UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ EDUARDO TEIXEIRA DE CARVALHO JUNIOR O MÉTODO EM VERNEY E O ILUMINISMO EM PORTUGAL CURITIBA 2015 EDUARDO TEIXEIRA DE CARVALHO JUNIOR O MÉTODO EM VERNEY E O ILUMINISMO EM PORTUGAL Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Doutor em História, no Programa de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Professor Dr. Antonio Cesar de Almeida Santos CURITIBA 2015 Agradecimentos A todos que apoiaram direta ou indiretamente para a produção desta tese. Agradecimentos especiais ao meu orientador Antonio Cesar de Almeida Santos, que desde minha graduação me instigou a refletir sobre questões relacionadas à historiografia luso-brasileira do século XVIII, pelas conversas e pelas orientações, e principalmente por ter apoiado e acreditado em meu projeto de doutorado. Ao professor Renato Lopes Leite, que desde a iniciação científica e no mestrado, ajudou no encaminhamento das questões que foram investigadas no doutorado. Ao professor José Roberto Braga Portella pelos debates na disciplina de História da Ciência e por ajudar na construção dos caminhos que me levaram a esta tese. A todos os colegas que discutiram meu projeto nos seminários, e nas disciplinas, e deram suas contribuições. A Maria Cristina por todo apoio nos encaminhamentos como aluno do programa. Ao André Luiz Leme pela paciência na leitura atenta do texto e pelas sugestões. A Capes por todo apoio e por ter acreditado em meu projeto cedendo uma bolsa sanduíche que não foi possível ter sido utilizada. A minha mãe por ter me acolhido novamente em sua casa no processo de escrita da tese, pela troca de ideias e suas preciosas pontuações. Ao meu pai e a meu irmão pelo suporte familiar na minha ausência como pai, nos difíceis momentos do processo de escrita. A meus filhos, Sabrina e Carlos Eduardo por todo amor e inspiração. Por fim à Vanessa, a quem dedico esta tese, por todo amor e dedicação, e por sempre me apoiar nos momentos mais difíceis deste percurso. Agradeço por todo carinho e paciência na leitura dos textos, e por ter sido minha interlocutora, debatendo comigo as ideias desta tese. RESUMO O objetivo do presente trabalho de tese em História é apontar para a ideia de método como uma ideia-chave no contexto do Iluminismo português. Procurou-se, nesse sentido, compreender os diferentes usos e significados em torno deste conceito em relação à época, especialmente desde a publicação do Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Verney, em 1746, sendo esta a principal fonte de nosso estudo, até o período das reformas pombalinas da educação, com a publicação dos Estatutos da Universidade de Coimbra, no ano de 1772. Dessa forma, buscando as principais características do conceito de método e problematizando o papel desempenhado por Luís António Verney em suas diversas relações com a sociedade de seu tempo, apresentamos uma análise das reações causadas pela obra do autor no ambiente intelectual português, contemplando a forma como foi discutida e também como serviu para referir a diferentes posturas ideológicas, colocando em questão toda a cultura portuguesa do século XVIII. Palavras-chave: Método. Iluminismo. Século XVIII. Portugal. ABSTRACT The purpose of this thesis in History is to point to the idea of method as a key idea in the Portuguese Enlightenment context. We are looking forward, this way, to understand the different uses and meanings around this specific concept in relation to that time, especially since the publication of the work Verdadeiro Método de Estudar, of Luís António Verney, in 1746, which is the main source of our study, until the period of Pombal's educational reforms, with the publication of the "Estatutos" of the University of Coimbra, in the year 1772. In this way, seeking the principal characteristics of the concept of method and questioning the role played by Luís António Verney in his various relationships with the society of that time, we present an analysis of the reactions caused by the author's work in the Portuguese intellectual environment, considering the way it was discussed and how it was also used to refer to different ideological positions, calling into question the entire Portuguese culture of the eighteenth century. Keywords: Method. Enlightenment. XVIII century. Portugal. RESUMEN El objetivo de este trabajo de tesis en Historia es apuntar a la idea de método como una idea clave en el contexto de la Ilustración portuguesa. Se busca, en este sentido, comprender los diferentes usos y significados en torno a este concepto en relación a su tiempo, especialmente desde la publicación del Verdadeiro Médoto de Estudar, de Luís António Verney, en 1746, obra que es la fuente principal de nuestro estudio, hasta el período de las reformas de Pombal en la educación, con la publicación de los “Estatutos” de la Universidad de Coimbra, en el año 1772. Por lo tanto, buscando las principales características del concepto de método y cuestionando el papel desempeñado por Luís António Verney en sus diversas relaciones con la sociedad de su tiempo, presentamos un análisis de las reacciones provocadas por la obra del autor en el ambiente portugués, teniendo en cuenta la forma como se discutió y como también sirvió para referirse a diferentes posiciones ideológicas, poniendo en cuestión toda la cultura portuguesa del siglo XVIII. Palabras clave: Método. Ilustración. Siglo XVIII. Portugal. SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................... 8 CAP I – VERNEY: UM ILUSTRE CITADINO A SERVIÇO DO ESTADO......... 20 1.1 A trajetória de um filósofo reformista português..................................... 1.1.1 A formação inicial de Verney e a juventude em Portugal........................... 1.1.2 Verney e a cultura portuguesa da primeira metade do século XVIII.......... 1.2 Verney e o ambiente intelectual italiano................................................... 1.2.1 Caindo em desgraça: Verney e os deveres do príncipe............................ 1.2.2 Considerações gerais sobre Verney.......................................................... 1.2.3 Cronologia.................................................................................................. 20 24 29 33 40 50 51 CAP II - OS ELEMENTOS DO VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR.......... 54 2.1 O contexto e as condições de publicação do “Verdadeiro Método de Estudar”......................................................................................................... 55 2.2 Aspectos estilísticos da obra: gênero epistolar satírico?........................ 67 2.3 O método como palavra-chave da obra...................................................... 77 CAP III - O VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR: EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E MÉTODO............................................................................................................. 83 3.1 A filosofia natural como paradigma do Iluminismo ................................ 3.1.1 O sistema verneyano.................................................................................. 3.2 Uma nova organização das ideias e instituições..................................... 3.2.1 A superioridade da filosofia moderna: a História como argumento........... 3.2.2 Algumas diferenças entre a filosofia escolástica e a filosofia moderna... 3.2.3 O método e a medicina.............................................................................. 3.2.4 A lógica e o método................................................................................... 3.3 O Iluminismo católico de Verney.............................................................. 83 85 90 96 98 102 105 109 CAP IV - MÉTODO COMO TERMO-CHAVE NO ILUMINISMO PORTUGUÊS 4.1. O termo-chave e seus diferentes usos na história................................. 4.1.1 O método e a filosofia escolástica............................................................ 4.2 O método e o ambiente intelectual português........................................ 4.2.1 Ciência, moda, e as viagens filosóficas.................................................... 4.2.2 A moda e as polêmicas do verdadeiro método......................................... 114 114 116 120 123 128 CAP V - A IDEIA DE MÉTODO E O IDEÁRIO REFORMISTA......................... 135 5.1 O ideário reformista................................................................................... 5.1.1 A ideia de atraso e a identidade católica portuguesa............................... 5.1.2 O papel da educação no ideário reformista.............................................. 5.1.3 Educação: o estado como promotor das leis e dos costumes.................. 5.2 O método e a era do reformismo português........................................... 5.2.1 Iluminando a nação: o diagnóstico da crise e as medidas........................ 5.2.2 O método e as reformas da educação...................................................... 5.2.3 O restabelecimento da monarquia e os novos estatutos da universidade 136 141 147 151 156 161 163 170 CAP VI - MÉTODO COMO RENOVAÇÃO CULTURAL................................... 175 6.1 A retórica como Perspectiva da Razão.................................................... 6.1.1 Inimigos e defensores da nação............................................................... 6.1.2 O ataque pessoal como estratégia de guerra........................................... 6.1.3 A crítica dos moderados: o caso de frei Manuel do Cenáculo.................. 6.1.4 Pina e Melo e a inconstância da filosofia.................................................. 6.2 A medicina e as polêmicas do método.................................................... 6.2.1 Filósofos médicos ou gladiadores literários?............................................ 176 180 189 192 196 199 205 CONCLUSÃO.................................................................................................... 211 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 218 8 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo inserir o pensamento de Luís António Verney no contexto de ideias do século XVIII, procurando problematizar a maneira peculiar com que a ideia de método foi debatida e discutida em Portugal a partir das polêmicas provocadas pela sua obra o Verdadeiro Método de Estudar. Diante das mudanças que se operavam na Europa das Luzes1, em que novas ideias vinham sendo utilizadas em diferentes ambientes intelectuais da Europa, esta tese procura argumentar que o método foi uma ideia-chave2 no contexto específico português. O Iluminismo tem sido um conceito utilizado na historiografia para se pensar a mentalidade europeia do século XVIII. Na sua definição mais ampla, já serviu para designar toda a filosofia de uma época e representar uma unidade de ideias em torno de temas comuns, representados por meio de um conjunto de textos clássicos. O Iluminismo português, quando comparado com outras regiões da Europa, foi tratado pela historiografia luso-brasileira como problemático, em grande parte devido a forte presença da igreja e os laços com o catolicismo. As polêmicas sobre o Iluminismo português já podem ser encontradas no debate provocado pelas ideias de Luís António Verney, que acabaram se projetando na historiografia portuguesa do século XIX e XX. A importância de novos estudos sobre a trajetória de Verney para a compreensão da cultura das “Luzes” em Portugal3 ficou evidenciada no congresso realizado em 2013 na Biblioteca Nacional de Portugal intitulado “Luís António Verney e a Cultura Luso-Brasileira do seu 1 No contexto de ideias do século XVIII a palavra Luzes é utilizada pelos filósofos para fazer referência a toda uma nova era na história do pensamento humano, aos “tempos iluminados”. Nas fontes analisadas nesta tese não foi encontrada a palavra Iluminismo, apenas o verbo “iluminar”, o termo “iluminado” ou “aluminado”. Mas mesmo sendo uma palavra estranha ao contexto analisado, preferimos manter, sempre que possível, o uso do termo Iluminismo, que foi consagrado pela historiografia, para fazer referência ao contexto de ideias do século XVIII. 2 Consideramos uma idéia-chave, termo-chave ou palavra-chave, uma palavra utilizada para descrever e avaliar uma determinada realidade social, podendo ser aplicada, como se verá ao longo desta tese, para casos em que envolvam propostas de inovação cultural e legitimação social. Para um maior detalhamento sobre esta questão ver: SKINNER, Quentin. A Ideia de um Léxico Cultural. (In). Visões da política: sobre os métodos históricos. Algés: Difel, 2005.p.221-244. 3 Sobre a Cultura das Luzes em Portugal Cf. ARAÙJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal : temas e problemas. Lisboa : Livros Horizonte, 2003. SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Luzes em Portugal: do terremoto à inauguração da estátua equestre do Reformador. Topoi, v. 12, n. 22, jan.-jun. 2011, p. 75-95; _____Reformas educacionais e as ´Luzes´ em Portugal. Anais do V Encontro Internacional de História Colonial: Cultura, Escravidão e Poder na ExpansãoUltramarina (Sec XVI ao XIX), Maceió 19 a 22 de agosto de 2014, p.200-2006. Disponível em: http://www.academia.edu/11489518/REFORMAS_EDUCACIONAIS_E_AS_LUZES_EM_PORTUGAL 9 tempo”.4 Na abertura do evento, Manuel Curado ratificou o caráter polêmico das ideias de Verney quando assinalou que “Luís António Verney é muita coisa na cultura portuguesa, é um modelo a se seguir, muitas vezes, é um modelo a ponderar outras vezes, é um modelo a não seguir, algumas vezes”.5 Na dissertação de mestrado procuramos discutir a possibilidade de uso do conceito habermasiano de “esfera pública literária” para se referir ao contexto intelectual português setecentista.6 Como é de conhecimento, na perspectiva de Habermas, a “esfera pública literária”, associada à ampliação dos ambientes de sociabilidade do século XVIII - como os cafés, salões e academias - foi essencial para o desenvolvimento do Iluminismo, entendido como um espaço público de crítica. Esses novos locais - que adquirem uma função social da crítica - são interligados por uma crescente circulação do escrito, por meio de livros e da imprensa. A esfera pública literária, segundo Habermas, adquire uma função política e coloca-se em oposição à autoridade do estado e da igreja.7 Esta abordagem teria grande recepção entre os historiadores franceses, conforme apontou Chartier: No coração do século XVIII, mais cedo ou mais tarde, em um ou outro lado, surge uma “esfera pública política”, chamada também de “esfera pública burguesa”, duplamente caracterizada. Do ponto de vista político, define um espaço de discussão e de crítica independente da influência do Estado e crítico com respeito aos atos e fundamentos deste.8 As tentativas de compreender a dimensão social da experiência dos filósofos do Iluminismo levantavam questões sobre as relações entre o campo das ideias e as novas formas de sociabilidade que emergiam no século XVIII. 4 De acordo com Para mais informações sobre o evento: http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=843:congresso-luis-antonioverney-e-a-cultura-luso-brasileira-do-seu-tempo-16-18-set&catid=163:2013&Itemid=869 5 Para assistir ao pronunciamento de Manuel Curado na conferência de abertura: https://www.youtube.com/watch?v=c542BC_5lOM (Cf.Intervalo de 4,50s) 6 CARVALHO JR, Eduardo Teixeira de. A questão do iluminismo em Portugal: uma análise da obra de Verney. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal do Paraná, 2005. 7 Para haver uma esfera pública política, é necessário primeiramente o surgimento de uma esfera pública literária. HABERMAS, Jurgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.46. 8 “[…] en el corazón del siglo, más tarde o más temprano, en uno u otro lado, aparece una “esfera pública política”, llamada también “esfera pública burguesa”, doblemente caracterizada. Desde el punto de vista político, define un espacio de discusión y de crítica sustraído a la influencia del Estado (es decir, a la “esfera del público”) u crítico con respecto a los actos o fundamentos de éste”. Cf. CHARTIER, Roger. Espacio Público, Crítica y Desacralización en el siglo XVIII. Barcelona: Gedisa, 1995. p.33. Tradução nossa. 