História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do colonialismo, 1930 - 1961 http://www.aluka.org/action/showMetadata?doi=10.5555/AL.SFF.DOCUMENT.crp2b20002 Use of the Aluka digital library is subject to Aluka’s Terms and Conditions, available at http://www.aluka.org/page/about/termsConditions.jsp. By using Aluka, you agree that you have read and will abide by the Terms and Conditions. Among other things, the Terms and Conditions provide that the content in the Aluka digital library is only for personal, non-commercial use by authorized users of Aluka in connection with research, scholarship, and education. The content in the Aluka digital library is subject to copyright, with the exception of certain governmental works and very old materials that may be in the public domain under applicable law. Permission must be sought from Aluka and/or the applicable copyright holder in connection with any duplication or distribution of these materials where required by applicable law. Aluka is a not-for-profit initiative dedicated to creating and preserving a digital archive of materials about and from the developing world. For more information about Aluka, please see http://www.aluka.org História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do colonialismo, 1930 - 1961 Author/Creator Hedges, David; Rocha, Aurélio; Medeiros, Eduardo; Liesegang, Gerhard; Chilundo, Arlindo Publisher Universidade Eduardo Mondlane, Departamento da História Date 1993 Resource type Books Language Portuguese Subject Coverage (spatial) Mozambique Coverage (temporal) 1930-1961 Source Northwestern University Libraries, Melville J. Herskovits Library of African Studies, 967.9 H673 1988 v. 3 Rights By kind permission of the Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane. Description This book produced by the Department of History at Universidade Eduardo Mondlane focuses on the period 1930 to 1961, but also includes an introductory chapter covering the period 1885-1930. It provides both analysis and narrative coverage, divided into the following periods: 1930-1937 (reinforcement of colonialism), 1938-1944 (restructuring of Mozambican society), and 1945-1961 (in two chapter, one on the apogee of Portuguese colonialism, and the other on resistance to colonialism. The back matter includes extensive notes and references. Format extent (length/size) 316 pages http://www.aluka.org/action/showMetadata?doi=10.5555/AL.SFF.DOCUMENT.crp2b20002 http://www.aluka.org HISTORIA DE MOÇAMBIQUE HISTORIA DE MOÇAMBIQUE VOL. MOÇAMBIQUE NO AUGE DO COLONIALISMO, 1930- 1961 DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE História de Moçambique Volume 3 Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930-1961 Universidade Eduardo MondIane Departamento de História - Faculdade de Letras Maputo 473 Copyrigth Coordenação deste volume: ScLcção de fotografias: Mapas: Capa: Revisão do Texto: Arranjo Gráfico: Montagem, Fotolito e Impressão: Editor: N* de Registo: Departamento de História - Faculdade de Letras, Universidade Eduardo MondIane David Hedges Amélia Souto , António Sopa, Paula Voss e Arlindo Chiluw Gerhard Liesegang Quadro de Malangatana "Trabalho forçado" Fernanda Durão, Arlindo Chilundo e Gilberto Matusse João Paulo Borges Coelho Imprensa da UEM Departamento de História - Faculdade de Letras, Universidade Eduardo Mondlane 098 1IFBM/92 Maputo - 1993 SUMÁRIO Lista de Quadros viii Lista de Mapas viii Lista de Fotografias ix Abreviaturas utilizadas xi Nota de Apresentação xii Capítulo 1: A História de Moçambique, 1885-1930 1 Por Aurélio Rocha, David Hedges, Eduardo Medeiros e Gerhard Liesegang Com revisões e novas matérias por David Hedges e Arlindo Chilundo 1 A conquista e a nova organização político-administrativa 1 2 A emergência da economia colonial 3 2.1 Produção agrícola 3 2.2 A reestruturação capitalista da economia camponesa 5 2.3 Portos, caminhos de ferro e trabalho migratório 6 2.4 Indústrias de transformação 6 2.5 Balanço geral da economia 7 2.6 Relações económicas entre Moçambique, Portugal e outros países 7 3 As mudanças demográficas entre 1885 e 1930 8 3.1 População total 8 3.2 Distribuição da população e função das cidades 8 4 A estrutura social, o racismo e o proto-nacionalismo 9 4.1 Discriminação racial na estrutura colonial 10 4.2 A luta dos trabalhadores brancos e o reforço das barreiras raciais 12 4.3 A pequena burguesia moçambicana, assimilação e educação 13 4.4 Últimos focos da resistência militar e o início do proto-nacionalismo 17 As igrejas 'separatistas' 18 O movimento associativo e literário 21 5 Os conflitos do período 1915-1930 23 5.1 A I Guerra Mundial e a crise económica e social da década de 20 23 5.2 0 conflito sobre as bases da política colonial em Moçambique 26 5.3 0 golpe militar de 1926 em Portugal e a sua repercussão em Moçambique 28 NOTAS Capítulo 2: O Reforço do Colonialismo, 1930-1937 35 Por David Hedges e Aurélio Rocha Com revisões e novas matérias por David Hedges e Arlindo Chilundo 1 Introdução 35 2 A crise económica e a produção em Moçambique 36 2.1 Origens e alcance da crise económica mundial 36 2.2 Produção em Moçambique na nova situação económica 36 2.3 0 trabalho migratório, trânsito e a situação financeira 39 3 0 reforço da dominação portuguesa 41 3.1 A ascensão do regime Salazarista em Portugal 41 3.2 0 proteccionismo e o novo regime político-administrativo 41 3.3 Novas relações de dominação económica 42 3.4 Educação e religião 46 4 A intensificação da exploração nas zonas rurais 49 5 Os conflitos sociais e a resistência anti-colonial, 1930-1937 53 5.1 0 conflito sobre as terras no Mossuril - Nampula 53 5.2 As greves de 1932-1933 na Beira e Lourenço Marques 55 A manifestação dos assalariados negros da Beira, 1932 56 A greve da 'Quinhenta' no porto de Lourenço Marques de 1933 59 5.3 0 movimento associativo e político 61 A divisão do movimento associativo 66 A repressão do jornalismo político 71 Ambiguidade da posição da elite 73 Agudização da tensão política e repressão fascista, 1935-1937 75 NOTAS Capítulo 3: A Reestruturação da Sociedade Mocambicana,1938-1944 83 Por David Hedges e Aurélio Rocha 1 Introdução: Características gerais do período 1938-1944 83 1.1 A procura renovada de matérias-primas 83 1.2 Capital português e reorganização da administração colonial 85 1.3 0 poder reforçado do Governador-Geral 86 2 As culturas forçadas 88 2.1 Generalização do cultivo do algodão 88 2.2 Generalização da cultura obrigatória 91 2.3 0 cultivo forçado de arroz 93 3 A intensificação da exploração do trabalho 93 3.1 A crise de mão-de-obra rural 93 3.2 Actuação do governo colonial face à crise de mão-de-obra 95 3.3 A reorganização dos impostos 97 3.4 Reforço dos auxiliares administrativos: régulos e sipaios 98 3.5 Reforço do controle sobre trabalho em Lourenço Marques e Beira 99 3.6 0 novo sistema de sindicatos fascistas 100 4 A estrutura de produção e as suas consequências 101 4.1 Produção e rendimento nas zonas rurais 101 4.2 Diferenciação regional 102 4.3 Controle permanente da administração sobre a produção agricola 104 4.4 Crescente exploração do campesinato 104 4.5 Diferenciação social no seio do campesinato 106 4.6 Indústria, transportes e trabalho migratório 108 5 A resistência ao colonialismo 111 5.1 A resistência generalizada às culturas forçadas 111 5.2 A revolta Muta-hanu no Mossuril - Nampula, 1939 112 5.3 0 movimento associativo 114 6 0 Estado colonial, a Igreja Católica e o ensino rudimentar 117 NOTAS Capítulo 4: Moçambique durante o Apogeu do Colonialismo Português, 1945-1961: a Economia e a Estrutura Social 129 Por David Hedges e Aurélio Rocha 1 Caracteristicas gerais do período 129 2 A intensificação da produção rural 130 2.1 A cultura forçada de algodão 130 Concentrações algodoeiras, blocos e picadas 132 Diferenças de produtividade 137 2.2 0 reforço do controle sobre a mão-de-obra rural 138 2.3 Produção global das mercadorias agrícolas de exportação 145 2.4 A estrutura da exploração rural colonial e as suas consequências 147 Violência e produção 148 O comércio rural 151 A degradação dos solos, subnutrição e fomes 153 3 Mão-de-obra migrat6ria 157 4 Os planos do fomento e industrialização 161 4.1 Acumulação portuguesa e a economia moçambicana 161 4.2 Os planos de fomento 161 4.3 Crescimento da população colona 164 4.4 Fomento industrial 168 4.5 A consolidação do capital português 171 5 0 desenvolvimento da estrutura social 172 5.1 A força de trabalho assalariado e a sua estratificação racial 172 5.2 A educação, as missões e seu papel na estrutura social colonial 176 Ensino primário rudimentar e 'comum' 179 Ensino secundário 181 5.3 As formas de enquadramento colonial 182 O privilegiamento dos régulos e sipaios 183 As associações profissionais para negros 187 Os agricultores prósperos e as cooperativas 188 NOTAS Capítulo 5: A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 197 Por David Hedges e Arlindo Chilundo 1 Introdução 197 2 0 reforço do colonialismo na Africa após a II Guerra Mundial 198 O âmbito regional na África Austral 200 3 As associações e o movimento juvenil, 1945-1955 202 4 A luta dos camponeses e trabalhadores 209 4.10 contexto da luta 209 4.2 A resistência contra as culturas forçadas 210 4.3 Resistência contra o trabalho forçado 213 A greve na açucareira de Xinavane, 1954 214 4.4 Greves no caminho de ferro e porto de Lourenço Marques 215 4.5 0 motim da pedreira de Goba 217 4.6 Considerações finais sobre a luta dos camponeses e trabalhadores 219 5 A contestação cultural 221 5.1 Canção, música e dança populares 222 5.2 A literatura como arma da luta 225 5.3 Artes plásticas 230 5.4 A contestação cultural resumida 231 6 A Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique 232 7 A luta anti-colonial, 1955-1961 238 7.1 A criação de organizações políticas internas e externas 238 7.2 0 massacre de Mueda e a repressão de 1960-1961 241 7.3 0 âmbito político em Lourenço Marques e a revitalização do NESAM 243 7.4 A evolução das organizações moçambicanas nos territ6rios vizinhos 245 7.5 As organizações unitárias contra o colonialismo português 246 8. Resumo e conclusão 248 NOTAS 250 PRINCIPAIS FONTES CONSULTADAS 259 INDICE Lista de Quadros 1 Principais exportações de Moçambique, 1928-1935 38 2 A crise económica, 1928-1937: Valor e Volume das exportações 39 3 Expansão das missões católicas, 1930-1937 47 4 Aumento do número de escolas rudimentares, 1930-1937 48 5 O volume das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 102 6 O valor das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 103 7 Aumento de missões católicas, 1938-1944 120 8 Número de escolas rudimentares, 1938-1944 120 9 Ensino rudimentar católico, 1940-1944 121 10 Produção de Algodão, 1945-1960 136 11 O volume das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 146 12 O valor das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 146 13 Percentagem das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 147 14 Evolução da população total e da população colona de Moçambique 165 15 Crescimento da indústria de transformação, 1947-1961 169 16 Expansão do investimento fixo na indústria transformadora, 1956-1961 170 17 Proporção do valor de produção industrial, por sector, 1942-1960 171 18 Estimativa provisória do número de assalariados nos principais sectores e actividades, 1950-1960 173 19 Aumento de missões religiosas, 1945-1961 178 20 Aproveitamento nas escolas rudimentares das missões católicas e outras (missões protestantes e escolas oficiais), 1945-1960 180 21 Matrículas nas escolas primárias 'comuns', 1945 e 1960 181 22 Matrículas nos Liceus, 1945 e 1960 182 Lista de Mapas 1 Produção de algodão, 1941: diferenciação regional 134 2 Produção de algodão, 1960: diferenciação regional 135 3 A expansão da rede ferroviária 160 4 Greves, contestações e protestos, 1930-1960 196 Lista de Fotografias 1. Construção da Ponte do Zambeze, 1933 44 2. Ponte do Zambeze, 1935 45 3. Trabalhadores no depósito do crómio no Porto da Beira 57 4. Retrato de Estácio Dias 62 5. Retrato de Karel Pott 62 6. Sede do Centro Associativo dos Negros (Instituto Negrófilo), 1939 63 7. Kamba Simango 69 8. Tomada de posse do Governador-Geral J. T. Bettencourt 87 9. Parada militar em Lourenço Marques, 1942 87 10. Colheita de algodão 88 11. Mercado de algodão, Nampula 89 12. Processamento de algodão, Sofala 90 13. Paisagem da cultura de chá, Zambézia 94 14. Trabalhadores do chá, Zambézia 94 15. Carregamento da cana de açucar, Inkomati 96 16. Régulos com os seus bastiões de comando, Quelimane, 1939 98 17. Construção do Caminho de Ferro de Tete, 1944 109 18. Escola de Artes e Oficios, Moamba 122 19. Aula de sapataria, Escola de Artes e Oficios, Moamba 122 20. Caminho de Ferro do norte: abertura de uma trincheira 141 21. No parque de maquinaria, linha férrea de Tete,1949 162 22. Carros no caminho das Rodésias, Lourenço Marques, 1955 163 23. Colonos a chegar, Limpopo, 1954 166 24. Vista do colonato, Limpopo, 1960 166 25. Retrato de D. Soares de Resende, Bispo da Beira 177 26. A escola rudimentar da Missão católica de Murrupula, Nampula, 1960 179 27. Banja em Maniamba, Niassa, fim da década de 1950 184 28. Chefe Mataka, Niassa, fim da década de 1950 185 29. Os engraxadores de Lourenço Marques, 1946 187 30. Encontro dos Governadores-Gerais da Federação e de Moçambique, 1954 201 31. Eduardo Mondiane em 1949 204 32. M.M. Sicobele, fundador da Igreja Luz Episcopal 207 33. Figuras da contestação cultural, década de 1950 223 34. Retrato de Daniel Marivate 227 35. Retrato de João Dias, 1949 228 36. Manifestação em Lourenço Marques contra Resoluções da ONU, 1957 239 37. Notícias do julgamento da liderança da Convenção do Povo de Moçambique, 1962 242 38. Nacionalistas da África Austral na altura da formação de CONCP 247 Abreviaturas Utilizadas AA Associação Africana de Lourenço Marques (o Grémio Africano) AHM Arquivo Histórico de Moçambique ANC African National Congress of South Afica BA O Brado Africano BO Boletim Oficial de Moçambique, I série BSEM Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique CAN Centro Associativo dos Negros (o antigo Instituto Negrófilo) CAM Companhia dos Algodões de Moçambique CEA Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlan CPC/SS Corpo da Polícia Civil, Serviços de Segurança Cx. Caixa DH Departamento de História, Universidade Eduardo Mondiane FA Fundo do Algodão [Arquivo Histórico de Moçambique) FAC Fundo da Administração Civil [Arquivo Histórico de Moçambique] FGG Fundo do Governo Geral [Arquivo Histórico de Moçambique) FNI Fundo dos Negócios Indígenas [Arquivo Histórico de Moçambique] FTO Fundo de Testemunhas Orais [Arquivo Histórico de Moçambique HM II DH, História de Moçambique, vol.II, Maputo:Cadernos Tempo, 1983 INLD Instituto Nacional do Livro e do Disco ISANI Inspecção Superior de Administração e Negócios Indígenas JEAC Junta de Exportação de Algodao MAC Movimento Anti-Colonialista MANU Mozambique African National Union MJDM Movimento da Juventude Democrática de Moçambique MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola MUD Movimento da Unidade Democrática NESAM Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique PAIGC Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde PIDE Policia Internacional de Defesa do Estado SAGAL Sociedade Agrícola Algodoeira S.d. Sem data SE Secção Especial [Arquivo Histórico de Moçambique) S.n. Sem número SR [A.I.Ferraz de Freitas],'Seitas religiosas gentílicas', 4 vols., Lourenço Marques,n.p., 1956-1957 TANU Tanganyika African National Union UEM Universidade Eduardo Mondlane, Maputo UDENAMO União Democrática Nacional de Moçambique UNAMI União Nacional de Moçambique Independente Nota de Apresentação Este terceiro volume da História de Moçambique segue as linhas gerais da periodização estabelecida para a colecção, em 1981, sob a direcção do então chefe do Departamento de História, Carlos Serra. Coube, porém, ao Departamento de História, como um todo, a responsabilidade da elaboração deste volume. Todos os capítulos foram previamente publicados na revista do Departamento, Cadernos de História 2,4,5,6,7 (1985-1988), ao que se seguiu um processo de revisão e reelaboração. A grande parte deste volume cobre o período de 1930-1961, sendo objecto principal Moçambique no apogeu do colonialismo. Neste volume procura-se mostrar como é que Portugal, guiado pela estratégia do 'nacionalismo económico', tentou, mais do que vinha acontecendo até então, tirar de Moçambique mais vantagens em seu próprio benefício. Procura-se também avaliar a experiência moçambicana deste intensivo, violento e muitas vezes sufocante processo. Tentamos fazer um balanço sistemático do material novo e informações relativa e largamente conhecidas. Porém, fica-nos a consciência de que este livro é uma mera tentativa de uma síntese geral deste período. Longe de ser um manual adequado de ensino e muito menos uma história oficial, esperamos não obstante que o livro seja de fácil leitura. Com diferentes graus de sucesso procuramos incluir a máxima informação possível sobre os temas sócio-políticos, tais como religião, educação e associações políticas. Aspectos sócio-económicos também mereceram um tratamento especial. Mesmo assim, muitos temas e formas mais frutíferas de interpretação foram, sem dúvidas, insuficientemente desenvolvidos. Muito fica ainda por fazer e esperamos que este trabalho provisório contribua substancialmente para a delimitação de novos temas de investigação sobre a história de Moçambique. No princípio, os autores decidiram que os capítulos seriam, de preferência, divididos conforme uma periodização, incorporando desta forma as divisões temáticas e diferenças regionais. Este procedimento nos pareceu o meio apropriado para a sintetização de materiais que se encontram ainda mais dispersos e não trabalhados do que aqueles que formaram a base do volume anterior. Os autores também decidiram que tal estrutura requeria um capítulo introdutório resumindo o período de 1885 a 1930 e que inclui novas informações que, à data da elaboração do II volume, não estavam disponíveis. A conclusão deste livro foi possível graças ao apoio sempre concedido, muitas vezes em difíceis circunstâncias, do Dr. Fernando Ganhão, Reitor da Universidade Eduardo MondIane, e os seus sucessores, Dr. Rui Baltazar e Dr. Narciso Matos. Os autores gostariam de expressar a sua profunda gratidão ao Arquivo Histórico de Moçambique cuja directora, Dra Inês Nogueira da Costa, e restantes trabalhadores generosamente os apoiaram na localização de fontes e na fase final da edição. O Índice beneficiou do generoso apoio profissional de António Sopa e de Fernanda Mendes. A publicação do livro deve muito ao entusiasmo e às capacidades técnicas de João Paulo Borges Coelho. Os autores agradecem particularmente a Colin Darch, pela sua indispensável ajuda na localização da grande parte das fontes utilizadas no Capítulo 5. Pelos valiosos comentários e informações fornecidas no decurso do trabalho, agradecem também a Carlos Serra (caps. 1 e 2), Luís Covane e Gerhard Liesegang, do Departamento de História, e a Yussuf Adam, Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, do Centro de Estudos Africanos da UEM (cap. 5), Eduardo Medeiros, do Instituto Superior Pedagógico (caps. 3 e 4) e a Paulo Soares, do Ministério da Cultura (caps. 2 e 3). E, não em último lugar, o Departamento de História expressa a sua profunda gratidão à Agência Sueca para Investigação e Cooperação Internacional (SAREC), e à Agência Norueguesa para o Desenvolvimento (NORAD), pela ajuda e encorajamento na área de investigação e pelo prestimoso apoio material, sem os quais não seria possível a publicação deste livro. Capítulo 1: A História de Moçambique, 1885-1930 1. A conquista e a nova organização político-administrativa Após a Conferência de Berlim, foram definidas novas formas de relacionamento entre as potências europeias e os territórios colonizados, o que, em Moçambique, se traduziu na delimitação de fronteiras e na ocupação militar, administrativa e económica. A implantação colonial no período imperialista efectivou-se, inicialmente, aLravés da conquista militar do território moçambicano. Apesar da superioridade em armas dos colonialistas, este processo durou mais de duas décadas (18861918), devido a fortes resistências nas diversas partes do território [1]. Para diminuir os custos directos da ocupação militar e administrativa, Portugal optou por ceder as actuais províncias do Niassa e de Cabo Delgado à Companhia do Niassa, uma companhia majestática, que, para além da sua função económica, tinha poderes militares e administrativos. Da mesma forma, as províncias de Manica e de Sofala passaram a ser administradas pela Companhia de Moçambique. As províncias de Tete e da Zambézia foram submetidas a uma administração conjunta do estado português e de companhias que arrendaram os antigos prazos. A província de Nampula e o território ao sul do Rio Save (Maputo, Gaza Capítulo 1 e Inhambane) ficaram sob administração directa do estado português. Como a acumulação de capital, em Portugal estava baseada em grande medida no comércio, e a economia estava pouco industrializada, não havia grandes excedentes de capitais para investimento produtivo no exterior. Assim se explica a penetração do capital não-português em todas as zonas de Moçambique, incluindo nas Companhias Majestáticas. A implantação do sistema administrativo colonial processou-se em diferentes fases nas diversas partes do país. Por exemplo, nas áreas de resistência mais prolongada, ou de acesso difícil, a primeira etapa efectivou-se através da ocupação militar quase permanente (capitaniasmores na província de Nampula e partes de Zambézia, comando militar em Gaza). Noutros lugares, como, por exemplo, na província de Maputo em 1896, o governo colonial passou directamente à divisão do território em circunscrições civis que, de um modo geral, deram origem aos actuais distritos. Nestas divisões foram instalados os administradores e chefes de posto portugueses, bem como régulos africanos, escolhidos pelo regime colonial, em substituição dos antigos chefes. A partir de 1907, este sistema substituiu gradualmente a administração militar em Gaza, Zambézia e Nampula. O objectivo principal do colonialismo no período imperialista era aproveitar a força de trabalho africana de uma maneira mais directa e permanente que no período anterior. As formas em que este aproveitamento se podia realizar variavam desde a aplicação do trabalho nas plantações até à comercialização dos produtos do campesinato e à venda aos moçambicanos de vinhos, têxteis e outros produtos portugueses (ver ponto 2). Vários métodos concretizaram esse objectivo. O imposto de palhota servia para forçar a população a ganhar dinheiro através da venda dos seus produtos ao comércio rural ou da venda da sua força de trabalho. Metade do mussoco (o imposto pagável na Zambézia) era cobrado em trabalho a partir de 1890. A cobrança do imposto era uma das tarefas principais do administrador e dos seus subordinados. O dinheiro cobrado contribuiu largamente para as despesas da nova rede administrativa colonial (vencimentos, edifícios, estradas, etc.). A diferença dos níveis de desenvolvimento entre as -potências europeias reflectiuse nas suas colónias, sobretudo na concorrência pela utilização da força de trabalho. Não obstante as más condições de Moçambique, 1885-1930 trabalho nas plantações, minas e obras públicas na África do Sul, nas Rodésias, Niassalândia, Tanganhica e Zanzibar, verificou-se um grande fluxo de migrantes moçambicanos para esses territórios. Para tal contribuiu o facto de os salários serem relativamente superiores nesses territórios, como corolário do nível relativamente superior de capitalização, gestão, aplicação de tecnologia e produtividade. Por outro lado, as mercadorias (em especial, os têxteis) vendidas nesses territórios eram de melhor qualidade e mais baratas. Colocado numa situação desvantajosa em relação aos outros poderes coloniais na região, no que diz respeito ao recrutamento de trabalhadores, o estado colonial em Moçambique recorreu, mais do que os estados coloniais vizinhos, ao sistema de trabalho forçado, cuja supervisão era outra das tarefas principais do administrador. Desta maneira, o colonialismo português pretendeu compensar o baixo nível de investimento. Foi através deste novo sistema político-administrativo, cuja actuação se fez sentir a nível do uso da força de trabalho, que se estabeleceu a economia colonial no período 1885-1930. 2. A emergência da economia colonial 2.1 Produção agrícola A maior parte da população moçambicana pertencia ao sector agrícola. No novo sistema, que emergiu entre 1885 e 1930, podemos distinguir vários tipos de produção provenientes dos seguintes sectores: a) As plantações de cana-de-açúcar, de coqueiros, de sisal e de chá, com as respectivas fábricas de transformação anexas, constituíam a agro-indústria. A produção de açúcar começou na última década do século XIX, com as principais plantações situadas no vale do Zambeze, localizando-se outras unidades importantes nos vales dos rios Buzi e Incomati. As plantações de sisal começaram a ser feitas em 1904/6 na Zambézia, mas as da zona litoral de Nampula tornaramse as mais importantes por volta de 1930, havendo outras em Cabo Delgado e Manica. A produção das plantações era quase totalmente exportada. b) As machambas familiares dos camponeses produziam para exportação quantidades sensqvelménte iguais às das plantações. Para além disso, alimentavam não só a população rural, mas também os milhares Capítulo 1 de trabalhadores na agro-indústria, que comprava os produtos aos camponeses na sua rede de lojas montada para o efeito. A Sena Sugar Estates, por exemplo, criou a Companhia de Comércio de Moçambique principalmente para este fim. Os principais produtos comercializados, quer para exportação, quer para comércio interno, eram o milho, o amendoim, o gergelim e a borracha, e provinham em grande parte da província de Nampula, e em menor escala, das províncias da Zambézia, de Cabo Delgado e de Inhambane. Nas províncias de Gaza, Maputo e Inhambane, o campesinato ficou sem muitos trabalhadores devido ao recrutamento para as minas sul-africanas. O imposto de palhota nestas zonas (pagável em divisas) provinha geralmente dos salários dos mineiros; reduziu-se, assim, a possibilidade e o estimulo da família camponesa para produzir para a comercialização. Por estas razões, o campesinato nestas províncias produzia poucos excedentes agrícolas. No entanto, na década de 20, alguns migrantes regressavam da África do Sul já com charruas, o que tornou possível a uma minoria de camponeses uma maior produtividade e até alguma acumulação de bens e o aumento das áreas cultivadas, como no vale do Limpopo. c) As pequenas e médias machambas de colonos individuais empregavam trabalhadores africanos. Algumas estavam instaladas em zonas de colonização antiga, perto de Quelimane e da Ilha de Moçambique, e produziam pequenas quantidades de copra e cajú. Outras dedicavam-se à cultura do milho no Chimoio a partir de 1907, e, no sul, à cultura do algodão a partir de 1920. Ainda neste período, os agricultures colonos começaram a pro4u±ir citn'nos para o mercado sul-africano e a criar gado para o mercado interno (principalmente para Lourenço Marques). As exportações por ýector, em termos de valor, eram as seguintes, em 1930 [2]: Das plantações 40% Do campesinato 28% Dos agricultores 10% Doutros sectores 22% vários: óleos, bagaços, sal, artesenato, minerais, etc.) Moçambique, 1885-1930 Embora as exportações do campesinato, em quantidade, se igualassem às da agroindústria, os produtos desta última valiam mais no mercado internacional, até porque iam já semi-transformados. 2.2 A reestruturação capitalista da economia camponesa Embora seja útil distinguir, para efeitos de estudo, as formas de produção agrícola das formas de produção indústrial que emergiram neste período, é, no entanto, importante compreender que elas estavam perfeitamente interligadas na economia colonial. Note-se que em todos os tipos de produção o trabalho era efectuado pela população moçambicana, com ou sem a supervisão dos colonos. Para além disso, é importante realçar o papel da produção camponesa no fornecimento de alimentação aos trabalhadores das plantações, indústrias e machambas privadas. Lembramos que estes trabalhadores eram migrantes sazonas, cujas famílias, além de manterem a casa, produziam para a sua subsistência e do próprio migrante depois do seu regresso. Podemos dizer que a família camponesa veio a constituir a base de repodução social do trabalhador migrante e, assim, a base fundamental de todas as formas de produção que dela dependiam. Com este sistema, nem plantações, nem indústrias, nem machambas privadas tinham que pagar um salário que alimentasse a família do trabalhador, o que era sempre justificativo da atribuição de salários muito baixos. Por essa razão os empreendimentos na nova economia colonial preferiam o trabalho migratório, procurando o estado colonial evitar, na medida do possível, o crescimento de uma força de trabalho permanente e estável, o que teria exigido salários mais elevados e melhores' condições sociais. Os migrantes, devido ao carácter temporário do trabalho, tinham pouco poder para reclamar junto do empregador, que os podia despedir em qualquer altura sem remuneração nenhuma. Devido ao rendimento muito baixo que se podia esperar dos contratos ou do trabalho forçado em Moçambique, que em geral somente bastava para pagamento do imposto e aquisição de alguma roupa de trabalho, o enquadramento social do homem e da mulher, através do casamento, dependia muitas vezes de contratos sucessivos do homem nas minas e plantações dos territórios vizinhos, onde ganhava o dinheiro necessário para o casamento e os impostos. O sistema de trabalho migratório (dentro e fora do país) atingiu quase Capítulo 1 todas as actividades produtivas, levando à proletarização parcial do campesinato e, assim, tornando a situação das massas cada vez mais uniforme. Se, por um lado, o recrutamento dos homens em brigadas nas zonas de origem, com a segregação nos acampamentos e o repatriamento no fim do contrato, fortaleceu a discriminação étnica, e facilitou o controlo rigoroso dos trabalhadores, por outro, contribuiu para o início de uma experiência comum de exploração [3]. Um outro aspecto fundamental da nova economia colonial era o comércio rural, essencial para o escoamento de produtos. Foi, de facto, a produção familiar dos camponeses que alimentou o crescimento e os lucros da rede de lojas rurais, exclusivamente nas mãos de comerciantes asiáticos e europeus [4]. Desta maneira, o sistema de produção familiar camponesa, herdado do período antes de 1885, foi transformado na base principal para a acumulação do capital na nova economia colonial [5]. 2.3 Portos, caminhos de ferro e trabalho migratório Enquanto a maior parte da população continuava a viver da agricultura, com o surgimento da nova economia colonial, havia um número reduzido que exercia a sua actividade na construção dos portos e caminhos de ferro de Lourenço Marques e Beira, e como estivadores e carregadores no seu funcionamento [ponto 3.2]. Para o fornecimento de grande parte desta mão-de-obra, desenvolveu-se o sistema de trabalho forçado. . Como vimos, outros trabalhadores foram para as minas e plantações dos territórios vizinhos. Estas actividades beneficiaram principalmente os empreendimentos das colónias britânicas vizinhas. No entanto, a burguesia portuguesa tinha o seu benefício através da canalização das divisas provenientes do trabalho nesses territórios para a rede comercial de Moçambique. Para além de vários impostos de recrutamento, pagáveis em divisas ao estado colonial, o Sul importava grandes quantidades de vinho, principal exportação portuguesa da altura, que era vendido nas lojas rurais. 2.4 Indústrias de transformação A extracção de óleos, a destilação de alcool, as moagens, a produção de cigarros, de gelos e de refigerantes foram as primeiras indústrias de transformação, principalmente viradas para o consumo de Lourenço Marques, e construídas antes de 1914. Nos anos seguintes, Moçambique, 1885-1930 estabeleceram-se fábricas de sabões, de cerveja e de cimento. O significado destas indústrias foi muito reduzido até 1930, quer em termos de produção, quer em termos do número de trabalhadores, maioritariamente não-qualificados. 2.5 Balanço geral da economia Os portos e caminhos de ferro e a exportação de trabalhadores constituíram sectores prioritários de desenvolvimento depois de 1885. Por isso, até cerca de 1910, sensivelmente, contribuíram com a maior parte do rendimento exterior da colónia. No entanto, o desenvolvimento progressivo da produção agrícola até 1930, veio a transformar esta actividade na maior fonte de receitas de Moçambique. 2.6 Relações económicas entre Moçambique, Portugal e outros países Moçambique não foi, neste período, para Portugal, uma fonte importante de matérias-primas, dado que este país, pouco industrializado no início do século vinte, não precisava delas em grande quantidade. Os produtos de Moçambique iam principalmente para outros países, como a França, a África do Sul, a GrãBretanha e a Alemanha. Por exemplo, calcula-se que, na década 1910/1920, uma média de apenas 5 a 6 por cento das exportações iam para Portugal, enquanto 20 a 22 por cento iam para África do Sul. Já em relação às importações de Moçambique, o Império Britânico (nomeadamente Grã-Bretanha e India) era o maior fornecedor de têxteis, sendo Portugal o principal fornecedor de vinho. Em relação aos investimentos, havendo poucos excedentes de capitais em Portugal, os equipamentos essenciais para plantações, portos e caminhos de ferro etc., tinham que ser feitos ou por companhias estrangeiras, ou através de empréstimos estrangeiros [6]. O baixo nível de trocas comerciais entre Portugal e Moçambique e a falta de um sistema de controle efectivo das trocas com outros países, resultou na utilização da moeda do principal parceiro de Moçambique, nomeadamente, a libra esterlina, nas trocas internacionais e até internas da colónia. Essa prática alargou-se consideravelmente com a queda do valor do escudo na década de 20. Pode-se concluir deste quadro económico que, entre 1885 e 1930, a economia de Moçambique foi reestruturada para servir os interesses das Capítulo 1 burguesias europeias. Mas, enquanto noutras colónias essa nova economia resultou em ligações económicas muito estreitas com as respectivas metrópoles, no caso de Moçambique, tais relações com a metrópole foram relativamente fracas. No período seguinte, 1930-1961, veremos que o objectivo central da política colonial portuguesa será precisamente reforçar e proteger os interesses da sua burguesia. 3. As mudanças demográficas entre 1885 e 1930. 3.1 População total. As estimativas indicam um total de 3 milhões de habitantes em 1900 e de 4.200.000 em 1930. Este crescimento relativamente baixo explica-se pela ocupação militar e pela imposição do imposto de palhota que, conjuntamente, causaram fugas maciças para as colónias vizinhas. Acrescente-se a emigração de milhares de moçambicanos para trabalhar na África do Sul, Rodésia do Sul e -São Tomé e, ainda, epidemias, fomes e o recrutamento militar para as campanhas no norte do país que, durante a I Guerra Mundial, causaram milhares de mortes [7]. 3.2 Distribuição da população e função das cidades. A densidade da população era muito variável, sendo as províncias de Nampula e Zambézia e algumas zonas do litoral doutras províncias as mais populosas, com uma densidade que oscilava entre 10 e 30 habitantes por quilómetro quadrado. No fim dos anos 20, a esmagadora maioria da população moçambicana vivia nas zonas rurais. Em 1930, apenas cerca de 100 mil pessoas viviam em centros urbanos. Este número dividia-se entre Lourenço Marques, com 42.779 habitantes, Beira, com 23.694, Inhambane, com 10.563, Quelimane, com 9.288 e Ilha de Moçambique, com 6.898 habitantes. De um modo geral, foi a nova dinâmica colonial do período imperialista que fez crescer as cidades, como portos e terminais de caminhos de ferro, e centros de administração, comércio e indústria. Desde o início do novo período que as cidades se caracterizavam pela coexistência de duas áreas distintas: o centro de administração, comércio, etc., e os subúrbios, que se formaram à medida que as cidades foram Moçambique, 1885-1930 crescendo. Na primeira, vivia a população branca e um reduzido número de negros, indianos, chineses e mulatos, que formavam o conjunto dos funcionários, dos comerciantes e primeiros industriais, dos profissionais independentes e dos artesãos e operários. Nos subúrbios, viviam os trabalhadores braçais da construção civil e aterros, das obras públicas, do porto e dos caminhos de ferro. Esta população constituía o efectivo dos trabalhadores de carácter permanente nas cidades. A medida que o sistema de trabalho forçado se ,ia consolidando, trabalhadores migrantes, recrutados nas zonas rurais, e recebendo salários extremamente baixos, eram alojados nos compounds dos vários serviços (portos, caminhos de ferro e óbras públicas, por exemplo). 4. A estrutura social, o racismo e o proto-nacionalismo A colonização de Moçambique no período imperialista foi dinamizada pela burguesia europeia, nomeadamente, de Portugal, Inglaterra, França e outros países industrializados, que deve ser considerada, evidentemente, a classe dominante [8]. O interesse ou motivação desta classe era uma exploração, mais directa do que anteriormente, dos recursos moçambicanos. Foi o campesinato africano que forneceu a força de trabalho migratório e os produtos no novo processo de acumulação do capital nas plantações, transportes, minas e comércio rural. Esse mesmo campesinato continuou a alimentar a família do trabalhador e ele próprio após o seu regresso. Foi ainda esse campesinato que forneceu, através dos impostos, uma grande parte do rendimento do governo, e comprou grandes quantidades de produtos das indústrias portuguesas. Podemos considerar a burguesia, que vivia na Europa, e o campesinato moçambicano, as principais camadas na nova estrutura colonial. A continuação da resistência activa contra a ocupação colonial, as fugas maciças, e a resistência contra o trabalho forçado expressam, no seu conjunto, a continuação do conflito entre essas duas camadas. No entanto, na evolução da nova economia colonial, emergiram outras camadas, secundárias, mas muito importantes na vida política e económica do país e nos conflitos que se desenvolveram nas cidades. Emergiu muito cedo, por exemplo, uma burguesia comercial local, baseada principalmente em Lourenço Marques, interessada no cresciCapítulo 1 mento da importação e exportação de produtos de e para o campesinato e no trânsito de mercadorias de e para os países vizinhos. Os seus interesses estavam, portanto, bastante ligados aos da burguesia na Europa e na África do Sul. Mais tarde, desenvolveu-se uma burguesia agrícola local, que integrava os colonos interessados na expulsão dos camponeses das melhores terras e a sua transformação em trabalhadores forçados sazonais nas novas plantações e machambas. Os interesses deste grupo entraram em conflito com os da grande burguesia e do estado colonial, especialmente no sul do país, onde a burguesia mineira inglesa insistiu sempre em reservar a maior parte do trabalho africano para as suas minas sul-africanas [9]. Com o crescimento das cidades e a chegada de colonos à procura de trabalho, emergiram duas camadas sociais: uma de trabalhadores permanentes, qualificados e semi-qualificados, e outra da pequena burguesia. Devido ao privilégio constitucional e legal proporcionado aos brancos pelo regime colonial, essas camadas logo se dividiram em negros e mestiços, por um lado, e brancos, por outro. Os brancos e não-brancos das duas camadas supracitadas estavam igualmente interessados na defesa dos seus lugares contra a ameaça de desemprego, em tempo de crise económica e, sempre que possível, no alargamento das suas regalias, em tempo de expansão. Porém, o referido privilégio constitucional assegurava que os benefícios recaissem sempre para os brancos, frequentemente em detrimento dos outros. Para melhor perspectivar os conflitos dessas camadas intermediárias, e a sua relação com as barreiras raciais que cada vez mais dividiam a sociedade colonial, é necessário recuar um pouco na análise dos interesses da burguesia e da política do estado colonial. 4.1 Discriminação racial na estrutura colonial A discriminação racial era parte inerente da estrutura colonial no período imperialista. Isto estava contido na definição, expressa na legislação, regulamentos e instituições da colónia, da população negra como fonte principal da riqueza na nova economia. No fim do século XIX, os mais activos representantes do novo colonialismo português em Moçambique, como Caldas Xavier, Antonio Enes e Mouzinho de Albuquerque, justificaram as mais duras formas de Moçambique, 1885-1930 extracção do trabalho da população, dizendo que o negro não era e não devia ser igual ao cidadão português. Propuseram resolver o problema da falta de mão-deobra para empreendimentos capitalistas com o trabalho obrigatório do negro. Esta filosofia vinha concretizada na primeia legislação sobre a divisão das terras da época imperialista, que, em 1890, mandava reestruturar os antigos prazos da Zambézia e estabelecia que os novos arrendatários dos prazos seriam unicamente Europeus, sendo os 'indígenas' os fornecedores do trabalho obrigatório. Em 189 ý, foram promulgados os primeiros regulamentos do passe em Lourenço Marques, numa tentativa de evitar a escolha livre de emprego pelo trabalhador, impedir a sua fuga e, assim, criar uma força de trabalho estável, com baixos salários. Estas medidas distinguiam claramente o cidadão do 'indígena', e obrigavam cada trabalhador 'indígena' na vila a trazer um certificado ou um disco metálico, a chapa, com o número do seu passe. Se bem que, devido à falta de estruturas policiais adequadas, tivessem pouco impacto no início, estes foram os primeiros de uma série de regulamentos sucessivos para controlar, com cada vez mais rigor, o trabalhador negro. Teoricamente os assimilados estavam isentos do passe, mas, na prática, foram muitas vezes presos pela polícia colonial e ameaçados com trabalho correcional [10]. Em paralelo, na administração rural, a diferenciação por raça era também evidente no estabelecimento das circunscrições do distrito de Lourenço Marques em 1895, com regulamentos (incluindo os relativos ao trabalho) apenas aplicáveis aos 'indígenas', prática sistematicamente seguida após a Reforma Administrativa de Moçambique de 1907. Desde o início do século, tais regulamentos foram progressivamente utilizados para assegurar o fornecimento regular de trabalho forçado dos distritos rurais para as cidades. Pode-se ver que as condições de luta dos trabalhadores pela defesa dos seus interesses eram bastante diferentes segundo a raça, uma vez que a situação política e legal do trabalhador branco era mais vantajosa. Para além do mais, as organizações sindicais dos trabalhadores brancos foram sendo gradualmente autorizadas pelo governo colonial depois de 1902, legitimação que não foi extensiva aos trabalhadores negros. Em 1926, o regime colonial consolidou a legislação discriminatória referente às posições política, civil e criminal da maioria dos moçambicanos, Capítulo 1 confirmando o que administrativamente veio a ser chamado o 'indigenato', para referir a situação 'especial' do povo perante a constituição portuguesa. 4.2 A luta dos trabalhadores brancos e o reforço das barreiras raciais Incluídos como plenos cidadãos na constituição política de Portugal, os trabalhadores brancos não deixaram de lutar em defesa dos seus lugares, salários, e melhores regalias. Esta luta significava que os salários e condições dos outros trabalhadores iam piorando, porque a burguesia, aliciando os colonos com concessões vantajosas, procurava sistematicamente recuperar os custos ao nível dos outros escalões, diminuindo salários, utilizando mais trabalho forçado, etc. Desta maneira, os trabalhadores brancos conseguiram obter sempre os melhores postos de trabalho. No entanto, a luta agudizou-se na crise económica que assolou o país durante e depois da I Guerra Mundial. Com a justificação de que havia cidadãos desempregados, os trabalhadores brancos, apoiados nas suas organizações, reclamaram, com certo sucesso, a adopção dessas barreiras raciais no acesso aos postos de trabalho que exigiam menos habilitações e, consequentemente, o afastamento dos outros trabalhadores. Assim, na década de 20, por exemplo, o lugar de guarda-retretes já era considerado um emprego para brancos em alguns sectores de trabalho. As desvantagens políticas e legais dos trabalhadores negros não impediram que lutassem por melhoria de condições; só que as greves e protestos por eles organizados, encontraram uma repressão policial sistemática e a utilização de trabalhadores forçados como fura-greves. A luta dos poucos assimilados, através dos jornais, também encontrou pouco sucesso contra o avanço dos trabalhadores brancos. Devemos dar ênfase ao facto de que não se trata aqui de um racismo proveniente da ideologia pessoal dos trabalhadores brancos: o racismo institucionalizou-se na sociedade colonial porque a-maioria da população foi definida como objecto principal da exploração pela burguesia, e porque a nova estrutura colonial só permitiu a um sector dos trabalhadores, os brancos, que lutasse pela defesa dos seus interesses, através da criação da sua própria imprensa e organizações sindicais [11]. Moçambique, 1885-1930 4.3 A pequena burguesia moçambicana, assimilação e educação Podemos considerar que, no início do período imperialista, a pequena burguesia moçambicana consistia em famílias e indivíduos de várias origens e posições sociais. Havia, por exemplo, um reduzido número de comerciantes africanos que abasteceriam a cidade de Lourenço Marques com mercadorias, como alimentos, carne, peixe e lenha, de produção camponesa. Por outro lado, havia um pequeno grupo de famílias mestiças, relativamente ricas, descendentes dos grandes caçadores e comerciantes brancos que tinham explorado os recursos do sertão de Lourenço Marques desde cerca de 1820. Estas famílias, ultrapassadas pelo fim do comércio de marfim, entraram noutros campos económicos mais apropriados às exigências da nova economia regional, nomeadamente, o recrutamento de trabalhadores, comércio a retalho, e compra e venda de imóveis [12]. Em terceiro lugar, havia um pequeno número de mulatos e negros que ocupavam posições importantes no serviço militar e funcionalismo público [13]. A proeminência social dessa pequena burguesia deve-se ao facto de que, no período pre-imperialista, as condições sócio-económicas e a atitude do poder colonizador em relação às famílias mestiças e à assimilação dos negros, eram diferentes do que viriam a ser no período entre 1885 e 1930. De facto, antes de 1885, isto é, antes da imigração de grande número de colonos brancos para Moçambique, as famílias mestiças e os assimilados negros tiveram um papel importante na expansão do comércio, administração e cultura portugueses em Moçambique. Por esta razão, antes de í885, a teoria de 'assimilação', segundo a qual os africanos deveriam s- governados pela mesma lei e condições que se aplicavam a cidadãos portugueses, teve alguma expressão real para uma reduzida minoria em Moçambique. Depois de 1885, este quadro sofreu consideráveis alterações. Uma breve análise da estrutura do comércio mostra como a emergente estratificação nacional e racial resultou na exclusão da pequena burguesia moçambicana. A expansão dos principais portos e cidades e a conquista das zonas rurais resultaram numa onda de migração de colonos brancos à procura de oportunidades nos vários ramos de comércio. A pequena burguesia branca de origem portuguesa tentou sempre utilizar os seus privilégios políticos na luta para assegurar as melhores posições. Capítulo 1 Deve-se notar, contudo, que a discriminação em beneficio de portugueses contra os já estabelecidos comerciantes asiáticos, frequentemente reclamada por pequenos comerciantes brancos, foi difícil. Interessadas na rápida expansão do comércio rural de vinho (de Portugal) e têxteis (da India e Portugal), as burguesias inglesa e portuguesa defenderam os indo-britânicos, cujo acesso ao oapital comercial, rede de contactos no litoral e competência de negócios lhes davam grandes vantagens na promoção das vendas nas zonas rurais. Por outro lado, o comércio de trânsito para países vizinhos já era dominado por firmas estrangeiras, maioritariamente inglesas. Na concorrência pelo aproveitamento das restantes oportunidades, a nascente pequena burguesia moçambicana foi colocada na defensiva pela agressividade política dos aspirantes portugueses e pelas acções das instituições coloniais. Por exemplo, através de um sistema de licenças oficiais, a Câmara Municipal de Lourenço Marques impôs controles discriminatórios que, cada vez mais, impediram aos comerciantes africanos o acesso ao mercado central, em beneficio, dos brancos, que passaram a controlar, em grande parte, o abastecimento da cidade. A divisão discriminatória das melhores terras nos arredores foi' também utilizada para assegurar a acumulação dos estrangeiros. Desta forma, no comércio, a pequena burguesia moçambicana foi efectivamente bloqueada, restando-lhe, em geral, a possibilidade de ocupar posições subalternas no emprego, em firmas não-portuguesas. Além disso, no crescente aparelho estatal, os postos de emprego foram cada vez mais reservados, na prática, aos brancos, e mesmo aqueles mulatos e assimilados que já ocupavam lugares de importância, para além de sofrerem exclusão na vida social, corriam o risco de serem discriminados através da reforma antecipada, sendo os seus lugares ocupados por brancos [14]. A nível constitucional também, a pequena burguesia moçambicana encontrou reveses. Como referimos, o estado colonial, levado por imperativos de desenvolvimento económico capitalista e, em particular, pela necessidade de criar uma força de trabalho muito barata e bastante controlada, elaborou uma série de leis, regulamentos e instituições discriminatórias que visavam a definição e identificação da população colonizada como 'indígenas'. No que diz respeito aos assimilados e mulatos, esta legislação foi Moçambique, 1885-1930 completada em 1917 por uma medida estabelecendo que, teoricamente, estes também teriam de ser portadores de um documento comprovando o seu direito a cidadania portuguesa e que não eram 'indígenas'. Embora revogada em 1921, foi incorporada na consolidação geral da legislação em 1926, e representava para os mulatos e assimilados a prova final de que o estado colonial pretendeu legalizar e reforçar a discriminação, na base de raça, entre eles e os brancos. É de notar que este conjunto de legislação contrariou as ideias de assimilação apregoada do século passado e que 'assimilação', como termo oficial, tornou-se uma justificação deológica do colonialismo, através da qual se pretendia esconder as barreiras raciais (racismo institucionalizado). A evolução da pequena burguesia moçambicana foi também influenciada pela forma de educação disponível e, particularmente, pela expansão das igrejas protestantes. Com efeito, não obstante a discriminação cada vez mais institucionalizada na estrutura social e a determinação do regime colonial de limitar as aspirações sócio-políticas do povo moçambicano, o sistema de ensino não se orientou por um plano rigoroso ou padrão uniforme no período 1885-1930. Por um lado, desde o início do período imperialista, colonialistas como Antenio Enes e Mouzinho de Albuquerque, advogaram abertamente um sistema racista de ensino em que a educação para os negros fosse restringida h formação de trabalhadores manuais, necessários ao desenvolvimento capitalista da colónia. Esta forma reduzida de educação era já sinónimo de 'civilização'. Por isso, Mouzinho escrevia em 1898: "O que melhor temos a fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver praticamente as suas aptidões do trabalho manual e aproveitá-lo para a exploração da província" [15]. De igual modo, o Governador-Geral de 1906 a 1910, Freire de Andrade, preocupando-se com o problema das dívidas da colónia e com a necessidade de um desenvolvimento rápido da economia, apesar das escassas fontes de capitais, concluiu que a única educação a dar ao negro seria aquela que fizesse dele um trabalhador. No que diz respeito ao ensino das massas, predominavam para a maior parte deste período as missões cristãs não-portuguesas (protestantes), que se estabeleceram após 1880, a partir de sedes nos territórios vizinhos. Desde 1881, os missionários metodistas da Junta Americana Capítulo 1 para Missões no Estrangeiro [16] tentaram fundar várias missões na Província de Inhambane, e abriram uma em Mount Selinda (na então Rodésia do Sul), que tinha uma dependência em Gogoi na Província de Manica. A partir de 1890, a Igreja Metodista Episcopal Americana substituiu as missões da Junta em Inhambane. Em 1882, missionários protestantes anglicanos (da Inglaterra) começaram a trabalhar na Província do Niassa, onde mais tarde abriram a missão de Messumba, estabelecendo outras missões no sul, a partir de 1890. A Missão Suiça (presbiteriana), que, em 1887, fundara a sua primeira estação em Rikatla (cerca de 20 quilómetros de Maputo) e, em 1891, estabelecera um missionário na corte real de Gaza, tinha 5 missões nas províncias de Maputo e Gaza por volta de 1930. Até cerca de 1882, a Igreja Católica só mantinha paróquias que se destinavam aos europeus, goeses e assimilados. Depois começou também a fundar missões em meios africanos. Em 1911, havia aproximadamente 15 missões católicas, localizadas nos centros principais de Moçambique. No mesmo ano, fundou-se em Portugal o Instituto Nacional de Missões, com o objectivo de travar a expansão das missões protestantes. Na década de 20, o estado português passou a ajudar activamente a Igreja Católica. Estabeleceram-se, assim, entre 1911 e 1930, 27 novas missões nas províncias de Maputo, Zambézia, Tete e Nampula. No fim da década de 20, o número de crianças nas escolas católicas tinha finalmente ultrapassado o número de inscritos nas escolas protestantes [17]. As divergências que se semearam através da expansão das igrejas missionárias não se restringiram somente à religião. Atingiram uma das bases fundamentais da cultura moçambicana, a língua. Enquanto em geral as missões católicas utilizavam apenas a língua portuguesa, que foi considerada pelos colonizadores um veículo da legitima dominação cultural, as missões protestantes ensinavam, muitas vezes, na língua da zona em que operavam. Para uma rápida expansão do ensino destas missões em línguas africanas teria contribuído a publicação dos livros em Ronga por Roberto Mashaba, entre 1885 e 1893 [18], e a tradução da Bíblia do inglês para o xitsua, iniciada pelos metodistas americanos Wilcox e -Richards, auxiliados por Tizora Navess e David Maperre, e concluída por M.M. Sicobele, entre 1901 e 1908 [19]. É também sabido que, na mesma altura, as missões suiça e metodista fizeram o mesmo para o Ronga [20]. Moçambique, 1885-I930 As actividades das missões protestantes, aliadas às suas fortes ligações com as colónias inglesas vizinhas, deram lugar a protestos por parte de colonialistas portugueses, que as acusaram de influenciar o povo moçambicano no sentido de uma 'desnacionalização', em relação ao colonialismo e cultura portugueses. Com efeito, alguns dos moçambicanos protestantes, que optaram, em geral, por postos de emprego nas firmas privadas não-portuguesas [21], constituíram um novo e distinto elemento da pequena burguesia nascente na cidade de Lourenço Marques, no período entre 1885 e 1930. 4.4 Ultimos focos de resistência militar e o início do proto-nacionalismo Após a resistência e a subsequente derrocada do apotentado estado de Gaza, que constituía a maior ameaça ao plano de ocupação colonial, no sul de Moçambique, alguns membros de proeminentes famílias de Gaza refugiaram-se no Transval. A prisão, seguida da deportação do grande imperador Ngungunhana para os Açores, teria também suscitado a vontade de voltar a pegar em armas para enfrentar de novo o usurpador. Muitos eram, porém, os óbices à tamanha proeza, erguendo-se, em primeiro lugar, a supremacia militar incontestável do inimigo e, em segundo, a progressiva tomada de consciência dos derrotados de que a oposição à ordem imposta por Portugal nunca mais podia, no futuro, basear-se exclusivamente nas instituições tradicionais, seculares e religiosas. A derrota da rebelião de Barué de 1917 [22], que marcou o fim das sublevações armadas segundo moldes sócio-políticos tradicionais em Moçambique e África Austral, e a ocupação do planalto dos Makonde em 1919-1920, confirmaram mais uma vez essa convicção. [23]. No entanto, a evolução da nova estrutura sócio-económica após 1885 levou a adopção de novas formas de contestação ao colonialismo. Essa contestação não se baseava numa ideia desenvolvida de nacionalidade moçambicana nem da reclamação de independência; não foi unificada nem coerente, e as formas em que evoluiu foram claramente influenciadas pelo colonialismo. Por outro lado, as ideias e acções revelavam, às vezes, uma certa independência de pensamento em relação ao colonialismo, e contribuíram fundamentalmente para a sobrevivência da cultura moçambicana. Por estas razões, podemos considerar essa contestação Capítulo 1 como uma contribuição para o proto-nacionalismo, isto é, para os antecedentes do nacionalismo moçambicano moderno. A investigação histórica deste assunto até agora feita não nos permite um tratamento aprofundado. Contudo, podemos constatar que uma das influências que mais contribuiu para o desenvolvimento de novas formas de contestação foi a expansão das missões, particularmente as missões protestantes, e a educação que ofereceram. Para além do problema de 'desnacionalização', a que já referimos, do ponto de vista do regime colonial, a au.;ência de controle do corpo docente, dos currículos e dos manuais nas missões protestantes fez com que a formação e exigências dos seus -beneficiários fossem incompatíveis com a dinâmica capitalista colonial, assente sobre a exploração de massas pacificadas. Estes indivíduos formados não aceitaram as normas de tratamento dos trabalhadores braçais. Segundo o Administrador de Homoíne, na dé&ada de 20: "Na província de Moçambique, . superabundam em todos os distritos os nativos 'letrados' - os assimilados, os quais não podendo ser todos atendidos nas suas reclamações pelo direito de serem considerados aptos e nomeados para qualquer lugar público, já pretendem associar-se em agremiações de classe, e fundar jornais para atacar os poderes constituídos, não tardando muito que reclamassem o direito de fazer propaganda política nacionalista, atacando e injuriando a raça europeia, a semelhança do que tem sucedido, e está crescendo nas colónias inglesas nossas vizinhas [241. Estas atitudes de contestação foram evidentes entre o pessoal moçambicano das igrejas protestantes, cujos catequistas eram considerados, por oficiais coloniais, "os mais insubordinados, os mais avessos ao trabalho, os menos aproveitáveis de todos os 'indígenas"' [25]. As igrejas 'separatistas' De facto, a rejeição da subordinação manifestou-se com mais clareza nas principais igrejas protestantes, que se separaram das missões religiosas europeias, o que testemunha a consciência de religiosos moçambicanos da necessidade de basear o seu desenvolvimento ideológico na cultura tradicional. A primeira foi a African Gaza Church, fundada em 1907 por Benjamin Mavadhla e outros moçambicanos residentes no Transval, que Moçambique, 1885-1930 se separaram da Igreja Wesleyana. A identificação dos seus membros com o antigo Império de Gaza manifestou-se numa justificação citada por Mavadhla para a fundação da Igreja, nomeadamente, a referência bíblica à palavra 'Gaza'. Não foi por acaso que, a esta Igreja, estava associado o nome de Simião Godide Nqumayo, o herdeiro da linhagem real de Gaza, que vivia em Pissane, Transval, "rodeado de muitos filhos dos emigrados a seguir a captura de Ngungunhane em 1895" [26]. Segundo a sua própria documentação, a Igreja teve sucursais noutras partes da África do Sul e foi transplantada para a colónia de Moçambique em 1913 [27]. A informação citada, acrescentada aos conhecimentos relevantes da história da África do Sul, mostra que as circunstâncias que conduziram à formação da Igreja foram: i) a conquista portuguesa de Moçambique e a penetração no sul do país do capitalismo mineiro e agrícola da África do Sul, que resultou na emigração para aquele território vizinho não só de trabalhadores moçambicanos como também de representantes da casa real derrotada. ii) a necessidade do povo de -uma expressão ideológica da sua identidade cultural e da sua resistência contra a ocupação colonial, visto que a oposição militar frontal era impossível. iii) a incapacidade de algumas missões em Moçambique e na África do Sul de acomodar as tradições sócio-culturais locais dos seus membros, de ultrapassar o racismo dentro das suas próprias instituições, ou de separar-se suficientemente da dominação política colonial. Foi em circunstâncias ,emelhantes que Sicobele, a quem já nos referimos, se desligou da Missão Metodista Americana em Morrumbene, Inhambane, e juntouse a Victor de Sousa, então funcionário da administração em Inhambane, para fundar, em Janeiro de 1918, a Igreja Episcopal Luso-Africana de Moçambique. Sicobele, segundo suas palavras, fê-lo por "não querer servir mais os estrangeiros..." [28], isto é, colonos portugueses e doutras nacionalidades. De facto, os desígnios divergentes dos dois fundadores não tardaram a desenvolver-se nos anos seguintes. Sousa participou na fundação da Capítulo 1 Igreja "para combater, como diz, a 'desnacionalização' dos indígenas que emigravam, e bem assim a influência das -missões evangélicas' estrangeiras que contribuíam para essa 'desnacionalização"' [29]. Esta posição é bem patente no relatório da sua II conferência anual que se realizou em Novembro de 1924, no qual, inter alia, se afirmava: "Os nativos súbditos de Portugal, vendo que os estrangeiros enviam seus mi§sionários propagandistas em grande número a esta colónia, resolveram fundar uma associação religiosa cristã Episcopal Egreja LusoAfricana [sici de Moçambique, genuinamente portuguesa, para defender a soberania e a Pátria" [301. Sousa fundara a Igreja com o intuito de combater a 'desnacionalização' em relação a Portugal. Sicobele, no entanto, recusando a língua portuguesa, e escrevendo em xitsua e inglês, elaborou a história dos Tsua sublinhando a sua antiguidade e a igualdade com a dos outros povos [31]. Analisando pormenorizadamente o texto de história de Sicobele, suscitam-se-nos duas ideias fundamentais. A primeira é que o autor recusa a inferioridade imposta e apregoada pelos colonizadores e reivindica a igualdade. Trata-se de um caso raro no proto-nacionalismo moçambicano, pois, enquanto muitos escritores e poetas exprimiram a sua revolta na língua do colonizador, desprezando as línguas nacionais [32], Sicobele fê-lo na sua língua materna e, no desejo de que a sua obra pudesse transpor as fronteiras, escreveu-a também em inglês. A segunda, a mais importante, que constitui o objectivo final da sua contestação cultural e que confirma a sua posição patriótica, é dada pelo slogan A África é dos Africanos, que encontrou o seu eco em Lourenço Marques, em 1919, um pouco depois da fundação da nova igreja. Este reforça ainda a sua decisão de não querer servir mais os estrangeiros. Por esta razão, um investigador colonial concluiu, mais tãÈde, que o texto "é um 'maná' para a propaganda nacionalista" [33]. A discórdia e a disparidade de desígnios entre Sousa e Sicobele teria sido a causa principal da cisão em 1925, após a qual Sousa fundou a Igreja Nacional Etiópica Moçambicana [34]. O movimento associativo e literário Neste período, na história do movimento associativo e literário de Lourenço Marques manifestou-se uma contestação do colonialismo em Moçambique, 1885-1930 várias questões [35]. Em geral, a sua posição foi reformista, no sentido de que advoga melhoramentos dentro do sistema colonial. Desde o início da sua actividade, protestou, por exemplo, contra a insuficiência da educação proporcionada aos não-brancos pelo estado colonial. A elite moçambicana, cada vez mais discriminada na colocação de empregados no aparelho colonial e nas empresas, quis melhorar a qualidade e nível de ensino para concorrer melhor com os imigrantes europeus e asiáticos. Mais tarde, reclamou contra a intensificação das barreiras raciais no sistema educacional em si, particularmente, contra o estabelecimento de um colégio europeu pela Igreja Católica [36].. Reivindicou a cessação total da imigração de estrangeiros, quer europeus, quer asiáticos, que ocupavam postos de emprego em detrimento dos moçambicanos. Em relação à vida económica do país, reclamou contra os abusos do trabalho forçado, e reivindicou uma maior valorização económica dos camponeses como produtores 137]. Ao nível político, o Grémio Africano e o seu jornal, O Brado Africano, deram ênfase aos direitos civis que a Constituição portuguesa republicana garantiu, teoricamente, sem discriminação de raça, a todos os indivíduos que tivessem adoptado os usos e costumes da gente 'civilizada'. O lema do Grémio Africano era "Somos portugueses". A sua explicação para o facto evidente de que o estado colonial em Moçambique negava, cada vez mais, os referidos direitos aos nãobrancos residia na influência retrógada do racismo sul-africano entre os colonos portugueses, devido à ausência de um controle efectivo a partir de Lisboa [38]. Mostrou-se, assim, o carácter do pensamento desta fracção da pequena burguesia na altura: não sendo desenvolvida a análise da relação entre capitalismo, colonialismo e racismo na África do Sul e em Moçambique, não se percebeu que, após a conquista, o estabelecimento de uma rígida hierarquia racial contribuiu, fundamentalmente, para manter o sistema de exploração económica nestes territórios, de que a burguesia na Europa foi o beneficiário principal. Com efeito, perante a debilidade económica de Portugal, em comparação com a Grã-Bretanha, como colonizador na África Austral, e enganados sobre as verdadeiras bases do racismo, os principais colaboradores de O Brado Africano advogaram um reforço da influência sócioeconómica de Portugal, como o único meio de enfrentar o racismo sulafricano. Capitulo 1 Esta linha de argumentação manifestou-se e, com uma certa justificação na época, nas questões da independência e da possível redivisão do território moçambicano. Deve-se notar que, em 1910, a Grã-Bretanha concedeu independência à África do Sul sob uma constituição essencialmente racista. Quando, na década seguinte, alguns brancos reclamaram independência para Moçambique, O Brado Africano, receando, sem dúvida, a consolidação do racismo branco nos moldes sul africanos, argumentou com força contra tal reclamação. De igual modo, os colaboradores de O Brado Africano receavam uma nova divisão das colónias portuguesas em benefício da África do Sul, frequentemente proposta no período da I Guerra Mundial, e que ressurgiu, nas décadas seguintes [39]. Desta forma, embora criticando aspectos do colonialismo, as vezes com acuidade, a liderança do Grémio e os principais colaboradores de O Brado Africano defenderam a integridade do colonialismo português. Colaboraram com algumas das suas iniciativas, como, por exemplo, a nomeação, em 1928, sob a sua própria proposta, de um dos membros fundadores do Grémio como propagandista agrícola, pago pelo estado colonial, cuja tarefa era a de promover a integração do campesinato nos planos coloniais de produção agrícola [40]. Para além disso, se bem que O Brado Africano fosse publicado com algumas páginas em Ronga, a direcção frequentemente criticou as circunstâncias que levaram a essa necessidade, nomeadamente, o uso das línguas moçambicanas nas missões protestantes. Por razões semelhantes, chegou mesmo a advogar a expulsão de missionários católicos não-portugueses. Neste respeito, o seu pensamento era pouco diferente do dos principais ideólogos coloniais [41]. Por outro lado, é provável que os exageros do Grémio na defesa da cultura do colonizador, aliados à posição relativamente privilegiada dos membros das velhas famílias mulatas, que compunham a maior parte da direcção e dos colaboradores (que escreveram em português) do jornal, levaram à aparência de acomodação excessiva a uma hierarquia social colonial desvantajosa aos negros. As divergências sócio-culturais implícitas nesta situação teriam conduzido à cisão temporária do movimento associativo em Lourenço Marques, nos inícios da década de 20, com a tentativa de formação de um 'Congresso Nacional Africano', por elementos ligados às igrejas Moçambique, 1885-1930 protestantes e outros decepcionados com o Grémio Africano. Parece que a tentativa foi frustrada logo no início -por causas ainda desconhecidas [42]. 5. Os conflitos do período 1915-1930 Passamos a rever, com certo detalhe, os conflitos no período 1915-1930, importantes porque mostram algumas consequências do colonialismo português em Moçambique, nomeadamente, a sua participação obrigatd'ria na I Guerra Mundial, os efeitos dessa Guerra para a sociedade moçambicana e, finalmente, o conflito político sobre o futuro carácter da exploração colonial. 5.1 A I Guerra Mundial e a crise económica e social da década de 20 Em Maio de 1915, Portugal aliou-se à Grã-Bretanha, França e Rússia na Grande Guerra contra a Alemanha. Esta guerra exigiu a utilização de recursos materiais e humanos não só dos países beligerantes, como também das respectivas colónias. A Portugal foi atribuído o papel fundamental de ajudar a Grã-Bretanha na defesa das colónias britânicas de África [43]. Estima-se, provisoriamente, em 100 mil o número de moçambicanos recrutados obrigatoriamente, não só no centro do país (Barué), como também, e sobretudo, nas províncias do norte e em Inhambane. Estes recrutados destinavam-se a engrossar o exército português, que operava no norte de Moçambique contra as forças alemãs vindas do então Tanganhica. Como o exército português não tinha transporte motorizado, a vasta massa do contingente moçambicano servia para carregar material e munições. Devido às pessimas condições de alimentação e saúde, a taxa de mortalidade era muito alta, calculando-se que a maioria dos recrutados terá morrido em serviço ou durante o regresso à casa, o que representou uma perda sócio-económica considerável nas zonas rurais [44]. Logo ap6s o início da guerra, começaram a agudizar-se os defeitos do frágil sistema económico português em Moçambique, com maior incidência no sector financeiro. Isto traduziu-se na desvalorização contínua da moeda (Escudo), à razão de 100 por cento entre 1914 e 1919, 200 por cento em 1920 e 600 por cento entre 1921 e 1924 [45]. Capítulo 1 Na prática, isto resultou em aumentos sucessivos do custo de vida, e na queda dos salários reais dos trabalhadores, quer rurais quer urbanos. Aumentou também sucessivamente o mussoco, e o imposto de palhota que, nalgumas áreas, passou a ser exigido em libras, tanto ao trabalhador migrante como aos outros trabalhadores locais. Diminuiu cada vez mais a qualidade dos tecidos importados, artigo fundamental no comércio rural. Estes factores conduziram, por um lado, à migração para fora do país, onde a atracção da libra esterlina e tecidos de melhor qualidade era cada vez mais evidente e, por outro, à deserção do trabalho pouco remunerado. Assim, agudizaram-se todos os problemas relacionados com o recrutamento de mão-deobra tanto pelo estado colonial, como por empresas capitalistas. Perante esta situação, a administração colonial intensificou rusgas para o aprisionamento de pessoas, que depois eram enviadas para o trabalho forçado nas companhias e obras públicas. . Por exemplo, nas províncias de Cabo Delgado e Niassa, o campesinato que já tinha sido sujeito à pilhagem em produtos, dinheiro e mão-de-obra pela Companhia do Niassa, agora tinha que enfrentar uma nova onda de exploração levada a cabo pelos empregados dessa Companhia. Estes, recebendo cada vez piores salários em termos reais, recorriam à agricultura, recrutando trabalhadores à força, levando a que muitos camponeses organizassem e promovessem fugas maciças. Calcula-se em dezenas de milhar o número de camponeses que fugiram para o Tanganhica e a Niassalândia neste período [46]. Nas cidades de Lourenço Marques e Beira, os trabalhadores brancos, que usufruíam de privilégios coloniais, desenvolviam as suas acções separadamente dos trabalhadores negros, que em geral não gozavam dos mesmos direitos e, por conseguinte, moviam uma luta paralela, embora ilegal. Desta forma, registou-se uma série de greves em que os trabalhadores se manifestaram activamente contra os efeitos económicos da crise. Das greves levadas a cabo em Lourenço Marques, destacaram-se as dos ferroviários (brancos) em 1917 e 1920, as dos estivadores (negros: 4 greves entre 1919 e 1921) e as do pessoal da empresa dos tranportes urbanos (brancos) em 1916, 1920 e 1923 [47]. O estado colonial utilizou a estratégia de reprimir e dividir os trabalhadores, quer negros, quer brancos, deportando os activistas brancos em 1920, e neutralizando rapidamente as greves dos negros. Moçambique, 1885-1930 Mas, às vezes, aliciou o reduzido número de assimilados assalariados, garantindolhes algumas das regalias dos brancos. Não obstante, a diferenciação de estatuto e tratamento dos brancos manifestou-se bem evidente entre 1918 e 1920, ao ser concedido o pagamento em divisas da maior parte do salário à maioria dos funcionários e trabalhadores brancos [48]. Nos anos seguintes, a crise manteve-se e veio a tomar proporções graves. O ano de 1925 iniciou-se num autêntico clima de agitação. Foi-se desenvolvendo com certa intensidade uma campanha a favor dos trabalhadores negros em Lourenço Marques, através de O Brado Africano. Este apelava aos negros para se unirem e lutarem por um objectivo comum. Entretanto, os atropelos à lei eram prática corrente. Em Fevereiro de 1925, mais de uma centena de trabalhadores negros recusou continuar a prestar serviço à empresa Delagoa Bay Agency de Lourenço Marques, alegando maus tratos e exigindo que os deixassem regressar às terras de origem. Pelo facto foram imediatemente presos pela polícia colonial por ordem da Secretaria dos Negócios Indígenas. Em Junho, 300 trabalhadores negros dos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques reuniram-se junto à Casa dos Trabalhadores, manifestando-se contra o não pagamento de um aumento salarial estabelecido pelo governo no ano anterior. Entretanto, em todos os sectores de actividade continuavam a verificar-se as mais flagrantes injustiças, desde violações às revisões salariais até ao despedimento injustificado de trabalhadores. Foi certamente animada pelo clima de descontentamento e agitação que pairava sobre a cidade de Lourenço Marques que se deu em 13 de Agosto de 1925 a greve dos trabalhadores da Delagoa Bay Development Corporation Limited, empresa concessionária de diversos serviços urbanos (água, energia eléctrica e transportes públicos). Os grevistas lutavam pela actualização de vencimentos. Em Setembro de 1925, começou a greve dos estivadores negros do porto da capital, reivindicando aumentos salariais e melhores condições sociais, seguindose a greve dos trabalhadores ferroviários e portuários brancos, em defesa dos seus interesses e privilégios, o que veio a transformar-se em greve geral. Iniciada em 11 de Novembro, a greve só viria a terminar em Março de 1926, tendo obrigado o governo a declarar o estado de sftio na cidade. Finalmente, o governo colonial neutralizou a Capítulo 1 greve; foram presos e deportados para vários pontos de Moçambique os principais dirigentes grevistas. Em Agosto de 1925 estalou uma greve geral na Beira. Tratou-se da paralisação geral e concertada de trabalhadores, funcionários e pequenos empresários brancos, em protesto contra uma série de medidas decretadas pela administração da Companhia Majestática. Assim, em 7 de Agosto, entraram em greve os comerciantes, protestando contra o controle de divisas por parte da Companhia, seguindo-se-lhes, por idêntico motivo, os pequenos agricultores colonos. Os funcionários da Companhia entraram em greve em 2 de Setembro, exigindo uma compensação salarial que cobrisse a depreciação da moeda e a alta do custo de vida, entre outras reivindicações. A situação só voltaria à normalidade a 10 de Setembro, tendo os grevistas conseguido uma vitória quase total, embora temporária [49]. 