Professora: REGINA DATA: 18 / 05 / 2015 ANALISE LITERÁRIA - UNIRG Versos Íntimos sociedade hipócrita à qual estamos condenados desde o nascimento Por dizer verdades como essas, Augusto dos Anjos pagou seu preço. Sua poesia, considerada por muitos impressionista, não agrada à maioria, posto que seus versos rasgam as principais feridas da natureza humana, não acostumada a falar da morte sem estremecer, pouco disposta a observar os erros de sua maneira absurdamente competitiva de viver. Entretanto, se nos detivermos mais serenamente sobre sua obra, encontraremos – não obstante os termos difíceis por onde esbanja o cientificismo – toda uma mística que lhe serve de arcabouço, inequívoca função compensatória para o pessimismo declarado do poeta, sempre a questionar severamente o sentido de nossas vidas. Em alguns de seus sonetos e outras partes não tão popularizadas de seus versos, de paramo-nos com um caráter filosófico ocultista absolutamente singular em toda a literatura brasileira. O poeta apresenta genuínas reflexões à moda esotérica, em versos sublimados por uma religiosidade espiritualista, voltados para a libertação e transcendência da nossa alma, que, no mais das vezes, vive atormentada. AUGUSTO DOS ANJOS Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! Augusto dos Anjos Alphonsus de Guimaraens Esses são “Versos Íntimos”, escritos em 1906 pelo poeta Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, a compor um dos mais declamados trabalhos deste enigmático discípulo de Baudelaire, cuja breve vida esteve marcada por um intenso questionamento filosófico, disseminado por toda a sua obra. "Versos Íntimos" foi incluído no livro "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século", organizado por Ítalo Moriconi para a Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2001, pág. 61Augusto dos Anjos: O Poeta da Espiritualidade Referendado como o poeta da morte, dos cemitérios, dos ossos e da carne em putrefação, Augusto dos Anjos, ao contrário do que muitos imaginam, segreda em sua obra poética uma filosofia libertária, capaz de nos guiar pela senda da mais pura transcendência. "Versos Íntimos” expõem, de modo formal e cruel, a nossa efêmera condição, fadados que estamos a nos prostrar na lama sepulcral, não sem antes experimentarmos toda a sorte de sofrimentos advindos do relacionamento humano. Só mesmo a perfeição faria toda a filosofia de Hobbes, a considerar o homem lobo do próprio homem, caber assim metrificada nos 14versos (geralmente dois quartetos e dois tercetos) decassílabos heroicos (a 6ª e a 10ª sílabas são tônicas), de um único soneto. O poeta observa laconicamente o definhar de nossos sonhos, lembra-nos a todos de que a ingratidão é o presente natural que nossas mãos estão acostumadas a receber por toda a vida. Ele nos adverte acerca das traições a que estamos sempre sujeitos e, por isso, considera inútil qualquer espécie de remorso que possamos sentir esboçar-se em nosso peito. São versos realistas, eivados de um pessimismo desconcertante, a reproduzir o comportamento da Simbolismo em Alphonsus de Guimaraens poema “Ismália” Introdução Entende-se aqui por Simbolismo, não o conjunto de manifestações espiritualistas do último quartel do séc. XIX e o primeiro quartel do séc. XX (como têm entendido alguns), mas, num sentido mais especificamente histórico-literário, uma escola ou corrente poética (incluindo a poesia em prosa e a poesia teatral), que se afirma sobretudo entre 1890 e 1915 e que se define por um conjunto de aspectos, aliás variáveis de autor para autor, que dizem respeito às atitudes perante a vida, à concepção da arte literária, aos motivos e ao estilo. Sem dúvida esta corrente literária insere-se na atmosfera mental, antipositivista, de fins do séc. XIX; mas certos caracteres de técnica literária, de forma, são inerentes ao conceito de Simbolismo aqui adaptado. Alphonsus de Guimaraens forma, com Cruz e Sousa, Eduardo Guimaraens e Emiliano Perneta, a ala mais representativa de nosso Simbolismo, seja pelo valor da criação poética, seja pela identidade profunda com aquele movimento literário. Diferente de Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens, expressa uma atitude reflexiva e melancólica, fala praticamente de um único tema – a morte, criando uma atmosfera indefinida, vaga, plena de sugestões. 1 Contexto Histórico Após a euforia da Segunda Revolução Industrial, quando se incrementou a construção de ferrovias, a economia mundial entra em crise, devido ao aumento da concorrência e da falta de mercado consumidor. Como o capitalismo não se desenvolveu de maneira uniforme no mundo, houve concentração de capital em países como França, Inglaterra e estados Unidos (este último aparecendo agora como potência), que passaram a buscar mercado em países menos desenvolvidos, dando início ao que hoje conhecemos como "imperialismo econômico”. Contrariamente ao cientificismo e objetivismo anterior, a arte passa a representar o subjetivo, o inconsciente, buscando a unidade do ser. A esperança cede lugar à frustração e esta leva à busca do lado místico, espiritual do universo. Apesar das diferenças, o Simbolismo é considerado uma espécie de continuação do Romantismo, na medida em que anseia por reformas e, ao mesmo tempo, busca refúgio fora do mundo real. A burguesia referia-se a esses artistas como boêmios, decadentes e malditos. Cisnes Brancos Ismália Os Sonetos Características Atmosfera mística e litúrgica; Exploração do tema da morte; Termos de emprego corriqueiro na poesia da época: lírios, luar, brancas, brumosas, pálidas, etc., Literatura gótica próximo aos escritores românticos; Poesia uniforme e equilibrada; Ambiente místico da cidade de Mariana e as chamas sentimentais vivida na adolescência, não permitem confundir Alphonsus de Guimaraens com nenhum dos poetas da época, a cosmovisão timbra-se por um acendrado espiritualismo. Biografia Alphonsus Henriques da Costa Guimaraens nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais em 1870 e faleceu em 15 de julho de 1921, em Mariana, em Minas Gerais. Formou-se bacharel em Direito, em 1894, em Ouro Preto. Na época dedicou-se ao jornalismo. Em 1895 tornou-se promotor de Justiça em Conceição do Serro MG e, a partir de 1906, Juiz em Mariana MG. Sua obra foi intensamente marcada com a presença de Constança sua prima e amada que faleceu às vésperas do casamento. A obra do Autor tem como características o triângulo: Misticismo, Amor e Morte, é considerado pela critica literária o poeta mais místico da Literatura Brasileira. Em cada poesia é revivida a morte de sua noiva. Principais Obras Sentenário das Dores de Nossa Senhora (1899) Câmara Ardente (1899) Dona Mística (1899) Kyriale (1902) Pauvre Lyre (1921) Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte (1923) Mendigos (1920) No Rio de Janeiro, em 1960, publicou-se sua obra completa, inéditos e dispersos em verso e prosa. Ismália Alphonsus de Guimaraens Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar… Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar… Queria subir ao céu, Queria descer ao mar… E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar… Estava longe do céu… Estava longe do mar… E como um anjo pendeu As asas para voar. . . Queria a lua do céu, Queria a lua do mar… As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par… Sua alma, subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar… Ossa Mea Pulchra ut Luna Árias e Canções Terceira Dor 2 Análise do poema O poema de Alphonsus de Guimaraens, composto de 5 estrofes com 4 versos cada, com rimas alternadas. Numa possível leitura, a personagem-título enlouquece e se suicida. Quanto ao aspecto gráfico-formal, encontramos, nas primeiras 4 estrofes, sempre nos versos 3 e 4 , que se repete: viu/viu; queria/queria; estava/estava; queria/queria. A repetição serve para acentuar ideias contrastantes, já que em cada um desses versos é um complemento que exprime oposição: céu/mar; subir/descer; perto/longe; subiu/desceu. Destes, a oposição céu/mar é constante nas 5 estrofes. Na primeira estrofe, o poema narra o enlouquecimento de Ismália que, à janela da torre, viu a lua a espelhar-se no mar ("Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar"). Na segunda estrofe, a loucura ("sonho") leva-a a debruçar-se mais para fora da janela ("Banhou-se toda em luar") e ter desejos conflitantes – a lua do céu e a lua do mar, como se estivesse entre duas escolhas. Na 3ª estrofe, já delirando ("no desvario seu") ela começa a cantar; na 4ª, é sugerido que Ismália estendeu os braços para ‘voar’ ("… como um anjo pendeu/ As asas…"); na 5ª e última estrofe, a imagem torna-se ambígua: as "asas" dadas por Deus são seus braços, ou se referem à alma que voou para o céu? Esse "resumo" exposto é apenas uma interpretação. Quando lido e relido atentamente, outras possibilidades se apresentam A "loucura" de Ismália é também comparada a um sonho: "No sonho em que se perdeu". A ‘loucura’ é assim vista de forma poética, não agressiva, e nem necessariamente negativa: aproximando "loucura" e "sonho", o poeta pode estar sugerindo que a loucura é um estado fora do ordinário, do comum da vida, como é o estado do sonho. Sonhamos dormindo, ou mesmo acordados, quando imaginamos alguma coisa ou situação. Considerações finais Esta pesquisa foi elaborada em torno do Simbolismo, sendo mostrado o seu contexto histórico, principais autores e o Simbolismo no Brasil a partir da análise do poema “Ismália de Alphonsus de Guimaraens. Análise - Fogo Morto Publicado em 1943, Fogo Morto, de José Lins do Rego é a última obra-prima do regionalismo neorrealista que surgiu no Brasil na década de 30. O regionalismo de 1930 A prosa de ficção dos anos 30 dá continuidade ao projeto político-literário dos primeiros modernistas – os da chamada fase heróica de 1922 –, utilizando-se de uma Literatura regionalista, de caráter neorrealista, para mostrar os problemas e as desigualdades sociais do Brasil. Prevalece, porém, uma narrativa direta sem as ousadias formais dos romances de Oswald de Andrade, como Memórias Sentimentais de João Miramar, ou Macunaíma, de Mário de Andrade. Linguagem coloquial Os regionalistas de 1930, como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, enfatizam o uso da linguagem coloquial, popular na arte literária. Mas, enquanto os modernistas de 1922 procuravam "escrever errado", reproduzindo as incorreções gramaticais da fala popular, os regionalistas de 1930, livres das convenções da linguagem acadêmica, escrevem com simplicidade, apenas ocasionalmente desrespeitando a norma culta da Língua Portuguesa. O ciclo da cana-de-açúcar. Grande contador de histórias, José Lins do Rego é diretamente influenciado pelo regionalismo do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala. O romance Fogo Morto faz parte dessa literatura regionalista e é, também, o último suspiro da série de romances a que o próprio José Lins do Rego chamou de "O Ciclo da Canade-Açúcar". Esse ciclo é formado por obras que têm como matéria básica o engenho Santa Rosa, do velho coronel José Paulino, avô do alter ego do autor, Carlos de Mello. • Em Menino de Engenho (1932), primeiro romance do ciclo, José Lins do Rego mostra, de maneira lírica e saudosista, o ambiente de engenho em que o garoto Carlinhos vive após seu pai, desequilibrado mental, ter assassinado a mãe. Criado entre os "moleques de bagaceira", o garoto cresce sob o poder patriarcal avassalador do avô José Paulino. Aos 12 anos, conhece a sexualidade com a "rapariga" Zefa Cajá, de quem contrai uma "doença do mundo". Por fim, é mandado ao colégio interno, para "endireitar", perder os hábitos da "bagaceira", e se tornar um legítimo "senhor de engenho". • Após descrever a vida de Carlos de Mello no colégio interno em Doidinho (1933), José Lins do Rego mostranos o seu retorno ao Santa Rosa, aos 24 anos, já formado em Direito, no romance seguinte, Bangüê (1934). Carlinhos tenta, então, readaptar-se ao engenho, sempre permeado por uma sensação de impotência frente ao espírito autoritário de seu velho avô. Após a morte do velho José Paulino, Carlos acaba por levar o Santa Rosa à ruína, vende o engenho ao tio Juca e abandona para sempre as suas terras. • Considerado pelo autor o último livro do ciclo, Usina (1936) apresenta o engenho transformado na usina Bom Jesus. Dirigida pelo doutor Juca, a usina vai perdendo sua força. Pressionada por interesses estrangeiros e pela usina Santa Fé, que domina toda a região, a Bom Jesus acaba invadida por miseráveis em busca de alimentos e, por fim, doutor Juca acaba por vender e abandonar a usina melancolicamente. • Mas o engenho Santa Rosa, assim como alguns de seus moradores, voltaria a aparecer na obra-prima de José Lins do Rego, Fogo Morto. Anote! O ciclo apresenta o processo de decadência dos engenhos da Zona da Mata nordestina que perdem seu poder e são engolidos pelas forças emergentes da usina e do capitalismo moderno. 