415 4.2 CADEIA PRODUTIVA DE FUMO Luiz Carlos de Carvalho Júnior* Paula Alexandra Binotto*** João Gustavo de Savignon Pereira** No período de 2000 a 2004, tem-se presenciado um declínio na produção e nos estoques mundiais de fumo. Isto em decorrência do aumento dos custos produtivos, especialmente da mão-de-obra, no caso dos Estados Unidos (EUA), e das guerras civis, no caso do Zimbábue, países que estavam entre os maiores produtores mundiais de fumo tipo flavor, que é o fumo que confere sabor ao cigarro. Porém, esta não é a situação em todos os países que produzem tabaco. No caso brasileiro, a produção aumentou vertiginosamente, cerca de 50%, naquele período. Além dos citados no parágrafo acima, outros fatores que agiram como estímulo para a expansão da produção no país são o baixo custo da mão-de-obra e a isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para exportações de produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados. Desta forma, o Brasil desponta como um dos maiores produtores de fumo do mundo e o maior exportador do produto em folha (OLIVEIRA e BIOLCHI, 2004). Este artigo está dividido em oito seções. A primeira trata da configuração e constituição da cadeia produtiva do fumo em Santa Catarina, são abordados os indicadores sociais dos municípios selecionados e os elementos históricos de constituição. A segunda seção apresenta o processo produtivo do fumo, detalhes das empresas do setor, emprego, faturamento, mercados e fornecedores. A terceira esclarece o arcabouço institucional público e privado incidente na cadeia. A quarta comenta a tecnologia utilizada no setor e as inovações. A quinta seção discute os impactos ambientais. A sexta debate a capacitação tecnológica para o setor e, por fim, as formas de cooperação e governança intrínsecas à cadeia produtiva do fumo, e na oitava, constam as referências utilizadas para a confecção deste documento. * Professor dos Cursos de Graduação e Pós-graduação – Mestrado – em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina. *** Mestre em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina. ** Mestrando em Economia na Universidade Federal de Santa Catarina. 416 4.2.1 Configuração e trajetória de constituição do setor de fumo Segundo a Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA), a região Sul produz 95% de todo o fumo do país, e o estado de Santa Catarina aparece em segundo lugar, com cerca de 35% do total produzido na região, atrás apenas do Rio Grande do Sul. Isso significa que o estado produz, praticamente, um terço de todo o fumo do país (AFUBRA, 2005). A produção do fumo catarinense está espalhada em todo o território, com destaque para as microrregiões de Canoinhas, Rio do Sul, Araranguá, Ituporanga, Tubarão e Criciúma, que, juntas, respondem por 54,2% do total produzido no estado. As empresas de beneficiamento de fumo são poucas e estão localizadas em apenas alguns municípios, mas o estado de Santa Catarina possui unidades das maiores empresas do setor, como a Souza Cruz, a Universal Leaf Tabacos Ltda, a Continental Tobaccos Alliance, a Kannenberg e Cia. Ltda e a Alliance One International1. 4.2.1.1 Método de seleção dos municípios Santa Catarina é um dos maiores produtores de fumo do país. Porém, as etapas de beneficiamento e produção de cigarros não acontecem no estado. Deste modo, optou-se por estabelecer um parâmetro de pesquisa neste artigo, que destacasse a produção agrícola e as cerca de 60 mil famílias que estão envolvidas nesta cultura. Dos 293 municípios existentes no estado, 253 produzem tabaco, com valores que variam entre 11 mil e uma tonelada do produto por ano. Para tanto, foi feito um corte entre os trinta maiores produtores catarinenses de fumo. Apesar de espalhados pelo estado, os produtores produzem o mesmo tipo de fumo, o Virgínia, e possuem técnicas produtivas muito semelhantes. Conforme Dacorégio (2004), a distribuição da produção de fumo no estado é configurada da seguinte maneira: a região Sul, aparece como a principal produtora, sendo responsável por aproximadamente 30% da produção catarinense e, em seguida, o Vale do Itajaí, com cerca de 25% da produção. As regiões Oeste e Norte aparecem em terceiro e quarto lugares na produção do estado, em torno de 22% e 20%, respectivamente. As regiões 1 A empresa Alliance One International é o resultado da fusão das empresas Dimon Incorporated e Standard Commercial Corporation. No entanto, para efeito deste estudo, manteremos as duas empresas separadas. Informações obtidas em DESER, 2005, e pesquisa de campo, em julho de 2005. 417 da Grande Florianópolis e do Planalto Serrano são as menos significativas e apresentam produção de 3% e 1%, respectivamente. Bela Vista do Toldo Canoinhas Mafra Irineapolis Itaiopolis Papanduva Major Meira Sta Teresinha Rio do Campo Vitor Meirelhes Witmarsum Taio Pouso Redondo Presidente Getulio Rio do Oeste Aurora Vidal Ramos Agronomica Ituporanga Petrolandia Imbuia Chapadao do Lageado Grao Para Orleans Turvo Icara Ararangua Sombrio Sta Rosa do Sul Sao Joao do Sul Fonte: Elaboração dos autores com informações da CIASC, 2005, e da AFUBRA, 2005. Figura 4.2.1 - Localização geográfica dos municípios selecionados produtores de fumo no estado de Santa Catarina – 2005 Os municípios selecionados produtores de fumo constituem cerca de 9% da população total do estado, com destaque para os municípios de Canoinhas, Araranguá e Mafra, com uma população de 52.647, 54.706 e 49.940 habitantes, respectivamente. Entretanto, quando se observa o Produto Interno Bruto (PIB) per capita dos municípios selecionados, percebe-se que este mostra uma grande variação, tendo em vista que Presidente Getúlio possui um PIB per capita de R$ 11.934, enquanto que Araranguá de apenas R$ 4.657, conforme Tabela 4.2.1. De acordo com os dados da AFUBRA, o estado de Santa Catarina contou, na safra 2003/04, com 59.850 produtores, 2.630 produtores a mais que na safra 2002/03, e produziu um total de 283.100 toneladas de fumo. Segundo Dacorégio (2004), esse aumento no número de produtores se deu porque muitos produtores rurais estão encontrando na fumicultura sua principal fonte de renda, considerando que a renda bruta do fumo é muito superior à maioria das culturas. 418 Tabela 4.2.1 - População e PIB per capita dos municípios selecionados produtores de fumo no estado de Santa Catarina – 2002 MUNICÍPIOS Canoinhas Itaiópolis Santa Terezinha Içara Irineópolis Araranguá Vidal Ramos Ituporanga Mafra Orleans Papanduva Bela Vista do Toldo Vitor Meireles Taió Rio do Campo São João do Sul Agronômica Rio do Oeste Sombrio Major Vieira Pouso Redondo Petrolândia Imbuia Grão Pará Santa Rosa do Sul Chapadão do Lageado Presidente Getúlio Witmarsum Turvo Aurora TOTAL MUNICÍPIOS TOTAL SANTA CATARINA POPULAÇÃO TOTAL 52.647 19.086 8.840 48.634 9.734 54.706 6.279 19.492 49.940 20.031 16.822 5.721 5.519 16.257 6.522 6.784 4.257 6.730 22.962 6.906 12.404 6.406 5.246 5.817 7.810 2.561 12.333 3.251 10.887 5.474 460.058 5.356.360 PRODUTO INTERNO BRUTO PER CAPITA (1) 7.070 7.272 5.899 6.461 7.446 4.657 6.453 7.011 8.435 9.420 6.995 7.195 5.040 7.096 6.703 4.809 9.728 7.324 4.589 7.850 7.501 6.034 6.460 8.944 3.579 6.128 11.934 6.842 11.380 7.265 7.117 9.272 Fonte: IBGE, Produto Interno Bruto dos Municípios – 2002. Nota: (1) Valores em reais de 2002. Como pode ser visto na Tabela 4.2.2, o município de Canoinhas é o que apresenta maior número de produtores do estado, com 2.161 produtores, seguido por Itaiópolis, Santa Terezinha e Irineópolis, com 2.120, 1.647 e 1.459 produtores, respectivamente. Vale enfatizar que a produção está concentrada no fumo de estufa e de galpão, respectivamente o Virgínia e o Burley, que são tipos de fumo mais valorizados, considerados nobres e possuem como principal destino o mercado externo. O fumo do tipo Comum é o menos valorizado entre os produzidos no estado e sua produção se destina, exclusivamente, ao mercado interno. 419 Tabela 4.2.2 - Número de produtores por tipo de fumo produzido nos municípios selecionados no estado de Santa Catarina – 2004 MUNICÍPIO Canoinhas Itaiópolis Santa Terezinha Irineópolis Mafra Içara Papanduva Ituporanga Orleans Vidal Ramos Bela Vista do Toldo Araranguá Taió Major Vieira Vitor Meirelles Rio do Oeste Presidente Getúlio Petrolândia Rio do Campo Grão Pará São João do Sul Pouso Redondo Agronômica Imbuia Witmarsum Sombrio Chapadão do Lageado Aurora Turvo Santa Rosa do Sul TOTAL MUNICÍPIOS TOTAL SANTA CATARINA VIRGÍNIA 2.161 2.079 1.613 1.459 1.131 1.126 1.071 941 1.005 995 975 916 614 805 794 521 414 518 568 586 576 506 541 479 473 484 409 390 406 402 24.958 37.120 PRODUTORES BURLEY COMUM 0 0 2 39 34 0 0 0 0 0 0 0 7 0 98 0 0 0 5 0 0 0 0 0 266 4 0 0 4 4 202 0 249 0 119 0 59 0 0 0 1 0 63 0 7 0 27 0 17 0 0 0 31 17 34 0 3 0 0 0 1.228 64 21.910 820 TOTAL 2.161 2.120 1.647 1.459 1.131 1.126 1.078 1.039 1.005 1.000 975 916 884 805 802 723 663 637 627 586 577 569 548 506 490 484 457 424 409 402 26.250 59.850 Fonte: AFUBRA. De acordo com a AFUBRA, o estado de Santa Catarina ocupa atualmente o segundo lugar no volume produzido de fumo no Brasil, com um total de 283.100 toneladas na safra de 2003/04, enquanto que o Rio Grande do Sul, principal produtor de fumo no país, produziu 445.990 toneladas na mesma safra. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área plantada no estado cresceu, no período de 2002-2004, 27,7%, índice muito próximo ao registrado na produção do fumo, que apresentou, no mesmo período, um aumento de 27,5%. Canoinhas se destaca como o município com a maior produção, 12.122 toneladas no ano de 2004, além de ser o possuidor da maior área plantada, com 5.800 hectares, em 2004. Logo em seguida, estão os municípios de Itaiópolis, Santa Terezinha e Araranguá, com produção, em 2004, de 9.864, 8.752 e 7.995 toneladas, respectivamente, e área plantada de 4.800, 4.150 e 4.100 hectares, em 2004, conforme a Tabela 4.2.3. 420 Tabela 4.2.3 - Área plantada de fumo e quantidade produzida nos municípios selecionados produtores no estado de Santa Catarina – 2004 MUNICÍPIOS Canoinhas Itaiópolis Santa Terezinha Içara Irineópolis Araranguá Vidal Ramos Ituporanga Mafra Orleans Papanduva Bela Vista do Toldo Vitor Meireles Taió Rio do Campo São João do Sul Agronômica Rio do Oeste Sombrio Major Vieira Pouso Redondo Petrolândia Imbuia Grão Pará Santa Rosa do Sul Chapadão do Lageado Presidente Getúlio Witmarsum Turvo Aurora TOTAL MUNICÍPIOS TOTAL SANTA CATARINA ÁREA PLANTADA DE FUMO (1) 2002 2003 2004 4.637 4.850 5.800 3.621 3.983 4.800 3.417 3.692 4.150 3.909 3.943 4.000 3.035 3.213 3.800 2.710 3.243 4.100 2.916 3.040 3.600 2.089 2.471 3.560 1.865 2.148 2.800 2.461 2.513 2.700 1.781 2.004 2.600 1.665 1.919 2.300 1.883 2.017 2.264 1.595 2.029 2.118 1.495 1.653 1.939 1.932 1.946 2.000 1.442 1.440 1.750 1.395 1.491 1.750 1.862 1.707 1.700 1.255 1.473 1.780 1.289 1.416 1.700 1.289 1.487 2.000 858 1.068 1.800 1.556 1.534 1.528 1.225 1.316 1.500 590 865 1.500 1.342 1.451 1.550 1.098 1.133 1.400 1.129 1.070 1.350 540 730 1.350 59.883 64.848 77.193 111.520 120.530 137.380 QUANTIDADE PRODUZIDA DE FUMO (2) 2002 2003 2004 9.366 8.916 12.122 7.314 7.334 9.864 6.872 6.723 8.752 8.117 7.311 8.480 5.716 5.947 8.003 5.627 6.010 7.995 5.958 5.633 7.200 4.252 4.515 7.003 3.787 3.947 5.900 4.828 4.526 5.724 3.567 3.610 5.421 3.347 3.547 4.830 3.761 3.692 4.698 3.105 3.577 4.403 3.018 2.955 4.010 4.012 3.595 3.900 2.990 2.442 3.628 2.838 2.612 3.624 3.868 3.164 3.618 2.475 2.723 3.560 2.544 2.552 3.544 2.585 2.710 3.502 1.772 1.969 3.416 3.210 2.757 3.192 2.543 2.440 3.189 1.212 1.595 3.150 2.716 2.442 3.007 2.274 2.063 2.864 2.319 1.983 2.855 1.096 1.310 2.835 119.091 116.603 156.293 223.000 212.810 275.220 Fonte: IBGE e AFUBRA. Notas: (1) Área em hectares. (2) Quantidade em toneladas. No âmbito da distribuição regional da produção, observou-se ainda que a região Sul do estado se manteve como a principal produtora, a exemplo da área plantada, em dados de 2004, por exemplo, nos municípios de Içara (4.000 ha.), Araranguá (4.100 ha.), Orleans (2.700 ha.) e Sombrio (1.700 ha). Em seguida pelo Vale do Itajaí, Vidal Ramos (3.600 ha.), Ituporanga (3.560 ha.), Vitor Meireles (2.264 ha.) e Taió (2.118 ha.); Norte, Canoinhas (5.800 ha.), Itaiópolis (4.800 ha.) e Santa Terezinha (4.150 ha.). Entre os 30 municípios selecionados produtores de fumo no estado de Santa Catarina, não há nenhum localizado nas demais regiões, quais sejam, Oeste, Grande Florianópolis e Planalto Serrano. 