5.2 0 conflito sobre as bases da política colonial em Moçambique Na década de 20, para além dos conflitos entre a burguesia, por um lado, e o campesinato e os trabalhadores, por outro, desenvolveu-se também um conflito político cada vez mais aberto entre a burguesia metropolitana e uma parte da burguesia radicada em Moçambique, nomeadamente os machambeiros colonos. A diferença não residia, obviamente, na questão da exploração de mão-de-obra moçambicana, mas sim na maneira específica de o fazer. Os machambeiros colonos viam com bons -olhos a política económica da África do Sul e da Rodésia do Sul para com a capitalização da agricultura colona. Tendo conhecimento dos apoios financeiros e em infraestruturas (divisão sistemática das terras, comunicações, investigação, ajuda de especialistas, etc.) oferecidos pelo estado naqueles países vizinhos, exigiam do estado colonial português benefícios semelhantes. Pensavam, assim, enriquecer através de uma maior utilização da mão-de-obra moçambicana em plantações, propriedades agrícolas, criação le gado e outros empreendimentos, especialmente no sul do país. Este projecto contrariava o já estabelecido interesse da burguesia portuguesa e inglesa em fazer uma acumulação, mais rápida e mais fácil, através da exportação de mão-de-obra, evitando, assim, grandes investimentos fora das zonas mais acessíveis do litoral do país. No entanto. P voz dos machambeiros colonos era também a voz de Moçambique, 1885-1930 alguns nacionalistas portugueses, que depois da onerosa participação de Portugal ao lado da Grã-Bretanha na I Guerra Mundial, queriam aproveitar-se dessa aliança para procurar capitais ingleses que melhor financiassem uma colonização verdadeiramente portuguesa em Moçambique, em lugar do sistema tão generalizado de trabalho migrat6rio em beneficio de outros. Queriam ainda enfrentar as pretensões sul-africanas de ingerência activa no sul do país, justificada pela alegada incapacidade dos portugueses de promover o desenvolvimento de Moçambique [50]. Com efeito, a experiência da década de 20 na cultura de algodão, a matéria-prima mais procurada pela indústria portuguesa, mostrava as desvantagens e os altos custos dos ambiciosos empreendimentos agrícolas projectados pelos machambeiros colonos. Encorajados pelas altas cotações mundiais e pelas experiências iniciais nas províncias de Maputo e Inhambane na campanha de 1920-1921, alguns colonos e pequenos empresários adquiriram concessões de terras para a cultura de algodão. Por volta de 192415, cerca de 200 colonos cultivavam algodão em cerca de 13.000 hectares nessas zonas. Tres fábricas de descaroçamento foram construídas no mesmo período, na expectativa de bons resultados. Porém, uma combinação de cheias, de uma praga de insectos e da seca de 1925/6 fizeram ruir as esperanças dos colonos, que recorreram ao governo para assistência do estado. O governo colonial convidou um especialista em algodão norte-americano, para estudar o potencial da Colónia neste ramo de produção. Concluiu, no seu relatório, que era impossível justificar a continuação da cultura de algodão em regime de plantações colonas, porque: i) em comparação com os outros produtores, como os E.U.A. e o Egipto, por exemplo, não existiam nem o apoio estatal na comercialização, nem o conhecimento científico dos solos e da selecção das plantas, essenciais à cultura intensiva de algodão; ii) a pluviosidade no sul do país era pouco segura. Esses factores explicaram a reduzida produtividade e rentabilidade dessa cultura em regime de plantações. Por outro lado, como reconheceu o relatório, a produção de algodão por camponeses africanos nos seus próprios terrenos sob a supervisão global europeia já tinha sido bem sucedida no ano 1925/6 no norte do Capítulo 1 país, particularmente na província de Nampula. Exigindo poucos investimentos de capitais ou pagamento de salários, a produção camponesa de algodão seria mais realista; a reduzida produtividade por hectare seria contrabalançada pelo grande número de produtores. Esta experiência levou a burguesia portuguesa a decidir pela segunda modalidade. Isto é, em vez de apoiar os machambeiros colonos com grandes investimentos e empréstimos, adoptou a política de fomentar a cultura do algodão através de uma exploração mais directa do camponês, deixando à comunidade rural os riscos de tal produção (mau tempo, falta de apoio técnico, ausência de conhecimentos, etc.). 5.3 0 golpe militar de 1926 em Portugal e a sua repercussão em Moçambique Em 26 de Maio de 1926, deu-se um golpe de estado militar em Portugal, apoiado de imediato por vastos sectores da burguesia portuguesa. Esta, agindo sobre os chefes militares agora no poder, pretendia que lhe fosse aberto todo um campo de manobra para as suas ambições de acumulação mais rápida. Em Moçambique, um dos resultados do golpe foi o reforço das posições dos representantes da burguesia portuguesa, quer no estado colonial, quer nas grandes companhias, mesmo contra os trabalhadores e machambeiros brancos. Assim, em meados de 1926, a Companhia de Moçambique começou a retirar algumas das concessões feitas aos trabalhadores brancos no ano anterior. Esta actuação provocou mais uma greve que, iniciada em 20 de Setembro, paralisou os mais importantes sectores de actividades na Beira, transformando-se em autêntica greve geral. Com ela se solidarizaram muitos dos trabalhadores negros do porto da Beira. Desta vez, a resposta da Companhia e do governo foi mais firme. Proclamou-se o estado de sítio em todo o território de Manica e Sofala por ordem do Governador Geral da colónia, e as principais circunscrições foram entregues a autoridade militar. Entretanto, a Companhia começou a demitir trabalhadores. Face à acção determinada do governo e da Companhia de Moçambique, a greve fracassou em meados de Outubro. Ap6s as greves e protestos, o estado e a burguesia portuguega estavam mais conscientes da força que começava a representar a classe trabalhadora. O estado colonial, utilizando todos os recursos disponíveis do seu aparelho repressivo, conseguiu quebrar a onda de conflitos Moçambique. 1885-1930 abertos. Com a repressão da greve geral da Beira em 1926, tornou-se claro para os trabalhadores em geral o que seria o futuro polftico sob as rédeas da ditadura militar implantada em Portugal. Por outro lado, reforçou-se a política de protecção aos trabalhadores brancos a nível de postos de trabalho e salários, contra uma possível infiltração dos negros e assimilados. Além disso, o estado português comprometeu-se, através da sua própria política económica, a desenvolver a estabilidade cambial e orçamental, favorável às reclamações dos empresários e, também, dos trabalhadores brancos. A partir de Outubro de 1926, foram promulgadas leis que revelaram a intenção do novo regime de estreitar as relações entre as colónias e a Metrópole, corrigindo a fraqueza das relações económicas existentes até então. Para o efeito, propôs-se a imposição de um controle mais directo e rigoroso sobre os recursos das colónias. Isto seria feito através de várias medidas, entre as quais podemos destacar a unificação territorial, que significou a abolição do sistema de Companhias Majestáticas e de arrendamento dos prazos. De facto, o contrato da Companhia do Niassa não foi renovado quando atingiu o seu termo em 1929, passando este território, bem como as zonas dos prazos, para a administração directa do estado colonial no ano seguinte. Procurando meios para assegurar a pequena indústria têxtil portuguesa com um fornecimento regular da matéria-prima a preços baixos, e em conformidade com o princípio de estabelecer controlo directo a nível da produção, o novo governo português actuou com rapidez em relação à cultura do algodão. Baseando-se na experiência da cultura de algodão em Moçambique até 1925, promulgou a lei de Novembro de 1926, que estabeleceu as normas do futuro sistema de produção camponesa de algodão. Segundo esta lei, que viria a vigorar até 1961, o governo faria concessões de grandes zonas a companhias que se comprometeriam a erguer uma fábrica de descaroçamento e um armazém em cada zona, bem como a fornecer sementes à população camponesa. Esta devia encarregar-se de todas as fases da cultura, sendo, depois da colheita, obrigada a vender a produção às mesmas companhias a um preço determinado pelo governo. Assim, verificava-se um lucro duplo: o da companhia concessionária, através da comercialização e transformação parcial (descaroçamento) do produto camponês, em Moçambique, e o da indústria têxtil, em Portugal. Capítulo 1 Embora o sistema então proposto só viesse a atingir o seu apogeu mais de doze anos mais tarde, significou um golpe decisivo nos projectos de fixação de grande número de machambeiros colonos. Além disso, o novo sistema indicava já que o desenvolvimento agrícola de Moçambique, no futuro, seria rigorosamente controlado a partir de Lisboa, e baseado numa exploração directa do campesinato. Outras acções do novo governo militar contribuíram para reforçar as posições da burguesia portuguesa e inglesa em Moçambique. Por exemplo, pouco depois do golpe, Portugal concedeu um grande empréstimo financeiro a Moçambique para cobrir dívidas externas. De facto, isto fãcilitou crescentes importações de vinho português, que aumentaram de 3.082.315 litros em 1926 para 6.758.601 litros em 1930. Como corolário, abandonou-se o projecto de encontrar capitais ingleses para o desenvolvimento do sul de Moçambique e assinou-se, em 1928, uma nova convenção com a África do Sul. Nela ficou acordado o repatriamento cumpulsivo dos migrantes, depois de um contrato de 18 meses, e um sistema de pagamento diferido, pelo qual cerca de metade do salário do trabalhador era pago pelas minas ao governo de Moçambique em divisas, sendo o trabalhador reembolsado em escudos, no seu regresso. Este acordo deu grandes vantagens à burguesia portuguesa. Por um lado, fez diminuir a tendência dos mineiros ficarem permanentemente na África do Sul, tendo então que regressar para receber o seu salário completo. Por outro, duplicou o rendimento da Colónia, em divisas, do trabalho mineiro. Isto significou um aumento do poder de compra da Colónia, quer dos regressados nas lojas rurais, quer do governo no mercado mundial [51]. Em conformidade com a estratégia do Estado Novo para encontrar meios para uma exploração mais eficiente da força de trabalho moçambicana, a política laboral colonial foi outro objecto da atenção do governo português, que procedeu a uma consolidação da legislação laboral. Além disso, o aparente contraste nas condições de recrutamento e trabalho entre Moçambique (e Angola) e os outros territórios da região levou a forf-s críticas internacionais à incapacidade do governo português de melhorar as condições de trabalho nas suas colónias. Por exemplo, o relatório feito pelo. sociólogo americano, E.A. Ross, apresentado à Comissão Temporária da Liga das Nações em 1925, levou ao público Moçambique, 1885-1930 europeu exemplos concretos das péssimas condições de trabalho nas colónias portuguesas. O governo português procurou melhorar a sua imagem junto das outras potências colonizadoras, apresentando-se simultaneamente como um país capaz de impor, a partir da metr6pole, um nível de eficiência na sua administração colonial igual ao dos seus aliados, nomeadamente, em matéria de política 'indígena' e laboral. Por estas razões, em 1928, foi promulgado o novo Código de Trabalho dos Indígenas nas Colónias Poruguesas, completado para Moçambique por um conjunto de regulamentos em 1930. Esta legislação proibiu, teoricamente, o uso de trabalho forçado nas plantações e machambas privadas, cujos proprietários teriam que observar novas regras sobre as condições de trabalho (acampamentos e comida adequados, protecção da saúde, etc.). No entanto, a mesma legislação, baseada nos princípios da discriminação racial entre 'indígena' e "não-indígena', justificou o trabalho forçado para o primeiro, pelo menos para serviços públicos e de interesse nacional e, no caso de fuga ao imposto, para as plantações e machambas privadas. Para além disso, como veremos nos próximos capítulos, os proprietários podiam aproveitar-se facilmente das omissões nos regulamentos para diluir aspectos aparentemente positivos da legislação. Na prática, as condições de recrutamento e trabalho continuaram a depender principalmente das relações, frequentemente corruptas, entre os administradores distritais e as várias empresas privadas. NOTAS: 1. Ver HM II, pp. 114-118, 127-128, 141, 150-151, 177-184, 221-235. 2. Fstaifstica de comércio e de navegação, 1930, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1931. 3. Ver caps. 4-5 para a tendência uniformizadora da cultura forçada de algodão. 4. Calcula-se, provisoriamente, que cerca de 40 a 50% do valor final do produto camponês ficava com este. 5. Para a parcial reestruturação da formação social 'tradicional, e a forma da proletarização subsequente, em beneficio da economia colonial, ver, inter alia, HM II, pp. 169-171; M. Wuyts, 'Peasants and rural economy in Mozambique', Maputo: UEM/CEA, 1978 [Discussion paperi; UEM/CEA, O mineiro Capítulo 1 moçambicano, Maputo: mimeo, 1979 [reedição]: 20-22, 100-135. 6. HM II, pp. 67-68, 77-82. 7. Informação fornecida por Dr. G. Liesegang. 8. HM II, caps. II e III. 9. HM II, pp. 246-247; ver, também, ponto 5.2 em diante. 10. HM II, pp. 224-225. 11. HM II, pp. 273-275. 12. J. Penvenne, '"We are ali Portuguese": Challenging the political economy of assimilation: Lourenço Marques, 1870-1933', in Leroy Vail, [coord.], 7he creation of:ribalism in southern Africa, Londres: James Currey, 1989, p. 261; J. Penvenne, 'A history of African labor in Lourenço Marques, 1877-1950', Tese de Ph. D., Universidade de Boston, 1982, caps. 1-3. 13. BA, 13.10.1928: este jornal refere, inter alia, a um '...chefe de Serviços de Saúde por muitos anos um preto o falecido coronel médico Dr. Pedro Sérgio Viana de Andrade; um encarregado das observações metereológicas outro preto de Moçambique, Domingos José Ferreira, ... hoje é coronel de cavalaria reformada ...; um moçambicano não-branco João Fornasini que foi Governador dos distritos de Sofala e de Lourenço Marques; agentes do Ministério Público preto e mestiço, bachareis em direito; contador geral, sub-chefe e Inspector da Fazenda, um moçambicano não-branco Alberto Pereira; muitos outros moçambicanos em lugares de destaque na administração civil, militar e da justiça...'. 14. Para este processo, ver, inter alia, J. Penvenne, 'The unmaking of an African petite bourgeoisie: Lourenço Marques, Mozambique', Universidade de Boston, African Studies Center, [Working Papers no. 571, pp. 3-5; Penvenne, 'Challenging...', pp. 16-20; BA, 14.1.1928, 21.1.1928; G. Pirio, 'Commerce, industry and empire: the making of modem colonialism in Angola and Mozambique, 1890-1914', Tese de Ph.D., Universidade de California, Los Angeles, 1982, p. 174f. 15. Moçambique, 1896-1898, Lisboa: Manoel Gomes, 1899, p. 101. 16. American Board for Foreign Missions. 17. E. Moreira, Portuguese East Africa, London: World Dominion Press, 1936, pp. 17-19, 22-27, 40-48; a lista das missões não é exaustiva: ver idem., para outras missões protestantes. 18. Robert Mashaba nasceu, em KaTembe, cerca de 1855. Tendo emigrado para Durban e, depois, para a Cidade do Cabo, figurou entre os muitos moçambicanos que trabalharam nas minas de diamantes de Kimberley. Graças às suas economias, conseguiu, em 1882, ingressar na reconhecida escola protestante de Lovedale (a leste da então colónia britânica do Cabo). Regressou para Moçambique em Fevereiro de 1885, onde aprendeu a língua portuguesa numa missão católica em Lourenço Marques. Pelo seu próprio trabalho (por exemplo, através de salários vencidos no caminho de ferro de Lourenço Marques-Ressano Garcia, então em construção), fundou escolas em Komatipoort, KaTembe e Lourenço Moçambique, 1885-1930 Marques (em 1889). A partir de 1893, foi apoiado pela Sociedade Missionária Metodista Wesleyana. Foi, em 1894-1895, denunciado como colaborador dos chefes da resistência ronga contra o Governo de Lourenço Marques [a chamada revolta de Nwamantibyane], e deportado para a Ilha de Fogo (Cabo Verde). Solto em 1902, foi, porém, proibido de regressar a sua terra natal, e passou o resto dos anos da sua vida activa como pastor wesleyano no Transval. Morreu em 1939; ver Jan Van Butselaar, Africains, missionaires et colonialistes. Les origines de l 'Église presbyterienne du Mozambique (Mission Suisse) 1880-1896, Leiden: E.J. BrilI, 1984, pp. 167-175; BA, 8.9.1934, J.J. Mansidão, 'Homenagem: Jubileu ao Roberto Mashaba'; Moreira, op. cit., pp. 23-24. 19. A. G. Helgesson, 'The Tshwa response to Christianity: a study of the religious and cultural impact of protestant Christianity on the Tshwa of southern Mozambique', Tese de M.A., Universidade de Witwatersrand, 1971, p. 64. M.M. Sicobele fez a tradução enquanto professor na Escola Metodista Americana de Maxixe. Nascido em 1877, em Mocumbi, na então circunscrição de Morrumbene, Sicobele era um celebre da Missão Metodista Americana na então colónia de Moçambique. Sob os auspícios desta missão, Sicobele aprendeu primeiramente o idioma local, denominado xitsua e, depois, o inglês. Em 1894 seguiu para a área de Durban, tendo ingressado no colégio de Amanzimtoti, onde, após 6 anos, concluiu o seu curso. 20. Moreira, op. cit.,p. 24. 21. Penvenne, 'Unmaking...', p. 812. 22. Ver HM II, pp. 177-184. 23. Ver HM II, pp. 118. 24. J. Nunes, 'Apontamento para o estudo da questão de mão-de-obra do Distrito de Inhambane', Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Ser. 46, 1928, p. 139. Ver no próximo capítulo as medidas coloniais para rectificar essa situação. 25. Ver Actas do Conselho do Governo, 28.10.1914, p. 871. 26. SR II, p. 110. 27. SR II, pp. 87, 106, 110, 116. 28. SR II, p. 2. 29. SR 1, p. 79. 30. Ibid., p. 83. 31. Sicobele inspirou-se na Bíblia, na história da progenitura humana contida no livro de Genesis, segundo a qual Eva, esposa de Adão, teria concebido de uma só vez seis filhos entre os quais dois brancos, dois negros e dois vermelhos, que mais tarde se procriaram; SR II, p. 5. 32. Ver HM II, p. 282. 33. SR I, p. 86; 1I, p. 3-25. 34. Esta foi a primeira de uma sucessão de cisões e fusões. 35. Ver HM II, pp. 279-299 36. Ver, por exemplo, O Africano, 25.12.1908 [Número único]; BA, 23.7.1927 Capítulo 1 28.7.1928; 13.10.1928. 37. AHM, FGG, Cx. 108, Albasini ao Alto Comissário, 16.12.1921; BA, 22.5.1927; 24.3.1928; 24.11.1928. 38. O Africano, 25.12.1908; 7.4.1909; 14.1.1914; BA, 17.5.1924. 39. BA, 1.2.1919; 5.4.1919; 12.4.1919; 24.5.1919. 40. BA, 24.12.1948. 41. Ver, por exemplo, BA, 25.12.1908; 8.3.1919; 5.1.1927; 24.3.1928. 42. R. B. Manuel Honwana, Memórias. Histórias ouvidas e vividas .e da terra, Maputo, mimeografado, 1985, p.63. 43. Ver HM 1i, pp. 125-127; a Grande Guerra veio a ser conhecida como a 1 Guerra Mundial a partir de 1918. Os Estados Unidos entraram na Guerra contra Alemanha em Abril de 1917; a Rússia deixou de participar nos finais do mesmo ano. 44. Informação fornecida por Dr. G. Liesegang. 45. HM II, pp. 268-269. A causa imediata da crise monetária residia nas tentativas do governo português de basear o" valor da moeda colonial moçambicana no escudo português em vez do ouro, e nas manipulações descontroladas do Banco Nacional Ultramarino. Este foi o banco privado que, através de uma concessão monopolística do estado português, controlava os pagamentos exteriores de Moçambique e, ap6s 1921, a emissão de notas; ver A. Smith, 'Antonio Salazar and the reversal of Portuguese colonial policy', Journal ofAfrican History, vol. 15, 4 (1974), pp. 660-661; L. Vail e L. White, Capitalism and colonialism in Mozambique: a study of Quelimane district, London: Heinemann, 1980, pp. 202-205. 46. Para o sul, ver HM II, pp. 242-244; J. Penvenne, 'Labor struggles at the port of Lourenço Marques, 1900-1933', Review, vol. 8, 2 (1984), pp. 264-270. 47. HM II, pp. 273-275. Há notícias de outras greves ainda por investigar, inter alia, a dos pescadores de Inhaca (1920), e a do pessoal da Imprensa Africana (1920); ver, por exemplo, J. Capela, O movimento operário em Lourenço Marques, 1898-1927, Porto: Afrontamento, 1984, pp. 157-162. 48. BO 26, 29.6.1918, Portaria Provincial 844, p. 157; BO 49, 6.12.1919, Portaria Provincial 1364, p. 605; BO 20, 15.5.1920, Portaria Provincial 1507, p. 129. 49. Para as greves de 1925-1926, ver', inter alia, A. Rocha, 'Lourenço Marques: classe e raça na formação da classe trabalhadora do sector ferroportuário, 19001926', Tese de Licenciatura, Universidade Eduardo Mondlane, 1982; Capela, op. cit. 50. HM II, pp. 247-248. 51. HM II, pp. 248. Capítulo 2: O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 1. Introdução Como referimos no capítulo anterior, até cerca de 1930, as relações económicas entre Portugal e Moçambique eram reduzidas, sendo os investimentos portugueses muito pouco significativos. Ap6s o golpe de Estado militar de 1926, o novo regime estabelecido em Portugal tinha como um dos principais objectivos da sua política alterar esta posição. Este capítulo trata do período em que Portugal estabelece, em Moçambique, algumas das bases do seu 'nacionalismo económico', isto é, a sua tentativa de pôr verdadeiramente ao seu serviço a economia moçambicana. Entre outras acções figuraram a centralização administrativa e política, a redução dos direitos das companhias não portuguesas, o estabelecimento de uma zona monetária portuguesa e a promoção da cultura de algodão. Assim, os anos de 1930 até 1937 foram fundamentalmente um período de transição, que apontava já para a plena implementação do 'nacionalismo económico' português nos períodos seguintes. Foi, contudo, a crise económica mundial de 1929-1934 que influenciou o carácter da nova política portuguesa e também as circunstâncias sócioeconómicas em que essa política veio a ser implementada em Moçambique. A combinação da crise e do novo rigor no sistema colonial português teve efeitos graves nalgumas zonas rurais, e agudizou os conflitos sociais que se manifestaram na época. Capítulo 2 2. A crise económica e a produção em Moçambique 2.1 Origens e alcance da crise económica mundial Entre 1929 e 1934 uma grave crise atingiu o sistema capitalista mundial. É importante rever as dimensões dessa crise, que afectou a produção (e, evidentemente, os produtores) em Moçambique, e a política colonial do novo governo português. Na origem da crise estava o aumento da produção em quase todos os países desenvolvidos depois da 1 Guerra Mundial, especialmente entre 1922 e 1928. A produção ultrapassou o consumo e, como resultado, os preços das mercadorias, incluindo os das matérias-primas, começaram a baixar. O sistema financeiro, virado até então para o incremento da produção, começou a ressentir-se, reduzindo créditos, o que conduziu a uma reacção em cadeia no sistema económico. Fecharam-se fábricas e diminuiu a produção, o que originou o desemprego de milhões de trabalhadores em todos os países industrializados. Os piores anos da crise foram 1932 e 1933. Depois, a situação foi melhorando lentamente. As colónias de todos os países capitalistas foram severamente atingidas pela redução da procura de matérias-primas, cujos preços baixaram, em geral, para metade relativamente a 1928. No caso de Moçambique, os preços de amendoim, milho, copra, açúcar e sisal diminuíram bastante. Apenas o cajú e o algodão mantiveram ou mesmo aumentaram de preço. 2.2 Produção em Moçambique na nova situação económica Para enfrentar a crise, os proprietários das plantações tiveram que tomar uma série de medidas: - reduziram os seus custos através do abandono de actividades dispendiosas, de despedimento de pessoal (incluindo europeus), e do encerramento de algumas fábricas menos rentáveis. Por exemplo, a Companhia Boror abandonou algumas plantações de sisal. e machambas experimentais, e fechou a sua salina e algumas lojas rurais. Entre 1931 e 1935, a Sena Sugar Estates encerrou as suas velhas plantações e fábricas em Caia e Mopeia, e reduziu um pouco a produção nas fábricas de Marromeu e Luabo; - produtos como o coco passaram a ser comprados aos camponeses a preços mais baixos; - as empresas recorreram ainda a reduções salariais; O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 - algumas plantações introduziram novos métodos para aumentar a produtividade, como, por exemplo, a utilização de animais de tracção em vez de trabalho braçal e de estrume como fertilizante. Deste conjunto de medidas é importante destacar que, não obstante a diminuição do número de trabalhadores nas plantações e dos preços de compra aos camponeses, a agro-indústria como um todo manteve o volume de exportação igual ao do período anterior à crise. Se bem que os rendimentos globais diminuissem, as medidas tomadas asseguraram o restabelecimento de um nível razoável de lucros apôs a recuperação dos preços praticados no mercado mundial no fim da década de 30 [1]. Com efeito, na Zambézia, as condições económicas e administrativas da década de 30 levaram à expansão das plantações de chá. Em primeiro lugar, o fim do sistema dos prazos e a instalação de circunscrições administrativas em toda a província, a codificação laboral promulgada no Regulamento do Trabalho dos Indígenas de 1930 e a diminuição do número de trabalhadores empregados nas outras plantações, deram novas perspectivas de ajuda estatal no fornecimento de uma força de trabalho barata e rigorosamente controlada. Em segundo lugar, em 1933, o Acordo Internacional de Chá, que limitou a expansão de produção entre os principais produtores mundiais (Índia, Ceilão e Índia Oriental Holandesa) estabilizou o preço mundial, assegurando, assim, aos pequenos produtores (como Moçambique) a rentabilidade dos capitais investidos. Essa rentabilidade foi já evidente nas plantações de chá de Lugella, Milange. Aqui, na expectativa de estimular o mercado interno de chá e de açúcar, a partir de 1929, a empresa Sena Sugar Estates financiou a expansão da Companhia de Lugella. Técnicas para aumentar a produtividade da mão-de-obra, semelhantes às adoptadas nas restantes plantações, reduzindo os custos de produção de cada quilograma de chá, produziram avultados lucros, apesar da crise económica mundial. Novas plantações e respectivas fábricas de tratamento foram construídas, principalmente pela Companhia da Zambézia e M.S. Junqueiro no distrito de Gurué, onde as montanhas de Namuli reuniam as condições climáticas e geológicas favoráveis à cultura do chá. Estas iniciativas representaram o primeiro passo na expansão de uma agro-indústria baseada em capitais portugueses, acumulados na colónia, nomeadamente, Capítulo 2 nos antigos prazos e no comércio da província. Desta forma, a produção de chá da Zambézia aumentou de 117 toneladas em 1934 para 450 em 1937 [2]. A diminuição dos preços de milho e amendoim, aliada às iniciativas da administração colonial e de alguns comerciantes, levou ao aumento das culturas que mantinham altas cotações, como o cajú e o algodão. Nas zonas do litoral, especialamente em Nampula e Cabo Delgado, milháres de camponeses, incentivados, muitas vezes, pelos proprietários das terras, optaram pela cultura do cajueiro, cujo fruto passou a ser muito procurado na India, de onde era reexportado depois de descasque. A exportação do cajú aumentou de 6.530 toneladas em 1930, para 25.744 em 1938 [3]. Quanto ao algodão, o preço passou a ser garantido a um nível relativamente alto pelo governo português [ver adiante], o que, considerando a diminuição dos preços dos outros produtos e as más condições de trabalho e reduzidas salários nas plantações, significou que a sua produção viria a ser mais atraente para o camponês do que no período anterior. Foram feitas mais concessões às companhias e a produção começou, lentamente, a aumentar no interior da Zambézia, Nampula e Cabo Delgado. Desta forma, a exportação moçambicana de algodão cresceu de 1.085 toneladas, em 1932, para cerca de 8.225, em 1937 [4]. Quadro 1: Principais exportações de Moçambique, 1928-1935 [Unidade: Milhares de toneladas] [5] Ano Açúcar Amendoim Milho Copra Sisal Algodao Cajú Chá* 1928 70 35 34 19 5 0,18 4,0 54 1929 86 23 29 20 6 0,25 4,9 55 1930 70 25 35 22 10 0,19 6,5 53 1931 69 26 12 22 12 0,15 10 106 1932 64 33 13 24 13 1,1 9 51 1933 83 13 8 30 15 1,5 11 86 1934 72 25 11 33 18 1,9 13 122 1935 74 30 9 34 20 1,8 26 148 1936 63 37 20 34 19 4,&.. 28 316 1937 73 26 2 35 21 8,4 40 396 [* = toneladas] O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 As medidas acima mencionadas permitiram que o volume global das exportações de Moçambique se mantivesse, chegando mesmo a registarse subidas ligeiras, durante a crise mundial, como mostra o Quadro 1. No entanto, o valor das exportações de 1929 desceu para metade em 1933. Em 1936, e depois de uma certa recuperação, o rendimento foi apenas de 75% relativamente a 1929, apesar de ser um ano recorde de exportações em termos do volume [6]. O Quadro 2 ilustra claramente a tendência acima referida. Quadro 2: A crise económica, 1928-1938 Valor e volume das exportações 2.3 0 trabalho migratório, trânsito e a situação financeira No sul, a corrente de trabalhadores migrantes foi afectada por alterações no sistema económico sul africano. Embora a produção do ouro não tivesse sido atingida pela crise, a procura de mão-de-obra nas fábricas, machambas de colonos e serviços desse país diminuiu e os trabalhadores despedidos começaram a substituir moçambicanos (e outros) nas minas. Capitulo 2 Assim, o número de mineiros moçambicanos na África do Sul desceu de 96.657 em 1929 para 58.483 em 1932 [7]. O decréscimo da actividade económica na África do Sul, Rodésias do Sul e do Norte e Niassalândia reduziu o tráfego nos caminhos de ferro e portos de Lourenço Marques e Beira. Aliado à diminuição nas receitas em divisas através do pagamento diferido e dos impostos sobre migrantes, esta redução significou uma quebra considerável no rendimento do Estado, que reagiu diminuindo algumas despesas, suprimindo postos e distritos administrativos em algumas províncias (Inhambane, por exemplo), reduzindo salários dos trabalhadores, despedindo outros, etc. [8]. A comunidade colona não ficou completamente isenta destas medidas: o número de brancos desempregados também aumentou entre 1930 e 1932 [9]. Ao mesmo tempo, o governo pretendeu limitar a perda de divisas, renegociando, em 1934, a Convenção de 1928 com a Africa do Sul, para garantir o emprego de um mínimo de 65.000 trabalhadores moçambicanos nas minas [10]. Em Junho do mesmo ano foi assinado um novo acordo entre Moçambique e Rodésia do Sul, fixando uma média de recrutamento de 15.000 trabalhadores na província de Tete. As outras cláusulas mostram a preocupação do regime colonial em aproveitar os trabalhadores migrantes como fonte de divisas. Esperava-se que o sistema de pagamento diferido e o de cobrança de impostos, elaborados nos acordos de 1913 e 1925 respectivamente, viessem finalmente a concretizar-se, fixando o pagamento das taxas de passaportes e dos recrutadores em libras esterlinas. Com efeito, nos anos a seguir, as circunstâncias não favoreceram a observância do acordo. Foi celebrado numa altura em que foi cada vez mais questionado o controle centralizado sobre o recrutamento e distribuição do trabalho migratório pela 'Rhodesian Native Labour Bureau': os empresários desejavam um sistema menos dispendioso e mais flexível, mas capaz de suportar a expansão das actividades que se verificou com as melhores condições económicas a partir de 1935. Por consequência, procedeu-se à instalação, em 1936, de um sistema em que recrutadores individuais, subsidiados pelo gQverno rodesiano, operavam uma frota de camiões entre Niassalândia, Tete e Rodésia do Sul, oferecendo livre passagem e alimentação aos trabalhadores recrutados. Este sistema, vulgarmente conhecido por Uleres (significa 'de graça' em O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 nianja), confirmou a tendência para o número de migrantes moçambicanos clandestinos aumentar significativamente [11]. 3. O reforço da dominação portuguesa 3.1 A ascensão do regime Salazarista em Portugal O Estado Novo, saido do golpe de estado de Maio de 1926, em Portugal, ganhou vulto a partir de 1930 e solidificou-se a partir de 1932, com a chamada de Salazar, Ministro das Finanças entre 1928 e 1932, para a Presidência do Conselho. O governo de Salazar surgiu com uma componente agrária muito forte, tendo-se instalado como um governo de compromisso e arbitragem, de aliança entre uma burguesia fraca, mas em ascensão, e os grandes proprietários fundiários bem estabelecidos. Teve a função de criar condições para a consolidação da burguesia portuguesa e acelerar a acumulação de capital, principalmente através da repressão dos trabalhadores e da intensificação da exploração colonial [12]. 3.2 0 proteccionismo e o novo regime político-administrativo A reacção inicial dos países industrializados à crise mundial e, em particular, ao desemprego generalizado, foi aumentar o grau de protecção das suas indústrias contra a concorrência estrangeira, proibindo importações de artigos manufacturados ou onerando-os com direitos alfandegários pesados e favorecendo, cada vez mais, as importações de matérias-primas das suas próprias colónias. Em Portugal, a crise mundial de 1929-1934 reforçou a estratégia, esboçada desde 1926, de valorização dos recursos de Moçambique no interesse da burguesia portuguesa, através da exploração directa e mais intensa da população moçambicana, reduzindo ao indispensável o uso de capitais nacionais e estrangeiros. Como declarou o Ministro das Colónias, na abertura da Conferência Imperial em Lisboa em 1932, a política do governo era evitar grandes obras de fomento e a fixação dispendiosa de colonos e aproveitar, mais e melhor, o camponês, no trabalho constante da terra. É importante realçar que a estratégia colonial do Estado Novo não foi adoptada, facilmente, de um dia para outro. Alguns elementos dessa estratégia, como por exemplo a produção de algodão pelo campesinato Capítulo 2 moçambicano, resultaram da análise das experiências anteriores [13]. A plena implementação da nova estratégia durou pelo menos uma década, como veremos nos próximos capítulos. A década de 30 representou, de facto, um momento de transição, em que algumas das bases do 'nacionalismo económico' português se estabeleceram seguramente em Moçambique. A expressão real do 'nacionalismo económico' português manifestou-se no Acto Colonial e na Carta Orgânica do Império Colonial Português de 1930, que desenvolveram rigorosamente os princípios já delineados em 1926. Essa legislação marcou o fim da autonomia formal da província de Moçambique, que passou a designar-se 'colónia'. Concretamente, o $nacionalismo económico' centralizou os poderes legislativos e financeiros nas mãos do Ministro das Colónias, e visava colocar Portugal a par das restantes potências colonizadoras, nomeadamente, em termos de capacidade de dominar a exploração dos territórios ultramarinos. Pela Reforma Administrativa Ultramarina de 1933,. a administração local ficou sujeita ao mandato efectivo de Lisboa, assegurando-se assim os interesses da burguesia portuguesa. As normas e práticas administrativas a adoptar estavam rigorosamente detalhadas no regulamento. É de destacar o estabelecimento, pela primeira vez, de um regime de Inspecções administrativas, cuja tarefa principal era verificar o grau de cumprimento dos regulamentos vigentes. Nas décadas seguintes, as informações recolhidas pelas inspecções administrativas proporcionaram ao Ministro das Colónias o controle da actividade dos administradores e a tomada de novas medidas necessárias à administração local. 3.3 Novas relações de dominação económica No período anterior, vimos que, ao contrário do que acontecia com as outras potências colonizadoras, as relações económicas entre Portugal e is suas colónias eram muito fracas. O proteccionismo e a mais rigorosa exploração das colónias requeriam a modificação dessa situação em prol la economia metropolitana. Nessa perspectiva, foram promulgadas ,redidas que tinham como objectivo estruturar o comércio externo das colónias em benefício de Portugal, e que marcaram, assim, um passo importante para a criação de uma 'zona do escudo'. Para esse efeito, uma lei de 1932 impôs: - um sistema de licenças de importação e exportação em relação às O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 trocas com outros países e as suas colónias; - a proibição do uso de moedas doutros países nas operações internas da colónia [14]; - a centralização de todas as divisas nos cofres do Estado. Foi ainda estabelecido um Fundo Cambial, sob o controle do Governador-Geral, para a entrada e distribuição de divisas segundo prioridades rigorosamente estabelecidas. Com efeito, a partir de 1932, as companhias exportadoras de Moçambique ficaram autorizadas a reter apenas 20 por cento das divisas provenientes das suas exportações. Os restantes 80 por cento entraram no Fundo Cambial que, compensando as companhias exportadoras em escudos da colónia, autorizou a utilização das divisas no sentido de aumentar as importações oriundas da metrópole. Paralelamente, o Estado português promoveu uma campanha de propaganda, o chamado movimento 'comprar português', cujo ponto mais alto em Moçambique foi a realização do Congresso Comercial e de uma feira de mercadorias portuguesas em Lourenço Marques, em Agosto de 1932. No mesmo ano, o Estado português começou a estimular, nas suas colónias, a produção de algodão, a matéria-prima mais procurada pela indústria portuguesa. Passou a incentivar, financeiramente, as concessionárias algodoeiras (que exportavam das colónias), contrabalançando a baixa no preço mundial, que se verificou a partir de 1927, para que as companhias incrementassem a comercialização do algodão produzido pelo campesinato. Entre Julho de 1932 e Dezembro de 1937, o Ministério das Colónias português pagou, por cada quilo de algodão fibra de ¡a qualidade, exportado para Lisboa, um prémio equivalente a diferença entre 8 escudos metropolitanos e os preços praticados no mercado de Nova Orleães (EUA). Na prática isto significava que às concessionárias era garantido, durante este período, o preço de 8 escudos (para o algodão de 1 a qualidade) em Lisboa, contra o preço de cerca de 5 escudos no mercado mundial. O total dos prémios pagos durante a vigência do esquema, até 1937, somava pelo menos 25 mil contos; isto só era possível por ser uma lespesa em escudos e não em divisas [15]. Este conjunto de medidas teve efeitos imediatos. Portugal viria a ser, pela primeira vez, o principal fornecedor de Moçambique, com cerca de 44 Capitulo 2 Or U3 1. Construção da ponte sobre o'Zambeze, 1933-35. Com uma extensão de 3,6 quilómetros, era uma das mais cumpridas no mundo. 25 por cento do total das importações, em 1933, e cerca de 30 por cento em 1937. Em 1933, Portugal passa a fornecer quase todas as enxadas e um terço dos tecidos, uma proporção que aumentou para 45 por cento em 1935. No que diz respeito às exportações de Moçambique, entre 1932 e 1937, Portugal aumentou consideravelmente as suas compras, tornando-se o principal comprador, com cerca de 31 por cento do total [16]. De notar que estes aumentos indicam, apenas, o estabelecimento do controle efectivo do comércio de Moçambique a partir de Lisboa, e que a origem .ou destino duma parte considerável das mercadorias eram ainda os países altamente industrializados. Para se aproveitar plenamente do novo sistema comercial, a indústria portuguesa exigia a protecção activa. Note-se que as dificuldades na montagem e desenvolvimento duma indústria têxtil em Moçambique datam de anos recuados, devido à oposição sistemática- das associações das indústrias têxteis portuguesas. O mesmo viria a passar-se em relação O Reforço d-.- , ,n7, ,i, , ,rtupuês, 19.70-19:7 2. A ponte ao Zambeze, acabada, jacilitou o desenvolvimento da linha férrea de Tete e, a partir de 1949, a exploraçdo das minas carboníferas de Moatize. aos óleos vegetais. Já em 1933, protestava a Associação das Indústrias Têxteis de Porto, manifestando o seu desagrado pela notícia da autorização a diversas firmas para estabelecerem fábricas têxteis em Moçambique, medida que, segundo o Lourenço Marques Guardian de 5 de Setembro de 1933, a ser adoptada "representaria a ruína da indústria têxtil da metrópole". Uma lei de 1936 estabeleceu novas bases para o fomento da indústria no império português. Com o objectivo de limitar a concorrência internacional e assegurar fundamentalmente a industrialização de -Portugal, estes regulamentos sujeitaram a abertura de novas indústrias, em Moçambique, à autorização do Míiüstro das Colónias, tendo sempre em vista os interesses dos industriais portugueses. Desta forma, foi -severamente limitado o desenvolvimento duma indústria transformadora em Moçambique, mesmo de iniciativa de capital não-português. Foi a isto que se chamou o 'condicionamento industrial' [17].. Capítulo 2 Contudo, deve-se notar que a implementação do nacionalismo económico' português em Moçambique não significou a exclusão total de capitais e iniciativas doutras origens. Este facto evidenciou-se de uma forma espectacular na autorização e construção, entre 1932 e 1935, da grande ponte ferroviária sobre o rio Zambeze entre Sena e Mutarara. Esta grande obra de infraestrutura foi concebida pela Companhia de Mozambique com o objectivo da melhor rentabilização das minas de carvão de Moatize, do caminho de ferro BeiraNiassalândia e do porto da Beira. A sua construção foi facultada por garantias financeiras do governo colonial britânico da Niassalândia [18]. 3'4 Educação e religião A partir de 1930, o Governo colonial procedeu a modificações no sistema educacional de Moçambique. Concretamente passou a controlar mais directamente o ensino destinado à população negra. O objectivo do Governo colonial era criar um sistema capaz de habilitar o 'indígena' para o seu papel específico de trabalhador barato na economia colonial moçambicana. Por outro lado, o ensino para os brancos, que ocupavam os melhores postos de trabalho, tinha que oferecer uma formação mais completa, que os 'indígenas' não precisavam. Por esta razão, os funcionários da educação, perante o aumento da população branca em Moçambique, propunham "uma separação mais acentuada entre o ensino das crianças indígenas e o das civilizadas". Estes motivos estiveram na base da criação do novo sistema de ensino rudimentar, iniciado depois de 1930. Este tipo de ensino tinha por fim, segundo os documentos oficiais, "civilizar e nacionalizar os indígenas da Colónia difundindo entre eles a língua e os costumes portugueses", tornando-os "mais úteis à sociedade e a si próprios" [19]. Esse ensino devia conter as seguintes disciplinas: a) Língua portuguesa b) Aritmética e sistema métrico c) Geografia e história de Portugal d) Desenho e trabalhos manuais e) Educação física e higiene g) Educação moral e canto coral O Reforço do Cdldnialismo Português, 1930-1937 Para os professores de geografia e história, instruía-se que: "tanto a escolha de trechos históricos como as explicações que forem feitas pelo professor, deverão ter em vista criar nos alunos o amor de Portugal e o legítimo orgulho de ter nascido em terra portuguesa" [201. Além disso, a legislação de 1929-1930 impediu categoricamente o ensino de moçambicanos nas línguas nacionais, com a excepção do ensino da religião. Esta medida tinha como objectivo garantir a expressão da língua portuguesa. Com estas disposições, o Estado colonial desejava ultrapassar o que julgou terem sido as 'deficiências' do ensino no período anterior, e especificamente, tornar mais portuguesa a população de Moçambique. A nova forma de educação era obrigatória para todas as crianças negras que vivessem num raio de 3 quilómetros à volta de uma escola rudimentar, não podendo frequentar qualquer escola nãooficial nessa zona. Paralelamente, aumentou o número de missões e escolas católicas. Deve-se realçar que, neste período, a 'nacionalização', (isto é, a portuguesificação), de Moçambique veio a ser cada vez mais ligada à expansão da religião católica. Pouco depois da inauguração do Estado Novo em Portugal em 1926, no Estatuto das Missões Católicas Portuguesas, o governo' português manifestou a sua intenção de garantir às missões católicas portuguesas protecção e ajuda do Estado, sob a forma particular de subsídios para a formação de missionários em Portugal e de concessão livre de terrenos em Moçambique. A nova Constituição portuguesa de 1933 reforçou essa política em relação às missões católicas, 'entanto que instituições de educação e instrumentos de civilização'. Com esse apoio, a Igreja Católica em Moçambique expandiu-se consideravelmente, como mostram as estatísticas oficiais, no Quadro 3. Quadro 3: Expansão das missões católicas, 1930-1937 1930 1935 1937 Missões 30 42 50 Filiais 108 157 188 Missionários 34 53 66 Auxiliares 234 342 408 Capítulo 2 Da mesma forma, as suas escolas primárias rudimentares expandiram-se no mesmo período, tal como as escolas rudimentares do Estado, enquanto o número de escolas das missões protestantes diminuiu, como mostra o quadro seguinte. Quadro 4: Aumento do número de escolas rudimentares, 1930-1937 Ensino 1930 1935 1937 Oficial 64 149 177 Católico 126 214 231 Protestante 84 55 45 Tudo indica que o ensino nas escolas rudimentares, com um professor semihabilitado em cada uma delas, tinha um nível muito baixo, e que, especialmente no norte, as escolas primárias católicas não ultrapassariam a fase inicial de construção. Segundo algumas inspecções confidenciais da administração, a ajuda do Estado consistia, muitas vezes, apenas no fornecimento, pelo administrador local, de jovens trabalhadores. Estes, juntamente com os 'alunos' da escola, cultivavam algodão e outros produtos que, depois da colheita, eram vendidos pela missão, cuja receita era posteriormente utilizada na compra de bens e equipamento. Se bem que ainda faltem investigações aprofundadas sobre o tema, é evidente que a expansão da Igreja Católica, apoiada pelo Estado colonial, implicou a diminuição da influência de, e até uma discriminação agressiva contra outras religiões. Esta foi sem dúvida a intenção dos autores do Estatuto das Missões Católicas. Portuguesas. Este facto manifesta-se, por exemplo, na diminuição do número de escolas rudimentares protestantes nas zonas rurais, a que já referimos. Além disso, a proibição do ensino de moçambicanos nas línguas nacionais, com a excepção do ensino da religião, teve o efeito de discriminar as Igrejas protestantes, que habitualmente utilizavam as línguas bantu nos primeiros anos de escolarização, como o meio mais rápido de atingir a alfabetização básica, e cujos missionários eram, no geral, mais capazes de comunicar nas línguas nacionais e inglês do que em português. Perante a resistência de pastores protestantes contra a discriminação religiosa, nos meados da década, alguns foram deportados. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 A política religiosa do Estado Novo em Moçambique, neste período, resultou, também, na imposição de algumas restricções sobre a religião mahometana. Os seus aderentes, não-portugueses (Indo-britânicos), que ocupavam lugares importantes no comércio do litoral do norte, foram vistos pela administração colonial como agentes do Islão, no sentido de aliciarem moçambicanos para os seus templos e sua fé, que de certo modo contrariava a expansão do catolicismo e da autoridade portuguesa. Em Fevereiro de 1937, as autoridades coloniais em Cabo Delgado detectaram, em circulação, cartazes etíopes alusivos à defesa da independência da Etiópia nas I e II guerras contra a ocupação italiana [21]. Estes cartazes foram considerados subversivos por representarem a superioridade de tropas negras contra o colonizador. Tendo concluído que os cartazes tinham entrado através dos circuitos de comércio dominados por mahometanos, em Março, o governo colonial reagiu contra os promotores do Islão acabando por encerrar mesquitas em Porto Amélia [Pemba], Ibo, Mocímboa da Praia e Memba. Foi autorizada a sua reabertura em Setembro do ano seguinte, para uso exclusivo da col6nia asiática, proibindo-se, assim, a propaganda religiosa junto do povo moçambicano [22]. 4. A intensificação da exploração nas zonas rurais Na década de 30. a vida económica e social nas zonas rurais de Moçambique, foi profundamente atingida pela crise económica, e pelo reforço da administração portuguesa. Analisando este período de uma forma geral, podemos concluir que a penetração administrativa na esfera de produção aumentou consideravelmente, devido, especialmente, à maior agressividade na cobrança dos impostos e a expansão da cultura de algodão. Desta maneira, incorporou-se cada vez mais a produção camponesa na estrutura sócio-económica colonial. Como veremos, a experiência do povo moçambicano, neste processo, variava consoante as condições económicas, administrativas e até climáticas prevalecentes nas diferentes zonas do país. Para milhares dos produtores camponeses, a queda de preços dos seus produtos significou a redução do rendimento em dinheiro. Diminuiu, por outro lado, a possibilidade de encontrar empregos nas plantações, numa Capítulo 2 altura em que os administradores eram cada vez mais eficientes e exigentes na cobrança dos impostos. Para grande número de camponeses, a única solução foi a de vender a maior parte da sua colheita de amendoim, ao preço mínimo, para obter dinheiro suficiente. Por outro lado, a introdução e expansão das culturas de cajú e algodão foi, para outros, uma forma de equilibrar a situação, nomeadamente, nas zonas do litoral do norte e noutras áreas de comunicação relativamente fácil. Outras variantes resultaram da forma como a cultura de algodão foi introduzida pelos administradores. Alguns mandaram os camponeses cultivar individualmente, tal como era definido pela lei de 1926. Outros, aliados aos agentes das companhias concessionárias, mandaram construir machambas colectivas nas zonas próximas às administrações, onde obrigaram os camponeses a trabalhar sob o controle dos cipaios, recebendo, como remuneração, apenas a isenção do imposto. Este sistema de produção foi aceite inicialmente pelos camponeses, que se encontravam sem meios para pagar o imposto, passando os administradores. a usufruir das receitas provenientes da venda do algodão às companhias [23]. Informações referentes a várias regiões do país revelam os detalhes do impacto deste período na vida rural. Por exemplo, no sul de Moçambique, para além de não haver emprego alternativo para os migrantes desempregados, o campesinato tinha que enfrentar maus anos agrícolas, e há notícias de fomes, por exemplo, aquela que assolou particularmente Guijá e Chibuto em 1932 [24]. No norte do país, vários factores contribuíram para agravar os efeitos da crise. A expansão da administração portuguesa, em substituição da Companhia do Niassa, trouxe consigo a cobrança de impostos mais elevados e a nomeação de novos administradores desinteressados dos problemas e culturas locais. Além disso, a imposição de um novo regime de direitos alfandegários, como parte essencial da estratégia do 'nacionalismo económico' português afectou duramente os produtores nas zonas fronteiriças das províncias de Niassa, Cabo Delgado e Zambézia. Estes, habituados a vender os seus excedentes no Tanganhica e na Niassalândia, regressando com tecidos ingleses e indianos comprados a 30% do preço tabelado em Moçambique, procuraram defender os seus interesses [25]. Os impostos a pagar eram elevados e, para a sua cobrança, os guardas O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 fiscais, na fronteira, começaram a empregar auxiliares armados no controle dos postos e nas vias clandestinas principais de passagem. Este facto provocou grande ressentimento entre os produtores, muitos dos quais resolveram mudar de residência e cultivar para lá das fronteiras [26]. Além disso, a crise económica obrigou as companhias sisaleiras de Cabo Delgado e Nampula a aumentarem o seu recrutamento de mão-deobra barata, através das administrações [27]. O descontentamento gerado por esta situação e ainda pelas injustiças relativas à cultura de algodão em regime de machambas colectivas, praticado por alguns administradores, resultou numa nova onda de emigrações permanentes para as colónias vizinhas [28]. Cálculos feitos por um inspector oficial mostram que, apenas em Cabo Delgado, mais de 40.000 pessoas fugiram para o Tanganhica entre 1930 e 1934. Nalgumas zonas fronteiriças, a percentagem de habitantes 'válidos', isto é, capazes de trabalhar e pagar o imposto, foi consideravelmente reduzida [29]. Para aqueles que ficaram, a crise económica trouxe situações extremas, especialmente para quem, vivendo no interior, ainda dependia da venda de amendoim para conseguir os indispensáveis escudos do imposto. Com o fecho de algumas lojas rurais, devido à crise, e a ausência de transportes baratos [3,0], muitos camponeses tiveram de voltar à antiga prática de fazer as suas vendas no litoral. Aqui, porque o amendoim rendia apenas 50 centavos por quilo (nos anos 1930-1934), o vendedor era obrigado a fazer várias viagens, a pé, até conseguir transportar 140 quilos necessários à obtenção da quantia do imposto. No caso de Montepuez, o próprio administrador reconheceu, em 1934, embora sem propor alternativas, que tal situação era simplesmente desumana [31]. Um outro método, mais controlado, de efectuar a cobrança, do imposto, era a coligação entre alguns administradores e proprietários das lojas que se mantinham abertas nas plantações. Os administradore . organizavam viagens colectivas de transporte e venda do amendoim, sol a supervisão de cipaios, cuja tarefa era impedir roubos ou fugas no caminho e no acto da venda. Por exemplo, segundo a documentação colonial, em Julho de 1935, o administrador de Erati trouxe consigo para as lojas de Memba "13.000 homens, acompanhados pelos régulos, cabos de terras e cipaios. As vendas só eram permitidas em 4 estabelecimentos. Assim tinha sido concertado entre os dois administradores" [32]. Capítulo 2 As administrações, em muitos distritos, pressionadas pelo governo a fazer a colecta regular dos impostos sobre um campesinato agora desprovido de um bom mercado para os seus excedentes de milho e amendoim, viriam a insistir, cada vez mais, no trabalho nas plantações, machambas privadas e no caminho de ferro, que gradualmente se estendia do Lumbo para Cuamba. Desta forma, por exemplo, a administraçâo de Meconta era "uma administraçío convertida em Agência fornecedora de serviçais... Verdadeiramente, na Administração, não se cuidava doutra coisa: todas as preocupações consistiam em aceitar requisições de negros, mandá-los caçar às aldeias, p6-1os em formatura, tomar-lhes as identidades, fazê-los marchar debaixo de escolta e esperá-los na volta, para a colheita do dinheiro do imposto" [331. Nas próprias plantações e machambas, as condições de trabalho não melhoraram. Com a conivência dos governos provinciais, os proprietários constataram que foi possível ignorar as pequenas melhorias propostas na legislação de 1928 e de 1930 [34]. As inspecções do próprio regime revelam este facto. Assim, por exemplo, trabalhadores de Montepuez, colocados nas plantações de Mocímboa, a uma distância, portanto, de quase 400 quilómetros, tinham de fazer um percurso de ida e volta a pé, a troco dos 50 escudos, o correspondente a 2 meses de trabalho. Maus tratos, trabalho sem protecção, mortes em acidentes de trabalho devido, em especial, ao uso de vagonetes sem travões, ausência de acomodação para os migrantes, comida habitualmente muito abaixo do nível da dieta rural comum, a prática alargada de não marcar, ou mesmo, de não fornecer os tiquetes de trabalho diário e, finalmente, a falta de pagamento de salários no fim do contrato, eram normais para os contratados [35]. Devido às péssimas condições de trabalho nas plantações de sisal de Nampula, uma das quais, em Geba, veio a ser bem conhecida a norte do Zambeze, verificaram-se deserções constantes e mesmo greves. Deserções entre o local de 'contratação' (sede do distrito de origem) e as plantações eram frequentes. Por exemplo, de 120 trabalhadores mandados de Nacala para Geba em meados de Julho de 1935, só 26 chegaram; em Março de 1936, dos 400 contratados em Memba para Geba, dias depois da sua chegada só 50 ficavam [36]. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 O Estado colonial era um dos grandes responsáveis pela intensificação da exploração nas zonas rurais, aliando-se aos empregadores privados, a quem apoiava no fornecimento de trabalhadores migrantes. Era frequente os administradores locais receberem ordens superiores do governo da província, estimulado pelos proprietários, no sentido de enviarem um certo número de trabalhadores para uma ou outra plantação privada [.37]. Para dificultar a deserção e regresso à casa, o governo recrutava as levas de trabalhadores nos distritos cada vez mais distantes das plantações, para as quais eram forçadas a deslocar-se a pé, percorrendo longas distâncias. O pagamento atrasado de salários era outra prática do Estado. Umas vezes, era a própria administração que não localizava os trabalhadores, depois do seu regresso à casa; outras vezes, eram os trabalhadores que não queriam andar maiores distâncias, a pé, sem terem a certeza de que o salário lhes seria pago. Disso resultava, muitas vezes, que os trabalhadores deixavam de receber os seus salários, os quais ficavam nos serviços e administrações locais [38]. 5. Os conflitos sociais e a resistência anti-colonial, 1930-1937 Como vimos, na década de 30, a vida sócio-económica moçambicana foi atingida devido aos efeitos da crise económica mundial e do reforço do colonialismo português. Os conflitos sociais e a resistêfúcia, provocados pelo conjunto dessas mudanças, foram de vária ordem e diferente carácter. 5.10 conflito sobre as terras no Mossuril - Nampula Enquanto os efeitos do colonialismo reforçado se generalizavam nas zonas rurais, após a crise mundial, no litoral da província de Nampula, surgiram sinais evidentes de conflito social que se tornou numa resistência contra a política algodoeira do Estado colonial. No entanto, inicialmente, era reflexo não só da contradição entre a população rural e o capital, mas, também, do conflito entre os próprios colonialistas sobre a maneira mais rentável de exploração.' Em antigos locais de colonização mercantil. portuguesa, especialmente no distrito de Mossuril, as terras haviam sido, desde séculos, divididas Capitulo 2 entre colonos residentes e comerciantes da Ilha de Moçambique. Durante o período de conquista, nos finais do século XIX e inícios do século XX, as propriedades foram ocupando regiões vizinhas, desde a Lunga, a Matibane e Mogincual, em benefício particular de oficiais participantes na ocupação militar, transformados em proprietários de grandes lotes de terra [39]. O regime de trabalho instituído no século passado em tais propriedades era o muta-hanu, isto é, a utilização de um tributo tradicional, pago aos senhores das terras. Alargado aos escravos libertos nas 'Terras da Coroa', consistia no pagamento, aos proprietários, de uma renda em trabalho não remunerado nas plantações de coqueiros ou cajueiros. Com a proibição da destilação e fabrico de bebidas alcoólicas na colónia em 1902, medida de protecção à exportação do vinho português, o cajú, até então utilizado essencialmente para fabricação de bebidas, passou a ser desprezado e muitos cajueiros foram substituídos por coqueiros, para a venda de copra. No entanto, as condições mais vantajosas da produção de copra na Zambézia reduziram a importância destas plantações e, durante os anos 20, assistiu-se a um desinteresse progressivo dos proprietários pelos terrenos. Os camponeses passaram a fazer um aproveitamento mais integral da terra, utilizando as plantações de cajú, não só para bebidas e alimentação, como também para a venda da castanha aos comerciantes indianos que a exportavam directamente para a Índia. A súbita valorização, em 1.000 por cento, do caju, no mercado internacional, em 1933, provocou uma situação particular em todas as regiões produtoras. No Mossuril, as propriedades até então praticamente abandonadas ganharam nova importância, enquanto que inúmeros residentes procuraram, muitas vezes por processos fraudulentos, obter direitos e concessões de terrenos para aquisição rápida de lucros. O antigo regime do 'muta-hanu' foi reaproveitado e intensificado, e as populações que viviam em todos os terrenos de antigas propriedades ou recém-ocupados foram obrigadas à limpeza e apanha de cajú, de modo gratuito, como forma de pagamento de renda aos proprietários das terras. As plantações de cajú alargaramse, limitando-se ao mínimo os terrenos disponíveis para os camponeses fazerem as suas machambas. Em 1936, já praticamente todos os terrenos da administração de Mossuril eram propriedade, legal ou ilegal, de particulares, europeus, O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 asiáticos e assimilados, que coagiam cerca de 15 mil residentes, através do arrolamento dos habitantes e do apoio de um grande número de capatazes. Com estes meios, a população foi obrigada a dar dois dias de trabalho, por semana, para além dos cinco dias na época da apanha. Esta exploração proporcionava, aos proprietários, um lucro três vezes superior ao que o Estado colonial cobrava, anualmente, do imposto de palhota em toda a região. No entanto, o avanço da cultura de cajú começou a entrar em choque com as actuações e interesses do próprio Estado colonial que, na década de 30, queria cobrar, com eficiência um imposto de palhota elevado, pagável em dinheiro e que era, na prática, uma taxa sobre as vendas do cajú dos camponeses. Estes estavam conscientes do alto grau de exploração a que eram sujeitos, com os dois impostos coloniais, para além da diminuição dos terrenos familiares. Sabiam, também, que a força de que dispunham os administradores locais era muito inferior ao policiamento dos capatazes dos proprietários. Por estas razões, os camponeses resistiam cada vez mais ao pagamento do imposto de palhota. A situação agudizou-se quando o administrador de Mossuril tentou obrigar ao trabalho compulsivo os que não pagaram o imposto. A esta medida resistiu de imediato a população. Reagiram ainda os proprietários, que não estavam interessados em ver a sua reserva de mão-deobra recrutada para outros trabalhos. Isto resultou em dificuldades para o administrador, que, sem a ajuda dos proprietários, não podia impor o trabalho compulsivo. Esta situação viria a agravar-se em 1938 e 1939, como veremos no capítulo seguinte. 5.2 As greves de 1932-1933 na Beira e Lourenço Marques As condições da década de 30 trouxeram, para a generalidade dos trabalhadores em Moçambique, a redução dos salários, a cobrança de impostos mais elevados, em suma o agravamento do custo de vida e das condições sociais. Aliado a isto, em grandes zonas do país, verificou-se uma intensificação no recrutamento forçado de trabalhadores, reduzindo as possibilidades de emprego para os trabalhadores voluntários. Aos trabalhadores moçambicanos, sujeitos às desvantagens do trabalho migratório e trabalho forçado, foi coarctada, pelo regime colonial, qualquer tentativa de criação das suas próprias organizações de classe. Capítulo 2 Mas o facto de não haver organizações sindicais para os trabalhadores negros não significou que não se desenvolvesse uma luta da classe trabalhadora. Embora as informações sejam, por vezes, precárias, e não existam estatísticas precisas, a evidência sugere que milhares de trabalhadores se recusaram a fornecer a sua força de trabalho. Outros realizaram paragens de trabalho, reduções no ritmo de irabalho e manifestações como formas mais comuns de reinvindicarem as condições a que se julgavam com direito. Exemplos disso foram as paralizações dos trabalhadores assalariados da Beira e de Lourenço Marques que veremos a seguir. A manifestação dos trabalhadores assalariados negros da Beira, 1932. Segundo os jornais da época, os efeitos da crise económica mundial em Manica e Sofala eram profundos. De facto, após 1928, a baixa de cotação para os principais produtos agrícolas dessas províncias provocou a falência de muitas machambas privadas coloniais e despedimentos nas grandes plantações. Desta maneira, a procura de mão-de-obra, nos empreendimentos agrícolas capitalistas, diminuiu consideravelmente, o que foi apenas parcialmente equilibrado pelo aumento de produção de citrinos e algodão [40]. Paralelamente, como consequência do declínio das exportações e importações de Rodésia do Sul, o tráfego ferro-portuário de Manica e Sofala diminuiu drasticamente, registando-se em Fevereiro-Março de 1932 o ponto mais baixo de sempre [411. Segundo um jornal da época, as autoridades portuárias reduziram o número dos seus trabalhadores, de milhares para algumas centenas, e os caminhos de ferro e as agências de importação-exportação fizeram reduções semelhantes [42]. A crise de emprego foi agravada devido à redução drástica no número de empregados domésticos. No entanto, os agricultores de arroz nas zonas verdes, frequentemente os familiares dos trabalhadores ou desempregados na cidade, enfrentavam baixos preços para os seu produto devido à concorrência internacional [43]. Como aumentava o excedente de mão-de-obra, os salários baixaram, segundo os próprios trabalhadores, de uma média de 125-150 escudos para 75-100 escudos. Não se trata de coihcidência que, neste ambiente, os empregadores procurassem aumentar o ritmo do trabalho. Por O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 3. Depósito do crómio, Beira: desde 1930, os trabalhadores do porto foram conhecidos na região pelos recordes batidos no encarregamento dos navios. exemplo, no meio da crise os estivadores do porto foram incentivados pelos capatazes a bater o recorde regional (incluindo o da Africa do Sul) para o carregamento de milho, intensificando assim a exploração absoluta do trabalho [44]. A população de Manica e Sofala enfreãtava uma situação ainda mais grave. O declínio da actividade económica resultou numa baixa equivalente dos rendimentos da Companhia de Moçambique, que até então tirava grandes benefícios de impostos sobre o comércio das duas províncias. Numa tentativa de compensar a baixa, a Companhia virou para uma fonte aparentemente mais segura de rendimento, o imposto de palhota: mesmo no meio da crise, elevou-se a taxa de 150 para 205 escudos [45]. É nestas circunstâncias que, na Beira, serviçais assalariados, dos diferentes sectores de actividades, reivindicaram a diminuição do Capítulo 2 imposto, exigido pela Companhia. Reclamaram por três vezes, pela via da petição (requerimento), à Companhia e ao Governador do território. Não tendo obtido resposta, resolveram paralisar o trabalho e manifestarse colectivamente. Assim, cerca das 8 horas da manhã da 31 feira, dia 22 de Março de 1932, um desfile de numerosos trabalhadores atravessou várias ruas da cidade em direcção à Intendência, que representava as autoridades portuguesas junto da Companhia de Moçambique. O Intendente, obrigado ao diálogo com 3 representantes dos trabalhadores, que por várias horas permaneceram em frente da Intendência, alegando não ter atribuições para resolver o assunto, prometeu remetê-lo para Lourenço Marques. Para o efeito os trabalhadores deveriam retomar o trabalho e enviarem 'papel selado' e ele próprio faria uma exposição para o governo em Lourenço Marques. As consequências dessa manifestação, sem dúvida, bem organizada, foram imediatas. Segundo um jornal publicado na Beira, o Governador "mandou vir a Companhia indígena, com metralhadoras e tudo, para estarrecer os indígenas, que tiveram o atrevimento de dizer que não podiam pagar o imposto" [46]. Alguns meses depois, soube-se que foram presos mais de uma centena de homens dados como cabeças do motim 147]. O clima de tensão, provocado pela crise económica e pelas acções da Companhia, continuou a sentir-se nos meses seguintes na cidade e fora dela. No distrito da Beira, segundo o administrador, a dificuldade na cobrança do imposto era "devido unicamente à grande crise de trabalho e pelo facto dos indígenas desta circunscrição [distrito) terem Estado completamente fora da mão, indisciplinados, e falta de contacto com o respectivo chefe de circunscrição" [48]. t Com efeito, devido às tensões resultantes da crise, o contacto pessoal de funcionários conhecidos pela população foi considerado pela Companhia essencial nas campanhas de cobrança seguintes [49]. De facto, não obstante a repressão da manifestação dos trabalhadores e as várias tentativas de cobrar o imposto, perante a resistência continua do povo, em Agosto, a Companhia viu-se obrigada a aceder à reclamação principal dos trabalhadores, reduzindo o imposto em 30 por cento, para cerca de 140 escudos [50]. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 A greve da 'Quinhenta' no porto de Lourenço Marques de 1933 Como vimos no capítulo anterior, a grande greve ferroviária de Lourenço Marques de 1926 foi neutralizada pelas autoridades coloniais. A repressão dos trabalhadores em geral foi intensificada, atingindo especialmente os trabalhadores negros do porto, voluntários, que veriam por diversas vezes reduzidos os seus salários e algumas das suas regalias. Além disso, o Estado que, em 1929, passou a controlar as cargas e descargas até então nas mãos de particulares, começou a substituir, cada vez mais, trabalhadores voluntários e ocasionais por trabalhadores forçados ('chibalo'), em turnos que cobriam as 24 horas do dia, reduzindo ainda mais os custos do trabalho e ameaçando assim os voluntários que restavam. A imprensa de Lourenço Marques não deixou de referir constantemente à difcil situação dos trabalhadores, às suas precárias condições de vida e trabalho e aos baixos salários, alertando aqueles que detinham o poder e os patrões para as prováveis consequências que disso adviriam. Em Agosto de 1933, o salário dos estivadores eventuais foi reduzido de 12$50 escudos para 12$00 por dia. Os trabalhadores que, devido à diminuição do trafego e utilização crescente de 'chibalo', trabalhavam, apenas, dois ou três dias por semana, sentiram os efeitos da redução. Os $50 (quinhenta) eram o preço de cerca de 150 gramas de carne ou de arroz e, provavelmente, o preço mínimo de uma refeição para um estivador. Concentrados no local próximo do actual mercado central, no dia 28 de Agosto, decidiram, em bloco, não retomar o trabalho até que os $50 fossem reconsiderados pelas autoridades do porto. A polícia, que tinha sido toda mobilizada, chegou ao local de concentração as 15.30 horas. Depois de algumas discussões e promessa de restituição da "quinhenta', os estivadores regressaram ao trabalho. Nas suas edições de 28/29 de Agosto, tanto o Lourenço Marques Guardian, como o Noticias, numa tentativa de minimizar a importância da greve, atribuíram-na à agitação promovida por uns poucos que, devido aos efeitos do vinho, tinham sido dispensados. A 4 de Setembro, e dado que as promessas não haviam sido cumpridas, os trabalhadores dispuseram-se a paralisar, novamente, o trabalho. As autoridades reagiram, mandando a polícia cercar os estivadores, num recinto vedado à arame farpado na ponte-cais, impedindo-os de sair Capítulo 2 durante a hora do almoço. Os estivadores não tiveram outra alternativa senão regressarem ao trabalho, pois, caso não o fizessem, sabiam que seriam substituídos por chibalos', ou, pior ainda, seriam eles próprios presos por vadiagem e transformados em chibalos', com salários de 6 escudos por dia, em lugar dos 12 do salário então reduzido. .Quer O Brado Africano quer O Emancipador, jornais que de um modo geral, embora não sistemático, ainda pugnavam pelos interesses das camadas trabalhadoras, tomaram absolutamente partido pelos grevistas. No dia 9 de Setembro, O Brado Africano dizia que "tinham e tem razão para se revoltar contra esse corte, que outra coisa não representa senão o fazerem economias à custa do preto". Assim se justificou que, como resposta à redução salarial, os trabalhadores protestassem abandonando o trabalho "numa atitude que os dignifica" [51]. O Brado Africano que, em geral, não era favorável ao recurso à greve, mas reconhecendo ser a única forma de que os trabalhadores dispunham para reivindicarem os seus legítimos direitos, atacou fortemente as autoridades do porto pela decisão de reduzir salários e por não garantirem os quatro dias de trabalho por semana a todos os trabalhadores, "o que não é nenhum impossível". Atacando ainda a Direcção dosNegócios Indígenas pela ignorância demonstrada perante os acontecimentos, lamentou que a 'questão indígena' não merecesse o real tratamento, porque não seria assim que o problema seria resolvido. Num claro aviso às autoridades e ao poder colonial, alvitrava O Brado Africano de 9 de Setembro, o seguinte: "Bom seria irem pensando muito bem no que sucederá amanhã, quando o preto estiver mais unido, instruído e óonhecendo os seus direitos e os seus deveres. Nessa altura o fechar as portas será o pior serviço que se poderá fazer aos que, cheios de razões e com a barriga vazia, se encontrem frente a frente com os patrões da ponte-cais,.agaloados, bem comidos e cheios de dinheiro'. Nos restantes meses de 1933, a situação em Lourenço Marques não melhorou, a avaliar ptla denúncia de situações de maus tratos, baixos salários e não cumprimento dos salários mínimos a praticar, conforme tabela elaborada pela Direcção dos Negócios Indígenas. Efectivamente, O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 e sob pretexto de não haver serviço, algumas firmas industriais iam explorando os trabalhadores ainda mais, pagando-lhes diariamente 5 ou 8 escudos. E, novamente, na sua edição de 28 de Outubro e sob título de "Exploração da mulher pelo homem", O Brado Africano denunciava as casas que "dão trabalho, nas estâncias, a mulheres, o que é justissimo, mas que as exploram miseravelmente, pagando-lhes 30 escudos por semana", exigindo das autoridades que se mandasse "indagar do que se passa procedendo com justiça". Ainda, em Novembro, clamava O Brado Africano que a situação dos trabalhadores não melhorara "ali nas fábricas industriais a favor do preto". A tensão provocada pela repressão violenta e sistemática sobre os trabalhadores continuou a sentir-se durante os meses seguintes. Na noite da passagem do ano, houve distúrbios na cidade quando centenas de africanos agitaram as áreasresidenciais da burguesia local, em que foram atacadas pessoas e propriedades. O ataque não resultou, porém, em vítimas, ou danos significativos. No entanto, a greve e os acontecimentos posteriores levaram o Estado colonial e a burguesia local a acautelarem-se. Algumas das medidas preparadas para reprimir os trabalhadores em Portugal foram aplicadas em Moçambique. Em 29 de Janeiro de 1934, pouco depois dos distúrbios do fim do ano, a lei metropolitana de censura de 1933 foi aplicada pelo Governador-Geral de Moçambique. Foi criada a Comissão de Censura, composta por três oficiais militares, e que passou a rever todos os jornais antes da sua publicação [52]. Foram banidas progressivamente as associações de classe ainda activas, tais como a União dos Trabalhadores de Moçambique (Lourenço Marques) e a Associação Geral do Trabalho da Beira, animadas por trabalhadores brancos. O jornal O Emancipador foi suspenso em 1937 e, no mesmo ano, um alto funcionário da administração colonial foi colocado na direcção do Brado Africano [53]. 5.3 0 movimento associativo e político A crise económica mundial e a nova dinâmica da política colonial, cujos efeitos, na economia e na luta de classes dai emergentes, já vimos, não podiam deixar de ter as suas consequências, na já restrita vida política do país. Deve-se realçar que, à grande maioria do povo moçambicano, foi negado o exercício de direitos políticos pela imposição, inter alia, do Estatuto Político e Civil dos Indígenas de 1926. Capítulo 2 Apenas à pequena minoria de educados, regra geral mulatos e assimilados, foi permitido o privilégio de uma actividade polémica. Já antes da Lei de Imprensa de 1926, que impôs restricções mais severas, a actividade política concreta,« no sentido da organização de um partido ou movimento laboral, ou acesso aos círculos e postos mais altos do regime, estava de facto proscrita. Neste subcapítulo, pretendemos mostrar que, apesar de um surto inicial de crítica contra certos aspectos do colonialismo no período 1930-1932, uma censura mais estrita, imposta em 1934, entre outras manobras exercidas pelo regime colonial, sufocou gradualmente a expressão escrita de protesto. O regime aproveitou as divergências sociais entre mestiços 4. Estácio Dias (177-1 937), Director, O Brado Africano, década de 1930. 5. Karel Pott (1904-1953), dinanizador das associações, década de 1930. e negros assimilados para dividir o movimento associativo herdado do passado em fracções raciais. Perante estas novas circunstâncias, as ambiguidades e divergências de posicionamento político, na reduzida camada de intelectuais moçambicanos, se manifestáram com mais clareza. Quase no fim deste período, novas medidas, anti-comunistas e antiO Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 subversivas reduziram ainda mais a possibilidade da livre expressão de opiniao e debate no seio da elite moçambicana da época, deixando o terreno ainda mais aberto para a emergência de colaboradores e fiéis ao regime, e arrumando, temporariamente, o desenvolvimento político do país para as sombras criadas pela repressão fascista. O Grémio Africano de Lourenço Marques, legalizado em 1920, era a mais importante organização da oposição moderada. Dirigida pelos irmãos Albasini desde a sua criação, o Grémio integrava o grupo dos mulatos e negros assimilados. Além dos Albasini, estiveram ligados ao Grémio Africano nomes como Estácio Dias, Karel Pott, Francisco Bemfica, entre outros. Sob a máscara da valorização cultural e promoção 6. Sede ao Centro Associativo dos Negros (ex-lnstituto Negrófilo),.inauguraao pelo Presidente português em 1939. intelectual da comunidade negra, o Grémio pugnou essencialmente pela defesa dos mulatos e assimilados, contra a discriminação racial que cada vez mais os atingia. O Grémio estava, contudo, dependente de subsídios do governo devido à fraca capacidade económica dos seus associados. A expressão mais evidente da sua actividade era o jornal O Brado Africano. Capítulo 2 A crise económica, o desemprego, a intensificação das barreiras raciais e do nacionalismo português agravaram a situação social do Grémio e dos seus sócios. A pequena minoria de mestiços e assimilados que, no período anterior, conseguiu postos no funcionalismo público ou um alto grau de instrução formal, se viu relegada para o segundo plano com ainda mais vigor do que antes. Este facto coincidia com o regresso ao país em 1930, após a conclusão da licenciatura em direito, de Karel Pott, que se tornou uma das grandes figuras, senão a mais importante, do movimento reivindicativo e crítico à administração colonial. Foi nomeado director de O Brado Africano em Agosto de 1931 e eleito presidente do Grémio Africano em Março de 1932. Nas páginas de O Brado Africano publicou vários artigos atacando as formas de governação do poder colonial, entre os quais se tornou celebre o intitulado "Psitagama ha dyini ba nkubana?", expressão ronga que traduzida em português significa "Qual será o fim disto, seus saloios?" [54]. Neste artigo, Pot criticava a discriminação racial existente no então Instituto da Namaacha, onde havia "uma oposição aberta e declarada à admissão de crianças de cor" [54] e à forma como o governo colonial dirigia a sua política 'indígena'. Este artigo fazia parte de uma campanha contra a discriminação racial, que se fazia sentir, especialmente, na educação, na administração da assistência pública aos desempregados, na recusa da admissão de negros ao funcionalismo público (só eram admitidos como intérpretes), e nos salários, grosseiramente inferiores, dos enfermeiros negros. A campanha culminou numa manifestação pública no edifício do Grémio Africano em Abril de 1932 [56]. Como dizia Estácio Dias: "Na verdade, como se pode admitir que quem estabeleceu como fundamento de distinção a condição única de mérito, da justiça e do direito em todo o território português, venha impor nas Colónias a distinção de cor?.. .A justiça não existe quando se trata de pretos.. .nem justiça e, muito menos, humanidade..." [57]. A dinâmica transmitida ao movimento associativo pelas circunstâncias da crise não se restringiu somente à capital la colónia. Pelo contrário, neste período, concretizaram-se tentativas, as vezes prolongadas, de formar associações semelhantes noutras cidades do país, nomeadamente em Quelimane, na Ilha, na Beira, em Inhambane e Gaza [58]. O Grémio Africano de Quelimane, criado em 1925, só em 1931 veria os seus estatutos aprovados. Entre os objectivos destaca-se: O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 "...o aperfeicoamento moral e intelectual dos africanos, promovendo a sua educação cívica e despertando neles o sentimento humanitário e de nacionalidade" (portuguesa, N.R.) [59]. Na Ilha de Moçambique, um grupo de pessoas tentou formar, em 1924/5, o Grémio Africano de Moçambique e, em 1926, a Liga Moçambicana; todavia, ambos morreram sem terem visto nunca a luz do dia. No entanto, foi dessas tentativas que surgiu, em 1930, o Grémio Luso-Africano da Ilha. Na Beira, foi criado, em 1932, o Grémio Africano de Manica e Sofala. Os seus objectivos não se diferenciavam dos das outras associações e foi sujeito às mesmas pressões da parte das autoridades. Segundo os seus estatutos, para além das actividades recreativas e culturais, propunha-se ainda a protecção moral e material dos africanos, em geral, e dos associados, em particular. O facto de que os seus membros seriam assimilados transparece na definição dos sócios ordinários como "africanos ... cidadãos portugueses", e na cláusula seguinte: "...são considerados africanos todos os nativos portugueses e seus descendentes legítimos que sabendo ler e escrever português regularmente, adoptem os usos e costumes europeus e exerçam profissão, comércio ou indústria de que se possem manter" [60]. No mesmo ano, o Grémio Africano de Manica e Sofala começou a publicar um semanário, A Voz Africana, que partilhava a iniciativa e entusiasmo literários do período 1930-1932. De facto, os participantes nas iniciativas dessa época julgaram-se uma nova geração que se não deixou intimidar pela actuação do então regime colonial, e que, segundo o próprio Karel Pott, "... revelou mentalidades dum grande valor moral e intelectual e marcou uma etapa de esplendor na história da nossa política ... ". Lutava sem tréguas pelo estabelecimento de " ... uma imprensa nossa, retintamente africana..." [61]. O conteúdo dessa fase de jornalismo político pode-se avaliar através de O Brado Africano que, apesar de denunciar publica e veementemente os "desvairos, desmandos, desvios de poder, esbanjamento", era um jornal dominado pela pequena burguesia reformista, cujo objectivo era somente 'humanizar' o colonialismo. Esta ideia transparece mais num extracto do editorial de 27.2.1932, cujo titulo era "Basta", onde se escreve: Capítulo 2 "Desejamos de vós, enfim, uma mais humana política..." No mesmo editorial ainda se pode ler: "Não pretendemos as comodidades de que vós rodeais, à custa do nosso suor, se bem que a elas houvéssemos mais direitos que vós; não pretendemos a vossa refinada (?) [sic] educação,&ão alardeada na nossa presença, pois não desejamos viver obsecados pela ideia de roubar ao nosso semelhante aquilo de que ele carece e que não nos pertence. Não, mil vezes! Antes a nossa selvageria que tanto vos enche a boca ... e as bolsas". 1 Apesar da aparente rejeição dos valores do colonizador, ao mesmo tempo, pronuncia-se o desejo de igualdade de todos perante a lei, quando se lê, no mesmo editorial: "Queremos ser tratados como aos vossos tratais". Estava assim selada a ambiguidade. Por um lado critica-se e recusa-se a cultura do colonizador e, por outro, reivindica-se a igualdade dentro do próprio sistema do colonizador. A divisão do movimento associativo No entanto, o regime colonial, fiel à sua estratégia de desigualdade racial, não podia abster-se perante essas reclamações modestas. Pelo contrário, desenvolveu-a cada vez mais, procurando explorar as diferenças sociais, que existiam na elite dos colonizados, na base de raça, de religião, ou de filosofia de acção. Em 1931-1932, o Grémio Africano de Lourenço Marques foi seriamente atingido devido a divergências surgidas entre os seus sócios. Foram várias as causas apontadas, por vários sectores, para explicar a crise. Além de pormenores, porventura curiosos, ressalta à evidência o posicionamento radical de um grupo de assimilados negros, que exigia do Grémio acções mais enérgicas na defesa dos seus membros, contra as barreiras raciais de que cada vez mais eram vítimas [62]. ,De qualquer modo, a história das relações entre os dois grupos é a história da competição pela representatividade da comunidade negra, não ocultando, muitas vezes um certo ambiente dominado pela intriga, pela desconfiança e, até mesmo, pela discriminação racial originada pelas circunstâncias da dominação colonial. Até então, devido ao seu acesso mais fácil à educação e melhores postos de emprego, em geral, os mulatos dirigiam a oposição moderada e literária em Lourenço Marques. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 Essas divergências foram aproveitadas e logo fomentadas pelas autoridades coloniais, por intermédio da Secretaria dos Negócios Indígenas e por alguns colonos influentes. O objectivo era claramente dividir mulatos e assimilados, diluir toda e qualquer perspectiva reivindicativa do Grémio e de O Brado Africano, e influenciar os negros assimilados isoladamente. Separar os negros *assimilados' dos mulatos dava às autoridades coloniais a possibilidade de aliciar os primeiros com regalias e privilégios, quebrando assim o seu potencial radicalismo, anteriormente estimulado pela subordinação aos mulatos. Ainda por cima, essa estratégia possibilitou a integração de importantes figuras protestantes do sul de Moçambique, cuja religião foi até então considerada altamente subversiva ao regime sócio-político colonial [63]. Os negros 'assimilados' sairam do Grémio e formaram o Instituto Negrófilo, cujos estatutos foram imediatemente aprovados em Março de 1932 [64]. De notar que a aprovação dos estatutos do Grémio Africano tinha levado doze anos a efectivar-se (de 1908 a 1920). Entre os mais destacados dirigentes e membros do Instituto, durante os primeiros anos da sua existência, figuram Brown Dulela (o primeiro presidente da Direcção), João Manuel e Enoque Libombo. Segundo O Brado Africano, Dulela era "uma grande figura financeira e comercial" de Lourenço Marques. Nessa altura, Dulela ia para Europa onde tencionava "adquirir maquinismos em alguns países da Europa e representação de algumas grandes firmas para vir montar nesta cidade várias indústrias por conta própria e dar emprego a alguns dos seus patrícios" [65]. Os objectivos do Instituto definiam-se pela promoção do desenvolvimento material, intelectual e moral dos seus associados e, em geral, de todos os negros 'portugueses'. Tendo feito alguns esforços para manter uma ligação constante com a população negra, especialmente a da zona sul, a preocupação essencial era o apoio às familias dos sócios. Apoio moral que se manifestou na tradicional presença da Direcção em todas as cerimónias fúnebres. Apoio económico e social, que tanto podia surgir sob a forma de frequentes, embora magros, empréstimos, como na colocação de desempregados. A assistência social era feita através de uma Caixa de Auxilio aos pobres. Atenção especial mereceu também a educação, como sector de promoção social e económica, havendo notícias de, em 1932, o Instituto ter organizado cursos nocturnos de português e Capítulo 2 inglês. Por outro lado, por solicitação dos sócios das zonas rdrais, o Instituto intercedeu junto das autoridades para a criação de escolas em algumas áreas onde elas não existiam. Mas, na maior parte das vezes, o Instituto reagiu apenas às queixas e aos pedidos. Contudo, nem sempre do mesmo modo. Se uns sócios pediam providências contra colonos que tentavam arrebetar-lhes as terras, a Direcção comunicava logo o caso às autoridades administrativas, como o fazia se a queixa era contra um administrador novo que exagerava nos processos de repressão à população. Nestes casos, a cautela era grande e a Direcção sabia, perfeitamente, até onde iam os seus limites. Quando régulos ou indunas se consideravam usurpados, devido à nomeação de outros indivíduos afastados da linha de parentesco que lhes dava o direito de sucessão, a Direcção podia recusar a causa, atribuindo ao Administrador toda a competência, ou então mandava que o assunto seguisse para a frente, mas sempre dentro dos preconceitos estabelecidos pelo poder colonial. Seja como fôr, o Instituto chegou mesmo a tocar certos pontos mais sensíveis, embora de modo pontual. Por exemplo, o imposto da palhota foi objecto de petições e entrevistas com os governantes e a situação dos enfermeiros 'indígenas' foi também sua preocupação, como era, alias do Grémio Africano. Apenas um ano depois da sua formação, surgiram diferenças de perspectiva entre os membros do Instituto Negrófilo, alguns dos quais censuravam os dirigentes pela sua preferência em promover assimilação aos hábitos e vestuário dos brancos. Não muito contundente na sua posição, o 'movimento' parece ter morrido à nascença. Para a Direcção do Instituto, o lema era principalmente promover a elevação social dos negros dentro do sistema colonial existente. De facto, o Instituto fazia parte importante da estrutura racial criada pelo colonialismo. Como as outras associações, vivia essencialmente de subsídios particulares e oficiais. Entre os 'mecenas', destaca-se o grande empresário local, Paulino Santos Gil, mas contribuíram ainda firmas como as de João Ferreira dos Santos, F. Dicca e a WENELA, entre outras. O governo, eventualmente, fornecia dinheiro, como por exemplo, para a construção da sede, que seria inaugurada pelo então Presidente Carmona de Portugal, em 1939. Existia ainda um pequeno fundo da Direcção dos Serviços de Negócios Indígenas, proveniente da diferença O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 obtida na operação cambial de recepção dos salários dos mineiros, regressados da Africa do Sul, que era destinado ao Instituto Negrófilo. Na Beira, também, as autoridades, neste caso, policiais, aproveitaram diferenças sociais, no sentido de apoiar a criação de uma associação só para negros, o Grémio Negrófilo de Manica e Sofala, independente do já existente Grémio Africano. Entre os moçambicanos contemplados com uma bolsa educacional da Missão Episcopal Americana, em Mount Silinda, na então Rodésia do Sul, encontrava-se Kamba Simango, que trabalhou na escola da missão. Daqui foi enviado para os Estados Unidos da América, onde concluiu um curso de professor em 1923. Depois de uma passagem por Portugal, onde fez o exame de professor na Universidade de Coimbra, e pela Costa do Ouro (hoje Gana) e por Angola, regressou a Moçambique onde obteve um certificado de professor da Companhia de Moçambique em 1927. Trabalhou nos anos seguintes nas escolas de Gogoyo (Mossurize) e 7. Kamba Simango (c.1897-1967), inspirador do Grémio (depois, Núcleo) Negrófilo de Manica e Sofala, constituidona Beira em 1935. Capítulo 2 Mechameje (Buzi). Expulso da missão, foi à Beira, onde montou vários negócios que iam desde uma pensão até à construção civil. Ali influenciou Chovane Simango, carpinteiro e pregador, que tinha estudado em Gogoyo em 1929, no sentido de este fundar uma associação com "escola e religião" onde fosse rezada missa "separada dos brancos" [66]. No entanto, Chovane viu-se também encorajado pelo Comissário da Polícia, no sentido de formar uma associação, receoso que a acção de Chovane lhe escapasse ao controlo. Arranjado um financiador, o pedido foi feito, e o alvará concedido, em Março de 1935, pela Companhia de Moçambique. O Grémio, cujos sócios só podiam ser negros, tinha os mesmos objectivos e actividades gerais que o Instituto Negr6filo de .ourenço Marques: "defesa dos interesses dos associados, a sua iromoção social e intelectual, actividades recreativas e intelectuais", etc. Também,lneste caso, a Companhia reservava para si o habitual direito de encerramento e anulação do alvará, caso o Grémio "se desviasse dos seus fins" [67]. A estratégia política de assimilação e aliciamento de opositores potenciais e de focos de descontentamento não se restringiu, apenas, aos negros e mulatos. Consagrada a divisão entre estes, faltava às autoridades montar o cenário para o terceiro grupo: o dos 'naturais', os filhos dos colonos nascidos em Moçambique. Não foi difícil aproveitar um certo descontentamento entre estes que, com a implantação da política colonial do Estado Novo, se viam crescentemente relegados para o lugar de .portugueses de segunda', fosse no prestígio social, fosse no acesso a lugares mais importantes no funcionalismo, fosse ainda na ostensiva recusa de iguais direitos no que respeitava a certas regalias sociais. A Associação dos Naturais da Colónia de Moçambique foi fundada em Janeiro de 1935. Nasce, aparentemente, como uma casa 'regional', e afirmava nos seus estatutos "pugnar pelos interesses dos naturais da colória. Na realidade, numa altura em que a burguesia portuguesa pretendia consolidar os seus interesses em Moçambique, subordinando mesmo os interesses dos colonos já estabelecidos localmente, e quando o governo reorganizava o funcionalismo colonial para reforçar a sua dependência em relação à Lisboa, a criação da Associação dos Naturais tinha por objectivo principal o aliciamento de uma potencial oposição moçambicana branca. Resumindo o que era o papel e a função social destas instituições, no O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 sistema colonial capitalista, podemos dizer que serviram o interesse fundamental dos grandes empregadores de mão-de-obra barata moçambicana que, como vimos, eram os seus principais contribuintes financeiros. A maioria dos sócios eram mulatos e negros assimilados, como funcionários, enfermeiros, intelectuais e camponeses com algumas posses, constando ainda um ou outro régulo e alguns trabalhadores do porto, estes no Instituto Negrófilo de Lourenço Marques. Assim, o Estado colonial integrou, de forma subalterna, a camada mais capaz de dirigir e organizar os trabalhadores na sua luta contra a exploração. Receando o surgimento de uma força anti-colonial e nacionalista, as autoridades coloniais portuguesas confiaram nesta camada, exercendo um controle sobre ela, enquanto utilizavam métodos de repressão directa e violenta contra a generalidade dos trabalhadores rurais e urbanos. A dependência destas associações em relação ao governo colonial implicava o cumprimento de obrigações oficiais tais como constantes homenagens às autoridades portuguesas, que iam desde a apresentação de boas-vindas, ao descerramento de fotografias, a apoios a manifestações públicas de 'desagravo', etc. Esta colaboração, não isenta de humilhação, proporcionava situações caricatas. Por exemplo, num peditório público, o Instituto Negrófilo distribuiu bandeirinhas com a seguinte inscrição: "Contribuir para a melhoria das condições sociais dos nativos e engrandecer o Império Português" [68]. A repressão do jornalismo político Além dessa forma de controle político e social que o regime esboçava contra a elite moçambicana, as suas reclamações jornalísticas foram cada vez mais sujeitas à censura. Esta foi, em parte, informalmente imposta dentro do movimento associatívo. Assim, nos fins de 1932, Karel Pott, acusado por moderados de ser "revolucionário, perigoso e inútil", foi substituído como Director de O Brado Africano, devido à publicação de uma alegada difamação a um colono naquele jornal. Não obstante a censura oficial, imposta em 1934, e a divisão no movimento associativo, até 1936 O Brado Africano continuou a exprimir a aversão dos colaboradores mais conscientes aos desvairos do regime. Tendo alguns se apercebido da estratégia colonial, cuja tónica principal era dividere et imperare, concluíram que a única arma mais eficaz de luta contra os desmandos do colonialismo era a unidade e solidariedade dos Capítulo 2 africanos. Recordemos, por exemplo, o artigo do famoso mestre moçambicano de sonetos, Rui de Noronha, intitulado 'Solidariedade' e publicado em O Brado Africano em 1936. Neste artigo, Rui de Noronha, advertia que: "Enquanto todos nós africanos civilizados não conseguimos ser um único bloco, trabalhando em conjunto para alcançar um fim que nos satisfaça a todos, podemos ter a certeza, mas certeza absoluta, de que serão baldados todos os esforços ... " [69]. Desenvolvendo a argumentação de Karel Pott, que se opôs à criação do Instituto Negrófilo [70], Noronha estava convencido que só através da unidade e solidariedade se alcançaria "em dez vezes menos tempo ... a Causa Africana ... " [71]. Num outro plano, no soneto 'Pós da História', Noronha introduziu na poesia um elemento ideológico, proveniente talvez da literatura oral, que veio a ser importante para o nacionalismo moderno moçambicano [72]: Caiu serenamente o bravo Queto Os lábios a sorrir, direito o busto Manhune que o seguiu mostrou ser preto Morrendo como Queto a rir sem custo Faz-se silêncio lugubre, completo no kraal do vátua celere e vestuto E o Gungunhana, em pé, sereno o aspecto Fitava os dois, o olhar augusto Então Impincazamo, a mãe do vátua Triunfando da altivez humana e fátua Aos pés do vencedor caiu chorando Oh dor da mãe sublime que se humilha Que o crime se não esquece a luz que brilha Oh mães nas vossas lágrimas gritando Este texto evoca a derrota do Imperador de Gaza, Ngungunhane. Ao fazê-lo, Rui de Noronha subverte a imagem de Ngungunhane, produzida de forma estereotipada pelo aparelho ideológico do Estado colonial, em torno dessa derrota: Ngungunhane, sentado no chão, por ordem de Mouzinho de Albuquerque. Contudo, Ngungunhane é poeticamente apresentado "em pé, sereno, ... o olhar augusto". Era a imagem inversa O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 dos compêndios de história de Portugal. Representava uma opção deliberada de enquadrar o antigo rei como símbolo orgulhoso da resistência moçambicana à dominação colonial [731. Ambiguidade da posição da elite No entanto, face às circunstâncias internacionais e à política do regime colonial, a ambiguidade da posição política da elie meçambi~aa manifestou-se ainda com mais clareza. De facta, o Grémio Africano e o seu jornal lutavam tradicionalmente contra vários aspectos da economia colonial, como o "chibalo' e o trabalho migratório que, devido à pilhagem de mão-de-obra à família camponesa e à propagação de doenças graves resultantes do trabalho nas minas (por exemplo, pneumonia, silicose e tuberculose), tiveram consequências nefastas na sociedade rural [74]. Mas, simultaneamente, O Brado Africano, sem dúvida enganado em relação aos possíveis benefícios ao povo moçambicano, argumentava a favor de várias ^iniciativas coloniais, que só podiam resultar na extensão da dominação colonial, como o projecto da irrigação do Limpopo que, na sua implementação definitiva, mais tarde, resultaria na expulsão de milhares de camponeses em prol da colonização europeia. A ressuscitada simbologia política de Ngungunhane, proposta por Rui de Noronha, não significa a adopção, pela elite, de uma visão uniforme sobre o relacionamento pol*ítico entre os régulos e o regime colonial. Por exemplo, alguns membros da elite preferiam recomendar o papel positivo de régulos colaboradores como agentes da civilização portuguesa. E O Brado Africano argumentava a favor do pagamento aos régulos de uma percentagem do imposto de palhota, em compensação pela sua colaboração na cobrança [75]. Sobretudo, dava considerável apoio à campanha para a introdução de algodão como cultura de rendimento. O principal propagandista de algodão, no sul, foi um delegado do Grémio Africano de Lourenço Marques, pago pelo governo colonial. O relatório de uma viagem progandística a Inhambane em 1935, publicado -em O Brado Africano, descreve com aprovação e satisfação a imposição da cultura algodoeira, como modelo da intensificação da agricultura 'indígena', chegando mesmo a louvar as- palestras "sobre a história dos portugueses como colonizadores e sobre o Império colonial", que sempre acompanhavam Capítulo 2 a propaganda agrícola [76]. O Brado Africano descreveu como "justos e brilhantes" as afirmações do Ministro português das Colónias feitas em 1935, segundo as quais o negro devia ser o objecto central de toda a política colonial, no sentido de torná-lo um melhor produtor e consumidor. O Brado encarava bem a política, enunciada pelo ministro, de limitar a fixação branca, colocando os colonos apenas em postos de direcção e como técnicos. Devemos lembrar que, na altura, esta política apareceu como um avanço considerável sobre aquilo que foi praticado antes de 1926, que resultou na fixação descontrolada de machambeiros e trabalhadores brancos, em detrimento dos produtores e trabalhadores moçambicanos [77]. Além disso, a leitura dos artigos dos jornais ligados às associações leva à conclusão de que, não obstante uma maior ênfase na unidade, a análise do carácter real da dominação colonial pouco avançou, e que, por esta razão, soluções concretas não se esboçaram. Por exemplo, a 'Causa Africana', veiculada por Noronha e outros, permanecia como uma ideia geral. A referida *unidade' significou só aquela entre os mulatos e assimilados, já quebrada pelas divisões no movimento associativo. Não foram delineados objectivos precisos de luta, senão o cumprimento dos expressos nos estatutos das associações, um objectivo limitado, assim, ao melhoramento da situação da elite na estrutura colonial [78]. Da mesma forma, nesta fase o "africanismo', 'pan-africanismo' e &patriotismo' não chegaram a ser definidos em termos de uma nacionalidade senão a portuguesa. Esta dificuldade em analisar as bases profundas do colonialismo ia ainda mais longe. Como noutros territórios da África Austral, existia a tendência, por parte da elite africana, de enculpar a burguesia europeia local, e a população branca em geral pelas injustiças do colonialismo, e de confiar na 'justiça' e 'boa fé' do governo da metrópole para corrigir estes 'erros'. Isto é, esperava-se que a burguesia metropolitana desenvolvesse uma política que responderia às reclamações da pequena burguesia africana e reformista, em detrimento do poder da população branca radicada em Moçambique. Sem nenhuma análise profunda do colonialismo, colocando, as vezes, os interesses da metrópole no primeiro plano, a elite ficou naturalmente míope no que concerne ao carácter real das 'injustiças' e, assim, aos meios políticos para a sua eliminação. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 Agudização da tensão política e repressão fascista, 1935-1937 No entanto, a invasão da Etiópia pela Itália mussolínica em Outubro de 1935, que se prolongou por sete meses devido à resistência abnegada do povo abissínio, apareceu como um elemento catalizador da consciência política anti-colonial em Moçambique. Quase todos os colaboradores do Brado Africano, ainda que em determinadas circunstâncias tenham tido análises políticas heterogêneas, ao eclodir o conflito, foram todos unânimes na condenação e repúdio à agressão italiana. A opinião pública, revelada na imprensa em Moçambique, deplorava a agressão italiana e solidarizava-se com o povo abissínio, que resistia a moderna máquina de guerra italiana. Pôs-se em causa o cinismo da apregoada missão civilizadora da Itália na Etiópia que "provoca a guerra que traz a morte, desolação e a miséria em muitos lares ... " [79]. Outros se interrogavam "se a pretensão mussolínica é unicamente para civilizar o povo abissínio, para tornar um povo culto, porque deixou de civilizar i Líbia e Somália?" [80]. Um artigo não assinado, publicado na revista Luzitana e reproduzido em O Brado Africano, mostra muito claramente o desapontamento do imperador Negus que, ao abandonar o seu país, não só abandonou o trono como também todas as ilusões "sobre a consciência cúpida do europeu-ávido como um bárbaro e falso como um civilizado decadente ... " [81]. Este conflito foi aproveitado pelos escritores conscientes para contornarem ainda mais a censura da imprensa imposta em 1934. Sob a máscara da condenação das barbaridades da Itália mussolínica, os críticos do sistema colonial interrogavam-se sobre a obra civilizadora do colonialismo europeu que, até então, nada tinha feito. Faz-se publicamente, tomando como exemplo a Itália, o balanço da actividade dos colonizadores em Africa, em geral, e em Moçambique, em particular. Por outro lado, a conquista italiana da Etiópia não só mostrou o apetite das grandes potências europeias por colónias, como também reforçou as ideias, nunca postas de lado, desde a I Guerra Mundial, de uma redivisão de Angola e Moçambique em benefício dessas potências (particularmente Alemanha e Itália). Receando essa possibilidade, apesar do vigor e acuidade das opiniões reveladas relativamente ao colonialismo aquando da conquista italiana da Etiópia, um mês após a ocupação de Adis Abeba (em Maio de 1936), o Grémio Africano e o Instituto Negrófilo de Lourenço Marques mandaram um telegrama ao Ministro português das Capítulo 2 Colónias, em que defenderam publicamente a integridade do Império Colonial Português [82]. Apesar dessas ambiguidades, cresceu na segunda metade da década de 1930 a consciência da necessidade de ultrapassar os limites que circundavam o movimento associativo. Por exemplo, em Agosto de 1936, alguns activistas, insÁtisfeitos com o Instituto Negrófilo, formaram a União dos Negros Lusitanos. Os seus estatutos não eram realmente diferentes das outras associações, mas as suas reuniões deram ocasião para debates abertos, considerados indesejáveis pelas autoridades. Vários artigos em O Brado Africano questionaram incisivamente a desunião a que o movimento associativo foi destinado no sistema colonial. Um editorial, em Junho de 1937, chegou a propor a formação de uma comissão de representantes das várias associações, com o objectivo de formar uma confederação. Além disso: "Conseguida essa obra procurar-se-ia interessar pela divulgação de ideias, necessárias à concepção elevada do objectivo político do povo nativo, todos os filhos da terra conscientes e civilizados, pelos problemas mais importantes para a vida de todo o povo africano e essencialmente para a preparação do seu futuro" [83]. Esta proposta visava, assim, o passo fundamental para a unificação da oposição e o objectivo concreto da promoção da consciência política. De facto, o momento para este avanço na organização política moçambicana não podia ter sido menos propício, devido à determinação portuguesa de reforçar o seu poder nas colónias através dos meios repressivos já em vigor em Portugal. Desta forma, em Setembro de 1936, as intenções reais do governo português ficaram mais patentes aquando da promulgação de uma lei que ia longe na repressão política fascista em Moçambique. Esta lei exigiu um juramento de todos os funcionários do Estado, serviços autónomos, bem como os corpos e corporações administrativos, de estarem integrados na ordem social estabelecida na constituição fascista portuguesa, " ... com activo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas" [84]. Encarregou os directores e chefes de serviços, sob pena de reforma imediata, de cuidar que os seus respectivos funcionários não professassem "doutrinas subversivas". Além disso, as empresas privadas, se pretendessem ajuda do Estado, tinham que impor as mesmas regras. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 A implementação desta lei em 1937, com a sua definição muito genérica de comunismo e subversão, e a utilização subsequente de informadores contra 'subversivos', representava um golpe considerável nos membros das associações e nos escritores. Na sua maioria, estes lutavam para proteger postos de emprego nas instituições do Estado ou serviços autónomos e, a partir desta altura, tinham que camuflar ainda mais as -suas opiniões políticas, e mesmo o seu orgulho e personalidade africanos [85]. Em Julho de 1937, porque não se conformava com os preceitos repressivos da política colonial, o governo mandou encerrar a União dos Negros Lusitanos após só 11 meses de existência [86]. A proposta comissão de representantes nunca chegou a reunir. No que diz respeito à Imprensa em si, com a saída de Pott, a morte de José Albasini (1935) e de Estácio Dias (1937), e a colocação na direcção de O Brado Africano, em 1937, de pessoal seguramente identificado com os interesses do regime colonial, o controle governamental sobre a imprensa associativa em Lourenço Marques foi assegurado. No mesmo ano, apareceram editoriais no jornal que davam apoio aberto e incondicional aos objectivos político-económicos do regime salazarista [87]. NOTAS: 1. L. Vali e L. White, Capitalism and colonialisn in Mozambique: a study of Quelimane district, London: Heinemann, 1980, pp. 254, 265. 2. Ibid.. pp. 265-268. 3. AHM, ISANI, Cx. 76, Armando Eduardo Pinto Correia, Relatório da Inspecção ordinária às circunscrições do distrito de Moçambique, 1936-1937, vol. II, p. 263; ibid., Cx. 94, Armando Eduardo Pinto Correia, Relatório e documentos referentes à Inspecção ordinária da província do Niassa, 1938-1940, vol. II, pp. 150-158; FEstatftica de Comércio e de Navegação, 1930-1937. 4. BO 27, 1938, Decreto 28.697, 25.5.1938, preAmbulo. Para uma comparação das eventuais vantagens da produção familiar de algodão em relação ao trabalho nas plantações, ver, p. ex., AHM, FGG, Cx. 2450, No. 86, J. Figueiredo, Governo da Província do Niassa, Relatório, 1938, 1 parte, pp. 212-213. 5. Estatística de Comércio e Navegação (1928-1935); Anuário da Companhia de Moçambique, 1928-1935. Capítulo 2 6. Idem. 7. UEM/CEA, O mineiro moçambicano, Maputo: mimeo, 1979 [reedição], p. 26; ver também, J.Granger, 'A convenção', BSEM, no. 10, Agosto 1933, p. 20. 8. Ver, por exemplo, AHM, ISANI, Cx. 30, A. A. Furtado Montanha, Relatório e documentos referente à Inspecção ordinária às circunscrições do Distrito de Inhambane, 1930, p. 34f. 9. Ver Actas do Conselho do Governo 10. L. A. Covane, 'As relações económicas entre Moçambique e a África do Sul, 1875-1964: edição crítica dos Acordos e Regulamentos principais', Trabalho de Diploma, Licenciatura em História com especialidade em Documentação, UEM/AHM, 1985, pp. 86-88, 92-94. 11. J. das Neves, 'O trabalho migratório de Moçambicanos para a Rodésia do Sul, 1913-1958/60', Trabalho de Diploma do grau de Licenciatura, Instituto Superior Pedagógico, Maputo, 1990, pp. 23, 27-31, Anexos, p.4; 1. Phimister, An economic and social history ofZinbabwe, 1890-1948: capital accumulation and class struggle, Londres: Longman, 1988, p. 183, passim; BO 39, 26.9.1934, p. 615: Acordo sobre recrutamento de trabalhadores indígenas no distrito de Tete, Colónia de Moçambique, para serem empregados na Colónia de Rodésia do Sul; sobre esta matéria ver, particularmente, A. Rita Ferreira, 'Trabalho migratório de'Moçambique para a Rodésia do Sul,' História (Lisboa), 8, Junho, 1985, pp. 42-49; sobre os 'Uleres' ver P. Scott, 'Migrant labor in Southern Rhodesia', Geographical Review, 44 (1954), pp. 29-48. 12. Inês Nogueira da Costa, Contribuição para o estudo do colonial-fascismo em Moçambique, Maputo: AHM/UEM, 1986 [Série Estudos 1], p. 15 13. Ver Capítulo I, pontos 5.2, 5.3. 14. Com a excepção de Manica e Sofala, onde se utilizou a libra especial da Companhia de Moçambique até 1942, e da cobrança do imposto de palhota no sul, pagável em libras esterlinas da África do Sul. 15. BO 26, 25.6.1932, Decreto no. 21.226, 22.4.1932; M. G. Beatriz, 'A classificação e os preços do algodão-caroço em Moçambique de 1930 a 1962', Gazeta do Agricultor, vol. 14, no. 163, 1962, pp. 356-357. 16. J. Cardoso, 'O comércio de Moçambique: a sua evolução durante os últimos dez anos', BSEM, 9 (1940), pp. 82-222; para uma síntese mais global desta tendência, ver Nogueira da Costa, op.cit., passim. 17. Ibid., p. 16 18. L. Val, 'Railway development and colonial underdevelopment: the Nyasaland case', in R. Palmer e N. Parsons, [coord.], The roots of rural poverty in southern and central Africa, Londres: Heinemann, 1977, pp. 365-395; idem., 'The making of an imperial slum: Nyasaland and its railways, 1895-1935', Journal ofAfrican History, vol. 16, 1(1975), pp. 89-112. 19. Anuário do Ensino, 1930, Lourenço Marques, 1931, pp. 10-11. 20. Idem. O Reforç do Colonialismo Português, 1930-1937 21. Deve-se recordar que, na famosa batalha de Adua, em 1896, o exército etíope repulsou a primeira invasão italiana. A resistência e independência vieram a ser,. desde então, um símbolo da resistência de povos africanos noutros territórios colonizados. [Acrescentada à história do cristianismo na Etiópia, desde antiguidade, Etiópia, e as palavras 'etíope' e 'etiópico' vieram a significar 'independência' ou até, mesmo, *subversão', em relação ao colonialismo, em grandes zonas de Africa. Em particular, as igrejas que se formaram após uma separação de missões europeias na África Austral, a partir da década de 1890, como a de Sicobele e Sousa em Moçambique (capítulo 1), eram geralmente conhecidas como 'Igrejas etiópicas']. No entanto, em 1935, melhor prepandos, os italianos voltaram a invadir, e apesar de uma prolongada resistência etíope, conseguiram ocupar a capital, Adis Abeba, em Maio de 1936, impondo depois o domínio colonial sobre o país. Foi, provavelemente, para encorajar o povo etíope nessa última resistência que os cartazes, no texto referidos, foram feitos. 22. AHM, Administração Civil, Seçcão E, Missões religiosas, Cx. 197, Pinto Correia ao Governador da Província do Niassa, 4.2.1937; Circular Confidencial 12/6, 13.3.1937; Encarregado do Governo da Província do Niassa ao Director dos Serviços de Administração Civil, 20. 8. 1937. 23. AHM, FGG 57, J.B. Casqueiro, Relatório anual do Governo da província do Niassa, 1935-1936, pp. 23-24; AHM, ISANI, Cx. 76, Pinto Correia, 1936-1937, vol. II, pp. 16-18, 278; ibid., Cx. 94, Armando Eduardo Pinto Correia, Relatório e documentos referentes à Inspecção ordinária da província do Niassa, 1938-1940, vol. I, pp. 98-99; AHM, FTO, entrevista com Alfredo Kanchale; Carlos do Amaral Osório, 'Impressões de uma viagem ao norte da Colónia', BSEM, 28 (1935), p. 268. 24. BA, 20.2.1932. 25. AHM, ISANI, Cx. 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, p. 131; para uma reclamação de moçambicanos residentes na Rodésia do Norte (Zâmbia) contra aspectos desta situação, ver AHM, FGG, Cx. 2450, No. 86, J. Figueiredo, Relatório, 1938, 1 parte, pp. 40-42. 26. AHM, ISANI, Cx. 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, pp. 130-131. 27. Ibid., p. 86; Cx 76, Pinto Correia, 1936-1938, passim. 28. Ibid., Cx 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, p. 133. 29. Ibid., pp. 129-130; segundo essa estimativa, a população de Cabo Delgado diminuiu de 387.319 em 1930 para 339.058 em 1934. 30. Ver, por exemplo, Ibid., Cx 76, Pinto Correia, 1936-1938, vol. 1, p.263, vol. 2, p. 267; em Nacala, por exemplo, o número de lojas continuou a diminuir durante a década: das 18 em funcionamento em 1934, só 6 se registaram em 1937, e estas abriram apenas para a comercialização de cajú. 31. Administrador de Montepuez a Director Distrital de Fazenda, Nota 284, 31.5.1934, citado em ibid., Cx 94, Pinto Correia, 1938-1940, vol. 1, p.137. 32. Ibid., Cx 76, Pinto Correia, 1936-1938, vol.1, p. 298. Capítulo 2 33. Ibid., vol. 2, pp. 52, 56. 34. Ibid., vol. 1, p. 320; Cx 94, vol. 1, p. 87. 35. Ver, inter alia, ibid., Cx 76, vol. 1, pp. 320-321, vol. 2, p. 275. 36. Ibid. 37. Ver ibid., pp. 320-321, passim; ibid, Documentos anexos, Parecer, lnspecçao Superior da Administração Colonial (Lisboa), 14.10.1938. 38. AHM, ISANI, Cx. 97, C.H. Jones da Silveira, Relatório e documentos referentes à Inspecção ordinária feita na província do Niassa - 2a parte, 1944: Relatório, p. 45; (F. Monteiro Grilo) Relatório do Chefe dos Serviços de Agricultura, 19401944, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1946, 1 parte, pp. 159-160. 39. A matéria que se segue baseia-se em AHM, ISANI, Cx. 76, Pinto Correia, vol.1, p. 117f; Cx. 95, Jones da Silveira, p. 37 e documentos xxxi-xxxii; AHM, FGG, Cx. 2450, No. 86, J. Figueiredo, Relatório, 1938, 1 parte, pp. 27-39; Paulo Soares, 'O caju e o regime das propriedades no Mossuril entre 1930 e 1950', Arquivo, 4 (1988), pp. 91-104. Os autores agradecem a Paulo Soares o acesso a um resumo da versão original deste artigo, e a sua ajuda na elaboração deste sub-capitulo. 40. AHM, FCM, Relatórios do Director de Agricultura, 1927-1933. 41. Beira News, 30.3.1932. 42. O 19 de Junho (Beira), 25.3.1932. 43. AHM, FCM, Secretaria-Geral, Circunscrição da Beira, Relatório da cobrança do imposto de palhota, 1932. 44. Ibid; Beira News, 23.3.1932. 45. O 19 de Junho, 25.3.1932. 46. Ibid. 47. O Emancipador, 6.6.1932. 48. AHM, FCM, Secretaria-Geral, Cx. 140, Relatório anual da circunscrição da Beira, 1932. 49. Ibid., Cx. 160, Correspondência expedida da Secretaria-Geral para diversas entidades, 5/483, S-G ao Chefe da circunscrição de Mossurize, 4.5.1932. 50. BCM, 17, 1.9.1932, Ordem no. 6478, 25.8.1932. 51. O Emancipador, 11.9.1933. 52. BO 21, 27.5.1933, BO 31, 5.8.1933, Decreto-lei 22.469 (11.4.1933) com alterações em Decreto-lei 22.756 (5.8.1933); A. Sopa, 'Catálogo dos periódicos moçambicanos precedido de uma pequena notícia histórica: 1854-1984', Trabalho de Diploma, Licenciatura em História com especialidade em Documentação, Universidade Eduardo Mondíane, 1985, p. x e n.30. 53. Ibid., pp. 56-57, 92. 54. Tradução conforme R.B.M. Honwana, Memórias: Histórias ouvidas e vividas dos homens e da terra, Maputo, 1985, p. 67. 55. BA, 27.2.1932. 56. BA, 19.3.1932, 25.3.1932, 16.4.1932. O Reforço do Colonialismo Português, 1930-1937 57. BA, 20.2.1932. 58. Ver Karel Pott, 'Um aniversário', A Voz Africana [Beira], 31.12.1936. 59. BO 48, 28.11.1931, p. 501. 60. BCM 22, 16.11.1932, Estatutos do Grémio Africano de Manica e Sofala, 27.10.1932. Deve-se notar que, após 1937, quando a estrutura de organizações corporativas do estado fascista português se tornou extensiva às colónias, as associações até então chamadas 'Grémios' tinham que modificar a sua denominação, de modo a distinguirem-se nitidamente das novas organizações. [BO 21, 26.5. i937, Decreto 27.663, 23.4.1937]. Assim, por exemplo, o Grémio Africano de Manica e Sofala veio a ser chamado 'O Centro Africano da Beira'; o Grémio Luso-Africano de Moçambique passou a ser a 'Liga Luso-Africana de Moçambique', e o Grémio Africano de Lourenço Marques a 'Associação Africana'. 61. 'Um aniversário', A Voz Africana, 31.12.1936, (a testemunha pessoal de Karel Pott) 62. Os parágrafos seguintes baseiam-se em: J. Moreira, 'O dividido movimento associativo moçambicano', Maputo: UEM/DH, s.d. (mimeo); AfiM, Cód. 116260-116263, Livro das Actas da Assembleia Geral do Instituto Negrófilo; Honwana (1985), pp. 64-65. 63. Ver cap. 1, pontos 4.3, 4.4. 64. BO 11, 12.3.1932, Portaria 1617, 12.3.1932: Estatutos do Instituto Negrófilo. 65. BA, 21.5.1932; O Brado Africano acrescenta ainda que Dulela gozava "... de uma grande influência na África do Sul, onde conta com a amizade íntima com o grande caudilho negro Khadalie"; Secretário-Geral do Sindicato Geral dos Trabalhadores de Indústria e Comércio. Este sindicato (a 'Industrial and Commercial Workers Union of Africa', ou ICU), representava a primeira fase de sindicalização negra sul africana. Na década de 1920, mobilizou cerca de 100.000 trabalhadores negros, nas zonas urbanas e rurais, através de uma propaganda política militante; veio a ser destruído devido à repressão governamental, contradições internas sobre os seus objectivos e ao desemprego durante a crise mundial, 1929-1933; ver UEM/DH, Manual de História, lOa classe, Maputo: Ministério de Educação e Cultura, 1980, p.55; R. Davies, D. O'Meara e Sipho DIamini, The strugglefor South Africa, Londres: Zed Books, 1984, vol.1, p. 16. 66. J.K. Rennie, 'Colonialism and the origin of nationalism among the Ndau of Southern Rhodesia, 1890-1935', Tese de Doutoramento, Universidade de Northwestern (EUA), 1973, pp. 379-419; SR II, 63-67; Moreira (s.d.): 39-40; para Kamba Simango, ver M. de Andrade, 'Proto-nacionalismo em Moçambique. Um estudo de caso: Kamba Simango [c.1890-19671', Arquivo, 6 (1989), pp. 127-147. 67. AHM, FCM, Secretaria Geral, Cx. 866, Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala, Acta da Reunião preparatória para a fundação na Beira do Grémio Negrófilo de Manica e Sofala, 19.11.1934; BCM 8, 16.4.1935, p. 168, Alvará pela qual são Capítulo 2 aprovados os estatutos da associação de recreio e instrução denominada 'Grémio Negr6filo de Manica e Sofala', 7.3.1935; SR 1I, 68-69; Moreira (s.d.): 39-40. 68. AHM, c6d.116260-116263, Livro das Actas do Instituto Negrófido. 69. BA, 18.4.1936. 70. Honwana, op. cit., p. 64. 71. Idem. Como escreveu o são-tomense Jorge Netto, um colaborador regular do jornal, referindo à divisão do movimento associativo, "(a) desunião em Moçambique é a queda desastrosa da formação das elites..."; ver BA, 12.5.1934. 72. BA, 3.11.1934. 73. Ver F. Mendonça, 'Rui de Noronha. António Rui de Noronha, Lourenço Marques 28.10.1909-25.12.1943', Domingo [Maputo], 4.1.1987. 74. Ver, por exemplo, BA, 2.4.1932, 30.5.1936. 75. Ver BO 4, 24.1.1934, Portaria 2179, que concedeu o pagamento de 2% dos proventos do imposto da palhota aos régulos; José Cantine, 'A acção do malogrado régulo Machatine', BA, 24.12.1936. 76. BA, 20.4.1935; ver, também, cap. 1, ponto 4.. 77. BA, 3.8.1935. 78. Ver, por exemplo, 'Frente Unica' por Francisco Veloso da Rocha, BA, 13.3.1937; para uma análise sociológica do discurso protonacionalista antes da I Guerra Mundial, ver M. de Andrade, 'As ordens do discurso do "Clamor Africano": continuidade e ruptura na ideologia do nacionalismo unitário', Estudos Moçambicanos, 7 (1990), pp. 10-17. 79. Ver BA, 7.3.1936. 80. BA, 21.3 1936. 81. BA, 16.5.1936. 82. BA, 13.6.1936; para os receios de uma redivisão das colónias portuguesas, ver também BA, 20.4.1935, 8.8.1936, 5.9.1936. 83. BA, 19.6.1937; ver também BA, 18.4.1936. 84. BO 41, 14.10.1936, Decreto-lei 27.003 de 14.9.1936, extensivo ao 'ultramar' pela Portaria Ministerial 8530, de 29.9.1936. 85. Para o ambiente criado por esta lei, ver, por exemplo, O Emancipador, 14.6.1937; Honwana (1985): 72. 86. BO 32, 12.8.1936, Portaria 2833; BO 30, 28.7.1937 87. Ver, por exemplo, 'O Estado Novo é a nossa Pátria renascida', BA, 15.5. 1937; 'Urge integrar a mocidade das colónias nas ideias nacionalistas do Estado Novo', BA, 5.6.1937. Capítulo 3: A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 1 Introdução: Características gerais do período 1938-1944 1.1 A procura renovada de matéria-primas Em 1938, o estado português começou a desenvolver métodos novos e mais eficazes para o aumento da produção de algodão nas colónias. Se bem que a produção em Moçambique tivesse aumentado, entre 1931 e 1937, isso representava apenas cerca de 20 por cento das necessidades da indústria têxtil portuguesa (capítulo anterior). Com a crescente procura mundial, o preço do algodão no mercado internacional aumentou. Foi nesta altura que a indústria têxtil portuguesa recebeu um grande estímulo para o seu desenvolvimento através do acesso ao mercado têxtil em Espanha, cujas fábricas diminuíram a produção durante a prolongada guerra civil que atingiu esse país europeu (1936-1939). Pressionado pelos proprietários da indústria têxtil, o governo de Salazar alterou o antigo sistema de prémios financeiros e criou instrumentos administrativos capazes de fomentar, directa e mais eficazmente, a cultura e comercialização do algodão. O objectivo era garantir a auto-suficiência em algodão, a preços baixos, dentro do chamado 'Império Português'. Capítulo 3 O governo português, através de legislação para o efeito, passou a poder controlar, a partir de Lisboa, todos os aspectos da produção e comercialização do algodão nas colónias. Criou-se, em 1938, a Junta de Exportação de Algodão Colonial (JEAC), com sede em Lisboa. Através desta organismo, o governo pretendeu estabelecer um maior controle sobre as companhias concessionárias em Moçambique. O sistema de produção camponesa mantinha-se, e as companhias obrigaram-se a desenvolver, mais activamente, a cultura do algodão em concessões alargadas. Toda a exportação tinha de ser aprovada pela JEAC, sob pena de perda das suas concessões [1]. Para além da crescente procura do algodão, a II Guerra Mundial, que durou de Setembro de 1939 até Setembro de 1945, e que envolveu todos os países industrializados, provocou graves perturbações no comércio mundial de matériasprimas, tendo naturalmente afectado a economia de Moçambique, país fornecedor desses recursos. Desenvolveu-se uma guerra marítima de grande envergadura, em que cada beligerante procurou estabelecer o controlo exclusivo sobre as rotas do comércio, assegurando dessa forma, o fornecimento de matérias-primas para garantir o aumento da sua produção industrial bélica. Por outro lado, cada um dos blocos em conflito pretendia impedir, ao seu oponente, o acesso às fontes dessas matérias-primas, como forma de enfraquecer a respectiva indústna. As enormes perdas de recursos provocadas pela guerra (por exemplo, navios carregados afundados) e a produção industrial elevada tiveram como resultado a elevação dos preços das matérias-primas. A GrãBretanha, em especial, pagava altos preços pelas suas importações de produtos alimentares. A deslocação do comércio marítimo e dos mercados mundiais reforçou a estratégia da burgúesia portuguesa em se abastecer, na medida do possível, de matérias-primas das suas próprias colónias, incluindo o algodão. Além disso, Portugal, aproveitando a crescente procura internacional de matérias-primas, foi grande fornecedor de produtos das suas colónias aos blocos beligerantes. Portugal utilizou a sua neutralidade de modo bastante lucrativo e em benefício da sua própria acumulação. Os dirigentes colonialistas portugueses apresentaram a guerra como um 'flagelo necessário', a suportar por todas as partes da 'Nação'. Era a 'economia de guerra', de A Reestruturaçao da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 1939 a 1945, que se podia resumir no seguinte: i) um processo de acumulação maciço de capital, centralizado, pelos mecanismos do estado corporativo, na grande burguesia industrial e bancária portuguesa com as suas ramificações coloniais; ii) um processo de acumulação assente na sobre exploração dos trabalhadores e no saque colonial. A não participação na Guerra e a posição ambígua face aos blocos em conflito, irá permitir o reforço da posição de Portugal a nível do comércio externo, com base no aproveitamento das matérias-primas de Moçambique e das outras colónias. 1.2 Capital português e, reorganização da administração colonial As circunstâncias da guerra facilitaram também a crescente substituição do capital não português em Moçambique por capital português que, após dez anos da política económica de Salazar, já tinha atingido um certo nível de acumulação. No fim da década de 30, a burguesia portuguesa procurou colocação segura, garantida pelo estado, para os seus capitais e investimentos. O exemplo mais evidente deste processo foi a transformação da Société Colonial Luso-Luxembourgeoise, antiga concessionária de algodão no norte de Moçambique. Depois da ocupação do Luxemburgo pela Alemanha, o ministro português das colónias julgou conveniente encorajar capitalistas portugueses a pagar 50 milhões de escudos aos antigos proprietários pela sua parte na companhia [2]. Em 1942, esta sociedade foi absorvida pela Companhia dos Algodões de Moçambique que, recém-constituída com capitais portugueses e detendo o monopólio da produção algodoeira de Nampula e de vastas regiões de Cabo Delgado, Niassa e Zambézia, se tornou, de longe, na maior companhia de algodão em Moçambique. Em 1943, o governo português legislou sobre a actividade de capitais estrangeiras em Portugal e nas suas colónias. Foi então promulgada a Lei de Nacionalização de Capitais, a qual explicitava que a exploração de serviços publicos, actividades em regime exclusivo ou quaisquer outras de interesse fundamental para a defesa do estado ou para a economia, só seria permitida a empresas portuguesas. A lei especificava que empresas Capítulo 3 portuguesas eram todas aquelas em que pelo menos 60 por cento do capital fosse pertença de portugueses. A legislação do 'nacionalismo económico', não impediu, contudo, totalmente, a penetração de capitais não-portugueses, mas facilitou a aquisição e o controle de empresas e actividades na estrutura industrial, a empresários e grupos capitalistas portugueses, inclusivamente colonos. Como foi referido, a política de integração administrativa do espaço colonial tinha já sido adoptada antes de 1930. Quando terminou a concessão majestática da Companhia de Moçambique em 1942, o estado colonial português tomou a seu cargo a administração das províncias de Manica e Sofala, passando a maioria dos funcionários da companhia cessante para o novo quadro administrativo. Também, nesta zona, o período favoreceu a expansão de capitais portugueses. Segundo o testemunho de um Inspector do Estado português, a Companhia Colonial do Búzi, com capitais portugueses, foi considerada como uma companhia verdadeiramente portuguesa, tendo expandido as suas actividades no sector agro-industrial. Por outro lado, a Companhia de Moçambique, transformada então numa companhia privada, fechou as suas minas em Macequece e Inchope, e propôs-se a vender quase todas as suas fazendas[3]. 1.3 0 poder reforçado do Governador-Geral Em 1940, chegou a Moçambique um novo Governador-Geral: José Tristão de Bettencourt. Homem da máxima confiança nos círculos dirigentes portugueses, Bettencourt teve o papel de dinamizar o aparelho de Estado colonial no sentido de coordenar, de uma maneira mais rigorosa do que anteriormente, a produção nas zonas rurais de Moçambique, para que a burguesia portuguesa aproveitasse plenamente as circunstâncias da Guerra. Como veremos neste capítulo, começou também com ele a introdução das instituições fascistas no país, e a implementação do acordo entre o Vaticano e o governo português para a promoção da Igreja Católica nas colónias. Na concretização dessas linhas gerais da política colonial, Bettencourt soube tirar proveito da situação de guerra. De facto, com os grandes países industriais em guerra, foi consideravelmente reduzida a possibilidade de críticas internacionais ao colonialismo português, nomeadamente em matéria de política laboral. O próprio Bettencourt confirmava em A Reestruturaçâo da Sodedade Moçambicana, 1938-1944 8. Tomada de posse do Governador-Geral colonial, J. T. Bettencourt, 20.3.1940. 9. Saudação fascista do Ministro das Colónias, frente à Mocidade Portuguesa, Lourenço Marques, 1942, na presença de Bettencourt e o Cardeal Gouveia. Capítulo 3 1944, ap6s uma intensificação da produção rural através de métodos violentos: "No momento actual, em que as grandes nações estão preocupadas com os problemas de guerra, é natural que passe sem comentário, qualquer arbitrariedade por nós praticada em relação ao sistema do trabalho imposto por acordos internacionais" [4]. Foi, por isso, possível a intensificação da exploração, acompanhada, em geral, por todo o género de arbitrariedades, ao mesmo tempo que o bloqueio informativo imposto impediu que a resistência da população encontrasse ou recebesse qualquer apoio internacional. 2. As culturas forçadas 2.1 Generalização do cultivo do algodão Os decretos e regulamentos de 1938 tinham já definido muito claramente as condições segundo as quais as companhias concessionárias podiam actuar se pretendessem manter as suas licenças. Estas novas disposições não faziam referência aos meios pelos quais o algodão se devia tornar a 10. Apesar de ser una cultura obrigatória, em alguns lugares favorecidos, particularmente na década de 1950, o algodão tornou-se mais rentável. _ -~ - 1 ,,,-4 A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 11. Mercado de Nametil, Nampula. Os baixos preços e vigarices praticados nos mercados de algodão provocaram a constante resistência dos produtores. principal cultura na área da concessão, e como os camponeses deviam ser obrigados a cultivar, prioritariamente, essa planta. De facto, a partir de 1938, o cultivo do algodão, nas concessões reorganizadas, iniciou uma longa luta entre os produtores camponeses por um lado, e as companhias e administradores por outro, que decorreu numa primeira fase até 1942, e durante a qual foram elaborados, passo a passo, os mecanismos de um sistema de cultura forçada. De início, em 1939, a JEAC tentou promover o aumento da cultura do algodão através da propaganda e da persuasão. Em reuniões nos regulados escolhidos para a promoção da cultura, os administradores, chefes de posto, agentes da Junta e missionários propagandearam que o cultivo do algodão seria um grande benefício para o povo, e este aproveitaria do dinheiro da produção e de roupas baratas, de algodão, que seriam produzidas e vendidas localmente. Além disso, partindo do princípio de que esta era uma cultura que aumentaria o bem estar material do campesinato, ela devia ser efectuada nos melhores solos e ocupar a maior parte do tempo de trabalho do camponês. No primeiro ano, os camponeses que não tinham experiência do algodão aceitaram os argumentos que lhes foram expostos, e começaram a experimentar a nova cultura quando as sementes foram distribuídas. Mas, algumas das desvantagens para os produtores da cultura Capítulo 3 12. Descaroçamento de algodão, Buzi, Sofala; apesar das más condições, trdbalho nas fábricas contribuiu para a formação do assalariado rural. algodoeira cedo se tornaram visíveis logo após o início do cultivo. A não ser quando cultivado em solos particularmente apropriados, tais como alguns existentes em Cabo Delgado, Nampula, norte da Zambézia, norte de Manica e Sofala (Chemba), o rendimento por hectare era baixo. Mesmo o preço então oferecido pelos compradores era mais baixo do que aquele praticado em 1937. Enquanto o rendimento proveniente do algodão obtido pelo cultivador, em zonas geograficamente favorecidas, atingia os 140 escudos, noutras zonas era apenas de 5 a 8 escudos. Em 1939, o rendimento médio para todo o país era de cerca de 85 escudos por cultivador. Isto era uma fraca recompensa para uma cultura como o algodão, que requera uma constante atenção - normalmente cerca de 150 dias de trabalho em cada época. Além disso, os produtores só podiam vender o algodão a uma companhia concessionária. Impedidos de levar a sua produção a outros locais, estavam sujeitos às práticas fraudulentas dos oficiais da Companhia. Essas práticas iam desde a pesagem viciada à classificação de A Reestruturaçdo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 qualidade inferior do produto, justificando, assim, a aplicação de preços mais baixos. 2.2. Generalização da cultura obrigatória Em reacção à crescente resistência à cultura do algodão em vastas áreas, as Companhias e o Estado colonial começaram a desenvolver os seus métodos para forçar o cultivo, quaisquer que fossem as condições dos solos. Os meios de intimidação utilizados incluíam os sipaios, agentes da administração colonial, cuja função era geralmente acompanhar os recrutadores de mão-de-obra forçada. Do ponto de vista do administrador, este era o melhor modo de assegurar que os camponeses tivessem o suficiente para pagar o imposto. Além disso, os decretos de 1937 e 1938 reforçaram os poderes dos administradores, providenciando que pudessem impor sanções contra aqueles que infringiam os regulamentos locais sobre a promoção do algodão. Entretanto, em 1939140, não tendo o Estado colonial deixado outra alternativa às companhias concessionárias que não fosse assegurarem a produção do algodão ou desistirem das suas concessões, elas pressionaram os seus representantes locais a terem uma acção mais directa do que até então. Por exemplo, em 1940, o director local da concessão da Mutarara, da Companhia da Zambézia, foi instruído a: i) ter uma cópia do censo populacional e assegurar que qualquer homem, mulher ou criança (rapaz ou rapariga) estivesse provido de sementes; ii) que cada pessoa devia ter meio hectare de terra preparada até Novembro e outro meio hectare até Dezembro; iii) que o algodão devia ser plantado antes de qualquer cultura alimentar; iv) que todo aquele que não cumprisse devia ser enviado à administração para ser punido, o que, conforme foi dito ao director, não seria necessário se a vigilância fosse feita como devia ser [5]. Em 1940, ap6s a chegada do Governador-Geral Bettencourt, o próprio Estado colonial começou a adoptar uma polftiça muito mais eficaz em relação à promoção da cultura do algodão. Segundo BettenCapítulo 3 court, a maior parte dos governos provinciais contentava-se até então em deixar 'completemente livre para ociosidade o indígena que tivesse satisfeito a sua obrigação de contribuinte' (do imposto). De facto, em 1940-41, nem todos os governadores provinciais e administradores estavam de acordo com a extensão das obrigações dos camponeses através da repressão sistemática na produção familiar. Para assegurar que as necessidades da burguesia portuguesa fossem assumidas e que consequentes acções fossem levadas a cabo nas províncias, Bettencourt decidiu nomear novos administradores, apoiantes da política económica do Estado português, para que promovessem a intensificação do uso da força no desenvolvimento da produção algodoeira. Em 1941, com o fim de melhor controlar as várias fases do cultivo, os Governadores das províncias passaram a emitir ordens de serviço que permitiam às companhias concessionárias empregar capatazes na promoção do cultivo do algodão, nas respectivas áreas. Eles deveriam ficar formalmente sob o controlo dos sipaios dos administradores. A partir de então, pancada, torturas, abuso sexual e prisões arbitrrias, feitas por sipaios e capatazes, tornaram-se métodos comuns para promover a produção de algodão nas machambas familiares. Estes meios de repressão sobre o campesinato no processD de produção não eram, de forma nenhuma, novos, pois já tinham sido usados por agentes das companhias e por alguns administradores na década anterior. Alargaram-se, neste período, a quase todo o país, como parte integrante de uma acção sistemática, levada a cabo pelas autcridades coloniais, para garantir a maior participação possível na cultura de algodão. Desta forma, o número de produtores cresceu rapidamente: em 19431944, ý.tingiu os 791.000, ou seja cerca de 30% da populaçio moçambicana em idade activa. A produtividade era extremamente baixa: uma média de 85 quilos de algodão caroço por produtor por ano, e um rendimento de menos de 1 escudo por quilo, no período 1941-1944 [6]. Do ponto de vista da burguesia portuguesa, a expansão do uso de tais métodos violentos de compulsão obtiveram o efeito desejado. Em 1941, a produção do algodão excedeu a de 1939, o primeiro ano da propaganda generalizada. Então, em 1942, os jornais de Lisboa orgulhavam-se ao anunciar que a produção do algodão colonial passara a cobrir mais de 90 por cento das necessidades portuguesas, comparada com os 40 por cento dos dois anos anteriores, sendo a maior parte produção moçambicana. A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 2.3 0 cultivo forçado de arroz Para além do reforço da política já estabelecida para a cultura de algodão, as circunstâncias da II Guerra Mundial exigiram uma nova política para a cultura de arroz. Na década 1929-1939, a produção e comercialização de arroz em Moçambique diminuiu, tornando-se mais barato importar arroz a granel do sudeste asiático (via Singapura). Esta importação atingiu cerca de 11.000 toneladas em 1939 [7]. No entanto, a redução significativa da navegação comercial e o desenrolar dos acontecimentos políticos no sudeste asiático, nomeadamente a expansão do Japão e a queda de Singapura em seu favor, provocaram a interrupção no fornecimento do arroz. Em resposta a esta última situação, e para promover a autosuficiência em arroz, o governo colonial decidiu introduzir a produção obrigat6ria do arroz. Círculos orizicolas foram constituídos e os europeus responsáveis pela compra, descasque e comercialização, passaram a ser supervisionados pela Divisão do Fomento Orizícola, criada em 1942, e que tinha poderes semelhantes aos da Junta de Exportação de Algodão Colonial. De facto, a cultura forçada de arroz baseava-se, desde o seu começo, no modelo da cultura do algodão. Ela baseava-se também na pressão exercida pelos administradores, cipaios e capatazes. Os concessionários deviam distribuir as sementes, fertilizantes e sacos, tendo cada homem que cultivar um hectare e cada mulher meio-hectare. O arroz devia ser vendido pelo camponês apenas ao concessionario, a um preço baixo, fixado pelo governo. O concessionário processava e revendia o produto, enriquecendo-se, dessa forma, em todo o processo de comercialização. 3. A intensificação da exploração do trabalho 3.1 A crise de mão-de-obra rural O rápido avanço do cultivo de algodão e de arroz (1939-1942) provocou uma crise no fornecimento de mão-de-obra para outros sectores da economia colonial de Moçambique, patticularmente a norte do Zambeze. Com vista a apreciar a extensão desta crise e o significado das medidas tomadas para a resolver, é necessário examinar a interligação de todas as culturas do ponto de vista do processo de trabalho [8]. Como vimos nos capítulos anteriores, açúcar, chá, copra e sisal eram extensas culturas de plantação que normalmente precisavam de um Capítulo 3 13. Paisagem da cultura da Chá, Gurué, Zambézia. 14. Para a colheita e processamento, as plantações de chá requeriam grande número de trabalhadores sazonais. A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 grande número de trabalhadores com contratos curtos, de quatro a oito meses, durante a época de colheita e de transformação. Tendo a II Guerra Mundial despertado a procura de todas estas matérias-primas, os proprietários das plantações começaram, simultaneamente, a dinamizar a produção, necessitando, por isso, de urgentes e maiores fornecimentos de mão-de-obra. Essa procura foi acentuada pela política de culturas obrigatórias: a produção forçada do algodão e do arroz levou a que muitos homens, nas zonas em que a venda de tais produtos era suficiente para pagar o imposto, deixassem de ter interesse em serem trabalhadores sazonais nas plantações. Na verdade, em áreas de solos apropriados e havendo boas condições climatéricas, o cultivo de algodão podia ser mais lucrativo do que o trabalho na plantação. 