiópicas, Luta de camponeses e trabalhadores,
Movimento Associativo Ressano Garcia 164, 224 Reunião de consulta e estudo
para o
desenvolvinento da luta contra o
colonialismo português 246
Reunião dos Chefes do Estado Africanos 248
Revué (colonato de) 165-166 Rhodesian Native Labour Supply
Commission (RNLSC) 158
292
Rikatla (missão) 16 Rodésia do Norte 79, 110, 163 Rodésia do Sul
caminhos de ferro 162-164, 171
crise económica (1929) 56
educação 69, 176
electricidade (fornecimento de)
161
greves 201
luta nacionalista 115, 235, 249
missões protestantes 16, 69
Mozambique East African Association (Associação Moçambicana
de África Oriental) 240
política económica 26
The Portuguese East African Association (Associação Portuguesa de África
Oriental) 240, 243
Simango, Kamba 69 sindicatos 125, 249
trabalho migratório 8, 40, 110,
157, 158
UDENAMO (União Democrática
Nacional de Moçambique) 245 Rodésias 3, 238 Roménia 200 Ross, E. A. 30
s
SAAVM (Sociedade Algodoeira
Africana Voluntária de Moçambique) 190, 233 Sadaka, C. 240 SAGAL
(Sociedade Agrícola Algodoeira) 211, 233-234, 236-237,
255
Salamanga 190 Salários 5, 28, 144-145, 186
aumentos 220
baixos 5, 9, 11-12, 24, 60, 119,
140, 142-143, 216, 219, 224
crise económica mundial (1929)
40, 55-56, 59
discriminação racial 12, 25, 29,
101, 173, 175-176, 216 enfermeiros negros 64
não pagamento 52, 53, 100, 140
pagamento atrasado 53
plantações 38, 52, 105, 113, 145
poder de compra 3, 152, 157
repressão 99-100
reprodução social 5, 144
territórios vizinhos 3, 111, 157,
159, 213
trabalhadores migrantes 4, 9, 69,
143, 151
pagamento diferido 30, 144,
157
trabalho forçado '60, 105
Salazar, A. Oliveira 34, 41, 83, 85,
118
Salisbúria 240, 245 Santaca 190 Santos, Marcelino dos 208-209, 229,
246, 248
São Tomé 8, 159, 210, 212, 215,
217, 219, 224 Save (rio) 1 Secretaria dos Negócios Indígenas
(SNI) ver: Negócios Indígenas Sena 46
Sena Sugar Estates 4, 36-37, 149,
223,252
Sharpeville 242, 247 Sicobele, M. M. 16, 19, 20, 33, 79,
207
Simango, Chovane 70, 207
Simango, Kamba 69-70 Simango, Uriah T. 240 Sindicatos
África do Sul 115
Associação do Trabalho Geral da
Beira 61
293
Associação. dos Empregados do
Comé--io e da Indústria 101
Quénia 214
Rodésia do Sul 115, 249
Sindicatos Nacionais (portugueses)
100-101, 126, 172-175, 208
Sindicato Nacional dos Empregados Bancários 173
Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria (SNECI) 101,
173-174,
193, 194
Sindicato Nacional dos Motoristas de Moçanbique 173
Sindicato Nacional dos Motoristas e Ferroviários 101
Sindicato Nacional dos Operários da Construção Civil e
Ofícios Correlativos 173 Rodésia do Sul 115, 249 Singapura 114
Sipaios 51, 91-92, 98-99, 143, 149,
183, 209, 219, 241
Sisal 3,36, 38, 51-52, 93, 140, 144145, 147, 156, 159, 214, 229,
235,236,252
SNECI (Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria) 101,
173-174, 193, 194
SOCAJU (Sociedade de Cajú de
Moçambique) 172 Socialismo 198 Sociedade Agrícola Algodoeira
(SAGAL) 211, 233-234, 236-237 Sociedad Agrícola do Inkomati 172 Sociedd
Algodocira Africana Voluntária de Moçambique (SAAVM) 190-191,233238,241 Sociedade de Cajú de Moçambique
(SOCAJU) 172
Sociedade de Chá Oriental 150 Sociedade Hidro-ElécLrica do Revué
(SHER) 161, 172
Socièté Coloijal Luso-Luxembourgeoise 85 Sofala
açucareiras 214
Companhia de Moçambique 1, 86
Machanga 190
ver: Manica e Sofala Solos 137
degradaçio dos 153, 155 Sômália 75 Sorgo 155 Sousa, Noémia de 202, 208-209,
226, 228,254