421 4.2.1.2 Elementos históricos de constituição O fumo é uma cultura difundida pelas migrações indígenas, em especial os TupiGuaranis, segundo os artigos publicados pelo Departamento de Estudos Sócio-econômicos Rurais (DESER). As primeiras áreas cultivadas no Brasil estavam localizadas no Nordeste, porém, com a chegada dos imigrantes alemães e italianos ao Sul do país, a cultura tomou força e os três estados da região Sul são atualmente os maiores produtores de fumo brasileiro. O fumo produzido na região Nordeste tinha como destino três lugares: Lisboa, para os fumos de melhor qualidade; África, para a compra de escravos; e o restante, para o consumo interno. Vale mencionar que a expansão mundial da preferência pelos fumos claros usados nos cigarros norte-americanos, das variedades Virgínia e Burley, teve como conseqüência direta o crescimento da produção de fumos na região Sul do país. A introdução do fumo em Santa Catarina se deu principalmente pela produção do fumo de corda, sempre em quantidades muito pequenas e comercializadas por fábricas artesanais de fumo. O cultivo comercial, de acordo com Paulilo apud Dacorégio (2004), teve seu início por volta da década de 1950 e por iniciativa da Souza Cruz, que investia nos agricultores, para que trabalhassem de forma integrada na plantação do fumo de estufa (Virgínia), além de fornecer os insumos necessários para a sua plantação2. A iniciativa da Souza Cruz foi bem sucedida e logo muitos agricultores se interessaram pela produção do fumo, sobretudo os da região Sul do estado, que substituíram as suas culturas de mandioca. Dacorégio (2004) também destaca que a empresa procurava convencer os agricultores a trocar de plantação contratando seus filhos para trabalharem como instrutores na plantação do fumo em estufa e garantindo ainda a compra de toda a sua produção. 4.2.1.3 Indicadores sociais dos municípios selecionados produtores de fumo no estado de Santa Catarina Com relação ao Índice de Desenvolvimento Humano – Municipal (IDHM), os municípios selecionados estão abaixo da média estadual, com apenas duas exceções, Ituporanga e Grão Pará, conforme a Tabela 4.2.4. 2 Vale assinalar que o fumo produzido na região Sul do país são os fumos claros e se destinam basicamente à fabricação de cigarros, enquanto que o fumo produzido no Nordeste é o escuro, que é utilizado na sua maioria para a fabricação de charutos. 422 Tabela 4.2.4 - IDHM, taxa de alfabetização e taxa bruta de freqüência à escola nos municípios selecionados produtores de fumo no estado de Santa Catarina – 2000 CIDADE IDHM-2000 TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (1) 0,780 0,738 0,738 0,780 0,767 0,814 0,766 0,825 0,788 0,814 0,737 0,702 0,770 0,809 0,797 0,758 0,811 0,799 0,804 0,752 0,786 0,783 0,777 0,826 0,762 0,774 0,810 0,807 0,821 0,812 0,822 94,23 92,84 90,93 93,51 91,51 92,97 89,02 93,50 95,29 93,63 89,42 91,52 90,25 94,05 92,16 87,84 93,08 93,71 92,02 90,14 91,58 91,67 90,88 93,18 90,37 90,53 95,83 94,54 93,25 95,47 93,68 Canoinhas Itaiópolis Santa Terezinha Içara Irineópolis Araranguá Vidal Ramos Ituporanga Mafra Orleans Papanduva Bela Vista do Toldo Vitor Meireles Taió Rio do Campo São João do Sul Agronômica Rio do Oeste Sombrio Major Vieira Pouso Redondo Petrolândia Imbuia Grão Pará Santa Rosa do Sul Chapadão do Lageado Presidente Getúlio Witmarsum Turvo Aurora SANTA CATARINA TAXA BRUTA DE FREQÜÊNCIA À ESCOLA (1) 80,37 74,31 69,23 78,95 75,15 82,39 78,07 82,14 76,95 79,27 75,27 71,29 71,26 80,08 74,60 79,08 77,10 76,61 78,84 74,73 72,07 75,81 72,09 80,67 77,02 73,06 77,92 75,32 80,06 69,92 84,36 Fonte: IBGE e PNUD. Nota: (1) Valores em percentual. Os 30 municípios produtores de fumo selecionados mostram baixos índices de freqüência à escola, situados entre 75 e 80%, portanto, inferiores à taxa média de Santa Catarina, que é de 84,36%. Comportamento semelhante se verifica quanto à taxa de urbanização. Enquanto o estado apresenta uma taxa de urbanização de aproximadamente 80%, os municípios selecionados exibem uma taxa média de 59%, o que pode ser explicado parcialmente pela importância da produção do fumo no município, atividade caracterizada por sua realização em pequenas propriedades, com uso intensivo de mão-de-obra, ocupando todos os membros da família. A taxa de alfabetização é elevada, pois 24 dos 30 municípios selecionados apresentam valores entre 90-95% de população alfabetizada. 423 4.2.2 Caracterização sócio-produtiva e perfil de comercialização 4.2.2.1 O processo produtivo do fumo DESER (2005) descreve o processo da cultura do fumo dentro da propriedade rural. O fumo é semeado em maio, o transplante é feito nos meses de agosto e setembro e a colheita, entre dezembro e fevereiro. As sementes são entregues pelas fumageiras aos agricultores e, depois de semeadas, demoram por volta de 60 dias para atingir o tamanho para o transplante para o solo. Nesta fase, o controle de pragas é intensivo. O solo já está adubado quando as mudas são transplantadas. São decorridos outros 60 dias para o início da colheita. O fumicultor controla todo o crescimento da planta, inclusive retirando as flores para que esta renda mais folhas, com mais peso e melhor qualidade. As principais qualidades de fumo plantadas no Brasil têm períodos de maturação diferentes. O fumo tipo Virgínia é colhido das folhas inferiores em direção às superiores, acompanhando o crescimento e maturação. As espécies tipo Burley e Comum amadurecem de maneira uniforme e a planta é colhida de uma única vez. Na seqüência da colheita, ocorre o processo de cura. Para tanto, é preciso que as folhas sejam amarradas em varas para secar nas estufas e/ou nos galpões. Usava-se a costura das folhas para prendê-las nas varas, no entanto, este processo está sendo substituído pelo sistema de folha solta (LL ou Loose Leaf), que elimina cerca de oito operações e também a linha, que se configura em elemento estranho durante o beneficiamento do produto. O processo de secagem, ou cura, é essencial para conferir ao fumo características específicas de sabor e aroma. Geralmente, as folhas do fumo amadurecem uniformemente, de maneira que na colheita a planta é cortada de uma só vez. Após a colheita, as folhas, ou as plantas, são amarradas em varas e levadas para secar nas estufas (Virgínia) ou nos galpões (Burley e Comum). No processo de secagem (cura), além da perda da água e da mudança de cor, as folhas sofrem uma série de transformações bioquímicas, essenciais para a característica de sabor específico às diferentes marcas de cigarros. Após o processo de curagem, os produtores fazem a classificação do fumo, acondicionam-no em fardos e agrupam-no em manocas (maços com determinado número de folhas agrupadas conforme a sua classificação). O fumo é então armazenado em paióis, onde fica aguardando a sua comercialização. 424 Um ponto que é bastante discutido entre os agentes da cadeia produtiva do fumo é o excesso de classes que são definidas para o produto. Alguns defendem que o elevado número de classes permite a fumageira manipular o produto e reduzir seu preço, porém, elas se defendem dizendo que esta classificação é fundamental para a qualidade dos cigarros. Segue abaixo uma pequena descrição das definições desta classificação. A classificação do fumo em folha curado está expressa na Portaria nº 526, de 20 de outubro de 19933. O tabaco em folha curado está classificado em grupos, subgrupos, classes, subclasses, tipos e subtipos, segundo o seu preparo, sua apresentação e arrumação e a posição das folhas na planta, cor das folhas e sua qualidade. Conforme o seu preparo, o tabaco em folha curado está classificado em dois grupos: tabaco de estufa e tabaco de galpão. O tabaco de estufa é aquele submetido à cura em estufa, com temperatura e umidade controladas (flue cured), incluindo-se neste grupo os fumos da variedade Virgínia. O tabaco de galpão é aquele submetido à cura natural, à sombra ou em galpão (air cured), neste grupo estão incluídos os fumos das variedades Burley e Comum. Independente do grupo a que pertence, o fumo, segundo sua apresentação e arrumação, está classificado em folhas manocadas e folhas soltas. De acordo com a posição da folha na planta, independente do grupo e subgrupo que pertence, o fumo está classificado em quatro classes: X, C, B, T. A classe X (baixeiras) corresponde às folhas situadas na parte inferior da planta, possui textura laminar fina, formato mais arredondado e com espessura de talo e nervuras mais finas. A classe C (semimeeiras) corresponde às folhas localizadas no meio inferior da planta, possui textura laminar média, formato arredondado a oval e com espessura média do talo e nervuras. A classe B (meeiras) corresponde às folhas situadas no meio superior da planta, de textura laminar média a encorpada, com formato oval e com espessura média a encorpada do talo e nervuras. A classe T (ponteiras) corresponde às últimas folhas do pé, de textura laminar média a encorpada ou grossa, formato lanceolado e com espessura do talo e nervuras de média a encorpada ou grossa. O fumo de estufa, segundo a cor das folhas, está classificado em três subclasses: O; L; e R. O fumo de galpão possui apenas uma subclasse: L. Conforme a qualidade, os fumos de estufa e galpão estão classificados em três tipos: Tipo 1, folhas maduras, com boa granulosidade e elasticidade, com textura de acordo com a sua posição na planta e cor de forte intensidade; Tipo 2, folhas maduras, de granulosidade e elasticidade moderadas, com textura de acordo com sua posição na planta e cor de intensidade moderada; Tipo 3, folhas não maduras a passadas de maduras, de granulosidade e elasticidade 3 A Portaria n.79, de 21/03/1994, alterou o item 4.7 da Portaria n.526, referente aos subtipos do tabaco de estufa. 425 mínimas, com textura de acordo com sua posição na planta e cor de fraca intensidade. O fumo de estufa dos Tipos 2 e 3, independentemente da classe, possui três subtipos: K; G2; e G3. O fumo de galpão possui dois subtipos: K; e G. A combinação de todas as características apresentadas faz com que se obtenham 48 classes para os fumos da variedade Virgínia, para os fumos da variedade Burley, obtêm-se 29 classes, e para os fumos da variedade Comum, constituem-se em 18 classes. A classe TO1 é considerada a classe superior, de melhor qualidade e de maior valor financeiro. A etapa seguinte do processo produtivo do fumo é o seu processamento. O sistema de processamento da Souza Cruz, em Blumenau (SC), por exemplo, consiste nas seguintes etapas: após a compra, o fumo é separado por classe e vai para os armazéns refrigerados, pois sob condições adequadas de umidade e temperatura, o fumo permanece com as suas características originais de qualidade. Logo em seguida, é feita uma mistura (blend) a partir das diversas classes de fumo para se obter a chamada classe de enfardamento, que garante maior uniformidade ao produto em todas as suas características principais. Na fase de processamento, o fumo é colocado numa mesa de alimentação, passando ainda por cilindros condicionadores, que o preparam com vapor e água para separação de folha e talo. Os debulhadores separam as lâminas dos talos com precisão para evitar a quebra do fumo, obtendo assim pedaços de lâmina e talos maiores. As lâminas e talos passam separadamente pelos secadores de esteira, que garantem a umidade ideal do produto final e o embalamento é realizado em caixas específicas. Após sua total liberação do processamento, o fumo resultante é estocado para que possa ser encaminhado para as fábricas de cigarros ou ser exportado. Ao chegar na fábrica de cigarros, os fardos com as lâminas e talos vindos dos centros de processamento de fumo são desmanchados e entram nas esteiras transportadoras, em duas linhas distintas de processamento, sendo uma para a lâmina e outra para os talos, passando por cilindros onde recebem água e vapor para adquirir uma maior maleabilidade. Os vários tipos de fumo são misturados em diferentes proporções, formando o blend, além de receberem os ameliorantes4, umectantes5 e açúcares como ingredientes. Esta etapa do processo produtivo é totalmente automatizada, sendo acompanhada apenas por técnicos especializados no controle da temperatura e umidade do fumo. 4 O ameliorante é um ingrediente que melhora a qualidade do aroma da fumaça dos cigarros. Um exemplo de ameliorante é o extrato de alcaçuz, extraído da raiz da planta alcaçuz (Glycyrrhiza spp). 