3 O ciclo, segundo o autor- Em nota à primeira edição de Usina, o próprio escritor nos explica suas intenções ao realizar esse ciclo de romances: "Com Usina termina a série de romances que chamei um tanto enfaticamente de 'Ciclo da Cana-deAçúcar'. A história desses livros é bem simples – comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casasgrandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço de vida o que eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior. Veio, após o Menino de Engenho, Doidinho, em seguida Bangüê. Carlos de Mello havia crescido, sofrido e fracassado. Mas o mundo do Santa Rosa não era só Carlos de Mello. Ao lado dos meninos de engenho havia os que nem o nome de menino podiam usar, os chamados "moleques de bagaceira", os Ricardos. Ricardo foi viver por fora do Santa Rosa a sua história que é tão triste quanto a do seu companheiro Carlinhos. Foi ele do Recife a Fernando de Noronha. Muita gente achou-o parecido com Carlos de Mello. Pode ser que se pareçam. Viveram tão juntos um do outro, foram tão íntimos na infância, tão pegados (muitos Carlos beberam do mesmo leite materno dos Ricardos) que não seria de espantar que Ricardo e Carlinhos se assemelhassem. Pelo contrário. Depois do Moleque Ricardo veio Usina, a história do Santa Rosa arrancado de suas bases, espatifado, com máquinas de fábrica, com ferramentas enormes, com moendas gigantes devorando a cana madura que as suas terras fizeram acamar pelas várzeas. Carlos de Mello, Ricardo e o Santa Rosa se acabam, têm o mesmo destino, estão tão intimamente ligados que a vida de um tem muito da vida do outro. Uma grande melancolia os envolve de sombras. Carlinhos foge, Ricardo morre pelos seus e o Santa Rosa perde até o nome, se escraviza." Rio de Janeiro, 1936 J. L. R. A obra-prima Embora o autor tenha dado o ciclo por encerrado com a publicação de Usina, em 1936, ele lançaria Fogo Morto sete anos mais tarde. Nessa obra, retoma a mesma ideia nuclear dos romances anteriores, assim como o engenho Santa Rosa e a figura do coronel José Paulino, ainda que de maneira periférica. Para lembrar - O romance Fogo Morto pode ser considerado como um integrante tardio do "Ciclo da Cana-de-Açúcar", embora o próprio autor tenha afirmado que a série se encerrava com o romance Usina. Além disso, Fogo Morto é considerada a obra-prima do ciclo. O autor minimiza o caráter autobiográfico e nostálgico das obras precedentes e acrescenta à sua extraordinária facilidade de narrar, que mais lembra a de um contador de histórias, oralidade, naturalidade, objetividade e consciência compositiva que o caráter sentimental e espontâneo das obras anteriores encobria. Anote! Em Fogo Morto, o romancista maduro e consciente sobrepõe-se ao memorialista nostálgico para construir sua obra-prima, que sintetiza, aprofunda e condensa os outros romances do ciclo. Caricatura de José Lins do Rego. O espaço e o tempo- O romance se passa no município de Pilar, na Zona da Mata paraibana, às margens do rio Paraíba, distante cerca de 50 quilômetros de João Pessoa, próximo a Itabaiana. A maior parte da ação se desenvolve nas terras do engenho Santa Fé, nos arredores de Pilar, e apenas a última seção tem uma boa parte que se passa na cidade. A trama desenrola-se durante os primeiros anos do século XX, com uma regressão temporal à época da fundação do engenho Santa Fé, em 1850. E, embora seja traçada rapidamente a história do engenho até o momento narrado, as ações em si não duram mais do que alguns meses. O títuloOs "engenhos" do Nordeste eram, originalmente, estabelecimentos agrícolas destinados à cultura da cana e à fabricação do açúcar. Com o tempo, surgem as usinas, estabelecimentos especializados apenas no processamento da cana para a produção do açúcar. As usinas não plantam a cana. Elas compram dos engenhos a cana-de-açúcar ainda não-processada. Anote! Com o surgimento das usinas, os engenhos vão deixando de "botar", ou seja, moer a cana para a fabricação do açúcar, tornando-se engenhos "de fogo morto" – que apenas vendem matéria-prima às usinas. Perdem, assim, boa parte de seu poder, tornando-se reféns dos preços pagos pelas usinas. É como se encontra, ao final de Fogo Morto, o decadente engenho Santa Fé. Estrutura triangular- Fogo Morto é dividido em três partes. Cada uma delas traz no título o nome de um dos três personagens principais do romance. Mas as três partes se entrecruzam e os personagens aparecem ao longo de todo o livro: o coronel Lula de Holanda, senhor de engenho inepto e decadente; o mestre José Amaro, seleiro pobre e orgulhoso; e Vitorino Carneiro da Cunha, o "Papa-Rabo", um estabanado defensor dos oprimidos. Anote! Mistura de D. Quixote e Sancho Pança, Vitorino, em sua busca ingênua por justiça, estabelece as relações entre todos os personagens, servindo como ponto central da narrativa. Primeira parte: o mestre José Amaro A primeira parte do romance centra-se na casa, à beira da estrada, no engenho Santa Fé, do mestre José Amaro. Orgulhoso e machista, recusa-se a ser dominado por qualquer um, só trabalha para quem escolhe e admira o cangaceiro Antônio Silvino. Boa parte desse trecho da obra é construída por meio dos diálogos travados por José Amaro com os passantes, entre eles, o compadre Vitorino Carneiro da Cunha, apelidado pelas crianças de "Papa-Rabo". O mestre irrita-se com o coronel Lula de Holanda, dono das terras em que mora, a quem sempre 4 vê cruzando a estrada em seu cabriolé sem jamais parar para cumprimentá-lo. Vai adiando, portanto, atender ao chamado do coronel para que vá com ele conversar na casa-grande. Nessa parte, pode-se acompanhar o lento processo de enlouquecimento de Marta, sua filha, que José Amaro bate para tentar curar. O mestre recebe uma encomenda de compras de Antônio Silvino e sente-se muito orgulhoso em poder ajudá-lo. Seu caráter fechado e ranzinza vale-lhe a fama de se transformar em "lobisomem" e as pessoas temem encontrá-lo à noite. Por fim, tem de mandar a filha para o hospício no Recife e acaba por atender ao chamado do coronel Lula, que lhe ordena que se retire de suas terras. Segunda parte: o engenho de "seu" Lula No início da segunda parte do livro, temos uma regressão temporal, com o narrador retornando a 1850 ao contar a fundação do engenho Santa Fé pelo capitão Tomás Cabral de Melo. Mudando-se para a região antes de 1848, ele compra as terras e funda o engenho, o qual faz prosperar. Casa sua filha Amélia com Lula Chacon de Holanda, seu primo, que pouco interesse ou aptidão tem para dirigir o engenho. Adoentado, deixa sua mulher, dona Mariquinha, dirigir os negócios. Quando morre, Lula entra em disputa com a sogra e acaba por tomar-lhe as terras e o poder. Castigando os escravos com requintes de crueldade, andando com seu cabriolé para cima e para baixo, "seu" Lula vai se afastando cada vez mais do povo de Pilar e seu engenho entra em total decadência quando vem a abolição e seus escravos debandam. Autoritário, impede os homens de se aproximar da filha. Epiléptico, tem um ataque na igreja e passa a se dedicar com fervor à religião. Empobrecido, gasta até as últimas moedas de ouro que lhe deixou o sogro. Sente uma inveja enorme de seu vizinho José Paulino e de seu engenho Santa Rosa e despreza o espírito quixotesco de Vitorino Carneiro da Cunha. Essa parte encerra-se com a frase melancólica: "Acabara-se o Santa Fé". Terceira parte: o capitão Vitorino A primeira edição de Fogo Morto, capa e frontispício. Na terceira e última parte do romance, predomina a ação. O capitão Antônio Silvino invade a cidade de Pilar, saqueando casas e lojas. Invade o engenho Santa Fé, ameaça os moradores em busca do ouro escondido. Tentando defender o engenho, Vitorino é agredido e só a intervenção de José Paulino faz com que os cangaceiros desistam. Vitorino apanha também da polícia. Mestre José Amaro e seus companheiros são presos e agredidos. No final, após serem libertados, Vitorino e o mestre José Amaro seguem rumos diferentes. O primeiro pensa em influir politicamente na região. O segundo, abandonado pela mulher, com a filha louca e expulso de sua casa, acaba por cometer suicídio, enquanto o cabriolé de "seu" Lula passa pela estrada e o Santa Fé vira "engenho de fogo morto". As mulheres: filhas e esposas Há uma sinistra simetria entre a sofredora filha de José Amaro, Marta, solteirona que aos poucos enlouquece, e as duas filhas dos senhores do engenho Santa Fé, seus antagonistas. A filha mais nova do capitão Tomás Cabral de Melo, Olívia, enlouquece e perturba o silêncio áspero da casa-grande com seus gritos. Já a filha do coronel Lula de Holanda, Neném, impedida pelo pai de casar-se, é melancólica e soturna. Sem filhos homens, os opositores, ensimesmados, machistas e teimosos, acabam destruindo suas filhas. As mulheres dos protagonistas também assemelham-se muito. Sinhá Velha e Sinhá Adriana são mais práticas e racionais do que os maridos José Amaro e Vitorino, respectivamente, mas pouco podem contra o machismo e a teimosia dos homens. No engenho Santa Fé, as esposas sempre se mostram mais decididas e práticas do que o impotente Lula Chacon. Sua sogra, dona Mariquinha, comanda o engenho até a morte do marido, quando é passada para trás por Lula, que se mostra muito menos competente no comando do engenho e acaba por ser dirigido, sutilmente, por sua mulher, dona Amélia. Polícia ou bandido Polícia e bandido também assemelham-se muito. Tanto o capitão Antônio Silvino, o cangaceiro, quanto o tenente Maurício, chefe das tropas policiais, abusam da violência, ameaçam a todos, espancam o sonhador Vitorino e espalham o terror por onde passam. Mesmo se o povo, representado por José Amaro, respeita mais o cangaceiro. Suas ações, porém, comprovam, como constata Vitorino, que ele utiliza métodos abusivos e muito próximos do terror implantado por seu opositor. Vida e obra Um grande contador de histórias José Lins do Rego