UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
II Seminário Internacional de Educação Matemática - SIEMAT
UNIBAN, São Paulo - 30 a 31 de outubro de 2009
FENÔMENO DE CONGRUÊNCIA EM CONVERSÕES ENTRE
REGISTROS: CARACTERIZAÇÃO DOS NÍVEIS DE CONGRUÊNCIA
E NÃO-CONGRUÊNCIA
KARINA ALESSANDRA PESSÔA DA SILVA1, RODOLFO EDUARDO VERTUAN2, LOURDES
MARIA WERLE DE ALMEIDA3
RESUMO
Para que ocorra a compreensão do objeto matemática que se está estudando é necessário, segundo
Raymond Duval, a coordenação entre seus diferentes Registros de Representação. Neste trabalho
apresentamos resultados de uma pesquisa de Mestrado fundamentada nos pressupostos teóricos da
Modelagem Matemática na perspectiva da Educação Matemática e estabelecemos relações entre esta
perspectiva e a Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Raymond Duval, com relação ao
fenômeno de congruência em conversões entre os registros. Para tanto, apresentamos a caracterização
que fizemos dos níveis de congruência e não-congruência em conversões entre registros que emergem
em atividades de Modelagem Matemática.
Palavras-chave: Educação Matemática, Modelagem Matemática, Registros de Representação
Semiótica; Fenômeno de congruência e não-congruência.
INTRODUÇÃO
Toda comunicação em Matemática é feita basicamente por meio de representações. Para ensinar
conceitos, propriedades, estruturas e relações advindas dos objetos matemáticos, o professor precisa
levar em consideração as diferentes formas de representação desse objeto. O que se estuda e se ensina
são as representações dos objetos matemáticos e não os próprios objetos matemáticos.
Para Duval (2003), o acesso aos objetos matemáticos passa necessariamente por representações
semióticas. As representações semióticas são externas e conscientes da pessoa.
O acesso aos diferentes registros de representação semiótica em uma atividade matemática
geralmente não ocorre naturalmente e o professor pode incentivá-lo. Nessa perspectiva, consideramos
a Modelagem Matemática como uma alternativa pedagógica adequada a esse fim. A Modelagem,
segundo Vertuan (2007), possibilita a oportunidade de, a partir de um tema escolhido, desenvolver um
trabalho de investigação e possibilita o uso de diferentes registros de representação.
Neste encaminhamento somos favoráveis à idéia caracterizada por Almeida e Brito (2005), na
qual a Modelagem Matemática é assumida como alternativa pedagógica que possibilita o ensino e a
aprendizagem da Matemática por meio da abordagem de um problema ou de uma situação, não
essencialmente matemáticos, advindos da realidade.
Neste trabalho, apresentamos os níveis de congruência e de não-congruência em conversões
entre registros de representação que emergem em atividade de Modelagem Matemática que
estabelecemos em pesquisa de mestrado desenvolvida por uma das autoras deste artigo.
1
Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Matemática, [email protected]
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3
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REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA
Segundo Duval (2004), as representações semióticas são produções constituídas pelo emprego
de signos pertencentes a um sistema de representação, os quais têm suas dificuldades próprias de
significado e de funcionamento.
Para Duval (2003), um sistema de representação semiótico é considerado um registro de
representação quando ele permite três atividades cognitivas: a formação de uma representação
identificável; o tratamento de um registro de representação; a conversão de um registro de
representação. Para que uma representação seja identificável é necessário, a partir de um registro de
representação, saber qual é o objeto matemático que está sendo representado. O tratamento ocorre
quando há transformações de representações dentro de um mesmo sistema de registros. A conversão
corresponde a transformações de representações onde há mudanças de sistemas de registros,
conservando o objeto matemático estudado.
É importante transitar entre os diferentes tipos de representação, fazendo a conversão de um
registro para outro. Para Duval (2003), “[...] do ponto de vista cognitivo, é a atividade de conversão
que, ao contrário, aparece como a atividade de transformação representacional fundamental, aquela
que conduz aos mecanismos subjacentes à compreensão” (p. 16).
A análise da atividade de conversão envolve a comparação da representação no registro de
partida com a representação no registro de chegada e isso envolve dois fenômenos — o da
congruência e o da não-congruência. Para verificar o fenômeno de congruência, Duval (2004) aponta
três critérios:
1. correspondência semântica entre as unidades significantes das representações, ou seja,
correspondência uma a uma. Para cada elemento simples no registro de saída, um elemento
simples correspondente no registro de chegada.
2. unicidade semântica terminal: cada unidade significante no registro de saída tem uma única
unidade significante no registro de chegada.
3. conservação da ordem das unidades significantes, ou seja, mesma ordem possível de apreensão
destas unidades nas duas representações.
Silva e Barolli (2006) consideram que existe congruência na conversão quando a representação
terminal deixa transparecer a representação de saída.
A dificuldade da conversão de um registro de representação para outro está relacionada com o
nível de congruência entre o registro de saída e o registro de chegada. Esse nível de congruência é
definido de acordo com os critérios de congruência listados anteriormente.