5 O umectante é um ingrediente que minimiza a troca de umidade do fumo com o ambiente, além de facilitar o processamento do fumo. Um exemplo de umectante é o glicerol. 426 Na etapa seguinte, o blend é seco até o ponto que a sua conservação adequada seja garantida e logo sem seguida é misturado ao talo, que também foi processado de forma semelhante. As combinações nesta etapa ainda recebem as essências (flavours) que realçam o sabor e aroma do cigarro. O fumo resultante desta fase é o fumo que será inserido nos cigarros, o chamado fumo desfiado. O fumo desfiado é levado, através de tubulações, para as máquinas que enrolam o fumo ao papel e o filtro, formando os cigarros. As máquinas que fazem o cigarro têm seu próprio controle de qualidade, que, por meio de sensores eletrônicos, eliminam automaticamente qualquer cigarro defeituoso. Os cigarros já prontos são levados, por uma correia transportadora, até a máquina que acondiciona os cigarros nas carteiras, que são formadas por vinte cigarros envolvidos em papel alumínio, rótulo e selo. Após o acondicionamento dos cigarros nas carteiras, estas entram numa máquina que as envolve em uma película de polipropileno, para que seu sabor e aroma sejam conservados durante a fase de estocagem, transporte e comercialização. Na sua fase final, as carteiras entram, por sua vez, na máquina que as acondiciona em pacotes de 10 carteiras, que são levados em esteiras para a máquina que os embala em caixas de papelão, contendo 50 pacotes cada, que então são armazenadas. No caso da Souza Cruz, a armazenagem é feita por um sistema computadorizado obedecendo ao sistema Primeiro a Entrar é o Primeiro a Sair (PEPS), que garante a prioridade para o produto fabricado primeiro a sua distribuição para os pontos de venda. 4.2.2.2 Especialização produtiva, número e porte das empresas, histórico e papel da empresa âncora A produção brasileira de fumo para cigarros está concentrada na região Sul do país. As grandes empresas têm sede no estado do Rio Grande do Sul e algumas filiais em Santa Catarina, conforme Quadro 4.2.1. As empresas de beneficiamento do fumo, segundo Dacorégio (2004), são concentradas, tendo como características principais a sua vinculação ao capital internacional e localização no município de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Somente a primeira empresa relacionada tem cerca de 80% do mercado interno, apesar de a Philip Morris International ser a fabricante da marca mais vendida no mundo (Marlboro). Como pode ser analisado, grande parte delas está associada ao capital internacional e instalaram-se no país através de aquisições de empresas nacionais ou construção de novas unidades de beneficiamento. A única exceção entre as maiores empresas do setor é a 427 Brasfumo, empresa de capital 100% nacional, que se dedica exclusivamente à exportação do fumo processado. EMPRESA CHEGADA NO BRASIL GRUPO INTERNACIONAL CAPITAL CAPACIDADE (T./ANO) PRODUTORES INTEGRADOS FILIAIS EM SC Souza Cruz 1903 British American Tobacco Inglês 165.000 45.000 Blumenau Philip Morris International 1973 Altria NorteAmericano ... ... Não possui Universal Leaf Tabacos Ltda. 1970 Universal Leaf Corporation NorteAmericano 160.000 40.000 Dimon do Brasil Tabacos Ltda. 1933 Dibrell Brothers In. & Monk-Austin Inc. NorteAmericano 100.000 28.000 CTA – Continental Tobaccos Alliance 1994 NorteAmericano 42.000 10.000 Meridional de Tabacos 1974 GF Vaughan Tobacco Inc. Co. Standard Commercial Corporation ... 42.000 10.000 Kannenberg e Cia. Ltda. 1953 ... ... 23.500 4.900 Brasfumo 1991 .. Brasileiro 18.000 4.600 Maracajá, Canoinhas, Rio do Sul, Maravilha Araranguá, Palmitos, Rio do Sul Araranguá, Ituporanga Agronômica, São Miguel do Oeste, Sombrio Morro da Fumaça e Apiúna Não possui Fonte: DESER, 2004 e sites das empresas. Notas: .. Não se aplica. ... Dados não disponíveis. Quadro 4.2.1 - Principais empresas beneficiadoras de fumo no Brasil – 2005 Fundada em 1903, na cidade do Rio de Janeiro, a Souza Cruz é, atualmente, a empresa líder no mercado interno no Brasil, respondendo por um market-share de 80%. A empresa foi adquirida pela British American Tobacco (BAT), o segundo maior grupo do mundo no setor de cigarros, em 1914, e, a partir de 1920, começou a intensificar a produção de fumo no Sul do país, instalando sua primeira usina de beneficiamento em Santa Cruz do Sul (RS). Hoje processa 165.000 toneladas de fumo/ano e emprega cerca de 4.000 funcionários. Na região Sul, possui instalações nos municípios de Santa Cruz do Sul (RS), Rio Negro (PR) e Blumenau (SC). É um dos cinco maiores grupos privados do país e líder na fabricação de cigarros. Ainda, a Souza Cruz é a pioneira no sistema integrado de produção com os agricultores, sendo responsável por cerca de 45.000 produtores integrados no país. A Philip Morris International tem, atualmente, 14% do mercado internacional de cigarros. No Brasil, a empresa chegou em 1973, instalando-se na cidade de Curitiba (PR). Após quinze anos, mudou sua parte operacional para Santa Cruz do Sul (RS), onde estava instalada a Souza Cruz. A cidade é ponto estratégico para o setor, pois está próxima aos mercados produtores. A empresa não possui filial em Santa Catarina. 428 Desde 1970, está no Brasil a Universal Leaf Tabacos Ltda., e com sede em Santa Cruz do Sul (RS). Nesta sede está a unidade industrial com maior capacidade diária de beneficiamento de fumo do mundo. No mundo, é líder em negócios com fumo em folha e chá. Em Santa Catarina, possui quatro filiais de compra, nos municípios de Maracajá, Canoinhas, Rio do Sul e Maravilha. Deste modo, atende todas as regiões produtoras de fumo do estado. A Dimon do Brasil Tabacos Ltda. está no Brasil desde 1933, e passou a se denominar Dimon Incorporated após a fusão, em 1996, da Dibrell Brothers Inc. e da Monk-Austin Inc. É a segunda maior empresa em comercialização de fumo do mundo e a terceira no mercado interno. A sede da empresa localiza-se no município de Vera Cruz (RS) e possui unidades de compra de tabacos em Araranguá, Palmitos e Rio do Sul, em Santa Catarina. O grupo Standard Commercial Corporation controla a subsidiária brasileira Meridional de Tabacos que atua no país desde 1974. De acordo com a pesquisa de campo realizada no mês de julho/2005, e do DESER (2005), em maio de 2005, houve a fusão dos dois grupos acima mencionados. A união das duas grandes empresas deu origem à Alliance One International, um dos maiores grupos do mercado em fumo de folha do mundo. Com a fusão, a Alliance One passa a ter, no país, uma capacidade instalada de produção de 270 mil toneladas de fumo por ano. A Continental Tobaccos Alliance (CTA) tem sede em Venâncio Aires (RS) e está no Brasil desde 1994. Possui joint-venture com a G. F. Vaughan Tobacco Co. Inc. Seu parque industrial tem capacidade para processar 65 mil toneladas de fumo por ano, sendo que beneficia cerca de 42 mil toneladas por ano, atualmente. Noventa por cento de sua produção é dirigida ao mercado externo. Duas de suas filiais estão em Santa Catarina, nas cidades de Araranguá e Ituporanga. A Kannenberg e Cia. Ltda. tem 4.900 produtores integrados que produzem mais de 20 mil toneladas de fumo por ano. A empresa está instalada em Santa Cruz do Sul (RS) e tem filiais em Morro da Fumaça e Apiúna, ambas em Santa Catarina. Uma das empresas mais jovens é a brasileira Brasfumo. Sua produção é 100% destinada ao mercado internacional. Também com sede em Venâncio Aires (RS), a empresa de capital nacional processa até 18 mil toneladas de fumo por ano. Não possui filial em Santa Catarina. Segundo os dados da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS/MTE), de 2003, disponíveis na Tabela 4.2.5, existem 61 empresas beneficiadoras de fumo no estado, sendo que, desse total, 59 são microempresas, ou seja, 97% do total. 429 Tabela 4.2.5 - Número e porte das empresas beneficiadoras de fumo no estado de Santa Catarina – 2003 MUNICÍPIOS Laurentino Timbó Nova Veneza Itajaí Mafra Taió Araranguá São Miguel do Oeste Sombrio Agronômica Apiúna Blumenau Morro da Fumaça TOTAL GERAL MICRO 10 5 4 3 3 3 2 2 2 0 1 0 1 59 PORTE DAS EMPRESAS PEQUENA MÉDIA GRANDE 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 1 0 TOTAL 10 5 4 3 3 3 2 2 2 1 1 1 1 61 Fonte: RAIS/MTE 2003. O município de Blumenau (SC) se destaca dentre os que possuem unidades das empresas beneficiadoras de fumo. Há uma empresa de médio porte, considerada a maior ligada a esta atividade, que é a unidade de processamento da Souza Cruz. Dentre os outros municípios que possuem unidades das empresas beneficiadoras de fumo no estado, pode-se salientar os municípios de Agronômica, que possui uma empresa de pequeno porte; Laurentino, com dez microempresas; Timbó, cinco microempresas; e Nova Veneza, quatro microempresas. 4.2.2.3 Emprego Os produtores de fumo no Brasil têm algumas características em comum. Sua concentração na região Sul do país, em áreas de colonização alemã e italiana, reforça ainda mais as semelhanças. Só na região são, aproximadamente, 150 mil famílias, o que corresponde a 520 mil empregos diretos. A necessidade de excessiva mão-de-obra na produção do fumo faz com que toda a família do agricultor participe do processo. Além disso, são necessários trabalhadores temporários, em torno de 40 mil postos. As propriedades em geral são pequenas, menos de 20 hectares, e cerca de 2,6 hectares são destinados à produção de fumo, as demais áreas servem para outras culturas, conforme Tabela 4.2.6. 430 USO Área média da propriedade Pastagens Milho Mata nativa Fumo Mata reflorestada Feijão Outras culturas Açudes e áreas de descanso ÁREA (EM HA.) 17,9 3,4 3,3 3,0 2,5 1,7 1,4 1,4 1,2 ÁREA (EM %) 100,0 19,0 18,4 16,8 14,0 9,5 7,8 7,8 6,7 Fonte: Costa e Sehn, 2003. Tabela 4.2.6 - Perfil da propriedade de produção do fumo no Brasil - 2003 O fumo também é uma alternativa tanto para pequenas propriedades como para as de médio porte. No entanto, não é destinada a grandes áreas devido a sua necessidade de mão-deobra intensiva. Por outro lado, é uma opção bastante atraente para propriedades com relevo acidentado, onde a mecanização não é possível, como seria necessário se o agricultor optasse por plantar soja, por exemplo. Contudo, o rendimento que o fumo proporciona é superior aos das demais culturas, em valores absolutos. O fumo é considerado uma cultura temporária, pois seu ciclo é inferior a um ano, sua colheita acontece nos meses quentes, de novembro a janeiro, sendo que o pico de produção nas empresas fumageiras ocorre de janeiro a setembro. Após fevereiro, as áreas são reaproveitadas para o plantio de milho e/ou feijão, inclusive os orientadores estimulam os agricultores a manterem esta prática. Este novo plantio aproveita os fertilizantes e corretores de solo utilizados na cultura anterior. Por outro lado, alguns municípios em Santa Catarina estão conseguindo realizar safrinhas de fumo durante todo o ano, com novas técnicas de plantio e em decorrência do clima ameno das regiões mais próximas ao litoral (este assunto será abordado com mais detalhes no item sobre tecnologia). Tabela 4.2.7 - Rendimento médio de culturas agrícolas selecionadas no Brasil – 2002/03 DISCRIMINAÇÃO SAFRA 2002/03 Receita bruta (R$/ha) Custo total (R$/ha) Receita líquida (R$/ha) Mão-de-obra (dias/homem) MILHO R$ % 1.069,20 100,00 957,01 89,51 112,19 10,49 22 CULTURA FEIJÃO R$ % 1.470,00 100,00 737,77 50,19 732,23 49,81 26 FUMO R$ % 8.402,34 100,00 4.856,44 57,80 3.545,90 42,20 149 Fonte: Costa e Sehn, 2003. Conforme DESER (2003), as principais vantagens que a cultura do fumo apresenta são, na visão dos agricultores: que a cultura ocupa uma pequena parte da terra, gera a maior renda dentre as demais culturas, a comercialização do produto é garantida, existe o seguro 431 contra granizo, e o crédito é facilitado pela empresa fumageira aos seus integrados. O mesmo grupo também identifica alguns dos principais problemas da cultura: absorve muita mão-deobra; a classificação do produto pelas empresas apresenta uma exigência muito alta; a grande quantidade de classes é considerada excessiva; o sistema de integração provoca falta de liberdade de produção e comercialização; a assistência técnica das empresas é considerada insuficiente; há carência de lenha em algumas propriedades para a cura do fumo e a Previdência Social não reconhece as intoxicações por agrotóxicos como doença de trabalho. Uma vez