Sousa, Victor de 19-20, 79 Sri Lanka 199 Subnutrição 153, 155-156 Sussundenga
(colonato de) 166 Swazilândia 111, 239-240, 243
T
Tabaco 229 Tambara 107 Tanga 241
Tanganhica 3, 111, 159, 213, 232236, 238-240, 243, 246, 249
Tanganyika African National Union
ver: TANU
Tanganyika-Mozambique Makonde
Union 240, 246
TANU (Tanganyika African National
Union) 232-235, 249
Teixeira, Gabriel (Governador-Geral,
1947-1958) 174, 185, 190, 193194
Tembe, Jorge 244 Tcmbe, Lopes 245 Tete
administmção 1
caminho de ferro 109, 162
carvão 109, 162
294
Companhia Carbonífera de
Moçambique 162
companhias 1
missões católicas 16
prazos 1
trabalho migratório 40, 158
UDENAMO 249 (União Democrática Nacional de Moçambique) UNAMI (União
Nacional Africana de Moçambique Independente)
249
Têxteis 2-3, 83, 130 Trabalho 4-5, 9-12, 15, 24, 29-31,
37-38, 41, 46, 52, 54-56, 59-61, 73, 88-90, 93, 95, 99, 106. 116,
136, 145, 197, 228,236
condições de trabalho 30, 52-53, 143-144, 149-151, 215-218, 223224
crises de mão-de-obra rural 9596, 138-143
desemprego 173
força .de trabalho 2, 14, 30, 9798, 123, 129-130, 152, 155, 172176, 209
forçado 3, 5-6, 12, 21, 31, 55, 59,100, 138,122, 140, 177, 199, 201,212-214, 217218,223,225,
235
legislação 11, 31, 95-100, 102, 106, 113, 126, 138, 142, 172,
174-175, 187-188
migratório 3-5, 6, 9, 27, 39-41, 55, 73, 110, 111, 127, 156-159,
193,209,228
convenções, acordos 30, 40,
158
emigração clandestina 157
ver: Greves, Plantações, Salários Trânsito 10, 14, 39, 161 Transportes 163, 169
ver: Caminhos de ferro
Transvafl 182, 203, 220 Trigo 188 Tunes 247
U
UDENAMO (União Democrática
Nacional de Moçambique) 245249
Uganda 233
Uleres 40, 78
UNAMI (União Nacional Africana de
Moçambique Independente) 246247, 249
União Democrática Nacional de
Moçambique ver: UDENAMO União dos Makonde de Tanganhica e
Moçambique ver: TanganyikaMozambique Makonde Union
União dos Makonde e Makua no
Zanzibar ver: Zanzibar Makonde
and Makua Union
União dos Negros Lusitanos 76-17 União dos Trabalhadores de Moçambique 61
União Nacional Africana de Moçambique Independente ver: UNAMI
Universidade de Coimbra 69 Universidade de Wiwatersrand 203
V Vanolnba, Faustino 241 Vieira, Sérgio 229, 254 Vila Pcry 245
Vinho 2, 6-7, 14, 30, 54, 59, 151 A Voz Africana 65, 81
w
WENELA 68, 158, 229 Witwatersrand 157, 204
295
x
Xavier, A.A. Caldas 10 Xinavane 144, 214, 220, 253
z
Zambeze 149, 151, 223
vale do 3
Zambézia
açucareras 3, 214
adminisração 1-2, 11, 213
algodão 38, 85, 90-91, 102, 112,
138, 149
Associação AfricanA 116
chá (plantações de) 37-38, 94
colonialismo português 50, 97,
99
comércio rural 4, 1-04
copra 54
crise de mão-de-obra (1942),95
demografia 8
missões cat6licas 16
musoco 2
produção camponesa 4, 105-106,
155-156
sisal 3
UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente)
249
Zâmbia 163 Zanzibar 3 Zanzibar Makond and Makua Union
240-241, 246 Zavala 189-190
O período de 1930-1961 testemunhou o violento e mudtas
vezes sufocante nacionalismo
económico português em
Moçambique. A intensificação
do trabalho forçado, a
implementação de um regime
de culturas obrigatórias e a instalação de novas instituições em prol de uma maior
eficiência exploradora constituem o fundo de uma história bastante
complexa. Na década de 1950,
algumas das fraquezas do sistema sócio-económico instalado tornaram-se
aparentes e nem a rigorosa repressão política era capaz de impedir o surto de
contestação.
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História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do