Cavalcanti nasceu no engenho Corredor, município de Pilar (Paraíba), em 3 de junho de 1901 e morreu no Rio de Janeiro em 1957. Órfão de mãe e com o pai ausente, foi criado (como seu personagem Carlos de Mello) no engenho do avô materno. Estudou inicialmente no interior da Paraíba, em Itabaiana, e depois na capital. Fez o curso superior na Faculdade de Direito em Recife, Pernambuco. Começou a escrever contos e artigos de temática política ainda estudante. Nessa época, iniciou sua amizade com José Américo de Almeida e Olívio Montenegro. Em 1923, conheceu Gilberto Freyre (1900l987), recém-chegado da Europa. Junto com eles, integrou o chamado "Grupo Modernista do Recife". José Lins dizia que, após conhecer Gilberto Freyre – sociólogo e escritor, autor de Casa-Grande e Senzala (1933) –, sua vida nunca mais foi a mesma: "De lá pra cá foram outras as minhas preocupações, [...] os meus planos, as minhas leituras, os meus entusiasmos". Sob a influência de Gilberto Freyre começou a escrever romances regionalistas. Caricatura de José Lins do Rego. Em 1924, casou-se com Philomena Massa (dona Naná). Teve três filhas: Maria Elizabeth, Maria da Glória e Maria Cristina. Em 1925, foi promotor público em Minas Gerais. Em 1926, transferiu-se para Maceió (Alagoas), onde trabalhou como fiscal de bancos por nove anos e conviveu com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima e outros. O contato com estes e outros artistas formou uma consciência regionalista em torno da vida nordestina, 5 que marcou a obra de todos eles, especialmente a de José Lins do Rego. Em Maceió, escreveu os três primeiros romances: Menino de Engenho, Doidinho e Bangüê. Seu livro de estreia, Menino de Engenho, foi publicado em 1932 e recebeu o prêmio da Fundação Graça Aranha. Muito bem recebida pela crítica, a edição de 2.000 exemplares foi quase totalmente vendida no Rio de Janeiro. Em 1935, nomeado fiscal do Imposto de Consumo, foi para o Rio de Janeiro, onde passou o resto de sua vida. Esteve em países sul-americanos, na Europa e no Oriente. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 15 de setembro de 1955. Dois anos depois, em 12 de setembro de 1957, morreu e foi enterrado no mausoléu da Academia, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. José Lins do Rego publicou 12 romances, um volume de memórias (Meus Verdes Anos), um de literatura infantil (Histórias da Velha Totônia), além de livros de viagem, conferências e crônicas. Seus romances são normalmente classificados em "ciclos" – séries de obras versando sobre os mesmos temas. O "Ciclo da Cana-de-Açúcar" incluiMenino de Engenho, Doidinho, Bangüê, Usina e Fogo Morto. O "Ciclo do Cangaço, Misticismo e Seca" inclui Pedra Bonita e Cangaceiros. Algumas obras têm implicações nos dois ciclos, como O Moleque Ricardo, Pureza, Riacho Doce; outras não participam de séries, como Água-Mãe e Eurídice. A aridez agreste e a exuberância da zona da mata Graciliano Ramos (1892-1953), um dos grandes escritores regionalistas surgidos na década de 30, foi grande amigo e admirador de José Lins do Rego, desde o primeiro encontro em Maceió, no início dos anos 30. Mesmo quando, em 1945, eles polemizaram pelos jornais sobre o Partido Comunista. Graciliano Ramos, que ingressara no partido, encerrou seu artigo com estas palavras de amizade: "Sinto discordar do meu velho amigo José Lins, grande cabeça e enorme coração". O "velho Graça" jamais esqueceria que, ao ser preso pela ditadura Vargas durante o ano de 1936, José Lins do Rego fora um dos brasileiros mais empenhados em conseguir sua libertação. Mas suas diferenças não foram apenas políticas. Para lembrar Enquanto a escrita de Graciliano era seca e contida como o sertão que descreve em Vidas Secas, a de José Lins era exuberante e derramada, como a natureza pródiga da Zona da Mata que abriga os engenhos de seus romances. Mas Fogo Morto, o mais contido e elaborado romance de José Lins, aproxima-se do colega alagoano ao apresentar a desumanização do homem nordestino. No romance São Bernardo (1934), de Graciliano Ramos, o narrador Paulo Honório, trabalhador braçal semi-alfabetizado, enriquece e compra, além da fazenda São Bernardo, sua esposa, a professora Madalena. Com um ciúme que remete a Dom Casmurro, de Machado de Assis, Paulo Honório é abandonado por todos após o suicídio da esposa. Descreve-se, então, como "um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes". Esse homem que se destrói na incapacidade de refletir ou de sentir além da ganância e dos instintos básicos, descreve-se como um "lobisomem". É assim que o povo da região vê o mestre José Amaro. E é como um "Papa-Rabo" que vêem o capitão Vitorino. FOGO MAL DA LEITURA EM A CARNE DE JÚLIO RIBEIRO JEOVÁ SANTANA O ano de 1888 tem na palavra liberdade um dos motivos para ser lembrado quando se entra nos arquivos da história. Neste recorte temporal, também a literatura foi marcada por substantivos acontecimentos. Estes contribuem para que ela se destaque quando utilizada como instrumento de pesquisa para se entender os mecanismos da formação nacional. Na trincheira da teoria literária, Sílvio Romero ergue os pilares de sua crítica; na ficção, Raul Pompéia se desvia da "fôrmas" naturalistas para imprimir embates psicológicos entre as paredes de O Atheneu; inaugurase o Gabinete Português de Leitura com a presença do escritor lusitano Ramalho Ortigão; funda-se a revista/jornal A família por Josephina, irmã de Álvares de Azevedo, com a instigante chamada: "mulher instruída é mulher emancipada". Estes são alguns tópicos que ajudam a enriquecer o clima cultural e político daquele momento. Neste ambiente movimentado, um respeitável professor e poliglota do Curso anexo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, resolveu voltar à cena da vida literária. Depois da discreta publicação de O padre Belchior de Pontes, feita onze anos antes, Júlio Ribeiro marca em definitivo seu nome na história da literatura com o romance A carne. Parece que o mote lançado pela irmã do autor de A lira dos vintes anos estava a merecer auxílio das malhas da ficção. Daí Júlio Ribeiro ter confeccionado sua personagem Lenita com uma profunda inclinação para transitar no mundo dos livros e exibir a invejável condição de pessoa culta. Se o autor tivesse ficado só na atribuição das qualidades raras à sua criatura, estaria sujeito aos parâmetros da crítica mas iria usufruir, posto em sossego, as carícias da glória. Seu problema é ter buscado no arsenal da escola naturalista os ingredientes para mostrar a moça atravessando os infortúnios da histeria, submetendo-a ao que Flora Sussekind chamou de "medicalização da linguagem". (nota 1) Este breve ensaio tem dois objetivos: primeiro, catalogar as diferentes situações em que a principal personagem de A carne está às voltas com práticas da leitura, e qual o efeito destas para o desdobramento da trama romanesca. Em segundo, arrolar as opiniões que a crítica literária destilou em relação ao texto de Júlio Ribeiro desde sua publicação até nossos dias. O romance se abre com uma frase sobre Lopes Matoso, pai de Lenita. O narrador nos diz que ele não foi um homem feliz, pois perdera pai e mãe muito cedo, num curto espaço do tempo. Esta fatalidade, contudo, não o impediu de angariar uma condição acima da média. Ele 6 perdera seus progenitores "quando apenas tinha completado o seu curso de preparatórios"(nota 2) , mas o destino permitiu-lhe continuar o destino de estudante através de "um amigo da família, o coronel Barbosa, que o fez continuar com os estudos e formar-se em direito." (nota 3)A tragédia, porém, voltará a seu caminho, ao perder a esposa no terceiro ano de casamento. A temática da filha sozinha no mundo já havia frequentado outras vezes a culinária da literatura, principalmente nas receitas do Naturalismo, cujo efeito orgânico imediato era a vítima cair nas garras da histeria. O homem, O mulato e A normalista são exemplos dessa tendência. Lenita vive sem mãe e vai perder o pai no desenrolar do romance. Mas recebe do genitor - ao contrário de suas companheiras de infortúnio - o legado de uma educação especial. Atado à viuvez precoce, o doutor Lopes Matoso, ameniza sua existência casmurra e faz da dedicação à filha sua única finalidade na vida: "Leitura, escrita, gramática, aritmética, álgebra, geometria, geografia, história, francês, espanhol, natação, equitação, ginástica, música, em tudo isso Lopes Matoso exercitou a filha porque em tudo era perito: com ela leu os clássicos portugueses, os autores estrangeiros de melhor nota, e tudo quanto havia de mais seleto na literatura do tempo." (nota 4) Este perfil feminino não encontrava oponente, tanto no bojo de outras páginas literárias, quanto nas ruas da São Paulo de então. Talvez fosse uma atitude de ironia por parte do autor, pois a educação feminina estava muito longe de degustar tantos e tão variados acepipes ligados ao corpo e ao espírito: "Lenita teve ótimos professores de línguas e de ciências; estudou o italiano, o alemão, o inglês, o latim, o grego; fez curso muito completos de matemáticas, de ciências físicas, e não se conservou estranha às mais complexas ciências sociológicas. Tudo lhe era fácil, nenhum campo parecia fechado a seu vasto talento." (nota 5) Este procedimento estético abre-lhe a guarda para o olhar afiado da crítica. O primeiro adversário é o padre Senna Freitas que, através dos jornais, irá desfiar golpes impiedosos contra o autor de A carne. Ás vezes sem levar em conta que o cerne da questão deveria ser centrada no fato de se estar diante de uma obra ficcional, o litigante de batinas busca elementos externos para embasar seu parecer crítico: "Se eu lograsse ter notícia do fojo encantado onde residia essa Aspásia do século XIX, ia lá fazer-lhe a minha romaria de amante das ciências. Vocação insólita, inaudita em S. Paulo, onde as moças, mesmo puramente literatas, só se podem descobrir com o olhar telescópico de um bom observador." (nota 6) Mas o opositor de Júlio Ribeiro também teve seus momentos de fino trato ao mover o bisturi de analista. Tentando se desvencilhar da esfera do meramente pessoal – a atitude do escritor atingido é muito mais agressiva – ele oferece uma importante contribuição para que se possam averiguar as condições materiais existentes em torno do livro em questão: "A carne é um romance de 278 páginas, elegantemente impresso em Portugal e editado em S. Paulo pelo livreiro Teixeira, emérito comprador em grosso de charqueada. Meus parabéns calorosos... O livro custa 3$000, como já disse. É provável que a ª 2 edição, se aparecer, e aparecer expurgada, custe o ª dobro. Não será caro. Eu não comprei a 1 edição e dava 6$ por aquele incontestável primor de estilo, com a placenta de menos. Mas neste caso o romance reduzido às meras descrições aberrantes do âmago do enredo, à dedicatória e à capa."(nota 7) Estes detalhes externos se tornam relevantes quando se observa que o êxito da personagem passa pelo crivo da economia. Depois de formar seu rico cabedal e se encontrar sozinha, Lenita vai em busca do ex-tutor de seu pai - o velho coronel Barbosa, que agora cuida da velhice, da fazenda e do reumatismo da esposa. Na sua bagagem, o narrador destaca os objetos formadores de sua sensibilidade, destacando os que ela aprendeu a amar na companhia do pai: "tinha levado consigo o seu piano, alguns bronzes artísticos, algum bibelots curiosos e muitos livros."