3.2 Actuação do governo colonial face à crise de mão-de-obra Em reposta às crescentes queixas dos proprietários das plantações, que desejavam apropriar-se dos lucros rápidos que se podiam obter com os preços práticados durante a guerra, o Governador-Geral visitou as províncias do Norte para apreciar a extensão da crise. Na Zambézia, província mais afectada, o governo reuniu pela primeira vez os dados populacionais de cada administração. A não ser algumas excepções, cada uma mostrava ter um grande número de homens que podia integrar-se no trabalho sazonal, mas que, por falta de 'incentivo', não o faziam. Para toda a província, o total de homens disponíveis era adicionado de mais 40 mil homens, número suficiente para resolver a crise de mão-de-obra nas plantações. Com tais informações, Bettencourt optou por uma solução administrativa para obstar a falta de 'incentivo' para o trabalho nas plantações. Com base, unicamente, nos seus poderes de Governador-Geral, emitiu a circular 818/D7 de 7 de Outubro de 1942, que foi enviada aos Governadores provinciais. Esta circular informava que não era suficiente a população rural pagar o imposto e a 'contribuição braçal' nas obras públicas (teoricamente apenas 5 dias por ano para aqueles que pagassem o imposto). Determinou que, a partir de então, cada homem devia provar ao administrador ou chefe de posto que ganhava dinheiro através de um emprego ou através da venda de produtos agrícolas. As autoridades deviam registar esta informação, em folhas de registo especiais e Capítulo 3 15. Carregamento da cana de açucar, lncomat, 1944. na caderneta de identificação, que cada homem devia 'possuir [9]. Na prática, os homens que não eram agricultores de vulto, e que não podiam provar o seu trabalho por conta de outrem, eram considerados 'vadios', e podiam ser capturados pelo administrador ou chefe de posto. Concentrados nas sedes e postos, eram recrutados pelas plantações e outras entidades. Na ideologia colonial, este acto de recrutamento representava a chamada 'livre escolha' de emprego estipulada na lei. Legislação complementar a Circular 818/D7 introduziu novos regulamentos de identificação da população negra, estipulando novos deveres para o administrador e os patrões no sentido destes fornecer informações completas sobre todos os trabalhadores. Estas informações, acrescentadas às que cada régulo tinha de fornecer, obrigatoriamente, à administração local sobre cada homem de mais de 16 anos de idade no seu regulado, constituíram a base de um sistema de controlo muito rigoroso sobre o trabalho e as deslocações da população em geral [10]. Uma outra cláusula da Circular deu poderes aos governadores para decidirem sobre a área considerada suficiente para cultivo a atribuir aos camponeses que tivessem preferido permanecer nas suas terras, produzindo culturas de rendimento. Deste modo, nas melhores áreas para algodão e arroz, os camponeses podiam evitar o trabalho obrigatório, se A Reestruturaçao da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 fossem registados como seus produtores. Por outro lado, devido ao seu baixo rendimento na maior parte das concessões, foram cada vez mais as mulheres os únicos produtores a serem registados. Nas áreas consideradas improdutivas para o algodão e arroz, não havia, praticamente, escolha para o camponês, a não ser oferecer a sua força de trabalho, pois que estas eram, geralmente, as zonas menos férteis, ou menos beneficiadas com estradas, que lhes possibilitassem comercializar outras culturas. Com o 'incentivo' estabelecido a nível de regulamento, começou a sua implementação. Apesar da carência de cadernetas, já no fim de 1942, os administradores distritais conseguiram impor o novo sistema de controlo, de maneira a acabar de vez com a falta de mão-de-obra. Como apontou com orgulho o próprio Bettencourt, tinham-se acabado as queixas dos proprietarios incomodados [11]. No entanto, devemos notar que o controlo rigoroso, assim reforçado sobre o trabalho de cada moçambicano, através de cadernetas e registos, ainda não era o mais completo possível. Como veremos nos próximos capítulos, no período do p6s-guerra, verificou-se uma extensão e intensificação deste sistema. 3.3 A reorganização dos impostos Simultaneamente com a Circular 818/D7 e o novo regulamento de identificação, o governo colonial de Bettencourt procedeu, em 1942, a reorganização do sistema de impostos aplicáveis à população negra. Como base deste sistema, estabeleceu-se que o imposto de palhota, já em declínio na década anterior, devia ser substituído definitivamente pelo imposto de capitação. Isto significou que, com a ajuda das novas regras de identificação, todos os negros, incluindo as mulheres, tinham de ser colectados segundo critérios uniformes em toda a colónia. As mulheres pagavam, em geral, o chamado 'imposto reduzido'. Este novo imposto também se aplicava aos homens inválidos [12]. Como resultado desta reorganização, o rendimento do imposto aumentou rapidamente. Na Zambézia, por exemplo, em 1943, a cobrança teve um aumento de 2 mil contos sobre o ano anterior [13]. Nota-se que, através deste mecanismo, o governo colonial não só incrementou o seu rendimento geral, como também incentivou a família camponesa a trabalhar nas culturas obrigatórias e nas plantações. Capítulo 3 3.4 Reforço dos auxiliares administrativos: régulos e sipaios Uma outra política, dinamizada por Bettencourt, na reorganização da força de trabalho rural, dizia respeito aos poderes dos régulos. Uma cláusula da circular 818/D7 deu aos régulos, quando fossem encarregados nesse sentido pelos administradores e chefes de posto, o papel de reunir aqueles que não tivessem cumprido integralmente as suas obrigações, a fim de serem distribuídos pelas empresas que precisavam de mão-de-obra. Contudo, segundo Bettencourt, a divisão dos chefados tradicionais tinha sido demasiado grande, nos decénios que se seguiram a conquista colonial, e o poder da maioria dos chefes ficara reduzido a tal ponto, que eles eram mais símbolos de decadência do que de autoridade. Tinham muito poucos súbditos, embora guardando alguns privilégios. S&" os régulos deviam exercer um papel mais activo na nova perspectiva de exploração colonial, então, tinham de ser escolhidos mais cuidadosamente dentro da linhagem tradicional reinante (dominante) do regulado, e reduzido o seu número. Desta maneira, o Governador-Geral queria 16. Régulos com os seus bastões de comando juntam-se para prestar homenagem ao Presidente português Carmona, Quelimane, 1939. A Reestruturaçâo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 reforçar a posição dos régulos e da ideologia local, de forma a desempenharem, o melhor possível, as suas novas obrigações, trabalhando a par com a administração portuguesa na organização da produção e na identificação administrativa da população [14]. Os primeiros passos foram dados em 1942, tentando-se associar esta reabilitação às campanhas de propaganda de algodão, e à cobrança revigorada dos impostos. Na Zambézia, por exemplo, cada chefe que apoiasse a campanha obteria uma casa, construída as vezes de alvenaria e com depósito de água, à custa da administração e das companhias concessionárias. Segundo o Governador, esta acção era da maior importância, pois servia de exemplo para os outros chefes, mostrando os benefícios concretos de colaboração com o Estado colonial. No final de 1943, 49 destas casas tinham sido construídas na Zambézia, por um custo superior a 100 mil escudos [15]. Em 1944, o regime colonial completou uma reorganização profunda de toda a política referente aos 'auxiliares' da administração civil, nomeadamente os sipaios, intérpretes e régulos. O regulamento promulgado detalhava exaustivamente os deveres dos régulos, chefes de grupos de povoações e chefes de povoações, preconizando o seu papel fundamental como "executores" da "intervenção superior portuguesa" [16]. Desta reorganização, nos anos seguintes, tiravam alguns régulos proventos consideráveis, como: percentagem do imposto de capitação, prestações de serviços dos camponeses nas suas próprias machambas de algodão e outras culturas, multas aos infractores das leis coloniais e tradicionais, pagamento de tributos em dinheiro, aquando de cerimónias e ritos, ete. 3.5 Reforço do controle sobre trabalho em Lourenço Marques e Beira As medidas implementadas nas zonas rurais, que resultaram num afluxo de pessoas para as cidades, fugindo ao trabalho e culturas forçadas, foram complementadas por outras que intensificaram o controle sobre os trabalhadores, em Lourenço Marques e Beira. Com o objectivo de reprimir a força de trabalho permanente e migrante, de limitar a presença de negros 'desnecessários' nas cidades, e de evitar concorrência de salários entre os patrões, em 1944, o governo colonial promulgou um novo Regulamento dos Serviçais Indígenas. Esta medida codificou e tornou mais rigorosa a fiscalização de contratos, Capítulo 3 permanência e comportamento dos trabalhadores das duas cidades. O mecanismo principal dessa repressão, como anteriormente, era o Comissariado da Polícia, que mantinha um registo de todos os trabalhadores negros na cidade, e que concedia, e controlava cada ano, o livrete de serviço que cada trabalhador tinha que levar consigo [17], além da sua caderneta de identificação. Um aspecto essencial do sistema era a constante fiscalização da documentação pessoal dos negros, nas ruas ou nas rusgas nocturnas. Ap6s a sua chegada a cidade, o trabalhador negro tinha que se apresentar a administração, que averbava na sua caderneta a autorização de permanência de 10 dias. Neste período, tinha que encontrar serviço, inscrever-se no registo, e, assim, obter o seu livrete, sem o qual estava sujeito a ser preso como vadio e a ser entregue a uma brigada de trabalho forçado nas obras públicas. O novo rigor do sistema assentava na regulamentação dos deveres dos trabalhadores em relação aos patrões, e na extensão das penalidades já estabelecidas para infracções administrativas (falta de inscrição no registo, por exemplo). A partir dessa altura, foram especificamente autorizadas penalidades, severas, sobre os trabalhadores para os mais ligeiros actos de desleixo, desrespeito e indisciplina. Para além de espancamentos, as infracções eram punidas com a pena de 15 a 120 dias de trabalho correcional, nas obras públicas. Infracções mais severas eram, por exemplo, insubordinação perante agentes da polícia. Isto resultava no trabalhador ser julgado "elemento indesejável ou perigoso para a ordem e segurança pública", e levavam a penalidade de desterro, até ao máximo de seis anos, para o seu distrito de origem, ou mesmo, para uma outra província. Em contraste, o patrão que não pagasse o salário, ou que maltratasse o trabalhador, pagava, apenas, uma multa de 50 a 300 escudos. 3.6 0 novo sistema de sindicatos fascistas Na mesma altura, o governo colonial preparou-se para a repressão mais completa dos trabalhadores permanentes no comércio, indústria e outros serviços. Iniciou-se, neste período, a criação de sindicatos corporativos que tinham o objectivo de organizar, de forma controlada, todas as actividades sindicais dos trabalhadores brancos, separando-os claramente dos trabalhadores negros. Estava legislado que os novos sindicatos subordinavam as suas activi100 A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 dades aos interesses da 'Nação' portuguesa. Os seus dirigentes eram nomeados pelo Ministro das Colónias em Lisboa, e segundo o estipulado na lei: "o sindicato reconhece que constitui um factor de cooperação activa como todos os factores da economia nacional e por conseguinte, repudia a luta de classes, propondo-se a obter satisfação num espírito de harmonia e paz social" [18]. Em 1943, seria criado o primeiro sindicato corporativo em Moçambique [19]. A 22 de Junho, a Associação dos Empregados do Comércio e da Indústria transformou-se no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria (SNECI) [20]. Em 1944, um novo sindicato corporativo foi criado: o Sindicato Nacional dos Motoristas e Ferroviários de Moçambique [21]. Outros serão criados nos períodos seguintes. Assim, os sindicatos corporativos eram estruturas de integração dos trabalhadores, no aparelho de Estado colonial. Actuavam no sentido do enquadramento dos trabalhadores brancos no sistema, e tinham, simultaneamente, um papel da acção social de assistência, uma espécie de mutualismo sócio-profissional. Estreitamente controlados, não representavam grande perigo para a administração colonial. Um conjunto de medidas legais impediam, eficazmente, a criação duma burocracia político-sindical, que defendesse os seus próprios interesses. Por outro lado, tinham, internamente, uma acção de controle, através dos seus registos sindicais, onde estava o cadastro de cada trabalhador, inclusivamente o seu comportamento. Como a legislação sobre os sindicatos exêluiu, especificamente, os trabalhadores negros, a sua sindicalização foi efectivamente interdita. Por esta razão, as regulamentações relativas a salários e outras vantagens destinadas aos trabalhadores sindicalizados, não abrangiam os,trabalhadores negros [22]. Isto representava, para os empregadores, a possibilidade de, sempre que lhes interessasse, empregarem trabalhadores negros qualificados, mas com salários inferiores. 4. A estrutura de produção e as suas consequências 4.1 Produção e rendimento nas zonas rurais A subida de produção agrícola, resultante das medidas mencionadas foi, do ponto de vista do colonialismo, um êxito notável. A intlu-nti letívi 101 102 Cap(tulo 3 Quadro 5: 0 volume das .íncipais exportações de Moçambique, 1939-1944 Contos 1939 1942 1944 L Algodao -Caju Acucar IZI] Sisal LCopra Amendoim dade do Estado em promover o cultivo do algodão em 1939-1942 teve como resultado que o algodão constituísse cerca de 42 por cento do valor total das culturas exportadas em 1942. Depois disso, e em seguida à famosa Circular 818/D7, em benefício das culturas de plantação, estas aumentaram a sua produção e, assim, o algodão decresceu um pouco, na sua importância relativa, mas continuou a ser, de longe, a exportação de maior volume. Da análise dos Quadros 5 e 6, se verifica que, enquanto a tonelagem absoluta dos produtos exportados aumentou, os preços desses produtos, excluindo o do algodão, aumentaram muito mais [23]. Por estas razões, o valor total das exportações agrícolas triplicou entre 1940 e 1944 [24]. 4.2 Diferenciação regional É de realçar a existência de importantes diferenças regionais. Por exemplo, em relação ao algodão, nos anos 1941-1944, oitenta por cento da produção vinha das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Zambézia, onde se encon200 150 100 50 o 200 150 10e 50 o A Reestrrturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 Quadro 6: O valor das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 Mil toneladas 1939 1942 1944 E Algodao [ Caju Acucar Sisal Copra Amendoim travam 78 por cento dos produtores. Cerca de 48 por cento do total provinha de Nampula, cujos produtores receberam uma média de 105 escudos, isto é, menos de 1 escudo por dia de trabalho. Na província de Nampula, cerca de 40 por cento do algodão foi produzido nas circunscrições de Mogovolas e Eráti. Estas zonas, tradicionalmente locais de concentrações de população afastadas das propriedades do litoral, tinham sido declaradas 'reservas indígenas', na década de 20, em parte para impedir a alienação de terras aos colonos e, assim, evitar os problemas sociais encontrados em Mossuril a que referimos no capítulo anterior. Beneficiavam também de comunicações razoáveis com o litoral. Aqui, já havia a tradição de cultivar algodão desde a década de 20. O rendimento dos produtores era ligeiramente mais alto que a média em todo o país: 165 escudos por ano, ou um pouco mais de 1 escudo por dia de trabalho. Em algumas partes de Manica e Sofala, como Cheringoma, por exemplo, alguns camponeses conseguiram um rendimento de 600, 700 ou mesmo 800 escudos por ano. Contudo, a maioria dos camponeses de Manica e Sofala não receberam mais de 200 escudos, e tiveram de pagar um imposto de 180 escudos. 4.3 Controle permanente da administração obre a produção agrícola Segundo a documentação oficial, a produção relativamente alta de algumas destas zonas foi sempre o resultado de uma efiiente fiscalização administrativa, da colaboração activa de alguns régulos e da pressão constante das companhias. O papel fundamental das autoridades gentflicas foi bem reconhecido pelo Inspector do regime colonial, que visitou Manica e Sofala em 1944, e que chegou a propor uma maior recompensa para os régulos para que estes ficassem menos "dependente das pressões da sua gente". No mesmo ano, um outro Inspector colonial criticou os excessos de um régulo de Mogovolas, que exigia dos seus súbditos trabalho gratuito, nas suas machambas colectivas de algodão. Relatou os "actos terroristas" de agentes da Companhia dos Algodões de Moçambique no Eráti, dizendo que era aparentemente estratégia dos agentes actuar numa zona até a própria administração tomar conhecimento dos protestos. Nessa altura começavam a aterrorizar outra zona. Normalmente, o agente, de machila, mandava os seus capatazes fazer as intimidações e agressões exemplares, que frequentemente resultavam em ferimentos graves e mortos. O agente podia ficar, assim, ilibado de qualquer acção ilegal. 4.4 Crescente exploração do campesinato A crescente taxa de exploração, que exigia a manutenção e até a intensificação da pressão administrativa, pode-se avaliar através do custo de vida. Nas zonas rurais, a medida habitual disto era 9 preço de tecidos de algodão, o produto transformado mais procurado. Informações da Zambézia e de outras zonas do Norte mostram que, no período da Guerra, o preço dos panos subiu 300 por cento em relação ao valor que tinham antes da Guerra, descendo substancialmente na sua qualidade e duração. De facto, a indústria portuguesa, agora sem concorrência dos Indianos e Ingleses, vendia produtos de qualidade inferior nas suas colónias. Um inspector colonial chegou mesmo a aconselhar a população, através dos régulos, a poupar o seu pouco dinheiro na esperança da chegada de melhores tecidos, depois da guerra. Capítulo 3 104 A Reestruturaçao da Sodedade Moçambicana, 1938-1944 Da mesma forma, a maioria dos contratados continuou a receber o salário mínimo estabelecido em 1930. Se uma minoria de trabalhadores das fábricas recebia 2$50 escudos por dia, sem alimentação, esta remuneração representava uma diminuição considerável, se se considerar a inflacção dos preços, especialmente dos tecidos. O custo da alimentação também aumentou, rapidamente, durante a Guerra. O custo fixado para alimentação, nas plantações do norte, em 1930, foi de 50 centavos. Em 1944, 1 escudo já não era suficiente: a alimentação fornecida aos soldados custava 2$70 por dia, o que explicava o facto de não faltarem homens a oferecerem-se para o recrutamento militar, onde o trabalho, em tempo de paz, não se comparava, em dispendio de energia, com o do trabalhador rural, que passava 9 horas de enxada na mão. No Sul do Save, onde o nível de salários e impostos era mais alto, agravou-se também a inflação de custos. O próprio Governador propôs um aumento de 25 por cento dos salários, para evitar manifestações de descontentamento [25]. A elevação de preços, incluindo o dos géneros alimentícios, colocou o camponês de todo o país numa situação muito diffcil. Com efeito, um hectare de amendoim rendia, normalmente, 700 escudos e com menos trabalho que um hectare de algodão, que dava, na melhor das hipóteses, apenas 200 escudos. No entanto, ainda em 1944, o Governo-Geral diminuiu, ainda mais, o preço de compra do algodão. Pode dizer-se que a força policial e o clima de tensão foram, cada vez mais, necessários nas zonas rurais para induzir o camponês a produzir algodão, quando estava mais interessado em produzir outras culturas, como reconheceu o já referido Governador: "o indígena, como todo o agricultor gosta mais de se dedicar às culturas que melhor remuneração lhe puder proporcionar" [26]. O empobrecimento da maioria da população atingiu, neste período, proporções ainda mais graves. A retirada de grandes quantidades de mão-de-obra, devido às culturas forçadas e à elaboração de um rigoroso sistema de trabalho por contrato, reduziu a capacidade da família camponesa de assegurar, cada ano, o desbaste de terra suficiente para a rotação, e mão-de-obra para as culturas não obrigatórias. Na Zambézia, tradicionalmente produtora de excedentes alimentares, os prejuízos 105 Capítulo 3 decorrentes da política colonial foram evidenciados por um Inspector que visitou aquela região em 1944: "as necessidades enormes de mão-de-obra das actividades agrícolas exploradas por grandes capitais - companhias - influenciaram decisivamente o entrave ao desenvolvimento da agricultura indígena que, quanto aos géneros alimentares, não satisfaz sequer as necessidades internas" [271. Por esta razão, as culturas alimentares, tais como o milho, mapira ou amendoim, que exigem um trabalho sistemático e pesado, deram lugar, ao norte do Zambeze, a uma cultura que requeria muito menos atenção. Foi o caso da mandioca que, sendo menos nutritiva, era, até então, usada como uma cultura de reserva, a fim de assegurar as necessidades básicas em época de chuvas irregulares. Além disso, a obrigação de cultivar algodão nos melhores solos disponíveis, a ignorância por parte dos administradores coloniais sobre até que ponto o.algodão esgotava os solos e, ainda, a não observância de um mínimo de requisitos em relação ao pousio, começou a baixar a capacidade do campesinato de produzir alimentos suficientes para a sua própria subsistência. Mais ainda, pressionado a pagar impostos elevados, o camponês tinha que vender, cada vez mais, a sua produção de alimentos básicos, diminuindo assim as suas reservas. Conforme o Inspector, em 1944, em Manica e Sofala, "pode-se afoitamente afirmar que a população indígena, em regra, passa fome" [28]. 4.5 Diferenciação social no seio do campesinato Enquanto a situação da maioria da população se deteriorou de uma maneira alarmante, um número reduzido de camponeses conseguiu melhorar o seu nível de vida. Alias, a prõpija circular de Bettencourt de 1942 visava deliberadamente essa possibilidade. Esta legislação isentou do trabalho contratado os camponeses que obtivessem proventos capazes de assegurar o sustento familiar, e todos os encargos tributários. Além de alguns régulos, que eram ricos, devido ao aproveitamento que fizeram das tributações linhageiras e do aparelho administrativo colonial, há testemunhos doutros camponeses, que conseguiram manter 106 A Reestrutura 'çúv da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 ou melhorar a sua situação, durante este período. Por exemplo, informações de Manica referentes ao ano de 1944, dão conta de vários agricultores negros estabelecidos há muito tempo, que cultivavam milho perto da fronteira com a Rodésia do Sul, e, que, frequentemente vendiam o seu produto às lojas daquela colónia. Nos postos distritais de Tambara e do Dondo havia pequenos núcleos de agricultores, praticando culturas extensivas de batata, arroz, milho, hortícolas e feijão. Em Chemba, nesse mesmo ano, um agricultor, com a ajuda das suas 12 mulheres e 24 filhos, produziu 250 sacos de algodão e 1.070 sacos de mapira. Com a venda de 500 sacos de mapira, a 50 escudos cada um, realizou 25.000 escudos, para além do valor do algodão. Em Matire, distrito de Buzi, 3 agricultores de arroz conseguiram, apesar das cheias que assolaram a zona, vendas no valor de 6.600, 7.200 e 13.200 escudos. Quase todos os agricultores destas zonas pediram, às autoridades, ajuda na aquisição de equipamento, como charruas de disco e tractores para obviar as perdas em bois abatidos pela tripanosomiase, e camiões para assegurar o transporte conveniente. Desejavam aumentar os seus rendimentos, através de produção mais intensiva e da sua participação na rede de transportes e comércio rural, que rendiam maiores lucros, mas eram normalmente monopolizados pelas empresas coloniais (incluindo comerciantes asiáticos). Estas e outras reclamações mostram a discriminação a que mesmo estes agricultores, privilegiados, estavam sujeitos, quanto ao fornecimento de meios de produção e à comercialização dos seus produtos. Uma comissão de agricultores negros de Manica dirigiu-se às autoridades distritais, em 1944, solicitando um aumento do preço de compra de milho. Na sua exposição, mostraram que o machambeiro branco recebia quase 3 vezes mais, por saco, que o agricultor negro. O sistema montado servia, de -facto, os interesses dos machambeiros brancos. O Grémio de Produtores de Cereais do Distrito da Beira, estabelecido na sequência da mesma legislação corporativa de 1937 que autorizou os sindicatos para brancos (ver ponto 3.5), representava estes interesses. O Grémio assegurava o ensacamento e o transporte aos machambeiros negros e, assim, o aproveitamento da comercialização da produção camponesa.. No entanto, os negros foram excluídos de receber os apoios canalizados, através do Grémio e doutros organismos aos machambeiros brancos. Capítulo 3 No sul, apesar do aumento do número de agricultores negros com charruas e bois, a subida dos preços atraiu novos machambeiros brancos aos melhores solos, originando, por conseguinte, a expulsão dos negros. Nesta região, também, os interesses dos criadores de gado negros entraram, cada vez mais, em choque com os dos criadores brancos e as necessidades da capital colonial. Na altura do cancelamento das importações de carne da Africa do Sul no início da II Guerra Mundial, em vez de aumentarem a quantidade de cabeças proveniente de criadores negros para abate no matadouro municipal ao preço de compra estabelecido para os criadores brancos, promoveram várias campanhas para venda compulsiva de gado. A venda fazia-se em feiras especiais, nas quais eram oferecidos preços geralmente baixos aos criadores negros. Isto originou uma forte resistência destes criadores porque, além do preço baixo, surgiram dúvidas sobre o destino do gado vendido. Suspeitava-se que era, em parte, acrescido às manadas dos brancos, o que foi confirmado pelo Chefe dos Serviços Agrícolas, em 1944 [29]. Como resultado destas aquisições, no mesmo ano, a Cooperativa de Criadores de Gado, que representava os criadores brancos, fornecia já um número considerável de cabeças de gado para abate. Esta organização, numa tentativa de aumentar os seus lucros, começou a pressionar as autoridades para reduzirem a compra, para abate, aos criadores negros. 4.6 Indústria, transportes e trabalho migratório para o estrangeiro O principal investimento na indústria, neste período, incidiu, grande parte, na transformação e armazenagem do algodão. O sistema de culturas forçadas e um mercado garantido em Portugal foram incentivo suficiente para estimular a construção de mais fábricas de descaroçamento e armazens nas várias concessões. Note-se que a instalação dessas fábricas era essencial, na medida em que o descaroçamento diminuía o peso da matéria-prima para cerca de 30 por cento, baixando, assim, os custos de transporte para o local de transformação em têxtil, neste caso, as fábricas em Portugal. No geral, verificou-se um aumento da produção agroindustrial para exportação. A II Guerra Mundial originou mudanças na comercialização e industrializaçãQ de sementes de óleo e seus derivados, devido, principalmente à crescente procura de óleos alimentares e bagaços em Portugal, ao declínio dessa procura, noutros mercados tradicionais (como França) 108 A Reest~rturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 17. Transporte da brita na construção do caminno dejerro de Tete, 1944. e à escassez de navegação. Estes factores resultaram no incentivo para a exportação de um produto transformado, de alto valor, em vez da matéria-prima de grande volume e baixo valor, isto é, óleo e bagaços em lugar de sementes. Assim, verificou-se uma intensa actividade na montagem de novas fábricas, ao mesmo tempo que se procedia a remodelações e ampliações das já existentes. Foi neste período que, para facilitar o desenvolvimento da indústria extractiva de carvão e o escoamento deste produto, se iniciou a construção da inha férrea de Tete, entre Dona Ana (Mutarara) e Moatize (254 quilómetros), para ligar a região carbonífera de Moatize ao porto da Beira, através do caminho de ferro transzambeziano. A linha, iniciada em 1938, só veio a atingir Moatize em 1949, depois de um período de interrupção, devido à Guerra, que provocou a falta de maquinaria e equipamento. Se bem que este período não tivesse trazido transformações profundas 109 Capítulo 3 às indústrias viradas para o mercado interno, proporcionou, no entanto, a sua consolidação, especialmente, as de cimentos, cerveja, águas minerais, sabão, cigarros e moagem de milho. Originou, ainda, o surgimento de outras, tais como uma pequena indústria têxtil, com uma produção de pequena escala de vestuário, sendo a matéria-prima importada de Portugal, e pequenas outras indústrias de artigos de borrachá, mobiliário e verniz. Todo este crescimento foi estimulado pela insegurança das viagens marítimas decorrente do conflito mundial. Efectivamente, a produção para o mercado interno representava, no fim deste período, cerca de 20 por cento do total da produção industrial, em comparação com menos de 10 por cento, para o quinquénio anterior. Aproveitando a situação da Guerra, e ao abrigo da legislação a que nos referimos anteriormente (ponto 1.2 deste capítulo), alguns grupos portugueses passaram a exercer um maior controle sobre sectores industriais importantes. Por exemplo, em 1944, o grupo Champalimaud comprou ao Banco Nacional Ultramarino a fábrica de cimentos da Matola, tornada a Companhia de Cimentos de Moçambique em 1945. É, porém, no período seguinte, que se verificará maior crescimento da indústria, particularmente da indústria transformadora, virada para o mercado interno. No período da Guerra aumentou, consideravelmente, o número de moçambicanos que trabalhavam temporária ou permanentemente nos territórios vizinhos. Segundo as estatísticas oficiais, o número de trabalhadores moçambicanos, na África do Sul, passou de 105.286, no começo de 1940, para 137.676, no fim de 1944. Na Rodésia do Sul, no mesmo período, de 68.304 passou para 93.977. Neste país, a partir de 1940, o número de trabalhadores moçambicanos ultrapassou o número proveniente dos fornecedores tradicionais, nomeadamente, Niassalândia e Rodésia do Norte. Este aumento explica-se pela conjunção de dois factores. A crescente actividade produtiva destes países, que aumentaram, rapidamente, o fornecimento de matérias-primas a Grã-Bretanha e construíram novas indústrias locais, capazes de substituir importações daquele país, provocou uma grande procura de mão-deobra. Moçambique, país já constituído como reserva de mão-de-obra, estava em condições de responder, prontamente, a essa procura, porque as más condições de vida, causadas, particularmente, pelas culturas forçadas e pela elevada 110 A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 taxa de exploração absoluta, estimularam a saída de muitos trabalhadores, atraídos pelos melhores salários oferecidos, nesse tempo de expansão económica. Verificam-se, porém, ligeiras alterações no destino que levavam os migrantes moçambicanos. Por exemplo, deu-se uma redução do número de migrantes para as minas do Rand, onde os salários estavam fixados em 3 libras (300 escudos), enquanto aumentava o número dos que iam para as plantações de açúcar do Natal, onde se pagava 4 libras [30]. 5. A resistência ao colonialismo A crescente exploração colonial provocou, novamente, uma forte e contínua resistência do povo moçambicano, particularmente, contra as culturas forçadas, que afectaram simultaneamente vastas áreas do país de norte a sul. 5.1 A resistência generalizada às culturas forçadas Os camponeses, submetidos a uma intensa exploração, reagiram das mais variadas formas: são númerosos os exemplos dessa resistência, que se verificou em tão diversas regiões de Moçambique. Em 193911940, os administradores de áreas próximas das fronteiras com a África do Sul e Suazilândia assinalaram que algumas familias preferiam incendiar as suas próprias palhotas e atravessar a fronteira a cultivar o algodão. Igualmente, em Cabo Delgado, recomeçou a emigração de famílias para o Tanganhica, logo ap6s a introdução da cultura forçada do algodão. O mesmo aconteceu em áreas mais distante da fronteira, como Manjacaze, em Gaza. O subcultivo deliberado, isto é, espalhar quantidades insuficientes de semente, ou ferver as sementes antes de as semear, eram também formas muito utilizadas. Esta reacção à cultura algodoeira era feita, normalmente, nas zonas mais pobres, na esperança de que a contínua má produtividade conduziria a considerar a área completemente improdutiva para o algodão. Uma outra forma de resistência, mais aberta, contra os baixos preços, era também frequente, desencorajando sistematicamente o cultivo em áreas consideradas impróprias. Por exemplo, quando, em 1938, a Capitulo 3 Companhia da Zambézia quis impor nos mercados a tabela de selecção e classificação, conforme as orientações da JEAC, os camponeses reagiram. Segundo um relatório de um Inspector colonial: "assumiram atitudes de verdadeira revolta, queimando ou espalhando nas estradas e lançando ao rio ou enterrando no mato, o algodão trazido para o mercado" [31]. No fim da campanha agrícola de 1940, em Mulevala, ao norte da Zambézia, alguns camponeses preferiram queimar as suas colheitas a receber as somas baixíssimas, que os seus vizinhos tinham recebido, o correspondente a uma média de 11 escudos por cultivador. A criação de comunidades em fuga permanente para áreas mais distantes, localizadas fora do controlo político da administração colonial, foi outra das formas utilizadas. Estabelecidas normalmente em zonas montanhosas ou de pântano, de difícil acesso, viviam em regra da caça e recolecção. Testemunhos indicam que cou,Lnidades deste tipo se estabeleceram nos distritos de Monapo, Mogincual, Nampula e no vale do rio Cuarezi, ao longo da fronteira com a Rodésia do Sul. Um entrevistado contou, assim, a experiência por si vivida nas montanhas perto de Meloco, Montepuez: "Nós conseguimos defender-nós através de uma vigilância muito grande. Como estavamos no cimo da montanha, quando os portugueses chegavam, deixávamos que eles subissem até metade antes de lhes atirarmos com grandes pedras, matando alguns. Algumas pessoas escondiam-se nas caves (cavernas, N.R.). Quando os portugueses chegavam, punham à entrada mato e madeiras e chegaram-lhe fogo, pensando que todos os que estavam lá dentro (na caverna) iam morrer sufocados pelo fumo. Mas como o fumo não encheu a caverna, ninguém morreu. Aí continuamos a viver lá" [32]. 5.2 A revolta Muta-hanu no Mossuril - Nampula, 1939 [33] Enquanto essas formas de resistência se generalizavam, a imposição da cultura de algodão fez deflagrar o conflito social no Mossuril. Este conflito, entre os produtores locais (proprietários e camponeses), foi resultado de uma história de alienação de terras e da imposição de uma renda em trabalho gratuito (capítulo 2). Com as pesadas exigências de trabalho nas machambas familiares, a política da cultura forçada de algodão era, evidentemente, hostil aos 112 A Reestruturaçdo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 produtores e comerciantes de cajú, tendo em conta os lucros mais elevados que podiam obter da exportação do cajú para a India. Com o objectivo de alterar as relações de trabalho existentes entre proprietários e camponeses residentes nas suas terras, o governo colonial publicou, em 1938, uma lei que visava eliminar a renda em trabalho. Isto significou que os patrões teriam de pagar um salário por dia de trabalho, e que.os camponeses, vivendo em terras privadas, pagariam uma renda em dinheiro. A resistência dos patrões e camponeses a submeterem-se a estas disposições levou o governo a publicar nova legislação, em Agosto de 1939, dando poderes aos governos províncias para intervirem, directamente, no estabelecimento das novas relações de trabalho. No mesmo mês, o Governador convocou os proprietários das terras de Mossuril a Nampula, mas não conseguiu obter resultados favoráveis. Entretanto, o administrador do Mossuril, pressionado para cobrar o imposto de palhota a todos os contribuintes, tenta fazê-lo através dos régulos e cipaios regulares, mas sem qualquer resultado. A 31 de Agosto, o administrador chamou a companhia de polícias de Monapo, força treinada, especialmente, para reprimir os estivadores do Lumbo, dando-lhe ordens no sentido de se deslocar às povoações e conseguir o pagamento do imposto, mesmo à custa do saque e de destruição. Porém, a população amotinouse e, formando uma grande multidão armada de facas, paus e alfaias agrícolas, marchou para a secretaria da circunscrição, atacando o acampamento da companhia com particular violência. Feita a comunicação da revolta ao Governador da Província, este decidiu mandar, no dia seguinte, contra os insurrectos, a 51 Companhia Indígena de Infantaria, estacionada em Nampula, tendo ele próprio acompanhado a acção. Foram presas 187 pessoas, mas centenas de outras conseguiram fugir ao assalto militar. Dias depois, chegou novo grupo de 50 polícias de Monapo, que obrigou a população ao pagamento do imposto de palhota. Esmagada a revolta, a situação acalmou, aparentemente. O sucesso da intervenção militar deu uma nova força e mais autoridade à administração local que, em Outubro de 1939, conseguiu obter um acordo com os proprietarios. Estes passaram, teoricamente, a cobrar as famílias que viviam nas suas terras uma renda mensal de 2$50 e a pagar um salário Capítulo 3 conforme os dias de trabalho. No entanto, nos meses e anos seguintes, o administrador do Mossuril constatou que a situação não estava normalizada, enquanto habitantes e proprietários procediam com relutância à celebração e reg.sto dos contratos de renda e salário. De facto, a administração ainda não tinha poder de fiscalização suficiente para garantir o cumprimento integral do acordo, que era sistematicamente ignorado tanto pelos proprietários, como pelos habitantes. Apenas o declínio do comércio de cajú em 1942, que resultou da II Guerra Mundial, tornou a situação mais calma e, assim, permitiu o estabelecimento da cultura de algodão no Mossuril. 5.3 0 movimento associativo A II Guerra Mundial foi, para toda a Africa, de uma importância decisiva. Os africanos das colónias não-portuguesas foram largamente utilizados, dentro e fora da África, integrados nos exércitos coloniais. O chamado 'esforço da guerra' tinha levado, ainda, à intensificação da produção e da exploração do trabalho, nos vários países colonizados. Disto resultou a morte de milhares de africanos nos teatros de guerra (estima-se que só a Africa oriental tera perdido cerca de 50 mil homens). O colapso repentino do poder imperialista britânico e francês, no oriente, culminando com a invasão japonesa de Malásia, Singapura e Birmânia, contribuiu para a queda do mito da invulnerabilidade, em geral, dos sistemas coloniais europeus. A entrada em contacto com outros povos e outras ideias, e a participação, lado a lado, de soldados africanos, numa posição subordinada aos Europeus, aceleraram a difusão de uma ideologia anti-colonial e nacionalista, que marcou as semelhanças entre o fascismo, contra o qual lutavam a Grã-Bretanha e a Franca, e o colonialismo por eles, de facto, praticado. De referir, ainda, a importância que nesse campo desempenhou a propaganda anti-colonial, que ganhava vulto quer nas assembleias internacionais quer em países como a União Soviética, os E.U.A. e, mesmo, a Grã-Bretanha. Como resultado, nos preparativos já em curso para a formação das Nações Unidas, confirmaram o direito dos povos a dispor do seu próprio destino. Além disso, futuros dirigentes prestigiados (Nkrumah de Ghana, por exemplo), tinham-se familiarizado, nos E.U.A., com a corrente panafricanista, que então ganhava grande popularidade. Neste quadro, três vias para o nacionalismo começaram a desenhar-se 114 A Reesruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 na vida política africana: as associações culturais de estudantes, intelectuais e religiosos, as organizações sindicais, e os partidos políticos. Ora fundindo, ora movimentando-se em paralelo, estiveram na base da formação dos futuros movimentos nacionais de libertação, que levariam a independência, nas décadas seguintes, a maior parte dos países africanos. Nas então colónias portuguesas, o impacto das transformações também se fez sentir, salvaguardadas algumas diferenças. Se nas outras partes de África, incluindo a África do Sul e a Rodésia do Sul, os partidos e os sindicatos se apresentaram como os núcleos nacionalistas mais activos, em Moçambique e nas outras colónias portuguesas esse papel ficou circunscrito as associações. De facto, o atraso do desenvolvimento económico, a acção controladora e repressiva do colonial-fascismo, e a política deliberada de 'assimilação' não permitiram que as associações se transformassem em verdadeiros partidos. Os *assimilados', os intelectuais, em suma, a liderança nacional debutante viu, assim, coarctada a possibilidade de ter uma expressão política tão activa como a das outras colónias de África. Como vimos no capítulo anterior, o Estado colonial estabeleceu relações de aliciamento e repressão com a população africana urbana, através das suas associações. A vida e acção destas associações continuavam a processar-se segundo duas perspectivas. De um lado estavam as autoridades coloniais, que mantinham o controle e a vigilância sobre a camada que se agrupava nas associações e na qual confiavam como agentes da sua polftica, mas que, ao mesmo tempo, receavam como potencial oposição anti-colonial nacionalista. Do outro lado estava a comunidade colonizada que encarava as associações, na pessoa das suas direcções, como intermediários, advogados das suas causas. No entanto, as associações não mantinham uma ligação estreita com o povo, não obstante as suas direcções estarem conscientes de representar essa mesma base social. Entre essa noção de representatividade associativa e a de partido, ficava sempre o limite, que o aparelho colonial impedia fosse excedido. Porque tentavam harmonizar os interesses diversos dos colonizadores e dos colonizados, as associações irão sempre relacionar-se com o governo colonial, ora em aberta sintonia, ora em cautelosa desconfiança. Nas suas manifestaç es, responderão com rasgados protestos de 'patriotismo' português, alternando com tímidas reivindicações. 115 Capítulo 3 As suas acções de compromisso com a autoridade colonial devem ser vistas, simultaneamente, como desejo e esforço consciente de defesa, mais ou menos activa e agressiva, ainda que receosa, dos interesses de vastos sectores da população local. Foi o caso da educação, do desporto, da cultura e da acção social. A capa da assistência social e das actividades recreativas e culturais não podia esconder o desejo consciente de legítima representatividade das comunidades locais. Neste contexto, continuavam a ser as associações sediadas em Lourenço Marques, as mais activas na defesa dos interesses das populações: a Associação Africana (AA), o Centro Associativo dos Negros (CAN - novo nome que assumiu o Instituto Negrófilo) e a Associação dos Naturais. De menor incidência a acção do Centro Africano da Beira e da Associação Africana da Zambézia. Dentre as acções mais notáveis levadas a cabo pelas associações, neste período, destacaram-se a exigência pelo direito à educação e ao trabalho e a abolição de impostos. Por exemplo, numa acção conjunta promovida pelo CAN e pela AA, foi exigida a abolição do imposto de capitação sobre a mulher africana [34]. A educação, como sector de promoção social e económica, continuava a merecer a atenção das associações, nomeadamente da AA e do CAN. A AA continuou ligada à escola para raparigas 'João Albasini' (criada em 1920), mesmo depois da sua integração nos serviços coloniais de instrução. Ali ensinou a professora primária Cacilda Dias, filha de Estácio Dias e irmã do escritor João Dias, figura importante no período seguinte. Por solicitação dos sócios residentes nas zonas rurais, o CAN intercedeu, por diversas vezes, junto das autoridades coloniais, para o estabelecimento de escolas nas zonas onde elas não existiam. Durante a guerra, e quando grassava já uma crise de empregos, derivada dos efeitos do conflito mundial, ambas as Associações apelaram à Igreja para que se cingisse aos naturais da terra para o provimento de lugares de.auxiliares das missões [35]. Acerca da educação dada pelas escolas missionárias, exigiam não apenas a possibilidade de as frequentar, como também queriam trabalho, o que lhes vinha sendo negado sistematicamente tanto nos serviços públicos como nos estabelecimentos privados. "Porque toda esta civilização e instrução que nos dão para nos sujeitar depois às inclemências da sorte negra? (...) Não queremos só escolas, queremos também trabalho, porque depois de acabados os estudos temos que enfrentar 116 A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 a vida.... Pediamos (a Sua Exa. Rev. o Prelado de Moçambique) ... que não mandasse vir mais pessoal para os serviços auxiliares, porque há criaturas competentes entre a nossa gente que podem desempenhar esses lugares com tanta proficiência e dedicação como qualquer europeu, porque anos atrás o desempenharam" [36]. Está bem patente, assim, a ambiguidade da posição das Associações, no facto de reclamarem emprego na Igreja Católica, nqma altura em que, mais do que nunca, esta instituição religiosa se tornava parte integrante da estrutura de dominação colonial (ponto 6). Em geral, a imprensa ligada às associações, amordaçada já com a implantação do fascismo, tinha substituído a irreverência por uma ironia cuidadosa, pela referência ambígua, ao mesmo tempo crítica e servil. O Brado Africano, tendo perdido muito do seu carácter de jornal de intervenção política, começou a utilizar uma sistemática divulgação poética que, no período seguinte, viria a ser uma forma importante de expressão anticolonial. A produção literária, poética em geral, apareceu ainda dispersa por outros jornais. Uma importante página literária conheceu a luz do dia durante este período. Criado em 1941, em Lourenço Marques, por um grupo de intelectuais brancos anti-fascistas, o Itinerário tinha por objectivo enriquecer as letras moçambicanas, conforme dizia, "pela conjugação de valores novos que possam vir a afirmar-se" [37]. Num outro plano, o desportivo, a AA esteve ligada ao Grupo Desportivo Vasco da Gama, um dos diversos clubes que disputavam o campeonato de futebol da Associação de Futebol Africana, um espécie de segunda divisão para 'indígenas'. Segundo José Craveirinha, era na Associação e nas suas acções que os africanos procuravam "pugnarjuntos em busca da glória atlética, em termos de maioridade" [38]. 6. O Estado colonial, a Igreja Católica e o ensino rudimentar Para além da repressão sobre a resistência e a actividade política, já referenciadas, houve outras formas, como a religião e o ensino, em que o propósito da burguesia portuguesa de intensificar a submissão da população moçambicana transparece mais claramente. Desde 1930 que o governo colonial vinha implementando, para além de medidas de exploração económica, toda uma filosofia de ocupação baseada no Capítulo 3 "orgulho nacional, na fé, no dever, no humanitarismo...". Para os objectivo§ da exploração colonial no plano ideológico, a presença da Igreja Católica surgia como ingrediente fundamental. No entanto, as circunstâncias diversas dos anos 1939 e 1940 favoreceram uma aliança muito mais efectiva, institucional, entre a Igreja Católica e o Estado português. Em 7 de Maio de 1940 foram assinados, entre o Estado português e o Vaticano, a Concordata e o Acordo Missionário, consagrando, desta forma, o papel da Igreja e da sua doutrina como a grande força inspiradcra e justificadora do regime colonial-fascista português. O Acordo Missionário seria depois regulamentado pelo Estatuto Missionário, em 1941. A isto chamou Salazar, em 1940, a 'nacionalização' do apostolado missionário português. Também Franco Nogueira, cronista-mor do salazarismo, afirmava ser o Acordo Missionário "da mais alta importância", pois que retirava do Vaticano "qualquer jurisdição sobre os missionários do Ultramar Português". Missionários esses que o respectivo Estatuto submetia às autoridades portugueses a quem exigia, no mínimo, concordância com a situação política prevalecente. A Igreja Católica portuguesa foi, assim, instituída como instrumento ideológico fundamental da defesa da ordem interna em Portugal e da preservação do domínio colonial. Estreitamente ligada aos objectivos sócio-políticos do Estado português, foi investida de grande autoridade, iniciando, a partir de 1940/41, uma agressiva campanha de expansão, concorrendo, em condições altamente favoráveis, com as Igrejas protestantes. O regime transferiu a responsabilidade do ensino rudimentar oficial para a Igreja Católica, estabelecendo ainda um rigoroso controle sobre toda a actividade da Igreja. O pessoal missionário era objecto de controle político pelo Estado, mesmo o da alta hierarquia da Igreja, cuja nomeação só poderia ser feita pelo Vaticano, desde que tivesse a confirmação do governo português. Foi, também, estabelecido o controle político da formação de professores nas missões. Só com o acordo do governo português podiam os missionários estrangeiros não-portugueses trabalhar em Moçambique, ficando, contudo sujeitos aos mesmos regulamentos e leis disciplinares que os portugueses. O Estatuto Missionário estabelecia que todo o pessoal docente 'indígena' devia receber a sua preparação em escolas 118 A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 criadas para o efeito, devendo o pessoal dessas escolas ser, obrigatoriamente, de nacionalidade portuguesa. Para além disso, e apesar do ensino primário africano estar confiado, principalmente, às missões católicas, os conteúdos de ensino deviam ser, exclusivamente, apreciados e autorizados pelo Estado português. Na verdade, a Concordata confirmava o que tinha sido estipulado em 1930, (capítulo 2, ponto 2.4): os materiais de ensino tinham de ser aprovados e o ensino da história, em particular, tinha de contemplar objectivos ideológicos e políticos bem concretos. Neste campo, as autoridades da Igreja deviam assegurar que, "... no ensino das disciplinas especiais, como no da história, se tenha em conta o legítimo sentimento patriótico português" [391. No entanto, a acção missionária da Igreja Católica era, para além de um meio de expandir o cristianismo, um poderoso instrumento ideológico destinado a pressionar as populações a aceitar trabalho nas actividades coloniais, e a pagar impostos. Isto vinha claramente expresso no Estatuto Missionário que definia o principal objectivo da educação como "... a perfeita nacionalização e moralização dos indígenas e a aquisição de habitos e aptidões de trabalho, de harmonia com os sexos, condições e conveniências de economias regionais, compreendendo na moralização, o abandono da ociosidade e a preparação de futuros trabalhadores rurais e artífices que produzam o suficiente para as suas necessidades e encargos sociais' [401. A expansão da Igreja caracterizou-se por uma ligação estreita com os elementos mais repressivos do sistema colonial, como o trabalho forçado e as culturas obrigatórias. A isto não faltaram a expropriação de terras aos camponeses e a utilização de mão-de-obra, sujeita a salários miseráveis, ou mesmo forçada, dos próprios alunos das missões. Os alunos eram normalmente usados como força de trabalho na produção agrícola, especialmente do arroz e do algodão. Estes produtos eram depois vendidos, revertendo a receita a favor da missão. Era o chamado xipadre (chibalo na machamba das missões), trabalho forçado extraido pelas missões aos alunos como forma de pagamento da educação recebida. Capítulo 3 De referir que, entretanto, e no âmbito da estreita colaboração entre a administração colonial e a Igreja, aquela fornecia trabalhadores às missões (principalmente os presos) enquanto estas permitiam o recrutamento, quer pela administração, quer por particulares, dos alunos mais velhos, antes de regressarem às suas casas. Com estes apoios, o número de missões católicas continuou a aumentar consideravelmente, como mostra as estatísticas oficiais: Quadro 7: Aumento de missões católicas, 1938-1944 1938 1944 Missões 52 64 Filiais 211 598 Missionários 71 114 Auxiliares 443 Irmaõs/Irmãs 265 Assalariados 1950 Como resultado da expansão da Igreja e da gradual junção dos dois tipos de ensino primário rudimentar (oficial e missionário) sob a responsibilidade da própria Igreja Católica, aumentou rapidamente o número de escolas para o ensino rudimentar das missões católicas: Quadro 8: Número de escolas rudimentares, 1938-1944 Ensino 1938 1944 Oficial 188 96 Católico 245 502 Protestante 49 36 A educação ministrada nestas escolas continuou a ser de qualidade muito baixa. Com a duração de 3 anos de escolariedade, este ensino consistia, principalmente, em lições de língua portuguesa e de catequese (o ensino do catecismo). Este último era, em geral, ensinado em língua africana local, enquanto as outras matérias eram, obrigatoriamente, ensinadas em português. Regra geral, os monitores, deficientemente 120 A Reestruturaçdo da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 preparados, consideravam mais fácil dedicarem-se ao ensino do catecismo do que a outras matérias numa língua em que tinham grandes dificuldades, pelo facto de ser, para eles, uma segunda língua. Isso viria a reflectir-se nos resultados das escolas das missões católicas, nomeadamente no número extremamente baixo de alunos que passaram o exame, após os 3 anos de ensino: Quadro 9: Ensino rudimentar católico, 1940-1944 1940 1944 Total de matrículas 52.238 94.494 Aproveitamentos no ano final 224 804 Assim, a crer nas estatísticas oficiais, menos de um por cento dos alunos, que iniciavam o ensino rudimentar nas missões católicas, chegavam ao fim com aproveitamento e, por isso, com o direito de avançar para o ensino primário comum. O ensino rudimentar, pelo que vimos, não tinha em vista facilitar o acesso da população negra a uma educação semelhante a dos brancos e de um escasso número de 'assimilados'. Só um muito reduzido número de negros conseguia ascender ao II' grau do sistema escolar. No ensino elementar oficial que, a partir de 1930, era destinado principalmente para brancos, os negros constituíram apenas 77 matrículas de um total de 4.019, em 1944, enquanto no ensino elementar católico, destinado principalmente para negros e onde o nível de ensino era baixo, 2.646 das matrículas foram das crianças negras (de um total de 4.107). De facto, o sistema primário oficial expándiu-se, após 1930, principalmente para facilitar o acesso dos brancos ao ensino secundário que, por seu turno, dava acesso ao ensino superior e aos postos importantes no aparelho estatal e comercial. O sistema discriminava manifestamente os negros, vedando-lhes o acesso a estes níveis de ensino (em 1944 só um negro se matrículou no ensino secundário), o que automaticamente os impedia de ocupar determinados postos de trabalho. Isto estava em concordância com os objectivos do sistema educacional colonial, em que o ensino rudimentar se devia processar, servindo, na prática, de barreira à educação efectiva da população negra. A partir de 122 CapftulO 18. Escolas de Artes e Ofctos, como esta de Moamba, constituiram parte integrante do sistema de educação para negros. 1940, a assimilação, teoricamente promovida pela Igreja, tornou-se, mais do que dantes, uma ideologia com a qual os dirigentes políticos e religiosos promoveram a consolidação do sistema colonial. Era a forma de justificar, perante si próprios e seus subordinados políticos e administrativos, a verdadeira face repressiva e discriminat6ria do colonialismo português: o trabalho forçado e o carácter racista da política 19. Aula de sapataria na Escola de Artes e Ofícios de Moamba 122 .4 Rr,'sn utu, ;'-ao .... S,,Uedaac Moçambicana, 1938-1944 e das instituiçoeb coloniais. Desta forma, o projecto cultural da 'assimilaçãu' enquadrava-se mais do que nunca, nos desígnios políticos e ideológicos do colonialismo português. No mesmo ano em que foram assinados com a Igreja a Concordata e o Acordo Missionário, realizou-se, em Lisboa, a Primeira Exposição Colonial do chamado 'mundo português'. O entusiasmo que então se pretendia pelas colónias destinavase, nada mais nada menos, a incrementar a colonização portuguesa. A retórica dominante aí demonstrada, foi a 'necessidade' de expansão da religião católica, da língua portuguesa e do conhecimento da "grandeza e das qualidades especiais" da colonização portuguesa. Todo este discurso, destinado a explicar a política colonial do Estado português em Africa, era feito numa altura em que o governo colonial, em Moçambique, levava a cabo a campanha política e administrativa que culminou com a implantação das culturas forçadas e do controle estatal rigoroso sobre toda a força de trabalho. A maior preocupação do Estado colonial português era, como vimos, assegurar a submissão política e económica da população negra, impedindo-lhe, de facto, o acesso à toda a educação que fosse além da rudimentar. A repressão efectiva de quaisquer aspirações dos negros estava na base da política a seguir pelo Estado, tendo a população negra, por seu turno, de trabalhar para o desenvolvimento da economia colonial. A intensificada agressividade ideológica, através da Igreja Católica oficializada, foi acompanhada por um crescente ritmo de discriminação, controle e, até, repressão das Igrejas protestantes. A discriminação contra estas missões foi efectuada, particularmente, através dos regulamentos que controlavam a formação de professores moçambicanos, o que impediu a expansão do trabalho educacional dos protestantes. Além disso, nalgumas zonas, como no vale do Limpopo, onde a Igreja Católica tomava conta de escolas oficiais há muito tempo estabelecidas, famílias protestantes eram forçadas, cada vez mais, a matricular os seus filhos em escolas católicas rudimentares. No II grau do ensino, isto é, o 'ensino elementar comum', o sistema educacional era da alçada das missões católicas, havendo uma única escola protestante [em 1944], na missão de Messumba em Niassa. Mas, segundo informações presentemente"disponíveis, a repressão activa incidiu com mais rigor nas Igrejas separadas 'etiópicas'. Por exemplo, em 1941, foram "mandadas encerrar por ilegais a sede e filiais 123 Capítulo 3 124 da Igreja Luz Episcopal", a principal Igreja etiópica, que trabalhava particularmente na província de Inhambane. Em 1942, o governo colonial decidiu o encerramento imediato de todas as igrejas não oficializadas, isto é, todas as igrejas protestantes que não eram apoiadas por uma organização missionária estrangeira. Como justificação, referiu-se na documentação oficial, "à nociva actividade de tais instituições e seus representantes, que só poderiam concorrer para a desnacionalização espiritual e material dos moçambicanos" [411. No entanto, a actividade destas igrejas não parou. De início, a Igreja Luz Episcopal procurou ultrapassar as restricções, apresentando os seus estatutos ao Governo-Geral para oficialização. O Governo-Geral nunca se pronunciou, deixando a Igreja e os seus aderentes numa situação de ilegalidade e sujeita a um controle apertado. NOTAS: 1. BO 27, 6.7.1938, Decreto 28697, 25.5.1938; para a Comissão Reguladora de Algodão em Rama, que passou a controlar os preços e importações, ver BO 26, 30.6.1938; para o resumo provisório da questão algodoeira que constituiu a base de trabalho deste sub-capitulo, ver D.Hedges, 'As culturas obrigatórias e as transformações na economia rural sob o colonial capitalismo, 1930-1960' UEM, Departamento de História, 1983, (mimeo); para uma periodização sistemática e relação da legislação relevante, ver o trabalho fundamental de M. J. de Lemos, 'Fontes para o estudo do algodão em Moçambique: Documentos de arquivo, 1938-1974', Trabalho de Diploma, Licenciatura em História com especialidade em Documentação, UEM/AHM, 1985. 2. Ver, por exemplo, J.do Amparo Baptista [coord], Moçambique, província portuguesa de ontem e hoje, Vila Nova de Famalicão, 1962, p.401. 3. AHM, ISANI, Cx.39, A.S.Moutinho, Relatório da Inspecção ordinária às circunscrições de Buzi, Chemba, Cheringoma, Chimoio, Gorongoza, Manica, Marromeu, Mossurize, Sena, e Sofala, 1943-1944, pp.91-92. 4. AHM, ISANI, Cx.77, H.E.de Sousa, Relatório da inspecção ordinária ao Distrito de Nampula, da Província do Niassa, 1946-1948, p.86, citando Circular Confidencial no.1041/D7, do Governo-Geral, de 9 de Novembro de 1944. A Reestruturação da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 125 5. Ver Vail e White, op.cit., p.315. 6. Para Zambézia, ver Vail e White, op.cit., pp.316-317; L. Val e L. White, 'Tawani machambero!: forced cotton and rice growing on the Zambezi', Journal ofAfrican History, vol.XIX (1978), pp.239-263. Para Nampula e Cabo Delgado, ver, por exemplo, AHM, ISANI, Cx.96, C.H.Jones da Silveira, Relatórir, e documentos referentes à inspecção ordinária feita na província do Niassa, 19431945, vol.2, Doc.7; Cx.97, idem., II parte, pp.47-49. Para a situação global, ver Bravo, A cultura algodoeira, p.81; AHM, FA, JEAC, Relatório da Inspecção de J. Contreiras, 1945, esp. pp.15-16,19,23,31-32; (para diferenças regionais, ver 4.2 em diante); C.Fortuna, "A mudança de côr do algodão moçambicano: estado, capital e trabalho no período entre guerras", Revista Internacional de Estudos Africanos, 10/11 (1989), pp. 121-122. Segundo a obra Trente annéés de cufture cotonnière ao Congo Belge 1918-1948, Bruxelas: Compagnie Cotonnière Congolaise, s.d., p.43, o sistema de cultura forçada do Congo Belga era mais de duas vezes mais produtiva (cifras de 1946). 7. Este sub-capítulo baseia-se principalmente em: Vail e White, 'Tawani Machambero', pp.257-259; idem., Capitalisin and Colonialism, pp.279,318-319; ver, também, inter alia, O. Roesch, "Migrant labour and forced rice production in southern Mozambique: the colonial peasantry of the lower Limpopo valley", Journal of Southern African Studies, 17 (1991), pp. 237-270; AHM, FGG, P.do Rego, Relatório do Governador interino da Província do Sul do Save, relativo ao ano de 1942, pp,400-402 8. Para a crise de mão-de-obra, ver Vail e White, Capitalisn and colonialism, pp.279-280, passim. 9. Ibid., pp.280-281; ..T.Bettencourt, Relatório do Governador-Geral de Moçambique, 1940-1942, 2 vols., Lisboa: 1945, vol.2, pp.79-86 10. BO 50, 19.12.1942, pp.836-839, Portaria 4950, 19.12.1942 11. Bettencourt, op.cit., vol.2, p.86. 12. BO 25, 27.6.1942, pp.179-181, Portaria 4768, 27.6.1942 13. AHM, ISANI, Cx.62, J.F.Rodrigues, Relatório e documentos referentes à inspecção Gurué, Ile, Lugela, Massingire, Milange, Nhamarroi, e Zambeze, 1944, Relatório, p.109. 14. Bettencourt, op.cit., vol.1, pp.45-47. 15. Val e White, Capitalism and Colonialisn, p.307 16. BO 31, 29.7.1944, p.367, Portaria 5639, 29.7.1944, Artigo 118: "Os chefes gentilicas procurarão desempenhar-se das funções que lhes incumbem, respeitando tanto quanto possível os usos, costumes ou tradições indígenas que não contrariem as disposições legais em vigor; a autoridade administrativa cumpre dirigí-los activamente por forma que a acção benéfica que desenvolverem apareça às populações em verdade como o resultado da intervenção superior portuguesa, em que aos regedores e chefes de povoação coube a função de executores". 17. De facto, o Regulamento de 1944 estabeleceu vários livretes pessoais: a 'Cédula Capítulo 3 de Serviço', para os recrutados e contratados temporários não-residentes (substituindo a antiga chapa metálica, que os trabalhadores braçuLs tinham que levar no braço direito); o 'Livrete de Serviço', para a maioria de serviçais residentes, incluindo oomésticos; e a 'Cédula Pessoal', para serventuários do Estado, proprietários e os que tenham "um nível de vida superior ao dos outros indígenas e que tenham boa conduta moral e civil". Este último grupo, que era isento de inscrição no registo do Comissariado da Polícia, tinha que levar um terceiro documento justificativo dessa isenção; ver BO 24, 12.6.1944, pp.280, 283, Portaria 5.565, 12.6.1944, Regulamento dos Serviçais Indígenas, artigos 1 e 27. 18. BO 35, 28.8.1943, p.306, Portaria 10.420, de 22.6.1043, artigo 10; M.Cahen, 'Corporatisme et colonialisme: approche du cas mozambicain, 1933-1979, 1. Une genèse difficile, un mouvement squelettique', Cahiers d'Études africaines, 92, XXIII-4, 1983, p.392; ver, também, cap.4, ponto 5.1. 19. Com a promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional, em 1933, o regime salazarista iniciou a sua ofensiva final pela fascização dos sindicatos em Portugal, proibindo as associações de classe e outrãs organizações congéneres, ainda existentes; Decreto-Lei 23.048 de 23.9.1933. Contudo, esta legislação só foi extensiva às colónias em 1937, pela publicação do Decreto-Lei 27.552 de 5 de Março de 1937, que, por sua vez, marcou a extensão às colónias da legislação corporativa por excelência; Cahen, op.cit., pp.385-386. 20. A antiga Associação tinha sido, com efeito, a maior organização de trabalhadores brancos de Moçambique desde 1902. Coexistindo com outras organizações mais combativas, como por exemplo o Sindicato Geral das Classes Trabalhadoras, a Associação do Pessoal do Porto e Caminhos de Ferro de Lourenço Marques, a Associação das Artes Gráficas, a União dos Trabalhadores Africanos e outras, tinha-se sempre mantido à margem delas, não tendo nunca sido interdita. Efectivamente, nesta organização, não se filiara nenhum dos sindicalistas que vieram a distinguir-se na acção operária desenvolvida em Moçambique entre 1910 e 1926; Cahen, op.cit., p.392; J.Capela, O movimento operário em Lourenço Marques, 1898-1927, Porto: Afrontamento, s.d., pp.106-107. 21. Ver Portarias 10.422 e 10.713, BO nos.35, de 1943 e 41, de 1944, respectivamente. 22. Ver Decreto-Lei no.27.552 de 5.3.1937, BO 14, 10.4.1937, p.161, artigo 2; Portaria 5.553 de 3.6.1944, BO 23 de 1944. 23. Por exemplo, entre 1939 e 1944 a tonelagem de produtos comprados aos camponeses aumentou de 116.000 para 167.000 toneladas por ano, mas o seu valor triplicou, de 69.100 contos para 175.662 contos. 24. Nomeadamente, de 165.305 contos em 1940 para 512.215 em 1944. O algodão constituiu 38 por cento deste último montante. 25. AHM, FGG, Paulo do Rego, op.cit., 1944, p.395. 26. Ibid., p.362. 126 A Reestruturaçao da Sociedade Moçambicana, 1938-1944 27. AHM, ISANI, Cx.62, J.F.Rodrigues, 1944, op.cit., p.127. 28. AHM, ISANI, Cx.39, A.S.Moutinho, 1943-1944, op.cit.p.112. 29. (F.M.Grilo), Relatório do Chefe da Repartição Central dos Serviços Agrícolas, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1946, partes II/III, p.288. 30. Sobre esta matéria, ver, por exemplo, M. Legassick e F. de Clerq, 'Capitalism and migrant labour in southern Africa: the origins and nature of the system', Universidade de Londres, Institute of Commonwealth Studies, mimeo, 1978; J. das Neves, 'O trabalho migratório de Moçambicanos para a Rodésia do Sul, 19131958/60', Trabalho de Diploma para o grau de Licenciatura, Instituto Superior Pedagógico, Maputo, 1990, esp. pp.28,58. 31. Ver AHM, FA, JEAC, Relatório da inspecção de J.Contreiras, 1945, p.100. 32. Brigada de História do Curso de Letras, Actividades de Julho 1979, Universidade Eduardo Mondlane, [A.Isaacman, A.Pililão, E.Macamo, M.J.Homem, M.Stephen e Y.Adam] 'A resistência popular à cultura forçada de algodão em Moçambique, 1930-1961', Maputo: mimeo, 1979. 33. Ver nota 36 do capítulo 2. 34. BA, 30.11.1940. 35. BA, 14.12.1940 36. BA, 23.11.1940 37. Citado em M.Ferreira, Literaturas africanas de expressão portuguesa, Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1977, vol.2, p.68. 38. J.Moreira, 'O dividido movimento associativo moçambicano', Maputo: UEM, s.d., [mimeo]. 39. Concordata e Acordo Missionário de 4 de Maio de 1940, Lisboa: Secretariado da Propaganda Nacional, 1943, pp.25-26. 40. Idem: p.120. 41. AHM, FNI, Cx 696, Repartição Central dos Negócios Indígenas, Informação 59, de 5.11.1942, e despacho do Governo-Geral, 10.11.1942. 127 Capítulo 4: Moçambique durante o Apogeu do Colonialismo Português 1945-1961: a Economia e a Estrutura Social 1. Características gerais do período Este período marcou o apogeu do colonialismo português em Moçambique no sentido de ser aquele em que a exploração colonial mais se desenvolveu em benefício do capital metropolitano A produção agrfcola de exportação aumentou consideravelmente através da utilização intensiva dos meios já estabelecidos de coerção e exploração da força de trabalho, nomeadamente, em sistemas de cultivo e trabalho forçados. Novos investimentos em infra-estruturas garantiram maior eficiência da economia colonial, e o fomento de investimento controlado permitiu um avanço gradual na indústria de transformação. Paralelamente, aumentou a população colona, que ocupava um crescente número de postos de trabalho que exigiam especialização, e cuja situação económica e social privilegiada veio a ser reforçada por barreiras raciais cada vez mais marcadas, principalmente, sob a capa da sindicalização dos trabalhadores brancos. Por outro lado, a maioria da população continuou a ser sujeita a um sistema de educação que, de facto, funcionava como uma barreira considerável a qualquer avanço significativo na sua formação geral, e ao Capítulo 4 seu acesso aos postos de emprego que requeriam qualificação técnicoprofissional. O sistema de repressão, erguido pelo colonialismo, baseava-se cada vez mais na recuperação e promoção dos régulos que, na sua maioria, passaram a ser os auxiliares directos da autoridade administrativa, utilizando a estrutura tradicional, ideológica e sócio-cultural, para garantir a tranquilidade, na medida do possível, da população rural. No entanto, foi neste período que, em resposta a esta experiência, e por influência da luta anti-colonial regional e mundial, se procedeu uma clarificação progressiva dos objectivos do movimento anti-colonial moçambicano, estabelecendo-se, assim, um movimento verdadeiramente nacionalista (capítulo 5). 2. A intensificação da produção rural 2.1. A cultura forçada de algodão Neste período, o algodão continuou a ser considerado, pelo Estado colonial, de longe o maior foco de desenvolvimento, reflectindo a importância da indústria têxtil para a industrialização de Portugal. No entanto, embora bem sucedido, no sentido de fornecer grandes quantidades de algodão à metrópole, o sistema sofreu algumas mudanças superficiais. Como vimos no capítulo anterior, o sistema implicava algumas fraquezas graves: provocou a forte resistência do campesinato, em especial as fugas que, difíceis de controlar, resultaram na diminuição do recurso principal da colónia, a sua força de trabalho; - o declínio da produção de culturas alimentares e o enfraquecimento da capacidade do campesinato em se reproduzir; - a reduzida rentabilidade por hectare e por cultivador em áreas geográficas muito extensas, implicando um esforço bastante dispendioso na propaganda e na fiscalização da maioria dos produtores, que estavam pouco motivados para a cultura do algodão, para além das grandes despesas relacionadas com o transporte (camiões, construção de estradas e pontes, etc.). 130 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 Em 1944 e 1945, nos finais da II Guerra Mundial, surgiu uma nova questão, nomeadamente o receio das reacções internacionais contra a violência do sistema [1]). No mesmo período, começou a verificar-se uma outra grave deficiência: o enfraquecimento do principal meio de produção rural nas áreas do algodão, o solo [2]. Apesar dessas deficiências, e das críticas feitas ao sistema algodoeiro por funcionários da própria Junta de Exportação de Algodão Colonial [JEAC], em 1946, o Governo português renovou o sistema de concessões algodoeiras por mais 10 anos. No entanto, o regime colonial iniciou uma política de mudanças no funcionamento do sistema algodoeiro, que visavam uma maior e eficiente rentabilidade da cultura. Previa-se que estas mudanças não afectassem as bases do sistema [3]. As principais iniciativas datam de 1947. Naquele ano, iniciou-se o Reconhecimento Ecológico-Agrícola, cuja função era a localização dos solos, mais apropriados para o algodão, e o eventual reajustamento das zonas das concessões. Face ao declínio da produção das culturas alimentares, nos seus relatórios internos, o regime colonial reconheceu que a base da subsistência camponesa foi de facto reduzida pela cultura de algodão. Mas, em vez de erradicar a causa do mal, que era o sistema de cultura obrigatória de algodão em si, a partir de 1946/7, o Estado colonial alargou gradualmente este sistema às culturas alimentares também. Desta maneira, nas zonas de algodão, todas as actividades produtoras do campesinato, não meramente a do algodão, vieram a ser dirigidas pela administração e pelos agentes das companhias concessionárias. Esta situação tinha uma contradição inerente: o interesse imediato das concessionárias estava na produção de algodão; a promoção das culturas alimentares constituía uma interferência no cumprimento desse objectivo, em termos de tempo e trabalho, quer dos seus agentes, quer dos produtores. Era difícil para o administrador, mesmo que tivesse a vontade e capacidade, de promover a produção adequada ao sustento familiar, contra as concessionárias, que eram a principal força económica nas zonas algodoeiras. Os agentes, capatazes e regentes agrícolas, empregados pelas concessionárias, eram, muitas vezes, quem orientavam as obras de construção e reparação das picada, Po(ntt',.