que se optou trabalhar com os municípios com maior produção agrícola de fumo, esbarrou-se no problema de ausência de dados precisos sobre o número de pessoas envolvidas. Só no estado são, aproximadamente, 60 mil famílias, o que corresponde a 204 mil empregos diretos, levando-se em conta que cada família seja composta de 3,4 pessoas. Outros trabalhadores são contratados para trabalhar na época da colheita, nas propriedades agrícolas ou nas empresas beneficiadoras. Estes trabalhadores temporários são denominados ‘safristas’. Tabela 4.2.8 - Trabalhadores no setor de fumo de acordo com o grau de escolaridade no estado de Santa Catarina – 2005 NÍVEL DE ESCOLARIDADE (1) CIDADES Agronômica Apiúna Araranguá Benedito Novo Blumenau Braço do Norte Brusque Canoinhas Criciúma Florianópolis Itajaí Laurentino Morro da Fumaça Nova Veneza Pouso Redondo Rio dos Cedros Rio do Sul Rodeio São Miguel d’Oeste Sombrio Taió Timbó Vitor Meireles TOTAL FUNDAMENTAL ENSINO MÉDIO ENSINO SUPERIOR COMPLETO INCOMPLETO COMPLETO INCOMPLETO COMPLETO INCOMPLETO 1 0 1 0 4 0 0 1 0 0 0 6 2 0 2 3 0 8 2 4 0 3 0 37 2 0 2 1 4 1 1 0 0 0 0 4 0 1 2 0 0 0 1 0 1 0 0 20 2 0 1 0 15 0 0 0 0 0 0 3 0 0 3 0 0 1 0 2 1 2 0 30 14 0 6 0 41 2 1 0 0 0 1 2 0 1 3 1 3 0 14 12 2 2 0 105 0 1 1 0 25 0 0 0 1 1 0 1 0 2 1 0 0 0 1 3 0 0 1 38 3 0 0 0 42 1 0 0 0 1 2 0 0 0 2 0 0 0 2 3 0 0 0 56 Fonte: RAIS/MTE. Nota: (1) Analfabetos não constam na relação porque não havia registro algum. TOTAL 22 1 11 1 131 4 2 1 1 2 3 16 2 4 13 4 3 9 20 24 4 7 1 286 432 De acordo com os dados da RAIS/MTE, pode-se perceber que o número de pessoas envolvidas é bem menor do que os centros de estudos agrícolas revelam, pois os dados acima são baseados nas Informações Sociais que as empresas enviam anualmente para o Ministério do Trabalho. Desse modo, trabalhadores como os agricultores familiares, que não têm registro de firma, não fornecem tais informações, o que fica à margem da estatística. Portanto, municípios como Blumenau, Laurentino, São Miguel d’Oeste e Timbó, que não estão entre os maiores produtores agrícolas de fumo, mas aparecem na relação fornecida pela RAIS/MTE, visto que as localidades onde as transnacionais têm filiais instaladas. Segundo Silva e Paulilo (1999), o trabalhador agrícola, especialmente aquele que utiliza de forma constante agrotóxicos, teria que fazer uso de um equipamento de proteção individual (EPI), que o protegesse durante a aplicação. O EPI é composto de capuz, viseira, avental impermeável, luvas de nitrilas impermeáveis, camisa e calça de algodão hidrorrepelente e botas de borracha. Desta maneira, o agricultor estaria protegido do contato com os produtos químicos. O EPI deve ser usado não somente na aplicação, mas também durante a preparação do produto. No entanto, há uma resistência muito grande dos trabalhadores em usar o equipamento. As desculpas são as mais diversas: devido ao calor intenso, a aplicação é rápida e a exposição é pequena, o equipamento dificulta o trabalho, pois atrapalha os movimentos. Porém, esse comportamento induz à contaminação por agrotóxicos, o que, na maioria das vezes, não é negligenciável. Outros autores comentam que o agricultor é ainda ignorante em relação ao dano que o produto químico pode causar na sua saúde e, assim, não faz o uso adequado dos equipamentos de segurança. A segurança na produção agrícola é fundamental, mas a contaminação por agrotóxicos na fumicultura atinge 50% dos produtores (BOEIRA e GUIVANT, 2003). Os principais sintomas que acometem os trabalhadores contaminados são dor de cabeça, tonturas, mal estar, abalos musculares, vômitos, salivação e perda de apetite. “A tese, comum entre empresários do setor, de que os agricultores fazem ‘uso inadequado’ de agrotóxicos, é apontada (...) como ‘uma forma sutil de isentar a livre comercialização e a falta de fiscalização’, e de transferir toda a responsabilidade aos agricultores e aos agrônomos.” (BOEIRA e GUIVANT, 2003, p. 60). 433 4.2.2.4 Faturamento, mercados e canais de comercialização Os preços médios recebidos pelos produtores de Santa Catarina, em geral, estão próximos à média da região Sul. Todavia, a produção mundial vem apresentando crescimento negativo, mas no Brasil a produção foi duplicada nos últimos dez anos. A explicação para este fato é o baixo custo da mão-de-obra brasileira. As mesmas empresas que aqui no Brasil pagam entre US$ 1 e 1,5/kg aos fumicultores brasileiros, pagam US$ 6/kg aos norteamericanos, US$10/kg aos europeus e US$ 18/kg aos produtores japoneses (BIOLCHI, 2005b). Deste modo, torna-se mais lucrativo produzir no Brasil e exportar o produto in natura, como acontece atualmente. A variação no preço médio recebido, em reais, pelos produtores da região Sul, entre as safras de 1998/1999 e 2003/2004, foi de 130,44% e a recebida pelos produtores de Santa Catarina foi de 122,87%. De acordo com o DESER (2005), convertendo os preços médios pagos aos produtores em dólar, fica evidente a estratégia das empresas fumageiras de reduzir seus preços de exportação no intuito de aumentar suas vendas e ganhar novos mercados. Em outras palavras, pagando menos aos produtores, as empresas conseguem exportar o fumo mais barato e com isso aumentar suas vendas externas, tornando-se ainda mais competitivas no comércio exterior. Tabela 4.2.9 - Faturamento e distribuição de renda no setor fumageiro no Brasil – 2003 FATURAMENTO TOTAL Exportação de fumo e derivados Consumo doméstico de cigarros Total DISTRIBUIÇÃO DA RENDA BRUTA Governo (tributos) Indústria Produtor Varejista Total 2003 3.257 8.618 11.874 2003 5.590 3.191 2.365 728 11.874 % 27,4 72,6 100,0 % 47,1 26,9 19,9 6,1 100,0 Fonte: Biolchi, 2005a. Nota: Valores em milhões de reais de 2003. A exportação de fumo e seus derivados, inclui-se aí o produto vendido em folha, semimanufaturado e uma pequena parcela do produto final acabado, apresentou, em 2003, mais de três bilhões de reais, enquanto que o consumo interno ficou em cerca de nove bilhões de reais, conforme a Tabela 4.2.9. De todo o faturamento que o setor fumageiro gera no Brasil, a maior parte é revertida ao governo na forma de tributos. Apesar disso, a exportação do produto em folhas é isenta de ICMS e demais taxas, fazendo com que seja vantajoso 434 finalizar a manufatura do produto em outros países, ou naqueles próximos aos maiores mercados consumidores. Segundo a tabela abaixo, a divisão do faturamento do setor no país se dá da seguinte forma: 47% para o governo, na forma de tributação; 27% para a indústria; 20% para o produtor agrícola; e 6% para o varejista. A tributação brasileira sobre cigarros é a quinta maior do mundo. Assim, em 2004, o Tesouro Nacional recolheu o equivalente a R$ 6,4 bilhões devido a impostos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ICMS, Selo de Controle, Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Programa de Integração Social (PIS), conforme informações do DESER (2005). O fumo em folha representa quase a totalidade das exportações do setor, cerca de 97% (DESER, 2005). Em 2004, as exportações brasileiras de fumo em folha chegaram a mais de 500 mil toneladas, ou aproximadamente 24% superior ao registrado do ano anterior, conforme a Tabela 4.2.10. Além disso, a isenção de impostos para a exportação de produtos primários e semi-elaborados trouxe ganhos excepcionais para as multinacionais instaladas no Brasil6, que passaram a exportar fumo em folha para beneficiamento em seus países de origem. Os principais destinos para o fumo em folha brasileiro são os EUA, a Alemanha, BélgicaLuxemburgo, China, Filipinas e África do Sul. Este último país mostrou um crescimento de 123% na importação do produto brasileiro, no período 2003/2004 (DESER, 2005). A redução da produção em importantes países como o Zimbábue e os EUA permitiu a consolidação do produto brasileiro no exterior. Tabela 4.2.10 - Exportações brasileiras de fumo – 2000-2004 ANO 2000 2001 2002 2003 2004 QUANTIDADE (1) 353.022 443.847 474.472 477.541 592.844 PREÇO (2) 2,38 2,12 2,10 2,26 2,40 RECEITA (3) 845 944 1.008 1.090 1.426 Fonte: DESER, 2005. (1) Quantidade em toneladas. (2) Preços em US$/kg. (3) Receita em US$ milhões. A produção de fumo é concentrada em alguns países do mundo. Os principais produtores, China, Brasil, Índia, EUA, Malawi e Indonésia, são responsáveis por 70% da produção mundial de fumo. No entanto, o crescimento tem sido negativo tanto na produção como nos estoques mundiais. No período 2000/2004, apenas o Brasil e o Malawi apresentaram crescimento da produção, respectivamente, 53% e 54%, conforme a Tabela 4.2.11. 6 Lei complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996, também conhecida como Lei Kandir. 435 O Brasil é o maior exportador de fumo do mundo, com 27% do produto mundial exportado. A China, que está em segundo lugar, exporta apenas 7,5%. Ademais, no período 2000/2004, o Brasil aumentou sua participação no mercado mundial em 65%. Os EUA vêm reduzindo sua participação na exportação mundial do produto e no período 2000/2004 essa redução foi de -13%. Por outro lado, os EUA aumentaram em 37% a importação de fumo, em decorrência da redução de sua produção e de seus estoques. E junto com a Rússia e Alemanha, importam 40% de todo o fumo comercializado no mundo. Apesar de estes serem os três maiores importadores de fumo, a Alemanha, no período 2000/04, reduziu em -33% a compra do produto. Tabela 4.2.11 - Produção e comércio mundial de fumo – 2000, 2004 PRODUÇÃO China Brasil Índia EUA Malawi Total mundial EXPORTAÇÃO Brasil China EUA Malawi Itália Total mundial IMPORTAÇÃO Rússia EUA Alemanha Países Baixos Reino Unido Total mundial CONSUMO China Índia EUA Rússia Japão Total mundial ESTOQUE China EUA Turquia Brasil Japão Total mundial 2000 (1) 2.295.000 493.000 599.400 408.200 89.550 6.097.244 2000 (1) 341.500 113.259 179.892 101.250 100.608 1.961.742 2000 (1) 285.000 196.601 263.077 112.358 108.427 2.010.505 2000 (1) 1.235.471 474.175 498.909 301.480 164.701 5.136.087 2000 (1) 4.342.988 1.536.000 380.820 266.980 231.105 8.189.671 2004 (2) 2.013.735 757.075 598.000 357.612 138.000 5.734.717 2004 (2) 564.000 156.900 156.000 138.000 110.000 2.095.730 2004 (2) 275.042 270.000 175.000 101.929 100.000 1.863.858 2004 (2) 2.220.320 486.230 450.000 280.917 144.000 5.724.505 2004 (2) 2.744.638 1.552.636 268.015 209.820 157.772 6.242.956 2004 (3) 35,1 13,2 10,4 6,2 2,4 100,0 2004 (3) 26,9 7,5 7,4 6,6 5,2 100,0 2004 (3) 14,8 14,5 9,4 5,5 5,4 100,0 2004 (3) 38,8 8,5 7,9 4,9 2,5 100,0 2004 (3) 44,0 24,9 4,3 3,4 2,5 100,0 VARIAÇÃO (4) -12,26 53,56 -0,23 -12,39 54,10 -5,95 VARIAÇÃO (4) 65,15 38,53 -13,28 36,30 9,34 6,83 VARIAÇÃO (4) -3,49 37,33 -33,48 -9,28 -7,77 -7,29 VARIAÇÃO (4) 79,71 2,54 -9,80 -6,82 -12,57 11,46 VARIAÇÃO (4) -36,80 1,08 -29,62 -21,41 -31,73 -23,77 Fonte: Oliveira e Biolchi, 2004. (1) Valores em toneladas. (2) Valores para 2004 são estimativas. (3) Participação percentual no valor de 2004. (4) Variação percentual de 2004 em relação a 2000. 436 Alguns estudos mostram que campanhas antitabagistas têm influenciado a redução no consumo de cigarros. Porém, no período houve crescimento de 11% no consumo mundial. Este movimento é influenciado principalmente pelo grande aumento registrado na China, de quase 80% em quatro anos no número de cigarros consumidos. Os grandes consumidores, com exceção da Índia, registraram decréscimo do consumo em até 12%. No período 2000/2004, os estoques mundiais de fumo tiveram uma redução de -23%. Com exceção dos EUA, que aumentaram seus estoques em 1%, os demais países apresentaram reduções significativas, como a Turquia (-29%) e o Brasil (-21%). De acordo com o Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (ICEPA)7, as exportações catarinenses de fumo aumentaram 75,6% entre os anos de 1992 e 2003, conforme a Tabela 4.2.12. Entretanto, quando se observa a quantidade exportada de fumo entre os anos de 2001 e 2003, percebe-se que houve uma queda de aproximadamente 10% do total exportado e que o ano de 2001 se destaca no período, com a marca de 48.101 toneladas de fumo exportadas. Em relação ao preço pago por quilo de fumo, constatou-se que, entre os anos de 1992 e 2003, houve uma queda de 47,7%. Mas ao se verificar os preços praticados entre os anos de 2001 e 2003, percebe-se que eles se elevaram em 8,5%. Tabela 4.2.12 - Exportações de fumo em folha no estado de Santa Catarina – 1992-2003 ANO 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 QUANTIDADE (1) 24.641 27.763 33.173 38.070 39.452 34.909 38.735 31.449 37.882 48.101 45.968 43.264 VALOR (2) 96.075 83.110 84.677 116.055 140.674 122.125 127.255 84.388 88.697 90.579 88.211 88.232 PREÇO (3) 3,90 2,99 2,55 3,05 3,57 3,50 3,29 2,68 2,34 1,88 1,92 2,04 Fonte: ICEPA, 2004. (1) Quantidade em toneladas. (2) Valores em US$ 1.000. (3) Preço em US$/Kg. A cadeia produtiva do fumo no Brasil é integrada, isto é, a produção das folhas é orientada pelas empresas fumageiras, de modo que ela se compromete a comprar toda a safra dos fumicultores. Por outro lado, ela também define a classificação e o preço do fumo na compra, sendo que o produtor não tem muita escolha na hora de vender o produto. Segundo 7 O antigo Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina (ICEPA) foi incorporado pela EPAGRI, em junho de 2005, e tornou-se o Centro de Estudos de Safras e Mercados (EPAGRI/CEPA). 