(nota 8) Nesta lista é significativa a falta de referência a índices consagrados à vaidade feminina como joias, roupas e perfumes. Ao se instalar em seu novo ambiente, começa o ritual de valorização da leitura. Entre as lembranças do pai presentificadas nos livros em pequenos sinais como "passagem marcada a unha" e "folha dobrada" – e o esforço inútil de se fazer entender pela mulher do coronel, Lenita começa uma tensa relação com os textos que poderiam diminuir sua solidão. "Tal entretenimento cansava a moça, e ela recolhia-se logo aos seu cômodos para ler, para procurar distrair-se. Tomava um livro, deixava; tomava outro, deixava; era impossível a leitura" (nota 9) Esta falta de sintonia é o prenúncio dos distúrbios físicos que se tornarão o empecilho para que os livros recebam a mesma atenção de antes. A falta de novas leituras é uma ameaça à condição espiritual da personagem. "Uma languidez crescente, um esgotamento de forças, uma prostração quase completa ia-se apoderando de todo o seu ser: não lia, o piano conservava-se mudo"(nota 10) Após a primeira crise de histerismo e do diagnóstico médico, o repouso irá normalizar as funções do corpo e trazer de novo o apetite pela leitura. Mas agora o narrador aponta uma novidade: a heroína não quer mais saber de leituras densas, voltadas para informações científicas. Em troca desses livros "masculinos", Lenita agora se sente atraída por leituras mais "femininas". Nestas estão incluídas obras como Paulo e Virgínia, de Bernardim de Sainte Pierre (1737-1814). Trata-se de um dos romances mais consumidos no século XIX, com seu lacrimoso enredo entre dois jovens criados como irmãos numa ilha das Antilhas. Eles descobrem o amor na adolescência e terão a morte como inimiga do desfecho amoroso. É interessante notar que tal receituário adocicado passe a fazer parte da leitura de uma personagem que tinha ido muito além do acervo permitido aos olhos femininos do seu tempo. Há, no discurso deste narrador, a marcação ideológica das etiquetas a serem timbradas nas "leituras" ecomendadas para ambos os sexos. Aqui se instaura a pata do romantismo como a única a ser acariciada pelas gazelas urbanas. 7 "E Lenita sentia-se outra, feminizava-se. Não tinha mais os gostos viris de outros tempos, perdera a sede de ciência: de entre os livros que trouxera procurava os mais sentimentais. Releu Paulo e Virgínia, o livro quarto da Eneida, o sétimo de Telêmaco. A fome picaresca de Lazarilho de Tormes fê-la chorar." (nota 11) A leitura torna-se, então, um agente modificador da conduta da personagem. Se antes, ela invadira a sala de conhecimentos mais consagrados ao homem, "os gostos viris", agora se purga desse ato, tentando se situar no perfil de leitora de coisas amenas. Sua fome de leitura, portanto, só pode ser saciada no gabinete do romantismo. Um outro confronto sugestivo se dá entre seu corpo, espicaçado pelo desejo, e sua mente. Esta tenta sublimá-lo através do nível intelectual que havia alcançado. Podemos citar como exemplo desse embate uma passagem do terceiro capítulo, quando Lenita começa a observar os contornos de uma estátua intitulada "Gladiador Borghese". A virilidade com que as formas masculinas são apresentadas acaba por perturbar seu pensamento. Ela acha que todo seu conhecimento é inútil, pois se sente humilhada diante da força que a imagem esculpida tem ao despertar seus desejos carnais. Reconhecer tal volúpia é diminuir o valor de um cérebro que andara às voltas, inclusive, com matemática transcendental: "Não passava, na espécie, de uma simples fêmea, e que o que sentia era o desejo, era a necessidade orgânica do macho."(nota 12) Amenizar o braseiro dos instintos através de sentimentos mais nobres vai ser uma constante na trajetória da personagem; os livros não podem abarcar todas as explicações para os fenômenos da vida, mas ela vai buscá-las sempre que possível em suas páginas. Assim, diante do pavor da primeira menstruação, mesmo com as informações dadas pelo pai, são os livros encarregados em fornecer detalhes mais precisos. O narrador se arma com tintas do ateliê do naturalismo para adensar o texto, sapecando-lhe a terminologia médica. "Com o tempo, os livros de fisiologia acabaram de a edificar; em Püss aprendera que a menstruação é um muda epitelial do útero, conjunta por simpatia com a ovulação, e que o terrorífero e caluniado corrimento é apenas uma consequência natural dessa muda." (nota 13) A volta da saúde e os diferentes rumos da leitura trarão para Lenita a consciência de sua condição de mulher. Além de se integrar com a natureza através de idílicos passeios e caças, passa a cuidar melhor do item vaidade, aprumando melhor os vestidos e os cabelos e encharcando-se de perfumes. A entrada em cena de Barbosa, filho do coronel, que também vivia metido com livros, é o reforço para que a leitura não se perca naqueles devaneios e continue sendo um dos fundamentos básicos para o encaminhamento do romance. Antes de conhecê-lo, Lenita traça um retrato idealizado de sua figura, calcada no recente contato com leituras e releituras mais leves. Por causa disso, estas novamente ficam suspensas: "Voltava à casa, estendia-se na rede, com uma perna estirada sobre a outra, com um livro que não lia caído sobre o peito, com a cabeça muito pendida para trás, com os olhos meio cerrados, e assim quedava-se horas e horas em um lugar cheio de encantos." (nota 14) Depois do primeiro encontro, desanuvia-se seu castelo, pois a moça se decepciona com os modos rudes do cavalheiro. Mas os gosto pela leitura será a razão para que as falhas de etiqueta e indumentária sejam relevadas: "Daí em diante Lenita e Barbosa não se deixaram: liam juntos, estudavam juntos, passeavam juntos, tocavam piano a quatro mãos." (nota 15) São vários os caminhos didáticos que se desdobram a partir daí. Barbosa vai se tornar o tutor intelectual de Lenita. Traz para ela conhecimentos que ainda não haviam entrado em seu considerável bordado de leituras. O leitor vai junto neste périplo pedagógico, que nada mais é do que uma amostra grátis da bagagem intelectual do autor de A carne. O lastro em que as personagens se amparam é prova cabal disso, pois são informações extra-literárias que ajudam o texto se manter dentro dos moldes da escola naturalista: "Satisfeita a curiosidade científica de Lenita quanto ao estudo experimental da eletrologia, que ela dantes só aprendera teoricamente, passaram à química e à fisiologia. Depois foram à glótica, estudaram línguas, grego e latim com especialidade: traduziram os fragmentos de Epicuro, o De Natura Rerum de Lucrécio." (nota 16) Esta convivência, entre um homem separado e uma rapariga em flor, como era se esperar, termina por ser brindada com o colírio da paixão. A leitura enquanto fruição é outra vez obrigada ao silêncio: "Deitava-se, procurava ler, mas debalde. A imagem de Lenita interpunha-se entre ele e o impresso. Via-o junto de si, absorvia-se em contemplá-la nessa semialucinação, falava-lhe em voz alta, desesperava, depunha o livro ou o jornal, estendia-se, virava-se, adormecia, acordava, riscava o fósforo, olhava o relógio, via que era noite, tornava a adormecer, tornava a acordar, e assim continuava até que amanhecia, até que chegava a hora de levantar-se." (nota 17) Enquanto isso, Lenita entra numa fase mais aguda entre indisposição e leituras. Passa o dia "encorujada na rede", lendo a maior parte do dia, "friorenta, aborrecida, esplenética", se torturando para definir se seu problema era "patológico" ou "fisiológico". Pensando na "voz da carne", Lenita sente-se parte do elenco das mulheres devassas que circularam pelas alcovas da história como Pasifae, Fedra, Júlia, Messalina, Teodora, Impéria, Lucrécia Borgia, Catarina da Rússia. Tais companhias brotam de sua convivência com o ritmo alucinante da "lascívia da flora" e do "furor erótico da fauna". Com a chegada de Barbosa, suas crises de histerismo e sua solidão por não ter com que dividir a paixão pelos livros tiveram um intervalo. E no seu desejo de ultrapassar limites desafiava, inclusive, o crivo do casamento como álibi para se obter felicidade. Por isso, não sente o menor pudor em se imaginar ao lado do seu amado e de quantos cruzassem seu caminho. Esta atitude só poderia nascer de uma mente acostumada ao uso dos mecanismos da lógica: "Teria amantes, por que não? Que lhe importava a ela as murmurações, os diz-que-diz-ques da sociedade brasileira, hipócrita maldizente. Era moça, sensual, rica 8 – gozava. Escandalizavam-se, pois que se escandalizassem." (nota 18) Barbosa tem um discurso marcado pelo meio termo. Posiciona-se contra a sociedade, mas cataloga almeja ficar com Lenita sem afrontar as regras sociais: "Casar com Lenita não podia, era casado. Tomá-la por amante? Certo que não. Preconceitos íntimos não os tinha; para ele o casamento era uma instituição egoística, hipócrita, profundamente imoral, soberanamente estúpida. Todavia era uma instituição velha de milhares de anos, e nada demais perigoso do que arrostar, contrariar de chofre as velhas instituições; elas hão de cair, sim, mas com o tempo, com a mesma lentidão com que se formaram, e não de chofre, como um relâmpago. A sociedade estigmatizava o amor livre, o amor ficará fora do casamento; força era aceitar o decreto da sociedade." (nota 19) Ao criar personagens com tão alta linhagem intelectual, Júlio Ribeiro vai além de contar uma simples história de amor. Inserir o tema do histerismo foi a pitada suficiente para que o livro ganhasse o rótulo de leitura perigosa para as relações entre o leitor e sua sociedade. Mas antes da literatura, os padrões morais tinham sofrido o ataque arrasador vindo das descobertas científicas. No afã de dar seu testemunho estético em época tão tumultuada, o autor logrou os resultados que estariam ao alcance de sua proposta, embora muitas vezes, ele pareça se esquecer do leitor ao esmiuçar tanta erudição: "A árvore é autóctone da China e do Japão, onde vive em estado selvagem, é a eribotria, mespilus japonica. Está destinada a um grande papel no futuro, quando este país se tornar industrial. A geléia que produz não tem competidora, e a sua aguardente, coobada, levará de vencida a famosa kirchwasser." (nota 20) Dentro da perspectiva anti-romântica em que a obra se situa, há certamente momentos de exagero. Um deles é a longa carta que Barbosa envia para Lenita, quando vai a Santos resolver uma pendência jurídica do pai. A angústia com que ela procura declarações mais íntimas – que só aparecem depois de uma exaustiva descrição da paisagem santista – deve ter sido compartilhada pelas leitoras da época, já acostumadas com a rapidez das cartas e bilhetes da dupla AlencarMachado. Nada mais enfadonho do que aquela enxurrada de palavras a deslizar numa carta escrita em "muitas folhas de papel paquete, pelure d’oignon cobertas de letras cursivas em todas as laudas, tudo numerado muito em ordem." (nota 21) No momento em que a carta se torna mais pessoal, o dedo do anti-romantismo se faz presente para dizer que estas personagens são de outra estirpe, com menos camada de fantasia no molde que lhes dá forma. Daí a crueza com que Barbosa expõe seu sentimento em relação à ausência de Lenita, arrefecendo quaisquer possibilidades de ser fisgado pelos chavões que marcam os pares românticos: "Não sinto saudade da nossa convivência, de nossas palestras aí no sítio: a expressão saudade tem poesia demais e realismo de menos. O que há é necessidade , é fome, é sede de companhia de quem me compreenda, de quem me faça pensar... da sua companhia." (nota 22) O reencontro, que deveria ser consumido em redizer juras de amor, é marcado pelas considerações em torno das lições que foram interrompidas por causa da viagem, criando-se um clima totalmente artificial, como se os dois enamorados estivessem numa sala de aula: "- Diga-me, perguntou-lhe a moça, como se chamam estes pássaros verdes de bico redondo? • Chamam-se sabiacis. • No Brasil os psitacídios serão representados sempre por arás e papagaios? • Em São Paulo, pelo menos, são. • Quantas espécies temos de papagaios? • Ao certo, que eu saiba, seis: tuins, periquitos, cuiús, sabiacis, que são estes, baitacas e papagaios propriamente ditos."