Além de tratar dos fenômenos de congruência entre as conversões de registros de representação,
Duval (2003) leva em consideração a natureza de tais registros que podem ser: monofuncionais ou
multifuncionais
(ou
plurifuncionais).
Os
registros
monofuncionais
abordam
tratamentos
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algoritmizáveis. Os registros multifuncionais abordam tratamentos não algoritmizáveis.
MODELAGEM MATEMÁTICA E OS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA
Para Bassanezi (2002), a Modelagem Matemática consiste, essencialmente, na arte de
transformar situações da realidade em problemas matemáticos cujas soluções devem ser interpretadas
na linguagem usual.
A Modelagem Matemática, no âmbito da Educação Matemática, tem sido apontada em diversos
estudos como uma estratégia de ensino e aprendizagem que pode contribuir para a construção do
conhecimento dos alunos, pois, entre outros aspectos, constitui uma alternativa pedagógica cujo
objetivo é de articulação com a realidade.
No desenvolvimento de uma atividade de Modelagem Matemática se faz necessária a construção
de um modelo matemático que representa parte da realidade da qual a situação em estudo faz parte e
que permita aos alunos responderem ao problema que se propuseram a investigar. Neste percurso,
muitos conceitos matemáticos são envolvidos na análise da situação.
Neste sentido, as atividades de Modelagem permitem que os alunos utilizem determinados
objetos matemáticos constantemente, o que pode contribuir para a compreensão desses objetos
matemáticos. Isso fica evidente na afirmação de Font, Godino e D’Amore (2005) de que
“’compreender’ ou ‘saber’ um objeto matemático consiste em ser capaz de reconhecer suas
propriedades e representações características” (p. 16).
Segundo Kehle e Lester (2003), “para se chegar a uma solução, parece razoável a construção
de algum tipo de representação matemática formal para ajudar a pensar no problema solucionador”
(p. 97).
CARACTERIZAÇÃO DOS NÍVEIS DE CONGRUÊNCIA E DE NÃO-CONGRUÊNCIA EM
CONVERSÕES DE REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO
A caracterização dos níveis de congruência e de não-congruência entre conversões de registros
que apresentamos faz parte do trabalho de dissertação de uma das autoras deste artigo. Tal trabalho foi
finalizado em 2008 e um dos objetivos foi investigar a problemática: “o fenômeno de congruência e
não-congruência (estabelecido por Duval) de conversões realizadas entre os diferentes registros que
emergem em atividades de Modelagem Matemática influencia a caracterização do objeto
matemático?”. Para estabelecer os níveis de congruência e não-congruência referentes às conversões
dos registros de representação que emergem em atividades de Modelagem Matemática, três aspectos
são importantes:
A). As três condições estabelecidas por Duval (2004);
B). O conhecimento matemático que o sujeito que realiza a conversão já tem;
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C). Se o registro de chegada deixa transparecer o registro de saída. Nesse caso, é importante uma
análise da natureza dos registros de representação.
A partir destes três aspectos, caracterizamos os níveis de congruência como: nível de
congruência alto, nível de congruência intermediário e nível de congruência baixo.
1. Nível de congruência alto: Uma conversão é incluída nesse nível se:
i.
as três condições estabelecidas por Duval estão satisfeitas;
ii.
para o sujeito que realiza a conversão, o objeto matemático em estudo é algo que, de
algum modo, pode ser “compreendido” por ele;
iii.
o registro de chegada, de alguma forma, transparece o registro de saída (exemplo: a
conversão do registro algébrico para o registro tabular da Figura 1).
Figura 1 – Conversão congruente com nível de congruência alto da atividade de Modelagem que
descreve o decaimento radioativo do césio-137 (SILVA & ALMEIDA, 2006).
§1·
Q (t ) = 19,26.¨ ¸
©2¹
t −1987
30
conversão
Conversão
congruente com
nível de congruência
alto
Tempo
(ano)
1987
2017
2047
2077
Quantidade de césio137 (gramas)
19,26
9,63
4,815
2,4075
De modo geral, podemos considerar que uma conversão com nível de congruência alto,
corresponde a uma simples atividade de codificação, para quem a executa.
2. Nível de congruência intermediário: Uma conversão é incluída nesse nível se:
i.
as três condições estabelecidas por Duval estão satisfeitas;
ii.
o sujeito que realiza a conversão precisa utilizar conhecimentos matemáticos mais
avançados e não somente realizar uma atividade de codificação;
iii.
o registro de chegada apresenta características e propriedades, que transparecem o
registro de saída (exemplo: a conversão do registro algébrico para o registro gráfico
da Figura 2).
Figura 2 – Conversão congruente com nível de congruência intermediário da atividade de
Modelagem que descreve o decaimento radioativo do césio-137 (SILVA & ALMEIDA, 2006).
§1·
Q (t ) = 19,26.¨ ¸
©2¹
t −1987
30
conversão
Conversão
congruente com
nível de
congruência
intermediário
A conversão apresentada na Figura 2 pode ser considerada congruente com nível de congruência
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intermediário, pois foi realizada a conversão do registro algébrico para o registro gráfico sem a
utilização de um registro tabular. O registro gráfico deixa transparecer o registro algébrico para um
estudante familiarizado com gráfico de função exponencial.