-tr A Junta de Exportação Capítulo 4 de Algodão Colonial (JEAC) e o Centro de Investigação Científica Algodoeira (CICA), devido às suas reduzidas verbas, apoiaram as campanhas nos distritos de uma maneira muito selectiva, de modo que as concessionárias eram, normalmente, as únicas capazes de apoiar o administrador na implementação da política colonial rural. Numa tentativa de aumentar o nível geral de fiscalização, um sistema de controle, baseado no anteriormente em vigor em algumas zonas de Manica e de Sofala, foi gradualmente alargado às restantes concessões do país. Os produtores de algodão foram divididos em duas categorias: o primeiro era os 'agricultores de algodão', homens válidos entre 18 e 55 que tinham que cultivar um hectare de algodão e igual área de culturas alimentares; o segundo era os simples "cultivadores', os restantes produtores, principalmente, mulheres, que tinham a obrigação de cultivar 0.5 hectare de algodão e igual área de culturas alimentares. A todos foi distribuído*, em cada ano, um cartão, de côr diferente, segundo a categoria, no qual seria registado o cumprimento de todas as fases da produção, desde a distribuição da semente até à venda do produto. Com o objectivo de obstar os principais abusos nos mercados e transportes, o Governo-Geral fez circular instruções detalhadas sobre a comercialização. Concentrações algodoeiras, blocos e picadas No início da década de 50, começou a construção de 'concentrações algodoeiras', que consistia na colocação de grupos de produtores, em localidades seleccionadas pela administração e companhias. Cada uma teria espaço suficiente .para a rotação de culturas, e a sua própria picada de acesso. O objectivo do esquema foi: - intensificar a produção, através da supervisão mais estrita de cada produtor; - assegurar a produção de alimentos suficientes; - localizar facilmente os maus produtores que deviam ser indicados para contratação nas plantações; - reduzir o número e a extensão das viagens pelos administradores e agentes concessionárias; - diminuir os custos do transporte. A implementação dessa política enfrentou entraves de vária ordem. A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 Em particular, os derrubes e a construção de picadas e novas palhotas que implicavam muitas horas de trabalho não pago do camponês, que acaba por oferecer uma resistência contínua. As primeiras concentrações da Companhia dos Algodões de Moçambique (CAM) em Ocua, Cabo Delgado, que foram estabelecidas em 1951, mostraram os problemas. Em primeiro lugar, os camponeses que se tinham oferecido, voluntariamente, para a construção de uma só concentração, viram-se compelidos, à força, péla administração local, para a construção de outras três. Em segundo lugar, o rendimento por hectare no primeiro ano, que tinha sido normalmente alto, devido aos solos virgens, foi apenas de 308 quilos por hectare, ligeiramente inferior à média para a cultura de algodão fera das concentrações. De facto, no fim da década de 50, ainda não se tinha resolvido o problema dos custos das obras necessárias (derrubes e construção). Um cálculo feito em Nampula em 1959 mostrou que, enquanto as despesas para uma família, nos primeiros sete anos de uma concentração, incluindo o custo do trabalho nas construções, atingiam os 16 contos, o rendimento seria, na melhor das hipoteses, só de 8 contos. Face à relutância das concessionárias em financiar o empreendimento, a implementação dessa política não podia avançar a não ser que o próprio camponês suportasse os custos, facto que, de uma forma geral, intensificou a resistência à política colonial rural, salvo casos excepcionais, como aqueles em que a administração ou concessionária construiu represas e poços. Por outro lado, porque não implicavam, necessariamente, a cultura de produtos alimentares, mas davam possibilidades de melhorar o acesso às machambas e, assim, a fiscalização e transporte dos produtos, as concessionárias e administrações insistiram muito mais nos 'blocos', machambas alinhadas, rectangularmente, frente às picadas, que não exigiam a mudança de residência dos cultivadores. Para financiar a construção das picadas, blocos, concentrações, pontes, postos sanitários, etc., em 1952, o regime colonial estabeleceu o 'Fundo de Algodão'. Este fundo tinha como principal receita os descontos feitos aos produtores no acto da compra na razão de 0,30 e 0,20 escudos por quilo do algodão caroço da 1a e 2a qualidades * respectivamente. Estabeleceu-se assim mais um imposto sobre os produtores rurais, que 133 Caqpítjo 4 .1 134 r 1.8 ALGODÃO 1941 SI NA I S colheita comercializada de algodão em 1.000 toneladas Japa 1: Produção de Algodão, 194 'E -j ) -- -~--£ ~ ' ~\ - -4. \1 '-s 1 -s EL 1~ 1 5 1 1 1 ,o lf 1 1 E e E. 1 ~." 1' *1 4. 0.6 eB A Economia e a Erutura Social, 1945-1961 - 1~= -- -' 7' ~çy -' ç .1 1 1~ -. 1 1~s *1 1 1 1 i 97"7. ALGODÃO 1960 <1 .9. ? ";f SINAIS Principais zonas de cultivo de algod3o (em 195S) colheita comerci alizada o de algodão em 1.000t 10 Mapa 2: Produção de Algodão, 1960 Capítulo 4 vieram a contribuir directamente para uma grande parte dos capitais para a infraestrutura rural colonial. Isto significa que os poucos melhoramentos que foram feitos nas zonas rurais, como, por exemplo, represas, poços, postos de saúde e escolas rudimentares, foram pagos pelo povo, no só directamente, através do seu trabalho na construção, ccmo também, indirectamente, através da compra de materiais com a verba do 'Fundo de Algodão'. Além disso, como comprovaram os relatórios provinciais coloniais, a maior parte das verbas, sob este fundo, consistia nos custos de administração e nos vencimentos dos funcionários coloniais envolvidos. As mudanças na cultura de algodão atingiram o objectivo principal colonial. Aumentou a produção global e, assim, a exportação em beneficio da indústria portuguesa. Aumentou um pouco a produtividade, o que significou que se conseguiu esta produção com, ligeiramente, menos produtores. O preço pago ao camponês também aumentou ligeiramente. No Quadro 10, mostramos os resultados globais da cultura de algodão, calculados na base das médias anuais dos quadriénios indicados. Quadro 10: Produção de Algodao, 1945-1960 [4] Media por ano Período A.Caroço Produtor- kg/ha kg/ esc/ esc/ (tons.) res:n0 prod kg prod 1945-1948 64.300 621.750 255 103 1$66 171 1949-1952 81.838 508.000 318 161 2$31 371 1953-1956 95.007 517.000 341 184 2$63 484 19571960 118.590 523.000 392 227 2$74 621 O algodão de Moçambique só podia ser vendido na metrópole, o que continuou a render lucros fabulosos para a indústria portuguesa, e diminuiu o rendimento dos produtores em Moçambique. Um estudo colonial mostrou que, no período 19461956, a venda do algodão a preço mundial, em vez do preço português, poderia ter beneficiado Moçambique com mais 2.774.000 contos do que realmente recebeu. Só no ano de 1955 a indústria portuguesa economizou cerca de 387.000 contos através 136 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 das suas compras a Moçambique. No entanto, o reajustamento dos solos e a implementação das concentrações, elementos bastante interligados na política de reformas coloniais, na década de 50, não conseguiram aumentar a produtividade aos níveis desejados pela administração. De facto, mesmo pelos padrões modestos da política colonial, a cultura do algodão continuou a ser muito deficiente, não só porque se baseava na produtividade exígua por produtor, mas também requeria altos custos na fiscalização e comercialização. Nem a média de 400 quilos de caroço por hectare, modesta em comparação com outros países produtores, mas considerada aceitável pela JEAC nos anos 40, nem a de 450 quilos indicada pela orientação do Governador-Geral em 1951, foram atingidas, regularmente, pelo sistema de cultura forçada. Só nos anos de 1953, 1959 e 1960, a média ultrapassou 400 quilos por hectare (455, 432 e 471, respectivamente) [5]. Na província de Nampula, o maior produtor de algodão na Colónia, a média de produção por hectare e de rendimento por produtor, no período 1957-1960 (incluindo 2 dos 3 melhores anos da década para a cultura), foi de 353 quilos e 510 escudos por ano. De facto, na década de 50, a maioria dos produtores de algodão não auferiam, ainda, mais que 400 escudos por ano. Calcula-se que os relativamente pequenos aumentos de produtividade e de preço em nada compensaram a subida dos impostos e do custo de vida [6], situação que se vai agravando, cada vez mais, até ao final do período. Diferenças de produtividade Nalgumas áreas restritas, contudo, existiram condições que levaram a um melhoramento da produção de algodão. Estas eram áreas onde: - outras actividades económicas tinham imposto uma competição feroz para a exploração de mão-de-obra rural; - a rede dos transportes era mais desenvolvida; - a fertilidade dos solos era maior; - algumas famílias camponesas tinham já conseguido comprar meios de prddução mais evoluídos como, por exemplo, a charrua. Condições como estas, provocando, muitas vezes, maior esforço da administração, das concessionárias e dos serviços técnicos da JEAC, 137 Capítulo 4 porque davam a possibilidade de uma maior rentabilidade em relação ao investimento, existiam particularmente em zonas de Zambézia (Mocuba, Mugeba, Derre, Mocubela, Maganja da Costa, Morrumbala) e Gaza (Alto Changane, Gaza sede, Chibuto, Mabalane, Bilene, Massingir, Guijá). Nestas zonas, a cultura de algodão, ainda que obrigatória, registou maior produtividade e, assim, maior rendimento por produtor. Nota-se que nalguns blocos e concentrações do norte, onde foram experimentadas novas variedades de semente, como, por exemplo, as mais resistentes ao ataque de lagarta, o r¿i.dimento também aumentou. Analisemos as diferenças de produtividade: considerando a média desejável de 450 quilos por hectare, a análise da estatística colonial mostra que, no período 1954/1959, apenas cerca de 25 por cento dos produtores conseguiram rendimentos acima desse nível, produzindo cerca de 34 por cento do total do algodão caroço; os restantes 75 por cento, abaixo do nível recomendável, em 1951, produziram 65 por cento do total [7]. Essa diferenciação, que se desenvolveu gradualmente ao longo deste período, diminuiu a posição dominante da província de Nampula, como produtor principal de algodão. No período 1957-1960, produziu cerca de 26 por cento do total do país (aproximadamente 48 por cento em 19411944), enquanto a produção da Zambézia aumentou, proporcionalmente, para cerca de 23 por cento (menos de 14 por cento, em 1941-1944). Além disso, as províncias de Inhambane e Gaza passaram a produzir cerca de 25 por cento do total em 1957-1960 contra apenas cerca de 5 por cento em 1941-1944 [8]. 2.2. O reforço do controle sobre a mão-de-obra rural O regime colonial aproveitou-se do clima bélico imposto pela II Guerra Mundial para intensificar a exploração do povo moçambicano, através de uma generalização de trabalho forçado, nas zonas rurais [9]. Através de uma nova circular de 1947,, o Governo-Geral colonial reafirmou a obrigação, estabelecida em 1942, segundo a qual todos os homens válidos, que não eram agricultores de algodão, deviam trabalhar por conta. de outrém durante seis meses em cada ano. Mas, pretendendo esconder melhor o trabalho forçado dos seus crfticos internos e externos, o regime 'proibiu' as administrações locais de exercerem qualquer papel no recrotamento de trabalhadores para as plantações. Esta orientação 138 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 provocou muitas reclamações da parte dos proprietários e agricultores privados, que queriam proteger o seu fornecimento de mão-de-obra barata, com baixos custos de recrutamento. Estas preocupações foram tomadas em conta aquando da implementação da medida nas províncias. É exemplo disso a reorganização nas províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa. Embora se tivesse tirado do administrador uma parte notória do seu papel no recrutamento, reforçou-se, ainda, o sistema de trabalho forçado. Os administradores e chefes de posto foram orientados no sentido de deixarem de capturar e concentrar os chamados 'vadios e ociosos' nas sedes e postos, donde, até então, eram levados pelos recrutadores. A partir de 1947, licenciados pelo Governos provinciais e reconhecidos pelos administradores, os recrutadores tinham, teoricamente, que ir aos regulados onde desejavam recrutar. Depois, e segundo a nova orientação provincial: "De regresso das terras, os agentes de recrutamento apresentarão os contingentes de trabalhadores engajados, para efeitos de celebração ou aprovação dos indispensáveis contractos, pelos agentes do curador ou os seus delegados. Se vier a ser verificado que o número de trabalhadores recrutados é inferior às necessidades de cada patrão, a autoridade administrativa ordenará rusgas nas povoações indígenas, onde comparecerá pessoalmente ou se fará representar por um funcionário administrativo, como seu legítimo delegado. Todos os indígenas válidos disponíveis que forem encontrados sem ocupação serão detidos e levados compulsivamente ao trabalho .... se não pretenderem e pedirem, nessa altura, para ir procurar patrão de sua livre vontade e à sua escolha. Todos os indígenas que, mesmo assim, deixaram de efectivamente se contratarem voluntariamente serão capturados novamente, e mandados trabalhar seis meses, apenas com alimentação, para uma divisão administrativa o mais longe possível dos seus domicílios permanentes, como acto repressivo de reincidência" [101. Assim, enquanto o sistema ficasse dependente da actuação rigorosa das autoridades coloniais para o seu funcionamento, aumentava um pouco ,» papel dos recrutadores privados e daqueles régulos que, recebendo :ompensações das companhias e regalias da administração, se tornavam mais activos no recrutamento de trabalfadores. De facto, na ausência de capitais para o desenvolvimento rural, a tendência era aumentar o grau de rigor no sistema laboral, para assegurar a materialização dos planos económicos coloniais, sem criar novas verbas Capítulo 4 para salários e postos permanentes de trabalho. Isto dizia respeito não só às obras públicas como também à construção de outros empreendimentos. Assim, em 1948, o Governo colonial reafirmou que o administrador podia empregar o excedente dos habitantes, definidos como *vadios' e 'ociosos', na reparação e conservação de estradas e abertura de caminhos, por tempo não superior a seis meses, recebtendo estes trabalhadores, apenas, alimentação. Particularmente nas três províncias do norte, os planos económicos coloniais requeriam a mobilização maciça de mão-de-obra extremamente barata para novas tarefas, nomeadamente, as obras associadas à cultura de algodão, à fixação de colonos, à construção urbana e à expansão das plantações de sisal. Para facilitar esses planos, sem o dispêndio de capitais, o Governo-Geral decidiu alargar, ainda mais, o âmbito do trabalho forçado gratuito, tendo em vista: - a abertura de concentrações algodoeiras e vales de irrigação e drenagem de pântanos; " a construção de aldeamentos, aeródromos, gafarias, maternidades e postos de consulta e tratamento; - o fabrico de tijolo, cal e todos os materiais necessários à administração. Para obviar a falta de verbas para a alimentação dos trabalhadores empregados nestas obras, podia o trabalho de alguns 'ociosos' e 'vadios' ser aproveitado em machambas destinadas a produzir culturas alimentares[1 1]. Na prática, do ponto de vista colonial, o sistema de recrutamento forçado ainda tinha as suas fraquezas. Uma delas era a dificuldade de impedir as deserções dos trabalhadores, pouco compensados pelos salários, face à elevação dos custos de vida e dos impostos. As deserções contribuíram, significativamente, para a grave crise de mão-de-obra no norte, nos inícios da década de 50. Este problema afectou, particularmente, as plantações de sisal, produto que, tendo sido incentivado pela subida de preços no período de 1948 a 1952, é atingido por uma queda brusca em 1953. Precisaram, assim, de aumentar a sua produção para manter os seus lucros, reduzindo ao mínimo todos os custos de mão-deobra. 140 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 20. O regime de trabalho compulsivo, pago ou gratuito, contribuiu decisivamente para a construção de infraestruturas, corno o Caminho de Ferro do Norte. Cpítulo 4 A agravar a crise, na altura, registou-se no mercado mundial o aumento da procura e da subida de preços de outros produtos agrícolas, nomeadamente, acúcar, chá, copra e cajú. Os elevados preços oferecidos pelos comerciantes asiáticos para a castanha de cajú estimularam a expansão do plantio do cajueiro pelo campesinato do norte, que pretendia ganhar o seu sustento em condições mais agradáveis e rentáveis do que nas plantações. Uma parte do campesinato, conseguiu desta maneira, uma substituição parcial do rendimento previamente atingido através das vendas de amendoim. Com a elevada procura de mão-deobra, os proprietários das plantações olharam com ansiedade a crescente distribuição dos cartões pelos agricultores e cultivadores de algodão e do arroz. O sistema de cartões, que instituía um melhor e mais eficiente controle, em prol destas culturas, significou, na prática, uma redução cada vez maior das disponibilidades de mão-de-obra para recrutamento. Por estas razões, nos inícios da década 50, começou a revisão e sistematização de toda a matéria da chamada 'política indígena', com incidência especial no recrutamento rural. Em 1953, o Governo Geral emitiu uma nova circular sobre mão-de-obra rural, que visava, essencialmente, intensificar o controle administrativo, para efeitos de trabalho, de todos os homens válidos no país. O recrutamento devia ser realizado na base de um recenseamento detalhado de cada homen válido em cada regulado, cujos elementos deveriam ser. registados numa ficha especial para o efeito, e regularmente actualizados, através das informações obrigatoriamente fornecidas pelas entidades patronais. Assim, por exemplo, nas províncias do norte, foram postas a circular novas orientações, catalogando exaustivamente as tarefas e obrigações de todos os participantes (companhias, recrutadores, administradores, régulos e trabalhadores). Esta medida consolidou o sistema estabelecido pelas circulares de 1942 e 1947. O próprio régulo tinha a obrigação de colaborar, intensivamente, com as autoridades administrativas na elaboração do ficheiro, de perseguir os 'ociosos', 'vadios' e 'prófugos', denunciando-os, imediatamente, às autoridades administrativas, e de acompanhar os cipaios às terras, de maneira a evitar-se perturbações no meio rural. Apenas a um número muito reduzido de trabalhadores migrantes foi concedida a escolha de patrão (considerada como o direito de todos, no RTI de 1930). Alguns desses trabalhadores migrantes, 'privilegiados' em 142 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 comparação com a maioria, que suportava a rigorosa disciplina laboral colonial, beneficiaram de contratos sucessivos, prémios ou abonos sobre .os salários. No entanto, para efeitos de contratação da maioria dos trabalhadores, os distritos permaneciam, normalmente, como reservas privadas de mão-de-obra de uma só entidade patronal. Este facto e o reforço dos poderes administrativos significavam que, apesar das constantes reafirmações da necessidade de obrigar os recrutadores a ir pessoalmente aos regulados para angariar trabalhadores, como orientado nas circulares de 1947 e 1953, os administradores continuaram a recrutar trabalhadores entre a população rural. Isso efectuava-se por vários métodos: i) através da "contribuição braçal', trabalho forçado de uma semana, anualmente, nas estradas ou outra obra pública, após o qual os trabalhadores tinham que optar por um patrão; ii) utilizando as informações recolhidas dos registos e ficheiros, o administrador mandava os sipaios concentrar os que, não possuindo cartões de agricultor, não tinham cumprido a sua obrigação de seis meses de trabalho; iii) as entidades patronais, utilizando os seus próprios registos, informavam os administradores distritais dos nomes dos trabalhadores que deviam apresentar-se para contratação, após os seis meses de descanso. Além disso, procurando evitar tais compulsões arbitrárias, os trabalhadores, muitas vezes, ofereciam-se *voluntariamente', aos recrutadores privados. Trabalhando em estreita ligação com os administradores e chefes de posto, os recrutadores tinham reduzidas despesas de funcionamento. Por seu turno, os empregadores pagavam ao recrutador ou mesmo directamente ao administrador, por cada recrutado, mais que ao próprio contratado, durante os seis meses de trabalho [12]. Largamente auxiliados pela administração na obtenção da sua força de trabalho, as entidades empregadoras não tinham que se preocupar com os salários e condições de trabalho. Um relatório colonial fazia um balanço sobre este aspecto em 1959: 143 Capitulo 4 "De uma maneira geral, as entidades patronais oferecem a maior resistência à fixação de salários justos; desinteressam-se por completo por atrair e captar a mão-de-obra de que precisam; não curam da eficiência nem dos processos de recrutamento, limitando-se a pagar as importâncias que os recrutadores lhes exigem, muitas vezes escandalosamente elevadas; não constrõem acampamentos e habitações para os trabalhadores, senão quando compelidas; evitam prestar assistência médica adequada e distribuem as peças de vestuário regulamentar de pior qualidade que lhes é consentida. Todas as medidas tendentes a modificar tal Estado de coisas são combatidas proclamando a incapacidade financeira, a ruína dos empreendimentos e das empresas, o descalabro da economia da Província (colónia, N.R.)... A atitude descrita é muitas vezes apoiada e reforçada pelos próprios serviços do Estado... As autoridades administrativas.. .tomam quasi sempre a defesa das entidades patronais, receosas de que exigências incomportáveis provoquem o atrofiamento económico, senão a ruína das regiões que lhes estão confiados" [131. Forçado ao contrato, o trabalhador migrante r&éebia o seu salário, através do pagamento diferido, que era um outro- meio de exploração, no sistema de trabalho imposto após. 1930. A prática normal, até ao fim da década de 50, era pagar uma pequena percentagem (habitualmente só uma sexta parte) do salário no local do trabalho. Às vezes, esse pagamento consistia em roupa em vez de dinheiro. Os restantes 80 por cento eram pagos no regresso aos distritos de origem, descontando o administrador o imposto do contratado. A título de exemplo, o trabalhador nas plantações de Xínavane em Maputo recebia no local de trabalho 20 escudos por mês e, após 6 meses de contrato, recebia do administrador, no seu distrito, 300 escudos (600 escudos menos 300 do imposto). No norte a situação era pior: o trabalhador nas plantações de sisal de Nampula e Cabo Delgado, onde o salário normal era 66 escudos por mês, recebia, no local de trabalho, 66 escudos, ou o seu equivalente, durante os seis meses, e 200 escudos no seu regresso (330 escudos menos 130 de imposto). Com este dinheiro, tinha que contribuir para o seu sustento, nos seis meses de 'descanso' em casa, para a compra dos meios de produção da agricultura familiar, e outras mercadorias, como tecidos e cobertores. O reforço de controle administrativo e policial, sobre a mão-de-obra rural e o sistema migratório, permitiram ao regime colonial justificar o pagamento de salários que eram muito abaixo do custo de subsistência dos trabalhadores e das suas famflias. Este facto é claramente evidenciado nos inquéritos sobre salários e custo de vida para trabalhadores não A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 especializados, feitos no fim da década de 50. Por exemplo, os salários pagos na altura em Manica e Sofala e Niassa, eram de 120 e 66 escudos respectivamente. Porém, os Governadores calcularam que seria necessário um mínimo absoluto de 250 e 235 escudos, para pagar todos os encargos (imposto, alojamento, vestuário) de um casal com dois filhos, tirando os custos de alimentação, pagos pela empresa e produto do trabalho familiar na terra. No entanto, mesmo tendo em conta a subida do custo de vida e a situação política criada pelo massacre de Mueda em 1960 [14], o Governo Geral optou, apenas, por ligeiros aumentos salariais (para 140 e 90 escudos no caso de Manica e Sofala e Niassa). Decidiu, assim, responder às reclamações da agricultura capitalista e das concessionárias de algodão, que seriam afectadas pela concorrência, se houvesse uma subida significativa dos salários pagos nas plantações e machambas. Juntamente com o próprio Estado colonial, não encaravam, facilmente, os investimentos de capitais e de tecnologia necessários para tornar o sistema de produção rural menos dependente da força administrativa e com maior produtividade por trabalhador [15]. A renovada intensificação da pressão administrativa colonial, que se verificou entre 1945 e 1961, produziu bons resultados nas plantações e machambas de Moçambique. Compensando o esforço inicial na compilação dos registos de trabalho, que facilitavam a localização de cada camponês/trabalhador, diminuiu rapidamente o número de deserções e, assim, os custos de recrutamento. Conseguiu-se, deste modo, uma divisão administrativa de trabalho mais eficiente, no sentido de proporcionar a todas as actividades produtoras coloniais, o fornecimento de quantidades adequadas de mão-de-obra barata. Desta maneira, as plantações mantiveram o seu ritmo de trabalho; no caso das plantações de sisal, o aumento do nível de assiduidade (de 40 para 80 por cento), no período entre 1953 e 1956, compensou o declínio do preço com uma alta de produção, que, no fim da década de 50, era, anualmente, quase o dobro da década anterior. 2.3 Produção global das mercadorias agrícolas de exportação Do ponto de vista do regime colonial, as medidas tomadas para a promoção das principais culturas de exportação, e para a actualização da divisão do trabalho, foram bem sucedidas. 14 14( 12( 10( 80 60 40 20 O 600 500 400 300 200 100 o 1945-48 19-19-52 1953-56 1957-60 i ilgodao F.i A<.a,. E Copra 1 sa 1 Clia Quadros 12: Principais exportações, 1945-1960: Valor ConL.ob 1945-48 L Algodao ll Caju 1949-52 1953-56 1957-60 Acucar -- Copra Sisal Cha 600 500 400 300 200 100 o 5 ) Capítulo 4 Quadro 11: Principais exportações, 1945-1960: Volume Milhares de toneladas 140 120 100 80 60 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 Quadros 11 e 12, elaboradas na base de médias anuais em cada quadriénio do período em estudo (com o objectivo de obviar as flutuações inuais devido aos maus anos agrícolas, falta de navegação, e oscilação de preços), mostram o aumento das exportações. A tonelagem geral destas 6 mercadorias aumentou de uma média anual de 183.500, em 1945-1948, para 307.370 em 1957-1960, um aumento de 67,5 por cento. Contudo, o valor destas mercadorias aumentou, no mesmo período, de 545.000 contos para 1.570.069 contos, isto é, quase três vezes mais. O valor das exportações de açucar, cajú e chá aumentou significativamente em relação ao de copra e sisal, neste período, como mostra o Quadro 13. Quadro 13: Percentagem das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 [16] 1945-1948 1957-1960 Algodão 35 35 Acúcar 15 20 Cajú 8 14 Copra 21 12 Sisal 14 9,5 Chá 3 9,5 2.4 A estrutura da exploração rural colonial e as suas consequências Não obstante os grandes avanços nos rendimentos globais das concessionárias e plantações, a situação de grande número de produtores piorou, neste período, devido a vários factores inerentes à estrutura de exploração colonial. Um dos principais factores foi a diferença de interesses e de poderes entre as concessionárias algodoeiras e orizicolas, por um lado, e os produtores, por outro. Referindo-se ao período 1945/1947, um crítico do regime fascista, que estudou o sistema algodoeiro em Moçambique, Capítulo 4 caracterizou as posições relativas das companhias e dos produtores: "Não deve haver muitos negócios mais seguros em todo o Império. Os indígenas correm todos os. riscos (e não são pequenos) da exploração agrícola: intempéries, invasão de parasitas, insuficiência dos terrenos, etc. Como o concessionário não é agricultor e apenas compra o algodão que lhe for apresentado pelos agricultores, a preço fixo, corre... todos os lucros. Quer dizer a parte arriscada fica para o indígena, a grande fatia dos lucros e da segurança fica para o concessionário" [171. Um ,'elatório confidencial de 1947 considerou que, mesmo se fosse atingida a meta de 400 quilos de caroço por hectare, a cultura não podia ser compensadora, porque implicava um rendimento de cerca de 600 escudos, que não dava para comer, vestir, e pagar o imposto. O mesmo relatório continuou: "É modalidade de escravidão o que se está fazendo em matéria de produção de algodão pelo 'indígena'. Ela empobrece-o e definha-o, porque lhe não permite fazer culturas alimentares e mais rendosas' [18]. A situação não melhorou nos anos seguintes. Um estudo feito em 1950, por exemplo, mostra que o preço de milho, amendoim e feijão, produtos que o camponês antigamente comercializava, e que passou a ter, muitas vezes, de comprar, tinha sofrido um aumento duas vezes maior que o do algodão na década de 40, e conclui que a cultura de algodão era a que "menos benefícios traz para o indígena, numa inversão da situação que normalmente se observa em todas as regiões do globo" [19]. Como já vimos, a.maioria dos produtores não conseguiram, mesmo no fim da década de 50, um rendimento superior aos 400 escudos. Violência e produção Para assegurar a expansão de produção nas zonas rurais, contra a vontade e a resistência do povo, quer nas machambas dos camponeses quer nas plantações (capítulo 5, ponto 4), o regime colonial continuou a basear a sua estratégia, em grande parte, na força policial e violência corporal. Passamos a citar somente alguns depoimentos, colhidos em várias regiões 148 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 do país, que se referem a esta situação. Num extracto que refere ao início da década de 50, Martha Chissano, então mãe de 24 anos, descreve a cultura forçada do arroz no regulado de Makupulani, no distrito de Mandhlakazi, Gaza: "Em Mandhlakazi, cada pessoa era obrigada a cultivar algodão ou arroz; ninguém era obrigado a cultivar os 2 produtos ao mesmo tempo. Contudo, havia discriminação contra, as mulheres porque além disso, as mulheres deviam prestar trabalho gratuito aos régulos quando eles o exigiam. As mulheres sem maridos [ausentes como trabalhadores migrantes], ou solteiras eram, especificamente, indicadas para este fim. Como todos tinham cartão de identificação, o régulo, através dos seus sub-chefes e sipaios, estava sempre em condições de saber qual a família que não tinha pago o imposto. "Eu cultivava ar.oz para Makupulani, nosso régulo. Imediatamente antes da colheita de arroz, os capatazes eram mandados a cada machamba para fazer uma estimativa do número de sacos que cada cultivador ia colher e, na base desta estimativa, os capatazes entregavam os sacos ... Se, no fim, não fossem capazes de encher os sacos, (...) eles podiam acusá-las de ter escondido uma parte da produção para o seu próprio consumo. Não era permitido consumir nenhum arroz por nós produzido; deviamos fornecer cada grão às autoridades, e depois iamos às lojas comprar o arroz para o nosso próprio consumo. "O cultivo do arroz causou grandes sofrimentos nas terras de Makupulani. Numa ocasião, algumas mulheres, eu própria incluída, foram presas e conduzidas a um dos sub-chefes do régulo para averiguações, porque não tinhamos cultivado as nossas machambas, no prazo. A razão.porque muitas de nós não conseguiram, toda a gente sabia: nenhuma de nós tinha charrua, e tinhamos que lavrar as terras duras e pesadas do leito do rio apenas com as enxadas. Algumas das mulheres não conseguiram porque estavam doentes, mas todas estas razões válidas foram rejeitadas, imediatamente, pelo chefe, que nos ordenou deitar de barriga para sermos chicoteados nas costas" [20]. Canções de trabalho, colhidas na Zambézia e referentes aos meados da década de 50, revelam as práticas, particularmente violentes, dos capatazes de algodão da concessionária do baixo Zambeze, Sena Sugar Estates Limited. Para além dos castigos corporais, considerados normais nas culturas forçadas, as mulheres de Luabo, que trabalhavam nas machambas de algodão, tinham que enfrentar um 'incentivo' ainda mais desumano: o do capataz, Varajim, que, habitualmente, agarrava os bebés Capítulo 4 das suas costas, e punha-os num caixote, para obrigá-las a trabalhar melhor [21]. No extracto seguinte, referente aos finais da década de 50, Albino Maheche, então enfermeiro no hospital de Nampula, descreve acontecimentos frequentes: "Na altura, era hábito vermos nos hospital de Nampula, homens e mulheres com nádegas escavadas, com feridas, ou seja, úlceras, porque esse administrador [refere-se ao administrador de Murrupula, N.R.] usava um chicote, preparado com restos de pneus velhos e um cabo especial, que servia para torturar as pessoas que fugiam ao cultivo do algodão e do arroz. Batia tanto nas nádegas que ficavam lesadas com feridas, ou úlceras, quando estivessem num estado mais avançado. "Na cidade de Nampula era hábito ver pessoas acorrentadas, vestidas apenas de camisola interior, tanga ou meconta. Em plena cidade, os presos andavam quase nus. Conseguíamos vê-los assim quando regressavam aos calabouços vindos do trabalho forçado. "Aquilo era espectáculo nas ruas de Nampula, na época, para as pessoas que não se tinham habituado a ver coisa igual. As pessoas admiravam-se porque passavam acorrentadas em filas de 20/30 pessoas, na ida e regresso da machamba para os calabouços. Alguns destes indivíduos faziam parte daqueles que eram apanhados a fugir ao cultivo do algodão e arroz" [22]. No depoimento seguinte, Joaquim Maquival descreve a violência por detrás do trabalho para plantação da Sociedade de Chá Oriental de Milanje, na mesma altura: "Comecei aos 12 anos a trabalhar para a companhia; pagavam-me 15 escudos por mês. Trabalhava desde as 6 da manhã até ao meio dia, parávamos duas horas e continuávamos das 2 até as 6 da tarde. Toda a família trabalhava para a companhia: meus irmãos, meu pai .... meu pai ganhava 150 escudos por mês. Tinha que pagar 195 escudos de imposto anual. Nós não queriamos trabalhar para a companhia, mas se recusassemos, o governo mandava a polícia às aldeias e prendiam aqueles que recusavam, e se fugissem o governo punha a circular fotografias e dava início à caçada ao homem. Quando os apanhavam batiam-nos, metiam-nos na prisão e quando saiam tinham que ir trabalhar sem receber férias; o argumento era que eles fugiam porque não precisavam de dinheiro. ... Assim, nos nossos campos só ficavam as nossas mães, que pouco podiam fazer. Só tinhamos para comer o pouco que elas conseguiam produzir" [23]. 150 A Econona e a Estrutura Social, 1945-1961 O comércio rural A par da implementação das culturas e trabalho forçados, aumentou a rede comercial rural. À primeira vista, este desenvolvimento beneficiava o campesinato, devido a uma comercialização mais alargada. Mas, numa breve análise, concluímos que representava a crescente penetração e dominação da economia familiar pela economia capitalista portuguesa, o que agravou o empobrecimento de grande número de camponeses. A implementação da política colonial, nas extensas áreas geográficas, exigia a construção de estradas para a fiscalização, comercialização e transporte das culturas até às fábricas e portos. O número de mercados e lojas no interior aumentou notavelmente, sobretudo, ao norte do Zambeze, onde se estima que o número de lojas, fora das principais cidades, aumentou de 1.000 para 2.000 entre 1942 e 1960. Esta expansão teve a sua origem no aumento dos rendimentos obtidos pelo povo, e na crescente necessidade dos produtores das culturas forçadas em comprarem parte da sua subsistência, e dos seus meios de produção. É de notar que, embora pequeno o rendimento individual proveniente das culturas forçadas e outras culturas e dos salários obtidos nas plantações, a soma de tudo isto, canalizada para os comerciantes, era considerável. Por exemplo, na reserva de Eráti, em Nampula, onde o rendimento monetário vinha, principalmente, do algodão, o rendimento médio de cada produtor foi só 443 escudos por ano entre 1949 e 1959, antes da colecta dos impostos. Contudo, é principalmente na base destes dinheiros e, talvez, dos 100 a 150 escudos que cada família obtinha da venda de outros produtos e salários de migrantes, que o número de lojas cresceu de 16 a 51, no mesmo período. Calcula-se que, nos meados da década, cada loja movimentava cerca de 500 contos por ano. Na década de 50, em Amaramba, Niassa, onde o rendimento das vendas de algodão era de 507 escudos por produtor, por ano, o número de lojas aumentou de 25 para 66 [24]. Os principais produtos vendidos aos camponeses eram produtos alimentares, sal, tecidos e vestuário, enxadas, tabaco, fósforos, sabão, vinho e bicicletas. O aumento do comércio rural serviu, assim, como uma forma de vender, relativamente caro, os produtos, quer da indústria portuguesa, quer local. Note-se que a bicicleta, cuja utilização aumentou consideravelmente neste período, longe de servir para transporte pessoal, constituía, além dos carros de bois na posse de alguns régulos e outros Capítulo 4 camponeses, relativamente ricos, o único meio moderno capaz de substituir a força humana no transporte das mercadorias familiares para as lojas. O comércio rural foi o veículo através do qual a indústria e o comércio portugueses expandiram o seu mercado. De facto, o custo de vida rural foi gravemente, afectado pela exclusividade das relações comerciais entre Moçambique e Portugal. Assim, Moçambique só podia comprar os seus tecidos, o artigo de importação mais procurado, ou em Portugal, ou por seu intermédio. Com a proibição de importação de tecidos mais baratos e de alta qualidade, de Itália, Japão, Índia e Alemanha, os preços dos panos portugueses subiram tanto, que constituíram uma outra imposição sobre os produtores. Por exemplo, calculase que, nos meados da década de 50, Moçambique pagou duas vezes o preço mundial pelas importações de cobertores (cerca de 10.000 contos por ano). Além destes custos, que o povo tinha de pagar, havia os que resul.tavam da política de fixação de colonos seguida após 1945. A instalação de comerciantes brancos, nas zonas rurais, em detrimento doutros comerciantes, principalmente asiáticos, foi vista como um meio importante na expansão da influência portuguesa. Protegidos pelo Estado colonial, porque não podiam concorrer com os outros comerciantes, devido às suas aspirações (acumulação rápida e participação no estilo de vida da elite branca), estes comerciantes praticavam preços demasiado altos. Por estas razões, os produtores moçambicanos de algodão, não só recebiam apenas metade daquilo que o mesmo trabalho dava nas colónias vizinhas, como também tinham que pagar, pelo menos, o dobro pelos tecidos que compravam, o que constituía um motivo constante para a resistência e emigração. O reduzido rendimento e poder de compra do povo, nas zonas rurais, deve ser compreendido em relação à estrutura global de trabalho. O sistema de culturas forçadas dependia, em geral, de um campesinato capaz de se sustentar e reproduzir pelos seus próprios recursos, sem contar com os proventos do seu trabalho nas concessionárias, que serviam para pagar os impostos e pouco mais. Isto significa que, enquanto uma grande parte do fundo do tempo e da capacidade de trabalho fosse absorvida nas empresas e administração coloniais, elas não contribuíam para os custos sociais da família A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 camponesa. Por outras palavras, da mesma forma em que a sociedade rural tinha que absorver os custos sociais de migração (a reprodução familiar, a reforma, os ferimentos e, possivelmente, mortes devido aos acidentes industriais) ao campesinato cabia, também, o papel de suportar todas as desvantagens das culturas forçadas. A degradação dos solos, subnutrição e fomes A agravar esta situação, a intensificação da cultura forçada de algodão provocou a degradação dos solos, o que diminuiu a colheita de todas as culturas no sistema de rotação. Este processo é bem ilustrado pelas condições preyalescentes, no fim da década de 40, em Mogovolas, Nampula, que até então era um dos distritos de maior produção de algodão e produtos alimentares na província de Nampula. Nestes anos, houve uma acentuada quebra na produção de alimentos e, também, de algodão, devido à exaustão dos solos, depois de mais de uma década de culturas obrigatórias. Numa tentativa de recuperar os antigos níveis de produção de algodão, os capatazes europeus e 'indígenas' da concessionária, apoiados pelo administrador, instituíram um reino de terror contra a população em geral, em que figuravam extorsões, espancamentos e. outras violências. Os próprios régulos, as vezes publicamente humilhados pelos capatazes, temiam reclamar junto do administrador. Nesta situação, os camponeses foram obrigados a cultivar áreas excessivas de algodão, em detrimento das suas culturas de mapira, amendoim, feijão e mandioca, não havendo possibilidade de criar a tradicional reserva de alimentos. Por estas razões, o mau ano agrícola de 1950-1951 provocou a fome e uma epidemia de disenteria que, segundo o conhecimento local, resultou na morte de mais de 3.000 pessoas, e que gerou, contra a administração, uma atitude generalizada de hostilidade e resistência passiva, que alguns régulos partilhavam. Um inquérito sobre as causas foi elaborado por agrónomos não pertencentes à JEAC nem à administração civil, e por isso, de algum modo, mais aptos a fazer uma apreciação independente, embora, na altura, confidencial. O relatório do inquérito fazia uma crítica à inflexibilidade da política e aos métodos da produção colonial. Segundo o relatório, isto provocou que uma zona densamente povoada e, até então, capaz de se abastecer a si própria e de produzir excedentes em 153 amendoim e milho (quer para venda, quer para reserva alimentar), passasse a estar à beira do desastre. Referindo-se ao período antes da fome, o relatório conclui que a população de Mogovolas estava mais pobre do que antes de se iniciarem as campanhas de produção: "Em resumo, o 'indígena' não está melhor agora do que há trinta anos o devia estar. Nem ele, nem ninguém vê qualquer resultado do seu esforço"[25]. Concordando com o relatório, o Governador da província escrevia que Mogovolas dava todas as indicações de ser uma terra 'insofismavelmente exausta'. A situação deste distrito era ainda mais grave: devido aos constantes derrubes nas terras virgens durante a vigência da política de algodão, havia espaço para apenas mais 2 anos de cultivo, caso a administração insistisse nA plena implementação da cultura forçada. Os problemas que as culturas forçadas trouxeram não se restringiram apenas a Mogovolas, mas eram comuns a muitas outras partes de Moçambique, como afirma o mesmo relatório: "O ora verificado em Mogovolas está à beira de se dar em todas as circunscrições mais populosas da Província (Colónia, N.R.). O que se desenha em Netia, Memba, Namapa, Ile ... é uma autêntica corrida para a miséria futura da terra" [26]. Se bem que para o caso de Mogovolas, o Governo-Geral desse orientações para uma redução da cultura de algodão, noutras zonas, a política de algodão continuou com mais intensidade. O reajustamento de solos e a instalação de concentrações, embora promovessem o aumento gradual de produção, em nada contribuíram para alterar a perigosa situação das zonas densamente povoadas, que permaneciam constantemente sujeitas a crises alimentares, caso as condições climáticas fossem desfavoráveis. Um relatório do governo provincial de 1957 confirmou este facto: "Em Mogovolas, Meconta, Nacala, Eráti, Memba e outras divisões onde a densidade populacional oscila entre 20 e 40 habitantes por quilómetro quadrado, o solo degradava-se muito para além de qualquer possibilidade de recuperação económica. Repetidas culturas nos mesmos lugares em anos e anos sucessivos, sem a incorporação de adubos e sem os pousios regeneradores, a terra empobrecia mais e mais, até que, abandonada por imprestível. . ."[27]. Capítulo 4 154 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 Se apenas as culturas alimentares falhassem, os camponeses tinham que recorrer, então, ao produto da venda do algodão e arroz, ap6s lhes terem sido descontados os diversos impostos, para a compra de alimentos. Pior ainda era se, além disso, a colheita do algodão também fracassava, deixando-os sem qualquer possibilidade de aquisição de alimentos aos cantineiros rurais. Tais situações surgiram de novo em 1959 no distrito de Murrupula e em partes de Iuluti, Mogovolas e Morna, provocando centenas de mortos. É evidente que estas situações eram frequentzs. As culturas forçadas, a exaustão dos solos, a erosão, e a retirada da força de trabalho masculina para as plantações e outras obras, atingiram profundamente a capacidade do campesinato, em grandes zonas do país, de proporcionar a sua própria subsistência. Provocaram uma consequência menos dramática, mas mais crónica que as calamidades: a diminuição da variedade de alimentos básicos disponíveis nas zonas rurais e o surgimento da subnutrição. Isto deveu-se à negligência relativa a que foram votadas as culturas de amendoim e feijão e à obrigação de vender, muitas vezes, uma parte considerável destes produtos, para satisfazer os encargos monetários, tendo em conta o reduzido rendimento da cultura de algodão. Para isto, contribuiu, também, a crescente substituição, na dieta familiar, de cereais como sorgo, mapira e milho por mandioca, devido à economia de tempo na sua produção. Pela mesma razão, mandioca era, de longe, o produto mais barato que as plantações podiam comprar para a alimentação dos seus trabalhadores, cujas refeições eram, raras vezes, acompanhadas com proteínas e vitaminas. Note-se que o milho, a mapira e o sorgo fornecem mais minerais e proteínas do que mandioca, mas requerem muito mais trabalho. õ processo de privilegiar a cultura da mandioca em detrimento dos cereais e de outros produtos mais nutritivos remonta à década de 20. As culturas forçadas, e as campanhas de cultura alimentar obrigatória, cada vez mais implementadas a partir de 1947, e que foram quase exclusivamente de mandioca, intensificaram essa tendência. Embora as verdadeiras dimensões destas mudanças fiquem, ainda, por aprofundar, algumas das suas consequências já se destacam. Por exemplo, com a excepção de períodos de autêntica calamidade, como a seca e fomes de 1899-1902, antes de 1930, o campesinato da Zambézia 155 era capaz de se auto-abastecer em milho e mapira, e exportava amendoim e gergelim. No final dos anos 40, porém, passou já a depender, em grande parte, da cultura de mandioca. Contudo, nessa província, os distritos fronteiriços de Milange e Morrumbala, onde a política colonial era mais virada para impedir fugas para Niassalândia, não foram sujeitos ao regime normal de algodão nem de recrutamento. Por conseguinte, a produção camponesa de milho floresceu neste período, fornecendo excedentes para venda noutras zonas [28]. Da mesma forma, o campesinato de Nampula que, nas décadas de 20 e 30, tinha sido capaz não só de se alimentar mas, também, de exportar quantidades significativas de milho e outros alimentos para outras províncias e, mesmo, para o estrangeiro, passou a depender, na década de 50, não só da cultuta generalizada de mandioca como o alimento principal, mas também, em alguns anos, de importações de alimentos doutras províncias vizinhas. Segundo um relatório colonial referente a Nampula, neste período, as anemias provenientes de subnutrição afectavam largamente a população. Inforfitado sobre a extensão do problema por especialistas chamados de Nairobi, Quénia, nos meados da década de 50, o regime colonial não procedeu à análise das causas básicas, nem a uma reestruturação da produção de alimentos em moldes mais modernos. Movido, principalmente, pela necessidade de extrair mais rendimento por hora dos recrutados nas plantações, o governo optou por aliviar o problema num curto prazo, e de modo bastante económico, através da utilização de produtos químicos na comida fornecida naquelas unidades de produção. No entanto, este paliativo não podia, de maneira nenhuma, responder à gravidade do problema, em particular no que diz respeito a subsistência familiar camponesa. Apesar da falta de estudos coloniais sobre a questão, informações referentes à província de Nampula, do fim da década de 50, indicam que a deficiência alimentar qualitativa contribuiu, significativamente, para a baixa taxa de natalidade e a elevada taxa de mortalidade infantil, nas zonas rurais. Além disto, as constantes migrações definitivas de famílias, fugindo das culturas forçadas e do trabalho nas sisaleiras, concorreram também para que a taxa de crescimento populacional estacionasse [29]. Capítulo 4 156 A Economia e a Estrujura Social, 1945-1961 3. Mão-de-obra migratória Por seu turno, a degradação das condições de vida em grandes partes das zonas rurais de Moçambique, contribuiu para a intensificação da migração, que levou dezenas de milhares de moçambicanos ao trabalho temporário, ou residência permanente, nos territórios vizinhos, neste período. Do ponto de vista do trabalhador, a preferência para trabalho industrial ou agrícola, no estrangeiro, foi baseada no desequilíbrio das condições de trabalho e no reduzido poder de compra de salários moçambicanos. Enquanto as zonas rurais de Moçambique fossem sujeitas a trabalho e culturas forçados, havia maior liberdade de escolha de trabalho fora do país. Mesmo que os salários nem sempre fossem elevados, o poder de compra, no que se refere à aquisição de artigos de vestuário e materiais de construção, a preços acessíveis, era maior [30]. Por outro lado, o sistema de pagamento diferido vigente em relação a migração para África do Sul, e outros subsídios, contribuíram significativamente para o balanço positivo de divisas da economia colonial moçambicana, o que levou a que o governo colonial encorajasse a migração temporária. Pretendeu, contudo, sempre regulamentar as correntes migratórias para melhor cobrar impostos e assegurar o repatriamento, investindo consideráveis fundos na repressão da emigração clandestina, pelo menos no sul do país, através da polícia secreta africana, montada para o efeito. No plano regional, a situação sócio-económica a partir de 1945 favoreceu uma expansão de migração. Após as mudanças associadas com a II Guerra Mundial, surgiu, nos principais centros de desenvolvimento capitalista da África Austral, nomeadamente, África do Sul e Rodésia do Sul, uma grave crise de mão-de-obra. A crescente proletarização interna, o empobrecimento das reservas, e a subida vertiginosa do custo de vida, agudizaram a luta de classes nas indústrias chaves destes territórios. Associada com avanços importantes na organização sindical e polftica dos trabalhadores, essa luta culminou em reivindicações, entre os mineiros negros no Witwatersrand, de significativos aumentos salariais e na grande greve de 1946, ferozmente reprimida pelo Governo sul-africano. Simultaneamente, na Rodésia do Sul, verificou-se um verdadeiro surto de organização sindical entre os trabalhadores dos caminhos de ferro, das 157 Capítulo 4 minas, das municipalidades e doutros sectores. Como parte da estratégia para reprimir essa luta e para assegurar o fornecimento de mão-de-obra barata, a burguesia e o Estado nesses territórios recorreram aos países vizinhos que constituíam a sua reserva de força de trabalho, principalmente Moçambique [31]. A WENELA, a organização de recrutamento da Câmara de Minas, impulsionou novamente as suas operações em Moçambique, estimulando os seus empregados locais, através de concursos, nos quais as estações mais eficientes no recrutamento de migrantes recebiam prémios. Em 1946, a Rodésia do Sul criou a 'Rhodesian Native Labour Supply Commission' (RNLSC), para organizar sistematicamente as correntes migratórias. No Acordo Suplementar de 1947, os Governos coloniais de Moçambique e Rodésia do Sul autorizaram a RNLSC a estabelecer uma rede de estações de recrutamento na província de Tete. Em recompensa, tinha que organizar o registo de migrantes clandestinos e a cobrança de impostos sobre os trabalhadores moçambicanos na Rodésia do Sul [32]. Após estas inciativas, o número de migrantes nas minas da África do Sul aumentou de cerca de 78.000, em 1945, para cerca de 96.000, em 1960, e o total dos moçambicanos na África do Sul para mais de 200.000. Segundo os dados oficiais, o número de migrantes legais moçambicanos na Rodésia do Sul aumentou de cerca de 103.000, em 1946, para cerca de 117.000, em 1956, ano em que atingiu o seu máximo. No entanto, na segunda metade da década de cinquenta, o desenvolvimento da economia rodesiana e o aumento de desemprego urbano provocaram uma mudança de política do governo que, a partir de 1958, permitia a criação de uma força de trabalho urbano permanente. Em 1959, as autoridades rodesianas denunciaram o acordo de 1947. Como consequência, o número de Moçambicanos legalmente empregados na Rodésia do Sul diminuiu para cerca de 30.000 em 1960. Contudo, os machambeiros rodesianos precisavam, ainda, de trabalho barato e, nas zonas rurais, ainda se autorizava o emprego dos migrantes estrangeiros, particularmente, a utilização sazonal de milhares de homens, mulheres e crianças da província de Tete, nas machambas de tabaco e chá [33]. Mostra-se, assim, as vantagens para o capital rodesiano do sistema de trabalho migratório que, permitindo a distinção entre trabalho urbano mais produtivo e trabalho rural braçal, era capaz 158 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 de expulsar facilmente os trabalhadores que o capital não precisava. No norte de Moçambique, as péssimas condições de trabalho e subsistência eram a base da continuação da migração para Tanganhica, entre 1945 e 1961. Neste país, os trabalhadores moçambicanos, de Cabo Delgado e Nampula, constituíram uma parte importante da força de trabalho nas sisaleiras. Estas, devido ao maior aperfeicoamento das técnicas de gestão, e de selecção e produção da fibre, conseguiram maiores rendimentos que as suas contrapartidas moçambicanas, mesmo nos anos de crise. Por esta razão, ofereceram melhores salários e condições de trabalho. Calcula-se que, no fim da década de 50, cerca de 20.000 moçambicanos trabalhavam nas sisaleiras e outros lugares de emprego em Tanganhica. Como nos outros territórios vizinhos de Moçambique, no Tanganhica constavam, também, outros milhares de camponeses que tinham atravessado a fronteira para se fixarem, definitivamente, e aproveitarem dos melhores preços oferecidos para os seus produtos, especialmente, neste caso, mandioca e cajú [34]. *De facto, considerando que o número total de moçambicanos nos territórios vizinhos atingiu, provavelmente, o dobro dos oficialmente registados ou conhecidos, justifica-se a conclusão do relatório do OIT de 1958, de que "Moçambique é o território africano onde a migração para o estrangeiro atinge as suas maiores proporções" [351. Em comparação com as grandes correntes migratórias para os países vizinhos, o recrutamento para trabalhar nas plantações de São Tomé e Príncipe era relativamente menor neste período. Após um surto inicial, o número anual de migrantes diminuiu ligeiramente: de uma média de 2.460 para 1.987, entre 19481951 e 1957-1958. O número total de moçambicanos existentes nessas ilhas, no fim dos anos 1951 e 1958 era de 8.499 a 7.515, respectivamente. No entanto, a migração para São Tomé não era a simples resposta às condições económicas em Moçambique. Na política laboral colonial, a migração 'obrigatória' constituiu um método importante de punição e repressão da força de trabalho moçambicana. Nos contingentes de migrantes constava, sempre, um número considerável de moçambicanos, condenados a desterro, por serem considerados *refractários', 'indesejáveis' ou, simplesmente, 'ociosos'. 159 160 1 é. a. (PENMA) 1'~ A EXPANSÃO DA REDE FERROVIÁRIA INHAMBANE Mapa 3: A expansdo da refekferrovidria, 1930-1961. 1 Caíulo 4 SINAIS CAMINHOS DE FERRO u construidos até 1930 .. .. 1940 . . 1950 "'" " - 1960 depois de 1960 1912 ano de inauguração A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 4. Os planos do fomento e industrialização 4.1 Acumulação portuguesa e a economia moçambicana De notar que, até a II Guerra Mundial, estavam asseguradas, em Portugal, as condições internas para a repressão da luta de classes, garantindo, assim, uma forte acumulação de capital. A guerra veio, por seu turno, reforçar o processo de acumulação de capital da burguesia portuguesa, constituindo o factor que mais a impulsionaria. A não participação na guerra (posição ambígua de Portugal face aos blocos em conflito), e o fluxo constante de divisas provenientes do comércio externo das colónias, proporcionaram a Portugal um reforço do seu próprio comércio externo, uma maior acumulação de reservas e a duplicação das receitas públicas. Após a guerra, a revolução industrial portuguesa avançou com mais rapidez e, embora Portugal continuasse a ser um país essencialmente agrário e analfabeto, a situação tendia para a concentração e crescimento do poder do capital industrial e bancário. Este processo significou que o capital português se encontrasse um pouco mais capaz de fazer o que, nos períodos anteriores, não tinha tido condições de fazer, nomeadamente, investir nas colónias na promoção dos seus lucros. Mesmo assim, os investimentos governamentais foram concedidos na forma de empréstimos reembolsáveis a curto prazo, e em grande parte para financiar a construção de infraestruturas, como caminhos de ferro e obras nos portos. Estes facultaram avultados lucros, em divisas, através do trânsito de mercadorias para os países vizinhos, e o fornecimento de energia para as cidades principais. Os investimentos privados continuaram a concentrar-se, sobretudo, na comercialização e transformação de produtos agrícolas de exportação. 4.2 Os planos de fomento No período pós Guerra, o Estado colonial promoveu a consolidação das infraestruturas de Manica e Sofala, cujo desenvolvimento permitiria a melhor exploração da zona. Em 1946, foi autorizada a constituição da Sociedade Hidro-eléctrica do Revuè (SHER), que construiu a barragem de Chicamba Real, que melhorou o fornecimento de energia à cidade de Beira e possibilitou também a venda de energia à vizinha colónia da Rodésia do Sul. Capítulo 4 162 21. Parque de maquinaria no prolongamento do caminho de ferro de Tete: Moalize, 1949 Em 1947, o governo português facilitou um empréstimo de 100 mil contos para a fase final da construção do caminho de ferro de Tete, que atingiu Moatize em 1949. Esta linha foi construída com vista a expioração econ6mica das minas de carvão dessa zona (capítulo 3). A Companhia Carbonífera de Moçambique com sede em Moatize foi então criada, em 1947, uma companhia privada em que o Estado portugu&ç detinha 10 por cento do capital. Em 1949, o governo colonial tomou conta (por resgate) do porto da Beira, e comprou o caminho de ferro que ligava o porto da Beira à Rodésia do Sul, sob controle de uma companhia concessionária britânica, aquando do termo da concessão majestática da Companhia de Moçambique, em 1942. A partir da década de 50, o governo deu um novo impulso à exploração dos recursos de Moçambique. Iniciaran.-se os 'Planos de Fomento' e a fixação sistemática de colonos. O primeiro plano (1953A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 22. Parque de carros ingleses em Lourenço Marques desnnau., à Rodésia do Sul através do novo caminho de ferro do Limpopo, 1956. 1958) previa investimentos da ordem de 1.848.500 contos, dos quais vieram a ser realmente aplicados 1.661.284, assim distribuídos: Caminhos de ferro, portos e transportes aéreos 63% Aproveitamento de recursos e povoamento 34% Diversos 3% O plano não previa a atribuição de quaisquer kerbas nem para a investigação científica, nem para a saúde pública e ensino. A obra principal durante a vigência deste plano foi a construção dos quasi 300 quilómetros da linha férrea de Lourenço Marques a Malvérnia, na fronteira com a então Rodésia do Sul. O objectivo era aproveitar, plenamente, o crescente tráfego da nova Federação Central Africana, a confederação das colónias de Rodésia do Sul, Rodésia do Norte (Zâmbia) e Niassalândia (Malawi), um bloco que, segundo os planos britânicos, facultaria um crescimento económico e acumulação rápida, particularmente na Rodésia do Sul. 163 Capítulo 4 Esta linha foi construída contra os planos regionais das autoridades sul-africanas, que pretendiam dominar todo o tráfego ferroviário ao sul do equador ap6s a II guerra mundial, e que tinham proposto a construção de uma linha entre Ressano Garcia e Rodésia do Sul via Beit Bridge (ponte principal rodoviária, sobre o Limpopo, entre África do Sul e Rodésia do Sul, que só em 1974 veio a suportar uma linha férrea). Com a ajuda diplomática britânica, Portugal obteve um empréstimo de 17 milhões de dolares do Banco de Importações e Exportações, sediado nos E.U.A., que pagava cerca de 80 por cento das despesas de construção, e que constituiu cerca de 36 por cento do total das despesas do I Plano do Fomento. Esta obra, concluída em 1956, não servia somente os interesses capitalistas da Rodésia do Sul, como também beneficiou consideravelmente o orçameuto colonial de Moçambique. Nos três anos ap6s a sua conclusão, as receitas (em grande parte em divisas) dos Caminhos de Ferro e Portos de Moçambique aumentaram 25 por cento, relativamente aos três anos anteriores (de uma média de cerca de 750.000 contos para mais de 1.050.000 contos), e o acréscimo no rendimento foi, teoricamente, suficiente para reembolsar o empréstimo em apenas 3 anos. Para além desse beneficio para as finanças do governo colonial, o novo caminho de ferro facultou as obras de construção de um outro projecto fundamental do I Plano de Fomento, o início da fixação sistemática de colonos no Vale do Limpopo e o escoamento das suas produções. 4.3 Crescimento da população colona O crescimento da população colona em Moçambique, neste período, esteve intimamente ligado ao problema da proletarização progressiva do campesinato português, devido à capitalização gradual do campo, sob o impulso da industrialização. Enquanto vastas correntes migratórias fossem para Europa industrializada e para as Américas, o governo português pretendeu utilizar uma pequena parte dos desempregados e despojados das suas terras para a formação de uma camada de auxiliares leais, não só para o desenvolvimento económico das colónias, como também para a manutenção da autoridade colonial. Por estas razões, entre 1945/50 e 1960, adquiriu grande significado o povoamento de colonos, oficialmente organizado pelo Estado portuA Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 guês. Entre 1951 e 1960, fixaram-se, em Moçambique, mais de 13 mil colonos, cujas passagens e custos de instalação foram assegurados pelo governo português, através das verbas orçamentadas nos Planos de Fomento. Em todo o período colonial, a década de 50 registou a maior taxa de crescimento anual de colonos. Quadro 14: Evolução da população total e da população colona de Moçambique [36] População 1930 1940 1950 1960 Total 3.885.447 5.085.627 5.738.911 6.603.653 Colona 17.842 27.438 48.213 97.245 O 1 Plano de Fomento contemplava o -aproveitamento de recursos e povoamento da colónia', com especial relevância para a preparação de terrenos (abertura, irrigação e enxugue) e assistência técnica e financeira, com vista ao transporte e instalação de alguns colonos, nas zonas rurais. Os colonatos eram regiões de ordenamento e fixação desses colonos europeus, que foram organizados numa tentativa de recriar, em Moçambique, a pequena propriedade rústica portuguesa. Tinham, por outro lado, o objectivo de estabelecer zonas que deviam constituir barreira ao avanço de qualquer movimento nacionalista que, na altura, emergia por toda a África, e dava em Moçambique os primeiros passos. Se bem que o número de colonos fosse, numericamente, reduzido, a sua instalação implicou uma nova onda de expulsões de camponeses moçambicanos. Criados em áreas agrícolas de grande fertilidade, nos principais vales fluviais, como os do Limpopo e Revuê, e nas terras altas de Lichinga e Montepuez, os colonatos eram, também, zonas estratégicas de desenvolvimento futuro agroindustrial. A sua instalação retirou, de repente, aos camponeses, alguns dos quais agricultores 'evoluídos', as vantagens de cultivo em tais áreas favorecidas, e impôs uma nova barreira contra o desenvolvimento económico e social do campesinato nessas zonas, mostrando mais do que qualquer argumento teórico, a hipocrisia da política portuguesa de assimilação. O primeiro colonato foi criado no vale do Limpopo, em 1954, tendo 165 166 Capítulo 4 23. O Colonato do Limpopo ocupava grande espaço na ideologia colonial de assimilação: Os primeiros colonos a chegar, 1954. ali sido instaladas as primeiras dez famílias, oriundas de Portugal. Em 1957, já viviam no Limpopo 204 famílias portuguesas, e nos inícios da década de 60, já estavam distribuídas pelas 14 aldeias do colonato, cerca de 1.400 das 3.000 famílias que se pretendia instalar. Criaram-se outros colonatos no vale do Revuè, e em Sussundenga, na 24. Vista do Colonato do Limpopo, Guijá, 1960. 166 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 província de Manica. No início dos anos sessenta, foi criado o colonato de Nova Madeira, próximo de Lichinga, no Niassa. Os colonos instalados estavam, teoricamente, proibidos de utilizar mão-de-obra estranha às suas famílias, e tinham que entregar ao Estado, para custear os encargos da sua instalação, 1/6 do valor anual da produção. Só depois do reembolso feito, podiam obter o título definitivo de propriedade. Em alguns colonatos, procedeu-se à colocação de famílias africanas, em parcelamentos menores, (normalmente com 2 hectares, contra os 4 para os portugueses), junto das áreas dos colonos europeus, no intuito de tentar criar uma camada de pequenos proprietários de pele negra, e, na linguagem colonial paternalista, de ensinar à população hábitos portugueses de trabalho rural. O segundo Plano do Fomento (1959-1964) surgiu na continuidade do anterior. Continuava, na sua concepção de base, a ser, tal como o primeiro, um plano'de investimentos públicos e de alguns (poucos) projectos do sector privado. Tinha os investimentos programados, basicamente, para os seguintes sectores: - povoamento, com o prosseguimento da obra do colonato do Limpopo, e novos programas para a fixação de colonos para as culturas de tabaco e do chá; - comunicações e transportes; - aproveitamento de recursos, concretamente, no fomento agrário, florestal, pecuário, hidro-agrícola e hidro-eléctrico; - conhecimento científico do território, com estudos a realizar no que se refere a cartografia geral e estudos geológicos (mineiros e pedológicos). Era, essencialmente, um plano que visava o fomento da produção e do povoamento e continuava a não contemplar a indústria, pelo menos directamente, no que respeitava à direcção dos investimentos. Foi, ainda, destinada uma pequena verba para a instrução e saúde e melhoramentos locais (abastecimento de água). Juntamente com os estudos científicos do território, esta verba não ultrapassava os 19 por cento dos investimentos programados, ou seja, apenas cerca de 520 mil contos. É impressionante verificar que todo o esforço de investimento em infraestruturas, em equipamento, e mesmo o reduzido investimento em Capítulo 4 obras sociais (educação, saúde,etc.), estava francamente em ligação com a instalação de colonos portugueses. Na totalidade, podemos afirmar que mais de 75 por cento dos investimentos tinham essa finalidade. Caminhos de ferro, estradas, melhoramentos hidro-eléctricos, apetrechamento de portos, eram obras que confluíam para a criação de condições de formação de 'centros de colonização' e de melhoramento dos já existentes. 4.4 Fomento industrial Em geral, a industrialização de Moçambique, neste período, foi ainda severamente limitada pelas restricções impostas por Portugal, em benefício das suas próprias indústrias. No entanto, desde finais da II guerra mundial, tinha-se criado um clima favorável para a intensificação da produção, incluindo a transformação de culturas agrícolas, em especial, o algodão, o açúcar, o chá, a maqeirá, as oleaginosas e o tabaco, isto é, matérias-primas ou mercadorias não produzidas em Portugal. Este período será, portanto, ainda dominado pela agro-indústria de exportação. A produção no sector continuará a assentar na utilização de mão-de-obra pouco especializada, embora se assistia a uma crescente mecanização e a melhoramentos técnicos, em algumas das indústrias como a do açúcar. Por outro lado, começou a ser feito o aproveitamento industrial da semente do algodão, a partir de 1946, pela Companhia Luso-Belga (mais tarde, a Companhia Industrial Portuguesa) no Monapo, e verificarem-se avanços na transformação dê outras oleaginosas, como a copra. Dos produtos derivados transformados começaram a destacar-se: o óleo refinado, o bagaço, o sabão, os ácidos gordos e a fibrilha. Note-se que estas mudanças resultaram num avanço considerável dos lucros derivados do trabalho rural barato. No caso dos óleos alimentares, a crescente procura local foi devida ao aumento da população urbana (dos colonos e do proletariado negro) e a baixa de produção de amendoim. No que diz respeito ao cajú, uma única fábrica de descasque foi construída, neste período (começando a sua produção em 1951), de modo que mais de 90 por cento da produção desta cultura teria, ainda, que ser exportada para Índia, para a sua transformação. Para além do incremento que sentiram, na década de 50, outras 168 A Economia e a Esírutura Social, 1945-1961 indústrias, já estabelecidas, como o cimento, essencial na expansão das infraestruturas e de construção urbana, iniciaram-se as indústrias de vestuário (1951), de fiação e tecelagem de juta (1951), , moagem de trigo (1952). No entanto, havia, apenas, uma fábrica de tecelagem de algodão instalada (1952), localizada em Chimoio, que, em 1953, absorveu só 338 das 125.000 toneladas de akodão caroço produzido pelo campesinato moçambicano, aumentando o seu consumo, lentamente, para 1788 toneladas, em 1960. Sublinhe-se que a maior parte das indústrias se localizava em Lourenço Marques. Após uma alteração no regime industrial, em 1954, ficaram isentas de restricções diversas indústrias, nomeadamente, as indústrias de vestuário, de coiro e peles, de mobiliário, alimentares, de reparação de máquinas, veículos e material eléctrico, de soldadura, e outras indústrias manuais ou com potência inferior a 2 cavalosvapor. Esta medida resultou num surto de indústrias de carácter ligeiro, em Lourenço Marques, Beira e, em menor escala, em Quelimane e Nampula, que produziam, principalmente, para as cidades e a população colonial, ou ofereciam serviços essenciais como, por exemplo, no sector de transportes. Quadro 15: Crescimento dh indústria de transformação, 1947-1901 [37] 1947 1954 1956 1958 1961 No. de empresas *150 *157 690 913 1025 Capital fixo ** 796 1146 2134 2954 4610 * principais empresas indicadas ** milhares de contos O Quadro 15 mostra que, enquanto, no início da década de 50, as empresas eram pequenas, ou médias, o mesmo não se verifica no fim da década, em que a expansão industrial se manifesta através de maior crescimento do capital fixo em relação ao número de empresas. O crescimento do sector industrial, após 1955, pode ser avaliado com maior profundidade pela evolução dos índices de produção e investimento de capitais. Tomando como base, para o^ ano de'1955, o índice 100, temos a seguinte evolução em termos do volume geral da produção 169 Capítudo 4 industrial (abrangendo a pesca, as indústrias extractivas, pas indústrias transformadoras, a construção e obras públicas, e a electridcdade) [38]: 1955 1957 1959 1961 100 127,9 159,4 223,5 Quadro 16: Expansão do investimedto fixo na indústria transformadora, 19561961 [39] Capital (contos) Ano 1956 1961 Total 2.134.027 4.610.029 1. Têxteis Descaroçamento,tratamento e pre445.872 824.471 paração de fibras têxteis Fiação, tecelagem, e acabamento 140.653 205.192 Calçado, vestuário e têxteis em obra 370 8.931 2. Indústrias alimentares Refinação de açucar 376.344 808.120 Moagem, descasque de cereais 198.648 363.222 Diversas 118.398 158.122 Refinação de óleos e gorduras 134.015 158.112 3. Madeiras 197.143 347.919 4. Cinento 192.014 379.433 5. Reimação de petróleo 218.403 6. Bebidas 46.977 201.698 7. Reparação de veículos, etc. 28.641 147.209 8. Indústrias metálicas 49.265 114.059 9. Electricidáde, gás e água 330.306 581.877 A evolução do investimento nas principais indústrias moçambicanas na segunda metade da década de 50 revela-se no Quadro 16, que mostra uma certa concentração dos investimentos, nas principais indústrias directamente ligadas a exportação de produtos primários, como o algodão 170 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 e outras fibras, açúcar, e madeiras. Mas, de facto, em relação ao total dos investimentos, na indústria transformadora, a percentagem investida, nestas indústrias, diminuiu de cerca de 48 por cento em 1956 para cerca de 43 por cento em 1961. Esta mudança no carácter dos investimentos veio reflectir-se na proporção relativa do valor da produção de cada sector industrial. Quadro 17: Proporção do valor de produção industrial, por sector, 1942-1960 1942 1955 1960 Produção industrial para o mercado externo 72% 60% 54% (Agro-indústrias) Produção para o mercado interno (alimen- 28% 40% 46% tares, bebidas,metálicas, etc.) A base deste crescimento foi garantida pela política do 'nacionalismo económico' que fomentou, em Portugal, a acumulação do capital industrial e financeiro e favoreceu também o investimento selectivo nas colónias. A expansão industrial e comercial, e a fixação de colonos, que trabalhavam, principalmente nas novas indústrias transformnadoras, no comércio e transportes, provocaram um crescimento de construção habitacional, industrial, e de serviços, particularmente, em Lourenço Marques e na Beira. A construção do caminho de ferro de Lourenço Marques para Chicualacuala, e o avanço da economia da Rodésia do Sul, na década de 50, deram grande impulso a este processo. 