437 Dacorégio (2004, p. 19), existe uma forte dependência dentro da cadeia produtiva do fumo, que “envolve fabricantes de insumos e equipamentos, o produtor rural e sua família, a fumageira integradora, os transportadores, os trabalhadores temporários da safra, os trabalhadores das indústrias, os distribuidores, os varejistas e as instituições públicas e privadas.” A distribuição do produto final é responsabilidade da empresa fumageira, que também se responsabiliza pelo transporte do produto das fazendas até a empresa e o seguro de transporte. Neste elo final, as grandes empresas possuem um aparato de logística próprio, que permite que ela otimize a sua distribuição. Dacorégio (2004) faz uma análise da distribuição da empresa Souza Cruz, que detém cerca de 80% do mercado nacional de cigarros. A empresa atende por volta de duzentos mil pontos de venda em todo o território nacional. O atendimento acontece através das Centrais Integradas de Distribuição (CID), que estão localizadas em Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE). A empresa possui em torno de 900 veículos próprios e outros meios para chegar a cada ponto de venda. A intenção da empresa na instalação de uma rede própria de distribuição possibilita que ela tenha mais controle sobre todas as operações da produção e comercialização do fumo. Desta forma, a empresa tem todo o conhecimento sobre todas as etapas, desde as sementes até ao consumidor final. Como já foi mencionado, a atuação do estado de Santa Catarina na cadeia do fumo dáse, fundamentalmente, como fornecedor de matéria-prima para a indústria localizada no Vale do Rio Pardo no Rio Grande do Sul, ocorrendo a exportação de menos de 20% da produção estadual por somente uma empresa. As demais mantêm unidades de compra do fumo em folha. Desta forma, o segmento de produção agrícola é o que predomina em Santa Catarina. As unidades produtoras de fumo localizam-se, em sua maioria, em regiões cujo acesso ocorre através de estradas de barro não pavimentadas que requerem manutenção regular e preventiva, visto que vias em mal estado de conservação retardam e encarecem o escoamento da produção entre as áreas rurais e os centros urbanos. As estradas vicinais utilizadas para o escoamento do fumo e para a entrega por parte das empresas de insumos aos produtores estão espalhadas no território catarinense, devido à diluição da produção em mais de 200 municípios. As unidades de compra das empresas ficam localizadas nas regiões Oeste, Vale do Itajaí, Sul e Planalto Norte do Estado, regiões produtoras, sendo que o escoamento do produto 438 até as unidades de beneficiamento no Rio Grande do Sul requer a utilização de rodovias catarinenses e gaúchas. Já a empresa Souza Cruz exporta parcela da sua produção a partir da sua unidade de Blumenau, através do Porto de Itajaí, utilizando para acessá-lo a rodovia BR 470. Portanto, no que tange às rodovias catarinenses, as mais utilizadas são as BR 101, 282 e a 470. Segundo pesquisa realizada neste ano pelo Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), as rodovias citadas acima mostram a seguinte situação: a BR 282 foi classificada como deficiente, apresentando pavimentação deficiente, boa sinalização e geometria ruim; a BR 470 encontra-se com um estado geral bom, boa pavimentação, boa sinalização e geometria ruim; a Br 101 apresentou uma boa situação para os itens mencionados acima, com exceção para a sinalização, que foi considerada ótima. 4.2.2.5 Fornecedores de insumos Os insumos utilizados na produção de fumo são basicamente os agrotóxicos, adubos e similares, placas de poliestireno expandido ou isopor (EPS). As estufas e seus equipamentos são construídos basicamente com material de construção e apenas a fornalha utilizada na cura é considerada um equipamento específico. Além disso, os grampos utilizados no processo folha solta também não têm outra aplicação. MARCA COMERCIAL Acefato Fersol 750 SP Cefanol Dimetoato CE Doser Lebaycid 500 Lorsban 480 BR Mentox 600 CE Nufos 480 CE Orthene 750 BR Diafuran 50 Furadan 350 SC Furadan 50 G Marshal 50 G Ralzer 50 GR Sevin 480 SC Sevin 850 PM SUBSTÂNCIA ATIVA Acefato Acefato Dimetoato Clorpirifos Fenthion Clorpirifos Paration Metílico Clorpirifos Acefato Carbofuran Carbofuran Carbofuran Carbosulfan Carbofuran Carbaryl Carbaryl TOXICIDADE iv iii i ii ii ii i iii iv i i i iii i ii ii FABRICANTE Fersol Indústria e Comércio Ltda. Sipcam Agro S.A. Milenia Agro Ciências S.A. DowElanco Bayer S.A. Basf S.A. Fersol/Prentiss Química Ltda. Cheminova Brasil Ltda. Hokko/Arysta Life Science Hokko/Arysta Life Science FMC Agricultural Products FMC Agricultural Products FMC Agricultural Products Fersol Indústria e Comércio Ltda. Rhodia-Agro S.A. Rhodia-Agro S.A. Fonte: DESER, 2005. Quadro 4.2.2 - Agrotóxicos liberados para a cultura do fumo no Brasil - 2005 Os inseticidas e acaricidas liberados para a cultura do fumo são na sua maioria organofosforados, conforme Quadro 4.2.2. Devido ao sistema de integração, a empresa 439 integradora é quem adquire os agrotóxicos e os repassa aos agricultores. Assim, a definição dos fornecedores depende exclusivamente da integradora. Os agrotóxicos estão classificados como: inseticidas (organofosforados, carbamatos, organoclorados e piretróides), fungicidas, herbicidas, raticidas, acaricidas, nematicidas, mulosquicidas e fumigantes. Sua utilização decorre da necessidade de controlar pragas que possam atacar a planta de fumo danificando-a ou inutilizando-a. A maior preocupação que o uso indiscriminado dos agrotóxicos traz é com relação a sua toxicidade. Para tanto, eles são classificados em quatro classes, de extremamente tóxicos a muito pouco tóxicos. A identificação de cada substância é feita pelo rótulo, onde (i) faixa vermelha significa extremamente tóxico, (ii) faixa amarela altamente tóxico, (iii) faixa azul mediamente tóxico e (iv) faixa verde muito pouco tóxico. 4.2.3 Caracterização do arcabouço institucional público e privado A produção de fumo de Santa Catarina não pode ser visualizada somente pelas atividades que ocorrem dentro do território. Isto se dá porque o espaço principal de tomada de decisão sobre tecnologias utilizadas, volume de produção, organização e destino da produção encontra-se situado nos locais onde estão presentes as unidades de gerenciamento das subsidiárias das multinacionais que dominam o setor no país, na região do Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul. Nesta região estão localizadas as principais unidades de beneficiamento do produto das empresas, bem como as sedes das principais instituições que representam os interesses dos atores que atuam na atividade. No ano de 2003, foi criada a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo, órgão colegiado federal criado com o objetivo de debater a formulação de políticas públicas estruturadas para os diferentes segmentos do setor (DESER, 2005). A Câmara Setorial é composta por 32 representantes dos poderes públicos, iniciativa privada e movimentos sociais, de acordo com o Quadro 4.2.3. As entidades que participam da Câmara Setorial serão apresentadas a seguir, algumas serão analisadas mais detalhadamente nos itens posteriores. 440 Entidades que participam da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Fumo Entidades pertencentes à esfera privada ABIFUMO - Associação Brasileira da Indústria de Fumo – Vera Cruz (RS) AFUBRA – Associação dos Fumicultores do Brasil – Santa Cruz do Sul (RS) ANDEF – Associação Nacional de Defesa Vegetal – São Paulo (SP) ANPA – Associação Nacional dos Pequenos Agricultores – Santa Cruz do Sul (RS) CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – Santa Cruz do Sul (RS) CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Porto Alegre (RS) CUT – Central Única dos Trabalhadores – Santa Cruz do Sul (RS) FENTIFUMO – Federação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias do Fumo e Afins – Santa Cruz do Sul (RS) FETRAF-SUL/CUT – Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar da Região Sul – Presidente Getúlio (SC) OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras – Arroio do Tigre (RS) SINDIFUMO/BA – Sindicato da Indústria do Fumo do Estado da Bahia – Brasília (DF) SINDIFUMO/RJ – Sindicato da Indústria do Fumo do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro (RJ) SINDIFUMO/RS – Sindicato da Indústria do Fumo – Santa Cruz do Sul (RS) SINDIFUMO/SP – Sindicato da Indústria do Fumo do Estado de São Paulo - São Paulo (SP) SINTIFA – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Fumo e Alimentação de Cruz das Almas – Cruz das Almas (BA) Entidades pertencentes à esfera pública BB – Banco do Brasil S.A. – Brasília (DF) BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social – Rio de Janeiro (RJ) CAPR – Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados – Brasília (DF) EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Pelotas (RS) MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. – Brasília (DF) MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário – Brasília (DF) MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Brasília (DF) MF – Ministério da Fazenda – Brasília (DF) MMA – Ministério do Meio Ambiente – Brasília (DF) MS – Ministério da Saúde – Brasília (DF) SAA. – Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre (RS) SAR – Secretaria de Estado da Agricultura e Política Rural de Santa Catarina - Florianópolis (SC) SDA. – Secretaria de Defesa Agropecuária – Brasília (DF) SEAB – Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Paraná - Curitiba (PR) SPA – Secretaria de Política Agrícola – Brasília (DF) SRF/MF – Secretaria da Receita Federal – Brasília (DF) OUTRAS INSTITUIÇÕES NO ESTADO DE SANTA CATARINA FETAESC – Federação de Trabalhadores da Agricultura de Santa Catarina FAESC – Federação da Agricultura de Santa Catarina Fonte: DESER, 2005a e 2003. Quadro 4.2.3 - Instituições que fazem parte da câmara setorial e outras que interferem na cadeia produtiva do fumo no Brasil e no estado de Santa Catarina – 2005 Na cadeia produtiva do fumo estão envolvidos diversos atores, tanto da esfera pública como da esfera privada. Da esfera pública são as agências reguladoras, seja da produção, seja dos insumos utilizados. Pelo lado da esfera privada, os principais agentes são as empresas fumageiras, que através do processo de produção integrado, têm controle sobre toda a cadeia produtiva do fumo. Em Santa Catarina há também representações de classes da esfera privada, e no âmbito público a Secretaria de Estado da Agricultura e Política Rural de Santa Catarina é a representante. 441 4.2.3.1 Principais atores pertencentes à esfera pública As justificativas do Governo Federal para criar as agências reguladoras são decorrentes de exigências sociais e políticas. Em função desta situação, houve uma diluição do papel da administração pública como fornecedor exclusivo ou principal de serviços públicos e, simultaneamente, um processo, ainda em curso, de regular atividades produtivas de interesse público mediante o estímulo à competição e à inovação, atuando preferencialmente no gerenciamento de recursos e na função de controle. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi criada pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. É uma autarquia sob regime especial, ou seja, uma agência reguladora caracterizada pela independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes durante o período de mandato e autonomia financeira. A gestão da Agência é responsabilidade de uma Diretoria Colegiada, composta por cinco membros. Na estrutura da Administração Pública Federal, a Agência está vinculada ao Ministério da Saúde, sendo que este relacionamento é regulado por Contrato de Gestão. A finalidade institucional da Agência é promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados. A ANVISA interfere na cadeia produtiva do fumo de duas maneiras. A primeira é através do licenciamento e controle dos produtos químicos utilizados na agricultura, que devem ser registrados para entrarem no mercado. A segunda é pela definição das quantidades das substâncias presentes nos cigarros. Esta normatização é internacional e pretende minimizar os riscos do consumo do produto. O Ministério da Fazenda (MF) e a Secretaria da Receita Federal (SRF) são responsáveis pelo controle à entrada de produtos contrabandeados no país. Pode-se verificar o tamanho do prejuízo conforme a Tabela 4.2.13. Tabela 4.2.13 - Mercado total de cigarros no Brasil – 1993-2003 ANO Vendas legais Comércio total 1993 115 129 1994 105 129 1995 116 145 1996 115 151 1997 108 152 1998 91 147 1999 97 141 2000 95 142 2001 100 150 2002 96 142 2003 91 130 Fonte: Anuário Brasileiro do Fumo, 2004. Nota: Valores em bilhões de unidades. O mercado ilegal chega a um terço do que é consumido no país. Em 1993, o valor de cigarros ilegais no país era de 14 bilhões de unidades, ou 11% do total consumido. Em 2003, este valor atingiu 39 bilhões de unidades, ou 30% do consumo total. O mercado interno tem 442 se mantido constante, entre 130 e 140 bilhões de unidades por ano, porém, as vendas legais estão em decréscimo desde o ano de 2001, conforme a Figura 4.2.2. O volume de contrabando que entra no Brasil chega a ser maior do que o consumo de alguns países, como a Argentina, por exemplo. São vendidas mais de 360 marcas ilegais, das 420 existentes no mercado. Bilhões de unidades 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Ano Vendas legais Comércio total Fonte: Anuário Brasileiro do Fumo, 2004. Figura 4.2.2 - Mercado total de cigarros no Brasil– 1993-2003 Os produtos falsificados são oriundos especialmente do Paraguai e do Uruguai e, devido ao não pagamento dos impostos relacionados, chegam ao mercado com preço efetivamente mais baixo e geram concorrência desleal, além do impacto negativo na arrecadação fiscal. Estes países consomem aproximadamente sete bilhões de unidades por ano, e a capacidade instalada de produção de cigarros é de 100 bilhões de unidades/ano. Nos últimos quatro anos, o Paraguai passou de 17 para 33 fábricas de cigarros. Os impostos incidentes sobre o cigarro no Brasil atingem a marca de 70%, enquanto que no Paraguai não passa de 18%, o reflexo é visto no preço, média de R$ 1,42, em 2002, para o produto nacional, e de R$ 0,78 para o produto contrabandeado. Este fato, ao lado da ratificação da Convenção-Quadro, são dois objetos de permanentes discussões em todas as entidades ligadas ao setor do fumo no Brasil. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e as Secretarias de Defesa Agropecuária (SDA.) e de Política Agrícola (SPA) também interferem junto à cadeia produtiva do fumo. É o MAPA que tem a competência para a normatização da classificação do fumo produzido no Brasil, o que interfere no preço do produto. Além disso, as associações e sindicatos ligados à cadeia produtiva do fumo solicitam junto ao MAPA e ao Ministério do 443 Desenvolvimento Agrário (MDA) a revisão de suas posições em relação à Implementação da Convenção–Quadro do Controle do Tabaco8 e seus protocolos. Os senadores da república também são visitados constantemente por membros da Câmara Setorial do Fumo para debates a respeito da Convenção-Quadro. 4.2.3.2 Principais atores pertencentes à esfera privada A Associação Brasileira da Indústria do Fumo (ABIFUMO) foi fundada em 1979 para ajudar a comunicar as posições dos associados sobre diversos assuntos de seu interesse. Hoje onze empresas do setor de produção, beneficiamento e comercialização do fumo integram a Associação. A ABIFUMO é um fórum para que suas associadas expressem suas opiniões sobre questões relacionadas ao setor fumageiro e, quando apropriado, leva as conclusões da associação às partes interessadas. As associadas seguem o Código de Ética Setorial, um conjunto de normas de conduta. A Associação está sediada em Brasília. Criada em 1955, a AFUBRA surgiu em virtude de três condições básicas e fundamentais: (a) Melhores preços para o fumo, (b) Estabilidade do mercado, (c) Seguro contra granizo. Devido à atuação desta e das demais Associações, atualmente, o fumo é a única cultura que goza do privilégio de estar amparado por um seguro mútuo. A AFUBRA também é filiada à Associação Internacional dos Produtores de Fumo (ITGA). O Sindicato das Indústrias do Fumo (SINDIFUMO) é a organização que reúne as empresas atuantes na produção, beneficiamento, comercialização e exportação de fumo. Possui papel de fundamental importância na representação das indústrias, seja na esfera pública, com o governo, seja na negociação de contratos de integração, de captação de recursos e da comercialização da safra. Em Santa Catarina, os produtores são representados pela Federação de Trabalhadores na Agricultura de Santa Catarina (FETAESC) e pela Federação da Agricultura de Santa 8 Este documento foi proposto em 1999 e adotado em 2003 pelos países membros das Nações Unidas e é o primeiro tratado internacional de saúde pública da história da humanidade. A idéia central da Convenção– Quadro é a redução da demanda de tabaco, através da: (a) proibição ou restrição da publicidade, promoção e patrocínio do tabaco; (b) estabelecimento de normas para embalagem e etiquetagem do produto; (c) promoção de medidas de proteção contra a exposição à fumaça de produtos do tabaco; (d) promoção de medidas para evitar o contrabando de produtos de cigarros; e (e) estabelecer o princípio de responsabilidade civil social. O Brasil foi o segundo país a assinar a Convenção-Quadro, porém, as empresas fumageiras são contra a ratificação do tratado (BIOLCHI, 2005a). 444 Catarina (FAESC), além da AFUBRA. Como a maioria dos produtores são agricultores familiares, as três associações acima são consideradas seus representantes legítimos. Os bancos são considerados importantes nesta cadeia produtiva porque atuam como financiadores dos pequenos agricultores, apesar de todo o processo passar pelas mãos das empresas fumageiras. Devido ao grande número de integrados, em geral, da agricultura familiar, as empresas concentram em seu nome os financiamentos conseguidos junto aos bancos, repassando aos integrados. Tanto os bancos quanto as empresas fumageiras concordam que esta modalidade de empréstimo é mais adequada, pois os pequenos produtores teriam mais dificuldade de acesso ao crédito isoladamente, e a empresa atuando como avalista, praticamente inexiste inadimplência. Contudo, toda a operação é acordada pelos integrados, que apenas não têm acesso aos documentos gerados durante o processo. 4.2.4 Nível tecnológico 4.2.4.1 Principais tecnologias utilizadas A tecnologia utilizada é quase toda dominada pelas empresas fumageiras, com exceção do desenvolvimento das sementes, que fogem ao foco da empresa e são desenvolvidas por outros atores da cadeia. Como a cultura do fumo é altamente absorvedora de produtos químicos, sejam fertilizantes e corretores para o solo, sejam fungicidas e agrotóxicos, para eliminação de pragas e utilizadora em grande proporção de mão-de-obra, os avanços tecnológicos buscam reduzir custos e aumentar o rendimento da atividade de produção do fumo. O brometo de metila, produto químico utilizado para a esterilização do solo e plantio das sementes e desenvolvimento de mudas, está sendo substituído pelo sistema float (que significa bóia, flutuar). Este sistema elimina o uso de produtos químicos, já que as mudas são desenvolvidas em placas de EPS, sobre uma lâmina de água. Além de facilitar o manuseio, o sistema diminui o uso de produtos químicos e facilita o trabalho. Por outro lado, um novo problema está surgindo com as placas de EPS. Estas têm vida útil de cinco anos, após este período, devem ser descartadas. Para evitar a poluição ambiental e a visual, uma vez que o volume dos produtos é grande, elas são completamente recicláveis, apenas devem ser encaminhadas adequadamente (ANUÁRIO BRASILEIRO DO FUMO, 2002, 2003, 2004). 445 Ainda sobre produtos recicláveis, as embalagens de agrotóxicos devem ser lavadas três vezes (a chamada tríplice lavagem) na propriedade e depois encaminhadas às fábricas para a reciclagem. Todavia, os agricultores reclamam da mão-de-obra desta função e que as empresas são exigentes com relação a isto. A intenção é reduzir a quantidade de lixo produzida nas lavouras e evitar que tais produtos cheguem às nascentes de água. Outra aposta do progresso tecnológico é o desenvolvimento de novas variedades altamente produtivas. Através de melhoramento genético, a busca é por variedades que satisfaçam o produtor, permitam rastreabilidade, garantia de pureza genética e de equilíbrio químico. Isto pode ocorrer com variedades que possibilitam o crescimento de mais folhas por planta, altos níveis de qualidade e melhoria da relação talo-lâmina. A grande quantidade de mão-de-obra necessária à cultura do fumo também é ponto de investigação. O processo de cura exige um elevado número de pessoas trabalhando, pois é necessário fazer a colheita, a classificação das folhas, costura, engate nas varas da estufa ou do galpão, alimentação dos fornos a lenha, verificação da temperatura, além de outras tarefas relacionadas. No novo sistema de modelo de unidade de cura denominado LL ou folha solta, não há necessidade da costura das folhas nas varas, as folhas são dispostas soltas em varas. Este modelo potencializa a distribuição do calor pelo interior da estufa/galpão com o uso de ventiladores e sistema de ar forçado. Também permite o controle automatizado que ajusta a relação entre bulbo seco e bulbo úmido, além de avisar quando é preciso colocar lenha na fornalha. A inovação é que o modelo LL reduz em 50% a necessidade de mão-de-obra e elimina pelo menos oito operações do processo. Outra atividade do processo de cura do fumo que exige bastante mão-de-obra é a alimentação da fornalha. Em geral, se utiliza lenha para queimar e manter a estufa em temperatura constante para a secagem das folhas. Porém, o forno tem que ser alimentado no máximo a cada duas horas. Isto faz com que o agricultor tenha que permanecer a noite toda acordado acompanhando o processo, uma vez que este não pode ser interrompido. A necessidade de lenha é outro fator que limita a ampliação das áreas de cultivo do fumo, porque quando se amplia a área plantada, é preciso ampliar as estufas e as áreas destinadas a reflorestamentos das árvores que serão utilizadas no processo de cura. Portanto, são, pelo menos, duas áreas que têm que ser ampliadas. A alternativa é o uso de carvão mineral na queima. O produto é relativamente abundante na região Sul do país, de modo que não é de difícil acesso. Embora seja 15% mais 446 caro que a lenha, apresenta maior praticidade no uso. Enquanto a lenha tem que ser reposta a cada duas horas, o carvão mineral tem condições de manter a temperatura estável dentro do galpão por até oito horas. Esse fato libera o produtor de ter que ficar a noite toda acordado alimentando a fornalha. Além disso, os canos de estufa para um alimentador a lenha duram, em média, de três a quatro anos, enquanto que aqueles à base de carvão mineral, duram, aproximadamente, 15 anos. Existem equipamentos em funcionamento automatizados que têm capacidade para 150 quilos de carvão mineral, e alimentam o forno automaticamente. Os produtores tendem a preferir a tecnologia de custo inferior, mas em virtude dos benefícios decorridos da utilização do carvão mineral, pode ser uma alternativa bastante interessante e rentável. Outra inovação na etapa de alimentação das fornalhas, que é bastante importante, apesar da relativa simplicidade, é aquela que diz respeito ao tamanho das toras. Os agricultores que compram madeira para a secagem do tabaco recebem estas peças de madeira com o comprimento pré-definido de um metro. Entretanto, neste tamanho, a tora fica pesada e de difícil manuseio, visto que, em geral, são as mulheres que fazem este trabalho, enquanto os homens estão na lavoura. No entanto, percebeu-se que, ao cortar as toras no tamanho de 0,5 metro, a peça era mais