(nota 23) São recursos dessa ordem que fizeram da obra de Júlio Ribeiro um alvo fácil para muitas críticas corrosivas. O casamento de Lenita para dar um pai ao filho que era de Barbosa e o suicídio deste, acabaram por fragilizar de vez a estrutura do romance que tinha no histerismo seu grande trunfo. O que se salva, então, é a alta dosagem de erotismo que marca o encontro entre as duas personagens. A celebração da carne se torna muito mais forte que o discurso que questiona os valores burgueses. "No amor enorme de que se via repassada, Lenita reconheceu o sentimento tão ridiculamente guindado ao sublime pelo romantismo piegas, e todavia tão egoístico, tão animal – a maternidade." (nota 24) Como ficou estabelecido na primeira parte, procuramos captar o papel que a leitura exerceu dentro romance. Ela foi o instrumento que serviu para a edificação espiritual das personagens, mas não pôde salvá-las de sua ruína como atestam estas palavras de Lenita em sua última carta para Barbosa: "Qual tem sido a minha vida desde que vim da fazenda? Nem eu mesma sei. Estudar não tenho estudado; fui sábia, fui preciosa tanto tempo, que achei de justiça darme ao luxo de ser ignorante, de ser mulher um poucochinho." (nota 25) Com as exceções do padre Senna Freitas e de Silvio Romero, que vêem no excesso de conhecimentos de Lenita um dos defeitos capitais da obra de Júlio Ribeiro, a maior parte dos críticos volta-se para o histerismo e a relação deste com os pressupostos naturalistas. O primeiro a tomar esta direção foi José Veríssimo: "A carne, nos mais apertados moldes do zolismo e cujo título por si indica a feição voluntária e escandalosamente obscena do romance. Salva-o, entretanto, de completo malogro o vigor de certas descrições. Mas A carne vinha ao cabo confirmar a incapacidade do distinto gramático para obras de imaginação já provada em Padre Belchior de Pontes. É como ela descrevi em 1889, ainda vivo o autor, o parto monstruoso de um cérebro artisticamente enfermo (138). Mas ainda assim no nosso mofino naturalismo sectário, um livro que merece lembrado (sic) e que, com todos os seus defeitos, seguramente revela talento." (nota 26) Caminho não muito diferente é seguido por Araripe Jr., que dedica ao livro um capítulo no segundo volume de sua obra crítica onde, entre algumas considerações de estética, nega a tese do histerismo apresentada no romance: 9 "O autor apaixonou-se por essa tese difícil de uma mulher que, de súbito acordando da inocência, entregou-se às fúrias da carne. Passou-lhe por diante dos olhos a imagem da Fedra moderna; e o seu pincel, lançando-se de um lado para outro da tela fulgurante, fê-la surgir em toda a sua beleza e consciente hediondez. Não foi, porém, como a muitos outros tem parecido, a Fedra histérica, mas a Fedra literária. Não é um caso mórbido de uma outra Magda, mas um caso perfeitamente fisiológico. E, para isto, basta atender às cenas críticas, aos pontos culminantes do livro, em que as pujanças eróticas dessa moça, ilustrada como a quis fazer o romancista, e, portanto, inacessível aos prejuízos e pudores extemporâneos, erguem-se, desenvolvem-se, atingem ao acume, descambam e resolvem-se por um modo frio, filosófico, - progresão e resolução inteiramente incompatíveis com a fenomenalidade mórbida da histeria maior que se tem querido atribuir à amante de Barbosa." (nota 27) Saindo um pouco da discussão clínica, Ronald de Carvalho lembra que os dois romances de Júlio Riberiro, A carne e O padre Belchior de Pontes, não estiveram à altura do seu talento. Em relação ao livro aqui discutido, ele contrabalança seus aspectos positivos e negativos: "A carne é um livro de exaltação, um hino dionisíaco ao prazer, ao gosto relativista, ao aproveitamento do momento que passa. Apesar do processo zolista, evidente que no arranjo das cenas, no exagero das paixões, na brutalidade das criaturas, e, até, num certo propósito de confundir o leitor ingênuo; apesar da grosseria da palavra e do gesto, notadamente violentos e estranhos, ásperos e pesados, há na Carne uma poesia instintiva, um penetrante perfume de selva exuberante e selvagem. É uma obra comprometida pelo tom geral e escandaloso e atrevido, mas onde, não se pode negar, sobressaem muitas qualidades apreciáveis e um forte lirismo." (nota 28) Agripino Grieco retorna à linha do escândalo em sua análise sobre a evolução da ficção brasileira e a posição da obra de Júlio Ribeiro dentro da mesma: "Com as patifarias de Lenita, esse professor da Paulicéia serviu pastilhas afrodisíacas aos estudantes ginasianos, embora depois lhes esfriasse o ânimo com as austeras lições de complicadíssima gramática. Pedagogo atacado de delírio erótico, Julio Ribeiro, pôs o seu casal frascário a vagar por entre as mais lindas paisagens, à maneira de um magarefe idílico, de um charcuteiro que amasse as árvores e as flores. Mas, examinando-se bem, haveria na publicação desse romance uma espécie de provocação aos puritanos da província que irritavam o evocador do padre Belchior de Pontes." (nota 29) Na mesma linha concisa trabalha Antonio Soares Amora, que contrapões o tom polêmico do livro e seus deslizes estéticos: "Desde o momento do seu aparecimento teve, A carne, como não podia deixar de ser, o condão de despertar violentas críticas: é que o romance, intencionalmente naturalista, dedicado a Emilio Zola, vinha de consagrado mestre da língua; no entanto chocava, como ainda hoje choca, pela concepção materialista da vida, onde são falsos os caracteres, sobretudo Lenita, a protagonista, e má a tecedura gramatical. Boa no romance apenas a expressão literária, que é de um admirável escritor. Apesar de tudo o que evidentemente tem de mau o romance, enquanto romance, continua a despertar interesse de certo público, pelo que oferece, já no título, dos "segredos materialistas" da patologia sexual."(nota 30) Bem mais cortante é a avaliação de Lúcia Miguel Pereira. Ela não ameniza os defeitos do livro e encontra nele qualidades mínimas. Lenita, em sua opinião, é a causa maior para o desarranjo estrutural da trama elaborada por Júlio Ribeiro: "O caso de Júlio Ribeiro é típico. Filólogo e polemista de valor, autor de um romance histórico do mais desmarcado romantismo, com cenas à Eurico, deixouse empolgar pelos famosos ‘estudos de temperamento’. E malgrado seu poder descritivo, só conseguiu compor um livro ridículo. (...) Lenita é tão inexistente, com seu corpo demasiadamente exigente, como as incorpóreas heroínas românticas. Como a maior parte das personagens do nosso naturalismo, foi uma romântica às avessas, isto é, construída, não segundo a observação, mas de acordo com fórmulas preestabelecidas, que prescreviam a substituição dos sentimentos pelos instintos." (nota 31) A personagem mais famosa de Júlio Ribeiro também recebeu as agudas considerações de Silvio Romero. Ao comentar os livros naturalistas lançados em 1888, o eminente crítico chama a atenção para o papel da leitura na formação da personalidade difusa da amante de Barbosa: "Lenita é uma preciosa de truz, uma pedantesca moça, a quem a leitura e o estudo desorientado não puderam sofrear os ímpetos da carne e que se prostituiu sofregamente com o primeiro que lhe apareceu e que lhe dava lições." (nota 32) Como se pôde observar a crítica é unânime em apontar os defeitos estampados em A carne. Mas ele continua a ser um romance de referência a certo momento da cronologia literária brasileira. Conseguiu sobreviver com a mesmo marcado pela precariedade estética, como exemplifica estas duas citações de Nelson Werneck Sodré. A primeira quando diz que " A carne terá longa vida, apesar de todas as suas deficências."(nota 33) A Segunda, bem mais ácida, quando explica como o livro atingiria tal longevidade, mesmo sendo a criação de Júlio Ribeiro "marginal nas letras, não resiste à menor análise, seja de forma, seja de conteúdo"(nota 34). O fato de o romancista ser um conhecedor da língua serviu, segundo Werneck, para que existissem no texto "fragmentos aproveitáveis. Isso não importa, entretanto, para a sua conceituação, não altera o problema fundamental."(nota 35) Uma voz um pouco mais solidária vem de Flora Sussekind ao rebater as opiniões de José Veríssimo e Lúcia Miguel Pereira. Estes vêem inconsistência nos romances que abordavam casos de doenças, pois tal tema estaria distanciado da realidade nacional: "Seriam, no entanto, tais estudos de temperamento tão fora de propósito, tão afastados da sociedade brasileira? Por que fizeram escola? Por que a prefer6encia pelas ‘nevropatas’ em detrimento de personagens coletivos ou romances cujo cenário fosse mais amplo do que uma 10 típica casa de família? Seria possível, ainda, considerarmos gratuita tal refer6encia quando associamos à voga cientificista e ao desenvolvimento de uma medicina do comportamento no final do século?"(nota 36) Outro parecer importante veio nas notas homeopáticas de Alfredo Bosi em sua História concisa da literatura brasileira. Segundo ele, a criação de romances como A carne em obediência rígida aos princípios naturalistas, fez com eles fossem marcados "por desvios melodramáticos ou distorções psicológicas grosseiras"(nota 37). Tanto o romance de Júlio Ribeiro quanto O missionário, de Inglês de Sousa e A normalista, de Adolfo Caminha, "caíram sob o peso de esquemas preconcebidos, pouco vindo a salvar-se do ponto de vista ficcional"(nota 38). Para arrematar , Bosi diz que A carne, ao lado de O cromo, de Horácio Carvalho, são "meros apêndices do naturalismo" (nota 39) É salutar que tanta divergência tenha sido causado por este ato aparentemente simples: a leitura de um texto. A análise que o "mal" que a leitura pode provocar, usandose a própria literatura como paciente, não deixa de ser uma experiência ímpar. Se o legado de Júlio Ribeiro suscita tanta controvérsia, apesar dos defeitos que tanto são unânimes em apontar em seu livro, imagine os tesouros se serem obtidos se tal empreitada investigativa for feita, por exemplo, em Madame Bovary e Dom Quixote, dois ícones da relação entre o prazer e a ruína provocados pela leitura . Mas isso já é uma outra história, isto é, uma outra página. Por enquanto, fiquemos com os fragmentos que o discurso de Júlio Ribeiro foi capaz de fazer para a construção amorosa deste ensaio. Campinas, sexta-feira, 13 de novembro de 1998. 12:25 BIBLIOGRAFIA • AMORA, Antonio Soares. História da literatura brasileira. São Paulo: Edição Saraiva, 1958. • BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1993. • CARVALHO, Ronald de. Pequena história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: F. Briguet & Cia., Editores, 1935. • GRIECO, Agripino. Evolução da prosa brasileira. Rio de janeiro: Ariel, 1933. • JUNIOR, Araripe. Obra crítica. Rio de janeiro: MEC/Casa de Rui Barbosa, 1960. • PEREIRA, Lúcia Miguel. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro, José Olimpio, 1950 • RIBEIRO, Júlio. A carne. Rio de Janeiro: Editora Três, 1972. • ROMERO, Silvio. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1954. • SODRÉ, Nelson Werneck. 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A maior qualidade do romancista não está precisamente em sua ficção, mas em sua disposição para chocar uma sociedade moralmente hipócrita que veio por décadas lhe aprisionar à margem da grande Literatura. A divergência de opiniões a respeito do romance tem fundamento. A temática naturalista de Júlio Ribeiro explicita manifestações de desejo sexual, sadismo, ninfomania, perversões, nudez e sexo. O olhar sobre o livro, enfim, sempre se dividiu entre a apreciação estética e o julgamento moral. Foram vários os vetos feitos ao livro, entre os quais o mais categórico partiu de Álvaro Lins que, em 1941, classificou a obra como "mediocridade intelectual". Manuel Bandeira lhe rendeu uma análise biográfica cercada de integridade moral, mas foi um dos poucos a lhe render glórias por sua posição didática e combativa. Com uma personagem diferente, ativa com intensos desejos sexuais, Júlio Ribeiro foi alvo de infinitas ofensas e injúrias. Por causa de uma mulher "perigosa", quiçá, as outras denúncias de Júlio Ribeiro ficassem despercebidas ou os críticos não as queriam ver. A personagem principal Helena Matoso, mais conhecida pela alcunha de Lenita, sente fortes concupiscências. Para muitos críticos, esse intenso desejo, provocado pela carne, será considerado um “histerismo”, qualidade que advém de Magdá, a histérica personagem do romance de Aluísio Azevedo: O homem (1887). Muitos estudos tecem essa semelhança devido à irritabilidade ou ao nervosismo excessivo causado pela força da carne – do desejo sexual – em ambas. Para Magdá, seria certa a tese da histeria. Para Lenita, não. A personagem Lenita chocou a sociedade do final do século XIX, causando-lhe incômodo, que ainda via a mulher como ser passivo, devendo ser sempre inferior aos homens. A Carne recebeu vários predicativos à época, a maioria depreciativos, por causa de cenas lúbricas. Ademais, o espanto se deu não só por causa do erotismo da trama, mas também por causa de uma mulher independente, rica e inteligente – mesmo que esta estivesse atrás da máscara do sexo apresentado no romance, sendo difícil sua aceitação para o mundo de então; essa mulher de vanguarda foi vista pela miopia enferma da sociedade cujas dimensões ultrapassavam o natural, e esta, querendo perenizar conceitos e tabus ultrapassados, deixou que os momentos eróticos e exóticos fossem o único ponto 11 máximo do romance, encobrindo a importância da heroína ao contexto social brasileiro e mundial. A cegueira da sociedade foi contaminada pelo tom “obsceno” do livro, e o mais importante foi esquecido: o surgimento de uma mulher independente, em todos os sentidos, mesmo que seja em romances. O livro era dissidente e, por isso, obteve alguns poucos panegíricos e muitas depreciações. Não houve parcimônia a Júlio Ribeiro. Ele foi um escritor que causou uma espécie de cissiparidade nos leitores: ao mesmo tempo em que desdenhavam o romance, liam-no em solipsismo. Todavia, mais tardar, as críticas de tom exageradamente leviano tão-somente ajudariam a promover a obra, pois, através dos julgamentos ferinos, A Carne foi ganhando mais e mais popularidade. Se não pelo seu “valor literário”, como julgavam e ainda julgam, pelo menos, pela polêmica que causou a obra, introduzindo aos leitores, mesmo sendo com suaves matizes, ideais progressistas que tanto defendia Júlio Ribeiro: modernização do Brasil, abolição da escravatura, a República, entre outros. Assim, até mesmo aqueles que repudiavam a obra, liam-na às escondidas, intencionando descobrir o proibido, querendo ter acesso ao que, socialmente, não era permitido. Enredo O livro conta a história da garota Lenita, cuja mãe morrera em seu nascimento e o pai educara-a ministrando-lhe instrução acima do comum. Lenita era uma garota especial, inteligente e cheia de vida. No entanto, aos 22 anos, após a morte de seu pai, tornouse uma jovem extremamente sensível e teve sua saúde abalada. Com o intuito de sentir-se melhor, Lenita decide ir viver no interior de São Paulo, na fazenda do coronel Barbosa, velho que havia criado seu pai. Lá, conhece Manuel Barbosa, o filho do coronel. Manuel era um homem já maduro e exímio conhecedor das coisas da vida, vivia trancado no quarto com seus livros e periodicamente partia para longas caçadas; vivera por dez anos na Europa, onde se casara com uma francesa de quem separara-se há muito tempo. Lenita firmara uma sólida amizade com Manuel, que, aos poucos, vai se revelando uma tórrida paixão, no início, repelida por ambos, mas depois consolidada com fervor em nome do forte desejo da "carne". O livro narra a ardente trajetória desse romance singular, marcado por encontros e desencontros, prazer e violência, desejo e sadismo, batalha entre mente e carne. A história caminha para um trágico desfecho a partir do momento em que Lenita, encontrando cartas de outras mulheres guardadas por Manuel, sente-se traída e resolve abandoná-lo; estando grávida de três meses, casa-se com outro homem. Manuel, não suportando tamanha traição, suicida-se, o que comprova o resultado final da batalha "mente versus carne". No início, triunfam os prazeres da carne, no trágico final, os desenganos da mente. Comentários Ronald de Carvalho lembra que o romance A Carne, não esteve à altura do seu talento. Ele contrabalança seus aspectos positivos e negativos: "A Carne é um livro de exaltação, um hino dionisíaco ao prazer, ao gosto relativista, ao aproveitamento do momento que passa. Apesar do processo zolista, evidente que no arranjo das cenas, no exagero das paixões, na brutalidade das criaturas, e, até, num certo propósito de confundir o leitor ingênuo; apesar da grosseria da palavra e do gesto, notadamente violentos e estranhos, ásperos e pesados, há na Carne uma poesia instintiva, um penetrante perfume de selva exuberante e selvagem. É uma obra comprometida pelo tom geral e escandaloso e atrevido, mas onde, não se pode negar, sobressaem muitas qualidades apreciáveis e um forte lirismo." Agripino Grieco retorna à linha do escândalo em sua análise sobre a evolução da ficção brasileira e a posição da obra de Júlio Ribeiro dentro da mesma: "Com as patifarias de Lenita, esse professor da Paulicéia serviu pastilhas afrodisíacas aos estudantes ginasianos, embora depois lhes esfriasse o ânimo com as austeras lições de complicadíssima gramática. Pedagogo atacado de delírio erótico, Júlio Ribeiro pôs o seu casal frascário a vagar por entre as mais lindas paisagens, à maneira de um magarefe idílico, de um charcuteiro que amasse as árvores e as flores. Mas, examinando-se bem, haveria na publicação desse romance uma espécie de provocação aos puritanos da província que irritavam o evocador do padre Belchior de Pontes." Na mesma linha concisa trabalha Antonio Soares Amora, que contrapões o tom polêmico do livro e seus deslizes estéticos: "Desde o momento do seu aparecimento teve, A Carne, como não podia deixar de ser, o condão de despertar violentas críticas: é que o romance, intencionalmente naturalista, dedicado a Emilio Zola, vinha de consagrado mestre da língua; no entanto chocava, como ainda hoje choca, pela concepção materialista da vida, onde são falsos os caracteres, sobretudo Lenita, a protagonista, e má a tecedura gramatical. Boa no romance apenas a expressão literária, que é de um admirável escritor. Apesar de tudo o que evidentemente tem de mau o romance, enquanto romance, continua a despertar interesse de certo público, pelo que oferece, já no título, dos "segredos materialistas" da patologia sexual." Bem mais cortante é a avaliação de Lúcia Miguel Pereira. Ela não ameniza os defeitos do livro e encontra nele qualidades mínimas. Lenita, em sua opinião, é a causa maior para o desarranjo estrutural da trama elaborada por Júlio Ribeiro: "O caso de Júlio Ribeiro é típico. Filólogo e polemista de valor, autor de um romance histórico do mais desmarcado romantismo, com cenas à Eurico, deixouse empolgar pelos famosos ‘estudos de temperamento’. E malgrado seu poder descritivo, só conseguiu compor um livro ridículo. (...) Lenita é tão inexistente, com seu corpo demasiadamente exigente, como as incorpóreas heroínas românticas. Como a maior parte das personagens do nosso naturalismo, foi uma romântica às avessas, isto é, construída, não segundo a 12 observação, mas de acordo com fórmulas preestabelecidas, que prescreviam a substituição dos sentimentos pelos instintos." A personagem mais famosa de Júlio Ribeiro também recebeu as agudas considerações de Silvio Romero. Ao comentar os livros naturalistas lançados em 1888, o eminente crítico chama a atenção para o papel da leitura na formação da personalidade difusa da amante de Barbosa: "Lenita é uma preciosa de truz, uma pedantesca moça, a quem a leitura e o estudo desorientado não puderam sofrear os ímpetos da carne e que se prostituiu sofregamente com o primeiro que lhe apareceu e que lhe dava lições." A estética romântica em Lucíola, de José de Alencar Marília Couto* Introdução Toda forma literária é, até certo ponto, tradução do pensamento e do comportamento de uma época, quer seja para enfatizá-los ou criticá-los. Durante o Romantismo brasileiro, principalmente em José de Alencar, vê-se que as obras apresentam essas duas facetas: criticam, por meio de diversas situações, a sociedade burguesa, mas permitem a influência da estética vigente no século XIX no desenrolar do enredo e nas atitudes dos personagens. Em Lucíola (1862), não acontece diferente; Alencar constrói uma personagem (Maria da Glória/Lucíola) que ora simboliza a degradação burguesa – movida pela importância e força do dinheiro –, ora é o protótipo da mulher romântica – movida pelo amor. A sociedade do tempo de Lúcia é distinguida por algumas características bastante peculiares, conforme é possível notar no texto a seguir. 