4.5 A consolidação do capital português Por volta do fim da década de 50, mercê da política de condicionamento e protecção imprimida pelo governo português, diversos grupos industriais e comerciais, portugueses e locais, tinham criado, ou alcançado o controle de, um grande número de empresas em Moçambique. Evidenciaram-se o Grupo Entreposto (uma subsidiária da Companhia de Moçambique, abrangendo mais de 20 grandes empresas), a Companhia Uniao Fabril (CUF), que era, praticamente, dona da Capítulo 4 Sociedade Agrícola do Incomati, Champalimaud, João Ferreira dos Santos, Monteiro e Giro etc., todas com grandes interesses na agricultura, indústri4 e comércio. Para além das condições rentáveis concedidas pelo estado colonial a todas as empresas capitalistas, estes grupos eram capazes!de rentabilizar a sua posição dominante, se não monopolizadora, no comércio global de uma ou mais regiões geográficas (como João Ferreira dos Santos no norte), ou na comercialização de produtos chaves em todo o país (como Champalimaud nos cimentos). Ao nível do capital financeiro, os grandes bancos, tinham aproveitado da repressão colonial fascista para investir e tirar lucros de produção. Por exemplo, o Banco Português do Atlântico estava ligado à Sociedade Hidro-eléctrica do Revuè, e tinha grande interesses nos sectores de algodão, têxteis, açúcar e vidro. O Banco Nacional Ultramarino detinha 1/3 do capital da Companhia Colonial do Buzi e estava associado com a CUF na SOCAJU, proprietária da única fábrica para o descasque de cajú construída no período. Nota-se que o estado colonial tinha, também, aumentado a sua posição como detentora de enormes capitais, principalmente, nos caminhos de ferro e portos. O sucesso da política colonial da promoção dos capitais portugueses, quer metropolitanos, quer locais, na agricultura, pode avaliar-se pelo facto de, em 1960, das 2.700 empresas agrícolas existentes, cerca de 2.500 serem portuguesas. 5. O desenvolvimento da estrutura social 5.1 A força de trabalho assalariado e a sua estratificação racial Como resultado do desenvolvimento da economia colonial e, particularmente, da agro-indústria e das outras indústrias transformado:as, a força de trabalho aýsalariado, quer voluntário, quer forçado, cresceu consideravelmente (Quadro 18). A divisão racial continuava a ser uma característica fundamental na evolução sócio-económica da força de trabalho assalariado. De facto, devido à política portuguesa de imigração colona, da expansão dos sindicatos corporativos fascistas, e da elaboração do corpo legislativo essencialmente racista, as barreiras raciais intensificaram-se significativa172 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 mente em beneficio da crescente população colona. Os Sindicatos Nacionais começaram a ser instalados em Moçambique como meio de incorporar os trabalhadores brancos e alguns indivíduos assimilados, no aparelho de governação colonial, com certos privilégios estatutários, como, por exemplo, uma tabela salarial fixa (capítulo 3). Após a II Guerra Mundial, foram criados novos sindicatos. Em 1946, foi autorizado o Sindicato Nacional dos Empregados Bancários, profissão que até então era integrada no Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e Indústria (SNECI). Em 1948, foram criados outros dois sindicatos: o dos Motoristas de Moçambique que, abrangendo inicialmente apenas motoristas e mecânicos, foi progressivamente alargado a outras profissões mecânicas, na agricultura, na marinha mercante e nas indústrias metalo-mecânicas e eléctricas; e o dos Operários da Construção Civil e Ofícios Correlativos.~ Quadro 18: Estimativa provisória do número de assalariados nos principais sectores e actividades, 1950-1960 [40] Serviços Agrícolas* Não-agríc. Migrantes públicos particulares particulares ** 1950 71.850 110.000 163.420 200.000 1960 115.000 130.000 290.000 290.000 *Incluindo os contratados sazonais nas plantações do país. **Legalnente nos países vizinhos Devido aos reajustamentos da economia de toda a Africa Austral, ao influxo de novos colonos portugueses e, por vezes, à prática dos proprietários de empregar trabalhadores não-brancos com salários menores, surgiu, no após guerra, o problema do desemprego de um número considerável de brancos. Desprovidos pela legislação de qualquer possibilidade de luta directa, anti-capitalista, ou de conciliação de posições multi-raciais, os sindicatos montaram uma campanha para impedir o acesso dos não-brancos aos postos de emprego abrangidos pela legislação sindical, sob o pretexto de defender os seus membros contra trabalhadores não qualificados. Note-se que até então, embora excluídos dos sindicatos, os negros e outros trabalhadores não-brancos não eram, 173 Captulo 4 especificamente, impedidos de trabalhar naqueles postos. Em Julho de 1947, teve lugar a primeira reunião dos sindicatos coloniais em Moçambique, em que foi discutida a questão do desemprego dos brancos e as possíveis soluções. Depois, o Conselho Geral do SNECI, que era de longe o maior e mais influente dos sindicatos, dirigiu ao Governo-Geral uma exposição sobre a 'intromissão de indígenas nas profissões tuteladas por este Sindicato'. Disto resultou, em Julho de 1948, um despacho sucinto (de duas linhas) do GovernadorGeral, Gabriel Teixeira, pelo qual foi pura e simplesmente vedado aos 'indígenas' o exercício das profissões abrangidas por aquele Sindicato. Este despacho foi considerado extensivo a todas as profissões organizadas em sindicatos. Assim, por exemplo, após 1950, os motoristas negros que tinham uma carta de condução só podiam, legalmente, exercer a sua actividade como 'motoristas auxiliares'. A isenção dos assimilados dessas exclusões dependia das informações recolhidas em inquéritos feitos para cada caso [41]. Além disso, para melhor controlar as admissões ao emprego e concretizar, assim, as barreiras raciais, os sindicatos argumentaram a favor do sistema da 'Carteira Profissional', o que foi concedido pelo GovernoGeral, e que entrou em vigor em Janeiro de 1949. Passou a ser interdito a qualquer trabalhador empregar-se sem ter, previamente, obtido a carteira profissional emitido pelo respectivo sindicato. Paralelamente, e na mesma altura, foram estruturadas em cada sindicato agéncias de colocação de trabalhadores da respectiva profissão [42]. Estas medidas constituíam ferramentas poderosas na 'protecção' dos trabalhadores brancos. Os sindicatos passaram a identificar os postos de trabalho que deviam cair sob o seu controle, nas actividades existentes e nas outras que se estabeleciam, colocando neles, apenas, os possuidores da carteira profissional respectiva, muitas vezes, colonos recém-chegados de Portugal. Com estes meios de controle, a situação dos trabalhadores brancos começou a melhorar significativamente. A legislação e os despachos a partir de 1948 facultaram emprego a numerosos brancos, suprimindo a concorrência de outros trabalhadores, particularmente nas cidades. Como dizia laconicamente o relatório do Conselho Geral do SNECI em 1954, acerca do 'trabalho de indígenas', "nos grandes centros o assunto está sendo lenta mas seguramente resolvido" [43]. A colaboração entre 174 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 trabalho [branco] e capital, sob egide do Estado fascista, aprofundou-se ainda mais com a promulgação do Diploma Legislativo 1:595 de 1956 e as suas 18 Portarias complementares, que levaram uma nova sistematização dessa matéria, adaptando a legislação laboral metropolitana à estrutura racial colonial [44]. Apesar de uma certa relutância de alguns proprietários, cujos interesses não eram sempre bem servidos pelo emprego de mão-de-obra branca com salários mais elevados do que os dos restantes trabalhadores, o número de trabalhadores inscritos nos sindicatos aumentou de 12.719 em 1949 para 32.582 em 1961. Esta expansão reflecte não só o aumento da população colona no período como também a agressividade dos sindicatos em ampliar as suas actividades nos vários pontos do país [45]. Note-se que a prática desta forma de privilegiar os trabalhadores brancos teve consequências profundas na economia e estrutura social. Os privilégios e regalias dos trabalhadores brancos, que iam do vencimento tabelado à garantia do lugar em caso de doença ou serviço militar e, muitas vezes, à licença graciosa regular em Portugal (com passagens pagas), suportavam um nível de vida consideravelmente superior àquele vivido por trabalhadores de igual nível na Europa. Por exemplo, segundo uma análise colonial, os trabalhadores brancos na indústria têxtil de Chimoio ganhavam o quíntuplo dos de Portugal, para além de regalias como habitação, licenças graciosas e passagens. Desta forma, agrava-se a situação já verificada relativa às décadas de 20 e 30, nomeadamente, a necessidade da recuperação dos custos económicos das regalias concedidas aos brancos, em detrimento do fundo dos salários dos restantes trabalhadores não-brancos. Para o efeito, manteve-se, e até, se intensificou, a preferência para o trabalho forçado mal pago nos postos de trabalho braçal, cujo número aumentou, devido a expansão das plantações, construções e infraestruturas. Isto pode ser avaliado pelas diferenças de salários. Na indústria, a maioria dos trabalhadores negros, em regime de contrato, recebia entre 4 e 5 escudos, por dia, e os poucos trabalhadores negros especializados recebiam 20, 30 ou, excepcionalmente, 50 escudos. Havia, no entanto, grande diversidade de indústria para indústria e por zonas geográficas. Na indústria têxtil, por exemplo, a média de salários era de 7 escudos, e na de cimento era de 13$50 por dia. Tendo em conta que o imposto era elevado (passou a ser 330 escudos, no sul, em 1957), pode-se concluir 175 Capítulo 4 que os salários da maioria eram extremamente baixos. Por outro lado, o trabalhador branco, mesmo na indústria de cimentos, auferia salários iguais ou superiores a 200 escudos por dia, ou seja, quatro vezes o mais alto salário pago ao negro, por vezes, com a mesma tarefa e responsabilidade semelhante. Segundo, uma estimativa americana, no início da década de 60, o salário médio anual de um negro na indústria, em geral, era de 4.104 esc., isto é, dez vezes menos do que o salário médio de um branco, que andava a volta de 47.540 esc. Isto significava que a elite branca, constituindo apenas 10 por cento da força de trabalho na indústria transformadora, recebia 50 por cento dos salários. Em indústrias específicas, a diferença era maior, como, por exemplo, na de fornecimento de energia eléctrica, onde os 10 por cento dos trabalhadores que eram brancos, recebiam 64 por cento dos salários, ou na indústria mineira, onde os 2 por cento dos trabalhadores, brancos, recebiam 19 por cento dos salários [46]. 5.2 A educação, as missões e seu papel na estrutura social colonial Neste período, a educação separada para negros e brancos e assimilados, tormou-se mais claramente definida. Para enquadrar, principalmente, os filhos da crescente população branca, expandíu-se o regime de educação semelhante ao de Portugal, que era, predominantemente, oficial ou supervisionado pelo estado. Esta expansão foi acompanhada por um conjunto de legislação para garantir a organização interna dos estabelecimentos de ensino, manter o nível do ensino através do controle das provas, exames de admissão aos liceus (2 em Lourenço Marques e 1 na Beira em 1960), e assegurar auxilio económico aos alunos, incluindo bolsas e passagens aéreas. Por outras palavras, o nível de investimento económico e administrativo, neste ensino, foi relativamente alto. Para a maior parte da população africana existiam, apenas, as escolas das missões católicas portuguesas e algumas, poucas, escolas do estado e das missões protestantes. A identificação do estado português com a Igreja Católica, aliada à sua pobreza económica, impediu esta de tomar o papel progressivo em Moçambique, nem mesmo ao nível da educação, que manifestou nalgumas colónias vizinhas, como Rodésia do Sul, por exemplo. Os agentes da Igreja, revelando-se mais portugueses que missionários, 176 A Ecomomia e a Estruura Social, 1945-1961 assumiram a sua missão de cristianizar as populações locais assimilandoas 1 cultura portuguesa, acima de tudo. Durante este período, apenas um reduzido sector da Igreja protestou contra os inúmeros excessos das acções do governo e dos interesses económicos coloniais. O Bispo da Beira, D. Soares de Resende, denunciou, vigorosamente, o trabalho forçado, as condições de trabalho nas plantações, as culturas forçadas, as fugas para os territórios vizinhos, etc. F¿-lo através do jornal Didrio de Moçambique, criado pela diocese da Beira em 1950, e de várias cartas pastorais e livros, embora sem pôr em causa publicamente os fundamentos da presença colonial portuguesa. Receando a sua influência, e impulsionado pelos interesses dos capitalistas e da população colona, o governo colonial viu-se obrigado a retirar ao Bispo da Beira a responsabilidade que tinha na direcção da única escola secundária naquela cidade. Pelas mesmas razões, o Dirio de Moçambique sofreu várias suspensões até 1961. De facto, a posição "moderada', defendida pelo Bispo da Beira, que visava a expansão do catolicismo, em moldes mais cristãos, e que incluiu 25. D. Soares de Resende, Bispo dã Beira, 1943-1967, ganhou o oprõbrio dos defensores do racismo com as suas críticas ao sistema colonial. Capítulo 4 propostas de melhoria do ensino secundário e de formação de padres africanos, provocou críticas violentas dos defensores da supremacia branca portuguesa, dentro e fora da Igreja [47]. Tirando a posição do Bispo da Beira, a actuação da Igreja católica surgiu como resultado duma colaboração activa entre ela e o Governo colonial. Como consequência, a Igreja Católica expandiu-se maciçamente entre 1945 e 1961 em comparação com as missões protestantes. Quadro 19: Aumento de missões religiosas, 1945-1961 1945 1961 Missões católicas 70 184 Filiais 379 Missionários 127 445 Irmãos/Irmãs 306 954 Assalariados 1.811 5.259 Missões protestantes 14 15 Filiais 35 53 Missionários 41 85 Auxiliares 321 474 Verifica-se que uma grande percentagem do pessoal que figurava na expansão das missões católicas era de nacionalidade e formação portuguesas, incluindo um número considerável dos assalariados, que trabalhavam nas construções, manutenção e funcionamento económico da Igreja. A expansão das missões protestantes foi limitada por razões financeiras (o Estado praticamente não apoiou as suas escolas) e por vários regulamentos, como, por exemplo, os que estipulavam que professores moçambicanos, encarregados das escolas rudimentares, deviam frequentar a Escola Normal de Habilitaçõo, em Manhiça, Maputo, que só matriculava católicos. A aplicação discriminatória de outros regulamentos, como os relacionados com as construções, também atingiu estas missões [48]. Além disso, as Igrejas protestantes foram sujeitas a um crescente controle pela administração colonial, que as encarava como agentes de uma cultura estranha à portuguesa que se pretendia implantar e, por isso, possíveis focos de pensamento anti-colonial e nacionalista. 178 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 26. A escola rudimentar da Missão católica de Murrupula, Nampula, 1960. A repressão das Igrejas etiópicas, promovida a partir de 1941 tinha sido apenas parcialmente efectiva. De facto, as mudanças sócioeconómicas e a opressão cultural e racial, que favoreceram o seu nascimento nas décadas anteriores, intensifiicaram-se, significativamente, neste período. Por isso, apesar de serem, teoricamente, ilegais, ressurgiram e cresceram, após 1945, o que provocou uma atenção especial das autoridades. Concluindo que uma eliminação total destas igrejas não era praticável, a curto prazo, o regime tolerou as suas actividades, enquanto fizesse investigações aprofundadas sobre a sua extensão, e sujeitou os seus dirigentes a uma fiscalização apertada, particularmente nas suas viagens ao campo [49]. Ensino primário rudimentar e 'comum' Como vimos nos capítulos 2 e 3, o Governo colonial elaborou toda uma legislação sobre o ensino dos indígenas, tratando de todos os aspectos deste ensino e de forma muito pormenorizada. Foi uma legislação necessária, na óptica do regime colonial, pois que permitia apenas um 179 Capítulo tipo de ensino e cerceava as possibilidades a todos aqueles que não aceitassem a submissão ideológica da Igreja Católica. Este era o compromisso real entre o governo colonial e a Igreja. Foi esta instituição que ministrava o ensino rudimentar (designado 'ensino de adaptação' após 1956), uma espécie de ensino "pré-primário', através do qual todas as crianças negras tinham que passar. A posição privilegiada da Igreja Católica significou que o número das suas escolas rudimentares aumentasse, de 579 com 99.477 matriculados, em 1945, para 2.925 com 379.000, em 1960. Os resultados obtidos deste ensino continuaram a ser extremamente baixos. A fraqueza do 'ensino rudimentar' ou 'de adaptação', devido ao conjunto de factores referidos no capítulo 3, foi comprovada pelo baixo número de alunos que terminavam, com aproveitamento, o período de escolariedade dos 3 anos previstos nas missões católicás, representando menos de 1 e 3 por cento dos matriculados, em 1945 e 1960, respectivamente (Quadro 20). Quadro 20: Aproveitamento nas escolas rudimentares das missões católicas e outras (missões protestantes e escolas oficiais) [50] Alunos matriculados Alunos aprovados Missões Outras Missões Outras católicas católicas 1945 99.477 9.639 853 246 1950 232.923 6.484 1.844 325 1960 379.060 6.435 10.448 1.741 Conforme as estatísticas oficiais podemos concluir que, durante todo o período, entre 1945 e 1960, em média, apenas um em cada 40 alunos (1 em 30, em 1960) matriculados no ensino rudimentar passava no último ano. Por esta razão, críticos da política educacional -da Igreja Católica comentavam, no fim da década de 50 que, "afinal de contas, a Igreja servia apenas para ensinar o catecismo e pouco mais" [51]. Para além da fraca qualidade do ensino ministrado, o que tornou o ensino rudimentar uma barreira mais efectiva na educação do povo, foi o seguinte regulamento administrativo: só os que completavam este nível 180 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 até aos 14 anos tinham possibilidades de prosseguir no nível seguinte, o terceiro ano do ensino 'elementar', que era o ensino primário 'comum'. ,Neste grau de ensino, o número de escolas oficiais e particulares, viradas, principalmente, para a população branca e assimilada, aumentou, paralelamente, com as necessidades da população colona e da economia. Segundo as estatísticas coloniais, o número das escolas católicas, viradas principalmente para negros, também aumentou. Quadro 21: Matrículas nas escolas primárias 'comuns', 1945 e 1960 Ensino/Ano 1945 1960 Oficial e particular 5.251 18.577 Missões católicas e protestantes 3.803 12.285 Apesar da designação 'comum', as estatísticas coloniais mostram, também, 'o grau de exclusividade racial e as vantagens e desvantagens relativas à frequência nos dois tipos de ensino (Quadro 21). No primeiro, onde o ensino era controlado pelo Estado, o grau de aproveitamento geral foi cerca de 60 por cento, em 1960. Alunos negros constituíram apenas 13 por cento do total das matrículas. Esta percentagem foi muito menor do que em 1930: antes dessa data, quando as crianças négras se podiam matricular nas escolas primárias 'comuns', sem passarem através das escolas rudimentares, constituíram mais de 50 por cento dos alunos matriculados. No segundo tipo de ensino, desprovido do apoio e controle do Estado, e onde os alunos negros constituíram 76 por cento dos matriculados, em 1960, o grau de aproveitamento foi menos de 29 por cento. Ensino secundário As estatísticas coloniais mostram que as barreiras contra a educação dos nãobrancos eram ainda mais efectivas no ensino secundário (Quadro 22). Verificou-se uma situação idêntica nos cursos regulares das escolas comerciãis e industriais, que se expandiram em paralelo com as necessidades da economia íolonial, neste período. Apenas nos cursos nocturnos de aperfeiçoamento geral destas instituições, destinados a assalariados, os não-brancos constituíram uma maioria dos matriculados, em 1960. Capítulo 4 182 Quadro 22: Matrículas nos Liceus, 1945 e 1960 1945 1960 Total 704 2.550 Brancos 554 [78,6%] 2.077 [81,4%] Não-brancos 150 [21,3%] 473 [18,5%] Negros 1 [0.14%] 69 [2,7%] Destas informações, destacam-se três conclusões principais: - por volta de 1960, apenas 0,2 por cento.da população negra atingiu, anualmente, um grau rudimentar de alfabetismo. Calculava-se que a percentagem global de analfabetismo era cerca de 95 por cento; - um número muito reduzido de crianças negras era autorizado a receber uma educação primária igual a dos brancos, e a proporção de crianças negras, em relação às crianças brancas, nas escolas primárias e secundárias 'comuns', foi muito menor em 1960 do que em 1930; - as barreiras à educação do negro eram mais efectivas, na medida em que avançavam nos vários níveis de ensino. Foi poC esta razão que um número considerável de negros fugiu para os países vizinhos, para ter acesso à educação secundária, como, por exemplo, Eduardo MondIane, que conseguiu matricular-se numa escola da Missão Suiça, no Transval. 5.3 As formas de enquadramento colonial Destas informações podemos confirmar que a política de 'assimilação', mesmo no sentido restrito, de levar a população, através da educação, a participar numa cultura europeia e a gozar os direitos de cidadania do 'império' português, não deixou de ser uma mera justificação teórica para a presença colonial, cuja estrutura de dominação racial, na prática, impediu tal acesso. A discriminação racial, no sistema de educação, no regime jurídico e de propriedade, na legislação e nas práticas laborais, no código comercial e, fundamentalmente, no acesso aos direitos políticos, mostra a hipocrisia da ideologia colonial de assimilação. Em 1955, numa população total estimada em 5.650.000 habitantes, havia 4.555 assimilados, uma minoria irisória de cerca de 0,08 por cento A Economia e a Estrutura Social. 1945-1961 da população. De facto, o estatuto dos 'indígenas portugueses', promulgado em 1954, dificultou ainda mais a situação desta pequena camada social, introduzindo novos requisitos legais para comprovar, com efeitos retroactivos, o seu estatuto. Esta medida fez com que muitos dos considerados assimilados, sem que para tal fosse necessário possuir quaisquer documentos, chegando alguns a ser inscritos nos recenseamentos eleitorais e a usarem do direito do voto, passassem à condição de 'indígena' que nunca antes haviam tido. Embora a medida não implicasse, necessariamente, a perda do emprego do indivíduo, significou, muitas vezes, que as crianças de uma pessoa até então considerada 'assimilada', tinham agora de submeter-se à educação discriminatória indicada para a maioria dos negros [52]. No entanto, o regime colonial estava cada vez mais interessado em outras formas de assimilação, as que asseguravam o enquadramento, através de instituições económicas ou sociais coloniais, de alguns trabalhadores negros em postos de confiança ou de carácter permanente. Outras figuras, ou tradicionais, ou de um. certo prestígio sócioeconómico, ou auxiliares do regime na repressão da maioria (capatazes e sipaios), foram também alvo dessa política de assimilação. O privilegiamento dos régulos e sipaios Em continuação da política enunciada no período anterior (capítulo 3), várias medidas foram tomadas pelo regime tolonial para consolidar o oder dos seus principais auxiliares nas áreas rurais, os régulos. Por exemplo, estabeleceu-se, em 1950, uma escola para os filhos dos régulos, com o objectivo de oferecer-lhes uma formação privilegiada em relação aos restantes alunos, e ensinar a maneira mais correcta de relacionamento com a autoridade colonial, por um lado, e enfrentar a população, por outro. A organização e fardamento de sipaios foi, também, objecto de atenção e despesas especiais, neste período. O pouco esforço que o regime dispendeu no fomento económico, nas zonas rurais, foi aplicado de maneira a reforçar, onde era possível, a posição privilegiada dos régulos. Em -algumas áreas, foram eles que beneficiaram da distribuição de gado para pecuária e tracção, que constituíam um acréscimo considerável no seu poder económico e social, servindo, simultaneamente, para melhorar as suas relações com os 183 Capitulo 4 184 27. Banja em Maniamba, década de 1950, parte integrante da administração, as banjas serviam para as autoridades coloniais enaltecerem o papel dos régulos. administradores, e incrementar a distância existente entre eles e o povo. A distribuição de árvores de fruto (cajú) e outras plantas foi feita, normalmente, através dos régulos, reforçando, também, o seu poder económico. Esta estratégia foi particularmente importante em áreas onde os régulos tinham sido demasiado desprestigiados. Por exemplo, após o desastre ecológico de 19501951 em Mogovolas, Nampula [ponto 2.4], o prójecto administrativo para a recuperação económica do distrito foi acompanhado por uma prolongada campanha de aliciamento dos régulos, através da introdução de gado bovino e outras regalias económicas. De uma forma geral, o regime colonial promoveu, neste período, boas relações políticas com os grandes régulos do país, particularmente com os que já tinham mostrado a sua capacidade de acomodar-se ao domínio colonial, tornando-os agentes da disciplina política, social e, em especial, laboral, do colonialismo. Por outro lado, nalgumas dinastias locais, foram escolhidos como chefes indivíduos capazes de ser bons intermediários com as autoridades coloniais. Foi o caso de Abdul Camal, chefe da dinastia Megama do A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 28. Chefe Mataka, numa banja, Niassa, década de 1950; nem sempre os régulos eram fieis ao regime: na década a seguir, Mataka aliou-se à FRELIMO. Chiúre, Cabo Delgado, a partir da década de 1940. Os seus predecessores tinhamlhe deixado um regulado bastante povoado, tendo aproveitado de boas relações comerciais com os primeiros invasores portugueses na região e, particularmente, com Porto Amélia, estabelecendo um novo centro de poder, no litoral, em detrimento dos antigos grandes chefes Ekoni, da zona ocidental. Abdul Carnal conseguiu prestigiar-se, na década de 30, através do fornecimento de trabalhadores para obras particulares e para o porto, e de mulheres para a vila de Porto Amélia (Pemba). Tornou-se imã islâmico e conhecia a língua portuguesa. Ap6s a sua instalação em 1940, chegou a ser um dos mais conhecidos chefes Ekoni do sul de Cabo Delgado, reforçando os laços coloniais da dinastia. Aquando do estabelecimento das culturas forçadas e da reestruturação dos poderes dos régulos pelo regime colonial (capítulo 3), Abdul Carnal foi apresentado, nas banjas organizadas pelo administrador do Chiúre, como um chefe modelo e aliado dos brancos. Entre 1945 e 1960, o poder colonial não perdia ocasião para elogiar o Megama, que chegou a ser (à semelhança de outros régulos) um conhecido pessoal do Governador-Geral, Gabriel Teixeira (1947-1958). Capítulo 4 Megama era solícito em desempenhar as funções que o colonialismo lhe prescrevia, e tinha dinamismo, iniciativa e ambição suficientes para se tornar um chefe poderoso e rico dentro do sistema, posição esta que não colidia, ainda, com os interesses particulares dos colonos [53]. De facto, as estruturas sócio-económicas e políticas africanas foram submetidas à dominação colonial, desde a época da conquista, no sentido de todas as actividades produtivas se efectuarem, directa ou indirectamente, em beneficio do colonialismo. A estratégia colonial foi, por conseguinte, o de manter, na medida do possível, e através da repressão administrativa e policial, as formas sociais da produção camponesa, nos seus moldes pouco modernos, de maneira a recairem sobre a famflia camponesa o grosso dos riscos e custos de produção e, concomitantemente, a evitar dispendiosos investimentos do capital na agricultura. A produção de subsistência e para mercado continuava, assim, sem beneficiar de melhoramentos dos meios de produção, investimento em tecnologia, formação de força de trabalho, investigação do meio ambiente, e sistemas de gestão. Para que se pudesse exercer, mais eficazmente, o controle do campesinato, a administração colonial valorizou e reforçou o poder dos regedores (régulos), em detrimento de chefes menores e mesmo, em alguns casos, de chefes poderosos, embora procurasse, sempre que possível e achasse conveniente, fazer coincidir os interesses destes com os daqueles. Mas, para que tal fosse possível, era indispensável dinamizar o 'tradicional' das estruturas sociais e políticas dos camponeses, ao nível das quais se podia exercer, com maior eficácia, o poder das 'autoridades gentflicas' (régulos, chefes de grupos de povoações, chefes de povoações). Foi durante este período, que os 'hábitos e costumes' começaram a ser estudados, de uma maneira mais sistematizada, pelos administradores e pelos missionários, mais para os manter do que para os combater. Por outro lado, para que os régulos pudessem ter força e prestígio, passaram a beneficiar, cada vez mais, da sua posição na administração colonial (salário, gratificações, etc.) e a poder acumular riqueza, explorando os seus subordinados directos. Esta crescente clivagem social trouxe conflitos graves no seio do campesinato, que se manifestavam, particularmente, nas suçessões dos régulos. 186 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 As associações profissionais para negros Para a administração colonial punha-se a necessidade de encontrar a forma de enquadramento dos trabalhadores negros que, nas cidades, exerciam os mais variados pequenos ofícios, isto é, os pequenos artesãos, trabalhando por conta própria. Para isso, o governo colonial promoveu a criação das associações profissionais para 'indígenas'. A primeira a ser criada, por iniciativa do Director dos Serviços dos Negócios Indígenas, foi a 'Associação Mútua dos Engraxadores de Lourenço Marques', em 1946 (mas cujos estatutos só, em 1966, seriam aprovados). Nela se integraram, no ano seguinte, os polidores de carros e móveis. Sempre sob a tutela dos Serviços dos Negócios Indígenas, esta Associação dispunha de alguns fundos monetários e, em Fevereiro de 1947, inaugurou a sua sede no Chamanculo. Com a publicação, em Abril de 1949, do Regulamento dos Serviçais Indígenas, foram criadas outras associações profissionais de trabalhadores negros que desenvolviam a sua actividade por conta própria, em vez de 29. Os engraxadores de Lourenço Marques frente da sede da sua Associação, pouco depois da sua fornação em 1946. Capítulo 4 serem trabalhadores contratados ou forçados. A palavra 'serviçal' ou 'servidor' significava, de facto, todo o indivíduo 'destribalizado', trabalhando, permanentemente, nas zonas urbanas. Em 1950, existiam as seguintes associações: Associação dos Negociantes Indígenas, dos Carpinteiros, dos Lavadores, dos Barbeiros, dos Sapateiros, dos Pintores, dos Criados da Mesa e dos Alfaiates. Não tendo estatutos legais, as associações serviram o objectivo de controlar as actividades sociais de um número considerável dos trabalhadores permanentes da cidade, através, por exemplo, da supervisão oficial da educação oferecida na escola das associações. As associações proporcionavam algumas vantagens aos seus sócios mas, dependendo estreitamente da boa vontade da administração colonial, eram veículos para a imposição da disciplina laboral e política coloniais. Os agricultores prósperos e as cooperativas Não obstante a situação sombria, já analisada, da maioria dos camponeses e trabalhadores, deve notar-se que, nalgumas localidades, se reforçou a pequena camada de agricultores relativamente privilegiados, que já se evidenciou no período anterior [54]. Com efeito, um dos principais objectivos da política rural colonial foi o enquadramento destes produtores 'evoluídos'. Em 1944, o Governo publicou o chamado Estatuto do Agricultor, que visava a promoção e controle de "uma classe de pequenos proprietários rurais, mergulhando ainda por algum tempo as suas raizes no indigenato, mas ascendendo para a civilização ..." [55]. Esta legislação providenciou que os agricultores 'evoluídos' se registassem na administração, e que recebessem certas ajudas, na promoção de culturas, particularmente as alimentares. Visava, também, controles sobre a sua comercialização, e estipulou que o agricultor tinha de construir a sua casa de tijolo dentro de um período de 5 anos a partir da data da sua inscrição. O objectivo era, evidentemente, o de controlar a evolução dessa camada social. Após 1945, o Governo-Geral pretendeu identificar todos os agricultores 'evoluídos' que, às vezes, recebiam uma atenção especial do Governo. Por exemplo, aquando das tentativas de promover a cultura de trigo, no Limpopo, entre 1954 e 1958, e paralelamente à instalação do colonato, alguns agricultores 'evoluídos' foram incluídos nas campanhas A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 com parcelamentos de terra de 20 ou 30 hectares. No entanto, estas tentativas entraram, evidentemente, em conflito com a política colonial de fixação de colonos, particularmente no Limpopo, onde a expansão do colonato significou não só a expulsão de cultivadores negros e, como resultado, um crescente conflito sobre a posse das terras, mas também a aplicação de ajudas financeiras, etc., numa base claramente racial. Para além disso, os agricultores 'evoluídos', que foram aliciados a participar no desenvolvimento agrícola, tinham que vender o seu produto a uma instituição ou comerciante estipulados pelo Estado colonial. Foram impedidos pela estrutura racial do comércio de realizar o rendimento integral da sua produção, que, normalmente, se fazia só a nível de comercialização. Nalgumas localidades do país, desenvolveram-se concentrações de agricultores prósperos, que mereceram a atenção especial do regime colonial. Por exemplo, o distrito de Zavala, em Inhambane, tendo condições eoológicas favoráveis a uma densidade populacional relativamente alta, era sempre considerado uma reserva de mão-de-obra, para a cidade de Lourenço Marques e as minas da África do Sul, e produtor de quantidades significativas de algodão e cajú. Neste contexto, ý"aforamento de terras aos colonos foi, praticamente, excluído. Por outro lado, os solos de certas zonas do distrito eram próprios para serem cultivados com charrua. Utilizando os proventos do trabalho assalariado e das vendas, de produtos agrícolas, nos meados da década de 50ý cerca de 1.300 famflias já possuíam charruas, incrementando assim a sua produtividade agrícola e acumulação, e alargando a área. das suas culturas. Constituiu-se, assim, um núcleo de agricultores relativamente privilegiados em relação às restantes 17.000 famflias do distrito. Em 1955, o administrador do distrito iniciou a criação de várias cooperativas, para controlar a jevolução deste núcleo e, em particular, equilibrar as suas aspirações com a política colonial de reforçar o poder dos régulos. Cada membro da cooperativa tinha de possuir uma área mínima cultivada de 3 hectares e pagar uma jóia de entrada de 500 escudos e uma quota mensal de 300. Por um lado, através da concessão de créditos especiais, vindos do Fundo de Algodão, para a compra de alfaias, gados e máquinas, e de uma certa libertação na comercialização dos seus produtos e dos outros agricultores, incrementou-se a possibilidade de acumulação. Por outro lado, na direcção de cada cooperativa, foi 189 Capítulo 4 colocado um régulo que, habitualmente, era também um agricultor próspero [56]. Da mesma forma e em condições sócio-económicas semelhantes, durante a década de 50, outras- coop.rativas foram criadas pela administração em Chibuto (Gaza), Marracuene e Manhiça (Maputo). As cooperativas de Salamanga e Santaca (Maputo) foram criadas para evitar uma desestruturação total da sociedade camponesa, afectada pela emigração, reforçando, simultaneamente, as relações tradicionais e os laços com a administração colonial. A Cooperativa dos Pescadores do Govuro, baseado em Nova Mambone, foi criada, após as perturbações de 1953, na Machanga (Sofala), para retomar o controle duma situação social muito tensa [57]. O facto de que, para o regime colonial, o objectivo principal das cooperativas não era beneficiar os agricultores prósperos, mas de os enquadrar, manifestou-se ainda com mais clareza nos fins da década. Como disse o Governador-Geral, Gabriel Teixeira: "Pretendeu-se muito especialmente prevenir o surto de novas condições sociais resultantes da expansão econ6mica dos agricultores em regime individual ... de criar novas relações e hábitos de ordem e disciplina ... (e de) ... estimular a criação de novos laços sociais que se harmonizem com a nossa política secular de assimilação e sirvam para substituir os vínculos tribais em vias de desaparecimento" [58]. As cooperativas foram consideradas, assim, 'obras de cooperação social' em beneficio da estrutura s6cio-económica existente. Confirmando este facto, após reclamações dos comerciantes asiáticos e portugueses estabelecidos no distrito, em 1960, a administração de Zavala decidiu retirar, em grande parte, os privilégios das cooperativas na comercialização, onde residiam as suas melhores perspectivas de expansão [59]. Uma outra forma de cooperativização surgiu em relação à cultura de algodão, e, particularmente, após a legislação de 1955, respeitante a essa cultura. Esta legislação elaborou uma polftica para a promoção de cooperativas algodoeiras, sob a tutela das companhias concessionárias, com o objectivo de fomentar a cultura. voluntária e de reduzir, desta maneira, os custos de administração e produção. Dessas cooperativas, a de maior relevo foi a Sociedade Algodoeira 190 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 Africana Voluntária de Moçambique, mais conhecido pelo nome Liguilanilu (Kimaconde: 'entre-ajuda'), formada em 1957, no planalto de Mueda, na província de Cabo Delgado (capítulo seguinte). NOTAS 1. Para as circunstâncias internacionais no fim da II Guerra Mundial, ver ponto 1.1 do capítulo 5. 2. AIM, FA, JEAC, 'Viagem ao norte da colónia, de 18 de Maio a 9 de Junho de 1945: II relatório', p. 14. 3. BO 45, 9.11.1946, p. 459: Decreto 35:844, 31.8.1946. 4. Adaptado de N.S. BraVo, A cultura algodoeira no norte de Moçambique, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1963, pp. 81, 83, 192-193. 5. AHM, FA, 'Estudo das condições da comercialização dos algodões de Moçambique', Anexo II, 'Produção média por hectare de algodão caroço da província de Moçambique nas campanhas agrícolas de 194112 a 195819'; Bravo, op. cit., p. 81. 6. Ibid., pp. 152-162, 184, 285. 7. AHM, FA, 'Estudo das condições da comercialização dos algodões de Moçambique' (1959), Anexo III, 'Média das campanhas 1953/4 a 1958/9 inclusive...'. 8. Bravo, op.cit., pp. 81, 135-139. 9. Ver Capítulo 3. 10. AHM, Ordem do Niassa, 9, 30.9.1947, Ordem de Serviço 9/47, 30.9.1947, p. 82. 11. Repartição Central dos Negócios Indígenas, Compilação das ordens e instruções de carácter permpnente expedidas até 21 de Dezembro de 1952, em circulares, oficiais, notas, despachos e pareceres, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1953, pp. 185-189, Circular 2:875/B/15, 29.8.1947; Informação no. 42, 19.11.1947, 'Novo esclarecimento sobre o emprego de ociosos'. 12. Ver J. Capela, Escravatura: conceitos, empresa de saque, Lisboa: Afrontamento, II edição, 1978, pp. 18-19, citando o diário do Bispo da Beira, que considerava o sistema de recrutamento uma moderna 'escravatura', em que se vendia e comprava pretos. 13. AHM, FGG 721, L. Pinto da Fonseca, Relatório da Direcção dos Serviços dos Negócios Indígenas e da Curadoria Geral, 1959, p. 19. 14. Ver no capítulo seguinte. 15. AHM, FNI, Cx. 1149-1150, Direcção dos Serviços dos Negócios Indígenas, Capítulo 4 'Salários e subsídios, 1958-1961'; P. Soares, Inquéritos sobre a revisão dos salários, 1960-1961, AHM, ms. dactilografado, 1984. 16. Estatísticas de Comércio e de Navegação, 1945-61; Anuário Estatístico, 194561. 17. H. Galvão, Ronda da África, Porto: Editorial 'Jornal de Notícias', s.d., vol. II, pp. 483-484. 18. AHM, FGG 273, Relatório da Inspecção à Colónia de Moçambique pelo Inspector Superior D. António de Almeida, 1947, pp. 92-93. 19. AHM, FA, JEAC, 'Reajustamento dos preços do algodão aos restantes produtos da cultura indígena de Moçambique', (Lisboa, Marco de 1951), pp.2a-3. 20. Citado em A. Manghezi, 'Interviews with Mozambican peasant women', em H. Johnson e H. Bernstein [coord.], Tlird world lives of struggle, Londres: Heinemann/Open University, 1982, p. 165 [nossa tradução]. 21. L. Vail e L. White, 'Tawani machambero!: forced cotton and rice growing on the Zambezi', Journal ofAfrican History, vol. XIX (1978), pp. 255-256. 22. AHM, FTO, Entrevista com Albino Maheche orientada por Gerhard Liesegang, Maputo, 4.10.1981. 23. Citado em Eduardo Mondiane, Lutar por Moçambique, Lisboa: 1977, p. 90. 24. Ver, inter alia, Bravo, op. cit., pp. 225-229. 25. AHM, FA, A. M. Silva e outros, 'Mogovolas: esboço de estudo da recuperação dos solos e ordenamento agrícola', Lourenço Marques: mimeo, 1951, p.10. 26. Ibid., p. 8. 27. E. F. de Almeida, Governo do Distrito de Moçambique, Relatório, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1957, vol. 1, p. 14. 28. Vail e White, Capitalism and coloniali'm in Mozanbique..., pp. 219,313,353, 359,376. 29. Ferreira de Almeida, op. cit., vol.1, p. 65; AHM FGG, António Lopes dos Santos, Relatório do Governo do Distrito de Moçambique, 1959, p. 33. 30. Ver, por exemplo, AHM, FGG 273, António de Almeida, Relatório da Inspecção Superior Administrativa à Colónia de Moçambique, 1947. 31. Ver, por exemplo, M. Legassick e F. de Clerq, 'Capitalism and migrant labour in southern Africa: the origins and nature of the system', Universidade de Londres, Institute of Commonwealth Studies, mimeo, 1978, pp. 7-10; D.G. Clarke, Contract workers and underdevelopment in Rhodesia, Gwelo: Mambo presi, 1974, pp. 14-18; D. O'Meara. 'The 1946 African mineworkers strike and the political economy of South Africa', Journal of Commonwealth and Comparative Politics, 13 (2) 1975, pp. 150-151, 157-162. 32. UEM/CEA, O mineiro moçambicano, Maputo, mimeo, 1979, pp. 31-34; AHM, FNI, Cx. 132, Repartição Central dos Negócios Indígenas, Elementos para o relatório de S.Exa o Governador Geral de Moçambique relativo aos anos de 1947, 1948 e 1949, Anexo, Acordo Suplementar ao Acordo de 30 de Junho de 1934, sobre o recrutamento de trabalhadores indígenas no distrito de Tete, para serem empregados na colónia da Rodésia do Sul, 13.11.1947. 192 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 33. Legassick e de Clerq, op. cit., p. 15; A. Rita Ferreira, 'Trabalho migratório de Moçambique para a Rodésia do Sul,' História (Lisboa), 80, Junho, 1985, pp. 45-46; i.das Neves, 'O trabalho migratório de Moçambicanos para a Rodésia do Sul, 1913-1958/60', Trabalho de Diploma para a obtenção do grau de Licenciatura, Instituto Superior Pedagógico, Maputo, 1990, esp. pp. 33-44; sobre a reestruturação da economia rodesiana neste período, ver I. Phimister, An economic and social history ofZimbabwe, 1890-1948: capital accumulation and class struggle, Londres: Longman,1988, cap. 5; H. Dunlop, The development of european agriculture in Rhodesia, 1945-1965, Salisbúria: University of Rhodesia, 1971 [Department of Economics Occasional Paper, nU 5]. 34. E.A. Alpers, "'To seek a better life": the implications of migrations from Mozambique to Tanganyika for class formation and political behaviour', Canadian Journal ofAfrican Studies, 18 (2) 1984, pp. 375, 377-379; B. Egero, Colonisation and migration. A summary of border crossing movements in Tanzania before 1967, Uppsala: Scandinavian Institute of African Studies, 1979, [Research report no. 52], pp. 31-37; J. Dias, 'Missão de estudos das minorias étnicas do ultramar portugues. Relatório da campanha de 1959', Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960, pp. 22-23. 35. Citado em Alpers, op.cit., p. 368. 36. Censo da população indígena da colónia de Moçambique, em 1930, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1932; Censo da população não-indígena em 2 de Maio de 1935, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1936; Censo da população em 1940, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1942-1945; Recenseamento geral da população em 1950, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1953-1955; 111 Recenseamento geral da população na província de Moçambique, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1969. A taxa de crescimento anual da população total nas décadas 1930-40,1940-50, e 1950-60 foi 3,1%, 1,2% e 1,5% respectivamente. Para a população colona foi 5,4%, 7,6% e 10,2%. 37. Estatísticas Industriais, 1947-1961. 38. Economia de Moçambique (Lourenço Marques), vol. II, no. 11, Novembro de 1965. 39. Estatísticas Industrais, 1956, 1961. 40. Estimativa baseada em: Recenseamento geral da população, 1950, 1950, 1960; A. Rita Ferreira, 'O emprego assalariado em Moçambique', Indústria de Moçambique, vol. 3, no. 8, Agosto 1970, p. 282; A. Castro, O sistema colonial português em África, Lisboa: Editorial Caminho, 1980, p.283. Deve-se realçar o carácter provisória desta estimativa. 41. BO 32, 7.8.1948, p. 491, Despacho de G. Teixeira, 21.7.1948; SNECI, Relatório do Conselho Geral, 1948, Lourenço Marques: Empresa Moderna, 1949, p. 9; BO 6, 11.2.1950, pp. 65-66, Portaria 8250, 11.2.1950; M. Cahen, 'Corporatisme et colonialisme. Approche du cas mozambicain, 1933-1979, 1. 193 Une genèse difficile, un mouvement squelettique', Cahiers d'Études africaines, 92, XXIII-4, 1983, pp. 383-417, esp. pp. 398-401; [ver capítulo 3, nota 18]. As profissões abrangidas por SNECI foram as seguintes: guarda-livros, caixa, empregado de escritório de qualquer categoria, caixeiro de balcao, de praça, de armazem, ou viajante, químico, farmacêutico, ajutante ou praticante de farmácia, e de uma forma geral, todos os indivíduos empregados em qualquer empresa privada da natureza atrás indicada que recebam pelo seu trabalho uma remuneração mensal. Ver BO 35, 28.8.1943, Portaria 10.420, de 22.6.1943. 42. BO 38, 23.9.1948, pp. 507-513, Despachos de G. Teixeira, 23.9.1948; SNECI, Relatório do Conselho Geral, 1948, p.9. 43. Boletim do SNECI, 6 (1955), p 51, passim; ver, também, SNECI, Relatório e Contas, 1953, Lourenço Marques, 1953, p. 12-13 44. Boletim do SNECI, 11 (1956)ý pp. 11-17; BO 18, Suplemento, 7.5.1956, esp. pp. 431-434. 45. Anuário Estatístico, 1949-1961 46. A B. Herrick (coord.), Area handbook for Mozambique, Washington, D.C.: United States Government Printer, 1969, p. 267. 47. Sobre esta matéria, ver, por exemplo, S. de Resende, Colonização portuguesa. Sentido, objecto, factores, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1946, pp. 44-45; S. de Resende, Ordem anti-comunista, Lourenço Marques: Imprensa. Nacional, 1950, pp. 149-152. 48. 'Ver, por exemplo, J. Paul, Mozambique: memoirs of a revolution, Harmondsworth: Penguin, 1985, p. 29; AHM, FNI, Cx. 700, Governo-Geral ao Ministério do Ultramar, 14.11.1953, incluindo declarações do Bispo anglicano ao Church I7mes, -8.5.1953. 49. S.R. I,II, passim. 50. Para confirmação dessa análise, ver, por exemplo, C. de Castro Coelho, As reformas de 6 de Setembro de 1961 e a sua incidência em Moçambique, Dissertação de Licenciatura, ISCSPU/Universidade Técnica de Lisboa,' 1964, p.28; AHM, ISANI, Cx. 26, A. P. de Sousa Santos, Inspecção ordinária à eircunsrição de Guijá (Sede, e posto de Massingir) do período de Agosto de 1942 a Janeiro de 1957, pp. 26, 37-38. Fontes para Quadros 19-22: Anuário Estatístico de Moçambique, 1945-1961. 51. A. da Silva Rego, 'Considerações sobre o ensino missionário', Ultramar, vol.5, no.18, 1964, p. 22. 52. Sobre esta matéria, ver, por exemplo, BA, 27.6.1959, J. Roldão, 'Carta Aberta'; Castro Coelho, op.cit., pp.17-19; AHM, FGG 721, L.M. Pinto da Fonseca, Relatório da Direcção dos Serviços dos Negócios Indígenas e da Curadoria Geral, 7.6.1958 a 31.12.1959, Anexo XVIII; AHM, FGG 722, idem, Relatório da Aplicação do Estatuto dos Indígenas Portugueses (1955-1959, passim. 53. B. B. João, 'Abdul Kamal (1892-1966) et l'histoire du Chiuré au XIXe e XX siècles', Mémoire d'Histoire et d'Anthropologie, Paris, Diplome de I'EHESS, Capítio 4 194 A Economia e a Estrutura Social, 1945-1961 1989, pp. 65-67,70-77,97-98; ver também, E. Medeiros, 'A chefatura dos Megama do Chiuré: contexto económico e político da sua instalação', Cadernos de História, 4(1986), pp. 21-27; os autores agradecem a Eduardo Medeiros para informações sobre Megama e os regulados. 54. Ver Capítulo 3, ponto 4.5. 55. Estatuto do agricultor indígena, aprovado pelo diploma legislativo no. 919, de 5 de Agosto de 1944, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1944, p.4. 56. Y. Adam, 'Cooperativização agrícola e modificação das relações de produção no período colonial em Moçambique', Trabalho de Diploma, Licenciatura em Hist6ria, Universidade Eduardo Mondiane, 1986, pp. 79-96; AHM, Secção Especial, L.L. Santos, A cooperação social ao sul do Save, Lourenço Marques: Serviço de Acção Psicossocial, 1962, pp. 9-17. 57. M. Cahen, 'Corporatisme et colonialisme. Approche du cas mozambicain, 1933-1979, 11. Crise et survivancedu corporatisme colonial, 1960-1979', Cahiers d'Études africaines, 93, XXIV-1, 1984, p. 6; sobre o motim de Machanga, ver Capítulo 5, ponto 3. 58. Relatório da Administração da circunscrição de Zavala sobre as cooperativas da sua área, Lourenço Marques: Imprensa Nacional, 1958, pp.10-11. 59. AfIM, Secção Especial, Santos, op. cit. p. 38; Adam, op. cit., pp. 102-103. Capítulo 4 F x-4F ira 1932 / hG R EV ES. CONTESTAÇOES /Machanga .195 3 E PROTESTOS 1930-1960 SINAIS AProtestos,etc. relacion-ids com o culti-vo forçado de algodão a195 FFugas para território; 1958 vizinhoi. tManj cazePF GGreves ..1951) G PProtestos cortra o reXinavane 1943,1954 gime colonía',trabalho S G1 forçado, abusos, etc. _ G Lourenço Marques 1933,1947 GobaL195410 1949 M"-- 4: Greves, contestações e protestos, 1930-1960. 196 Capítulo 5: A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 1. Introdução Como vimos nos capítulos anteriores, uma das bases fundamentais da crescente exploração que Portugal quis implantar em Moçambique, ap6s 1930, era a repressão política fascista, que impediu o desenvolvimento de organizações anticoloniais. Com a divisão racial do movimento associativo como, por exemplo, na criação, em 1932, do Instituto Negrófilo, apoiado pelo Governo colonial e alguns grandes capitalistas, procurava-se enquadrar, em moldes aceitáveis pelo colonialismo, as aspirações da elite moçambicana. Procurava-se, sobretudo, impedir que surgisse uma plataforma anti-colonial comum, entre membros da pequena burguesia moçambicana de diferentes origens sociais e raciais. Embora houvesse uma pequena abertura para a expressão política anti-fascista logo após a II Gurra Mundial, a repressão da actividade política moçambicana tomou novas formas, neste período. Apesar do rigor da repressão, a intensificação da exploração rural e das barreiras raciais no trabalho, a crescente divisão e alienação das terras em beneficio dos colonos e a discriminação religiosa [1] não podiam deixar de inspirar oposição da parte do povo moçambicano. A contestação anti-colonial continuou a manifestarse sob várias formas. Surgiram, por exemplo, greves, motins e outras formas de protesto da parte dos camponeses e trabalhadores. Capítulo 5 198 Embora muito reduzido em termos absolutos, o número de estuaantes moçambicanos que conseguiram fazer ensino secundário, dentro ou fora do país, cresceu gradualmente, formando um núcleo que começou a questionar a assimilação política e cultural da elite moçambicana nas estruturas coloniais (as associações) e o seu carácter racista. Além disso, com a proibição da expressão aberta de opiniões políticas, a actividade cultural veio a ser um veículo importante de oposição à situação colonial. No fim da década de 50, incentivada pela crescente repressão interna e pelo avanço da luta anti-colonial no contexto regional e continental, a reclamação pelo fim do domínio colonial, e a sua substituição por um estado independente ganhou uma nova dinnsão. Por seu turno, não obstante algumas mudanças na organização da economia, o regime oólonial respondeu com uma repressão mais feroz à exigência das mais elementares reformas políticas, como se verificou, por exemplo, no massacre de Mueda em 1960. Perante a intransigência do regime colonial, formaram-se, fora do país, os movimentos que, na fase posterior, se juntariam, fundando a Frelimo. 2. O reforço do colonialismo na África após a II Guerra Mundial No fim da II Guerra Mundial, em 1945, o clima mundial altera-se, temporariamente, relativamente às lutas anti-coloniais. A guerra dos aliados, URSS, EUA e Grã-Bretanha (e os seus domínios) contra o fascismo tinha, como objectivo principal, o derrube do fascismo alemão, italiano e japonês. Apesar de existir, entre os aliados, grandes divergências de estruturas económica e ideológica, em termos gerais, lutaram para o estabelecimento da liberdade e democracia. No pós-guerra, torna-se evidente a desarmonia entre este objectivo e a prática de dominação colonial, que se aproximava do fascismo, no sentido em que negava a liberdade e democracia aos povos subjugados. Tal opressão veio a ser posta em causa, em tempo de paz, no período da reconstrução da economia mundial e das relações internacionais. A URSS, que tinha a posição anti-colonial mais firme, viu a sua influência internacional consideravelmente incrementada, devido ao seu papel preponderante na aliança contra fascismo. O alargamento de apoio popular na Europa para a causa socialista, como se evidenciou, por A Contestaçao da Situação Colonial, 1945-1961 a exemplo, nas tentativas, embora reprimidas, de revolução na Itália, Grécia e França, reforçou essa posição. Mesmo na Grã-Bretanha, a vitória eleitoral e o acesso ao poder do Partido Trabalhista em 1945, significou que, face à longa luta nacionalista, nas suas colónias asiáticas, o Governo britânico adoptasse uma política de descolonização. Os Estados Unidos adoptaram uma política de portas abertas à penetração capitalista nas colónias dos países europeus [2]. Foi neste ambiente, em que as contradições estruturais e políticas entre as grandes potências vitoriosas estavam temporariamente relegadas para o segundo plano, que se criou, em 1945, a Organização das Nações Unidas [ONU]. Uma das principais declarações desta organização obrigava os países colonizadores a preparar os povos colonizados para a independência, o que abriu novas perspectivas para a descolonização a nível mundial. Outros desenvolvimentos reforçaram, parcialmente, essa tendência. Em Outubro de 1945, o V Congresso Pan-Africano, que teve lugar em Manchester (GrãBretanha), reivindicava, no seu manifesto final, a independência imediata e completa para todas as colónias. Em 1947, a índia, Paquistão, e Birmânia e, em 1948, Ceilão (hoje Sri Lanka) conquistaram, de facto, as suas independências à Grã-Bretanha, mostrando que o colonialismo não era, necessariamente, invencível nem seguro. Mesmo em Portugal, o regime salazarista foi, no fim da II Guerra Mundial, inicialmente, posto na defensiva. Isto foi devido, em primeiro lugar, à série de greves em Lisboa e zonas circunvizinhas, entre Novembro de 1942 e Maio de 1944, e ao apoio popular português, evidente nas manifestações pró-democracia, no fim da guerra, a vitória anti-fascista dos aliados. Em segundo lugar, a GrãBretanha e os EUA pressionaram, aparentemente, o regime português a fazer reformas. Este declarou eleições 'livres'; a censura foi aliviada, e milhares de pessoas aderiram ao Movimento de Unidade Democrática (MUD) e ao MUDJuvenil, que integravam liberais, socialistas e comunistas [3]. Aparentemente sob as mesmas pressões internacionais, o Ministro português das colónias começou a discursar sobre a necessidade de acabar com todas as formas de trabalho forçado, provocando pânico entre os proprietários das plantações em Moçambique, que tiravam grandes lucros dessa forma de trabalho [4]. No entanto, as palavras foram mais ameaçadoras que as acções, e o regime colonial em Moçambique começou a desenvolver meios mais sofisticados e camuflados de controle laboral (capítulo 4). As mudanças em Portugal eram, de facto, bastante superficiais e bem calculadas. A abertura foi suficiente, porém, para o regime recolher os nomes de centenas de aderentes e activistas da oposição, que vieram a ser vítimas de uma onda de repressão instigada pelo Governo, através do reforço da polícia secreta (PIDE), e da legalização de detenções até 180 dias sem julgamento [5]. Além disso, a partir de 1946, a situação internacional mudou radicalmente, no sentido de travar o processo de descolonização, particularmente em África. Para a burguesia ocidental, a crescente influência da URSS, concretizada nos estados da Europa oriental (Bulgária, Checoslováquia, Húngria, Polónia, Roménia, e a República Democrática Alemã), representava um catalisador da revolução social, já em progresso na China, nas várias colónias asiáticas e no médio-oriente. De facto, as relações amigáveis entre a URSS e os EUA, que se tinham desenvolvido durante a luta contra o fascismo, pouco sobreviveram após a II Guerra Mundial. Foram gradualmente substituídas por um ambiente de desconfiança mútua, baseada no desequilíbrio económico e militar entre as duas potências mundiais, e que culminou na divisão da cena internacional em dois campos principais e na corrida dos armamentos [6]. Como potência colonizadora na Africa, e detentor das ilhas estratégicas dos Açores no Atlântico, Portugal veio a ser incluído como membro integral do bloco ocidental, não obstante o seu governo fascista e sua neutralidade durante a II Guerra Mundial. Passou a receber benefícios sob o Plano Marshall, que canalizou ajuda americana em prol da reconstrução da economia europeia ocidental, e, em 1949, tornou-se membro fundador da Organização do Tratado do Atlântico do Norte (OTAN). Com efeito, os direitos políticos do povo português, e a reforma do sistema colonial português, constituíam uma prioridade já muito secundária para o Ocidente. Aproveitando a nova situação, o regime promulgou outras medidas que reforçaram a segurança do Estado fascista [7]. O âmbito regional na África Austral Na África Austral, a crise económica pósGuerra foi acompanhada por Capttulo 5 200 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 uma crise s6cio-política, em torno do desemprego de trabalhadores brancos, e da crescente militância dos trabalhadores negros, que se manifestou, especialmente, na greve dos ferroviários da Rodésia do Sul, em 1945, e na grande greve dos mineiros na África do Sul, em 1946 [8]. Na África do Sul, a indecisão do Governo, face às reclamações ostensivamente irreconciliáveis, resolveu-se quando, nas eleições de 1948, o eleitorado branco votou a favor do Partido Nacionalista, determinado na implementação do apartheid, que significava a extensão e intensificação da segregação racial existente, e assim, a repressão total das reclamações dos negros [9]. No mesmo ano, devido, em parte, às reivindicações dos trabalhadores brancos, o' regime colonial, em Moçambique, decidiu alargar, significativamente, as barreiras raciais contra os negros nos empregos a favor dos brancos imigrantes, tendo já encontrado meios para dissimular a continuação e a intensificação do trabalho forçado dos negros. Na 30. Entendimento regional: encontro dos Governadores-Gerais de Moçambique e da Federação das Rodésias e Niassaltândia, Lourenço Marques, 1954. Capítulo .5 mesma altura, verificou-se mais uma intensificação do controle sobre os trabalhadores negros, nas cidades de Lourenço Marques e Beira. 3. As associações e o movimento juvenil em Moçambique, 1945-1955 Contudo, o conjunto dos acontecimentos internacionais decorrentes do final da II Guerra e a transmissão por rádio das informações e debates que os provocaram não podiam deixar de encorajár oponentes do regime em Moçambique. ' Pouco depois da Guerra, formou-se, em Moçambique, um movimento complementar ao MUD-Juvenil português, o Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos [MJDM], cujo objectivo era fazer uma intensa propaganda contra o Estado Novo, através da distribuição de panfletos de propaganda política clandestina. A liderança do MJDM era constituída por Sobral de Campos (antigo consultor jurídico da Confederação Geral de Trabalho e de outros organismos operários portugueses, radicado em Moçambique), Sofia Pomba Guerra, e Raposo Beirão (advogado). João Mendes, Ricardo Rangel (fotógrafo) e Noémia de Sousa (poetisa) faziam também parte do movimentoque pretendeu: "combater as grandes injustiças sociais de que estavam a ser vítimas os trabalhadores por parte dos patrões ..(e)... promover a unidadede todos os africanos..." [10]. No entanto, vigiado pela polícia e limitado pelas divisões raciais impostas ao movimento associativo, o MDJM não podia ter um impacto fora do seu núcleo fundador. Em 1948-1949, o regime reprimiu o Movimento, através de processos de julgamento dos seus líderes [11]. Foi neste ambiente, de perspectivas que foram encorajadas inicialmente pela luta anti-fascista e anti-colonial internacional e, depois, confrontadas pela retomada rigidez do colonialismo na África Austral, que funcionaram as Associações mais velhas. O Centro Associativo dos Negros de Lourenço Marques, as Associações Africanas de Lourenço Marques e de Quelimane e o Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala constituíram parte do aparelho legal através do qual o regime colonial pretendeu enquadrar as aspirações culturais e políticas da pequena burguesia, dos vários grupos raciais (capítulos 2 e 3). 202 A Contestaçõo da Situaçdo Colonial, 1945-1961 Se bem que o papel'destas associações, tuteladas pelo Director dos Ser-ýços dos Negócios Indígenas, fosse limitado, em geral, à apresentação de petições e queixas eventuàis, não podiam ficar inteiramente isoladas das mudanças sóciopolíticas do período, quer dentro de Moçambique quer fora. No entanto, acontecimentos dos fins da década de 40 e inícios de 50, mostraram que novas iniciativas em defesa dos negros através das associações legais iam encontrar a repressão, com um grau variante de subtileza, pelo regime colonial. Em inícios de 1949, formou-se em Lourenço Marques, com cerca de vinte membros, o Núcleo dos Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM), que funcionava dentro do Centro Associativo dos Negros (CAN), o novo nome do Instituto Negrófilo [12]. Esta organização pretendeu representar os poucos estudantes que conseguiram matricular-se nas escolas secundárias da colónia, ou que obtiveram a sua formação na África do Sul. ó objectivo do Núcleo era fomentar unidade e camaradagem entre os jovens africanos, através do desenvolvimento da sua capacidade intelectual, espiritual e física, para melhor servir a sua comunidade. Eduardo Mondiane, o seu fundador principal, nascido em 1920, era, no final da década de 40, um estudante com certa maturidade e experiência organizativa. Escolhido como catequista e organizador de grupos da juventude (mintlawa) na Missão Suiça, nos finais da década de 30, viu a sua educação bloqueada.pela legislação discriminatória colonial. Depois de ter frequentado a escola secundária Lemana da Missão Suiça, no norte do Transval, entre 1944 e 1947, passou, brevemente, por uma escola de trabalho social em Joanesburgo, em 1948, regressando a Moçambique no fim do mesmo ano. Em Fevereiro de 1949, foi lhe concedida uma bolsa do Conselho Cristão de Moçambique para estudar Ciências Sociais, que levou MondIane a matricular-se na prestigiosa Universidade de Witwatersrand. Contudo, em Agosto do mesmo ano, foi informado da sua expulsão do país pelo novo Governo sul-africano, em cumprimento das novas medidas discriminatórias [13]. Mondlane era influenciado não só pelas condições discriminatórias de educação e religião em Moçambique, que eram mesmo piores do que na África do Sul, como também pela radicalização do ANC sul-africano, nesses anos, sob o impulso da sua Liga da Juventude, em que foi envolvido. Mondlane teve, também, contactos regulares com mineiros 203 Capítulo 5 204 31. Eduardo Mondiane, em 1949, ano do seu regresso da Africa do Sul, e da fundaç4o do NESAM moçambicanos, nos compounds das minas do Witwatersrand, na sua capacidade de assistente missionário [14]. A primeira fase da existência do NESAM, embora dinamizada pela experiência e pelos ideais de Eduardo Mondíane, durou pouco tempo. Para as autoridades coloniais o NESAM era "uma organização nacionalista embrionária" [15], e a polícia tentou eliminar o conteúdo político dos seus objectivos. Como Mondlane relatou: "Logo desde o início, a polícia vigiou de perto o movimento. Eu própcio, .como era um dos estudantes vindos da África do Sul que tinham fundado o NESAM, fui preso e longamente interrogado acerca das nossas actividades em 1949" [16]. A Contestaçdo da Situação Colonial, 1945-1961 A polícia, nos seus interrogatórios, quis colher informações sobre possíveis contactos entre NESAM e os já eminentes nacionalistas da África ocidental, Kwame Nkrumah (Gana) e Namdi Azikiwe (Nigeria). Foi, de facto, nesta altura que, para melhor impedir a 'subversão' política, o Governo colonial tornou extensiva a Moçambique a legislação repressiva portuguesa de 1949. Entre outras medidas, estabeleceu o Conselho de Segurança Pública sob controle do Governador-Geral, e regras específicas e rigorosas de vigilância para infractores [17]. Posto em liberdade, Mondlane foi então chamado à Direcção da Administração Civil, onde lhe foi proposto um plano para a colaboração do NESAM com o governo e oferecida uma bolsa para ele estudar em Lisboa. Mondlane recusa. No entanto, pouco depois, opta por aceitar estudar em Lisboa, mas com uma bolsa oferecida por uma fundação privada [18]. A partir desta altura e até à segunda metade da década, parece que o NESAM, que era constituído, principalmente, pelos filhos das famílias membros do Centro, se restringiu a actividades sõcio-culturais da pequena camada estudantil negra, deixando de ser um movimento abertamente político [19]. As limitações impostas sobre as associações legais eram também evidentes no caso do Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala e do motim de Machanga em 1953. Nos anos anteriores, o Núcleo havia conquistado uma certa reputação entre os habitantes de Machanga como porta-voz das suas queixas, particularmente as que referiam à questão das terras, junto das autoridades coloniais. Com efeito, alguns dos régulos da zona começaram a sentir-se ultrapassados e a sua autoridade diminuída pela prática de reclamar junto do Governo através do Núcleo, cujo prestígio se viu, assim, aumentado. Além disso, o Núcleo estava associado desde a sua criação com uma Igreja protestante independente, a Igreja Evangélica, bem implantada em Machanga [ver cap. 2]. Apesar das actividades religiosas dentro do Núcleo terem sido proibidas em 1944, a Igreja continuou a funcionar[20]. Fazendo fé a testemunhos orais, pode-se asseverar que, entre 1949 e 1952, as queixas do povo diziam respeito à corrupção e prepotência do chefe de posto em Machanga. Além de ter recrutado compulsivamente trabalhadores migrantes que estavam ainda no seu período de descanso, 205 e ter espancado camponesas por não terem ido às machambas todos os dias, este oficial esteve também envolvido na caça ilegal ao elefante, no comércio ilegal de marfim bem como no desvio, em proveito pessoal, de produtos doados, destinados a aliviar a situação das populações afectadas pela fome [21]. Os acontecimentos no posto de Machanga quando 3 delegados do Núcleo alf se dirigiram para se inteirarem das queixas são revelados na testemunha seguinte: "Chegam os delegados do Centro (i.e. Núcleo), houve cerimónias no estado, recepções, porque o Centro tinha os estatutos aprovados e era uma associação política. O chefe de posto prendeu-os, acusando-os de o terem denunciado. Nem deixava a família visitá-los. Os delegados que ficaram juntaram-se aos de Mambone e foram perguntar porque e que eles estavam presos e incomunicáveis. Se fosse lá uma só pessoa era presa. Por isso reunimos muita gente, de Mambone e da Machanga. O posto ficou cercado de gente. Sim, senhor era realmente muita gente. Ele, quando saiu da residência viu o mar de gente e disse: "O que se passa? O cabo, pergunte o quer esta gente toda". Dissemos: "Nós precisamos de saber por que é que aquela gente foi presa e por que é que não se lhes dá comida, porque estio incomunicáveis'. O chefe de posto, perante isto, teve medo e mandou abrir as portas do calabouço, soltando aquela gente. Eles foram então recebidos em ombros pelas pessoas, com aplausos e gritos, apitos e assobios" [221. Contudo, o regime, depois de conseguir identificar a grande parte dos participantes, ptendeu-os, junto com membros da Direcção do Núcleo, durante as averiguações que se seguiram. É claro que as actividades do Núcleo, e particularmente o facto de que gozava de maior reputação na população de Machanga do que os régulos ou mesmo funcionários coloniais, constituíam uma ameaça contra a autoridade e prestígio do regime colonial. O Núcleo tinha ultrapassado os limites da tolerância do regime pelo facto de ter auscultado as queixas não só dos seus sócios como também da população em geral, e pelo facto de ter prosseguido com a propagação da Igreja Evangélica em Machanga e Beira, e concedido hospitalidade a outras igrejas protestantes independentes. É de salientar que o Núcleo tinha aliciado o poderoso chefe Chiteve, pois, segundo as palavras do inquérito oficial, ia " ... subrepticiamente destruindo o poder das autoridades legalmente constituídas" [23]. Capítilo 5 206 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 <2. M.M. Sicobele, tradutor da Bíblia para Xitsua e co-fundador da Igreja Luz Episcopal em 1918; na década de 1950, como outros dirigentes de Igrejas independentes, foi ainda considerado subversivo pelas autoridades. Apesar da extensão geográfica e politicamente limitada da sua acção, Chovane Simango e os seus co-dirigentes mostraram menos cautela e prudência que o governo colonial exigia para o funcionamento do seu sistema de enquadramento associativo. O governo reagiu por encerrando definitivamente o Núcleo Negrófilo de Manica e Sofala [24] Não obstante a repressão de actividades abertamente políticas nas associações, a consciência anti-colonial entre os jovens e outros cresceu acentuadamente, na década de 50. Isto deveu-se a vários factores. Embora a grande maioria dos jovens não conseguisse, na melhor das hip6teses, mais do que a 33 ou 4a classes, o número de lugares, em sectores específicos, aumentou gradualmente, o que estimulou a frequência nas aulas dos cursos nocturnos. É assim que o jovem Samora Machel, que vira a sua educação escolar bloqueada, recusa entrar para o seminário católico e entra, como outros, no curso de enfermagem, uma das poucas profissões abertas aos jovens negros que, de algum modo, estimulava-a sua vontade para 207 Capíndo 5 208 estudar. Mas, de facto, este processo levou-os à experiência e análise da discriminação colonial, tão nítida na organização dos serviços de saúde. Com efeito, o avanço dos projectos coloniais para a fixação de colonos, a intensificação das barreiras raciais, para acomodar os interesses dos trabalhadores brancos enquadrados nos sindicatos fascistas, aliados às informações postas a circular nos meios de comunicação internacionais sobre o progresso da luta popular no Gana, Egipto e Quénia, não podiam deixar de suscitar uma crítica cada vez mais aguda ao colonialismo português, em Moçambique, no decorrer da década de 50 [25]. Entretanto, os poucos estudantes que conseguiram beneficiar da política colonial de educação, e que sairam para formação nos níveis secundário e universitário, continuaram a actividade política anti-colonial. Num primeiro passo, em 1947, Marcelino dos Santos foi para Lisboa, seguido por Noémia de Sousa e Mondiane, em 1950. Na capital portuguesa, existia a Casa dos Estudantes do Império, uma associação legalizada, cujo objectivo era enquadrar as actividades sociais dos jovens 'assimilados' das colónias, e desenvolver o sentimento patriótico como 'lusitanos' entre a elite dos estudantes das colónias. No entanto, permitiu o que era impedido pela divisão das associações, nas colónias, nomeadamente, a confraternização entre estudantes de várias origens sócio-culturais. Nos finais da década de 40, estudantes africanos em Lisboa, como outros em Paris e Londres, começaram a questionar a sua assimilação aos valores culturais do colonizador. Através de eventos culturais, palestras e, sobretudo, a sua própria produção escrita, começaram a reflectir sobre a cultura africana, opondo-se à política do regime para com as elites africanas, na área de educação. Como as discussões avançaram para além das reflexões sobre a importância da cultura africana, e se encaminharam para a análise da luta pela independência em lugar da antiga reivindicação de direitos civis dentro do império português, em Outubro de 1951, os estudantes africanos formaram, fora do âmbito da Casa dos Estudantes do Império, o Centro de Estudos Africanos. Este consistia, de facto, num grupo de pessoas que se reunia, semanal e clandestinamente, para a análise do colonialismo e da situação africana, em geral. Agostinho Neto, Amflcar Cabral (posteriormente lideres do MPLA e PAIGC, respectivamente), A Contesta ço da Si~uuçdo Colnial, 1945-1961 Marcelino dos Santos, Noémia de Sousa e Mário de Andrade (um dos fundadores do MPLA) eram os principais participantes. Com objectivos evidentemente diferentes dos do regime, o Centro não podia deixar de interessar a polícia de seguranca, PIDE [26]. Com efeito, no auge do fascismo, Portugal era um país pouco propício para estudos avançados, particularmente nas ciências sociais, ou para uma actividade política aberta. MondIane, por exemplo, foi sujeito a perseguições pelas autoridades, devido à sua descrição e análise da política colonial portuguesa, em encontros com universitários e liberais. Partiu para os Estados Unidos em 1951, onde se doutorou em 1957 [271. No início de 1952, Marcelino dos Santos fugiu de Portugal para continuar os seus estudos em Paris [28]. Ao nível interno, só com o crescimento gradual do número de estudantes secundários, na segunda metade da década de 50, se agudizou novamente a contradição entre a tendência nacionalista no NESAM e os fiéis do regime na direcção do CAN. 4. A luta dos camponeses e trabalhadores 4.10 contexto da luta A luta dos camponeses e trabalhadores moçambicanos foi determinada, em parte, pela repressiva estrutura política e económica do colonialismo português. Para além de ser definido como a força de trabalho para o capital, foram vedados ao povo moçambicano direitos políticos efectivos. De facto, devemos sublinhar que o objectivo principal da administração colonial era manter, de uma forma permanente, e para seu proveito económico, a submissão das populações dos territórios ocupadas. O aparelho repressivo integrava vários elementos, que passamos a rever. Nas zonas rurais, o administrador distrital, os sipaios e os régulos, aliados aos agentes do algodão e do arroz e seus capatazes, e os recrutadores das plantações e trabalho migratório, tiveram um papel fundamental na divisão de trabalho colonial: nomeadamente, a quantificação e identificação da força de trabalho (através dos recenseamentos), e a sua distribuição entre as várias exigências da economia colonial. O uso da violência contra a população era parte integrante desse papel. Se bem que, como resultado do desenvolvimento económico após 209 Capítulo 5 1945, houvesse um crescimento significativo do número de assalariados negros, particularmente nas cidades de Lourenço Marques e Beira [29], estes trabalhadores continuaram a ser sujeitos ao mais rigoroso controle. As formas mais importantes eram as leis de passe e residência, que limitaram a mobilidade do trabalhador e o seu poder de escolha de trabalho, e a vigilância apertada da polícia. Por detrás deste controle, havia sempre a possibilidade de violência corporal, de incorporação nas brigadas de trabalho forçado, e de desterro para outras províncias ou São Tomé. Enquanto a palmatória fosse principalmente aplicada aos serventes domésticos, e as brigadas de chibalo normalmente constituídas por recém-chegados e trabalhadores braçais, todas estas sanções eram parte fundamental do aparelho de repressão estatal. Aliado à rede de informadores, à prática de rusgas noturnas nos bairros, e à arbitrariedade das punições, criaram o ámbiente de receio e inseguranca, em que vivia a grande parte da população negra nas cidades [30]. Nos lugares de trabalho, a resistência dos camponeses e trabalhadores enfrentava outros constrangimentos. Nas zonas rurais era, principalmente, a constante ameaça de ser recrutado, compulsivamente, para trabalho nas plantações e nos outros empreendimentos. Nestes, figuravam: - o carácter sazonal do trabalho e a divisão dos trabalhadores na base étnica; - o alto grau de mobilidade das brigadas de trabalho e o controle rigoroso do processo de trabalho pelos capatazes; - a coligação entre proprietários e administradores distritais, que impuseram sentenças pesadas para violações da disciplina laboral. Nos portos e caminhos de ferro, onde se tratava dos voluntários, era a constante ameaça de ser substituído por trabalhadores forçados fornecidos pelas autoridades administrativas. Não obstante todo este aparelho repressivo, os camponeses e trabalhadores resistiram de várias maneiras contra a exploração colonial. 