10 Robert Darnton, “enquanto os historiadores das ideias mapeavam a vista de cima, os historiadores sociais estavam escavando em profundidade os substratos das sociedades do século XVIII”.9 Ao analisar o caso português, apontei para certa fragilidade da “esfera pública literária”, o que poderia ser compreendido como um dos traços da especificidade do Iluminismo em Portugal. Ao consultar a historiografia disponível sobre o espaço público português, observa-se um caráter mais brando, mais leve, para caracterizar o Iluminismo português.10 No que se refere aos meios de publicação em Portugal, José Tengarrinha, por exemplo, apontava que os jornais na segunda metade do século XVIII eram, em sua maioria, frívolos e não possuíam um caráter predominante político. Havia grande irregularidade nas publicações, e a circulação era pequena, reduzindo-se praticamente aos assinantes.11 Em geral, reproduziam notícias publicadas semanas ou meses antes por folhas estrangeiras. Enquanto no período pombalino, criaram-se dez ou onze jornais, segundo Burke, não menos que 1.267 periódicos em francês foram criados entre 1600 e 1789, 176 deles entre 1600 e 1699 e o restante a partir de então.12 No que se refere à primeira metade do século XVIII, Ana Cristina Araújo também apontou para a posição periférica dos ibéricos no terreno editorial que, devido a uma “censura apertada”, limitou a expansão do mercado livreiro.13 Concluí que em Portugal havia ocorrido algo diferente. Comparando-o com o caso francês, por exemplo, foi o estado quem teve o papel modernizador, que submeteu a cultura tradicional, adequando as instituições portuguesas aos novos tempos. Na historiografia luso-brasileira é muito comum associar Iluminismo com Pombalismo, com destaque para o papel central desempenhado pelas Reformas da Universidade de 1772. Esta relação foi em grande parte sedimentada pelo trabalho clássico de Falcon, em que ilustração e governação pombalina convivem em um mesmo espaço-tempo, a tal ponto que se torna difícil pensar uma coisa sem a outra. De acordo com esta perspectiva, a Reforma da Universidade de Coimbra acabou servindo aos interesses do Estado, enquadrada dentro do projeto político de 9 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.198. Cf.CARVALHO JR, Eduardo Teixeira de. A questão do iluminismo em Portugal: uma análise da obra de Verney. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal do Paraná, 2005. 11 Cf.TENGARRINHA, José. História da imprensa periódica portuguesa. Lisboa: Portugália, 1995. p.43. 12 Cf. BURKE, Peter. Uma História Social do Conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2003. p.51. 13 Cf. ARAÙJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas. Lisboa: Livros Horizonte, 2003, p.14. 10 11 Pombal, uma política regalista, que visava promover o avanço do Estado em direção aos demais setores da sociedade.14 Porém, tendo como referência o conceito de esfera pública de Habermas, o papel central exercido pela Universidade de Coimbra no Iluminismo português deveria ser relativizado, pois as reformas implementadas em 1772 não corresponderam a um processo resultante de um debate crítico promovido na sociedade, mas acima de tudo fruto do absolutismo ilustrado de Pombal. A interpretação de Habermas sobre o Iluminismo apresenta semelhanças com a abordagem de Reinhart Koselleck. Para Koselleck, o estado e o campo da “opinião pública” deveriam estabelecer uma dualidade, condição sine qua non, para haver o que ele chama de crítica. Para que possa haver crítica, deve haver uma dualidade necessária entre o campo da moral – que contém a consciência do bem e do mal, do certo e do errado, da mentira e da verdade, das ideias que substituiriam a fonte da moral da Religião – e o campo político – da ação onde a vontade é expressa através do monarca. Assim, de acordo com Koselleck, o movimento Iluminista desenvolveuse a partir do Absolutismo, no início como sua consequência interna, em seguida como sua contraparte dialética e como inimigo que preparou a sua decadência.15 A opinião pública seria portadora da modernidade e o estado absolutista, seu opositor e adversário. Porém, no caso português, pensando sobretudo no papel desempenhado pelas reformas da educação, parecia haver uma inversão de polaridade, pois o estado, na condição de reformador, teria exercido a função da crítica, e a sociedade seu elemento de oposição. Mas olhando por outro ponto de vista, conforme sugeriu Kenneth Maxwell, o Iluminismo português, na sua expressão de estado, foi um dos mais modernos de sua época. 16 Talvez a tentativa de explicar a especificidade do Iluminismo português por abordagens conceituais apresente certas limitações. Conforme aponta Franco Venturi, “de Kant a Cassirer e mais além, o Iluminismo europeu tem sido dominado por essa interpretação filosófica da Aufklärung alemã”.17 Ainda segundo Venturi, a interpretação 14 kantiana se tornou praticamente dominante, não permitindo Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982. 15 Cf. KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 1999, p. 19. 16 Cf. MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996 17 Cf. VENTURI, Franco. Utopia e reforma no Iluminismo. Bauru: EDUSC, 2003. 12 compreender o “ritmo diferenciado do desenvolvimento do Iluminismo na Europa setecentista”.18 Cabral de Moncada, um dos principais estudiosos da obra de Verney, ao escrever na década de 1940, já criticava as interpretações do Iluminismo como um movimento de ideias “uniforme e homogêneo” para toda a Europa. 19 Conforme afirmava: “Não houve, rigorosamente, um Iluminismo único: houve vários Iluminismos”.20 Considerava que o Iluminismo havia se propagado de formas distinta para cada região da Europa, mas que os países católicos como Itália, Espanha e Portugal seguiam características comuns: Este Iluminismo era assim, pode dizer-se, essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era, não revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso, como o francês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e humanista. Era o Iluminismo italiano. É este o Iluminismo que Verney representa. 21 A abordagem de Cabral de Moncada sobre a trajetória intelectual de Verney, além de apresentar uma interpretação sobre o Iluminismo português, colocava em questão a historiografia portuguesa dos séculos XIX e XX, quando autores como Oliveira Martins, Antero de Quental e António Sérgio apontavam para um isolamento cultural de Portugal em relação ao que se passava no restante da Europa setecentista. Ao inserir Verney no contexto do Iluminismo, Moncada questionava a exclusão dos portugueses daquele movimento de ideias. Mas como se deu este fenômeno do Iluminismo em outras regiões, particularmente, por exemplo, na península itálica e na península ibérica? As tentativas de adotarem uma explicação única, como uma modernidade entendida exclusivamente como um movimento de dessacralização e de secularização, certamente esconde uma série de distorções e contradições que uma visão homogênea do Iluminismo não consegue dar conta. Ao mesmo tempo, acredito que não deveríamos negligenciar as tentativas de elaboração de grandes sínteses, como é o caso da abordagem de Cassirer, desde que tenhamos em conta que são 18 VENTURI, Franco. Utopia e reforma no Iluminismo, op.cit., p.51. MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney, op. cit., p.11. 20 Ibid., p.11. 21 Ibid., p.12. 19 13 interpretações22. Deve-se reconhecer os limites de uma interpretação, além de não dar conta da totalidade de um assunto, acaba deixando de lado dados e outros aspectos para reforçar um determinado ponto de vista, que poderá mais tarde ser reinterpretado e suscitar outras análises, e assim, fazendo com que nossos conhecimentos sobre aquele assunto possam ser ampliados. Conforme assinalou Quentin Skinner sobre esta questão: Qualquer análise do fenômeno do Iluminismo estaria inevitavelmente assente num conjunto de avaliações a priori acerca da natureza das suas preocupações mais características, além de outras tantas considerações acerca da melhor maneira de as elucidar.23 Estudos recentes têm reforçado que o Iluminismo não foi um movimento de ideias homogêneo e que, em cada região da Europa, ele assumiu particularidades distintas, existindo, na verdade, vários Iluminismos.24 No século XVIII, Portugal ainda era um dos maiores impérios da Europa, e ao mesmo tempo em que precisava se adequar a nova dinâmica europeia do século XVIII, permanecia ligado a certos elementos da cultura tradicional. Foi necessário um equilíbrio entre o ideário iluminista, com toda a sua “modernidade”, e a necessidade de manter certos princípios da tradição, que possibilitassem um controle legítimo de todo o seu vasto território de além-mar. O ideário reformista português representa um conjunto de ideias específicas que foram utilizadas visando aperfeiçoar o sistema administrativo e de controle do estado, cujas diretrizes, usando uma expressão de Gertrude Himmelfarb, revelam como os portugueses “confrontaram o mundo moderno”.25 Um dos objetivos desta tese é de propor uma abordagem que procurasse priorizar o debate de ideias em seu contexto, e não tanto o debate sobre o conceito de Iluminismo, conforme havia trabalhado na dissertação. Tentou-se ampliar o entendimento sobre o confronto entre o moderno e o tradicional para o caso da experiência portuguesa. 22 Cf.CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. São Paulo: Editora da Unicamp, 1992. SKINNER, Quentin. A prática da história e o culto do fato. (In) Visões da política: sobre os métodos históricos. Algés: Difel, 2005, p.24. 24 OUTRAM, Dorinda. O iluminismo. Lisboa: Temas e Debates, 2001. Sobre as variações geográficas do iluminismo ver também: DARNTON, Robert. Os dentes falsos de Geoge Washington: um guia não convencional para o século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. Ver também: HIMMELFARB, Gertrude. Os caminhos para a modernidade: os Iluminismos britânico, francês e americano. São Paulo: Realizações Editora, 2011. 25 HIMMELFARB, Gertrude. Os caminhos para a modernidade: os Iluminismos britânico, francês e americano. São Paulo: Realizações Editora, 2011, p.36 23 14 Para uma melhor compreensão do ambiente de ideias de Portugal no século XVIII, procurei levar em conta algumas contribuições de Quentin Skinner para quem, se queremos realmente entender o significado de uma ideia, devemos analisá-la dentro de seu contexto intelectual de produção. Ao analisar as fontes foi possível observar que a palavra método aparecia com muita frequência, sendo utilizada para balizar o debate em torno das propostas de Verney. Tendo isto em vista, a abordagem de Skinner apresentava-se muito promissora, pois parte do princípio que as ideias emergem dentro de disputas ideológicas e são utilizadas para se defender determinadas posições em diferentes contextos sociais. Além de compreender o significado da palavra método, seria fundamental compreender os diferentes usos desta ideia no contexto intelectual português.26 Skinner também alerta sobre os perigos que se deve evitar para não cair no anacronismo e no que denomina de “mitologias”. 27 A contaminação ideológica do olhar do historiador, definida por ele de prolepse, nos adverte sobre o erro de analisar a realidade do passado a partir dos termos de nosso presente. 28 Skinner recomenda que o historiador procure levar em conta “como nossos antepassados pensavam e olhavam para as coisas da forma como eles olhavam”.29 Este é o princípio mais fundamental do contextualismo proposto por Skinner. Ideias e conceitos são utilizados de diversas maneiras, com diversas intenções. O historiador das ideias deve procurar captar os variados usos que diferentes autores, de uma mesma época, fazem de um determinado vocabulário de ideias para representar o mundo à sua volta. Dependendo da forma como são utilizadas, como em um jogo de palavras, podem-se produzir diferentes enunciados. Outro aspecto importante da abordagem “contextualista” de Skinner é o campo de ação dos pensadores no momento em que escreveram suas ideias, conforme ressalta Falcon: 26 Embora não utilize a mesma metodologia proposta por Skinner, o antropólogo francês Denys Cuche faz uma interessante análise sobre o debate franco-alemão em torno da ideia de cultura. No século XIX, os alemães, em defesa da autonomia nacional, preferiam o uso da palavra Kultur para opor o “espírito nacional” alemão à ideia universalista de Civilização, utilizada pelos franceses.Cf. CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc,1999 27 SKINNER, Quentin. Significação e compreensão na história das ideias. (In) Visões da política: sobre os métodos históricos, op. cit., p.84. 28 Ibid., p.104. 29 SKINNER, Quentin. Interpretação, racionalidade e verdade. (In) Visões da política: sobre os métodos históricos Ibid., p.68. 15 Desenvolvendo sua análise, Skinner sublinha um fato para ele essencial: os conceitos ou as “ideias” não se esgotam uma vez (re)conhecido o seu significado; é necessário saber quem os maneja e com quais objetivos, o que só é possível através do (re)conhecimento dos vocabulários políticos e sociais da respectiva época ou período histórico, a fim de que seja possível situar os “textos” no seu campo específico de “ação” ou de atividade intelectual. 30 Skinner, portanto, propõe a compreensão de uma idéia a partir, principalmente, do conhecimento das convenções linguísticas que historicamente contextualizam o texto. Radicalizando esta ideia, afirmou: “A única história das ideias que deve ser feita é a história dos usos a que as ideias estão sujeitas”. 31 Ou seja, ao contrário da perspectiva tradicional da história das ideias, que costuma priorizar a compreensão dos cânones clássicos, analisando sua difusão, a recepção de suas obras e as apropriações que sofreram suas ideias, a valorização do contexto deixa de lado a exclusividade dos autores clássicos para enfocar a matriz mais ampla de que nasceram suas obras.32 Além disso, a recuperação das ideias de autores considerados “menores”, pode auxiliar na compreensão dos cânones clássicos. Para inserir o pensamento de Verney no contexto intelectual português do século XVIII, será apresentado o lugar ocupado pela idéia de método na sua obra e a forma como foi discutida e debatida pelos seus críticos. Em seguida, procura-se mostrar como a ideia de método aparece mais tarde nos textos das reformas da educação, até os novos estatutos da Universidade de Coimbra (1772). O termo método, muitas vezes, aparece nos documentos de forma ambígua e só passa a adquirir relevância tendo em vista o lugar que ocupa nos diferentes discursos analisados deste contexto. Seguimos a premissa de que a idéia de método, pela maneira como foi utilizada, serviu para separar duas visões de mundo diferentes: o tradicional e o moderno. Conforme nos ensina Skinner, nosso sistema de crença são sempre mediados pelos conceitos de que dispomos para descrever e avaliar a realidade social, mas o uso de um conceito significa avaliar e classificar uma 30 FALCON, Francisco C. História das idéias: pluralidade disciplinar e conceitual. Da história das idéias à história intelectual e/ou cultural. In: CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.), Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.97. 31 SKINNER, Quentin. Significação e compreensão na história das ideias. (In) Visões da política: sobre os métodos históricos. op. cit., p.119. 32 SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras: 1996, p. 10. 16 realidade a partir de um ponto de vista específico.33Aqui tentaremos analisar o ponto de vista de Verney e de seus críticos acerca da noção de método, para depois avaliar os desdobramentos deste debate no contexto das reformas da educação. Apresentaremos uma análise do pensamento de Verney e a sua relação com as principais correntes de pensamento do século XVIII, procurando demonstrar como a idéia de método em Verney articulava-se com um amplo conjunto de mudanças que transcendiam o aspecto educacional, constituindo-se como uma ampla renovação cultural. Ao apresentarmos as reações causadas por estas ideias no ambiente intelectual português, tentar-se-á compreender aquilo que Verney pretendia com a utilização da ideia de método e, conforme ressalta Skinner, “captar a natureza e o tipo de coisas que poderiam, reconhecidamente, terem sido realizadas com esse conceito em particular, com o tratamento deste tema em particular e nessa época em particular”.34 Sabemos que alguns autores criticaram a proposta historiográfica de Skinner, acusando-o de antiquarismo, argumentando que seria mais importante recuperar aquilo que um texto tem para nos dizer hoje e adaptá-lo aos nossos objetivos, do que analisar o seu significado em um passado estranho e distante.35 Outros defenderam que esta tarefa de se compreender os textos do passado de acordo com os próprios termos dos autores que os conceberam seria algo impossível do ponto de vista hermenêutico, e como argumenta Gadamer, além de ser impossível, tal empreendimento seria desnecessário e inútil.36 Skinner procurou responder aos seus críticos e hoje é possível dizer que existe um interessante diálogo entre diferentes propostas teóricas para o campo da história das ideias, sobretudo entre a escola de Cambridge e a Begrifgechichte de Koselleck.37 Embora a perspectiva teórica de Skinner seja utilizada para fundamentar o eixo principal de nossa argumentação, seria oportuno fazer algumas considerações sobre nosso posicionamento acerca da abordagem de Koselleck. Conforme definiu 33 SKINNER, Quentin. Interpretação, racionalidade e verdade. (In) Visões da política: sobre os métodos históricos. op. cit., p.119. 