3. Nível de congruência baixo: Uma conversão é incluída nesse nível se:
i.
as três condições estabelecidas por Duval estão satisfeitas;
ii.
a natureza dos registros de representação é diferente o que pode tornar a conversão
mais complexa;
iii.
a necessidade de realizar algumas alterações em um dos registros de representação
para que o registro de chegada deixe transparecer o registro de saída (exemplo:
realizar mudança na escala do registro gráfico para que transpareça o registro
algébrico da Figura 3).
Figura 3 – Conversão congruente com nível de congruência baixo da atividade de Modelagem
que descreve o decaimento radioativo do césio-137 (SILVA & ALMEIDA, 2006).
§1·
Q (t ) = 19,26.¨ ¸
©2¹
t −1987
30
conversão
Conversão
congruente com
nível de
congruência baixo
A conversão apresentada na Figura 3 pode ser considerada congruente com nível de congruência
baixo, pois a atividade proposta visa estudar o objeto matemático ‘função exponencial’ com alunos do
1º ano do Ensino Médio. Se o modelador apresentar esse registro gráfico, há uma sinalização de que a
conceitualização do objeto matemático ‘função exponencial’ pode não ter sido atingida, mesmo que a
conversão do registro algébrico para o gráfico corresponda a uma conversão congruente.
Se uma das condições de congruência não for satisfeita, temos que a conversão é nãocongruente. Seguindo essas condições, estabelecemos três níveis de não-congruência nas conversões
entre os registros:
1. quando a conversão entre os registros não satisfaz uma das três condições de congruência,
temos uma conversão não-congruente com nível de não-congruência baixo;
2. quando a conversão entre os registros não satisfaz duas das condições de congruência, temos
uma conversão não-congruente com nível de não-congruência intermediário;
3. quando a conversão entre os registros de representação não satisfaz todas as condições de
congruência, temos uma conversão não-congruente com nível de não-congruência alto.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Duval (2003), uma conversão pode ser mais complexa ou menos complexa de acordo
com o seu nível de congruência ou de não-congruência. Em nossa pesquisa, estabelecemos os níveis
de congruência e os níveis de não-congruência para análise das conversões.
Durante o desenvolvimento de uma atividade de Modelagem Matemática, quando o modelador
estabelece de forma adequada hipóteses para o problema significa que ele pode ter evidenciado tanto
nas conversões congruentes quanto nas conversões não-congruentes o objeto matemático em questão.
Ao realizar a validação da hipótese no modelo obtido implica que “o modelo deixa transparecer” estas
hipóteses. Para evidenciar se o registro de chegada deixa transparecer o registro de saída o modelador
precisa conhecer o “objeto matemático”.
Embora Duval (2003) aborde a importância do tratamento em atividades matemáticas, o autor
enfatiza que é a conversão entre registros que constitui uma condição essencial para a compreensão do
objeto matemático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida, L. M. W., & Brito, D. S. (2005). Atividades de Modelagem Matemática: que sentido os
alunos podem lhe atribuir?. Ciência e Educação, 11(3), 483-498.
Bassanezi, R. C. (2002). Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. São
Paulo: Contexto.
Duval, R. (2003). Registros de Representações Semióticas e Funcionamento Cognitivo da
Compreensão em Matemática. In: S. D. Machado. A. Aprendizagem em Matemática: registros de
representação semiótica. Campinas, SP: Papirus.
Duval, R. (2004). Semiosis y pensamiento humano: registros semióticos y aprendizajes intelectuales.
(M. V. Restrepo, Trad.). Colômbia: Universidad del Valle, Instituto de Educación y Pedagogía, Grupo
de Educación Matemática.
Font, V., Godino, Juan D., & D’Amore, B. (2005). Enfoque ontosemiótico de las representaciones em
educación matemática [Versão eletrônica],. Departamento de Didáctica de la Matemática.
Universidade de Granada. Recuperado em 5 junho, 2006, de www.ugr.es~jgodinoindice_eos.htm.
Kehle, P., & Lester, F. K. Jr. (2003). A semiotic look at modeling behavior. In: R. Lesh, & H. M.
Doerr. Beyond constructivism: Models and Modeling Perspectives on Mathematics Problem Solving,
Learning, and Teaching. Hillsdale, N.J.: Erlbaum.
Silva, K. A. P. da, & Almeida, L. M. W. (2006, novembro). O uso da Modelagem Matemática como
proposta para contemplar o estudo de função exponencial. Anais do Encontro Paranaense de
Modelagem em Educação Matemática, Apucarana, PR, Brasil, 2.
Silva, L. M., & Barolli, E. (2006, outubro). Registros de Representação Semiótica na Resolução de
Problemas. Anais do Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, Águas de
Lindóia, SP, Brasil, 3.
Vertuan, R. E. (2007). Um olhar sobre a Modelagem Matemática à luz da Teoria dos Registros de
Representação Semiótica. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR,
Brasil.
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