1. A sociedade imperial Alencar, com seus “perfis de mulheres” (como são consideradas as obras Cinco Minutos, A viuvinha, Lucíola, Diva, A pata da gazela, Sonhos d’ouro, Senhora e Encarnação), retrata o Rio de Janeiro de meados do século XIX, com seus suntuosos bailes – polo de exibição da riqueza burguesa, suas belas mulheres e seus galantes homens. No Brasil, desde 1822, dá-se início ao regime imperial, marcado pela Proclamação da Independência (em 1822) e pela Proclamação da República (em 1889). Nesse período, em que a escravidão (e, portanto, a compra e venda de escravos) era um tema extremamente preponderante, a sociedade chamada burguesa, que havia enriquecido e se fortalecido a ponto de “dominar a vida política, social e econômica a partir da Revolução Francesa, se tornava o referencial do pensamento e dos costumes de uma época”, segundo Ferreira (1980, p. 108). Além da escravidão, outro importante aspecto do período imperial é a influência europeia, principalmente da França, conforme afirma Alencastro (1997): Entretanto, o estabelecimento do Segundo Império na França (1852-70) dá ao Segundo Reinado um novo tom de modernidade e confirma o francesismo das elites brasileiras. Francesismo que ia além da cópia das modas parisienses expostas nas lojas da Rua do Ouvidor […] (p. 43). Uma das influências francesas no campo musical brasileiro é o apreço ao piano, que se constitui na “mercadoria fetiche” dessa fase (ALENCASTRO, 1997, p. 46). Mesmo sem saber dedilhar um teclado, o importante era ostentar essa peça, que representava modernidade, requinte e riqueza. A sociedade burguesa preocupava-se demasiadamente com a exposição de seus tão desejados objetos. Mas de que adiantava ter um piano se não houvesse oportunidade de exibi-lo? Coincidentemente, o baile, durante o Romantismo, é hiper valorizado: Ora, se os romancistas e os poetas assim se inspiravam no baile era porque ele se constituía o lixo da nossa vida social e sentimental no século passado. Vivendo as mulheres reclusas no âmbito doméstico sob a vigilância doas pais, sem baile dificilmente poderia haver namoro. E quando os pais não arranjavam o casamento da filha ou até do filho, sem consultá-los, o que se dava com frequência na época, o baile é que desempenhava essa função. (BROCA, 1979, p. 137) Daí entende-se por que exibir-se era tão importante: quanto mais riquezas fossem mostradas, em maior nível de consideração estariam as famílias e, sendo assim, seus filhos fariam melhores casamentos (ou seja, somariam riquezas), portanto, a importância da família em nada seria diminuída. A sociedade burguesa caracteriza-se por ser dotada de moral irrepreensível em público, exigia-se das mulheres que fossem pudicas e recatadas e dos homens que fossem galantes, distintos, justos e honestos, o menor desvio de conduta criava oportunidade para comentários sem fim; porém, esse rígido costume burguês limitavase ao convívio coletivo, pois o íntimo escondia delicados segredos. Era assim o tempo das aparências, no qual não importava exatamente ser, mas parecer ser, características que tempos depois se vê desembocar na sociedade contemporânea do Pré-Modernismo. Não é de se admirar que a protagonista de Lucíola seja uma prostituta. O Rio de Janeiro imperial era recheado de bordéis e, ainda que a obra tenha causado impacto na época em que foi publicada, ela retratava um cenário absolutamente real. Santos Moraes (1997), importante crítico literário que se debruçou sobre as personagens femininas da literatura brasileira, analisa a recepção da obraLucíola em meados de 1800: Lucíola foi um romance ousado para a época, seu tema escandalizou os leitores e a sociedade de então, pois contava a história ainda não colocada – até então – em termos de literatura entre nós – o da prostituição. Apesar das roupagens românticas, pois a 13 personagem era boa de coração, demonstrando uso na abnegação e no estoicismo com que se sacrificou por sua família, não seria tão fácil a aceitação de um livro como esse, que desvendava, em cenas íntimas e descrições bem marcantes, a vida de uma famosa mundana. (SANTOS MORAES, 1971, p. 25) Alencastro (1997) observa o estado da prostituição no Rio de Janeiro nessa mesma época e aponta que Lúcia é uma representação de mulheres reais que se entregavam à vida nos bordéis ou que se gerenciavam independentemente: Com efeito, uma estatística da polícia observava, em 1859, que na Freguesia do Sacramento, no centro do Rio, havia perto de mil prostitutas, das quais novecentas eram estrangeiras. O bordel mais célebre da corte em meados do século deve ter sido o da “Barbada” […] Fora as marafonas de luxo, do tipo da personagem de Lucíola (1862), no romance de José de Alencar, houve, primeiro, uma rede de tráfico de mulheres dos Açores e, da Madeira […] (op. cit., p. 74) 1.1 A questão do exibicionismo em Lucíola São várias as passagens que indiciam quanto há na obra a necessidade de revelar a condição financeira por meio dos objetos ou trajes. Sabendo-se do grande refinamento que um piano representava na época, o mínimo que se espera é que Lúcia, como uma mulher bastante afortunada, possua um. Lúcia fitou-me por muito tempo, e chegou-se ao espelho para dar os últimos toques ao seu traje, que se compunha de um vestido escarlate com largos folhos de renda preta, bastante decotado para deixar ver as suas belas espáduas, de um filó alvo e transparente que flutuava-lhe pelo seio cingindo o colo, e de uma profusão de brilhantes magníficos capaz de tentar Eva, se ela tivesse resistido ao fruto proibido. (ALENCAR, 1987, p. 71) No momento em que Lúcia resolve viver de forma mais reservada, sem grandes ostentações, inevitavelmente a sociedade volta seus olhos para isso e não aceita, que alguém, tendo o que exibir, queira viver discretamente. – Não tens sido vista nos teatros e passeios, já não tens um carro; não és enfim a mulher do tom que eu ainda conheci! – Aborreci-me de tudo isto! – Não te podes aborrecer sem que o mundo repare! – Como! Não sou senhora de viver a seu modo, desde que com isso não faço mal a ninguém? Se apareço; é um escândalo; se fico no meu canto, ainda se ocupam comigo. – Que queres! Há certas vidas que não se pertencem, mas à sociedade onde existem. (Id., ibid., p.67) Ao perceber a exigência da sociedade de que ela expusesse toda a sua gama de riquezas, Lúcia imediatamente manda fazer vestidos, compra cavalos, joias e um camarote no teatro para que todos possam ver sua volta triunfal às passarelas burguesas. Porém, esse ato bastante a desagrada, pois não é voluntário, é apenas um capricho do meio em que ela está inserida. O trecho citado demonstra ainda como Lúcia, mesmo pertencendo à classe burguesa, é desprendida de bens materiais e da exibição dos mesmos. Já despontam nela princípios que estão na José de Alencar (1829-1877) constrói contramão do uma personagem que ora simboliza a padrão do degradação burguesa – movida pela século XIX. importância e força do dinheiro –, ora é o protótipo da mulher romântica – 2. Lúcia e o movida pelo amor. protótipo da mulher romântica Ao contrário do protótipo da mulher típica do Romantismo, sempre bela, casta, submissa, defensora da moral e dos bons costumes, as personagens femininas de José de Alencar se destacam por seu comportamento nada comum: Aurélia, de Senhora (1875), é a mulher que, mesmo amando intensamente Seixas, se deixa dominar pelo desejo de vingança e vê no casamento a oportunidade perfeita para chegar ao auge de sua pretensão. Emília, de Diva (1864), comporta-se de forma semelhante a Aurélia: ama Augusto (ocultamente), mas diante dele mantém sua postura altiva e fria a fim de desprezá-lo. Lúcia, deLucíola (1862), em oposição à castidade exigida das mulheres na estética romântica, é a meretriz desejada pelos homens que se entrega a eles como forma de punição a seus desvios de conduta. Mesmo contendo aspectos pouco recorrentes nas obras românticas, na prosa alencariana o amor é o fio condutor que perpassa todo o enredo nas obras citadas, é ele que, ao final, ainda diante de todas as contrariedades, vence. Em Lucíola, ainda que o autor explore a vida íntima de uma mulher devassa e desprezível segundo os padrões comportamentais vigentes na época, a personagem Lúcia se redime de todos seus pecados pela força e pureza do amor, segundo é possível observar no trecho que se segue, de Santos Moraes (1971): História no mais puro estilo romântico, fantasiosa, baseada numa idealização de natureza humana, versava o tema tão caro ao romantismo, o da mocinha pura e inocente arrastada à prostituição por um homem mau, que vendia seu corpo para ajudar a família, e afinal, quando encontrou um verdadeiro amor personificado em um homem que a compreendesse e aceitasse, redimiu-se. (p. 14 28-29) Note-se que Lúcia não opta pela prostituição, é levada a ela por conta da sua condição financeira, a força do dinheiro e a necessidade dele afeta seu destino e a arrasta à perdição. Porém, a perdição que se apresenta na obra é apenas física e não espiritual ou emocional, pois, como uma boa protagonista de um romance romântico, Lúcia jamais deixa de ser a mulher de sentimentos e honradez (mesmo que intimamente) irrepreensíveis. 2.1 Lucíola e a burguesia À burguesia da época pertencia não só a adoração à exibição, mas também a rigidez de sua aparente conduta irrepreensível, limitada à esfera social, jamais à íntima. Em Lucíola não acontece diferente, os distintos homens que de dia passavam elegantemente pela Rua do Ouvidor, à noite perdiam completamente a compostura e entregavam-se à toda sorte de prazeres. – Procedamos em regra. Às duas horas portanto pára-se a pêndula. Abolição completa da razão, do tempo, da luz; e inauguração solene do reinado das trevas e da loucura. Até lá liberdade completa dentro dos limites da decência; tudo quanto possa alegrar, como o gracejo, a cantiga, o brinde ou o discurso, é permitido; salvo o direito ao respeitável público feminino e masculino de patear as sensaborias. (Id., ibid., p. 36) Evidentemente, a decência e os bons costumes estão associados à luz, bem como o canto, o cortejo e a bebida às trevas. Aos homens, a quem em seu círculo social seria indecente fazer gracejos a cortesãs, são permitidas diversas liberalidades. O embate entre o exterior e o interior dá-se também na própria personagem Lúcia, que em seu íntimo era pura e verdadeira, porém, por conta da força da necessidade, é levada a viver uma situação devassa e imunda, que em nada coaduna com seu tão casto interior. Nestes trechos, Lúcia conta a Paulo como foi arrastada até a prostituição: – Tudo quanto era possível, meu Deus, sinto que o fiz. Já não dormia; sustentava-me com uma xícara de café. Nalgum momento de repouso ia à porta e pedia aos que passavam. Pedia para meu pai enfermo, e para minha mãe moribunda, não tinha vexame. Uma tarde perdi a coragem; meu irmão estava na agonia, minha mãe despedira-se de mim, e Ana, minha irmãzinha, que eu tinha criado e amara como minha filha, já não dava acordo de si. Passou um vizinho. Falei-lhe; ele me consolou e disse-me que o acompanhasse à sua casa. A inocência e a dor me cegaram: acompanheio. Lúcia fez um esforço para continuar: – Esse homem era o Couto... – Ah! – Ele tirou do bolso algumas moedas de ouro, sobre as quais me precipitei, pedindo-lhe de joelhos que mas desse para salvar minha mãe; mas senti os seus lábios que me tocavam, e fugi. Oh! Não posso contar-lhe que luta foi a minha: três vezes corri espavorida até à casa, e diante daquela agonia sentia renascer a coragem, e voltava. Não sabia o que queria esse homem; ignorava então o que é a honra e a virtude da mulher, o que se revoltava em mim era o pudor ofendido. Desde que os meus véus se despedaçavam, cuidei que morria; não senti nada mais, nada, senão o contato frio das moedas de ouro que eu cerrava na minha mão crispada. O meu pensamento estava junto do leito de dor, onde gemia tudo o que eu amava neste mundo. (Id., ibid., p. 10) Lúcia então é justificada por meio de sua história, que a redime de toda e qualquer culpa que a quisessem imputar. 3. Marcas românticas em Lucíola José de Alencar, como bom escritor romântico, possuía a licença para fantasiar a realidade com o toque surreal e sentimental da época literária do Romantismo, mas, ao contrário do que se espera, o autor vai na direção oposta dessa atitude. Escritor romântico, José de Alencar tinha o direito de falsificar a realidade, mas acontece que não admitia ele esse direito, querendo provar que se documentava para escrever os seus romances e que neles não se afastava a linha justa da verdade. (BROCA, 1979, p. 243) Por estar tão convicto de sua postura, Alencar vive um embate entre seu caráter e o comportamento da época; por conta disso, em suas obras, procura mostrar como o meio social pode alterar o curso de uma vida, característica que se adianta gritantemente na escola literária do Realismo. José de Alencar intenta mostrar a vida doméstica e pública de seus protagonistas em estreita relação com o mundo econômico e social [...]