fácil de se manusear e o rendimento do fogo também aumentava. Assim, a recomendação dos agrônomos é para que os agricultores cortem as toras na propriedade, pois, assim, evita-se o aumento dos custos deste insumo. A cultura do fumo danifica e esgota o solo. Para diminuir esta degradação, os técnicos agrícolas têm desenvolvido opções de adubação verde (sem produtos químicos) para fortalecer o solo e eliminar a erosão. O adubo verde é composto de plantas como a aveia, ervilhaca ou mucuna. Estas plantas são espalhadas no terreno, entre os pés de fumo formando uma espécie de cobertura que amortece a queda da água da chuva e evita que a terra seja levada pela água, impedindo assim a erosão. Esta adubação de base, somada à adubação de cobertura (salitração), é feita sobre a coberta de plantas, eliminando o revolvimento do solo, que reduz o desgaste da terra e, também, diminuindo o uso de mão-de-obra. Quando se iniciou o plantio do fumo no Brasil, a mesma técnica era utilizada nos três estados no Sul. Porém, com o desenvolvimento da cultura, de novas técnicas, a adaptação às particularidades de cada solo e clima, hoje, cada região tem uma forma diferente de cultivar a planta. Na região Sul de Santa Catarina, no município de Turvo, teve início a plantação do tipo duplo, isto é, duas fileiras de plantas são colocadas próximas sobre um camalhão alto e largo. O resultado é um maior número de plantas por hectare, redução na perda de 447 fertilizantes, facilidade no trato cultural e na adubação de cobertura e praticidade na colheita do baixeiro. Também é mais adequado para áreas alagadas (ANUÁRIO BRASILEIRO DO FUMO, 2002, 2003, 2004). Outra novidade no plantio do fumo é sua produção o ano todo. Através de novas técnicas, os agricultores estão conseguindo várias safras durante o ano, aumentando a renda familiar sem grandes acréscimos nos custos. O chamado plantio escalonado e as safrinhas de verão e de inverno são as técnicas que permitem esse aproveitamento integral da área de plantação. O escalonamento, técnica surgida há quatro anos em Santa Catarina, significa o transplante das mudas de fumo em diferentes datas, de modo a obter a colheita em datas também diferentes. Isso reduz a contratação de mão-de-obra temporária, e a própria família do agricultor tem condições de realizar todas as etapas da produção. Até mesmo a infra-estrutura utilizada é a mesma. As safras intermediárias tendem a ser até 20% mais econômicas que a safra convencional. O microclima da região Sul de Santa Catarina também é responsável pela ampliação das safras, pois se torna adequado à cultura do fumo. É reduzido, também, o volume de adubo utilizado, em especial os nitrogenados. Todavia, a incidência de pragas é maior e, portanto, usa-se mais herbicida. A onda de cultivo de plantas, de criação de animais sem o uso de produtos químicos atingiu até mesmo a cultura do fumo. É cada vez maior o interesse dos agricultores pela plantação de fumo ecológico, apesar de ainda apresentar produção inferior à convencional. Segundo o Anuário Brasileiro do Fumo (2004), na safra 2001/2002, o fumo ecológico apresentou rendimento de 700 a 1000 kg/ha., e o convencional, de 3000 kg/ha. Na safra seguinte, 2002/2003, os números acima foram 1200-1300 kg/ha. e 1700-1800 kg/ha., respectivamente. O crescimento do fumo ecológico foi significativo, apesar da drástica redução do rendimento médio do fumo convencional. Isto resulta em um aumento de preços, para aqueles que estejam dispostos a pagá-lo. Para a produção de fumo ecológico foi usado adubo organomineral que libera nutrientes de forma lenta e gradual. No processo não houve ataque de pragas e os pulgões foram combatidos com produtos biológicos, retirados de árvores. Porém, um obstáculo a esta forma de produção é a dificuldade de se obter fontes de fornecimento de nutrientes estáveis. No esterco de suínos e bovinos, o percentual de água varia muito, o que dificulta grandemente seu uso. Outros produtos que estão sendo utilizados como alternativas aos produtos químicos são: a torta de mamona para a obtenção de hidrogênio, o fosfato natural Arad, que é 448 importado, para fósforo, as cinzas na obtenção de potássio e cálcio. Não é utilizado nenhum antibrotante, esse controle é feito manualmente. As empresas fumageiras estão apoiando estas iniciativas através da realização de pesquisa e desenvolvimento das técnicas. 4.2.4.2 Comparação com a situação tecnológica de outras localidades, no Brasil e no exterior A produção e o processamento de fumo na região Sul do Brasil são bastante semelhantes. Mas, em comparação com a região Nordeste, a situação é diferente. No século XIX, o Recôncavo Baiano iniciou a produção de fumo com destino à confecção de charutos. Devido às condições edafo-climáticas, neste local, se produz o melhor fumo para charutos do país, com qualidade reconhecida internacionalmente. Contudo, desde a década de 1960, a fumicultura baiana está em uma espiral descendente (MESQUITA e OLIVEIRA, 2003). O rendimento médio da região está em torno de 856 kg/ha., enquanto que na região Sul é de 1.724 kg/ha. Ao contrário do que acontece com os produtores sulistas, no Nordeste não há inovações, que ampliem o rendimento médio, ou o uso de novas tecnologias, que são puxadas por empresas integradoras, como, por exemplo, a Souza Cruz. Os estados produtores da região são Alagoas (10.780 toneladas na safra 2001/2002), Bahia (9.133 toneladas) e Sergipe (1.838 toneladas). A produção concentra-se em fumos escuros, destinados à manufatura de charutos, cigarrilhas, cigarros escuros e fumo-de-corda. As propriedades agrícolas familiares são menores que as do Sul, com tamanho de até 5 ha. Os produtores, em geral, se enquadram como part time, pois os minifúndios encontram-se na periferia urbana, em metade do tempo eles se ocupam das atividades na lavoura e metade do tempo, em trabalhos urbanos, como bicos ou biscates. A produção na região Nordeste é realizada em baixa escala, com baixo padrão tecnológico e produção vinculada e dependente à exploração mercantil de um pequeno número de empresas exportadoras de fumo em folha e/ou fabricantes de charutos e cigarrilhas, que são, em geral, subsidiárias de empresas transnacionais. A hegemonia do tabaco claro, que é produzido no Sul do Brasil, também tem reduzido o mercado para o fumo nordestino. 449 4.2.4.3 Grau de heterogeneidade das empresas em termos de capacitação tecnológica As empresas do setor de fumo atuantes no Brasil têm algumas características. A principal delas é a de serem filiais de empresas transnacionais, que foram incorporadas por processos de fusão e/ou aquisição ou implantadas no país para os fins específicos. A participação estrangeira chega a 92% da receita líquida de vendas no setor fumageiro brasileiro (GONÇALVES, 2003). O Brasil é o maior exportador de fumo em folha no mundo e o parque industrial para a produção de cigarros para o mercado interno é detentor de alta tecnologia. As fábricas recentemente instaladas, como a da Souza Cruz, em Cachoeirinha (RS), contam com modernos equipamentos de produção de cigarros, configurando em substanciais ganhos de escalas. Apesar de o Brasil não estar entre os maiores consumidores de cigarros do mundo, grande parte do que é produzido no país tem como destino o mercado interno. As exportações de cigarros prontos para o consumo são bastante pequenas. A Souza Cruz possui ainda um Departamento Gráfico, situado no Rio de Janeiro (RJ), onde ela mesma produz os rótulos, envoltórios, estojos e ponteiras para cigarros. A grande maioria das empresas produtoras de cigarros produz ela mesma as embalagens que irá usar, reduzindo assim o número de fornecedores da cadeia. 4.2.5 Impactos ambientais Atualmente, existem diversos tipos de projetos que visam à prevenção do meio ambiente no setor do fumo. Dentre eles, podemos citar o projeto viabilizado pelo SINDIFUMO e pela AFUBRA junto aos produtores de fumo para a coleta de embalagens tríplices lavadas de defensivos agrícolas utilizados na plantação do fumo para serem reciclados. Esse material recolhido se transforma, principalmente, em conduítes (canos corrugados para a instalação elétrica), cordas, além de diversos tipos de embalagens. Entretanto, o estado de Santa Catarina só implementou o projeto-piloto em 2003 e, em 2004, o projeto foi estendido para toda a região produtora. O Rio Grande do Sul utiliza o projeto há cinco anos e pretende com ele retirar todo o estoque de embalagens de defensivos agrícolas das propriedades produtoras nos próximos anos. 450 Segundo estimativas do SINDIFUMO e da AFUBRA, atualmente, cerca de três quartos do material recolhido não é utilizado na plantação do fumo, uma vez que a propriedade do fumicultor é muito diversificada e a plantação do fumo não exige tantos defensivos agrícolas como outras culturas. Vale destacar que este projeto é pioneiro no Brasil e serve de referência para mostrar a consciência de que o descarte adequado desses produtos previne eventuais danos ao meio ambiente. Outro projeto que visa à prevenção de possíveis danos ao meio ambiente é o Programa de Reciclagem das Bandejas de EPS9, do sistema float, que são amplamente utilizadas na cultura do fumo10. O processo de reciclagem é o seguinte: as bandejas que saem do sistema de produção são entregues nos postos de coleta, num procedimento similar ao do recolhimento das embalagens dos defensivos agrícolas descrito acima. O material então é compactado e encaminhado à empresa Polímeros Delta, sediada no município de São Leopoldo (RS), para ser reconstituído. No processo, o EPS é transformado em uma pasta endurecida que, posteriormente, será moída e misturada a outros componentes. O produto resultante geralmente é repassado às fábricas de calçados e transformado em solados. Entretanto, este projeto ainda é piloto e está sendo implementado em caráter de teste na região de Santa Cruz do Sul, Candelária, Mato Leitão, Passo do Sobrado, Rio Pardo, Sinimbu, Venâncio Aires, Vera Cruz e Vale do Sol, além dos municípios da Depressão Central do Rio Grande do Sul. Depois deste projeto-piloto na região de Santa Cruz do Sul, a intenção da Associação Brasileira do Poliestireno Expandido (ABRAPEX), idealizadora do projeto, é a de ampliar o programa para os três estados do Sul do Brasil. De acordo com o SINDIFUMO, o aumento da área plantada do fumo vem promovendo também o aumento da demanda pela lenha para curar o fumo e, conseqüentemente, dos projetos de reflorestamento com eucalipto. Para tanto, os projetos contam com o apoio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que viabiliza os projetos dos produtores com incentivos para que eles utilizem um espaço de sua propriedade para o reflorestamento com eucaliptos e assim poder equilibrar sua demanda por lenha para a cura do fumo. Conforme o SINDIFUMO, em 2003, tinham sido 9 Importante ressaltar que as bandejas foram desenvolvidas há mais de sete anos para substituir o brometo de metila, um defensivo prejudicial à camada de ozônio e que atualmente está totalmente fora da produção e plantio do fumo. 10 Segundo estimativas do SINDIFUMO, por ano são descartadas 20% dessas bandejas, ou seja, são 20 milhões de bandejas descartadas por ano. 451 liberados 50 projetos de financiamento para o reflorestamento e 40 aguardavam a autorização do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Ainda na questão do reflorestamento, há um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) encomendado pelo SINDIFUMO intitulado: Quantificação de Carbono e dos Nutrientes em Florestas de Eucalipto de Diferentes Idades, onde se demonstra que os sistemas de produção de fumo utilizados nos três estados da região Sul contribuem para a redução do efeito estufa, pois se captura mais carbono do meio ambiente do que é lançado com a queima da lenha na cura do fumo. Segundo os dados da própria instituição, os três estados emitem junto o equivalente a 914,7mil toneladas de carbono na atmosfera por safra, enquanto são seqüestrados do meio ambiente 7,6 milhões de toneladas de carbono no mesmo período através das florestas de eucalipto das propriedades produtoras de fumo. 4.2.6 Capacitação tecnológica e para a inovação As inovações adotadas pelas empresas englobam tanto a etapa da produção agrícola do fumo, como a do processamento industrial. Como foi visto na seção que trata do nível tecnológico, no segmento de produção agrícola, as inovações se deram mediante a introdução de novas variedades de fumo ou nas técnicas de cultivo. Apesar de as empresas do segmento industrial não atuarem na etapa da produção da matéria-prima vegetal, elas exercem forte controle sobre a mesma, por meio do sistema integrado, definindo o pacote tecnológico a ser utilizado pelo produtor agrícola, visando sempre ganhos de produtividade. Vargas (1998), em estudo que trata do arranjo produtivo do fumo na região do Vale do Rio Pardo, abordou as inovações das empresas no processo de beneficiamento industrial. As principais empresas que atuam naquela região possuem unidades de compra e beneficiamento em Santa Catarina, onde replicam as inovações adotadas nas unidades situadas na primeira região. No que se refere às principais fontes de capacitação tecnológica, as empresas citaram, em primeiro plano, os seus próprios laboratórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e suas matrizes no exterior, vindo em segundo plano os fornecedores de equipamentos. As atividades de P&D absorvem por volta de 0,6% do faturamento das empresas, englobando o desenvolvimento de novos cultivares e produção de mudas e o controle da qualidade no 452 processo de beneficiamento industrial do fumo. Tais atividades envolvem em torno de 4% do total de funcionários das empresas (VARGAS et al., 1998). Estes autores ainda mencionam que a maior parte do pessoal com qualificação de nível técnico e superior das empresas, cerca de 40%, desempenham a atividade de assistência técnica aos produtores. 