4.2 Resistência contra as culturas forçadas. A resistência contra as culturas forçadas e, particularmente, contra o empobrecimento provocado pela intensificação destas, manifestou-se em 210 A Contestaçdo da Situaçdo Colonial, 1945-1961 vários pontos do país. Por exemplo, no começo da campanha do algodão, em 1947, no Bdzi, centenas de mulheres recusaram-se a aceitar as sementes de algodão, distribuídas pelo administrador, argumentando que os seus homens tinham ido trabalhar nas plantações da Sena Sugar, e por isso, não tinham mão-de-obra nem tempo suficientes para produzir algodão, assim como géneros alimentares, em quantidades razoáveis. O administrador acedeu, então, em dispensar do cultivo as mulheres grávidas e aquelas que tivessem mais de quatro crianças; as restantes foram obrigadas pelos capatazes a cultivar, como antes [31]. Da mesma forma, face à degradação ecológica em Mogovolas em 1950/1951, os produtores adoptaram a resistência passiva contra a continuação da cultura, e nisso, foram apoiados por alguns régulos que, nessa ocasião, recebiam o tratamento desumano normalmente reservado aos seus súbditos [32]. Informações provenientes de localidades tão diversas como Magude, Manjacaze, e Chibuto no sul, e Montepuez, Pemba e Mueda no norte, mostram que numa tentativa de sabotar a cultura e de provocar o seu abandono pela administração colonial, os produtores coziam, clandestinamente, as sementes de algodão, antes de as semear. Noutras zonas, face aos novos regulamentos, que visavam o controle cada vez mais apertado da cultura (capítulo 4), semear e queimar, fora do prazo indicado, era a táctica adoptada. A prática de cultivar áreas menores do que as estipuladas era, também, frequente [33]. A resistência às culturas forçadas incidiu, também, contra os baixos preços oferecidos nos mercados e através da recusa em transportar o algodão de grandes distâncias, à cabeca, para o mercado. As vezes, os camponeses preferiam queimar ou deitar fora o seu algodão [34]. O depoimento que se segue, que relaciona acontecimentos na aldeia de Namepuita, na antiga regedoria de Niquaria, Montepuez, mostra várias características da luta entre os produtores e a concessionária de algodão, SAGAL" ... as autoridades e os chefes de SAGAL descoorram que as pessoas punham pedras e panelas de barro nos sacos para torná-los mais pesados, então apesar de ter havido muito algodão, a SAGAL foi de casa em casa recolher o dinheiro que as pessoas tinham recebido pelo algodão. Isto aconteceu porque eles não sabiam quem tinha posto as panelas e as pedras 211 2Catulo 5 nos sacos.. .(.)..recolheram os dinheiros todos. (Depois), chegou-se a queimar o algodão no armazém da aldeia de Namepuite" [351. Outras informações mostram uma resistência camponesa mais consequente, no sentido de ter apresentado reclamações, com força e coerência, até ao próprio Governo-Geral. Foi o caso dos cultivadores da circunscrição colonial de Manjacaze, que, através de alguns agricultores pr6speros e alfabetizados da zona, mandaram, em 1951, uma exposição escrita a Lourenço Marques sobre as violências e extorsões praticadas pelos capatazes, brancos e negros, das concessionárias de algodão e arroz. Como consequência do inquérito iniciado, instaurou-se um processo disciplinar contra o administrador e o chefe de posto, e proibiu-se aos capatazes europeus implicados o exercício da sua função em qualquer área da colónia. Os 3 capatazes negros em questão foram mandados como 'recrutados' para São Tomé por 6 anos. Contudo, uma outra reclamação, da mesma origem, contra o baixo preço de arroz, não foi atendida [36]. Segundo fontes orais, nos meados da década de 50, alguns produtores em Guijane, Gaza, liderados por Gabriel Makave, um membro do Centro Associativo dos Negros em Lourenço Marques, promoveram encontros clandestinos para organizar a sua luta contra as injustiças praticadas, principalmente, na cultura de algodão e no trabalho forçado. O movimento chamou-se mfuxe-mfuxe (Tsonga: coisa desconhecida que anda a noite), e tinha os seus mensageiros de confiança, que comunicavam entre os indivíduos envolvidos. Após consultas entre alguns agricultores prósperos e anciãos, entrou-se em contacto com os régulos da zona. Embora a maioria receasse participar, os régulos Hlomani e Eduardo Nkuna concordaram ser representantes, junto do administrador, que os rejeitou imediatamente. O grupo optou por organizar uma manifestação maior, em Setembro de 1958, em que participaram muitos dos chefes da zona, e que teve lugar em frente da sede administrativa. Após discussões acérrimas, o administrador propôs uma banja formal no dia 4 de Dezembro. Nesse dia, seguindo um plano previamente elaborado, anciãos de várias zonas apresentaram os seus próprios protestos, sobre o uso de violência, nos campos de algodão, e o recrutamento semanal de trabalho forçado, que se tinha intensificado, na altura. 212 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 Uma outra questão levantada dizia respeito à crescente alienação de terras e fornecimento de recursos em benefício dos colonos e, em especial, o uso exclusivo das represas, construídas com o Fundo de Algodão, para servir como bebedouros das suas manadas de gado. Deve-se notar que esta zona foi uma das mais atingidas pela construção do Colonato do Limpopo, e que, a partir dos finais de 1953, surgiram descontentamentos devido ao número de expulsões das terras de regadio e sequeiro, destinados às culturas e pastagens de colonos. No regulado Leonde [hoje distrito de Limpopo], em que foram concentradas as obras do caminho de ferro, do colonato e da albufeira e ponte, criou-se uma desmoralização generalizada entre os camponeses, muitos dos quais deixavam de cultivar as terras por receio de ver o seu trabalho perdido. Como diziam os camponeses, acerca dessa obra colonial, "como o sol: onde chega, queima tudo". Foi uma situação que levou a uma nova onda de fugas de famílias inteiras para a vizinha África do Sul. Nas reclamações, focou-se também o receio dos migrantes, que trabalhavam na África do Sul, em regressar a casa devido ao risco de serem presos para o chibalo. Desconfiando do administrador, no fim da banja, mandaram alguns anciãos contactar um advogado simpatizante em Lourenço Marques. Através do Governo- Geral e do Governo Provincial, foram feitas algumas reformas, que reduziram a violência na cultura de algodão e no trabalho forçado nesta localidade [37]. 4.3 Resistência contra o trabalho forçado Entre as formas de resistência ao trabalho forçado e ao recrutamento para as plantações, a mais vulgar e efectiva era a fuga para as zonas em que a administração colonial era menos eficiente como, por exemplo, nas fronteiras entre Zambézia e Nampula. As vezes os camponeses fugiam para o distrito onde houvesse menos severidade no recrutamento, o que resultou no sobrepovoamento de algumas zonas, como a reserva de Mogovolas, Nampula. Outras vezes fugiam para as colónias vizinhas, onde, no geral, os moçambicanos eram considerados mão-de-obra barata, mas, mesmo assim, conseguiam ganhar maiores salários reais que em Moçambique. Deve notar-se que alguns destes trabalhadores participavam, activamente, na luta dos trabalhadores nos territórios vizinhos. Os Maconde e Macua que trabalhavam nas sisaleiras ou nos portos de Tanganhica e 213 Capítulo 5 Quénia não eram excluídos dos sindicatos legais nestes países. Um deles, L. M. Milinga, que trabalhou nos sindicatos de Quénia, veio a ser o Secretário-Geral da Mozambique African National Union (MANU) [38]. Uma vez 'recrutado' e colocado nas plantações, a deserção e absentismo eram reacções vulgares, quando possíveis, muito embora fossem alvos de uma onda da repressão. Como vimos no capítulo anterior, a taxa de absentismo nas plantações de sisal de Nampula nos inícios da década de 50 foi cerca de 60 por cento, o que provocou novas medidas de controle pela administração. Na açucareira de Marromeu em Sofala, que dependia de migrantes do distrito de Mopeia na Zambézia, a taxa de absentismo oscilava entre 45155 por cento, nos meados da década. O administrador de Mopeia resolveu a crise através de um aumento de castigos corporais. O alto grau de repressão e vigilância nas plantações não era capaz de eliminar as formas de resistência disfarçada. Por exemplo, era notória a sabotagem no cumprimento das tarefas, através da deliberada má interpretação das orientações sobre o corte da cana ou de sisal, onde a falta de exactidão trazia prejuízos económicos para o proprietário. Nem sempre a organização em brigadas étnicas podia assegurar o controle total sobre os trabalhadores: às vezes, aproveitavam-se dos laços tradicionais para atrasar o acabamento das tarefas, apesar da violência dos capatazes [39]. A greve na açucareira de Xinavane, 1954 A história de uma greve na açucareira do Inkomati Sugar Estates (Xinavane), na província de Maputo, em 1954, mostra como o controle rigoroso sobre os trabalhadores funcionou de maneira a reprimir formas de luta mais aberta. Evidenciou-se, também, a constante necessidade de o Governo colonial reforçar, através de exemplos, a posição de dureza e agressividade frente aos trabalhadores, de modo a manter o seu poder de intimidação total. No dia 18 de Agosto de 1954, cerca de 300 trabalhadores distribuídos em todos os acampamentos da empresa, recusaram iniciar o trabalho, devido às chuvas torrenciais que tinham saturado os canaviais, desde a noite anterior, e que resultavam, sempre, em péssimas condições de trabalho. Este acontecimento passou-se sem qualquer reacção por parte da companhia, até o dia 24, em que foram distribuídos abonos de 214 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 assiduidade, referente à semana anterior, a todos, menos aos implicados na greve do dia 18. Informados pelo Director da empresa que apenas receberiam abonos na semana seguinte se adoptassem um bom comportamento, 37 dos trabalhadores resolveram regressar as suas terras. Alertada pela empresa, uma força da polícia de Magude prendeu todos no caminho, obrigando 35 dos 37 a voltar para os acampamentos. Os dois restantes, homens de cerca de 45 anos, e indicados por empregados da empresa como os responsáveis da acção dos trabalhadores, foram condenados pelo Curador (o Administrador de Magude) a seis e três meses de trabalho correcional [40]. Contudo, nos níveis superiores do regime, esta sentença foi considerada insuficiente. Para o Governo da Província (o Sul do Save, na altura), foi "... muito conveniente adoptar um procedimento que marque bem a nossa firme atitude e evite a repetição de actos que são explorados ao sabor de cada um" [41]. O Governador concluiu que os sentenciados eram pouco desejáveis no meio 'indígena' a que pertenciam, e propôs o seu envio para São Tomé, devendo dar-se a máxima publicidade desta pena entre os trabalhadores. No seu despacho, o Governador-Geral concordou com tais sentimentos, determinando uma sentença exemplar de 12 e 9 anos de trabalho, em São Tomé, para onde foram mandados integrados num contingente de trabalhadores contratados [42]. 4.4 Greves no caminho de ferro e porto de Lourenço Marques As condições para uma luta organizada de trabalhadores noutras actividades eram também pouco favoráveis. Os exemplos que citamos mostram que as reivindicações eram, contudo, limitadas e completamente justificadas, mas a repressão dos cabecilhas pelo estado colonial foi completa. No caminho de ferro de Lourenço Marques, no dia 7 de Julho de 1947, dois grupos de 150 trabalhadores, contratados para carregar areia nos vagões no quilómetro 10, recusaram continuar fora do horário do trabalho, reclamando a falta de pagamento de horas extras, durante um período de 2 meses. A- polícia foi chamada a intervir, e foram indicados 215 Capítulo 5 pelos capatazes 54 homens considerados 'agitadores'. No dia seguinte, quando as brigadas recusaram, de novo, a carregar um comboio nas horas extras, a polícia prendeu imediatemente os alegados 'agitadores'. Intimidados pela polícia, os outros recomeçaram o trabalho. Foram presos, também, mais 14 homens que trabalhavam na gare de triagem de Lourenço Marques. O relatório polícial confirmou a veracidade da reclamação dos trabalhadores mas, não obstante, os 'instigadores' foram condenados ao desterro para Niassa por 2 anos, e 61 dos restantes trabalhadores ao trabalho 'correcional' durante 60 dias [43]. Da mesma forma, a história da greve dos trabalhadores voluntários do porto de Lourenço Marques, em Abril de 1949, exemplificou o funcionamento e o poder repressivo do regime laboral colonial, com o seu recurso habitual a brigadas de trabalho forçado. A causa fundamental da greve foi a elevação do custo de vida em relação aos salários mínimos, que não tinham aumentado desde a greve da 'quinhenta', em 1933, recebendo os estivadores 20 escudos por dia, incluindo horas extras. No entanto, o imposto tinha aumentado para 150, em 1938, e para 250, em 1943. Mas, segundo depoimentos feitos ap6s a greve, foi o aumento do custo de produtos de primefra necessidade, no período pós-guerra, que agudizou a situação. Em 194$ e inícios de 1949, vários artigos, passados pela censura e publicados em O Brado Africano chamaram a atenção do governo colonial para as consequências desses aumentos no nível de vida dos trabalhadores que movimentavam a enorme tonelagem do porto. Enquanto os salários dos brancos iam sofrendo aumentos, como compensação da subida do custp de vida, os salários dos negros ficavam estacionários [44]. No dia 1 de Abril, estivadores eventuais das principais empresas de importação e exportação, Mann George, Delagoa Bay Agency e Rennies, apresentaram aos respectivos superintendentes uma reclamação para um aumento de salários de 20 para 50 escudos por dia. Enquanto o movimento da estiva continuava normalmente, 4 porta vozes dos trabalhadores foram mandados para a Secretária dos Negócios Indígenas (SNI), onde o intendente rejeitou a sua argumentação, dizendo que auxiliares de polícia e serventes do Estado recebiam apenas 10 escudos diários. As direcções das empresas, reunidas no dia 4, resolveram recusar a reclamação. Na manha do dia 5, várias centenas de trabalhadores entraram em greve, que continuou no dia seguinte. Entretanto, o 216 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 movimento do porto foi assegurado por brigadas de trabalho forçado, fornecidas pela Direcção dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes. De manhã cedo, no dia 7, apesar de alguns dos cerca de 500 estivadores terem mostrado que estavam preparados para abandonar a greve, a polícia fechou os acessos rodoviários do porto, e conduziram todos à capitania. de polícia. Durante as averiguações, os trabalhadores explicaram de novo os objectivos económicos da greve, acrescentando que, muitas veLes, num mês, só ganhavam durante 2 semanas. Recusaram-se a indicar qualquer indivíduo que tivesse instigado às reclamações. Após ameaças das graves consequências que poderiam incidir sobre o comportamento semelhante no futuro, a polícia soltou todos os estivadores menos os 15 considerados recalcitrantes. Destes, 4 foram indicados pelo chefe da polícia de segurança para 2 anos de desterro no Niassa, sentença que foi aumentada para 3 anos pelo Director do SNI. Em Junho do mesmo ano, o Governador-Geral alterou esta sentença para 3 anos de deportação para São Tomé, para onde foram os 4 estivadores, em Novembro, incorporados num contingente de trabalhadores 'contratados' [45]. 4.5 0 motim da pedreira de Goba, Maputo A acção dos trabalhadores da pedreira de Goba veio a ser a mais violenta de todas de que, até ao presente, há informações seguras. Trata-se de uma reacção de trabalhadores forçados contra as más condições, abuso de regulamentos e o racismo e insensibilidade do encarregado da concessão. As condições de trabalho e alojamento eram de facto péssimas e, como se verificou a partir das informações oficiais, recolhidas após o incidente, as tarefas da incumbência do administrador como Curador de Negócios Indígenas, nomeadamente, a investigação das deficiências e fiscalização de melhorias propostas, foram ignoradas. Estas circunstâncias foram agravadas pelas atitudes ultra-racistas do encarregado da pedreira. Altamente considerado pela empresa, devido à excelente produtividade da concessão, o encarregado tinha perdido qualquer vestígio de respeito entre os trabalhadores. A sua falta de consideração pelas condições mínimas de vida dos trabalhadores, e os insultos e abusos que habitualmente utilizava para marcar a sua alegada 217 Capítulo 5 superioridade racial, provocaram um ambiente de grande ódio contra ele [46]. Não foi a primeira vez que essas atitudes tinham provocado uma resposta violenta: "A má fama do encarregado Fonseca, certamente, há muito corria pelo mato fora, levada pelos trabalhadores de muitos chibalos que passaram pela pedreira. Sabiam que houve chibalos de Chidenguel que o agarraram e meteram debaixo da célebre torneira do acampamento; noutra ocasião cercaram-lhe a casa; várias vezes o quizeram espancar; jogava a pancada (sic) com um 'indígena'; e outra vez um grupo de chibalos deslocou-se a Lourenço Marques a pé, para dele se queixarem" [471. A força de trabalho na pedreira, em Setembro de 1954, era constituída por cerca de cem homens; sendo a grande maioria integrada em duas brigadas de trabalhadores forçados, divididos segundo o seu distrito de origem, nomeadamente, Inharrime e Morrumbene. Logo após a sua chegada à pedreira, cada brigada elegeu um ndota (Tsonga: ancião), para a dirigir, aconselhar e resolver as questões que emergissem. A causa mais próxima do levantamento residiu no facto de, ap6s o trabalho do dia 22 de Setembro, os trabalhadores, quando se preparavam para jantar, terem descoberto que a água não saía da única torneira que lhes era disponível, impedindo-os de lavar-se, antes, ou beber durante a refeição. Informados de que a pressão da água tinha sido reduzida por causa do enchimento da caldeira principal das instalações, os trabalhadores pediram ao Fonseca uma interrupção desse trabalho até ao fim do jantar. A sua recusa resultou numa eclosão do ódio e de insultos, da parte dos trabalhadores, que obrigaram o encarregado a refugiar-se, primeiro na casa de máquinas e, depois, na estação do caminho de ferro de Goba. No dia seguinte, os trabalhadores resolveram trabalhar deficientemente, com o objectivo de obrigar Fonseca a chamar o chefe da secção, em Boane, para a apresentação das suas queixas. Chegado o chefe de posto de Changalane, cerca de 12 quilómetros da pedreira, os primeiros trabalhadores que encontrou recusaram-se a cumprimentá-lo, o que era considerado um grave insulto à autoridade colonial. Após a aproximação de outros trabalhadores, eclodiu uma luta generalisada e confusa. Um trabalhador tirou o chicote ao chefe de posto, 218 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 que veio a ser cercado pelos outros. Ao tentarem agarrá-lo, arrancaramlhe uma das divisas oficiais da sua camisa. Quando os sipaios intervieram, os trabalhadores, agora em número maior, enfrentaram-nos e chegaram mesmo a tirar uma das palmatórias. O encarregado armou-se com um pau, mas os trabalhadores apedrejaram-no. Perante esta atitude solidária dos trabalhadores, o chefe de posto, acompanhado pelo Fonseca e dois sipaios, viu-se obrigado a retirar-se para a estação de Goba. Somente com a chegada do chefe da secção de Boane e de pessoal armado da administração do Maputo, que estacionaram ao cimo da pedreira, se reestabeleceu a ordem. Todos os trabalhadores foram levados para o posto de Changalane, onde os cabecilhas e outros, mais de 50, foram detidos [48]. As averiguações conduzidas pelo administrador justificaram todas as reclamações dos trabalhadores. O encarregado da pedreira foi retirado do seu posto, e investigações por repartições técnicas do Estado instituidas. Não obstante, a acção dos trabalhadores foi considerada completamente injustificável. Os dois madota, (que tinham 50 e 45 anos respectivamente), foram desterrados para São Tomé por 15 anos. Outros dezanove trabalhadores foram para o mesmo destino com penas entre os 9 e 12 anos. Trinta e cinco foram mandados por 'contratos' às Obras Públicas, para o norte de Moçambique, alguns por 12, outros por 18 meses [49]. 4.6 Considerações finais sobre a luta dos camponeses e trabalhadores Da análise das acções dos trabalhadores, que é necessariamente provisória, devido à reduzida investigação sistemática até agora feita sobre o assunto, vários aspectos merecem destaque: 1. Os camponeses e trabalhadores reclamavam contra condições muito concretas como, por exemplo, baixos preços para os seus produtos, baixos salários, a violência dos capatazes, e péssimas condições de trabalho e alojamento. As vezes reclamaram contra a não observância de 'egulamentos, por exemplo, sobre horas extras, vestuário legal e rações tabeladas. 2. Se bem que brigadas de trabalho forçado fossem habitualmente utilizadas para furar greves de voluntários, as más condições em que essas brigadas trabalhavam levaram à eclosão de protestos, às vezes violentos. 219 Capíítio 5 3. Perante a resistência, generalizada e constante, contra as culturas forçadas, o Estado colonial aumentou, ligeira e gradualmente, os preços pagos aos camponeses (capítulo 4). Para a maioria dos produtores, estes aumentos estavam sempre aquém da elevação dos impostos e do custo de vida em geral, e nunca atingiram os preços oferecidos nas colónias vizinhas. No entanto, contribuíram para o aumento das despesas das concessionárias e do sistema de culturas forçadas como um todo. Não havendo aumentos consideráveis de produtividade, o sistema veio a ser considerado cada vez mais ineficaz, na década de 50. 4. Apesar da repressão das manifestações dos trabalhadores, o regime aumentou, ligeiramente, os salários nominais, em 1950, 1954, e 1961. Para a maioria dos trabalhadores, pouco compensou, face ao aumento dos impostos e do custo de vida. 5. Para manter a ideologia da justeza da sua política laboral e 'indígena', o regime colonial sempre procurou localizar a causa das acções mais abertas nas influências estranhas ao colonialismo português: - a influência de greves noutros países, como nos Estados Unidos da América, de que os trabalhadores podiam ter ouvido falar, e "o hábito de manifestarem o seu descontentamento por meio dot greves na África do Sul", foram indicados como causas principais da greve nos caminhos de ferro, em 1947; no caso da greve dos estivadores de 1949, suspeitava-se ser uma agitação levada a cabo pelo jornal O Brado Africano e comunistas europeus; - na greve de Xinavane, em Agosto de 1954, fora a experiência dos cabecilhas no Transval que levou os trabalhadores a tornarem-se "indisciplinados e exigentes sem razão"; - no levantamento de Goba, foi a mesma experiência considerada "um factor preponderante nos acontecimentos", para além da influência das Igrejas protestantes prevalecentes nos distritos de origem dos trabalhadores [50]. De facto, como já tivemos oportunidade de ver, o processo de proletarização a que o povo moçambicano tinha sido sujeito não foi, simplesmente, o resultado do desenvolvimento dos centros urbanos e das infraestruturas em Moçambique. Centenas de milhares de 220 A Conuestauçdo da Situaçao Colonial, 1945-1961 Moçambicanos tinham experiência de trabalho e de luta, nos territórios vizinhos. Mas, como os inquéritos do próprio regime colonial mostraram, todas as reclamações e acções foram baseadas em circunstâncias concretas, existentes em Moçambique, criadas pelo regime colonial. 5. Na sua preocupação de manter um sistema político e laboral altamente repressivo, o regime colonial manteve a proibição absoluta de actividade política oposicionista e, especificamente, de organizações sindicalistas para negros. Essa proibição dificultou o desenvolvimento de uma liderança capaz de sintetizar e orientar a luta dos trabalhadores. 6. Não obstante este facto, os casos em que os camponeses e trabalhadores lutaram contra uma repressão violenta, eram de tal maneira frequentes, em todas as regiões do país, que constituíram uma experiência comum do povo moçambicano, em relação ao carácter prevalecente do colonialismo português, e uma parte fundamental do contexto político em que se desenvolveu, no período seguinte, a luta armada. 5. A contestação cultural Apoiando-se na justificação ideológica da superioridade cultural, o regime colonial tentou assegurar, com um aparente sucesso temporário, a divulgação de uma cultura favorável ao seu domínio. Para o efeito, como vimos, foi instituído um sistema educacional e religioso, cujos objectivos visavam a despersonalização sistemática do homem e mulher moçambicanos e inculcar valores culturais da sociedade portuguesa como, por exemplo, amor pelo Estado português e pela Igreja Cat61ica. Negando a cultura do povo colonizado, procurou simultaneamente apresentar estes valores como os únicos que facultariam a elevação e avanço da população negra da colónia. De facto, a implantação de tais valores encontrava obstáculos consideráveis, um dos quais era a resistência da cultura popular, que se adaptou para melhor enfrentar as realidades do colonialismo. Vimos que, ap6s a II Guerra Mundial, o regime salazarista aproveitou-se da atmosfera internacional para reforçar a segurança do 221 Capítulo 5 Estado fascista. Paralelamente, desenvolveu-se a articulação entre defensores da cultura moçambicana e o movimento anti-fascista, conduzido por democratas portugueses, radicados em Moçambique, pois, ao nível cultural, a sua acção convergia, em diversos momentos, contra as realizações programadas pelo regime. Dada a repressão de meios políticos para a manifestação de protesto directo, a vida cultural constituía uma das principais frentes de oposição ao domínio colonial-fascista. Foi nela que se desenvolveram a observação, análise e ideologia sociais que contribuíram, profundamente, para a formação e motivação de participantes da luta de libertação. Os contos que se narravam no ambiente familiar, as canções dos camponeses e trabalhadores nos campos e portos, as obras de arte plástica (escultura e máscaras), a pintura e a literatura oral e escrita, como meios de transmissão de valores culturais da sociedade, constituíram as formas de crítica social e de protesto ao colonialismo. Estas formas de expressão foram as mais viáveis, porque eram, geralmente, imunes à censura colonial, por serem, em grande medida, incompreensíveis ao colonizador, que menosprezava a língua e cultura do povo. 5.1 Canção, música e dança populares Enquanto que, na teoria colonial, o povo colonizado era objecto de uma acção "civilizadora' e benéfica, a resposta popular, face a esta atitude assimiladora, era denunciar a realidade da opressão, através das suas manifestações culturais. As canções dos trabalhadores e camponeses exprimiam angústia e repulsa ao trabalho forçado, e denunciavam a acção dos colaboradores negros do regime e as humilhações raciais constantes, que os colonos utilizavam para manter a subserviência e servilismo dos negros. Tratavase de uma "rejeição psicológica do colonizador e sua cultura" [51]. É testemunho disso uma canção Chope da época: Ouçam a canção da gente de Chigombe: É aborrecido dizer 'bom dia' a todo o momento Macarite e Babuane estão na cadeia Porque não disseram 'bom dia', Tiveram que ir para Quissico para dizer 'bom dia' [52]. Esta forma de manifestação também se desenvolveu na poesia lírica oral. Por exemplo, num dos movimentos de um Msaho (dança orquestral 222 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 33. Neste grupo, da área de cultura na década de 1950, vê-se, entre outros, ficardo Rangel (de pé), José Craveirinha (sentado) e Rui Nogar (de pé atrás). Chopi), composto na década de 40, protesta-se contra a cobrança generalizada de impostos, em que "as raparigas mais velhas tem de pagar imposto". Reclama-se, também, a ausência de direitos do povo na sua própria terra, pois os chefes locais eram nomeados por "brancos" (o regime colonial), sem se respeitar a lei consuetudinária, o que conduziu a que se nomeassem "plebeus", que se transformavam em sequazes servis do colonialismo [53]. Outras canções denunciavam o trabalho forçado, especialmente nos vários portos do país, e referiam-se às dificuldades de adaptação à vida nas minas, aos problemas das mulheres sozinhas, por os homens terem sido deportados ou terem emigrado, à procura de trabalho para poderem pagar o imposto. A canção Paiva, que teria surgido cerca de 1900, descreve com repulsa a violência dos capatazes brancos e negros, chefiados por Paiva Raposo, sobre os trabalhadores da companhia açucareira britânica, Sena Sugar Estates, no Zambeze. Desde então, até 223 Capítulo 5 aos anos 50, esta canção evoluiu em várias formas, sendo, porém, todas as versões repletas de protestos às culturas forçadas, de tal maneira que Paiva se tornou num símbolo regional das injustiças praticadas em nome da companhia [54]. Um outro tipo de expressão, que manteve vivas as noções históricas culturais, foi a canção épica que recordou importantes figuras da resistência à conquista colonial, no século passado. Por exemplo, uma canção, cantada por estivadores em Lourenço Marques nos anos 50, referia vários episódios da vida de Ngungunyane, que reflectem a dominação política do reino de Gaza sobre outros chefes da região, e o choque cultural entre o colonisado e o colonisador [55]. Uma oufra canção invocativa do Ngungunyane, que foi introduzida nos cânticos da Igreja Etiópica Luso-Africana, nos anos de 40, não só denunciava as atrocidades e barbaridades do colonialismo, como também cantava a angústia de que a população se estava imbuída. Recordando um dos heróis da resistência anticolonial, Ngungunyane, apelava à revolta e à expulsão dos colonizadores. Esta ideia é expressa numa das passagens do hino que soa: "ficaremos a governar com catanas" [56]. Ap6s a II Guerra Mundial a Igreja Shembita ou Nazarita passou a ser um veículo de ideias panafricanistas e anti-coloniais. Esta atitude reflectiu-se mais através dos hinos cantados durante as orações. Um deles, por exemplo, incita a África a lutar para sair da inércia em que se encontra e que, por causa dela, se tornou um "ridículo para todas as nações" porque os seus filhos "são escravos dos estrangeiros" [57]. Discos gravados por Moçambicanos na África do Sul veiculavam, também, protestos contra o colonialismo. De facto, uma das primeiras canções moçambicanas a ser gravadas, na década de 30, foi de Daniel Marivati, que comentava o encerramento de algumas das escolas protestantes. No fim da década de 40 e nos anos 50, aumentou consideravelmente o número de gravações, em várias línguas moçambicanas, que criticavam, por exemplo, aspectos da vida dos migrantes, o trabalho forçado, os baixos salários, e o risco de ser deportado para São Tomé. Tendo-se apercebido do perigo desta forma de comunicação, o regime colonial lançou, em 1953, uma campanha de censura aos discos, identificando treze gravações como repreensíveis. De salientar que a polícia sul-africana colaborou na repressão de várias dessas gravações, e a delegação da alfândega em Ressano Garcia apreendeu e destruiu muitos 224 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 discos nos anos seguintes. Da mesma forma, o regime colonial censurou conjuntos musicais, levando alguns, como Francisco Maiecuane e Alberto Langa a fugir para a África do Sul, onde as condições de censura eram menos rígidas. Por exemplo, Maiecuane, numa das suas canções, Xibhalo muni, Makhandane, faz referência à prepotência do administrador de Macia, mais conhecido por Makhandane, que tinha por prática, como muitos outros administradores, apanhar os migrantes recém-chegados das minas, para o trabalho forçado, ignorando o seu direito a 6 meses de descanso. Estas informações mostram o vigor da cultura moçambicana, mais concretamente, a tradição de compor canções que comentavam as situações em que o povo se encontrava, adaptando-se a novos meios de comunicação, como as gravações. As manifestações culturais constituíram, assim, um veículo de resistência ideológica, que confirmou a incapacidade do colonialismo de esmagar as tradições sócioculturais através de uma assimilação forçada ou repressão sistemática. Nota-se que, devido à própria natureza da dominação colonial, estas formas de expressão foram criadas, por vezes, na base de elementos culturais étnicos ou religiosos. Embora não constituíssem ainda uma posição consciente e reflectida nacional [58], as circunstâncias e episódios a que referiam eram comuns, tornando-se, assim, parte integrante do património anti-colonial do povo moçambicano. 5.2 A literatura como arma de luta Paralelamente às formas de expressão popular, a escrita foi-se desenvolvendo, igualmente inspirada na experiência diária moçambicana. É importante não olvidarmos que a críticá escrita, como, por exemplo, em O Brado Africano, tinha sido progressivamente reprimida desde os meados da década de 30. Por esta razão, as críticas ao colonialismo, neste período, eram quase exclusivamente sob forma poética, por ser meio de comunicação mais imediato e menos dispendioso, entre o reduzido número de intelectuais nas principais cidades. As circunstâncias e a atmosfera políticas do período pós-guerra estimularam o aparecimento de uma literatura marcada por uma rejeição da cultura colonial. Parte desta literatura deixa perceber a sedução pela ideia de uma sintese futura entre duas visões do mundo, duas formas de expressão: a africana e a europeia. 225 Capítulo 5 São exemplos da primeira, os 'filhos da terra', discriminados pelo sistema colonial, integrando pretos, brancos e mulatos, que se destacam também no princípio da década de 50, dando novo alento aos ideais nacionalistas e de africanização, típicos deste período precursor das independências africanas, e que assumem forma artística, em particular, no domínio da poesia. É a poesia de Noémia de Sousa e de José Craveirinha que enceta a afirmação de uma africanidade próxima da negritude. As aspirações populares encontraram, em Noemia de Sousa, uma nova expressão e uma nova formulação tendo, inclusivé, ultrapassado as fronteiras nacionais e manifestado, publicamente, a africanidade e o pan-africanismo [59]. Escolhemos como o exemplo da poesia de africanidade, que se apresenta em dcois sentidos complementares, na linha negritudiana e na afirmação, ainda não muito clara, do carácter nacionalista, o poema Canção Fraterna, de 1948, primeira da sua obra: Irmão negro de voz quente o olhar magoado diz-me: Que séculos de escravidão geraram tua voz dolente? Quem pôs o mistério e a dor em cada palavra tua? E a humilde resignação na sua triste canção? E o pouco de melancolia no fundo do teu olhar? Foi a vida? o desespero? o medo? Diz-me aqui, em segredo, irmão negro. Porque a tua canção e sofrimento e a tua voz, sentimento e magia. Há nela a nostalgia de liberdade perdida, a morte de emoções proibidas, a saudade de tudo que foi teu e já não é. Diz-me, irmão negro, quem a fez assim... Foi a vida? o desespero? o medo? Mas mesmo encadeado, irmão, que estranho feitiço o teu! A tua voz dolente chorou de dor e saudade, gritou de escravidão, e veio murmurar a minha alma ferida que a tua triste canção dorida não é só tua, irmão de voz de veludo e olhos de luar... Veio, de manso murmurar que a tua canção é minha. Como exemplo da poesia de denúncia escolhemos Lição de 1949 que, muito claramente, mostra a desilusão do 'assimilado' perante o carácter 226 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 do colonialismo português. O 'assimilado' descobre a triste realidade de que, afinal de contas, o homem branco não o reconhece como irmão, contrariamente ao que havia aprendido na missão [60]. Ensinaram-lhe na missão, quando era pequenino: "somos todos filhos de Deus; cada Homem é irmão doutro Homem". Disseram-lhe isto na missão, quando era pequenno. Naturalmente, ele não ficou sempre menino: cresceu, aprendeu a contar e a ler e começou a conhecer melhor essa mulher vendida - que é vida de todos os desgraçados. E então, uma vez, inocentemente, olhou para um Homem e disse: "Irmão..." Mas o Homem pálido fulminou-o duramente com seus olhos cheios de ódio e respondeu-lhe: "Negro" 34. Daniel Marivati, romancista e compositor na língua Tsonga, que gravou um dos primeiros discos moçambicanos, na década de 1930. 227 Capítulo 5 35. João Dias, 1926-1949, filho de Estácio Dias, e autor de Godido e outros contos, no dia da sua graduação em 1949. A obra de José Craveirinha seguiu a wesma linha que a ce Noémia, tendo-a, todavia, superado pela sua clareza na definição da posição nacionalista. Um tópico que captou bem a atenção de ambos foi o sistema de trabalho migratório, cujas consequências sociais para os trabalhadores e as suas famílias, particularmente, a brutalização a que estes eram submetidos, foram tratadas por Noémia de Sousa em Magaiça e por Craveirinha em Gado Mamparra Magaiza e Marnana Saquina. De facto, através destes poemas, a palavra magaiza tornou-se, para os intelectuais conscientes, um símbolo dos males da estrutura colonial [61]. A comparação feita em Gado Mamparra Magaiza (1954) entre os migrantes que iam para as minas da África do Sul e uma pianada de gado, que ia para o abate, dá-nos, em linguagem poética, o sistema de reprodução social na base da exploração mineira sul-africana: os homens eram tirados da sociedade rural, e devolvidos, frequentemente, feridos ou mortos, ficando as mulheres em casa com as outras responsabilidades da famflia. O poema refere-se,. ainda, à necessidade de o trabalhador se oferecer para contratos sucessivos, e aos vários centros de distribuição dentro da África do Sul, onde os trabalhadores eram 'vendidos', na 228 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 linguagem dos mineiros, pela WENELA a diversas minas [62]. Segundo uma análise mais recente, com Craveirinha, "surge pela primeira vez na poesia moçambicana escrita a afirmação nacionalista de comunidade de território", de um Moçambique como um todo [63], através da enumeração sucessiva de quatro culturas da economia colonial - chá, sisal, tabaco e algodão. No poema Manifesto, Craveirinha já prenunciava o que hoje simboliza a unidade e coesão da nação moçambicana. "É nas fronteiras de água do Rovuma ao Incomati" disse o poeta da identidade nacional. No Poema do futuro cidadão está inequivocamente expressa a sua posição nacionalista [64]: Vim de qualquer parte tenho no coração de uma Nação que ainda não existe. gritos que não são meus somente Vim que estou aqui! porque venho de um país que ainda não existe. Não nasci apenas eu nem tu nem nenhum outro... Ah! Tenho meu Amor a todos para mas Irmão. dar do que sou. Mas Eu! tenho amor para dar as mãos-cheias. Homem qualquer Amor do que sou cidadão de uma Nação que ainda não e nada mais. existe, E Entre os principais autores da poesia de protesto deste período, há também a considerar os estudantes moçambicanos que estavam, temporariamente, em Portugal, e que viriam a desempenhar um papel activo no movimento de'libertação. Referimo-nos a Marcelino dos Santos (Kalungano), Sérgio Vieira, e Fernando Ganhão. A prosa foi menos adaptada pelos literatos deste período. Das poucas obras produzidas, que revelaram as contradições sociais sempre presentes no quotidiano negro moçambicano, e que denunciaram o sistema colonial, destacam-se Godido e outros contos, por João Dias, publicado em 1952 pelo Casa de Estudantes do Império em Lisboa, e Nós matamos o cão tinhoso de Luís Bernardo Honwana, contos escritos por volta de 1960. Outro contista, talvez o menos conhecido desta época, é Anibal 229 Aleluia, que publicou, na revista Itinerário e em O Brado Africano, contos cuja essência e, amiúde, de prow.szo [65]. A outra tendência na literatura, que já definimos como sendo europeia, mas que pretendia "aficanizar' as suas obras, pertfncia o grupo de escritores que fundou, em 1952, a revista Msaho. No entanto, o clima político e cultural em que ela emergiu revelou-se inóspito para tal iniciativa, e o único número da revista publicado não constituía, ainda, uma ruptura com a literatura portuguesa. Ainda que tenham adoptado uma palavra de uma língua moçambicano, corno designação da sua revista, os autores estão conscientes de que não pertencem ao meio do 'nativo' [66]. Julgavam ser possível introduzir em Moçambique o património literário português e transformá-lo em moçambicano. Na segunda metade da década de 50, o confronto sempre presente entre escritores e autoridades coloniais começou a agudizar-se. Por um lado, as injustiças do colonialismo eram cada vez mais evidentes ao reduzido número de intelectuais, negros ou brancos; por outro, com o início do processo de descolonização, noutras partes da África, o regime tornou-se mais sensível a qlualquer reclamação anticolonial. Assim, em 1955, surge um suplemento literário, ligado a O Brado Africano, cuja continuação foi, efectivamente, anulada em 1958. Mais tarde, em 1960, a publicação do livro Poemas do tempo presente, de Virgílio de Lemos, resultou na prisão e julgamento, em tribunal, do autor, por alegado insulto à bandeira de Portugal. 5.3 Artes plásticas Para além das formas de crítica acima mencionadas, as artes plásticas, sobretudo a escultura e a pintura representaram, também, outra forma de crítica social. Na escultura Maconde, assistiu-se a uma evolução de qualidades caricaturalistas, evidenciando-se um refinado desenvolvimento da crítica social. São exemplos, as figuras da colecç3o do Museu de Nampula, que representavam respectivamente o Acminist,.'ador colonial, o Secretário da Administração e o Macon'de assimilado aos costumes ocidentais [67]. A crítica aqui representada surge em defesa da soberania e patriotismo cultural tradicional, em oposição ao colonialismo. É importante notarmos que, apesar de a escultura maconde ter sido um elemento isolado, regional e ter continuado fechada no seu mexo rural, a sua aceitação, no capítulo 5 230 A Cor.estação da Situação Colonial, 1945-1961 meio intelectuai urbano e a nível internacional, significa que a sua obra foi vista, pelo meros, como um elemento da cultura nacional. A pintura ganha uma nova dimensão com Bertina Lopes (década de 40 e 50), e Malangatana Ngwenya (fim da década de 50), que recriam os motivos da escultura moçambicana, em geral, nos seus quadros. Bertina Lopes, cognominada pelo colonialismo a 'pintora revoltada', formada na Escola de Belas Artes, em Portugal, lidera, na pintura, o movimento de reafricanização. Desenvolvendo uma acção cultural junto de Craveirinha z Nogar, combate os padrões clássicos ocidentais, para afirmar as suas raizes africanas. No período 1953-1960, pintava tudo quanto a impressionasse: a fome, o desespero, a humilhação e a pobreza [68]. A pintura de Malangatana, com raízes profundamente africanas, contribuiu fortemente para a revalorização da cultura africana de Moçambique. Malangatana expôs a sua obra em público, pela primeira vez, em 1959, numa exposição organizada aquando da vinda do então ministro português do Ultramar. Nesta estreia, o pintor foi sujeito a fortes críticas, por a visualização imprimida nas suas obras nada ter a ver com os padrões 'aceitáveis' pela sociedade colonial. De facto, como se afirma numa síntese de apreciações da obra de Malangatana, o seu trabalho "representava, claramente, a luta de um povo oprimido para suportar a violência e selvageria com dignidade, e para libertar-se das manilhas que o ligam [69]. 5.4 A contestação cultural resumida Num ambiente colonial-fascista que garantia a repressão de outras formas de expressão popular, as canções, música e danças populares, a literatura e a arte constituíram meios fundamentais para o reforço da resistência anticolonial. Vieram, também, a proporcionar uma base importante na discussão dos intelectuais. Muitas vezes, estes eram estudantes ou funcionários, que tinham conseguido beneficiar de algum modo do sistema de educação colonial, normalmente, com o apoio e sacrifício das suas famílias.. Assim, não eram sujeitos às piores. brutalidades do sistema laboral, mas encontravam a discriminação racial no acesso aos postos de trabalho e nos salários. Assegurando a circulação das informações e análises que facultaram o crescimento da ideologia anti-colonial, a literatura e arte contribuíram, directamente, para a formação intelectual e política de muitoý que, na Capítulo 5 fase posterior, se lançaram no movimento de libertação nacional, quer aberta, quer clandestinamente [70]. Podemos, ainda, concluir que, na década de 50, jovens intelectuais e artistas encontraram formas, mais ou menos subtis, de crítica ao regime colonial português, e contribuíram para a evolução do conceito da nação moçambicana e da cultura nacional. 6. A Sociedade Algodoeira Africana Voluntaria de Moçambique, em Cabo Delgado No planalto de Mueda, no norte de Moçambique, desenvolveu-se um movimento rural que conseguiu aproveitar, temporariamente, do sistema económico colonial e das circunstâncias específicas locais, para elaborar um sistema de produção que trazia vários benefícios aos produtores, tendo constituído, na prática, uma ameaça potencial ao regime colonial, no distrito, e contribuído para as reclamações e tensões no planalto, nos inícios de 1960. Em parte, este movimento foi estimulado pela evolução sócio-polftica na vizinha Tanganhica, cuja experiência passamos a resumir. Após a sua fundação em 1954, TANU [Tanganyika Africa National Union, precursor da Chama Chama Mapinduzi] adoptou a já velha tradição de sociedades camponesas de produção e comércio, como o eixo fundamental na mobilização político-rural. Propunha-se o incremento das sociedades com o objectivo de promover os interesses dos produtores dos vários produtos agrícolas, como café e algodão, quebrando o monopólio dos comerciantes asiáticos e assegurando aos camponeses o acesso às terras e aos meios de produção modernos, como tractores, insecticidas e apoio técnico e financeiro. Pode-se verificar que estas mudanças, embora susceptíveis de reestruturar, parcialmente, o sistema colonial de acumulação, não eram consideradas socialistas, no sentido de alargar, sistematicamente, a base de propriedade ou riqueza rurais. E nesta base que o número de socied-des no Tanganhica se expandiu rapidamente. De 188 sociedades, com 153.000 sócios, em 1952, passou a 474 com 305.000 em 1957. Em 1959 as 617 sociedades controlavam a comercialização de todo o algodão e café de produção camponesa [71]. Desta maneira, a estratégia da TANU tinha resultado em benefícios 232 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 consideráveis, mas requeria para a sua efectivação integral, a tomada do poder estatal pela maioria, isto é, a independência. As sociedades camponesas constituíram a base principal da expansão do poder da TANU, atingindo uma população alienada pelo regime colonial e os régulos, tornando-se, assim, num símbolo da luta anti-colonial. Em Cabo Delgado, entre os que acompanharam o desenvolvimento da política além-fronteira, às vezes através das conversas com migrantes, que regressavam às suas casas e que tinham assistido a reuniões políticas na Tanganhica, havia um grupo de aderentes das missões católicas holandesas de Imbuhu e Nangolo, no planalto de Mueda. Os líderes desse grupo eram Cornélio Mandanda, João Namimba e Lázaro Nkavandame. Mandanda foi professor em Nangololo entre 1949 e 1951, e depois foi lojista da missão. Escrevia para jornais católicos do Uganda e Quénia. João Namimba era cozinheiro da missão de Imbuhu. Nkavandame, o mais velho, tinha 40 anos quando se juntou, em 1957, à missão Imbuhu, após prolongadas estadias em Tanganhica, durante as quais conseguiu estabelecer-se no comércio, sendo proprietário de uma loja e de três carros em Mtwara. Outros membros do grupo eram professores, como Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa, e catequistas [72]. Entretanto, no norte de Moçambique, o ano agrícola 1955-1956 foi extremamente mau, o que tornou a principal cultura dos camponeses, o algodão, ainda menos rentável para os produtores do distrito de Mueda. O rendimento de cada produtor declinou de uma média de cerca de 240 escudos, no período 1950-1955, para apenas 96 escudos. A companhia concessionária, SAGAL, sofreu também prejuízos financeiros. A campanha de 1956-1957 foi muito melhor, reestabelecendo a norma interior de produtividade na zona (cerca de 250 quilogramas por hectare). O rendimento por produtor subiu para cerca de 450 escudos, devido ao aumento do preço pago ao produtor [73]. Nesse ano, inspirado pelo exemplo dos benefícios que resultaram das sociedades no território vizinho e pelos melhores rendimentos realizados na colheita e comercialização do algodão, Nkavandame pôs-se à frente do grupo da missão, organizando a primeira sociedade camponesa de produção. Era constituída por 12 membros, e chamava-se a 'Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique' (SAAVM), mais conhecida na localidade pelo nome Liguilanilu, (Kimaconde: 'entreajuda'). Nkavandame e Namimba eram presidente e vicepresidente, 233 Capítulo 5 respectivamente, e Cornélio Mandanda e Raimundo Pachinuapa, os seus secretários [74]. Segundo Mandanda, o grupo mandou Namimba contactar a liderança de TANU que, na sua resposta, enfatizou "a necessidade de se criar uma espécie de associação de camponeses, a fim de permitir a sua organização e o desenvolvimento da discussão política" [751. Várias circunstâncias contribuíram para o sucesso e alargamento do empreendimento, em 1958. Em primeiro lugar, inicialmente, tanto os missionários como o Governo-Geral português favoreceram o estabelecimento da iniciativa. À primeira vista, cabia, perfeitamente, na política colonial de enquadramento das iniciativas económicas africanas rurais. Foi também um meio de fumentar a estabilidade da população que, de outro modo, preferia trabalhar no Tanganhica porque obtinha'maior rendimento. Além disso, tanto para as missões católicas como para o regime colonial, tratava-se de uma necessidade urgente de combater a crescente infiltração das seitas maometanas, que se verificou no norte do país na década de 50, através de trabalhadores moçambicanos que regressavam a casa no fim dos seus contratos [76]. A legislação de 1955, que renovou o sistema de concessões algodoeiras, simultaneamente autorizou a criação de sociedades camponesas de produção, sob a tutela das companhias, com o objectivo de fomentar a cultura voluntária, em vez do regime da cultura forçada. Na lógica do regime colonial, as sociedades de algodão n... constituem... um veículo de civilização e um método til de colaboração dos indígenas nas actividades produtivas das suas regiões" [77]. Para a SAGAL, essa legislação facultou a diminuição, se não a anulação integral, dos altos custos de supervisão (emprego de capatazes, viagens de inspecção aos camposí etc.) e administração (emissão e controle de cartões), devendo os membros de uma tal sociedade assumir esses encargos. Não se estranha, portanto, que a concretização da SAAVM se procedeu com o apoio de SAGAL, que continuou a fornecer sementes e a controlar a comercialização do produto [78]. Se estas foram as razões para a tolerância e apoio do regime colonial, numa primeira fase, outros foram os motivos da aderência a SAAVM de 234 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 mais de 3 mil cultivadores, no segundo ano. O principal motivo foi a possibilidade de evitar dois aspectos odiosos na economia colonial: quem tivesse cartão de membro da SAAVM não tinha que fazer trabalho forçado, nas plantações de sisal de Mpanga e Nangololo (Mocímboa da Praia), nem a cultura forçada de algodão. O que reforçou essa motivação foi a aversão generalizada aos régulos, instalados e privilegiados pela administração colonial, ao trabalho gratuito nas suas machambas, a sua participação no fornecimento de trabalho forçado para as sisaleiras, e ao seu papel no controle da cultura forçada de algodão. O facto de a SAAVM ter algum controle local sobre as formas e relações de produção foi, de certo modo, importante. Na sua propaganda, Nkavandame enfatisou a ligação entre esta cooperativa e o bem-estar da população, dizendo, segundo alguns membros, que a auto-gestão traria benefícios económicos para todos [79]. De facto, a sociedade oferecia uma rara oportunidade de reagir abertamente contra o colonialismo português, cuja opressão e brutalidade contrastava, cada vez mais, com o avanço para Uhuru (liberdade), na vizinha Tanganhica. Nesse país, a campanha para as eleãções gerais de Setembro de 1958, em que a TANU venceu todos os lugares, e as medidas tomadas em beneficio dos trabalhadores e das sociedades camponesas, contribuíram para o aumento da tensão social em Cabo Delgado. Como um relatório confidencial colonial de 1958 afirma, a situação em Tanganhica "... tem a sua repercussão no norte de Moçambique, embora não se exteriorisem porque o 'indígena' sabe perfeitamente que não pode, por enquanto, fazer qualquer movimento de protesto. Contudo, notamos este ano uma inquietação maior, uma maior necessidade de reagir contra a rigidez e severidade dos nossos métodos" [801. As operações da SAAVM realizavam-se por várias fases. Os dirigentes escolhiam as zonas para cultivo, onde se fazia o trabalho colectivo do derrube e preparação dos terrenos, que eram divididos, posteriormente, pelos mesmos oficiais, em machambas de 4 hectares, para o cultivo por famflias individuais. Conseguiu-se, assim, a concentração de machambas algodoeiras, que era essencial para um controle rigido da cultura, tão diffcil de impor, para a administração e companhias. Enquanto a maioria dos sócios cultivavam na base do trabalho 235 2Captulo 5 familiar, alguns membros, que tinham capitais suficientes, empregavam trabalhadores nas suas machambas, em troca de um salário pagável em sal, uma mercadoria muito escassa no planalto. Nota-se que nessa altura não era difícil encontrar trabalhadores no planalto. Para além da exaustão dos solos, verificavase, a partir da década de 30, a gradual estratificação social e divisão de terras, em benefício das linhagens e famflias que se destacavam na estrutura social colonial. As melhores terras para agricultura eram escassas e, no fim da década de 50, falava-se da compra e venda dessas terras. Como resultado deste processo, um número crescente de famflias tinha dificuldades de acesso à terra suficiente para a produção para o mercado e de subsistência. Membros de tais famlias tinham de procurar trabalho nas machambas de outros. Em 1958, a situação foi agravada pelo regresso de muitos migrantes de Tanganhica, relacionado com a crise de sisal, naquele país. Utilizando ferramentas normais, os sócios e os seus trabalhadores cultivavam algodão, em média, 3 dias por semana e as culturas alimentares nos outros 3 dias. Além disso, alguns plantaram cajueiros. Segundo Mandanda, após a colheita, a comercialização do algodão processava-se em Imbuhu, sob a supervisão dos oficiais da sociedade, evitando, assim, os abusos usuais nos mercados de algodão. O produto era depois transportado para a fábrica num camião de SAGAL. O dinheiro ficava com o produtor individual, que tinha que pagar a SAAVM 2$50 escudos, anualmente, pelo seu cartão. Desta maneira, a sociedade acumulou fundos suficientes para a compra de bicicletas, utilizadas na inspecção das culturas, e material de escritório e escolar [81]. O beneficiário principal do trabalho da SAAVM, nos seus três anos de funcionamento, foi a concessionária colonial de algodão, que, no planalto de Mueda, viu aumentar o número de produtores de algodão de 4.262, em 1957, para mais de 5.000, em 1959 e 1960. A produção aumentou de 732 toneladas, na colheita de 1957 (isto é , antes do início da SAAVM e, em si, um recorde) para um pouco mais de mil toneladas nos anos 1959 e 1960. Embora se desconheça ainda a contribuição precisa das machambas liguilanilu em todo o distrito, o facto de a grande maioria dos produtores de algodão serem sócios da SAAVM confirma a sua influência no aumento de produção [82]. Dentro da sociedade, os sócios que empregavam mão-de-obra assalariada nas suas machambas cram os principais beneficiários. Por 236 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 exemplo, segundo um testemunho, o próprio Nkavandame conseguiu colheitas avultadas, na ordem de 150 sacos (de 50 quilos cada) de algodão, e Mandanda cerca de 30 sacos, o que significa que cultivavam mais de um bloco de 4 hectares, comercializando o total da produção através da sociedade [83]. Segundo o administrador, já em 1958, Nkavandame tornou-se um dos maiores agricultores inscritos na cultura de algodão, com produções avultadas [84]. A média geral da maioria dos produtores era de cerca de 4 a 5 sacos por colheita, o que significava um rendimento total de 600 a 750 escudos, um pouco melhor do que os 518 escudos que era a média geral para todos os produtores do planalto, nos anos 1958-1960. Tendo em conta a taxa do imposto, que era 115 escudos na altura, isto representava uma melhoria considerável sobre o rendimento médio de cerca de 220 escudos atingido no período de 1950 a 1956. Contudo, alguns sócios desistiram, devido aos reduzidos rendimentos que conseguiram [85]. O crescimento da SAAVM e o seu bem evidente sucesso, ao nível de mobilização popular provocou a hostilidade de vários elementos da estrutura económica existente. Por exemplo, os capatazes da SAGAL ficaram desempregados. Mais importante, ainda, os régulos e cipaios que, anteriormente, estavam envolvidos no fornecimento de mão-de-obra às sisaleiras do litoral, mediante gratificações consideráveis, ou que tinham grandes machambas de algodão, viram ameaçados os seus rendimentos [86]. Por seu lado, a administração provincial começou a prestar mais atenção ao significado político da SAAVM, como uma sociedade capaz de tão extensiva mobilização, com base nas tensões do sistema colonial, e de dispor de fundos avultados, independentes do controle do governo. Com o objectivo de assegurar o seu dominio, a administração colonial mandou Nkavandame para o seminário de Mariri, no sul de Cabo Delgado, no fim de 1959, para completar a 4a classe e aprender português; privando a sociedade da sua liderança e, segundo testemunhos dos missionários, iniciando o seu enquadramento na estrutura colonial [871. Em resumo, podemos concluir que, em relação à produção, através da SAAVM, a companhia concessionária ganhava as vantagens das concentrações agrícolas, sem dispender grande parte dos custos normais. Os camponeses deixaram de ser forçados a cultivar pela concessionária. 237 As novas relações de trabalho que emergiram na exploração de trabalho assalariado rural, na acumulação de riqueza e na concentração do poder económico nas mãos de Nkavandame, estavam longe de ser igualitárias. A SAAVM era, deste modo, semelhante a multas sociedades na Tanganhica, na mesma altura. Não obstante este facto, e apesar de ter, inicialmente, algumas vantagens ao nível de produção para o colonialismo, a inesperada extensão da mobilização constituiu uma ameaça às bases em que assentava o regime no distrito. Mostrando uma certa independência da estrutura sócio-económica colonial, a SAAVM inverteu, temporariamente, a política colonial de enquadramento, tornando-se uma potencial ameaça polftica, uma base para possíveis contestações ao regime e os seus colaboradores, tudo isto agravado pela rápida evolução da Tanganhica para a independência. Como veremos, as tensões no planalto de Mueda agudizaram-se nos inícios de 1960. 7. A luta anti-colonial, 1955-1961. Nos últimos anos da década de 50 as actividades anti-coloniais em África ganharam novo dinamismo. Após 1957, ano em que a luta nacionalista deu origem à independência total de Gana, começou-se a programar a independência da Nigéria, colónia britânica mais populosa em África. A luta anti-colonial na África do Sul, Rodésias e Niassalândia atingiu novas dimensões. A divulgação da filosofia pan-africanista e anti-colonial de Aimé Cesaire e de Nkrumah ganhava vulto entre os intelectuais, nos vários pontos do continente. Enquanto isto, reflectindo a nova vontade britânica para soluções pacíficas e neo-coloniais, frente à luta nacionalista africana, o primeiro ministro britânico, falando à assembleia racista em Cape Town, a 3 de Fevereiro de 1960, referiu-se, abertamente, aos %ventos de mudança', que sopravam sobre África. 7.1 A criação de organizações políticas internas e externas A partir de 1957, surgiram organizações políticas, provocadas pela intensificação da exploração colonial. No entanto, em Moçambique, organizações partidárias, para fins aberta e fundamentalmente políticos, tinham sido sempre ilegais, não se estranhanio oue as novas associações, Capítulo 5 238 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 36. Manifestação política, dirigida pelo Governador-Geral colonial, contra as Resoluções das Nações Unidas, Lourenço Marques, 1957. formadas no interior, tivessem, na melhor das hipõteses, tido um carácter político clandestino, e as suas operações restritas às suas zonas de origem, com alguns contactos com o exterior. Sobre estes movimentos há, ainda, pouca informação, devido à sua actuação clandestina e limitada, e à ausência de estudos aprofundados da materia. A sua relevância histórica reside no facto de as reclamações políticas democráticas, senão nacionalistas, se terem alargado para as principais cidades do país, nos finais da década de 50. Além disso, porque a sua interelação política foi reprimida pelo regime fascista, o crescimento de um movimento unido anti-colonial no interior, também, foi impedido [88]. No plano exterior, a luta nacionalista, cada vez mais vigorosa, na África do Sul, Rodésia do Sul, Niassalândia e Tanganhica, criou um ambiente que encorajou as actividades políticas de algns imigrantes moçambicanos que trabalhavam naqueles territórios. No entanto, na África do Sul e Swazilândia, as condições para se desenvolver uma luta consequente em prol da independência de Moçambique eram pouco melhores que no interior, devido à crescente vigilância 239 Capítulo 5 da polícia sul-africana, e a sua colaboração com a PIDE. Mesmo assim, nos finais da década de 50, formou-se na África do Sul a Convenção do Povo de Moçambique. Para além do facto de, segundo a PIDE, a organização reclamara a independência de Moçambique, pouco se sabe sobre esta organização, exceptuando os nomes dos seus lideres, Diniz Menjane, de Manjacaze e residente em Durban, Tomas Nhantumbo, de Madender, e Dr. Agostinho Ilunga, que representava o partido na Suazilândia, e que pretendeu mobilizar migrantes nestes territórios [89]. Na Rodésia do Sul, na altura, as condições para a luta política não eram muito melhores. Trabalhadores moçambicanos radicados em Salisbúria (hoje, Harare) e Bulawayo formaram, no fim da década de 50, a 'Mozambique East African Association' (Associação Moçambicana da África Oriental). Segundo um dos seus colaboradores, a liderança pertencia ao Rev. U. T. Simango, Philip Foya, Gabriel Moyana, Philip Madzedzere, Jaime Khamba, C. Sadaka e P. Katsande. Para sobreviver, num ambiente em que a PIDE e a polícia de segurança rodesiana colaboravam, cada vez mais, a organização consultou o consulado português, sobre alguns dos seus objectivos, chegando mesmo a alterar o seu nome, após longas discussões, para 'The Portuguese East African Association' (Associação Portuguesa da África Oriental). Confundindo os objectivos com os de uma associação de mutualidade, isto é , de apoio social aos moçambicanos e seus familiares, esperava abrir gabinetes, em várias cidades dentro de Moçambique. Por seu turno, o regime colonial português considerou a associação um veículo para a localização de moçambicanos, na Rodésia do Sul, a fim de os vigiar melhor e de proceder à cobrança de impostos [90]. Em Tanganhica, ainda protectorado britânico, cuja independência formal estava prevista, então, para breve, trabalhadores moçambicanos constituíram várias organizações, entre as quais se destacaram a 'Tanganyika-Mozambique Makonde Union' (União dos Maconde de Tanganhica e Moçambique), formada em 1958, e a 'Makonde and Makua Zanzibar Union' (União dos Maconde e Makua no Zanzibar). Inicialmente, a primeira destas organizações estava organizada em moldes etnicos. Segundo a sua constituição, os seus membros só podiam ser os Maconde do sul de Tanganhica e de Moçambique. Além da assistência social em casamentos e enterros, entre os seus objectivos, que eram semelhantes aos de uma associação de ajuda mutua progressiva, 240 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 figuravam os de "promover um ambiente de laços fraternais e amigáveis entre membros, e de fomentar este espírito entre todos os membros da nossa tribu ... (e de) zncorajar a educação acadêmica e técnica dos filhos dos membros" [91]. Segundo um relatório colonial, os inspiradores da União eram elementos católicos, apoiados pelos missionários instalados nos dois lados da fronteira, que viam na União um meio de lutar contra a expansão islâmica na região. O seu primeiro chefe foi um carpinteiro moçambicano, da missão de Mikindani, que conseguiu muitos adeptos entre os Maconde de Dar es Salaam e Tanga. Deve-se notar que a União não podia deixar de se tornar num movimento político, no sentido de pretender elevar o nível social e económico dos seus membros, que o sistema colonial português negava. A União, que funcionava em paralelo com a SAAVM, encetou o seu trabalho político em Cabo Delgado nos inícios de 1960 [92]. 