34 Ibid., p.119 35 JASMIN, M.G.; FRERES Jr., J (Org). História dos conceitos: debates e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora PUC - Rio; Loyola. IUPERJ, 2006. 36 LOPES, Marcos Antônio Lopes. O problema do sentido histórico em história das ideias: notas acerca da interpretação de textos políticos. (In) GIANNATTASIO, Gabriel; IVANO, Rogério (orgs.). Epistemologias da história: verdade, linguagem, realidade, interpretação e sentido na pósmodernidade. Londrina: Eduel, 2011, p.194 37 SKINNER, Visões da Política: sobre os métodos históricos. Algés: Difel, 2005. 17 Koselleck, todo conceito é uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito.38 Determinadas palavras, como estado, sociedade, liberdade, são palavras que possuem uma história, são palavras que passaram por certo grau de teorização/abstração. Mas também são palavras que passam a ser utilizada para definir diferentes posicionamentos ideológicos, ou seja, os agentes sociais passam a utilizá-la com diferentes propósitos visando atingir objetivos políticos. Seguindo alguns dos princípios metodológicos de Koselleck, nossa tese procura argumentar que no espaço da língua portuguesa, no século XVIII, a palavra método torna-se uma palavra que assume um dimensão ideológica, que a grosso modo, norteou o debate entre os defensores das reformas, como Verney, e seus opositores. Assim palavra método produziu uma polarização, separou dois mundos diferentes, que no limite serviu como divisor de águas entre projetos antagônicos: os conservadores, representados sobretudo pelos jesuítas, e os reformadores, rotulados pela historiografia de estrangeirados.39 Para o desenvolvimento destas questões, a tese foi dividida em seis capítulos. No primeiro é apresentada uma breve análise da trajetória de Verney, momento em que procuramos perceber e caracterizar as relações de Verney no quadro da cultura política do Antigo Regime português. São abordados alguns aspectos de sua formação intelectual em Portugal e sua permanência no ambiente intelectual italiano. Nesta abordagem, utilizaremos as cartas italianas de Verney. Trata-se de um conjunto de dez cartas escritas de Roma, Pisa e Livorno, datadas entre 1751 e 1766, sem sabermos ao certo os destinatários.40 No segundo capítulo, procuramos inserir o Verdadeiro Método de Estudar no contexto das convenções da escrita do século XVIII. Além de apresentar alguns aspectos da forma e estrutura da obra, analiso questões relacionadas ao estilo e ao uso da retórica como elementos importantes do discurso verneyano. No terceiro capítulo abordamos as principais ideias a que Verney adere e de que maneira as utiliza no Verdadeiro Método de Estudar para criticar o modelo 38 KOSELLECK, R. Uma História dos Conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.5, n.10, 1992, p.134- 146. 39 Este termo costuma ser utilizado na historiografia para denominar alguns portugueses do século XVIII, como Verney, que viveram a maior parte de suas vivendo no estrangeiro e defenderam a necessidade de uma modernização da cultura portuguesa. 40 VERNEY, Luís António. Cartas Italianas. Lisboa: Edições Silabo, Ltda, 2008. 18 escolástico adotado no sistema de ensino português. Apresentamos os principais argumentos utilizados por ele para marcar a superioridade da filosofia moderna em relação à filosofia escolástica, para apontar como o método acabou se tornando a linha mestra de todo o programa de reformas proposto por ele. E, por fim, demonstramos os limites do seu projeto iluminista, que ficou circunscrito aos ditames do catolicismo e subordinado aos interesses do estado. No quarto capítulo apresentamos uma reflexão teórica sobre a possibilidade do uso de um termo-chave ou ideia-chave para a compreensão de um contexto intelectual. Pretende-se argumentar que a ideia de método serviu como uma palavra fundamental para balizar o debate do Iluminismo em Portugal. Além disso, serão apresentados alguns dados do contexto social no qual as polêmicas do método ocorreram, visando compreender a articulação entre o campo social e o campo das ideias. No quinto capítulo identificamos outros portugueses que contribuíram para o vocabulário de ideias do reformismo português, como D. Luís da Cunha, Martinho de Mendonça de Pina e Proença e António Nunes Ribeiro Sanches. Analisamos como estes autores diagnosticaram os problemas da cultura portuguesa, apontando para a necessidade de se repensar o estado e suas necessidades. Depois, discutimos a forma como a palavra método foi utilizada nos textos ligados às reformas da educação. Procuramos chamar a atenção para o fato deste termo, no caso do reformismo português, ser utilizado para referenciar conteúdos que vão além de aspectos epistemológicos e pedagógicos, sendo utilizado também para referenciar elementos culturais. No último capítulo, apontamos para a centralidade da palavra método nos debates entre Verney e seus adversários. Procuramos chamar a atenção para a forma como a palavra método foi utilizada para colocar em questão toda a identidade e todo o valor da cultura portuguesa, opondo de forma antagônica “defensores da nação” e seus “traidores”. De forma geral, procuramos reinserir Verney no contexto do Iluminismo, tentando rever determinadas balizas, buscando compreender sua trajetória, recorrendo às fontes, contextualizando com outros textos, reanalisando outras fontes à luz dos ensinamentos da historiografia contemporânea, sobretudo na perspectiva da história do pensamento político. Dentro de certas limitações, procuro contribuir 19 para compreensão da diversidade cultural do Iluminismo europeu, tentando ampliar o espectro deste debate, visando reavaliar alguns argumentos e reafirmar outros. Além disso, devemos reconhecer todas as limitações inerentes a esta tese, desde as dificuldades em transpor os resultados da investigação para o papel, para que as considerações necessárias pudessem ser apreciadas da forma mais clara e interessante possível. Também é necessário considerar possíveis limitações impostas pelo falta de acesso a outras fontes, que poderiam ter ajudado a ampliar nossa capacidade de análise. 20 CAPITULO I – VERNEY: UM ILUSTRE CITADINO A SERVIÇO DO ESTADO O desejar todo o bem a uma nação, o querer que faça figura entre as outras, o administrar-lhe todos os meios literários para conseguir este fim, e ainda mais censurar os defeitos daqueles nacionais que a desviam deste fim [...] o louvar e exaltar todos os erros, despropósitos, futilidades, que a fazem ridicularizar pelas nações mais cultas, isto chama-se ser um ilustre citadino.41 Luiz António Verney Este capítulo apresenta um pequeno esboço biográfico, cuja finalidade é auxiliar a compreensão do autor e de suas ideias, entre as quais aquelas que nortearam a elaboração desta tese. Apresenta-se inicialmente, a atmosfera intelectual vivida por Verney em Portugal no início de sua formação, para depois situá-lo no ambiente intelectual italiano, onde viveu a maior parte de sua vida.42 Procurou-se pensar a trajetória de Verney tendo em vista as suas relações com a cultura das sociedades do Antigo Regime, organizada a partir de valores de lealdade, afeto, gratidão e fidelidade.43 E dentro do possível, considerou-se as questões levantadas pelas novas abordagens no campo da biografia, levando em conta a questão do indivíduo na história, sua singularidade, suas crenças individuais e a maneira específica com que representa o mundo a sua volta.44 1.1 A trajetória de um filósofo reformista português Na historiografia sobre o Iluminismo em Portugal, Luiz António Verney é considerado um dos seus principais representantes e sua obra, o Verdadeiro Método de Estudar (1746), é referência obrigatória nas discussões sobre este 41 Carta escrita de Pisa, 8 de outubro de 1766. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 198. 42 Ao final do capítulo apresentamos uma breve cronologia com as principais datas e acontecimentos abordados neste capítulo. 43 Sobre as sociedades do Antigo Regime ver: ELIAS, Norbert. A Sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. História da vida privada em Portugal. A idade moderna. Lisboa: Círculo dos Leitores, 2010. OLIVEIRA, Ricardo de. Amor, amizade e valimento na linguagem cortesã do Antigo Regime. Tempo, V11, n 21- 08, p. 97-120. 44 Cf. LEVI, Giovanni. Usos da biografia; BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: AMADO, Janaína; FERRERA, Marieta de Moraes, (orgs.). Usos e Abusos da História Oral. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996. 21 tema.45 Contudo, existem poucas informações sobre a vida deste “ilustre citadino”. Conforme apontou António Salgado Júnior na sua “breve biografia”, além de uma deficiência documental, os dados disponíveis não são exatos e são bastante omissos, havendo muitas lacunas e informações desencontradas.46 A biografia mais completa de Verney continua sendo a monumental obra de António Alberto Banha de Andrade, Verney e a Cultura do seu tempo.47 Um dos documentos mais reveladores sobre a vida de Verney é uma carta “autobiográfica” escrita de Roma, em 1786, ao P. Joaquim de Foyos, da Congregação do Oratório. Nesta carta, conforme apontou António Salgado Jr, a sua vida é identificada com a sua obra, e nela se revela o que ele chamou de “drama íntimo”48 de sua vida, que o acompanhou desde o Verdadeiro Método de Estudar. Trata-se de sua desilusão, bem como o fracasso como escritor, conforme é possível perceber no trecho abaixo: 45 Cf. MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney. São Paulo: Saraiva & C.a Editores, 1941. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia. Coimbra Editora: Coimbra, 1952. CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português. Lisboa: Editorial Caminho AS, 2001. Volume III. ANDRADE, António Alberto de. Vernei e a cultura de seu tempo. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1966. COXITO, Amândio. Luís António Verney e o Iluminismo Francês. Comunicação apresentada na Universidade de Coimbra em setembro 2008. CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo: Saraiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1978. PRAÇA, J.J. Lopes. História da Filosofia em Portugal. Lisboa: Guimarães Editores, 1988. 3ª Edição, p. 242. ARRIAGA, José de. A Filosofia Portuguesa 1720-1820. História da Revolução Portuguesa de 1820. Lisboa: Guimarães Editores, 1980, p.23-55. Em alguns trechos do presente trabalho de tese utilizaremos a abreviatura VM para referenciar o Verdadeiro Método de Estudar. 46 Cf. “Biografia breve de Luís António Verney”, que se encontra no prefácio do segundo volume da edição do Verdadeiro Método de Estudar organizada por António Salgado Júnior, edição que foi utilizada como referência nesta tese. Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume II. Estudos Literários. Lisboa: Livraria Sá da Costa – Editora, 1950, p.VII – XLVIII. Manuel Curado não descarta a possibilidade de que sejam descobertos nos arquivos, outras cartas, correspondências ou missivas, que possam revelar outras perspectivas sobre a trajetória de Verney. Cf. Comunicação feita por Manuel Curado na conferência de abertura do Congresso realizado na Biblioteca Nacional de Portugal intitulado Luís António Verney e a Cultura Luso-Brasileira do seu tempo entre os dias 16 e18 Setembro de 2013. Para mais informações sobre o evento: http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=843:congresso-luis-antonioverney-e-a-cultura-luso-brasileira-do-seu-tempo-16-18-set&catid=163:2013&Itemid=869 Para assistir ao pronunciamento de Manuel Curado na conferência de abertura: https://www.youtube.com/watch?v=c542BC_5lOM 47 Esta obra, publicada em 1965, foi elaborada a partir de uma pesquisa em fontes que até então não haviam sido consultadas por nenhum de seus biógrafos. No apêndice da obra foram anexados algumas cartas e documentos que foram de grande importância na pesquisa desta tese. 48 Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume II, op. cit., p. XI. Banha de Andrade também apontou para o que identificou como “trágico drama” da vida de Verney, porém sem a mesma ênfase dada na interpretação de António Salgado Jr. Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p.409. 22 Eu sim tive ao princípio particular ordem da Corte de iluminar a nossa nação em tudo o que pudesse, mas nunca me deram os meios para executá-lo. Tive largas promessas de prêmios, e de renda, e ajudas de custo, e vieram recomendações repetidas aos Ministros para me darem um conto de reis sobre os Benefícios do Reino que ca se provessem. Mas tudo isto ficou na esfera dos possíveis, e nunca se verificou por culpa dos Ministros, e outras pessoas, as quais sempre embasaram para adular os jesuítas, que sempre me perseguiram com ódio imortal.49 (grifo nosso) As coisas não aconteceram como esperava, estava frustrado e ressentido. Analisando o epistolário de Verney encontramos um tema que é muito recorrente, o importante papel reservado aos “homens iluminados” em aconselhar os reis e os príncipes, e também a obrigação destes em se aconselhar com estes homens para executar as ações necessárias, visando a promoção do estado.50 As ideias de Verney estavam articuladas a um conjunto de temas associados a uma geração de intelectuais51 portugueses - a exemplo de D. Luís da Cunha52, Martinho de Mendonça Pina e Proença53 e António Nunes Ribeiro Sanches54 - que viveram a maior parte de suas vidas no estrangeiro e procuraram dar conselhos, propondo ideias para a modernização e melhor organização do reino. Sebastião de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal, também participou de missões diplomáticas no estrangeiro antes de se tornar um dos reformadores no reinado de D. José I. Estes homens refletiram sobre temas importantes, como a educação, e 49 Carta de Roma, fevereiro de 1786, ao P. Joaquim de Foyos, da Congregação do Oratório. (In) MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney, op. cit., p.146-147. Na transcrição dos textos das fontes utilizadas nesta tese optou-se pela atualização ortográfica. 50 Destacamos as cartas traduzidas por Manuel Curado e Ana Lúcia Curado. Cf. VERNEY, Luís António. Cartas Italianas. Lisboa: Edições Silabo, Ltda, 2008. Trata-se de um conjunto de dez cartas escritas em italiano, ou como definem os tradutores: cartas italianas com traços de latim. As cartas haviam sido publicadas primeiramente por Cabral de Moncada em dois apêndices: Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney. São Paulo: Saraiva & C.a Editores, 1941. 51 Considero um intelectual aquele que possuía conhecimento e faziam uso deste conhecimento no contexto social ao qual estavam inseridos. 52 D. Luís da Cunha (1662-1749) destacou-se pela sua vivência como embaixador nas principais capitais da Europa. Chamava a atenção para a importância de se observar outros fatores do desenvolvimento da economia de um reino, como uso produtivo das terras e a necessidade de se aumentar a população. 53 Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1693-1743) viajou extensamente pela Europa, conheceu Crhistian Wolff na Saxônia e W.Gravesande na Holanda e estudou com eles as ideias de Leibniz e Newton Cf. MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 11. Também foi associado à Academia Real da História. 54 António Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783) foi sócio da Academia das Ciências de Paris e colaborou na Encyclopédie, escrevendo sobre diversos assuntos, com destaque para a medicina, a pedagogia e a economia. António Nunes Ribeiro Sanches alertava sobre a necessidade de Portugal se adequar aos novos tempos, em que a riqueza dependia cada vez mais da indústria e do comércio. 23 sobre as reformas necessárias que pudessem restabelecer o poder e a riqueza de Portugal, que consideravam superados por outras potências como França e Inglaterra.55 Portanto, o Iluminismo português está articulado a um conjunto de ideias cujo sentido mais fundamental era atender, acima de tudo, aos interesses do estado, conforme conclui Antonio Cesar de Almeida Santos: Enfim, parece-me que Carvalho e Melo realmente colocou em prática a exigência de os governantes construírem um “claro conhecimento” dos estados por eles administrados, em consonância com o ideal científico da época. Assim, ele realizou uma acurada observação de diversos elementos da sociedade portuguesa – comércio, instituições, educação, agricultura etc. – para levar ao seu soberano as medidas que julgava necessárias para fazer com que “um pequeno país” se igualasse a outros “em riqueza e em forças”. 