. A força do dinheiro, na sociedade urbana do século XIX, que se organiza a parte de modelos culturais europeus, começa a exigir padrões de comportamento e de atitudes que não combinam com o caráter íntegro do escritor, tão cioso de suas convicções morais e éticas. (MORAES, 2004, p. 73) A forma que Alencar encontra para deter o poder do dinheiro é a força arrebatadora do amor. Sob uma perspectiva sociológica, as personagens dos romances urbanos de José de Alencar, frequentemente, são corrompidas pela desumanização capitalista. Isso ocorre até o momento em que a dialética romântica do amor tinha condições de recuperar a normalidade convencional dessas personagens. (Id., ibid, p. 73) José de Alencar trabalha sob a ideia de que o amor não só transforma o ser, mas também o redime e o recupera de todas as faltas cometidas pelo amor ao dinheiro e ao poder. O amor constitui-se na saída e na solução para os personagens aprisionados aos costumes burgueses e capitalistas. 15 Nos personagens de Lucíola, é possível perceber semelhante preceito. Paulo, por ter chegado recentemente ao Rio de Janeiro, ainda não teve sua visão contaminada pelo conto burguês, conforme é notável nos trechos que se seguem: A lua vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância. O vestido que o moldava era cinzento com orlas de veludo castanho e dava esquisito realce a um desses rostos suaves, puros e diáfanos, que parecem não desfazerse ao menor sopro, como os tênues vapores da alvorada. Ressumbrava na sua muda contemplação doce melancolia e não sei que laivos de tão ingênua castidade, que o meu olhar repousou calmo e sereno na mimosa aparição. (ALENCAR, 1987, p. 13) O primeiro encontro é rápido e ocasional. O rapaz é recém chegado ao Rio de Janeiro. Será, portanto, seu olhar sem os preconceitos da corte que, transcendendo o aspecto físico, descortinará em Lúcia, Maria de Glória. (OSTERNE, 2004, p. 83) Somente quando Lúcia é olhada com amor é que é possível se ver sua ingenuidade e castidade tão contrárias às suas atitudes de cortesã; o amor tem o poder de desvendar o obscuro. Paulo então se encontra em meio a uma imensa contradição, aquilo que a sociedade via em Lúcia era absolutamente diferente da sua visão quanto a ela. A obra, aliás, é repleta de contradições, principalmente quanto à fisionomia e às atitudes de Lúcia. Paulo, em diversas passagens, parece não acreditar no descompasso entre o ofício de sua amada e sua pura expressão. A expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelavam a cortesã franca e imprudente; o contraste inexplicável da palavra e da fisionomia, junto à vaga reminiscência do meu espírito, me preocupavam sem querer. (ALENCAR, 1987, p. 14) – Que linda menina! Exclamei para meu companheiro, que também admirava. Como deve ser pura a alma que mora naquele rosto mimoso! (Id., ibid, p. 15) Até mesmo Lúcia, sabendo-se cortesã, nos momentos em que não está a serviço dos cavalheiros que a cortejavam, comporta-se como uma senhora casta e pudica, chegando a corar por conta de um contorno de seio. O que porém continuava a surpreender-me ao último ponto, era o casto e ingênuo perfume que respirava de toda a sua pessoa. Uma ocasião, sentados no sofá, a gola de seu roupão azul abriu-se com um movimento involuntário, deixando ver o contorno nascente de um seio branco e, puro, que o meu olhar ávido devorou com ardente voluptuosidade. Acompanhando a direção desse olhar, ela enrubesceu como uma menina e fechou o roupão; mas doce e brandamente, sem nenhuma afetação pretensiosa. (Id., ibid., p. 18) O descompasso entre uma mulher pura no íntimo, mas imoral no meio social, é uma característica bastante acentuada no Romantismo, pois o espírito elevado, fantasioso e apaixonado da época em nada combina com uma sociedade capaz de julgar apenas com base naquilo que supostamente enxerga. Como a burguesia tem seus olhos forrados pelos princípios do capitalismo, isso bloqueia uma percepção mais emocional. Destaca-se no enredo outra característica bastante particular do Romantismo: a evasão. Por meio dela procura-se “fugir para um mundo imaginário, idealizado a partir dos sonhos e das emoções pessoais” (PROENÇA FILHO, 1989, p. 217). Paulo, nas ocasiões em que está junto de Lúcia, esquece-se das atitudes promíscuas do amante, chegando até mesmo a considerá-la como um anjo: Lúcia concluindo essa narração que a fatigava em extremo, enxugou as lágrimas e deu algumas voltas pela sala. – Se eu ainda tivesse junto de mim todos os entes queridos que perdi, disse-me com lentidão, veria morrerem um a um diante de meus olhos, e não os salvaria por tal preço. Tive força para sacrificar-lhes outrora o meu corpo virgem; hoje depois de cinco anos de infâmia, sinto que não teria a coragem de profanar a castidade de minha alma. Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda duvidará de mim? – Tu és um anjo, minha Lúcia! (ALENCAR, 1987, p. 113) Dá-se aqui também a idealização da mulher. Lúcia é, na verdade, um “anjo” que foi levado a praticar atitudes imorais pela força exclusivamente da necessidade, jamais por vontade própria. Lúcia é ainda capaz de transformar a vida de Paulo, faz dele, de um simples homem vindo da província, um senhor apaixonado e devotado: é a força da mulher do Romantismo. Nasce em Paulo o desejo de reformar e ajustar a percepção de todos os que o cercam quanto a Lúcia. Há uma insistência por parte de Paulo em se enfatizar que Lúcia é alguém respeitável, assemelhada a uma senhora burguesa da época. O amor na obra está altamente atrelado à religiosidade. No instante em que Lúcia percebe que de fato ama Paulo, ela volta-se para Deus e passa a se chamar Maria da Glória, nome obviamente pertencente a uma cultura religiosa. Importante papel desempenha também o ambiente no enredo de Lucíola. Lúcia resolve abandonar sua vida de cortesã e para tanto se muda de sua luxuosa casa na cidade para um lar modesto num vilarejo afastado. O contato com a pureza da natureza influencia o 16 comportamento da agora Maria da Glória, que em sua nova residência esquece-se do passado. A bondade do amor faz com que Maria da Glória, antes em trevas, seja repleta de luz, o amor age sobre ela com poder transformador. Mas mesmo toda essa luminosidade não é suficiente para salvar Maria da Glória e seu filho da morte. Sabendo-se grávida, tem a idéia clara de que aquela criança não viverá, afinal é feito de um ventre impuro e de um relacionamento ilícito (eles não possuem uma união sacramentada). Adivinha também que esta materialização do amor a levara à morte. (OSTERNE, 2004, p. 85) A própria personagem, antes mesmo de ter ciência de seu estado, prevê a desgraça que seria caso gerasse um filho em seu ventre. Tornou-se lívida, a voz encobriu-se: – Quando me lembro, que um filho pode gerar das minhas entranhas, tenho horror de mim mesma! A característica mais – Não diga isso,manifesta Lúcia! Que mulher deseja do nãoenredo gozar desse de sublime da Lucíola é sentimento a contradição: maternidade! entre uma sociedade movida – Oh! Um filho,pelo se Deus seria o capitalmoe desse, um espírito perdão da minhamovido culpa! pelo Mas sentimento, sinto que ele não entre poderia viver noum meu seio! o mataria, eu, autor queEuprocura revelar depois de a realidade o ter das concebido! esferas Não compreendia essedignas fenômeno; ainda hoje menos do meio social não a posso explicar senão pública por alguma e uma moral rígida das e, misteriosas afinidades do corpo espírito finalmente, entrecom umao mulher que o habita. (ALENCAR, 103) casta. impudica e1987, uma p. amante Por fim, Maria da Glória, já em estado de agonia, confessa que o filho era mais de Paulo do que dela mesma, já que esse fruto simbolizava um amor justo e digno como ela não achava capaz de sentir enquanto cortesã. 4. Considerações finais Após analisar minuciosamente a obra Lucíola, a característica mais manifesta do enredo é a contradição: contradição entre uma sociedade movida pelo capital e um espírito movido pelo sentimento, entre um autor que procura revelar a realidade das esferas menos dignas do meio social e uma moral pública rígida e, finalmente, entre uma mulher impudica e uma amante casta. Porém, mesmo diante de tantas diferenças gritantes, o que vence no final é a luz (advinda do amor) sobre as trevas, a pureza sobre a devassidão. É possível perceber nessa obra certos princípios bíblicos. Lúcia só deixa sua vida como cortesã quando se volta para Deus e redescobre nela a menina Maria da Glória; sua pura irmã, Ana, também adentra o enredo para enfatizar o processo de regeneração de Maria. Lúcia, por intermédio da morte, é salva de sua vida de máculas levando com ela o fruto do mais verdadeiro amor, converte-se, afinal, no anjo que Paulo já previra que ela era. Novaes. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1997, 523 p. BROCA, Brito. Românticos, pré-românticos, ultraromânticos. Volume I. São Paulo: Editora Polis, 1979 (Coleção estética: Série obras reunidas de Brito Broca). FERREIRA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988. MORAES, Vera Lúcia de. “Uma leitura de Senhora: embate entre a condição econômica do império e o idealismo artístico de José de Alencar”. Revista de Letras. São Paulo, nº 26, volume 1/2, p. 73-78, jan./dez. 2004. OSTERNE, Ana Maria Remígio. “O universo simbólico em Lucíola: do paganismo ao cristianismo”. Revista de Letras. São Paulo, nº 26, volume 1/2, p. 82-87, jan./dez. 2004. PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 11ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1989, 407 p. SANTOS MORAES, Antônio dos. Heroínas do romance brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1971. 6. Obras consultadas ABDALA JÚNIOR, Benjamin e CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1988. BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 34ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1994, 528 p. CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 9ª ed. Rio de Janeiro: Editora Ouro sobre Azul, 2006, 201 p. ______. A formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 1836-1880. Volume 2. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1997, 383 p. D’ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental. Autores e obras fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 2202, 527 p. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira: romantismo. 4ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2000, 321 p. * Marília Couto é graduada em Letras pelo Centro Universitário Fundação Santo André e pós-graduanda no curso de especialização em Português-Língua e Literatura da Universidade Metodista de São Paulo. 5. Referências bibliográficas ALENCAR, José de. Lucíola. 10ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1987, 128 p. (Série Bom Livro). ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). História da vida privada no Brasil 2. Império: a corte e a modernidade nacional. 5ª reimpressão. Coleção dirigida por Fernando 17