7.2 0 massacre de Mueda e a repressão de 1960-1961 Nessa altura desenvolveu-se no planalto de Mueda um ambiente de tensão política devido à confrontação entre, por um lado, os camponeses, a SAAVM e a União Maconde e, por outro, as autoridades coloniais determinadas a manter, com rigidez, a antiga estrutura de exploração. De facto, cônscios dessa rigidez, as reclamações que os representantes da União apresentavam à administração, por diversas vezes nos inícios de 1960, eram relativamente moderadas. Pediam o fim do trabalho forçado, a autorização para fazer a propaganda da SAAVM, a abertura de lojas e a venda livre e a preços aceitáveis, de cabritos, galinhas e ovos. No final do terceiro encontro, em 12 de Junho, o administrador propôs um outro encontro no dia 16, na presença do Governador da província. Chegaram o Governador e um pelotão da tropa colonial de Porto Amélia (Pemba), e os sipaios chamaram a população para a reunião marcada para o dia 16. Segundo testemunhos da reunião, o Governador colonial começou por assegurar a população que havia boas perspectivas de colheita, naquele ano, mas, perante as reclamações apresentadas, decidiu mandar os porta-vozes, Faustino Vanomba e Kibiriti Diwane, à cadeia. A reunião transformou-se numa insurreição popular, não 241 242 Capítuo 5 deixando arrancar o carro em que os prisioneiros iam algemados. O Governador colonial mandou o pelotão abrir o fogo. Centenas de manifestantes foram brutalmente massacrados a tiro e a baioneta [93]. Este massacre confirmou, sem qualquer possibilidade de dúvida para a população local e para os que ouviram falar dele, a verdadeira natureza do colonialismo português. Veio a ocupar um lugar-chave na hist6ria da luta anti-colonial, moçambicana e regional, contribuindo significativamente para a consciencialização popular de que a resistência pacífica era em vão [94]. Outros acontecimentos contribuíram para a mobilização política moçambicana no mesmo ano. Se 1960 foi o ano das 'independências', em que 17 colónias africanas se tornaram independentes, foi também o ano do massacre de Sharpeville (21 de Março) e do banimento do ANC na África do Sul, que marcou o fim de qualquer possibilidade de luta pacifica nesse país. No Congo, devido à ausência de instituições políticas centralizadas, desenvolveu-se, imediatamente após a independência, uma 37. Reportagem do julgamento dos dirigentes Moçambique, Lisboa, 28.2.1962. Terminou na Boa Hora o julgamento dos dois moçambicanos LISBOA, 1 ,(Lusitãnia). - No Plenário Criminal da Boa Hora, terminou o julgamento dos moçambicanos Diniz Menjane oW Diniz Mossossote, de 30 anos, e de Tomás Betulane Nhantumbo,, de 31 anos, que organizaram na Africa do Sul um movimento denominado x<Convenção do Povo de Moçambique> que tinha por fim principal sóparar da Mãe-Pátria aquela província. Foram condenados a 4 e 2 anos e meio de prisão respectivamente, a 15 anos de suspensão dos direitos , políticos, e a medidas de segurança por um .período de 3 anos, depois de cumpridas as sentenças. Presidiu o desembargador Silva Caldeira. da Convenç4o do Povo de PRINCIPIOU :.na Boa-Hora o julgamento de deis me.' ca*bicanos acusados de crime grave contra a in* legridade da Pátria LISSOA. ti (LUcIloiaI. <No PlenOrio Criminei de Boa Nlora começou o julRamento dos mOÇambiconol Diniz MonhoC ou 01n1 MASiMosse0. de 30 anos. < n*lural de Manjacae . residonle em Ourban. Arica do Sul, a Tomás Bolule Nhantumbo, de 31 anos, natural de Madender. Ambos ; acusados do crime Sravo contra a mnleridade de Patrio. Os réus orlanliaram na RlOpubllce da Agrica do Sul, um partido ou movimenfo denOmi nado .Cononenoe do povo de MeçmbIque., Que linha o fim principal de porar a Mie PáIria daquela- ProvlncIa e vi.iam ambos na clandoestinidad, endo peeculdore, de documentos laios, relaclonados com a idolidad que izavem. :o|pectiol. mento os nomes de Dennia "'rIu MOlfey 0 Thomas r arlfol SeCnde o dcpacho do pronúnela. : maio orevisto poro leoarar a Provincie da Mae Pueril *r* O vilin i" * l¢oud. . luta de lrrnrllll. 0 rtuz colaboranem com o Or. Aulfín I filunse, lã concenado. Tinham rll84es com os NOclO1 Africanos de ena cem e chemado -,urolu 01 Alfrcan Aflar",. movlmenlo cac 0o00 cm Sana. A eSio da lerdo de boje fOi preenchida com um demorado Inlerroialrie aos rõu e leiquI. ri0o dos d oclaranes o das fel,O ac1celi A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 crise política de graves proporções, que culminou com um golpe de estado, uma guerra civil, e a intervenção das Nações Unidas. No norte de Angola, o levantamento que se iniciou, em meados de Março de 1961, foi brutalmente reprimido pelo regime português, mostrando de novo as intenções colonialistas portuguesas [95]. Em Moçambique, notícias destes acontecimentos foram acompanhadas por uma crescente e intensa repressão pelo regime colonial, o que, por sua vez, provocou a afluência de uma nova onda de refugiados, especialmente ao Tanganhica, em 1961 [96]. A intensificação da repressão em Moçambique resultou também, em 1961, no assassínio de chefes tradicionais como Zintambira Chicusse de Angónia, um antigo oponente do regime colonial, e outros chefes ligados à luta anti-colonial. A PIDE aumentou a sua vigilância nas fronteiras e a sua colaboração com as forças policiais da África do Sul, Suazilândia e Rodésia do Sul. Membros da 'Portuguese East African Association' (Rodésia do Sul) foram raptados, em 1961 e inícios de 1962. Os lideres da Convenção do Povo de Moçambique, Dr Agostinho Ilunga (Suazilândia), e Diniz Menjane e Tomás Nhantumbo (África do Sul) foram julgados e sentenciados em Lisboa, no mesmo período [97]. 7.3 0 ambiente político em Lourenço Marques e a revitalização do NESAM De facto, o crescente ritmo dos acontecimentos relacionados com o destino político da África não podia deixar de ter uma influência considerável na vida política em Lourenço Marques, sobretudo, nos jovens instruídos. Um testemunho de Samora Machel descreve este impacto psicológico e intelectual: "comeeei a pensar a sério sobre a possibilidade da independência de Moçambique... Foi então que, simultaneamente com essas ideias, começou a realizar-se a consciência de ser oprimido, desprovido e explorado. "Nessa altura, as autoridades portuguesas incrementavam a repressão de todos os africanos alfabetizados e educados. Estimulou muito a nossa curiosidade para saber porque queriam que não lessemos jornais, ou escutassemos emissões estrangeiras. E depois veio 1961 em Angola..."[981. Nestes anos, o NESAM volta a ser, para a mocidade negra instruída, e com os sempre necessários subterfúgios contra a vigilância policial, 243 Capítulo 5 uma plataforma para a discussão e comunicação, não só sobre o problema de educação discriminatoria como, também, sobre o nacionalismo e independência. Entre os membros que asseguraram essa nova dinâmica por volta de 1959/1960 destacam-se Joaquim Chissano, Armando Guebuza, Luís Bernardo Honwana, Augusto Hunguana, Filipe Samuel Magaia, Mariano Matsinhe, Josina Muthemba, Pascoal Moeumbi, e Jorge Tembe, entre outros. Este processo veio a ser acelerado pela passagem de Eduardo MondIane por Moçambique, em 1961, como emissário das Nações Unidas, onde trabalhava. Organizaram-se manifestações de recepção a Mondlane, pintaram-se cartazes denunciando o Governo colonial e prepararam-se também panfletos distribuídos pelos correios em vários pontos no país. Estas e outras actividades clandestinas levaram nacionalistas como Albino Maheche, Amaral Matos, Virgílio Lemos e outros à cadeia, em 1961 [99]. De facto, os jovens do NESAM, embora relativamente privilegiados, lutavam num ambiente pouco propício para assegurar a sua educação, particularmente, ao nível superior, e a sua evolução cultural e política. Debateram e propuseram mudanças consideráveis no Núcleo, com maior ênfase para o alargamento do âmbito da sua formação, através de palestras organizadas e, especialmente, da actualização da biblioteca. Por outro lado, deveria dar-se menor ênfase às tradicionais festas e bailes de puro divertimento. Além disso, foi proposta a colaboração com a Associação dos Naturais onde, no fim da década de 50, um pequeno grupo de brancos anti-fascistas conseguiu tomar controle da direcção, abrindo as suas portas a indivíduos de outras raças, e promovendo vários cursos de formação, que o sistema oficial não facultava aos negros. Esta proposta encontrou a hostilidade da liderança do Centro Associativo dos Negros [CANI, orgão de tutela do NESAM, cujo presidente, um fiel do regime, estava mais interessado na promoção de divertimento desportivo do que da educação e cultura [100]. Como observou o responsável da biblioteca do NESAM, Luís Bernardo, em 1961, em relação às aspirações da juventude, havia "... mais vontade na parte exterior do Centro, isto é, nas pessoas que não estavam ligadas a ele, do que nas pessoas que do Centro faziam parte" [101]. 244 A Contestação da Situaçao Colonial, 1945-1964 Esta contradição agudizou-se no ano seguinte, o que levou a destituição do próprio presidente do CAN e, com a luta de libertação já iniciada, ao período de maior dinamismo político-cultural do Núcleo. Contudo, pouco tempo depois, a sua actividade foi minada pela infiltração crescente de agentes coloniais, e em 1965 foi oficialmente banido. O próprio Mondlane resumiu o papel que o NESAM começou a assumir, nessa altura, da maneira seguinte: "A eficácia do NESAM, como a de todas as organizações dos primeiros tempos, era estritamente limitada pelo pequeno número dos seus membros ...(.)... Mas, pelo menos de três maneiras, deu um importante contributo para a revoluçáo. Comunicou ideias. nacionalistas à mocidade negra instruída. Conseguiu certa revalorização da cultura nacional, que contraatacou as tentativas dos portugueses para levarem os estudantes africanos a desprezarem e abandonarem o seu próprio povo. Deu a única oportunidade de estudar e discutir Moçambique sem ser como um apêndice de Portugal. E, talvez o mais importante de tudo, cimentou contactos pessoais, estabeleceu uma rede de comunicação a nível nacional, que se formou entre gente de todas as idades, e que podia ser utilizada por um futuro movimento secreto" [102]. 7.4. A evolução das organizações moçambicanas nos territóri's vizinhos Perante a repressão dMlonial no interior, a organização polftica moçambicana no exterior registou mudanças. Na Rodésia do Sul, nos fins de 1960, um grupo de 3 trabalhadores moçambicanos em Bulawayo, chefiado por Adelino Gwambe, e um outro grupo de 7 trabalhadores em Salisbúria (Harare), chefiado por Lopes Tembe, formaram a União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO), sob a liderança de Adelino Gwambe [103]. Esta organização era mais claramente virada para a independência de Moçambique do que a antiga Portuguese East Africa Association, e tinha ligações com o Movimento Democrático Africano de Moçambique (Vila Pery, hoje Chimoio) e, possivelmente, com o Movimento Nacional de Moçambique, na Zambézia, para além dos contactos com moçambicanos na África do Sul. Contudo, as novas medidas repressivas do regime rodesiano contra a luta anticolonial, e a facilidade com que a PIDE 245 Capítulo 5 operava na colónia britânica, condicionou a saída de UDENAMO para Tanganhica, no início de 1961. Uma outra organização que surgiu como resultado dos acontecimentos de 1960 foi a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI). O seu líder, Baltazar Chagonga, foi preso nesse ano, temporariamente, devido às suas críticas à repressão colonial. Exilado em Niassalândia, foi, também, a Dar es Salaam em 1961 [104]. Entretanto, os progressos da luta anti-colonial na África oriental tinham resultado na formação, em 1958, do 'Pan-African Freedom Movement for East and Central Africa' (PAFMECA: Movimento Pan-africano para a Libertação da África Oriental e Central). Inspirada por Julius Nyerere e Tom Mboya (líder sindical do Quénia), esta organização pretendeu implementar, no contexto regional, a filosofia pan-africanista, elaborada principalmente por Kwame Nkrumah. A materialização dessas ideias requeria a construção de uma federação dos territórios, futuramente independentes, da África oriental e, com o avanço de alguns desses países para independência, o apoio aos movimentos anti-coloniais, nos territórios em que o direito à independência não estava, ainda, reconhecido. Neste ambiente político, fomentou-se a transformação das antigas associações dos Makonde e Makua na Tanganhica ('Tanganhica-Mozambique Makonde Union' e 'Zanzibar Makonde and Makua Union'), na 'Mozambique African National Union' (MANU: União Africana Nacional de Mozambique), fundada em Mombaça, Quénia, em Fevereiro de 1961 [105]. 7.5 As organizações unitárias contra o colonialismo português Paralelamente à dinamização do movimento anti-colonial em Moçambique e nos territórios vizinhos, entre 1957 e 1961, começou uma nova fase na evolução das organizações anti-coloniais radicadas na Europa. Entre 15 e 18 de Novembro de 1957, teve lugar, na casa de Marcelino dos Santos, em Paris, a 'Reunião de consulta e estudo para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo português', com Amilcar Cabral, Guilherme Espírito Santos e outros. Tendo analisado a experiência das lutas anti-coloniais, na década de 50, os participantes elaboraram um manifesto, que apelava à luta patriõtica dos povos das colónias portuguesas de forma científica e organizada, baseada na unidade política, 246 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 38. Figuras nacionalistas da iÍfrica Austral em Marocos na altura da criação da CONCP, 1961. nacional e internacional, e na força fundamental dos trabalhadores. No entanto, um dos principais problemas era o desconhecimento, a nível internacional, sobre as colónias portuguesas, devido à repressão fascista de informação. Para ultrapassar este obstáculo, a reunião criou o Movimento Anti-colonialista (MAC) [106]. Estimulado pelo avanço da luta de libertação, em África, pela efectuação da política de descolonização elaborada pela Inglaterra e França e, sobretudo, pela perspectiva de uma ajuda concreta dos países agora independentes, o MAC ganhou uma nova dinâmica e mudou para a África. Em Janeiro de 1960 o MAC transformou-se na Frente Revolucionária para a Independência Nacional das colónias Portuguesas (FRAIN), para representar os povos das respectivas colónias portuguesas na Conferência dos Povos Africanos, em Tunes no mesmo mês [107]. Os massacres de Mueda e de Sharpeville, a formação da UDENAMO, MANU e UNAMI, e a vontade expressa por Gana, Guiné, 247 Capfiuo 5 Egipto, Marrocos, Argélia e Mali na Reunião dos Chefes do Estado Africanos em Casablanca em Janeiro de 1961 para apoiar a liquidação do colonialismo em todo o continente deram mais um impulso ao movimento internacional contra o colonialismo português. Na mesma capital, entre 18 e 20 de Abril de 1961, teve lugar a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), que constituiu o primeiro encontro dos movimentos opostos ao colonialismo português. Para Moçambique, a UDENAMO foi a representante à conferência, que sublinhou a necessidade de unidade e coordenação política entre, não só, as organizações que participavam na conferência, como também, as que não estavam presentes. Comprometeu-se a lutar contra o colonialismo e o neo-colonialismo, não especificando, contudo, os meios a ser adoptados. A conferência enfatisou a necessidade de esclarecer o povo português, sobre a justiça da luta dos povos nas cólonias, diferenciando, assim, os interesses do povo e os da burguesia portuguesa. A conferência tornou-se num movimento permanente, estabelecendo um secretariado, com o objectivo de coordenar os esforços diplomáticos e de enfrentar o colonialismo português na base de uma posição unida. Marcelino dos Santos foi eleito o Secretário-Geral e, a fim de promover unidade entre os movimentos moçambicanos, foi a Dar es Salaam, nos meados do mesmo ano [108]. 8. Resumo e conclusão 1. No período 1945-1961, a luta anti-colonial foi desenvolvida em várias formas, entre as quais se destacam a resistência contra aspectos da exploração económica colonial, a formação de movimentos políticos dentro e fora do país, e o seu acompanhamento cultural e intelectual. 2. A repressão colonial fascista de todas as actividades políticas impediu que estes movimentos se pudessem desenvolver dOntro do país. Foi-lhes negada a possibilidade de evoluir, através de um prucesso de elaboração de programas e de formas de organização, em consulta aberta com o povo. Da mesma forma, foi impossível o seu interrelacionamento ou unificação, impedindo a construção, no interior do país, de um muvimento unificado, que representasse as várias camadas sociais em todas as regiões. Deste modo, a luta anti-colonial moçambicana foi bastante 248 A Contestaçao da Situaç&o Colonial, 1945-1961 diferente das lutas nos territórios vizinhos. Por exemplo, mesmo na Rodésia do Sul, a interligação entre os sindicatos africanos legalizados e o movimento político constituía uma parte integrante do movimento nacionalista. Na África do Sul, os múltiplos movimentos que, em 1955, formaram a 'Aliança do Congresso' para enfrentar o 'apartheid', tinham um passado muito rico de acção aberta. 3. As or'ganizações moçambicanas que se encontravam no Tanganhica, em 1961, reflectiam ainda as circunstâncias da sua origem diversa, entre migrantes moçambicanos radicados no estrangeiro. A MANU estava virada quase exclusivamente para a melhoria das condições dos residentes de Cabo Delgado. A UDENAMO, embora pequena, era composta de moçambicanos oriundos de várias províncias, como Tete, Gaza e Maputo, e tinha uma visão mais ampla dos problemas dos camponeses e trabalhadores moçambicanos. A UNAMI era ainda mais pequena que a UDENAMO e o seu suporte estava baseado em Tete e no sul da Zambézia. 4. Além disso, embora a liderança da UDENAMO falasse da incapacidade do regime português em estruturar reformas e, por conseguinte, a necessidade de liquidação do colonialismo e da conquista da independência nacional [109], nenhuma das organizações tinha um programa elaborado que visasse a concretização da luta contra a repressão político-militar portuguesa, em Moçambique. Por estas razões, as organizações moçambicanas, no exílio, eram diferentes dos movimentos e partidos nos países vizinhos, como TANU e KANU (no Quénia), que já tinham desenvolvido linhas políticas e programas de acção, adequados às circunstâncias específicas em que operavam. 5. Desta forma, nos fins de 1961, a fase de avanço da luta anti-colonial, tratava, não meramente da unificação dos movimentos existentes, mas da construção de um programa e de-um aparelho político, capazes de derrubar a forma específica do colonialismo em Moçambique. 249 Capítulo 5 NOTAS 1. Ver cap. 4. 2. Ver, inter alia, W. Abendroth, A short history of the European working class, Londres: NLB, 1972, pp. 101-156; F. Claudin, The Comunist movement.from Comintern to Cominform, Londres: Penguin, 1976, pp. 307-369. 3. Ver A. Moreira, 'Barreiro: as greves dos anos 40', Diário de Notícias, (Lisboa), 28.6 1984; A. de Figueiredo, Portugal. fifly years of dictatorship, Londres: Penguin, 1975, pp. 115, 117; A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal, Lisboa: Palas Editora, 1973, p. 343; M Sertório, 'Da guerra do carimbo a ASP', Diário de Notícias, 23.9.1984. 4. Notícias, (Lourenço Marques): 7.2.1945; Vail e White, Capitalism and colonialism in Mozambique..., pp. 302-303. 5. Figueiredo, op. cit., pp. 115-117; Oliveira Marques, op. cit., pp. 344. 6. Abendreth, op. cit., p. 126; D.F. Fleming, The Cold War and its origins, 1917-1960, 2 vos., Londres: Alen e Unwin, 1961, vol.1, pp. 265-520. 7. Figueiredo, op. cit., p. 124; Oliveira Marques, op. cit., p. 347; BO 8, 25.2.1950, Decreto-lei 37:732, de 13.1.1950. 8. D. O'Meara, 'The 1946 African mineworkers strike and the polítical economy of South Africa', Journal of Conmnonweafth and Comparative Politics, 13(2) July 1975, pp. 146-173; A. Turner, 'The growth of railway unionism in the Rhodesias, 1944-1955', in R. Sandbrook e R. Cohen (coord.), ne development of an African working ciass: studies in class formaion and action, Londres: Longman, 1975, pp. 73-98. 9. Ver, entre outros, O'Meara, op. cit., pp. 161-169. 10. A. Sopa, 'Catálogo de periódicos moçambicanos, precedido de uma introdução histórica, 1854-1984', Trabalho de Diploma, (Licenciatura em História com especialidade em documentação), UEM, AHM, Maputo, Julho 1985, pp. 257-258; ver também, 1. Casimiro, 'Movimento associativo como foco de nacionalismo-movimento estudantil - NESAM e AAM', UEM, DH, dactilografado, 1979. p. 7. 11. Sopa, op. cit., pp. 257-258. 12. E. Friedland, 'A comparative study of the development of revolutionary nationalist movements in southern Africa - Frelimo (Mozambique) and the African National Congress of South Africa', Ph. D thesis, City University, New York, 1980, p. 144, citando Eduardo Mondíane, 'Frelimo: the real choice', Tricontinental, (Havana), May-June 1969, pp. 100-101. 13. P. V. Tobias, 'A little known chapter in the life of Eduardo MondIane', Genève-Afrique, vol.XVI, No.l, (1977-1978), pp. 119-124; E.A. Hawley, 'Eduardo Chivambo Mondíane (1920-1969): a personal memoir', Africa Today, 250 A Contestaç4o da Situação Colonial, 1945-1961 26(1) 1979, p. 20; C. Khambane e A.D. Clerc, Chidango: filho de chefe, Maputo: Cadernos Tempo, 1990, esp. pp. 135-218; T. Cruz e Silva e A. José, 'Eduardo Mondiane: a traject6ria de um nacionalista', Cadernos de História, 8(Outubro, 1990), pp. 5-53. 14. Hawley, op. cit., p. 20; Dr. A. Manghezi, comunicação pessoal. 15. Palavras do Procurador-Geral português em Moçambique: Friedland, op. cit., p. 144, citando Mondlane, 'Statement submitted to UN General Assembly, 17th Session', Special committee on territories under Portuguese administration, 9.4.1962 (A/AC. 108/11) 16. Eduardo Mondlane, Lutar por Moçambique, Lisboa: Livraria Sã da Costa Editora, 1977, p. 121. 17. BO 8, 25.2.1950, Decreto-lei 37:732, de 13.1.1950. Segundo essa lei, a advocacia da independência de Moçambique da 'mãe-pátria' (Portugal), era considerada crime. 18. 'Statement made by Mondlane to UN Special Committee on territories under Portuguese Administration, 8th meeting, 9.4.1962', in R. H. Chilcote, Emerging nátionalism in Portuguese Africa. Documents, Stanford: Hooverlnstitution Presa, 1972, pp. 412-421. 19. Ver Casimiro, op. cit., pp. 8-9; para a formação das Associações, ver Cap. 2, ponto 3.2. 20. SR II, pp. 61-63,. esp. depoimentos dos régulos Chiteve e Lucine; BO 47, 18.11.1944, Portaria 5792. 21. A. José, 'Beira: lembranças da cidade colonial', Arquivo, 6 (1989), pp. 190193, depoimento de Raul Domingos Mucacho. 22. Ibid., p. 191. 23. AHM, Fundo do Secretário de Administração Civil, Cx. 21, Processo de averiguações relativas às actividades do Núcleo Negr6fdo de Manica e Sofala, 28.11.1955. 24. BO 12, 24.3.1956, P. 11404. 25. Ver Samora Machel, entrevistado por John Saul, 1974; 1. Christie, Machel of Mozambique, Harare: Zimbabwe Publishing House, 1988, pp. 9-10. 26. P. Chabal, Amilcar Cabral. Revolutionary leadership and people's war, Cambridge University Press, 1983, pp. 43-46; na altura da formação do CEA, Mondlanejá tinha saído para os EUA. 27. T. H. Henriksen, Mozambique. A history, Londres: Rex Collings, 1978, p. 165. 28. Chabal, op. cit., p. 46. 29. Ver cap. 4, pontos 4.4 e 5.1 30. Ver J. Penvenne, 'Here everyone walks with fear. The Mozambican labor system and lhe workers of Lourenço Marques, 1945-1962', in F. Cooper, ed., Struggle for the city: migrant labor, capital and the staté in urban Africa, Beverly Hilis/Londres: SAGE, 1983, pp. 139-140. 31. Brigada do DH, UEM, 'A resistência popular à cultura forçada de algodão em Captulo 5 Moçambique, 1930-1961', Maputo: mimeo, 1979, p. 5, citando Arquivo do Instituto do Algodão, JEAC, 'Confidencial 1947', subdelegado JEAC Beira (António Mira Mendes) ao chefe da Delegação (Lourenço Marques), 24.12.1947. 32. AHM, FGG, A. M. da Silva, et ai, 'Mogovolas. Relatório da Brigada de Estudos, 1951'. 33. Brigada do DH, UEM, op. cit., pp. 5, n. 51, 6; Mahawani Khosa, entrevistado por Alpheus Manghezi e Salomão Zandamela, Guijane, Gaza 17.2.1979; N. S. Bravo, A cultura algodoeira na economia do norte de Moçambique, Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1963, p. 120. 34. Brigada do DH, UEM, op. cit., p. 6. 35. Eugênio Niquaria, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Montepuez, 24.7.1979. 36. AHM, FNI, Cx.117, Chefe da Repartição Central dos Negócios Indígenas, Inquérito à Circunscrição dos Muchopes, 10.7.1951. 37. Gabriel Makave e Abner Ngwenya, entrevistados por Alpheus Manghezi, Guijane, Gaza, 16.2.1979; Abner Ngwenya, entrevistado por Alpheus Manghezi, Ximbongweni, Gaza, 15/18.5.1980; AHM, ISANI, Cx. 26, A. Policarpo de Sousa Santos, Inspecção ordinária à circunsrição de Guijá (Sede, e posto de Massingir) do período de Agosto de 1942 a Janeiro de 1957, pp. 51-54, 124-6; K. Hermele, Land struggles and social dífferentiation in southern Mozambique: a case study of Chokwé, Limpopo, 1950-1987, Uppsala: Scandinavian Institute of African Studies, 1988 [Research Report, N1 82], pp. 39-41; para indicações sobre as desordens e confrontações entre negros e operários brancos atendentes ao início das obras, ver AHM, FGG, Cx. 373, Brigada Técnica de Fomento e Povoamento do Limpopo, Vol.1I, Chefe do Gabinete do Governador Geral ao Comandante de Polícia, Lourenço Marques, 28.8.1953. 38. J. Head, 'State, capital and migrant labour in Zambézia, Mozambique: a study of the labour force of Sena Sugar Estates, Limited', Ph.D thesis, University of Durham, 1980, p. 324; B. Munslow, Mozambique." lhe revoluion and its origins, Londres: Longman, 1983, p. 76; J. Marcum, 7he Angolan revolution: vol. 1, lhe anatomy of an explosion, (1950-1962), Cambridge: Massachusetts Institute of Teehnology Press, 1969, pp. 196-197; para a agudização da luta nas sisaleiras, ver D. Bolton, 'Unionisation and employer strategy: the Tanganyika sisal industry, 1958-1964', in P.C.W. Gutkind, R. Cohen, e J. Copans, [coord]. African labor history, Beverly Hills/Londres: SAGE Publications, 1978, pp. 175-204; sobre MANU, ver ponto 7 em diante. 39. Head, op. cit., pp. 346, 352; J. Head, 'Opressão colonial e formas de luta dos trabalhadores: o caso da Sena Sugar Estates', Não Vamos Esquecer, 2/3 (Dezembro 1983), p. 41. 40. AHM, FNI, Cx. s.n., Agência da Curadoria dos Indígenas da Circunscrição de Magude [daqui em diante ACMI, 1954, fis. 2-6, 19-21, 25-26. 41. Ibid., fis. 2930. 252 A Contestaçdo da Situação Colonial, 1945-1961 42. Ibid., fis. 31. Além disso, há notícias de greves na plantação de açúcar de Xinavane em 1947 e 1949 e, possivelmente, em 1952 [Munslow, op.cit., p. 72; Friedland, op.cit., p. 161. 43. AHM, FNI, Cx. s.n., Corpo da Polícia Civil, Serviços de Segurança [daqui em diante CPC/SS], Proposta no. 129, 9.9.1947, 1947, fis. 3-3v, 143v. 44. BO 51, 22.12.1937, P. 3245, p. 596; BO 25, 27.6.1942, P. 4768, p. 180; AHM, FNI, CPC/SS, Proposta no. 84, 8.6.1949, i. 16, del. de Angelo Barrame Júnior, 11.4.1949, i. 16; deci. de Porfírio Ventura Lourenço, 8.4.1949, i. 4; BA, 24.4. e 27.11.1948, 26.2., 5.3 e 26.3.1949; recortes destes artigos jornalisticos foram incluídos em AHM, FNI, CPCISS, Proposta no. 84. No presente estado de investigação, não se pode concluir que os artigos incentivaram directamente os trabalhadores, se bem que, por sua parte, a polícia de segurança concluísse que foram 'a causa principal" das reclamações e da greve [ibid., Relatório do encarregado dos Serviços de Segurança, i. 41v]. 45. Ibid., decl. do António de Barro Pereira, 11.4.1949, i. 9, dcl. do Angelo Barrone Junior, i. 16, decl. de M. A. Bulley, 11. 4. 1949, i. 14, decl. de Joaquim Maria Rodrigues, 10.4.1949, fi.5, Relatório do encarregado dos Serviços de Segurança, 13.5.1949, is. 41-43, parecer de A. Montanha, 31.5.1949; Proposta de 8.6.1949 (A. Montanha); despacho do Governador-Geral, 9.6.1949; informação de 2.11.1949, is. 45-48v; Notícias, 9.4.1949. 46. AIM, FNI, Cx. 119, Circunscrição do Maputo (daqui em diante CM), Processo de averiguações aos acontecimentos ocorridos na pedreira dos Caminhos de Ferro situada em Goba, 23.9. 1954, Relatório do Administrador, fi.180; Relatório da Repartição Técnica da Indústria e Geologia), is. 229-230; Relatório da Inspecção dos Serviços de Assistência aos Trabalhadores Indígenas, fl.233-234; Despacho do Governador-Geral, i. 212. 47. Ibid., Relatório do Administrador, i. 183. 48. Ibid., is. 185-187, 190-196; declarações de Candir e Majaule Zendiquia Nhanombe Pamuane, is. 29v, 33v.; declarações de Majaule Zendiquia Nhanombe Pamuane e Penicelo Notiço Guambe Joaquim, is. 32-39. 49. Ibid., Relatório do Administrador, fis. 190-196, 207; Despacho do GovernadorGeral, li. 212v. 50. AHM, FNI, CPC/SS, 1947, li. 143; 1949, fis. 10, 41v.; ACM, 1954, is. 29-30; Cx. 119, CM, 1954, i. 202. 51. Mondane, op.cit., (1977), p. 109. 52. Ibid., p.110; Quissico é a sede do distrito de Zavala, (a onde os refractores foram levados para punição). 53. Ver Tempo, 505, 15.5.1980, p. 55. 54. E.A. Alpers, 'The role of culture in the liberation of Mozambique', Ufahamu, vol. XII(3) 1983, pp. 155-163; Vail e White, op.cit., pp. 340-347. 55. G. Liesegang, 'Ngoma ya hosi Ngungunyane', in W.J.G. Mohlig, F. Rottland e B. Heine, (coord.), Zur Sprachgeschichte und Ethnohistórie in Afrika. Neue 253 2«pítulo 5 Bertrage afr'ilanistischer Forschungen, Berlim: Dietrich Reine, 1977, pp. 103-126. 56. SR 1, p. 97. 57. SR III, p. 45. 58. Mondlane, op. cit., (1977), p. 109; informações sobre as gravações fornecidas por Dr. G. Liesegang. 59. Ver A. Lobo, 'Noémia de Sousa, notas para uma proposta de leitura', Limani, 2, Maio de 1987, pp. 85-97. Ainda na literatura poética deste género podemos incluir uma obra de um pastor da Missão Metodista Episcopal Americana, Elias Saúte Mucambe, intitulada 'Seu Negro' e escrita, presumivelmente, nos fins dos anos 40 ou princípios dos 50. Trata-se de um poema. de protesto contra as humilhações raciais e denúncia à exploração a que o negro estava sujeito na sua pr6pria terra por estrangeiros. 60. N.p., dactilógrafado, 27.5.1949: matéria gentilmente fornecida por Fátima Mendonça. 61. Alpers, op. cit., pp. 168-171; R. G. Hamilton, Literatura africana. Literatura necessária, 2 volumes, Lisboa: Edições 70, 1984, II, p. 52. 62. J. Craveirinha, Xigubo, Maputo: INLD, 1980, pp. 63-64. Note-se que a partir dos meados da década de 1970, a indústria mineira sofreu reformas organizacionais e salariais que tomaram migração mais rentável e segura: ver UEM/CEA, O mineiro moçambicano, Maputo: mimeo, reedição, 1979, pp. 36-41. 63. F. Mendonça, 'O conceito de nação em José Craveirinha, Rui Knopfli, e Sérgio Vieira', Paris: mimeo, 1985; sublinhado nosso. Ver o poema Chamamento em Xigubo, p. 58. 64. Ibid., p. 18. 65. M. Ferreira, Literaturas africanas de expressão portuguesa, 2 volumes, Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa, 1977, II, pp. 99-100; Hamilton, op. cit., II: 45-50; Luís Bernardo Honwana, Nós matámos o cão tinhoso, Maputo: INLD, 1980 (2a edição); Anibal Aleluia, Mbelele e outros contos, Maputo: Associação de Escritores de Moçambique, 1988. 66. Alpers, op. cit., p. 168. 67. Ver R. Duarte, Escultura Maconde, Maputo: UEM, Núcleo Editorial/Departamento de Arqueologia e Antropologia, 1988, pp. 43-47. 68. Ver Entrevista conduzida por Arlindo Lopes, 'Bertina Lopes: Sinto nostalgia da minha terra', Tempo, 564, 2.8.1981, pp. 50-54. 69. Alpers, op. cit., p. 173. 70. Ver Mondíane, op. cit., pp. 114-120. 71. J. Iliffe, A modern history of Tanganyika, Cambridge University Press, 1979, pp. 292, 294, 464-466, 523; H. W. Stephens, The political transformation of Tanganyika: 1920-1967, New York: Praeger, 1968, p. 143; A. Coulson, Tanzania: A polítical economy, Oxford: Clarendon Press, 1982, pp. 115-116. 72. Cornélio João Mandanda, entrevistado Brigada do DH, UEM, Mueda, 254 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 30.7.1979; idem., entrevista publicada em Domingo, 28.10.1984, pp. 8-9; Y.Adam e A.M.Gentili, 'O movimento dos Liguilaniu no planalto de Mueda, 1957-1962', Etudos Moçambicanos, 4, 1983, p. 57; A. M. Gentili, 'Suil origini rurali dei nazionalismo mozambicano', Rivista di Storia Contemporanea, (Torino) 1 (1984), pp. 108-109. 73. Bravo, op. cit., p. 145; M.G. Beatriz, 'A classificação e os preços do algodãocaroço em Moçambique de 1930 a 1962', Gazeta do Agricultor, vol. 14, no. 189 (Dezembro, 1962), p. 360; A. Isaacman, 'The Mozambique cotton cooperative: the creation of a grassroots alternative to forced commodity production', African Studies Review, 25(2/3) 1982, p. 7, citando Arquivo do Instituto de Algodão, JEAC, 901, 'Planos de trabalho 1958', Gastão de MelUo Furtado, Chefe de Delegação ao sub-delegado JEAC, 14.7.1958; não se pode confirmar a informação apresentada por Isaacman (1982), p. 11, de que SAGAL negociou um preço especial para o algodão da SAAVM. Como Mandanda relatou, o rendimento de um saco (de 50 quilos) foi 150 escudos, o que corresponde ao preço normal de 3 escudos por quilo da 1a qualidade: ver Beatriz, op. cit., p. 360. 74. lonas Nakutepa, Ernesto Lacuana, Nkangala Lauka, Jose Napome e Jose Gregório, entrevistados Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia comunal Miculela, 31.7.1979; Tanga Karinga Tangadica, Ernesto Vandaya Namakomba, Jonasse Bacar Tombo, e Mponde Kamanga Camela entrevistados Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia comunal Imbuhu, 31.7.1979; Entrevista, Mandanda, (1984). 75. Idem. 76. Anon. 'Islam in Mozambique (East Africa)', Islamic Literature, vol.15 (September 1969), p. 552; J. Dias, M. V. Guerreiro, 'Missão de estudos das minorias étnicas do ultramar português: relatório da campanha de 1958 (Moçambique e Angola)', Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1959, p.13. Com as informações presentemente disponíveis, não se pode necessariamente concluir, embora seja provável, que a expansão de tais seitas constituiu parte integral da reacção popular anti-colonial. 77. BO 51, 17.12.1955, p. 763, Decreto-lei 40:405, 24.11.1955, preambulo. 78. Entrevistas, Mandanda (1979, 1984). 79. Entrevistas, Niquaria, Nakutepa et ai, Tangadica et aí, (1979), Mandanda (1984); Daime Magaga Mbela, Kudeba Nchamade Otinga, e Mangane Nkula NQuénia, entrevistados Brigada do DH, UEM, Chai (Macomia), 30.7.1979; Afonso, Taele Capembe, Jacinto Baquile, e Matias Alguime, entrevistados Brigada do DH, UEM, Mapupulo, Montepuez, 21.7.1979. 80. Dias et ai, op. cit., p. 10. 81. Entrevistas, Mandanda (1979, 1984), Tangadica et ai, (1979); Adam e Gentili, op. cit., p. 59; Gentili, op. cit., pp. 99-100; Dias, op. cit., p. 9; as entrevistas e trabalhos até agora feitas não mostram com a devida precisão como se 255 Capítulo 5 localizavam os terrenos, quem autorizou, etc. 82. Bravo, op. cit., p. 145; a média para os anos 1950-1956 foi 300,5 toneladas. 83. Entrevista, Mandanda, (1979). 84. Gentili, op. cit., p. 107, citando Administração da Circunscrição dos Macondes, 19.12.1958. Um testemunho indica que Nkavandame não era sempre superior a prática colonial de não pagar quem produzia o algodão: ver as palavras de Issai Kilama, na entrevista com Cocote Zimu et al, (1979), em relação a experiência do seu pai: "veio o Lázaro e levou os seus sacos dizendo que traria o dinheiro, mas nunca trouxe". 85. Entrevista, Tangadica et aí, (1979); Bravo, op. cit., p. 145. 86. Entrevista, Mandanda, (1979); Justíno Joao Bonifacio, entrevistado Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia Nambula, 12.8.1979.; Gentili, op. cit., pp. 109-110. 87. Entrevistas, Nakutepa, et ai, (1979), Mandanda (1984); testemunho de Alberto Chipande em Mondíane, op. cit., (1977), pp. 145; Gentili, op. cit., p. 110. O massacre de Mueda, no ano seguinte, provocou o colapso final da sociedade. 88. Segundo Friedland, entre' estas organizações destacam-se a Comissão Organizadora para a Independência de Moçambique, o Movimento Popular de Libertação de Moçambique, (Mocímboa da Praia), o *Movimento Democrático Africano de Moçambique (Vila Pery, hoje Chimoio), a União Progressiva de Moçambique (Manica e Sofala), o partido Socialista Católico (Inhambane), e o Movimento Nacional de Moçambique, na Zambézia; op. cit., p. 149. 89. Notícias, 28.2. e 2.3.1962; J. M. Khamba, 'History of national liberation struggle in Mozambique', (sic), n.p., s.d., p. D19; Marcum op. cit., p. 197. 90. Khamba, op. cit., D9-12. 91. 'The Constitution of the U nion', in J. Dias, M. V. Guerreiro, e M. Dias, 'Missão de estudos das minorias étnicas do ultramar português: relatório da campanha de 1959 (Moçambique, Angola, Tanganhica e União Sul Africana)', Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1960 [n.p.], p. 53 (tradução nossa); ver também J. da Costa Freitas, 'Movimentos subversivos contra Moçambique', in Moçambique: curso de extensão universitária, ano lectivo de 1964-1965, Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, 1965. pp. 322-323. 92. Ver F.M. Chambino, 'Subversão em Cabo Delgado. Contribuição para o seu estudo', Dissertação para o acto de Licenciatura, Universidade Técnica de Lisboa, 1968, pp. 449-450. 93. Testemunho de Alberto Chipande in Mondíane, op. cit., (1977), pp. 125-126; entrevista, Mandanda, (1979); ver, também, 'Mauvilo a ku Mweda. Sobreviventes e participantes históriam massacre', Tempo, no. 350, 19.6.1977, pp. 42-49. 94. Ibid; Mondlane, op. cit., (1977),p. 126; cp. o massacre de Pidjiguiti em Guiné, de 3.8.1959 95. Ver, inter alia, Marcum, op. cit., pp. 140-180. 96. Mondíane, op. cit., (1977), pp. 127. 256 A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 97. Gwambe, in Chilcote, op. cit., p. 425-426; Khamba, op. cit., p. D18-19; Notícias (Lourenço Marques), 28.2. e 2.3.1962. 98. Citado em B. Davidson, In the eye of the siorm. Angola's people, Londres: Longrnan, 1972, pp. 178-179. 99. Casimiro, op. cit., p. 9, citando entrevista com Luís Bernardo Honwana, 4.9.1979; AHM, Livro das Actas do Núcleo dos Estudantes de Moçambique; Teresa Cruz e Silva, comunicação pessoal. 100. AHM, NESAM, Actas; Munslow, op. cit., p. 69. 101. AHM, NESAM, Actas, 2.12.1961. 102. MondIane, op. cit., p. 121. 103. Semiiário sobre as origens da luta armada, UEM, Maputo, 21 e 23.6.1982. 104. Ver nota 83; Friedland, op. cit., p. 149; Marcum, op. cit., p. 197; SeminarioUEM, (1982); Marcum, op. cit., pp. 196-198. 105. Ibid., pp. 196-197, 311. 106. 'Reunião de consulta e estudo para o desenvolvimento da luta contra o colonialismo português', Paris, 15 a 18 de Novembro de 1957, reproduzido em UEM/CEA, Ideologias da libertação nacional, Maputo: mimeo, 1985; Marcum, op. cit., pp. 193-194; Chabal, op. cit., p. 86. 107. Idem; Marcum, op. cit., p. 43. 108. 'A Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) - Casablanca de 18 a 20 de Abril de 1961. Déclaration g6nérale', in UEM/CEA, op. cit; Marcum, op. cit., pp. 160-161; Chabal, op. cit., p. 208. 109. Testimony, Gwambe (1.6.1962), citado em Friedland, op. cit., p. 166. 257 259 Principais Fontes Consultadas PLANO: 1. ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS 2. DOCUMENTOS NÃO PUBLICADOS 3. DOCUMENTOS PUBLICADOS 4. TESES E ARTIGOS NÃO PUBLICADOS 5. JORNAIS 6. LIVROS E ARTIGOS SOBRE MOÇAMBIQUE 7. BIBLIOGRAFIA GERAL 1. ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS [As entrevistas e depoimentos não publicados encontram-se no Núcleo de Documentação do Centro de Estudos Africanos e no Arquivo Histórico de Moçambique, da Universidade Eduardo MondIanel Justino João Bonifácio, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia Nambula, 12.8.1979 [CEAI. Taele Capembe, Jacinto Baquile, e Matias Alguime, entrevistados pela Brigada de Hist6ria do Curso de Letras, Actividades de Julho 1979, Universidade Eduardo MondIane, (Allen Isaacman, Agostinho Pililão, Eugénio Macamo, Principais Fontes Consultadas Maria João Homem, Michael Stephen e Yussuf Adam)[daqui em diante Brigada do DH, UEMI, Mapupulo Montepuez, 21.7.1979 [CEAI. Mahawani Khosa, entrevistado por Alpheus Manghezi e Salomão Zandamela, Guijane, Gaza 17. 2. 1979 [CEAI. Samora Machel, entrevistado por John Saul, 1974 [CEAI. Albino Maheche, entrevista orientada por Gerhard Liesegang, Maputo 4.10.1981 [AHM]. Gabriel Makave e Abner Ngwenya, entrevistado por Alpheus Manghezi, Guijane, Gaza, 16.2.1979 [CEAI. Cornélio João Mandande, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Mueda, 30.7.1979 [CEA]. Cornélio João Mandanda, entrevista publicada em Domingo, 28.10.1984, pp. 8-9. 'Mauvilo a ku Mweda. Sobreviventes e participantes historiam massacre', Tempo, no. 350, 19.6.1977, pp. 42-49. Daime Magaga Mbela, Kudeba Nchamade Otinga, e Mangane Nkula Nquenia, entrevistados pela Brigada do DH, UEM, Chai (Macomia), 30.7.1979 [CEAJ. Jonas Nakutepa, Ernesto Lacuana, Nkangala Lauka, José Napome e José Gregório, entrevistados pela Brigada do DH, UEM, Mueda, Aldeia comunal Miculela, 31.7.1979 [CEAI. Abner Ngwenya, entrevistado por Alpheus Manghezi, Ximbongweni, Gaza, 15/18.5.1980 [CEAI. Eugénio Niquaria, entrevistado pela Brigada do DH, UEM, Montepuez, 24.7.1979 [CEAI. 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Mouzinho de 10, 15, 72 Aleluia, Anibal 254 Algodão 4, 229 agricultores pr6speros, cooperativas 107, 189-191, 232-237 companhias 29, 85, ~133, 148, 211, 233-234, 236, 237 descaroçamento 27, 29, 90, 108., 170 empobrecimento, fomes 153-156 131, estado, concentrações,concessões, cultura obrigat6ria 28-29, 35, 41, 43, 49-50, 83-84, 88-93, 130-135, 148-150, 209, 234 Fundo de Algodão 133, 136, 189,213 Junta de Exportação de Algodão Colonial (JEAC) 84, 89, 93, 112, 131-132, 153, 191-192, 252, 255 força de trabalho rural 95-97, 138, 140, 142, 145 indústria 168-170, 172 machambas colectivas 50-51, 104 missões católicas 48, 119 preços 36, 38, 43, 89, 92, 103104, 136 produção, rendimento, exportações 38, 56, 102-108, 135-137, 148, 151 produtividade 27-28, 92, 111, 130, 136-138, 233 propaganda 73, 89, 99 resistência 51, 91, 111-114, 210, 213 ver: Comércio rural Aliança do Congresso 249 Alto Changane 138 Amaramba 151 Amendoim 4, 36, 38, 50-52, 105, 106, 142, 148, 153-156, 168 American Board for Foreign Missions (Junta Americana para Missões no Estrangeiro) 15-16 ANC ver: African National Congress Andrade, A. Freire de 15 Andrade, Mário de 209. Angola 69, 243 Ang6nia 243 Apartheid 201, 249 Argélia 248 Arroz 56, 59, 93, 95-97, 107, 119, 142, 149-150, 155, 209, 212 Assimilação 68, 177, 183, 198, 208, 225 277 assimilados 121, 182, 226-227 associações 62-67, 71, 74, 173, 208 educação 176, 181 Estatuto dos Indígenas Portugueses 183 ideologia 15, 122-123, 182 ocupações 13 pol'tica colonial 68, 70, 115, 182, 190 sindicatos 173-174 Associação Africana de Lourenço Marques 81, 116, 202 ver: Grémio Africano de Lourenço Marques Associação Africana de Quelimane 202 Associação do Trabalho Geral da Beira 61 Associação dos Alfaiates 188 Associação dos Barbeiro 188 Associação dos Carpinteiros 188 Associação dos Criados de Mesa 188 Associação dos Empregados do Comércio e da Indústria 101; ver: Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria Associação dos Lavadores 188 Associação dos Naturais da Colónia de Moçambique 70, 244 Associação dos Negociantes Indígenas 188 Associação dos Pintores 188 Associação dos Sapateiros 188 Associaç4o Moçambicana da África Oriental 240 Associação Mútua dos Engraxadores de Lourenço Marques 187 Associação Portuguesa da África Oriental 240 Associações, cooperativas 189-191 Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique 233-234, 238 políticas: Associação Africana de Lourenço Marques 81, 116, 202 Associação dos Naturais da Co16nia de Moçambique 70, 244 Associação Moçambicana da África Oriental 240 Grémio Africano de Lourenço Marques (Associação Africana de Lourenço Marques) 21, 23, 63-69, 73, 75, 81, 116-202 Grémio Africano de Manica e Sofala (Centro Africano da Beira) 65 Grémio Africano de Quelimane (Associação Africana de Quelimane) 65 Grémio Luso-Africano da Ilha de Moçambique (Liga LusoAfricana da Ilha de Moçambique) 65 Grémio Negrófilo de Manica e Sofala (Núcleo Negrófilo' de Manica e Sofala) 6970, 205207 Instituto Negrófilo (Centro Associativo dos Negros) 63, 67-72, 75-76, 81- 82, 116, 197, 202-203, 244 Mozambique East African Association 240 Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) 203-205, 209, 243245, 250, 257 Portuguese East Africa Association (Associação Portuguesa da África Oriental) 243, 245 União dos Negros Lusitanos 278 76-77 profissionais 187-188 Associação dos Alfaiates 188 Associação dos Barbeiros 188 Associação dos Carpinteiros 188 Associação dos Criados de Mesa 188 Associação dos Lavadores 188 Associação dos Negociantes Indígenas 188 Associação dos Pintores 188 Associação dos Sapateiros 188 Associação Mútua dos Engraxadores de Lourenço Marques 187 Azikiwe, Namdi 205 B Banco de Importações e Exportações 164 Banco Nacional Ultramarino 34, 110, 172 Banco Português do Atlântico 172 Banjas 184-185, 212-213 barreiras raciais, ver: Discriminação racial Barué revolta 17 trabalhadores 23 Batata 107 Beira associações 64-65, 69, 116, 205207 caminho de ferro 6, 40, 46, 162 construção urbana 171 energia eléctrica 161 ensino secundário 176 greves 26, 28-29, 55-58 indústria 169, 171 leis de passe 99, 202 porto 6, 40, 46, 56-57, 109, 162 serviços 171 Soares de Resende, Bispo da 177, 178 trabalhadores 6, 24, 26, 56-58, 99,210 Beirão, Raposo 202 Bemfica, Francisco 63 Berlim (Conferência de) 1 Bettencourt, J.T. (Governador-Geral, 1940-1946) 86-87, 91-92, 95, 97, 98, 106, 125 Bilene 138 Birmânia 114, 199 Boane 218-219 Borracha 4 O Brado Africano 21,22, 25, 60-65, 67, 71-77, 81, 117, 216, 220, 225, 230 Bulawayo 240, 245 Buzi 70, 172, 211 rio 3 C Cabo Delgado algodão 38, 85, 90, 102, 111, 133, 233-238 colonialismo português 49-50 comércio rural 4 Companhia do Niassa 1, 24 despovoamento 51, 111 Megama 184-186 Mozambique African National Union (MANU) 214, 246-247, 249 produção camponesa 4, 38 reçrutamento 139 salários 144 sisaleiras 3, 51 Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique 279 (SAAVM) 191, 233-238, 241 trabalhadores (Tanganhica) 159 Cabral, Amiflcar 208, 246, 251 Caderneta de identificação 96, 100 Café 232 Caia 36 Cajd 4, 36, 38, 50, 54-55, 79, 113114, 142p 147, 159, 168, 172, 184-189 Carnal, Abdul 184-185 Câmara de Minas 158 Câmara Muncipal de Lourenço Marques 14 Caminhos de ferro 7, 157, 161, 163164, 210 Beira 6, 46, 162 Goba 218 Limpopo 163-164, 171, 213 Lourenço Marques, 6, 25, 163, 171,215 Norte (Moçambique) 52, 141 Tete 45, 109, 162 Campesinato 22, 26, 30, 50 algodão 43, 50, 89, 103-104, 109 consumo 2, 10, 151 empobrecimento de 105-106, 130-131, 155-156 estratificação 106-108 expulsão de 119, 165, 189 fugas de 24, 130 impostos 52 política colonial 30, 41, 43, 92 produção 2, 5, 10, 27-28, 155156 rendimento 103-106, 142, 151152 reprodução social 4-6, 9, 131, 152-153, 186 Campos, A. Sobral de 202 Canções de trabalho 149, 222-224, 226 Cape Town 238 Capital acumulação colonial 6, 9, 14, 152, 163, 232 de camponeses 4, 189, 238 inglesa 26 na base de produção familiar 6, 9, 148, 186 política colonial 28, 45-46, 8485 portuguesa 2, 26, 41, 85, 161, 171 colonial 108 comercial 14 escassez 15, 139-140 português 2, 7 financeiro 172 indústrial 169-171 infra-estrutura rural 136 inglês 27, 30 na agricultura 56, 145, 186 algodão 28, 85 chá 37 nacionalização (portuguesa) 8586, 162 não português 2, 41, 45-46, 86 política colonial 41 português 41, 86, 129 concentração 171-172 expansão em Moçambique 161162, 171 relação capital-trabalho 11, 53, 140, 148, 174-175, 209 territórios vizinhos 3, 26, 157159 Carmona, A. O. de Fragoso 68 Carta Orgânica do-lmpério Colonial Português 42 Carteira profissional 174 Casa dos Estudantes do Império 208 Casa dos Trabalhadores 25 Casablanca 248 280 Ceilio 199 Censura 61, 224 Centro Africano da Beira (Grémio Africano de Manica e Sofala) 65, 116 Centro Associativo dos Negros 63, 116, 202-203, 212, 244 Centro de Estudos Africanos (Lisboa) 208-209 Centro de Investigação Científica (CICA) 132 Cesaire, Aimé 238 Chá 3, 37-38, 93-95, 142, 147, 150, 158, 167-168, 229 Chagonga, Baltazar 246 Chama Chama Mapinduzi 232 Changalane 218-219 Checoslováquia 200 Chemb.a 90, 107, 124 Cheringoma 103 Chibalo 59, 73, 119, 210, 213, 218 ver:- Trabalho forçado Chibuto 50, 138, 190, 211 Chicamba Real 161 Chicualacuala 171 Chicusse, Zinthambira 243 Chidenguel 218 Chimoio (ver: Vila Pery) 4, 169, 175 Chipande, Alberto 233, 256 Chissano, Joaquim 244 Chissano, Martha 148 Chiteve 206 Chiúre 185 Chope 222 Citrinos 4 Código de Trabalho dos Indígenas 31 Colonatos 166, 165-167, 189. Limpopo 166-167, 188-189, 213 Nova Madeira 167 Revué 166 Sussundenga 166 Colonialismo português 3, 10, 2223, 35, 53, 86, 122-123, 129, 208-209, 220, 221, 227, 235, 242, 246, 248, 257 Colonos 12, 19, 21, 67-68, 70, 86, 186, 222 fixação 30, 41, 74, 140, 152, 162, 164-168, 171, 189, 208 imigração 13, 172-173 machambas 4, 10, 39 machambeiros 10, 26-28, 30 ocupação de terras 103, 165, 197, 213 política colonial 26-28, 30, 41, 74, 86, 140, 152, 162, 189, 208 população 165 proprietários 54 supervisores 5, 74 ver: Colonatos Comércio 8, 13, 37, 49, 57, 84, 114, 173, 189, 206, 232-233 comércio externo exportações 3, 4-5, 7, 38-39, 43-44, 56, 102-103, 146-147, 164 importações 7, 30, 41-44, 56, 84-85, 108, 110, 124, 152, 156, 161, 164 relações económicas externas 7-8, 29, 35, 152, 168 Portugal 2, 7, 42-44, 85, 92, 152, 161, 171-172 comércio rural 2, 4, 6, 9, 14, 24, 107, 151-152, 172. Comissão de Censura 61 Comissariado da Polícia 100, 126 Companhia Algodoeira de Moçambique 104 Companhia Carbonifera de Moçambique 162 Companhia Colonial do Buzi 72, 172 281 Companhia da Zambézia 37, 91, 112 Companhia de Cimentos de Moçambique 110 Companhia de Comércio de Moçambique 4 Companhia de Lugela 37 Companhia de Moçambique 1, 26, 28, 46, 57-58, 69-70, 77-78, 86, 162, 171 Companhia do Boror 36 Companhia do Niassa 1, 24, 29, 50 Companhia dos Algodões de Moçambique 85, 104, 133 Companhia Industrial Portuguesa 168 Companhia Luso-Belga (Companhia Industrial Portuguesa) 168' Companhia União Fabril (CUF) 171172 Companhias majestáticas 1, 2 Comunismo 77, 220 Concentrações algodoeiras, ver: Algodão Concessões algodoeiras, ver: Algodão Concordoia 118-119, 123, 127 Conferência de Berlim 1 Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), 247-248, 257 Conferência Imperial 41 Congo 242 Congresso Comercial 43 Congresso Nacional Africano 22 Congresso PanAfricano, V 19, 199 Conquista militar (1886-1918) 1 Gaza 2 Maputo 2 Nampula 2 Zambézia 2 Conselho Cristão de Moçambique 203 Conselho de Segurança Pública 205 Contestação cultural 20, 221, 231 Contribuição braçal 95, 143 Convenção do Povo de Moçambique 240, 242-243 Cooperativa dos Criadores de Gado 108 Cooperativa dos Pescadores do Govuro 190 Cooperativas agrícolas 188-190, 195 algodoeiras 190, 235 Copra 4, 36, 38, 54, 93, 142, 147, 168 Coqueiros 3 Costa do Ouro, ver: Gana Craveirinha, José, 117, 223, 226, 228-229, 231, 254 Crise económica mundial 35-37, 53, 56, 61 Cuamba 52 Cuarezi (rio) 112 D Dar es Salaam 241, 246, 248 Delagoa Bay Agency 25, 216 Delagoa Bay Development Co. 25 Demografia, ver: População Derre 138 Diário de Moçwnbique 177 Dias, Cacilda 116 Dias, Estácio 62-64, 77, 116 Dias, João 116, 228-229 Dicca, F. 68 Diocese da Beira 177 Direcção de Administração Civil 205 Direcção dos Negócios Indígenas, ver: Secretaria dos Negócios Indígenas Direcção dos Serviços dos Portos; Caminhos de Ferro Transportes 217 284 11 (1939-1945) 42, 84, 93, 95, 108, 114, 131, 138, 157, 161, 164, 168, 173, 191, "197-200, 221,224 Guijá 50, 138, 166, 194, 252 Guijane 212 Guiné 247, 256 Guru4 37, 94 Gwambe, Adelino 245 H Harare ver: Salisbúria HIomani 212 Honwana, Luís Bernardo 254, 257 Húngria 200 Hunguana, Augusto 244 229,244, i Ibo 49 Igreja Anglicana 16 Igreja Católica 16, 21, 47-48, 86, 117-120, 123, 176, 178, 180, 221 4cordo Missionário 118, 123 Concordata 118-119, 123 cultivo de algodão 48, 119 Estatuto das Missões Católicas Portuguesas 47-48 Estatuto Missionário 118-119 Igreja Episcopal Luso-Africano. de Moçambique 19, 20 Igreja Etiópica Luso-Africana 224 Igreja Evangélica 205 Igreja Luz Episcopal 124, 207 Igreja Metodista Episcopal Americana 16, 19, 69 Igreja Nacional Etiópica Moçambicana 20 Igreja Shembita (ou Nazarita) 224 Igreja Wesleyana 19 Igrejas protestantes 15, 18, 23, 48, 118, 123-124, 178, 206, 220 Igrejas 'separatistas'/etiópicas 18-20, 123, 179 Ile 154 Ilha de Moçambique 4, 8, 54, 65 Ilunga, Agostinho 240, 243 Imbuhu 233,236 Impincazamo 72 Importações, ver: Comércio externo Impostos 5, 9, 40, 49-50, 52, 55, 97, 99, 105-106, 119, 137, 140, 151, 152, 155, 157-158, 220, 223,240 imposto de capitação 97, 99, 116 imposto de palhota 2, 4, 8, 24, 55, 57, 73, 78, 80, 1.13 imposto de recrutamento 6 Inchope 86 Incomati (rio) 3 índia 7, 152, 168, 199 Indigenato 12, 183, 188 Indústria 8, 44-45, 84, 100, 108110, 129, 151-152, 167173, 175, 176 alimentar 169-170 açucar 3, 171-172, 214 cajú 168 cereais 171 6leos 6, 168, 171 óleos alimentares 168 pesca 170 extractiva 170 carvão 109, 162 química gaz 170 petr6leo 170 transformadora 6, 169-172 águas 170 alcool 170 algodão 168 bebidas 170 285 cerveja 6, 110 refrigerantes 6, 110 borracha 110 calçado 170 cigarros 6, 110, 168 cimento 6, 110, 169, 170, 172, 176 coiro e peles 169 construção e obras públicas 170 copra 168 electricidade 170 fiação e tecelagem de juta 169 gelo 6 madeiras 168, 170-171 material eléctrico 169 metálicas 170 moagem 6, 110, 169 mobiliário 110, 169 reparação de máquinas 169 reparação de veículos 170 sabão 6, 110 sisal 156, 159, 213, 235 soldadura 169 têxtil 3-5, 27, 29, 43-45, 83, 104, 108, 110, 130, 169, 170, 172, 175 veículos 169 verniz 110 vestuário 169, 170 vidro 172 produção e investimento de capital 170-172 protecção 41-44, 171 Inhambane administração 2, 40 agricultores pr6speros 189 agricultura 4 algodão 27, 73, 138 associações 64 comércio rural 4 demografia 8 igrejas protestantes 124 missões protestantes 16, 19 terras (concessões) 27 trabalhadores (recrutamento) 23 Inglaterra ver: Grí-Bretanha Inharrime 218 Inkomati Sugar Estates 214 Instituto da Namaacha 64 Instituto Nacional das Missões 16 Instituto Negr6filo (Centro Associativo dos Negros) 63, 67-72, 75, 76, 81-82, 116, 197, 203 Itália 75, 152, 199 Itinerário 117. 2"" luluti 155 3 Japão 152 JEAC (Junta de Exportaçou de Algodão Colonial) ver: Algodão Joanesburgo 203 Junqueiro, M.S. 37 Junta Americana para Missões no Estrangeiro (American Board for Foreign Missions) 15-16 Junta de Exportação de Algodão Colonial (JEAC) ver: Algodão K Kalungano 229 Katsande, P. 240 Kenya Africa National Union (KANU) 249 Khambe, Jaime 240 L Langa, Alberto 225 Legislação do Trabalho, ver: Trabalho Lei da Imprensa 62 288 Meloco 112 Memba 49, 51-52, 154 Mendes, João 202 Menjane, Diniz 240, 243 Messumba (missão) 16, 123 Mestiços 13, 64 Mfx~e-mfuxe 212 Mikindani (missão de) 241 Milange 37, 125, 150, 156 Milho 4, 36, 38, 52, 57, 106-107, 110, 148, 154-156 Millinga, L. M. 213 Missão Episcopal Americana 69 Missão Suiça 16, 182, 203 Missões 15-20, 22, 32, 47-48, 116, 123, 178, 180-181 católicas 16, 118-121, 1769 233234 protestantes 16-18, 22, 32, 48, 176, 178, 180, 182 MJDM (Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos) 202 Moatize 45-46, 109, 162 Mocfmboa da'Praia 49, 235, 256 Mocuba 138 Mocubela 138 Mocumbi, Pascoal 244 Mogincual 54, 112 Mogovolas 103-104, 153-155, 184, 192, 211, 213, 252 Moma 155 Mombaça 246 Monapo 112-113, 168 Mondane, Eduardo 182, 192, 203205, 208-209, 244-245, 250-251, 253-254, 256, 257 Monteiro e Giro 172 Montepuez 51-52, 79, 112, 165, 211,252, 255' Mopeia 36, 214 Morrumbala 138, 156 Morrumbene 218 Mossuril 53-55, 80, 103, 112-114 Mossurize 69 Motim ver: Luta de camponesa e trabalhadores Movimento Anti-Colonialista (MAC) 247 Movimento Associativo 20, 22, 6162, 64, 66, 71, 74, 76, 81-82, 114, 127, 197, 202, 250 ver. Associações Movimento Democrático Africano de Moçambique 245, 256 Movimento de Unidade Democrática (MUD) 199, 202 Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos (MJDM) 202 Movimento Juvenil 202-205 Movimento Nacional de Moçambique 245, 256 Movimento Pan-Africano para a Libertação da África Oriental e Central (PAFMECA) 246 Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) 208-209 Moyana, Gabriel 240 Mozambique African National Union (MANU) 214,246-247,249,252 Mozambique East African Association 240 Mpanga 235 MPLA (Movimento Popular de Libertaçio de Angola) 208-209 Msaho 222 Msalio 230 Mtwara 233 MUD (Movimento de Unidade Democrática) 199, 202 Mueda 191, 211, 232-233, 236, 23t.., 241 massacre de 145, 198, 241, 247 Mugeba 138 Mulevala 112 289 Murrupula 150, 155, 179 Museu de Nampula 230 Mussoco 2, 24 Muta-hanu 54, 112 Mutarara 46, 91 Muthemba, Josina 244 N Nacala 154 Nacionalismo 114, 165 económico (português) 35, 42, 46, 50, 86, 171 Nairobi 156 Namapa 154 Namepuita 211 Nametil 89 Namimba, João 233 Nampula administração 1-2 algodão 27-28, 38, 53, 55, 85, 89-90, 102-103, 133, 137, 138, 150 cajú 38, 54-55 comércio rural 4, 151 demografia 8, 156 despovoamento 156, 213 empobrecimento 156 Igreja Católica 16, 179 indústria ligeira 169 Museu 230 Muta-hanu (revolta) 112-114 salários 144 sisaleiras 3, 51-52, 144 trabalhadores (Tanganhica) 159 Namuli 37 langololo 233, 235 Navess, Tizora 16 Ndota 218 Negócios Indígenas (Direcção) 25, 60, 67-68, 187, 203, 216-217 NESAM (Núcleo de Estudantes Se- cundários de Moçambique) 203205, 209, 243-245, 250, 257 Netia 154 Neto, Agostinho 208 Ngungunhane 17, 19, 72-73, 224 Ngwenya, Malangatana 231 Nhantumbo, Tomás 240, 243 Niassa algodão 85 colonatos 167 colonialismo português 50 comércio rural 151 Companhia do Niassa 1, 29 despovoamento 24 Mataka (chefe) 185 missões protestantes 16, 123 recrutamento 139 salários 145 Niassalândia 3, 24. 40, 46, 50, 110, 156, 163, 201, 238-239, 246 Nigéria 238 Niquaria 211, 252, 255 Nkavandame, Lázaro 233, 235, 238 Nkrumah, Kwame 114, 205, 238, 246 Nkuna, Eduardo 212 Nogar, Rui 231 Nogueira, Franco 118 Noronha, Rui de 7274, 82 Nós matámos o cão tinhoso 229 Notícias 59 Nova Madeira (colonato de) 167 Nova Mambone 190 Nqumayo, Simeão Godide 19 Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) 203-5, 209, 243-5, 250, 257 Núcleo Negr6filo de Manica e Sofala 205-207 ver: Grémio Negrófilo de Manica e Sofala Nycrere, Julius 246 286 Lemos, Virgílio de 230, 244 Leonde 213 Lbia 75 Libombo, Enoque 67 Lichinga 167 colonato 165 Liga da Juventude 203 Liga Luso-Africana da Ilha de Moçambique (Grémio Luso-Africano da Ilha de Moçambique) 65 Liga Moçambicana 65 Liguilanilu 191, 233, 236 Línguas nacionais 16, 47 Limpopo agricultores prósperos 4 caminho de ferro 163-164 colonato 165-167, 188-189, 213 ensino católico 123 irrigação 73 Lopes, Bertina 231 Lourenço Marques abastecimento 6, 13-14 administraçio 11 associações 20, 23, 63-68, 70-71, 73-77, 116-117, 202-205, 212213,243 profissionais 187 burguesia 9 caminhos de ferro 6, 40, 163, 215-217 Congresso Comercial e feira de mercadorias 43 construçio urbana -171 ensino secundário 176 greves 24, 25, 55, 59-61, 215217 indústria 169, 171 leis dç passe 11, 99-100, 202, 210 porto 6, 24, 59-61, 215-217 população 8, 17, 210 serviços 171 trabalhadores 6, 9, 56-60, 210, 224 trabalho 189 Lourenço Marques Guardian 45, 59 Luabo 36, 149 Lugella 37 Lumbo 52, 113 Lunga 54 Luta anti-colonial 246 Luta de camponeses e trabalhadores 111-113, 198, 209, 210-214, 219 deserções 140 fugas 51, 111-112, 213 greves 12 África do Sul 157, 201, 221 Beira 26, 28-29, 56-58 Lourenço Marques 25, 59-61, 215-217, 220 Rodésia do Sul 201 Xinavane 214-215, 220 motins Goba 217-220 Machanga 205-206 revoltas Guijane 212 Mossuril 112-114 Luta de libertação 245, 247 Luxemburgo 85 M Mabalane 138 MAC (Movimento Anti-Colonialista) 247 Macequece 86 Machambas familiares 3, 92, 112 Machanga 190 motim da 205-206 Machel, Samora M. 207, 243, 251 Macia 225 Maconde 213, 240-241 escultura 230 287 ocupação militar 17 Macua 213 Madender 240 Madzedzere, Philip 240 Magaia, Filipe Samuel 244 Magaiça 228 Maganja da Costa 138 Magude 211, 215 Mahec ie, Albino 150, 192, 244 Maiecuane, Francisco 225 Makave, Gabriel 212, 252 Makonde and Makua Zanzibar Union 240 Makupulani 149 Malangatana ver: Ngwenya, Malangatana Malásia 114 Malawi 163 Mali 248 Malvérnia 163 Mamana Saquina 228 Manchester 199 Mandanda, Cornélio 233234 Mandhlakazi ver: Manjacaze Mandioca 106, 153, 155-156, 159 Manhiça 178, 190 Manhune 72 Maniamba 184 Manica agricultores prósperos 107 colonatos 107 Junta Americana para Missões no Estrangeiro (Gogoi) 16 sisaleiras 3 ver: Manica e Sofala Manica e Sofala algodão 90, 103-104, 132 Companhia de Moçambique 1, 86 crise económica (1932) 56-57 estado de sítio (1926) 28 fome 106 Grémio Africano 65 Grémio Negr6filo (Núcleo Negr6filo) 69, 202, 205, 207 infraestruturas 161 salários 145 Manjacaze 111, 149, 211-212, 240 Mann George 216 Mão-de-obra ver: Trabalho MANU (Mozambique African National Union) 214, 246-247, 249, 252 Manuel, João 67 Maperre, David 16 Mapira 106-107, 153, 156 Maputo administração 1, 2 algodão 27 cooperativas 190 Escola Normal de Habilitaçio 178 Goba (motim de) 217, 219 lnkomati Sugar Estates 214 missões católicas 16 salários 144 trabalho migratório 4 UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique) 249 Maquival, Joaquim 150 Mariri 237 Marivati, Daniel 224, 227 Marracuene 190 Marrocos 248 Marromeu 36, 214 Mashaba, Roberto 16, 32-33 Massingir 138, 194, 252 Mataka 185 Matibane 54 Matos, Amaral 244 Matsinhe, Mariano 244 Mavadhla, Benjamin 18 Mboya, Tom 246 Mechameje 69 Meconta 52, 150, 154 288 Meloco 112 Memba 49, 51-52, 154 Mendes, João 202 Menjane, Diniz 240, 243 Messumba (missão) 16, 123 Mestiços 13, 64 Mfuxe-mfuxe 212 Mikindani (missão de) 241 Milange 37, 125, 150, 156 Milho 4, 36, 38, 52, 57, 106-107, 110, 148, 154-156 Millinga, L. M. 213 Missão Episcopal Americana 69 Missão Suiça 16, 182, 203 Missões 15-20, 22, 32, 47-48, 116, 123, 178, 180-181 católicas 16, 118-121, 176: 233234 protestantes 16-18, 22, 32, 48, 176, 178, 180, 182 MJDM (Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos) 202 Moatize 45-46, 109, 162 Mocímboa da-Praia 49, 235, 256 Mocuba 138 Mocubela 138 Mocumbi, Pascoal 244 Mogincual 54, 112 Mogovolas 103-1W4, 153-155, 184, 192, 211, 213, 252 Moma 155 Mombaça 246 Monapo 112-113, 168 Mondane, Eduardo 182, 192, 203205, 208209, 244-245, 250-251, 253-254, 256, 257 Monteiro e Giro 172 Montepuez 51-52, 79, 112, 165, 211,252, 255 Mopeia 36, 214 Morrumbala 138, 156 Morrumbene 218 Mossuril 53-55, 80, 103, 112-114 Mossurize 69 Motim ver: Luta de camponeses o trabalhadores Movimento Anti-Colonialista (MAC) 247 Movimento Associativo 20, 22, 6162, 64, 66, 71, 74, 76, 81-82, 114, 127, 197, 202, 250 ver. Associações Movimento Democrático Africano de Moçambique 245, 256 Movimento de Unidade Democrática (MUD) 199, 202 Movimento dos Jovens Democratas Moçambicanos (MJDM) 202 Movimento Juvenil 202-205 Movimento Nacional de Moçambique 245, 256 Movimento Pan-Africano para a Libertação da África Oriental e Central (PAFMECA) 246 Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) 208-209 Moyana, Gabriel 240 Mozambique African National Union (MANU) 214,246-247, 249,252 Mozambique East African Association 240 Mpanga 235 MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) 208-209 Msaho 222 Msaho 230 Mtwara 233 MUD (Movimento de Unidade Democrática) 199, 202 Mueda 191,211,232-233,236,23t., 241 massacre de 145, 198, 241, 247 Mugeba 138 Mulevala 112 289 Murrupula 150, 155, 179 Museu de Nampula 230 Mussoco 2, 24 Muta-hanu 54, 112 Mutarara 46, 91 Muthemba, Josina 244 N Nacala 154 Nacionalismo 114, 165 económico (português) 35, 42, 46, 50, 86, 171 Nairobi 156 Namapa 154 Namepuita 211 Nametil 89 Namimba, João 233 Nampula administração 1-2 algodão 27-28, 38, 53, 55, 85, 89-90, 102-103, 133, 137, 138, 150 cajú 38, 54-55 comércio rural 4, 151 demografia 8, 156 despovoamento 156, 213 empobrecimento 156 Igreja Católica 16, 179 indústria ligeira 169 Museu 230 Muta-hanu (revolta) 112-114 salários 144 sisaleiras 3, 51-52, 144 trabalhadores (Tanganhica) 159 Namuli 37 ý4angololo 233, 235 Navess, Tizora 16 Ndota 218 Negócios Indígenas (Direcção) 25, 60, 67-68, 187, 203, 216-217 NESAM (Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique) 203205, 209, 243-245, 250, 257 Netia 154 Neto, Agostinho 208 Ngungunhane 17, 19, 72-73, 224 Ngwenya, Malangatana 231 Nhantumbo, Tomás 240, 243 Niassa algodão 85 colonatos 167 colonialismo português 50 comércio rural 151 Companhia do Niassa 1, 29 despovoamento 24 Mataka (chefe) 185 missões protestantes 16, 123 recrutamento 139 salários 145 Niassalândia 3, 24. 40, 46, 50, 110, 156, 163, 201, 238-239, 246 Nigéria 238 Niquaria 211, 252, 255 Nkavandame, Lázaro 233, 235, 238 Nkrumah, Kwame 114, 205, 238, 246 Nkuna, Eduardo 212 Nogar, Rui 231 Nogueira, Franco 118 Noronha, Rui de 7274, 82 Nós matámos o cão tinhoso 229 Notícias 59 Nova Madeira (colonato de) 167 Nova Mambone 190 Nqumayo, Simeão Godide 19 Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) 203-5, 209, 243-5, 250, 257 Núcleo Negr6filo de Manica e Sofala 205-207 ver: Grémio Negrófdo de Manica e Sofala Nyerere, Julius 246 290 O Ocua 133 Organização das Nações Unidas (ONU) 114, 199, 243-244 Organização do Tratado do Atlântico do Norte (OTAN) 200 Organização Internacional do Trabalho (OIT) -159 P Pachinuapa, Raimundo 233, 234 PAFMECA (Pan-African Freedom Movement for East and Central Africa) 246 Pagamento diferido 30, 40, 144, 157 PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) 208 Paivdf (canção) 223, 224 Pan-African Freedom Movement for East and Central Africa (PAFMECA) 246 Pan-africanismo 114, 224, 246 Paquistão 199 Paris 246 Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) 208 Partido Nacionalista (África do Sul) 201 Partido Trabalhista (Grã-Bretanha) 199 Passe, leis e regulamentos de 11, 96, 99, 100, 210; ver: Caderneta de Identificação, Regidamnento dos Serviçais Indígenas Pemba 49, 185, 211, 241 PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) 200, 209, 240, 243,245 Plano Marshall 200 Planos de Fomento 162-168 Plantações 2-7, 9-10, 26-27, 31, 3638, 49, 51-54, 56, 77, 105, 132, 147-148, 150, 155-156, 175, 199, 213,235 açucar 3, 36, 96, (Natal)l11, 149-150, 223, 252 cajú 54, 55 chá 3, 54-55 condições de trabalho 90, 94, 96, 143-144, 150, 155-156, 159, 177, 209, 210, 213-214 coqueiros 3 força de trabalho 95-97, 138-140, 142-145 resistência, greves 140, 209-210, 213-215 sisal 3 ver: Sena Sugar Estates, Xinavane Poemas do tempo presente 230 Polícia Internacional de Defesa do Estado ver: PIDE Política colonial 8, 19, 117-118, 209 agricultura 26-28, 43, 83-84, 106, 151-156, 234, 238 algodão 27-28, 137 colonização 123, 172, 189 comércio rural 151-152 discriminaçao racial 15, 174-175 educação 15, 46, 48, 119, 208 Estado Novo 36, 61, 70, 74, 86 finanças 42-43 indústria 45 religião 16, 47-49, 118-119, 123, 124 sindicatos nacionais 172-173 Polónia 200 População 8-9, 164-165, 175, 182183, 193 Porto Amélia 49, 185, 241 ver: Pemba 291 Portos 7-8, 13, 151, 161, 163, 168, 172, 213, 223 Beira 6, 40, 46, 56-57, 109, 162 Lourenço Marques 6, 24, 59-61, 215-217 trabalho 6, 9, 56-60, 210, 213214, 222 Portugal 2, 7, 41, 61, 69, 84-85, 108, -130, 152, 161, 164, 166, 175 Portugues,: East Africa Association 240, 243,245 Pott, Karel 62-65, 71-72, 77, 81 Prazos da coroa 1, 11, 29 Proteccionismo 41-44 Proto-nacionalismo 9, 17-18, 20, 81; ver: Movimento Associativo Q Quelimane 4, 169 Quénia 156, 208, 214, 233, 246, 249 Queto 72 Quissico 222 R Rangel, Ricardo 202, 223 Raposo, Paiva 223 Reconhecimento ecológico-agrícola 131 Reforma Administrativa de Moçambique 11 Reforma Administrativa Ultramarina 42 Registo 95, 100, 114, 126, 158 Regulamento dos Serviçais Indígenas 99, 126, 187 Régulos 51, 106, 151, 233 administração 2, 73, 96, 98-99, 104, 106, 113, 142, 130, 183186, 209,235 cooperativas 189, 190 desprestígio 98, 205-206 Instituto Negrófilo 69, 71 pagamento 73, 186 recrutamento de trabalhadores 139, 142, 237 resistência 153, 211, 212 tributações 106, 149, 237 Relações internacionais, II Guerra Mundial, 198-201 Religião 16, 46-49, 66, 67, 70, 117, 123,203 Rennies 216 República Democrática Alemã 200 Resende, D. Sebastião Soares de 177-178, 194 Reservas indígenas 103 Resistência 53, 58, 75, 88, 108, 117, 148,242, 248 ocupação colonial 1-2, 9, 17, 73 trabalho forçado 9, 148 fugas 9 cultural 221-222 canções 222-225 literatura 117, 225-230 culturas forçadas 89, 91, 111114, 130, 133, 152-153,210-213, 220 religiosa 48 ver: Igrejas separatistasletiópicas, Luta de camponeses e trabalhadores, Movimento Associativo Ressano Garcia 164, 224 Reunião de consulta e estudo para o desenvolvinento da luta contra o colonialismo português 246 Reunião dos Chefes do Estado Africanos 248 Revué (colonato de) 165-166 Rhodesian Native Labour Supply Commission (RNLSC) 158 292 Rikatla (missão) 16 Rodésia do Norte 79, 110, 163 Rodésia do Sul caminhos de ferro 162-164, 171 crise económica (1929) 56 educação 69, 176 electricidade (fornecimento de) 161 greves 201 luta nacionalista 115, 235, 249 missões protestantes 16, 69 Mozambique East African Association (Associação Moçambicana de África Oriental) 240 política económica 26 The Portuguese East African Association (Associação Portuguesa de África Oriental) 240, 243 Simango, Kamba 69 sindicatos 125, 249 trabalho migratório 8, 40, 110, 157, 158 UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique) 245 Rodésias 3, 238 Roménia 200 Ross, E. A. 30 s SAAVM (Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique) 190, 233 Sadaka, C. 240 SAGAL (Sociedade Agrícola Algodoeira) 211, 233-234, 236-237, 255 Salamanga 190 Salários 5, 28, 144-145, 186 aumentos 220 baixos 5, 9, 11-12, 24, 60, 119, 140, 142-143, 216, 219, 224 crise económica mundial (1929) 40, 55-56, 59 discriminação racial 12, 25, 29, 101, 173, 175-176, 216 enfermeiros negros 64 não pagamento 52, 53, 100, 140 pagamento atrasado 53 plantações 38, 52, 105, 113, 145 poder de compra 3, 152, 157 repressão 99-100 reprodução social 5, 144 territórios vizinhos 3, 111, 157, 159, 213 trabalhadores migrantes 4, 9, 69, 143, 151 pagamento diferido 30, 144, 157 trabalho forçado '60, 105 Salazar, A. Oliveira 34, 41, 83, 85, 118 Salisbúria 240, 245 Santaca 190 Santos, Marcelino dos 208-209, 229, 246, 248 São Tomé 8, 159, 210, 212, 215, 217, 219, 224 Save (rio) 1 Secretaria dos Negócios Indígenas (SNI) ver: Negócios Indígenas Sena 46 Sena Sugar Estates 4, 36-37, 149, 223,252 Sharpeville 242, 247 Sicobele, M. M. 16, 19, 20, 33, 79, 207 Simango, Chovane 70, 207 Simango, Kamba 69-70 Simango, Uriah T. 240 Sindicatos África do Sul 115 Associação do Trabalho Geral da Beira 61 293 Associação. dos Empregados do Comé--io e da Indústria 101 Quénia 214 Rodésia do Sul 115, 249 Sindicatos Nacionais (portugueses) 100-101, 126, 172-175, 208 Sindicato Nacional dos Empregados Bancários 173 Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria (SNECI) 101, 173-174, 193, 194 Sindicato Nacional dos Motoristas de Moçanbique 173 Sindicato Nacional dos Motoristas e Ferroviários 101 Sindicato Nacional dos Operários da Construção Civil e Ofícios Correlativos 173 Rodésia do Sul 115, 249 Singapura 114 Sipaios 51, 91-92, 98-99, 143, 149, 183, 209, 219, 241 Sisal 3,36, 38, 51-52, 93, 140, 144145, 147, 156, 159, 214, 229, 235,236,252 SNECI (Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio e da Indústria) 101, 173-174, 193, 194 SOCAJU (Sociedade de Cajú de Moçambique) 172 Socialismo 198 Sociedade Agrícola Algodoeira (SAGAL) 211, 233-234, 236-237 Sociedad Agrícola do Inkomati 172 Sociedd Algodocira Africana Voluntária de Moçambique (SAAVM) 190-191,233238,241 Sociedade de Cajú de Moçambique (SOCAJU) 172 Sociedade de Chá Oriental 150 Sociedade Hidro-ElécLrica do Revué (SHER) 161, 172 Socièté Coloijal Luso-Luxembourgeoise 85 Sofala açucareiras 214 Companhia de Moçambique 1, 86 Machanga 190 ver: Manica e Sofala Solos 137 degradaçio dos 153, 155 Sômália 75 Sorgo 155 Sousa, Noémia de 202, 208-209, 226, 228,254 Sousa, Victor de 19-20, 79 Sri Lanka 199 Subnutrição 153, 155-156 Sussundenga (colonato de) 166 Swazilândia 111, 239-240, 243 T Tabaco 229 Tambara 107 Tanga 241 Tanganhica 3, 111, 159, 213, 232236, 238-240, 243, 246, 249 Tanganyika African National Union ver: TANU Tanganyika-Mozambique Makonde Union 240, 246 TANU (Tanganyika African National Union) 232-235, 249 Teixeira, Gabriel (Governador-Geral, 1947-1958) 174, 185, 190, 193194 Tembe, Jorge 244 Tcmbe, Lopes 245 Tete administmção 1 caminho de ferro 109, 162 carvão 109, 162 294 Companhia Carbonífera de Moçambique 162 companhias 1 missões católicas 16 prazos 1 trabalho migratório 40, 158 UDENAMO 249 (União Democrática Nacional de Moçambique) UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente) 249 Têxteis 2-3, 83, 130 Trabalho 4-5, 9-12, 15, 24, 29-31, 37-38, 41, 46, 52, 54-56, 59-61, 73, 88-90, 93, 95, 99, 106. 116, 136, 145, 197, 228,236 condições de trabalho 30, 52-53, 143-144, 149-151, 215-218, 223224 crises de mão-de-obra rural 9596, 138-143 desemprego 173 força .de trabalho 2, 14, 30, 9798, 123, 129-130, 152, 155, 172176, 209 forçado 3, 5-6, 12, 21, 31, 55, 59,100, 138,122, 140, 177, 199, 201,212-214, 217218,223,225, 235 legislação 11, 31, 95-100, 102, 106, 113, 126, 138, 142, 172, 174-175, 187-188 migratório 3-5, 6, 9, 27, 39-41, 55, 73, 110, 111, 127, 156-159, 193,209,228 convenções, acordos 30, 40, 158 emigração clandestina 157 ver: Greves, Plantações, Salários Trânsito 10, 14, 39, 161 Transportes 163, 169 ver: Caminhos de ferro Transvafl 182, 203, 220 Trigo 188 Tunes 247 U UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique) 245249 Uganda 233 Uleres 40, 78 UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente) 246247, 249 União Democrática Nacional de Moçambique ver: UDENAMO União dos Makonde de Tanganhica e Moçambique ver: TanganyikaMozambique Makonde Union União dos Makonde e Makua no Zanzibar ver: Zanzibar Makonde and Makua Union União dos Negros Lusitanos 76-17 União dos Trabalhadores de Moçambique 61 União Nacional Africana de Moçambique Independente ver: UNAMI Universidade de Coimbra 69 Universidade de Wiwatersrand 203 V Vanolnba, Faustino 241 Vieira, Sérgio 229, 254 Vila Pcry 245 Vinho 2, 6-7, 14, 30, 54, 59, 151 A Voz Africana 65, 81 w WENELA 68, 158, 229 Witwatersrand 157, 204 295 x Xavier, A.A. Caldas 10 Xinavane 144, 214, 220, 253 z Zambeze 149, 151, 223 vale do 3 Zambézia açucareras 3, 214 adminisração 1-2, 11, 213 algodão 38, 85, 90-91, 102, 112, 138, 149 Associação AfricanA 116 chá (plantações de) 37-38, 94 colonialismo português 50, 97, 99 comércio rural 4, 1-04 copra 54 crise de mão-de-obra (1942),95 demografia 8 missões cat6licas 16 musoco 2 produção camponesa 4, 105-106, 155-156 sisal 3 UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente) 249 Zâmbia 163 Zanzibar 3 Zanzibar Makond and Makua Union 240-241, 246 Zavala 189-190 O período de 1930-1961 testemunhou o violento e mudtas vezes sufocante nacionalismo económico português em Moçambique. A intensificação do trabalho forçado, a implementação de um regime de culturas obrigatórias e a instalação de novas instituições em prol de uma maior eficiência exploradora constituem o fundo de uma história bastante complexa. Na década de 1950, algumas das fraquezas do sistema sócio-económico instalado tornaram-se aparentes e nem a rigorosa repressão política era capaz de impedir o surto de contestação.