56 Neste sentido a obra de Venturi Utopia e Reforma no Iluminismo é muito útil para se pensar o enquadramento da situação portuguesa no quadro geral da Europa Setecentista. Evidenciando mais as questões político-econômicas do que a história das ideias, este estudo procura captar o fluxo do Iluminismo a partir de um eixo comum (uma lógica histórica) a toda a Europa. Este eixo é pensado a partir das tensões entre Utopia (Revolução) e Reforma (Despotismo Esclarecido). Conforme poderá ser observado, o epistolário de Verney aponta para o caso do Despotismo Esclarecido.57 Refletindo sobre o Iluminismo em Portugal e a importância de Pombal neste contexto, é possível perceber uma convergência das ideias de Verney com os princípios que nortearam as ações empreendidas por Sebastião de Carvalho e Melo no governo de D. José I. Como se verá ao longo desta tese, Verney defendia a necessidade de haver uma regeneração cultural a partir de um novo método de estudos, que teria como base a filosofia dos modernos. Entretanto, apesar das semelhanças com as ideias que norteariam as reformas do ensino, Verney acabaria entrando em choque com Pombal. 55 Cf. CARVALHO JUNIOR, E. T. A ideia de atraso e o papel da educação na modernização portuguesa da segunda metade do século XVIII. e-hum, Belo Horizonte, Vol.5, n.2, pp. 25-44, 2012. Disponível em: www.unibh.br/revistas/ehum. Cf. também: MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo, op. cit., p.10. 56 Cf. SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Luzes em Portugal: do terremoto à inauguração da estátua equestre do Reformador. Topoi, v. 12, n. 22, p. 88, 2011. 57 Cf. VENTURI, Franco. Utopia e Reforma no Iluminismo, op. cit. 24 1.1.1 A formação inicial de Verney e a juventude em Portugal O pai de Verney, o francês Diogo Verney, vindo de Lyon, instalou-se no final do século XVII em Lisboa, e se casou com Maria da Conceição Arnaut, também de origem francesa, nascida na vila de Penela. Diogo era um vendedor de drogas para boticas, atendendo no balcão juntamente com seus caixeiros; embora fosse bem sucedido, sua profissão não oferecia prestígio social.58 Deste casamento, em 23 de julho de 1713, nasceu Luís António. Diz-se que com apenas seis anos já lia e escrevia só de ouvir as lições dadas aos irmãos mais velhos.59 É provável, como aponta António Salgado Jr, que Verney estivesse familiarizado com a língua francesa - língua que provavelmente era falada em sua casa - o que bem teria facilitado seu contato com a filosofia moderna.60 Seu pai se encarregou da sua educação designando seu antigo capelão, P. Manuel de Aguiar Paixão, para lhe inserir nos primeiros estudos. Mais tarde Verney entraria para o colégio jesuíta de Santo Antão, depois seria aluno do colégio do Oratório, e antes de viajar para a Itália, ainda passaria pela Universidade de Évora. As informações biográficas sobre o período que vai de seu nascimento até a publicação do Verdadeiro Método de Estudar em 1746, incluindo os primeiros anos de sua formação, são muito escassas.61 Temos poucas notícias sobre sua passagem pelo Colégio de Santo Antão e sobre as disciplinas frequentadas por Verney. Entretanto, apoiando-se no que escreveu Pedro José de Figueiredo62, Banha de Andrade acredita que Verney tenha estudado neste colégio entre os anos de 1720 e 1727.63 De acordo com programa de ensino dos colégios jesuítas para os estudos menores, o aluno deveria cursar cinco anos de Gramática, dois anos de 58 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.1. Ibid., p.14. 60 Cf. “Biografia breve de Luís António Verney”, que se encontra no prefácio do segundo volume da edição do Verdadeiro Método de Estudar organizada por António Salgado Júnior, edição que foi utilizada como referência nesta tese. Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume II, op. cit., p.XVIII. 61 Cf. “Biografia breve de Luís António Verney”, que se encontra no prefácio do segundo volume da edição do Verdadeiro Método de Estudar organizada por António Salgado Júnior, edição que foi utilizada como referência nesta tese. Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume II, op. cit., p.X. 62 Pedro José de Figueiredo escreveu uma biografia sobre Verney na obra “Retratos e Elogios dos Varões e Donas que ilustraram a Nação Portuguesa”, tomo I, Lisboa, 1817. 63 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.10. 59 25 Latinidade e dois de Retórica.64 Porém, Verney cursou apenas três anos. Acredita-se que tenha se adiantado em relação aos demais alunos - talvez devido às aulas de P. Manuel de Aguiar Paixão - tendo concluído mais cedo as disciplinas exigidas.65 De forma geral, no colégio de Santo Antão seguia-se as diretrizes da escolástica. Algumas críticas apresentadas por Verney no Verdadeiro Método de Estudar podem estar relacionadas com o método de ensino praticado pelos jesuítas neste colégio. Outro aspecto da cultura portuguesa que receberia críticas de Verney era o que ele identificava por um excesso de orgulho próprio dos portugueses.66 Desprezava a literatura laudatória, voltada para o culto dos “grandes homens da nação” e faria críticas severas a Camões e ao Padre Vieira. Banha de Andrade aponta para as festas literárias que aconteciam nos pátios do colégio, festas que atraiam a nobreza e gente do povo. A maioria destas festas era voltada para louvar a “nação Portuguesa”, e os feitos dos portugueses pelo mundo. Eram declamados poemas, havia apresentações musicais e peças de teatro.67 Entre os professores do colégio podemos citar, por exemplo, Paulo Amaro, provavelmente um dos professores de retórica de Verney e que mais tarde se tornaria um de seus adversários nas polêmicas do novo método. No que se refere às obras de referência utilizadas no Colégio de Santo Antão, podemos citar o famoso compêndio de gramática do Padre Manuel Alvares, o qual mais tarde receberia críticas severas de Verney. No que se refere ao ensino de matemática nas escolas portuguesas, sabe-se que Manuel de Campo imprimiu em Lisboa em 1735, para a aula do colégio Os elementos de geometria plana e sólida e também editou outros manuais de trigonometria plana e esférica.68 Além disso, havia um Observatório no Colégio de Santo Antão, em que o padre Carbone e Domingos Capassi, ambos jesuítas italianos que vieram prestar serviço em Portugal a pedido do rei, assistiram a um eclipse da lua69. Isso pode indicar que o Colégio de Santo Antão não estava tão atrasado, e poderia ser considerado moderno, quando comparado com outras 64 Entretanto, conforme aponta Banha de Andrade, os jesuítas não seguiam esta norma em todos os Colégios, variando de acordo com o número de classes, de alunos e das possibilidades financeiras. ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p. 10. 65 Ibid., p.11. 66 V.M. Estudos Filosóficos. V.3, p.16. 67 Por exemplo, em 18 de julho de 1720, foi apresentada uma peça dramática em honra do novo bispo de Angola, D. Fr. Manuel de Santa Catarina. Cf. Banha de Andrade, p.12. Como se verá, mais tarde Verney expressaria um desprezo pelos grandes autores nacionais, portugueses “ilustres” como o Padre António Vieira e Luís de Camões. 68 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.16. 69 Ibid., p.16. 26 escolas portuguesas da época.70 No programa de ensino do colégio era oferecida a Aula de Esfera, que era voltada para a matemática, mas que incluía também uma diversidade de disciplinas como geometria, óptica e engenharia militar.71 Depois de deixar o Colégio de Santo Antão, Verney passaria a ser aluno da Congregação do Oratório, provavelmente entre 1727-1730. A ordem dos oratorianos era considerada mais aberta às inovações; de acordo com os Estatutos da Congregação, poderiam frequentar as aulas “os de fora” que tivessem “bons procedimentos” e que frequentassem os exercícios espirituais da Congregação. 72 A postura mais aberta da Congregação do Oratório perante as novidades no campo da filosofia levaram, assim como aconteceu com Verney, a uma situação de confronto com os jesuítas.73 Verney foi aluno no curso de Filosofia que lecionava o P. Estácio de Sá, que já criticava as “prolixidades” do modelo tradicional.74 Foi nesta época que João Batista começou a ensinar o seu “ecletismo de forma aristotélica e fundo moderno”.75 O padre João Batista, que introduziu na Congregação do Oratório o ensino da física newtoniana desde 1737, publicou em 1748 uma obra filosófica que apresentava Restituta. 76 uma série de inovações intitulada Philosophia Aristotelica Nesta obra, assim como no Verdadeiro Método de Estudar, critica-se a filosofia peripatética77, apontando para as distâncias entre eles e Aristóteles. De acordo com Dias, João Batista é o que ele chama de “eclético”, segue principalmente as ideias de Descartes, porém utilizava alguns princípios newtonianos para a explicação do movimento e da luz. 78 Sua obra poderia ser tratada como uma tentativa de conciliar a “metafísica aristotélica com a física 70 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.16. No início do século XVII, O padre italiano Cristóvão Borri, ensinava a doutrina copernicana na Aula de Esfera. Cf. DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração è Catolicismo. Teodoro de Almeida, Lisboa, Colibri, 1994, p.35. 72 Ibid., p.29. 73 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.155. No confronto entre oratorianos e jesuítas foi publicada a Carta Exortatória, que procurava defender os oratorianos das perseguições dos jesuítas. Cf. REMÉDIOS, Mendes dos remédios. Carta Exhortatoria aos padres da Companhia de Jesus: Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 1909. 74 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.154. 75 Ibid., p. 149. 76 Um dos principais discípulos de João Batista foi Teodoro de Almeida, cuja obra, Recreação Filosófica, contribuiu para a difusão da filosofia moderna em Portugal. DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo, op. cit., p.38. 77 Trata-se da filosofia elaborada pelos interpretadores de Aristóteles, que no vocabulário de Verney era o mesmo que escolásticos. 78 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.151. 71 27 moderna”.79 Ao se referir às obras do Padre João Batista, em carta escrita de Roma datada de 1750, Verney afirmava que suas obras eram “uma misturada de Gassendiana com Peripatética que merece compaixão”.80 João Batista, assim como o padre Manuel do Cenáculo, que será abordado mais adiante, buscava uma linha intermediária, conciliatória entre a escolástica e a filosofia moderna. Cenáculo teve uma postura diferente de Verney: este, ao publicar o Verdadeiro Método de Estudar, partiu para o ataque contra a filosofia escolástica. Quando estava no segundo ano do curso da Congregação do Oratório, no inicio de 1729, Verney resolveu alistar-se para servir como soldado nas campanhas militares que partiriam para as Índias.81 Nesta época, o império português, que se estendia pelos oceanos Atlântico e Índico, era constituído por um vasto conjunto de territórios, que naquele momento sofria ataques em diversas frentes no estado da Índia. O Vice-Rei do estado da Índia, João de Saldanha da Gama, havia deslocado suas tropas para Mombaça, e solicitava reforços para a defesa de Goa. 82 O Conselho Ultramarino sugeriu ao Rei enviar o maior número de gente possível, inclusive de “diferente qualidade”; assim, os interessados deveriam apresentar seus papeis na Secretaria do Conselho Ultramarino. O monarca oferecia uma série de benesses para aqueles que se submetessem à convocação e oferecia distinção nobiliárquica, de acordo com o desempenho dos que servissem nas campanhas. Depois de ter sido aceito como soldado, Verney chegou a requerer o posto de capitão de uma Companhia, porém sem sucesso; mais tarde foi nomeado Sargento da Companhia de Infantaria, e seu capitão era Caetano Correa de Sá, filho do Visconde de Asseca.83 Depois de partir com a Nau de Guerra N. S. do Livramento, o comandante escreveria mais tarde da Bahia relatando problemas com a embarcação, pois o mastro havia se quebrado. O que aconteceu depois disso não se sabe, porém no mesmo ano de 1729 Verney retorna para Portugal, onde então aparece matriculado na Universidade de Évora. O motivo de seu retorno também não se sabe. 79 Ibid., p.149. Carta escrita de Roma de 1 de janeiro de 1753. Cf. VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 47. 81 Carta escrita de Roma de 1 de janeiro de 1753. Cf. VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. X-XI. 82 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p. 20. 83 Ibid., p.22. 80 28 Nesta aventura, tudo indica que Verney buscava se encaixar em uma carreira que lhe pudesse oferecer uma benesse, e a carreira militar costumava ser bastante promissora. Entretanto, a sua condição de filho de um boticário significava um obstáculo e até mesmo um impedimento, pois para a habilitação de ordens militares exigia-se ausência de “vicio mecânico” nos exames de habilitação.84 Além disso, era necessário comprovar não ter nem pai nem avô com esta condição. Mai tarde Verney tentaria ser admitido na Ordem de Cristo, pois pertencer a esta Ordem conferia importância social, honra, e aqueles que recebiam esta mercê gozavam de benefícios fiscais. Nos Estatutos da Ordem de Cristo exigia-se que fosse nobre, fidalgo, ou cavaleiro, sem mácula nenhuma em seu nascimento e sem defeitos; além disso, os Papas haviam proibido que entrassem filhos ou netos de mecânicos.85 O exame era rígido e nas inquirições eram ouvidas no mínimo seis testemunhas que não poderiam ter grau de parentesco até o terceiro grau. O pedido de Verney foi indeferido, com a alegação de “falta de qualidade”.86 Mesmo assim, Verney conseguiria reverter esta decisão alegando fazer parte do corpo eclesiástico, o que significava ter “limpeza de sangue”, sem “mácula de judeu ou mouro”. 87 Na Universidade de Évora, cujo ensino também era dirigido pelos jesuítas, Verney cursou Teologia. De acordo com os estatutos da Universidade de Évora, os professores eram obrigados a seguir os doutores, cuja autoridade era reverenciada.88 Como o método de ensino praticado pelos jesuítas tinha como base a filosofia escolástica, a qual mais tarde seria desprezada por Verney, grande parte das críticas que foram feitas no Verdadeiro Método de Estudar podem estar associadas a sua própria experiência como aluno neste contexto educacional. Até mesmo, o programa de ensino dos Oratorianos, embora fosse mais permeável a novidades, também seguia de maneira geral a filosofia de Aristóteles. 89 84 Mecânicos eram aqueles que viviam do trabalho de suas próprias mãos. Nesta época os boticários ainda continuavam a ter um estatuto de arte subalterna da medicina, assim como os cirurgiões, eram atividades que não estavam livres de “vívio mecânico”. Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia. São Paulo: Editora Unesp, 2005, p. 23. 85 Cf. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia, op. cit., p.99. 86 Parecer da Mesa de Consciência de setembro 1749. (In) ANDRADE, António Alberto de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p. 538. 87 Depois de deferida sua solicitação, Verney recebe o habito de cristo em novembro de 1749. 88 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.31. 89 Ibid., p.18. 29 1.1.2 Verney e a cultura portuguesa da primeira metade do século XVIII Ao se referir a D. João V, Voltaire teria afirmado que “Quando queria uma festa, ordenava um desfile religioso, Quando queria uma construção nova, erigia um convento. Quando queria uma amante, arrumava uma freira”.90 Diferentemente desta visão de um beato mulherengo, a historiografia tem chamado a atenção para a importância do longo reinado de D. João V (1706-1750), que teria sido ofuscado pela chamada Era Pombalina (1750-1777). Conforme têm destacado alguns trabalhos recentes, a herança joanina foi muito importante para a efetivação das reformas que ocorreriam no reinado josefino.91 Neste contexto, há que se considerar a emergência de outras potências como Holanda, Inglaterra e França, que passaram a concorrer com Portugal na exploração do novo mundo, deslocando sua posição de vanguarda para potência de segunda ordem. A frágil situação de Portugal colocava em risco seus domínios ultramarinos, sobretudo a América portuguesa, da qual se tornava cada vez mais dependente. Esta questão não passaria despercebida pelos intelectuais portugueses que apontavam para o atraso português e a necessidade de se fazer reformas. O reinado de D. João V (1707-1750) viveu o auge da produção aurífera e das riquezas vindas do Brasil, o que acabou se refletindo nos domínios cultural, artístico e arquitetônico. Foram enviados funcionários nas cortes estrangeiras para informar sobre “as novidades dignas de serem imitadas”, principalmente aquelas provenientes da corte francesa de Luis XIV, o rei sol. Foi contratado, por exemplo, o compositor Domenico Scarlatti e foi construído o Palácio de Mafra, de tal maneira que pudesse rivalizar com os outros grandes palácios, como o Escorial, palácio dos reis da Espanha, e Versalhes, da França. D. João V chegou a planejar uma grande viagem pela Europa para se inteirar dos progressos da ciência, das técnicas e das artes, porém, esta viagem acabou não acontecendo.92 Uma importante mudança na sociedade portuguesa setecentista 90 Cf. MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo, op. cit., p.17. Cf. ALVIM, Gilmar Araujo. Linguagens do poder no Portugal setecentista: um estudo a partir da Dedução Cronológica e Analítica (1767). Dissertação Mestrado. Niterói-RJ: Universidade Federal Fluminense, 2010. Ver também. MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História. Os intelectuais, o poder cultural e o poder monárquico no séc.XVIII. Coimbra: Edições Minerva Coimbra, 2003, p. 52. 