4.2.7 Cooperação e governança A produção do fumo e de seus derivados ocorre mediante rigoroso controle das empresas, através do que se convencionou chamar de sistema de integração. Este sistema proporciona maior proximidade entre o produtor e a empresa e faculta a esta os benefícios de uma integração vertical, sem a necessidade de arcar com os ônus da mesma, como os investimentos em terras e contratação de funcionários para a condução da produção. Conforme comentado anteriormente, as empresas fumageiras, por meio do sistema integrado de produção, controlam toda a cadeia produtiva, desde o plantio das sementes, colheita, classificação, seleção do produto, armazenagem, transporte, beneficiamento e a produção e exportação de seus derivados. Deste modo, as empresas oferecem aos seus integrados orientadores que atuam junto aos pequenos agricultores. Estes orientadores, em geral, são pessoas da própria comunidade, como filhos dos agricultores, que recebem treinamento na empresa para fornecer assistência técnica e de pesquisa. Dentre as atividades do orientador, estão a realização de visitas aos produtores, individuais ou em grupos, orientação sobre melhores práticas agrícolas, de maneira que o produtor alcance melhores resultados em produtividade e qualidade de sua produção (DESER, 2003). Porém, os agricultores consideram que as visitas são muito pouco freqüentes. Para participar do sistema de integração, o produtor deve seguir as especificações estabelecidas pelas empresas, no que toca ao cultivo e cura do fumo e aos insumos utilizados. A empresa se compromete a repassar aos produtores as mudas e os insumos e ainda prestar assistência técnica periodicamente, assumir os custos do transporte do fumo até a empresa e intermediar a obtenção de financiamento junto aos bancos. As empresas se comprometem a comprar toda a produção junto ao SINDIFUMO, pagar o custo do frete da lavoura até a empresa, o seguro da carga mais o pagamento em quatro dias úteis ao produtor. Para tanto, os fumicultores recebem toda a assistência das 453 empresas, baseados nos sete pontos seguintes, que são as sete bases do sistema integrado de produção: i. planejamento das safras; as empresas fazem projeções de quanto esperam beneficiar na próxima safra, deste modo, calculam os investimentos de acordo com os produtores integrados e a quantidade produzida por fumicultor; ii. assistência técnica e financeira gratuita; as empresas atuam como pontes entre os bancos e os pequenos agricultores familiares, facilitando o trabalho dos bancos, uma vez que se tornam fiadores dos fumicultores e reduzem o risco de inadimplência, e dos agricultores que podem ter dificuldades em acessar os bancos em busca de financiamento da produção; iii. uso de insumos de alta qualidade; a empresa fumageira é responsável pela compra e distribuição dos insumos aos agricultores, de modo que o orientador, que é funcionário da fumageira e realiza visitas aos fumicultores, é o elo entre os dois; iv. garantia de compra total da safra; a empresa se compromete a comprar toda a safra de cada produtor, desde que ele faça parte do sistema integrado de produção. O preço é definido no planejamento da safra, porém, a qualidade é verificada na hora da compra do produto. Pode ocorrer de o produtor plantar mais fumo e vender o excedente para outro comprador; v. levantamento de custos e negociação de preço; a ABIFUMO, o SINDIFUMO e a AFUBRA se reúnem uma vez ao ano para definirem os preços a serem pagos para cada classe de tabaco, a negociação é difícil, uma vez que nem todos os interesses são atendidos; vi. responsabilidade social; o contrato de integração tem uma cláusula em que o produtor adere ao Programa “O Futuro é Agora”, onde ele se compromete a cumprir o programa, em especial as regras de proteção à criança e ao adolescente previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente; vii. preservação ambiental; o Governo Federal, através do PRONAF, está liberando recursos do projeto PRONAF Florestal para a ampliação de área de preservação ambiental. Alguns estudos apontam que este sistema de produção limita a ação dos produtores na busca por melhores preços no mercado para o seu produto. Por outro lado, a compra total da safra é um dos atrativos mais fortes quando o agricultor vai escolher o que plantar, porque há 454 a garantia de uma renda certa no final da produção e, comparativamente, o valor recebido pelo fumo é bastante superior às demais culturas desenvolvidas pela agricultura familiar no Brasil. 4.2.8 Aspectos positivos, carências e limitações identificados na cadeia produtiva do fumo no estado de Santa Catarina 4.2.8.1 Aspectos positivos A produção de fumo, em Santa Catarina, é realizada em 253 municípios, o que corresponde a 86% do número de municípios total do estado e envolveu 59.850 produtores na safra 2003/04, significando um acréscimo de 2.630 produtores em relação à safra anterior. Estes dados mostram a importância da atividade no estado e o interesse dos agricultores no cultivo, o que pode ser explicado pela renda gerada e pelo fato de a atividade poder ser realizada em áreas acidentadas, inadequadas para a mecanização. Desta forma, pequenos produtores, ocupando reduzida parcela da propriedade, conseguem obter uma renda satisfatória. Apesar de possuir somente uma empresa exportadora do produto, as vendas externas de fumo representaram 2,39% do total exportado, em 2003, detendo a décima posição entre os conjuntos de produtos exportados. O IPI arrecadado com o fumo representou 23,5% do total. No período de 2000 a 2004, a produção e os estoques mundiais de fumo diminuíram, ao passo que o consumo cresceu, gerando, desta forma, oportunidades para o Brasil, que expandiu as suas exportações de maneira significativa. Esta situação decorre da competitividade alcançada no país, baseada no menor preço pago ao produtor em relação aquele observado em outros países. As empresas têm se deparado, no decorrer dos últimos anos, com crescentes restrições ao ato de fumar no Brasil, que vai desde a proibição em ambientes fechados, passando pela interdição de campanhas publicitárias na mídia, e a inclusão de avisos sobre os malefícios do fumo nas embalagens dos cigarros. Porém, as empresas conseguiram superar estas restrições através do direcionamento da maior parte da produção de fumo para o mercado externo, o que tem permitido a continuidade e mesmo o crescimento da área plantada e da produção no país. A relação estabelecida entre os produtores e as empresas beneficiadoras do fumo, baseada no sistema de integração, traz alguns benefícios aos produtores, tais como o acesso a 455 modernas tecnologias, a financiamento para a produção, ao seguro agrícola, bem como a garantia de compra do produto. As empresas têm buscado reduzir o impacto que o cultivo do fumo possa causar no meio ambiente, por meio de exemplos tais como o desenvolvimento das mudas em placas de isopor em substituição ao brometo de metila; a lavagem e o encaminhamento das embalagens de agrotóxicos às fábricas para reciclagem; a substituição de adubação química pela adubação verde, que traz adicionalmente o benefício de fortalecer o solo e eliminar a erosão. 4.2.8.2 Aspectos negativos O sistema de integração, embora proporcione ganhos ao produtor, encerra um relacionamento com assimetria de poder de barganha, favorável às empresas, o que faz com que o preço do fumo seja, praticamente, determinado pelas empresas, a despeito da ocorrência de reuniões entre as entidades representativas dos produtores e da indústria. Os produtores reclamam que as empresas podem utilizar subterfúgios para minorar o preço pago pelo fumo ao tornar a classificação do produto mais rigorosa. Outro aspecto refere-se aos potenciais efeitos negativos sobre a saúde dos produtores em decorrência da intensa utilização de agrotóxicos no cultivo do fumo, o que é agravado pela baixa utilização pelos produtores das vestimentas e equipamentos de proteção, devido ao calor proveniente de seu uso. Neste sentido, cabe ainda citar que o contato da pele do produtor com a folha de fumo molhada conduz à absorção de nicotina pela pele com efeitos nocivos à saúde. A cadeia produtiva do fumo em Santa Catarina é composta pela produção agrícola, seu principal segmento, e pela presença de unidades de compra das principais empresas que atuam no setor, sendo que somente uma empresa, a Souza Cruz, realiza beneficiamento visando à exportação da folha de fumo. As empresas do setor industrial mantêm suas unidades industriais no estado do Rio Grande do Sul, no Vale do Rio Pardo. Portanto, apesar da importância social da atividade no estado, em função do grande número de produtores e da renda gerada, observa-se uma baixa agregação de valor. 456 4.2.8.3 Políticas privadas e públicas Tendo em vista a importância de Santa Catarina na produção nacional de fumo, na qual ocupa a segunda posição, com 35% do total produzido, a implantação de novas unidades industriais conduziria à obtenção de um produto com maior valor agregado com efeitos positivos sobre o nível de emprego e sobre as exportações. Quanto a este último item, um comentário adicional se faz necessário. Santa Catarina responde por menos de 10% das exportações brasileiras de fumo, em função do comportamento das empresas que atuam no território catarinense com unidades de compra, realizando o beneficiamento do fumo nas unidades industriais localizadas no Rio Grande do Sul, como já foi apontado acima. Desta forma, a implantação de novas unidades industriais pode significar também um estímulo ao aumento das exportações catarinenses do produto. Portanto, estímulos governamentais nesta direção seriam salutares. Outros fatores que interferem na competitividade das empresas localizam-se no campo da infra-estrutura, envolvendo o transporte rodoviário e marítimo. As rodovias precisam de melhorias no asfalto com eliminação de buracos e de uniformização no nivelamento das pistas. Devido à ampla utilização de estradas vicinais, é fundamental que as mesmas sejam asfaltadas ou, pelo menos, que sejam mantidas em bom estado de conservação. Com relação ao transporte marítimo, são necessárias medidas objetivando melhorias no acesso aos portos, bem como a ampliação e modernização dos mesmos. A melhoria nas condições de operação nos portos catarinenses, com reflexos em ganhos de produtividade e, conseqüentemente, redução de custos, pode conduzir as empresas a aumentar o percentual da produção que é exportado que, atualmente, é inferior à 20%. Reconhece-se que o apoio mais efetivo do Governo Federal para a atividade depara-se com restrições de ordem ética, visto o seu comportamento no sentido de desestimular o consumo de cigarros no país. Desta maneira, medidas mais específicas para o setor parecem ser pouco prováveis, apesar de que a origem do crédito intermediado pelas empresas para os produtores é proveniente do Governo Federal.