92 CARVALHO, Rómulo de. A física experimental em Portugal no séc. XVIII. Lisboa: ICALP, 1982. p. 54. 91 30 ocorreu com a fundação da Academia Real de História em 1720. Ela representa um aspecto importante que marca o caráter moderno do reinado de D. João V. De acordo com Isabel Ferreira da Mota, a Academia Real de História foi instituída com a finalidade de promover a cultura erudita, e assim, marcar uma crescente presença do estado nos diversos setores da sociedade portuguesa da primeira metade do século XVIII. Observa-se uma maior centralização do poder na medida em que o estado passa a submeter as demais autoridades políticas e os obriga a reconhecer seu estatuto privilegiado.93 A Academia Real de História, diferentemente das academias científicas, tinha o patrocínio real e ficava isenta da censura da Inquisição. Possuindo toda autonomia garantida oficialmente pelo Rei, funcionava como um instrumento de representação e reafirmação de seu poder. Conforme ressalta Isabel Ferreira da Mota: Como academia real ela é, de facto, uma novidade no país. É, claramente, uma empresa de Estado e o monarca vai apoiá-la e rodeá-la de toda uma aparelhagem legislativa que a suporta e lhe permite ter uma actuação eficaz, nalgumas facetas 94 paragovernamental. O estado passa a financiar uma produção de obras, sobretudo memorialistas, visando à promoção de seu próprio interesse. Os beneficiários do mecenato do estado passaram a receber subsídios exclusivos para a produção erudita, diferentemente do que ocorria anteriormente no clientelismo, em que o patrono sustentava o escritor não exclusivamente para a produção de obras eruditas, mas também como preceptor ou secretário.95 Em Portugal já existiam academias desde o final do século XVII, como as do Conde de Ericeira, mas o caso da Academia Real é mais específico, conforme definiu com precisão Isabel Ferreira da Mota, “tinha uma noção de Estado e uma concepção da função governativa do rei, claras e pragmáticas”.96 A Academia era controlada diretamente por D. João V e recebia seu incentivo e sua atenção, por isso todo o mérito e reputação de seus autores dependiam 93 MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História. op. cit., 2003, p.35. Ibid., p.35. 95 Ibid., p.127. 96 Ibid., p.34. 94 31 exclusivamente do seu reconhecimento.97 “Entrar na Academia é entrar ao serviço do rei”, este era o critério que deveria ser observado por aqueles que participavam do círculo seleto da Academia.98 Todos estavam a serviço “de sua majestade”, e o mecenato poderia premiar um autor, seja com uma renda, com uma pensão ou com um cargo.99 Além disso, o rei poderia decretar ser fidalgo até mesmo quem não possuía terras.100 Na lógica do antigo regime, as mercês e as benesses eram decorrência dos serviços prestados pelos vassalos à coroa. Em uma sociedade na qual a maioria dos escritores ainda não conseguia sobreviver somente da venda de seus livros, o mecenato tornava-se fundamental para o exercício deste ofício que passava a ganhar cada vez mais prestígio social. Conforme aponta Isabel Mota: “Escrever estabelecia fronteiras e distinções, servia à ambições políticas e dava força à pretensões de família”.101 Portanto, ao criar a Academia o rei inaugurava um ambiente intelectual que não realça distinções por nascimento, misturando eruditos com nobres de grande nascimento.102 Os acadêmicos se destacavam pela “produção para a imprensa”, em torno de investigações de temas e áreas preestabelecidas pelo monarca, mas também por estarem inseridos em uma “rede de contatos e relacionamentos com outros eruditos, nacionais e estrangeiros”. 103 Até mesmo aqueles que se encontravam no estrangeiro, como D. Luís da Cunha, receberam a honra da nomeação para participarem da academia, um reconhecimento do rei pelos serviços prestados para a diplomacia portuguesa. 104 O mesmo aconteceria com Sebastião de Carvalho e Melo, nomeado para a Academia em 1736. Embora tivesse o perfil intelectual exigido pela Academia, Verney não chegou a se tornar um de seus membros. Mais tarde Verney faria uma série de críticas às publicações da Academia. 105 Contrariando a opinião de que fosse constituída por um corpo de “homens de 97 Na sua fundação participaram importantes eruditos como D. Manuel Caetano de Sousa, o Conde de Ericeira e Martinho de Mendonça de Pina e de Proença. Cf. MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História, op. cit., p.344. 98 Ibid., p.340 99 Ibid., p.253 100 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia, op. cit., p.17. 101 MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História, op. cit., p. 321. 102 Ibid., p.321. 103 Ibid., p.341. 104 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na Colônia, op. cit., p.324. 105 Tudo indica que se referia à Coleção dos Documentos e Memórias da Academia Real de História Portuguesa, publicadas entre 1721 e 1736. 32 grandes luzes e de bom gosto pelas letras”, apontava para uma série de “defeitos”: “as orações pecam no estilo” pelo seu “seiscentismo” e havia excessos nos elogios. Satirizava acerca de “um pensar tão pueril que um homem que saiba elogiar não os pode ler sem riso”.106 E acrescentava que todos estes “defeitos” se devem à “falta de critério”, de “um juízo exercitado“ e de um estudo com bons autores por meio de uma “comunicação com os homens doutos das nações aluminadas” 107 e “por isso na dita Academia se tem adoptado tantas fábulas históricas de que o mundo erudito se ri”.108 Estes recursos de retórica como a sátira e a ironia são elementos que estão presentes nas suas obras, conforme analisaremos no próximo capítulo. Em 1722 D. João V mandou vir a Portugal dois jesuítas napolitanos, João Baptista Carbone e Domingos Capacci, para elaborarem um levantamento cartográfico de algumas regiões do império. O Cosmógrafo-Mor do reino, Luís Francisco Pimentel, na conferência da Academia Real de História Portuguesa de 7 de março de 1726 informava que o P. Carbone, a partir de observações feitas, chegou a valores mais precisos da latitude e longitude de Lisboa. 109 Sete anos depois, Capacci seguiu para o Brasil, e Carbone ficou em Portugal, tornando-se mais tarde pessoa íntima do rei, ocupando o cargo de reitor do Colégio de Santo Antão, local que, conforme já vimos, Verney estudou na sua formação inicial. A vinda destes jesuítas italianos ilustra os aportes no campo científico da corte joanina, tanto no que se refere ao envio de indivíduos para acompanhar os progressos científicos de outras cortes como em relação ao patrocínio da vinda de estrangeiros para Portugal que pudessem atender às demandas estratégicas, tal como no conhecimento do território de além-mar e no uso de técnicas para demarcá-lo e garantir a posse perante as disputas com outras potências rivais.110 Assim como outros soberanos, a exemplo de Pedro o Grande da Rússia, D. João V procurou estimular a ciência em seu reino. Além de mandar instalar um observatório astronômico no colégio jesuíta de Santo Antão, concedeu para a ordem dos oratorianos o Convento de Nossa Senhora das Necessidades, com uma biblioteca de trinta mil volumes e um gabinete de física, que segundo Teodoro de 106 Carta de Roma de 1753. VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 52. Aluminadas neste contexto significa as nações que vivem de acordo com as “luzes”, são as nações cultas. 108 Carta de Roma de 1753. VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 53. 109 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p. 16. 110 Cf. OLIVEIRA, Ricardo. Política, diplomacia e o império colonial português na primeira metade do século XVIII. História: Questões & Debates, Curitiba: UFPR, n. 36, p. 251-278, 2002. 107 33 Almeida - outro importante filósofo da segunda metade do século XVIII português chegou a receber a visita do próprio Rei para assistir a alguns experimentos.111 Ao apoiar os oratorianos, com a benesse do Palácio das Necessidades e o gabinete de física, D. João V promove uma instituição de ensino capaz de concorrer com a hegemonia dos jesuítas na educação, cujo modelo de ensino costumava não ser afeito a novas ideias. Mais tarde seria permitido que o exame de entrada para a Universidade de Coimbra fosse ministrado também pelos oratorianos, rompendo com o monopólio deste privilégio exclusivo dos jesuítas, o que indica uma intervenção importante do estado no setor da educação. O governo de D. João V apresentava características importantes que apontavam para uma expansão do poder régio sobre setores cuja autoridade era sustentada por outras ordens sociais. Além disso, a valorização de conhecimentos científicos para o conhecimento do território e o estímulo à produção literária são aspectos importantes deste contexto, e que podem muito bem ter afetado a formação inicial de Verney. Entretanto, no que se refere ao programa de ensino das escolas portuguesas, Verney apontava para o atraso e argumentava sobre a necessidade de reformas. Esta percepção, segundo ele mesmo afirmou, ocorreu-lhe quando passou a frequentar o ambiente intelectual italiano, que lhe permitiu um acesso facilitado a “bons livros”.112 1.2 Verney e o ambiente intelectual italiano Até aqui procuramos apresentar alguns aspectos da trajetória de Verney, desde o seu nascimento, em 1713, até agosto 1736, quando interrompe o curso de Teologia em Évora e viaja para Roma. A partir desta data Verney passou a viver na Itália sem nunca mais retornar para sua terra natal. Até o momento não se sabe exatamente o que foi fazer em Roma. Na historiografia tornou-se muito comum a ideia de que saiu de Portugal devido a sua insatisfação com a filosofia que era 111 CARVALHO, Rómulo de. A física experimental em Portugal no séc. XVIII, op. cit., p.56. Ver também MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo, op. cit., p.14. 112 Conforme é possível observar na carta escrita. 34 ensinada nas universidades portuguesas, e que procurava justamente um lugar no qual pudesse ampliar a sua formação intelectual.113 Verney foi indicado para receber uma benesse pelo Núncio, Mons. Caetano Orsini de Cavalieri, Arcebispo de Tarso, que enviou uma carta de indicação para o Secretário de Estado do Papa Clemente XII, o Cardeal Firrao. Verney disputava a mercê com Francisco de Alamada e Mendonça, primo de Sebastião de Carvalho e Melo, que neste momento ainda não havia assumido o cargo de Secretário de Estado dos Negócios do Reino. O Padre Carbone, considerado muito próximo a D. João V, também procurou interceder em favor de Verney enviando uma carta recomendando-o ao Ministro em Roma, o Comendador Pereira de Sampaio, sugerindo que lhe fosse concedido algum benefício.114 Na carta a Pereira de Sampaio, o P. Carbone informa que se encontrava em Roma há algum tempo Luís António Verney, a quem pretendia “recolher-se para este Reino provido de algum beneficio” e que não “seria fácil consegui-lo ao dito pretendente sem que lhe estendessem a mão”. 115 O Padre Carbone, percebendo a demora na efetivação da mercê que havia solicitado em favor de Verney, teve que reforçar seu pedido a Pereira de Sampaio alegando que havia recebido “particular insinuação de S. Majestade, ainda que não quer o mesmo Senhor que se interponha o seu Real nome, como V. Mercê bem sabe”.116 Parecia haver a intenção de D. João V de beneficiar Verney, porém não desejava tornar pública sua vontade Em outra carta, Pereira de Sampaio explicava ao P. Carbone que havia um “grande empenho pelo R. mo Évora a favor de Francisco de Almada” que tentava anular a concessão da graça, que naquela presente data já havia sido conferida a Verney mediante a assinatura do Papa. Sampaio explica que teve de interceder diretamente com o R. mo Évora e com o Cardeal Corsiini justificando que seu “empenho pelo Abade Vernei não era amizade pois que nenhum trato familiar tinha com ele, mas bem sim o ser sujeito por quem me tinha vindo recomendação da corte 113 Maria Lucília Gonçalves Pires afirma que a tese de uma insatisfação de Verney com o ensino universitário português já pode ser percebida pelo já citado Pedro José de Figueiredo. Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar (cartas sobre Retórica e Poética). Lisboa: Editorial Presença, 1991, p.8. Esta interpretação foi reiterada recentemente por Amandio Coxito na introdução da tradução do Re Metaphysica. Cf. p.5. 114 CARBONE Apud ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p. 541. 115 CARBONE Apud ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p. 541. 116 Carta do P. Carbone a Pereira de Sampaio de 12 de janeiro de 1740. In: ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.542. 35 [...]”.117 Verney venceria a disputa com Almada e a sua benesse viria com a Bula de concessão do Arcediagado de Évora, em 1741, o que lhe permitiu recursos para se manter na capital da igreja durante a maior parte de sua vida. Após chegar à Itália, inscreveu-se primeiramente em Direito na Universidade de Roma, e depois passou a cursar Teologia, terminando o curso em 1741, mesmo ano em que receberia a benesse do arcediagado de Évora.118 Se concordarmos com as informações de Banha de Andrade, Verney exagerou na forma como descreveu o caráter moderno do ambiente acadêmico italiano, pois a orientação do curso de teologia na Universidade de Roma não diferia muito do de Coimbra e de Évora, e as mudanças importantes só ocorreriam mais tarde, principalmente no curso de Filosofia, com a criação de gabinetes de ciências e o fim da cátedra das Decretais por Bento XIV. Em 1746 inicia-se um período importante da vida de Verney, primeiramente com a publicação do seu polêmico Verdadeiro Método de Estudar, depois com a publicação de uma série de compêndios em latim: De Ortographia latina (1747), De Re Logica (1751) e Apparatus ad philosophiam et theologiam (1751) e o De Re Metafísica (1753). Nas cartas escritas neste período, Verney apontava que o ambiente intelectual italiano era mais iluminado, e que Portugal estava atrasado em relação às novidades no campo das ciências e da filosofia. Argumentava que filósofos como Grócio, Pufendorf, Wolff, não eram citados pelos portugueses e que as disciplinas de Ética e Direito Natural não eram ensinadas em Portugal. Segundo ele “estas duas ciências” eram ministradas com muita atenção nas Universidades Italianas.119 Verney defendia a necessidade de se promover a circulação de livros em Portugal argumentando que na capital da igreja o acesso às novas publicações no campo da ciência e da filosofia era facilitado. Chamava atenção para o fato de que estar em Roma naquela ocasião (janeiro de 1753) lhe proporcionava uma condição intelectual privilegiada. Fazendo um diagnóstico da cultura portuguesa, fez as seguintes afirmações: 117 Carta do P. Carbone a Pereira de Sampaio de 12 de janeiro de 1740. In: ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo, op. cit., p. 542. 118 Ibid., p.97. 119 Carta escrita de Roma, 1 janeiro de 1753. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas. Lisboa: Edições Silabo, Ltda, 2008, p. 48. 36 Mas primeiro deves-me conceder três coisas sem as quais não é possível que argumentemos com efeito e bom sucesso e sem dúvidas. 1. Que eu tenho muito mais notícias de livros e dos melhores autores do que tu tens, e talvez nenhum lá tenha. 2.Que ninguém pode julgar se os autores de uma são bons ou não sem conhecer perfeitamente o que fazem os autores das outras nações cultas porque da comparação de uns com outros é que se deve inferir se fazem bem ou mal. 3. Que os estudos de Belas Letras e Ciências florescem em grau perfeito nas nações estrangeiras, em proporção reservada, quero dizer, uns mais em umas regiões que outras. Se me negas estas três proposições, não estas capaz de argumentar comigo nestes pontos. Se concedes, facilmente te convencerei.120 Conforme podemos observar a partir do trecho acima, para Verney, seu interlocutor, estando em Portugal, encontrava-se em uma posição de inferioridade, tendo em vista que o autor sugere que o ambiente intelectual português era mais fechado às novidades.121 Entre os “melhores autores” citados por ele poderíamos destacar Newton, considerado por ele o filósofo mais importante de sua época. Segundo aponta Franco Venturi, no inicio do século XVIII, devido à variedade de suas formas políticas, a península itálica era uma espécie de “microcosmo de toda a Europa” com suas monarquias, vice-reinos, ducados e repúblicas, sem contar a teocracia papal.122 A difícil manutenção da independência das repúblicas da península itálica se dava pelo fato de faltar um centro de poder, uma política econômica a qual pudesse ir além dos interesses dos grupos familiares.123 E de acordo com Perry Anderson, a riqueza e a vitalidade das cidades da península Itálica, devido ao capital mercantil, impediu o surgimento de um Estado feudal unificado.124 As repúblicas italianas tinham sobrevivido às margens dos estados modernos em formação, sua natureza social era aristocrática e patrícia, burguesa e municipal, assemelhando-se justamente àquelas estruturas que as monarquias estavam por então tentando controlar e submeter.125 Por isso, ideias que visavam ampliar a liberdade política e de pensamento perante os poderes da igreja e do estado eram mais toleradas e muitas vezes ganhavam proteção. Isto pode explicar o fato de 120 Carta escrita de Roma, 1 janeiro de 1753. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.46. 121 Não se sabe quem era o destinatário desta carta. Esta questão será abordada mais adiante. 122 VENTURI, Franco. Utopia e Reforma no Iluminismo, op. cit., p.55-56. 123 Ibid., p.88. 124 ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 143. 125 ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista, op. cit., p.58. 37 Verney ter mandado imprimir a primeira edição do Verdadeiro Método de Estudar em Nápoles. De acordo com Banha de Andrade, além de evitar problemas com os jesuítas romanos, Verney dirigiu-se a Nápoles porque neste Reino os jesuítas sofriam perseguição da autoridade régia.126 Verney trocou cartas com iluministas italianos como Ludovico Antonio Muratori127 e Antonio Genovesi.128 Afirmava que na Itália se ensinava publicamente a filosofia moderna e que mesmo dominicanos e jesuítas, os defensores do antigo método, começaram admitir a nova filosofia não só na França, mas também em Roma, no centro da igreja católica.129 Entretanto, ao analisar a difusão das ideias de Newton na Europa, Paolo Casini pondera que, embora elas fossem admitidas por alguns jesuítas italianos, a autoridade da igreja não permitia que defendessem abertamente as teses de Copérnico e de Newton. Em Roma, o ensino de astronomia ficava encoberto por “embaraçantes sofismas”, e para contornar a censura, alguns padres jesuítas utilizavam de “elucubrações epistemológicas” e “acrobacias conceituais”.130 Isto pode indicar que os indivíduos (padres jesuítas) adotavam os modernos, mas a instituição (a Ordem), não. O campo de circulação de ideias se tornava cada vez mais intenso no século XVIII, seja através da publicação de livros, periódicos, correspondências, das narrativas literárias, seja na institucionalização de comunidades de cientistas como a Royal Society, que tinha muito prestígio em toda a Europa, onde Newton exerceu o cargo de presidente de 1703 a 1727. Havia diferenças entre o ambiente acadêmico das universidades e dos demais círculos sociais, como das academias, dos salões e dos cafés. Newton chegou a ser uma moda em alguns reinos italianos. De acordo com Antonio Genovesi, Newton foi uma moda nos salões, citá-lo era uma forma de 126 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo. op. cit., p.172. Muratori (1672 - 1750) é considerado um dos mais importantes representantes do iluminismo italiano, estabeleceu contato com importantes pensadores de sua época, se correspondeu com pensadores importantes como Jean Mabillon (1632-1707) e com Leibniz, com quem chegou a trocar 71 cartas Cf. MORAIS, Regina Célia de Melo. L. A. Muratori e o cristianismo feliz na missão do Paraguay. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2006, p.33. Muratori foi um pensador prolífico, publicou uma vasta obra sobre Direito e Teologia, foi arquivista e bibliotecário em Modena a serviço do Duque Rinaldo I d´Este. Ibid, p.18. 128 Genovesi manteve estreito contato com Gian Battista Vico, adaptou o newtonianismo a uma visão católica, tornando-se professor da primeira cátedra de economia política da Europa. A sua obra A Instituição da Lógica (1746) foi selecionada pelos reformistas da Universidade de Coimbra para compor a bibliografia básica do recém-criado curso de Filosofia. Cf. OLIVEIRA, Aline Brito. Antônio Genovesi na bibliografia oficial do marquês de pombal. Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006. 129 VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume III, op. cit., p.35 e 36. 130 CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Europeia. São Paulo: Unesp, 1995, p.154. 127 38 ganhar prestígio, por isso reclamava da “grande multidão da Itália, que quer parecer newtoniana”.131 Acusava-os de se proclamarem adeptos da filosofia de Newton, porém sem o compreendê-lo. A síntese newtoniana representou uma experiência intelectual decisiva aos homens cultos do século XVIII. Voltaire, por exemplo, é considerado o grande divulgador de Newton na França; publicou Éléments de la philosophie de Newton (1738), considerado por muitos como um dos melhores manuais de divulgação disponível da Europa setecentista.132 A forma contundente com que Newton explicou uma série de fenômenos naturais, como o estudo das cores, a explicação físicomatemática do arco-íris, da aurora boreal, e sobretudo da gravidade, alimentou a produção de diversos poemas e textos em prosa, como a Farbenlehre de Goethe. Pela sua neutralidade ideológica - o deísmo de Newton133 - a adesão ao paradigma newtoniano foi assumida por alguns católicos esclarecidos sem suscitar grandes movimentos de opinião; como se tivesse sido imposto pela “força da verdade”.134 Verney elogiava a mente brilhante de Newton: Aristóteles e Descartes não passavam de copistas e imitadores dos filósofos que os precederam, e, quando filosofam, ou se enganam ou fazem suposições que jamais demonstram. Pelo contrário, o Cavaleiro Newton nada disse que não seja original e nada expôs que não tenha rigorosamente demonstrado e que não possa demonstrar quando quiser.135 A difusão do newtonianismo na Itália ocorreu também por meio de obras de pendor literário, cujo caráter pedagógico apresentava consistência de autênticos tratados sobre a física newtoniana. Publicavam-se poemas que enalteciam as explicações sobre a luz e os movimentos dos corpos. O professor Carlo Noceti, por exemplo, publicou De Iride, De Aurora boreali, e os cinco Diálogos sobre a aurora boreal publicados em 1748 no Giornale de´Letterati.136 131 Genovesi Apud Casini. Extraído de uma carta escrita de Nápoles a Antonio Conti datada de 3 de março de 1746. Cf. CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Europeia, op. cit., p.187. Antonio Conti foi admitido como membro da Royal Society e conviveu no círculo de amigos de Newton. 132 Ibid., p.100. 133 Newton nunca duvidou da existência de Deus. 134 Cf. CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Europeia, op. cit., p. 180. 135 Ibid., p. 189. 136 Ibid., p. 157. 39 Para Verney, o método de Newton é superior ao de Descartes, e de acordo com ele a filosofia de Newton vinha sendo adotada pelos doutos e pelos que eram considerados entendidos: “hoje o método de Cartésio quase não tem sequazes”.137 As ideias de Newton também circularam por meio de poemas que enalteciam as novas descobertas da ciência. Havia uma curiosidade em torno das experiências científicas que costumavam ser realizadas publicamente. Nas Academias de Ciência havia um senso de cosmopolitismo onde se debatia sobre as novas teorias e propostas de explicação sobre os fenômenos naturais. Além de servirem para atender a uma demanda de curiosos, os poemas e folhetos de divulgação do newtonianismo serviam a uma renovação consentida pela Ratio Studiorum visando “acrescentar às tradicionais leituras dos poetas latinos novos textos de conteúdo científico, capazes de estimular nos estudantes das classes de “retórica” e de “humanidades” novos interesses pela astronomia óptica e matemática”.138 A divulgação da ciência por meio de modalidades de escrita tradicionais como os poemas, refletia talvez a necessidade dos colégios atraírem os jovens estudantes, que muito provavelmente vinham estabelecendo contato com o newtonianismo. Diversos exemplares da primeira edição dos Principia Matemática (1687) de Newton poderiam ser encontrados nas bibliotecas de Roma, Florença, Pisa, Nápoles, Parma, Veneza, Milão, Módena.139 Francesco Bianchini (1662-1729), na condição de secretário para a reforma do calendário juliano na corte papal presidida pelo Cardeal Noris, visitou Newton pessoalmente quando este era presidente da Royal Society em janeiro de 1713, e na ocasião comunicou que repetira com sucesso as experiências com o prisma.140 Neste contexto destaca-se a originalidade das obras do jesuíta italiano Ruggero Boscovich, que mesmo sem comprovação empírica, demonstrou grande originalidade nas suas tentativas de avançar em algumas hipóteses lançadas por Newton.141 Entretanto, Boscovich foi perseguido por defender teses muito ousadas e obrigado a abandonar o Colégio Romano e a própria cidade para se dedicar à diplomacia dentro da ordem dos jesuítas.142 Carlo Benvenuti, que o sucedeu na 137 VM , Volume III, p. 201. CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Europeia, op. cit., p. 157. 139 Ibid., p. 182. 140 Ibid., p. 182-185. 141 Ibid., p. 168. 142 Ibid., p. 176 138 40 cátedra do Colégio Romano, também teve que abandoná-la para ensinar liturgia.143 Em 1739 foi condenado pelo Index o livro Newtonianismo para as damas, de Francesco Algaroti (Il newtonianismo per le Dame, owero Dialoghi sopra la luce e i colori), Nápoles, 1737.144 Algaroti teve que introduzir nela uma série de modificações, inclusive negar a hipótese copernicana, para poder republicar o livro com o novo título de Diálogos sobre a óptica newtoniana.145 Levando em conta alguns dados sobre o contexto intelectual italiano, é provável que a adesão de Verney ao newtonianismo esteja associada à forma como esta corrente filosófica se difundiu na Itália. 1.2.1 Caindo em desgraça: Verney e os deveres do príncipe Em fim Deus não quis que eu iluminasse a nossa nação e eu me conformo com a sua vontade.146 Luiz António Verney Verney, ao escrever o Verdadeiro Método de Estudar em 1746, talvez tenha exagerado o atraso português como uma estratégia para valorizar sua posição, visando receber a graça e mercê régios para justamente sustentar seu privilégio como um importante interlocutor português inserido no ambiente intelectual italiano. O mesmo desdém com que tratou a obra do oratoriano João Batista pode ser percebido no caso das obras do jesuíta português Inácio Monteiro, apontado por Silva Dias como o “jesuíta português mais lúcido e ilustrado do século XVIII”.147 Inácio Monteiro, após a expulsão dos jesuítas de Portugal, passou a viver em Ferrara. Na sua trajetória intelectual também combateu a filosofia escolástica e publicou uma obra sobre física (Philosofia Libera seu Ecletica) em sete tomos em 1766, que adotavas princípios filosóficos muito semelhantes aos adotados no 143 Ibid., p. 175 Em Edital datado de 1739 do papa Clemente XII. Cf. ANDRADE, António Alberto de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p.150. Ver também: CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Europeia, op. cit., p. 221. 145 CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Europeia. São Paulo: Unesp, 1995, p. 222 146 Carta de Roma, fevereiro de 1786, ao P. Joaquim de Foyos, da Congregação do Oratório. In: MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney, op. cit., p.148. 147 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.250. 144 41 Verdadeiro Método de Estudar.148 Verney negou qualquer valor na obra de Inácio Monteiro e foi muito severo na sua crítica: “O autor é um escolástico que começa a balbuciar nas coisas modernas e mostra em tudo ser um jesuíta português”. 149 Nem os jesuítas, nem os oratorianos escaparam à forma irônica com que Verney atacou os intelectuais portugueses. Certamente as questões políticas influenciaram no seu posicionamento, que talvez tenham o impedido de fazer uma avaliação mais positiva das ideias destes intelectuais portugueses. No caso de Inácio Monteiro, Verney reclamava da demora em receber o dinheiro para a publicação de sua Física, e queixava: “ele já tem impressos todos os seus sete volumes, no presente ano, e eu ainda não sei quando poderei imprimir os meus”. 150 Conforme aponta Calafate, Verney procurou seguir o grupo cultural de Pombal. Entretanto, mais tarde, conforme veremos na próxima seção, também seria afastado por razões políticas. Não há documentos que possam comprovar se Verney recebeu os recursos para o pagamento das impressões do Verdadeiro Método de Estudar. Sabe-se que recebeu os recursos necessários para a impressão do De Re Logica e De Re Metaphysica, obras que dedicou ao Rei.151 Mas conforme sabiamente assinalou António Salgado Jr, é justamente um ano após a publicação do Verdadeiro Método de Estudar que as coisas parecem melhorar para Verney. A partir daí, inicia-se o período mais prolífico de sua vida como escritor. Em 1747 publica o De ortographia latina e reimprimi o Verdadeiro Método de Estudar. Mais tarde, já no reinado de D. José, publicou em 1751 o De Re Logica e o Apparatus ad philosophiam et theologiam, e em 1753 o De Re Metaphysica. A dedicatória a D. José, que escreveu no De Re Metaphysica inicia-se da seguinte maneira: “O estudo da metafísica, Rei Excelente, José, não é penoso, sendo até muito digno de quem se dedique à chefia do Estado”152. Ao longo da 148 Pedro Calafate não vê grandes diferenças entre Verney e Inácio Monteiro, apontando influências comuns entre os dois pensadores, particularmente Locke. Cf. CALAFATE, Pedro (dir). História do Pensamento Filosófico Português, op. cit., p.183-184. 149 Carta escrita de Livorno, 29 de outubro de 1766). In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 202. 150 Carta escrita de Livorno, 29 de outubro de 1766). In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 206. 151 Cf. “Biografia breve de Luís António Verney”, que se encontra no prefácio do segundo volume da edição do Verdadeiro Método de Estudar organizada por António Salgado Júnior, edição que foi utilizada como referência nesta tese. Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume II. op. cit., p.XXV. 152 VERNEY, Luís António. Metafísica. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008, p.26. 42 dedicatória, Verney apresenta uma série de argumentos para provar que a Metafísica era uma disciplina muito importante para a “ciência da administração do estado”, e de forma categórica, afirmava: “declaro ser necessária para os verdadeiros políticos que desejam sobretudo a felicidade dos súditos nos seus reinos”.153 Na dedicatória de seu manual sobre física Verney chamava a atenção para a importância desta disciplina na administração do reino: Todas as artes e disciplinas, JOSÉ I, Rei Potentíssimo, sobre as quais se assentam a conservação e a felicidade de uma Nação, encontram-se coligadas por admirável enlace; isto é o que a Física, mais do que qualquer outra disciplina, cabalmente demonstra. Pois duas são as fontes de que depende a felicidade de toda Nação: a Conservação dos Cidadãos e a Tranqüilidade da Nação. A primeira abrange a Agricultura, as Artes Liberais e o Comércio; e a segunda encerra em si outras partes. Mas em cada uma delas é notável a utilidade das Instituições de Física, ora porque subministram o necessário e o satisfatório a todos os homens, ora porque são por estes utilizadas em maior proveito da Sociedade Civil. 154 De fato, as novas descobertas científicas se tornavam cada vez mais necessárias para a construção das fortificações, embarcações e armas militares. Assim, Verney procurava valorizar a importância de seu manual de física neste contexto. De certa forma, colocava-se como o elo de ligação entre Portugal e “nações mais cultas” da Europa e buscava reconhecimento por seu empenho em escrever manuais atualizados com o que havia de mais moderno no campo da filosofia. Antes de imprimir seu manual de física, Verney havia se empenhado em sua campanha para receber os fundos para a impressão de sua Física e reclamava não receber resposta de Sebastião de Carvalho e Melo Pombal: “Se eu fosse rico não o teria pedido, mas faria ponto de honra em consagrar o meu ao bem público, como lhe consagrei fadigas, saúde e tudo”.155 Demonstrava-se orgulhoso de seus trabalhos; sobre o seu manual de gramática, por exemplo, considerava que tinha 153 Ibid., p.32. Dedicatória escrita de Pisa, 13 de janeiro de 1765. Cf. LOPES, Frederico José Andries. O prefácio do livro De Re Physica de Luís António Verney. Revista Brasileira de História da Matemática - Vol. 10 no 19 (abril/2010-setembro/2010), p.69. 155 Carta enviada de Pisa em 28 de maio de 1766. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.183. 154 43 tudo o necessário para a gramática e a latinidade, “o que não se encontra em nenhum outro”.156 Aproximadamente um ano após escrever a dedicatória a D. José, ainda não havia recebido os recursos para a publicação do De Re Physica (Física). Em uma de suas cartas comenta que já havia escrito ao Conde de Oeiras, futuro Marques de Pombal, para lembrá-lo de que o Rei havia prometido pagar a impressão de todas as suas obras. Até então já havia recebido os recursos para a impressão do Apparatus ad Philosophiam et Theologiam, De Re Logica e De Re Metaphysica157, e solicitava agora verificar a ordem para pagar a Física. Na carta, Verney se queixava por ainda não ter recebido uma resposta do ministro: O senhor Conde, em seguida, teve a honra de ter reformado o reino, não pode ver com olhos indiferentes um súdito de quem as obras são apreciadas pelas nações estrangeiras e louvado nos seus jornais preferidos em muitas escolas àquelas dos seus nacionais. O que é glória do nosso reino e gloria do próprio senhor Conde, sob quem estas coisas se publicam.158 Conforme assinalou António Salgado Júnior, nas correspondências que vão de 17 de julho de 1765 a 29 de setembro de 1766, Verney parece “esquecer que era um pedagogo” e passa a exercer sua vocação política.159 Desde 1760 estavam rompidas as relações diplomáticas entre Portugal e os estados pontifícios. O rompimento com Roma se deu devido a uma disputa sobre uma dispensa papal para o casamento de Dona Maria, princesa do Brasil com seu tio Don Pedro, irmão do Rei. Diante da demora de Roma e do que se considerava um insulto à dignidade do monarca português, o núncio papal foi expulso de Portugal em 15 de junho de 1760.160 O rompimento entre Lisboa e o Vaticano durou nove anos. Neste contexto, 156 Carta enviada de Pisa em 28 de maio de 1766. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.184. 157 Trata-se de uma obra escrita por Verney em Latim. A obra teve um parecer favorável do Fr. Joannes De Luca Venetus. Há uma dedicatória ao Rei José I. Na autoria da obra aparece o nome de Verney em latim: Aloysius Antonius Verneius Verney. A obra se propõe a apresentar a melhor forma de se fazer filosofia (disputar) para que os adolescentes portugueses pudessem usá-la com facilidade, como “um aparato”. Esta obra ainda não foi traduzida para o português. 158 Carta enviada de Pisa em 28 de maio de 1766. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 184. 159 Cf. “Biografia breve de Luís António Verney”, que se encontra no prefácio do segundo volume da edição do Verdadeiro Método de Estudar organizada por António Salgado Júnior, edição que foi utilizada como referência nesta tese. Cf. VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Volume II, op. cit., p.XXXII. 160 Cf. MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo, op. cit., p.99. 44 Pombal desempenhava uma política externa visando combater a presença da Companhia de Jesus em toda a Europa . A extinção da ordem dos jesuítas dos estados pontifícios pelo papa Clemente XIII ocorreu em 1773. Após o corte das relações diplomáticas, os súditos portugueses tiveram que sair de Roma; assim, Verney acabou indo para Pisa, e mais tarde passaria por outras cidades italianas. É deste período a maior parte das cartas que foram traduzidas por Manuel Curado e Ana Lúcia escritas da Itália. Não sabemos exatamente a quem foram endereçadas, provavelmente para uma pessoa que ocupava um lugar de influência, conforme é indicado em alguns trechos, alguém que poderia interceder a seu favor perante Pombal. Para Luís Cabral de Moncada o destinatário das cartas seria Francisco de Almada e Mendonça, ministro do estado português em Roma 161. Já para Banha de Andrade trata-se de Ayres de Sá e Melo, secretário dos negócios estrangeiros.162 Como os manuscritos não revelam o destinatário e tendo em vista que apenas uma das cartas está autografada por Verney para Manuel Curado e Ana Lúcia Curado, a questão do destinatário continua sem resposta.163 Nas cartas escritas neste período, Verney fazia um elogio aos monarcas empenhados em promover o “bem público” e “reformar as desordens”, e que apoiavam seus governos no conselho de filósofos164. O czar Pedro I, por exemplo, tomou medidas e pode vê-las realizadas apoiando-se em pessoas de sua confiança “sem ter a vaidade de querer ser o inventor delas”, e ensinou aos monarcas modernos a servirem-se não daqueles homens de “mérito metafísico”, mas de “homens capazes”, “do mérito físico e real”.165 Verney se colocava como “alguém capaz” para o aconselhamento do rei português. Citava exemplos de outros soberanos como Catarina II da Prússia, e Carlos I da Espanha e chamava a atenção para a importância do papel dos filósofos nestes governos, “daqueles grandes homens, que só eles podiam abrir os olhos aos seus nacionais e introduzir, com o bom gosto da ciência, o recto pensar, sem o qual na política, nem em nenhuma outra matéria, se faz alguma coisa boa”. 166 161 MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney, op. cit., p.17. 162 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura de seu tempo. op. cit., p. 648. 163 VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 12. 164 Cartas de Pisa, 17 de julho de 1765 e carta de Livorno 1765. Ibid., p.83, 101. 165 Cartas de Pisa, 17 de julho de 1765 e carta de Livorno 1765. Ibid., p. 83, 101. 166 Carta escrita de Pisa, 17 de Julho de 1765. Ibid., p. 80. 45 Para Verney os príncipes já não eram mais “senhores dos dinheiros públicos, mas meros administradores, unicamente para vantagem dos povos”. 167 Uma das obrigações dos governantes, de acordo com ele, era prover os “meios necessários” para que os filósofos pudessem iluminar seus governos, dentre eles “a quietude”, “o ter suficiente dinheiro na mão, para livros”, “para comer, vestir, habitar”, e que “todas estas coisas não se fazem com esperanças, nem com meras honras, mas com dinheiros reais, e muitos”.168 Em tom satírico, expôs a questão de forma bastante realista: É coisa risível o ouvir dizer a certos falsos políticos que se deve servir a pátria e o soberano por mera honra. Nunca vi nenhum rei, nem primeiro-ministro, nem secretário de estado, etc.,etc., contentarse com a honra, mas todos querem os seus tostões, e muitos, para manter o decoro, donde todos eles se contradizem na prática.169 Comentando sobre o contexto político de Portugal da época fazia críticas à forma como o reino vinha sendo administrado: “Vejo ai grandes prejuízos, grandes prevenções, grandes paixões, etc.,”.170 Em um ambiente onde as intrigas eram recorrentes e os indivíduos subiam e desciam de acordo com a lógica dos afetos, Verney talvez tenha faltado com decoro na forma como criticou nas cartas a ação de Carvalho e Melo, chegando a apontar para a “idade avançada do ministro”. 171 Em outra carta escrita a Carvalho e Melo, elogiava a disposição do Conde em receber novas ideias, e com cordialidade e respeito, colocava-se como alguém capaz de servir às necessidades do reino: Se todos os que recorrerem a V. Ex.a com alguma ideia para o bem público, de qualquer Nação que sejam, são bem recebidos, e grandiozamente remunerados, como é fama pública por toda a Europa; com razão eu, que sendo súdito do Rei Fidelíssimo, tive a honra da licença de lhe dedicar todas as minhas obras, de que já lhe presenteei parte, e experimentei os efeitos da beneficência Real; e tudo com a aprovação de V. E., me animo a lhe ir falar em um negócio, que para mim é grande, e para um tão grande Ministro 167 Carta escrita de Pisa, 17 de Julho de 1765. Ibid., p. 82. Carta escrita de Pisa, 17 de Julho de 1765. Ibid., p. 81. 169 Carta escrita de Pisa, 17 de Julho de 1765. Ibid., p. 81. 170 Carta escrita em 24 de fevereiro de 1766, sem indicação do local. Ibid., p. 147. 171 Carta escrita de Livorno, 25 de dezembro de 1765. Ibid., p.128. 168 46 como V. E., é a mínima coisa, que pode conceder a sua equidade, e generosidade. 172 O negócio a que Verney se refere era sobre a impressão da sua Física, assunto ao qual parece ter se ocupado bastante. Verney explicava que imprimiu a Gramática por iniciativa própria e que por medo da perseguição dos jesuítas a publicou anônima. Informava sobre sua vontade de publicar a Física, obra em quatro tomos, mas que não tinha dinheiro suficiente para imprimi-las. Implorava o patrocínio do Conde de Oeiras enaltecendo sua grandeza e sua “mente ornada nas mais sólidas ideias da verdadeira filosofia”.173 Procurava reforçar as intenções que embasavam as suas solicitações ao ministro: “Sei muito bem que V.E não necessita de meus conselhos, e projetos: mas ao menos ve nisto meu animo patriótico, e a lizura com que le falo”.174 Sem ainda receber o que havia solicitado, dois anos mais tarde, escreveu novamente a Carvalho e Melo, argumentando que havia recebido a promessa de receber todos os recursos para mandar imprimir seus escritos do Rei, mas que infelizmente a documentação comprobatória teria se perdido no terremoto de 1755.175 Em 1768, Verney seria nomeado secretário de Legação na corte romana, e sua função era auxiliar o ministro plenipotenciário, Francisco de Almada e Mendonça, primo de Pombal. Neste contexto, Verney e Almada - que conforme já apontamos, haviam disputado a mercê do Arcediagado de Évora - passaram a dividir a mesma residência, e devido a uma série de desentendimentos, tornaram-se inimigos. O fato de Verney ter se tornado um desafeto de Almada contribuiu para a sua desgraça. Nas correspondências entre Francisco de Almada e Mendonça e Sebastião Carvalho de Melo, é possível perceber toda a rede de intrigas nas quais Verney estava envolvido. Desde 1756, Sebastião Carvalho de Melo ocupava o cargo de Secretário de Estado dos Negócios do Reino. Havia ganhado a confiança do Rei principalmente pela forma como atuou na reconstrução de Lisboa, depois que a cidade foi destruída pelo terremoto de 1755. Em correspondência oficial do ministro Almada de 172 Carta escrita ao Conde de Oeiras de Pisa, 28 de maio de 1766. In: ANDRADE, António Alberto de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p. 621. 173 Carta escrita ao Conde de Oeiras de Pisa, 28 de maio de 1766. Ibid., p.623 174 Carta escrita a Conde de Oeiras de Pisa, 28 de maio de 1766. Ibid., p.623. 175 Carta escrita por Verney de julho de 1768, Siena, ao Conde de Oeiras. Ibid., p.625. 47 Mendonça com o Marques de Pombal, escrita de Roma em agosto de 1757, Almada considerava ilegítimas algumas solicitações de Verney por não possuir as “circunstâncias de merecimento” para a graça a qual reclamava, e o mesmo também deveria ser considerado para a mercê que já havia recebido (Arcediago de Évora), pois afirmava que Verney “se preza mais de ser Frances do que ser Nacional”.176 Almada escrevia a Pombal argumentando que Verney era totalmente inútil ao serviço de Sua Majestade e solicitava se livrar deste sujeito “desnecessário e pernicioso”. Em carta de 14 de agosto de 1770, de forma irônica e mais incisiva, cobrava uma promessa que teria sido feita por Pombal na resolução do problema que o incomodava: “Eu já tenho pedido a V. Ex. a que de a este grande letrado, e refinado Francês o premio que merece, e espero que o faça com brevidade [...]”.177 Quando procurou o impressor italiano Salomoni para a impressão da Física, Verney também havia contrariado a vontade de Almada, que tinha preferência por Pagliarini, impressor que era seu amigo.178 Por isso seria acusado de contratar os serviços de um impressor que costumava atender aos trabalhos dos jesuítas e de desprezar os impressores fiéis às orientações políticas de Portugal. Depois de imprimir seu compêndio de física (De Re Physica ad usum Lusitanorum Adolescentium) não publicou mais nenhuma obra.179 Imprimi então com meu dinheiro a Física, que me custou muito sem utilidade, porque as esperanças, que me deram de se introduzir nas escolas se desvaneceram. Mandei-a apresentar ao Rei pelo Pombal, mas nunca tive resposta. E assentei comigo de não imprimir mais coisa alguma, porque os tempos eram infelizes, e os meninos não eram para graças.180 As súplicas de Almada ao seu primo e ministro não tardariam: a punição de Verney viria no dia 7 de junho de 1770, sendo expulso de Roma por ordem da corte portuguesa, passando a viver na Toscana.181 Segundo a versão de Verney, ele foi acusado pelo ministro Almada por praticar espionagem a favor dos jesuítas, o que o 176 Cf. Correspondência oficial do ministro Almada de Mendonça com o Marques de Pombal escrita de Roma de agosto de 1757. Ibid., p. 564. 177 Excerto de uma carta de Almada para Pombal de Roma, 14 de agosto de 1770. Ibid., p. 638. 178 Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo. op. cit., p. 409-410. 179 Ibid., p. 409-410. 180 Carta ao Padre Joaquim de Foyos. In: MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney, op. cit., p.147. 181 ANDRADE, António Alberto de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p. 409-426. 48 teria levado a cair em desgraça perante Pombal, sofrendo retaliações e “ingratidão”.182 Logo eu previ os desgostos, e desgraças, que me podiam suceder. Porque o Almada era meu antigo inimigo por causa de certos Benefícios, não sabia escrever o seu nome, era soberbo, invejoso, e muito mau, e fiava-se no parentesco do Marquês, o qual defendia sempre todos os despropósitos do Almada. Com tudo isto aceitei o cargo, e me recomendei à Providência.183 Nos despachos da Ordem de Expulsão, Almada relata que foi comunicado ao Rei “a soberba, a petulância, o incorrigível espírito de orgulho, e intriga, e a infidelidade com que Luís António Verney se fez indigno, não só do Real Serviço do mesmo Senhor, mas até da denominação de português”.184 Os relatórios informavam que Verney tinha um temperamento marcado por uma “vaidade desmedida”. No inventário dos papéis que se encontravam no seu quarto foram encontradas correspondências entre Verney e Ayres de Sá de Mello.185 O relator que fez a análise dos papeis faz uma comparação do caráter de cada um dos correspondentes: Este fidalgo mostra conhecer bem que uma teoria não basta para a felicidade das resoluções, e que é necessário saber combinar as regras que se aprendem com as circunstâncias que ocorrem: não se ve este caráter nos escritos de Verney: mas esta é a diferença de quem estuda para ser útil e de quem por ostentação escreve.186 Ayres de Sá é descrito como um fidalgo que escreve para ser útil ao reino, ao passo que Verney é avaliado como alguém que escrevia apenas por vaidade e para promover a si mesmo. Após os anos de exílio, Verney procurou recuperar a sua honra no reinado da rainha D. Maria I. De acordo com seu processo de reabilitação, 182 Cf. Biografia de Verney, escrita por António Salgado Junior. In: VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar, op. cit., p. XL-XLI. 183 Carta ao Padre Joaquim de Foyos. In: MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney. op. cit., p.147. 184 Oficio de Ordem de Expulsão, 8 de maio de 1771. In: ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo. op. cit., p. 642-643. 185 Aires de Sá e Melo ocupou o posto de Secretário de Estado Adjunto do Reino tornando-se braço direito de Carvalho e Melo. Entre 1760 e 1764 substituiu José da Silva Pessanha na legação de Portugal em Nápoles e mais tarde se tornaria secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra de 1775 a 1786. Ibid., p. 498. 186 Inventário dos papeis de Verney que foram recolhidos na ocasião de sua expulsão. Ibid., p. 648. 49 fora solicitado a Ayres de Sá - que neste momento ocupava o cargo de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra - a emitir um relatório sobre o seu caso. Depois de avaliar o processo e os fatores que o teriam levado a cair em desgraça, Ayres de Sá relata que Verney se conduziu mal, “faltando as obrigações de seu emprego subalterno”, demonstrando vaidade de seu talento, mas que não mereceu o “vergonhoso tratamento” “e a injúria com que foi castigado”. 187 E segue dizendo que a honra de Verney deveria ser restituída, mas que não deveria ser empregado novamente por não ser capaz de subordinação.188 Verney ainda buscou receber benefícios no governo de D. Maria I; havia sido nomeado sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa, mas ainda se queixava do estado em que se encontrava: Despedido que foi o Pombal o novo Governo reconheceu, e publicou, a minha inocência, e me permitiu voltar para Roma. Deste modo ficou salva a minha honra, mas os gravíssimos prejuízos de todo gênero, que sofri, e sofro, nunca me salvaram. E causa admiração a todos os políticos iluminados, que no governo duma Rainha tão pia, tão prudente, tão benemérita, e servida por Ministros tão justos, iluminados, e grandiosos, eu me ache no deplorável estado, em que me vejo. 189 Quando escreveu esta carta ao Padre Joaquim de Foyos da Congregação do Oratório, a qual já foi mencionada no inicio deste capítulo, Verney procurava justificar o fato de que desde sua nomeação para a Academia não havia escrito nada. Reclamava de sua saúde debilitada - “as moléstias cresceram” – e por não ter recebido o apoio que achava ter merecido. Queixava-se de ter caindo em desgraça, vítima de perseguições.190 Mais tarde, em 1790, Verney seria eleito deputado honorário da Mesa de Consciência e Ordens191, função para a qual receberia quatrocentos e oitenta mil 187 Carta escrita por Ayres de Sá de Roma, 17 de junho de 1779. Ibid., p.652. Carta escrita por Ayres de Sá de Roma, 17 de junho de 1779. Ibid., p. 652. 189 Carta de Roma, fevereiro de 1786, ao P. Joaquim de Foyos, da Congregação do Oratório. (In) MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney. op. cit.,p.148 190 Ibid., p.148. Nesta carta, Verney ainda cita obras escritas por ele que se encontravam inacabadas, como a sua Teologia, da qual já estavam compostos seis tomos, mas que resolveu queimá-las. Outros textos, segundo ele, haviam se perdido ficando junto com os papéis confiscados pelo Almada, porém, comenta sobre outras obras, “que talvez sejam as melhores”, e que por ocasião de sua morte deixaria para algum amigo. Infelizmente, não se tem notícias sobre estas obras citadas por Verney. 191 Mesa de Consciência e Ordens ou Real Mesa Censória foi criada por Pombal em 1768 para a fiscalização e censura do impresso. A criação deste órgão representa a grosso modo uma 188 50 reis pagos anualmente.192 Dois anos após esta nomeação, morre no dia 20 de março de 1792. No final de sua vida, quando se dirigiu ao Notário para ditar o testamento em 18 de agosto de 1791, além do seu mal estado de saúde, reclamava da situação de pobreza e abandono de seus familiares. 1.2.2 Considerações sobre Verney Em uma sociedade regida pela lógica dos afetos e das relações de amizade, muitos eram injustiçados e caiam em desgraça. O mérito muitas vezes perdia a sua importância perante o lugar social ocupado pelos indivíduos. Ser bem relacionado e possuir laços de parentesco com alguém poderoso, muitas vezes tornava-se elemento decisivo para o êxito ou fracasso pessoal.193 Para ser bem sucedido no “jogo da corte”, era importante ter habilidade política, saber administrar o orgulho e ter “honra”.194 Analisando a questão da “desgraça” apontada por Verney quando avalia sua trajetória, há algumas hipóteses. À luz do contexto no qual estava inserido, ele poderia ter caído em desgraça pela sua falta de habilidade política, por seu excesso de orgulho - conforme afirmou Ayres de Sá -, ou, quem sabe, por inveja de seus adversários. Mas convém pensarmos sobre que “desgraça” ele estava se referindo. Pois, olhando por outro ponto de vista, e diante do que foi apresentado, Verney não foi tão mal sucedido assim, pois recebeu benefícios e conseguiu publicar parte de suas obras. Mas enfim, quem era Verney? Na tentativa de responder a esta difícil pergunta, e sem negar o caráter crítico de seu pensamento, o trecho abaixo é bastante interessante para situarmos Verney no contexto das luzes: “estatização” da Inquisição, o estado se apropria das atribuições da censura, que antes eram praticamente monopolizadas pela Igreja. 192 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a Cultura de seu tempo. op. cit., p. 662. 193 Cf. OLIVEIRA, Ricardo de. Amor, amizade e valimento na linguagem cortesã do Antigo Regime. Tempo, V11, n 21- 08, p. 97-120. 194 A honra, entendida aqui, como um valor social importante na sociedade do século XVIII. Um indivíduo para ter honra deveria seguir determinadas regras de conduta, deveria, por exemplo, saber representar o valor moral do outro: sua virtude, seu prestígio, seu status e, assim, seu direito à precedência. O desconhecimento das regras e das condutas ou a falta de sua observância poderiam levar um indivíduo a um estado de exclusão social.Sobre a questão da honra ver. PITT-RIVERS, Julian. A doença da honra. In: GAUTHERON, Marie (org.). A honra: imagem de si ou dom de si – um ideal equívoco. Porto Alegre: LP&M, 1992. 51 Observou-se que os diabos têm grande medo dos países em que se sabe bem filosofia, medicina, lei e teologia, porque nunca se arriscam em tais lugares em fazer pacto com nenhum homem.195 Nesta passagem, Verney reforça a metáfora das Luzes contra a escuridão das trevas. Podemos concordar que Verney realmente acreditava na possibilidade de existir pacto do Diabo com os homens, mas também, por outro ponto de vista, poderíamos concordar que Verney estava reafirmando esta crença visando atingir um determinado objetivo. Por isso, quando se analisou as fontes tivemos a preocupação de analisar criticamente sobre como poderiam ser interpretadas as suas afirmações. Ele acreditava realmente nesta ideia a qual estava afirmando? O que pensava, o que estava fazendo Verney ao fazer esta afirmação? Tudo indica que estava servindo ao estado, reafirmando o que considerava uma crença útil e necessária, que deveria ser mantida e sustentada, assim como defendia a necessidade da Inquisição como uma arma para combater os jesuítas. Neste capítulo procuramos analisar como a trajetória de Verney está intimamente articulada à dinâmica das sociedades do antigo regime. Verney procurou sustentar sua posição com um português no estrangeiro capaz de servir à corte, mantendo Portugal atualizado sobre os conhecimentos mais importantes que circulavam entre as “nações cultas europeias”. Vimos como Verney solicitava apoio e patrocínio do Rei para a publicação de suas obras e, assim, exercer seus serviços de aconselhamento. No próximo capítulo analisaremos de que maneira alguns destes elementos poderão ser identificados no estilo de seus escritos e nas estratégias utilizadas na publicação de sua obra mais importante, o Verdadeiro Método de Estudar. 1.2.3 Cronologia 1713 Nascimento de Verney 1725 Conclusão dos estudos menores ? 1720-1727? Colégio de Santo Antão 1727-1730 Congregação do Oratório 195 Carta escrita de livorno, 25 de dezembro de 1765. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p. 106. 52 1730-1736 Colégio Madres de Deus – Universidade de Évora 1736 Saída para Roma 1741 Bula de concessão do Arcediago de Évora 1746 Publicação do Verdadeiro Método de Estudar 1747 De Orthographia Latina 1748-1750 Publicação das Respostas as Reflexões Apologéticas e Parecer do Dr. Philomuso Publicação da obra De Relogica e Apparatus ad philosophiam et theologiam De Re Metaphysica 1751 1753 1756 1759 Sebastião Carvalho de Melo passa a ocupar o cargo de Secretário de Estado dos Negócios do Reino Publicação do De Re Physica e publica anonimamente a Gramática Latina Sebastião de Carvalho e Melo recebe o título de Conde de Oeiras 1759 Expulsão da Companhia de Jesus 1760 1762 Quebra das relações diplomáticas entre Portugal e o Vaticano, os portugueses residentes em Roma são expulsos e Verney se instala em Pisa 3ª edição da De Re Logica 1765 2ª edição do De Re Metaphysica 1768 Nomeado secretário da Legação de Portugal em Roma 1769 As relações entre Portugal e o Vaticano são reatadas 1770 Sebastião de Carvalho e Melo recebe o título de Marquês de Pombal 1771 1772 Demissão do cargo de secretário da Legação e ordem de desterro para a Toscana, onde passa a residir em San Miniato Reforma da Universidade de Coimbra 1777 Morte de D. José e queda de Pombal 1780 Retorna a Roma e é nomeado sócio da Academia Real de Ciências de Lisboa Carta autobiográfica escrita de Roma ao Padre Foyos 1758 1786 1790 1792 Depois de ter permissão para retornar a Roma, em 1790 é nomeado deputado honorário da Mesa de Consciência e Ordens Morte de Verney 53 Figura 1 – Retrato de Luís António Verney Fonte: Portal Público http://goo.gl/nfrBri (acesso em 22/07/2015) 54 CAPÍTULO II – OS ELEMENTOS DO VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR Nada aponto que não visse executar a muitos rapazes; e posso afirmar a V.P que estes estudos não são dificultosos em si mesmo; o mau método os pinta dificultosos. Contudo, não obrigo; aponto somente a utilidade.196 No quadro mais amplo do pensamento filosófico do século XVIII, o Verdadeiro Método de Estudar pode ser considerado uma obra de vulgarização dos princípios elementares da chamada “filosofia moderna”. Aspecto, devemos ressaltar, que contrasta com o impacto causado no ambiente intelectual português de meados do setecentos. Muitos trabalhos acadêmicos analisaram as principais correntes filosóficas a que Verney adere, apontando para a forma como se apropriou das ideias de filósofos modernos como Descartes, Locke e Newton.197 Nesta tese procurou-se analisar como Verney, a partir de Roma, articulou estas ideias no final da primeira metade do século XVIII, visando propor uma reforma do sistema de ensino português, o que, conforme buscaremos analisar, implicava indiretamente em uma renovação cultural. O método proposto por Verney envolvia uma série de aspectos que vão além do seu significado epistemológico e pedagógico. Além de apontar o atraso do sistema educacional, Verney criticava os valores e costumes que estavam arraigados na cultura portuguesa desde o século XVI, com a entrada dos jesuítas em Portugal, pois de acordo com seu argumento, a partir desta época, Portugal havia entrado em estado de estagnação.198 A seguir serão apresentados alguns elementos que constituem o pensamento de Verney por meio de uma análise do Verdadeiro Método de Estudar. Serão abordados alguns aspectos como as condições de publicação da obra e seus 196 VERNEY, Luiz António. Verdadeiro Método de Estudar, Volume I, op. cit., p.274. Dentre outros autores como Charles Rollin, Cristian Wolff, Samuel Pufendorf, Hugo Grócio. Na edição do Verdadeiro Método de Estudar utilizada nesta pesquisa, há uma série de notas e esclarecimentos detalhando as obras e pensadores que fundamentaram as principais ideias de Verney. A riqueza e erudição dos comentários do editor a tornam uma das referências mais completas sobre a análise das influências da filosofia moderna no pensamento de Verney. Será utilizada a abreviatura VM para se referir a esta obra, seguido pelo volume e o número da página. 198 Cf. VERNEY, Luís António de. Respostas as Reflexões que o R.P.M.Fr. Arsenio da Piedade Capucho fez ao Livro intitulado: Verdadeiro Método de Estudar. Valência: Na oficina de Antonio Balle, 1748, p.3 197 55 problemas com a censura, as convenções linguísticas em que estava inserida, sua organização e estrutura, e principalmente, alguns elementos estilísticos, os quais foram fundamentais para o impacto causado pelo Verdadeiro Método de Estudar no ambiente intelectual português do setecentos. A palavra método, conforme proponho demonstrar, além de um termo chave e fio condutor de toda sua obra, foi utilizada por Verney para desacreditar o modelo de filosofia praticado nas universidades e escolas portuguesas da época. 2.1 O contexto e as condições de publicação do “Verdadeiro Método de Estudar” Conforme foi apresentado no primeiro capítulo, depois de se estabelecer em Roma, Verney teve contato com o ambiente intelectual italiano, onde trocou cartas com filósofos como Ludovico Antonio Muratori e Antonio Genovesi.199 Em carta escrita de Roma a Ludovico Muratori, datada de 7 de abril de 1745, Verney demonstra desejo em conhecer as obras do filósofo italiano e solicita que lhe informasse quantas obras havia escrito, pois segundo ouvira dizer, Muratori havia publicado algumas obras anonimamente. Em contrapartida, para que pudesse “fazer este pedido mais à vontade”, Verney se justifica, passando a explicar o que pretendia com seus escritos: Na verdade, eu, que acima de tudo tenho tomado a peito ajudar, pela minha parte, a nossa mocidade, tenho escrito algumas coisas em vernáculo sobre as melhores Letras, a fim de destruir nos espíritos muito preconceitos dos nossos, e de a instruir sobre aquilo que ela deveria saber e, mais ainda, sobre aquilo que não deveria saber. Com efeito, adiro a esta heresia: nas coisas claras, uma grande quantidade de regras só serve para sobrecarregar a inteligência e impedir o progresso da ciência, devendo nós pôr o melhor desta, não em aprender muito, mas em saber distinguir umas coisas das outras, 199 Muratori e Genovesi são considerados representantes do Iluminismo italiano. Muratori escreveu sobre temas como Direito e Teologia e trocou cartas com filósofos de destaque, como Leibniz. sobre as missões jesuíticas no Paraguai, em 1743, obra de referência do Iluminismo católico. Cf. MORAIS, Regina Célia de Melo. L. A. Muratori e o cristianismo feliz na missão do Paraguay. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2006. Genovesi, por sua vez, manteve estreito contato com Giovanbattista Vico, adaptou o newtonianismo a uma visão católica, tornando-se professor da primeira cátedra de economia política da Europa. A sua obra A Instituição da Lógica (1746) foi selecionada pelos reformistas da Universidade de Coimbra para compor a bibliografia básica do recém-criado curso de Filosofia. Cf. OLIVEIRA, Aline Brito. Antônio Genovesi na bibliografia oficial do marquês de pombal. Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História, ANPUH-RJ, 2006. 56 por forma a saber dar o seu a seu dono. É isso que duma maneira rápida julgo ter procurado alcançar em alguns livros que publiquei.200 Até onde se sabe Verney não havia publicado nenhuma obra até 1745, ano em que escreveu esta carta para Muratori. Estaria ele se referindo aos manuscritos do Verdadeiro Método de Estudar? Ou estava se referindo sobre obras ainda desconhecidas pela historiografia e que teriam sido publicadas também sob pseudônimo, como foi o caso do Verdadeiro Método de Estudar? Ou, quem sabe, estava ele se vangloriando perante o ilustre filósofo italiano? O que me parece revelar neste trecho da carta são os objetivos de Verney, os quais, conforme verificamos acima, estariam voltados para “ajudar a mocidade a fim de destruir nos espíritos preconceitos e a instruir sobre aquilo que ela deveria saber e, mais ainda, sobre aquilo que não deveria saber”. Ao longo desta carta, Verney demonstra uma preocupação constante em escrever livros que pudessem instruir os estudantes e facilitar o aprendizado. Em resposta, Muratori faz elogios às intenções de Verney, e aproveita para criticar o primeiro volume da Real Academia de História; decepcionado, comenta sobre a carência dos portugueses de “um sábio conselheiro e de modelo forte, para poderem voltar-se para as melhores coisas” e que pudesse aconselhar “o uso de métodos mais salutares à tua gente”.201 Entretanto, alertava para os possíveis obstáculos desta empreitada, pois se dizia preocupado com a censura em Portugal, sobretudo com “os rigores da Inquisição portuguesa, que todos italianos lhes tem horror”.202 Sobre a sugestão de Muratori, de se elaborar uma obra que pudesse “chamar seus compatriotas a melhores estudos”, Verney responderia em outra carta: “Esforçar-me-ei, quanto a mim caiba, por realizar aquilo a que me aconselhas.”203 Verney concorda com Muratori sobre suas críticas à Academia Real de História de Lisboa, pois “aquela Academia tem na sua maior parte como alunos frades que inconsideradamente se deleitam só com a Filosofia peripatética”, mas negava que a inquisição portuguesa, conforme pensavam os italianos, fosse um tribunal cruel. Verney explica a Muratori a questão dos judeus que haviam se convertido para evitar o exílio, mas que pela tenacidade com que seguiam a crença 200 Carta escrita de Verney a Muratori escrita de Modena, 25 de abril de 1745. In: MORAIS, Regina Célia de Melo. L. A. Muratori e o cristianismo feliz na missão do Paraguay, op. cit., p.128-129. 201 Carta escrita de Verney a Muratori escrita de Modena, 25 de abril de 1745. Ibid., p.128 202 Carta escrita de Verney a Muratori escrita de Modena, 25 de abril de 1745. Ibid., p.128 203 Carta escrita de Verney a Muratori de Roma em dezembro de 1745. Ibid., p. 134. 57 de seus avós, passaram “a trazer uma coisa na boca e outra no coração”, propagando o judaísmo. Concordava que os tribunais portugueses eram severos com a lei, mas que não eram cruéis, e que aqueles que mesmo ainda praticando o judaísmo, continuavam a dizer que “criam em Cristo”, a esses a Inquisição portuguesa “mandou apertar o pescoço e queimar depois de mortos”, e pondera: “[...] que vês tu em tudo isto que não seja justo, equitativo e consentâneo com as leis?”.204 Verney considerava a Inquisição necessária em Portugal “a fim de conter as populações e evitar que elas, por superstição ou leviandade de espírito, caiam em doutrinas absurdas”.205 Este posicionamento favorável à Inquisição afastava Verney da mentalidade iluminista europeia, mas por outro lado, o aproximava das questões específicas do contexto português. Este posicionamento também aponta para o que considerava medidas necessárias “proporcionadas ao estilo de Portugal”. Segundo, ele, não se tratava de mera crueldade, mas um Tribunal necessário para os portugueses. Sobre a censura de livros, Verney explicava que esta não era feita diretamente pelo tribunal por seu próprio critério, mas sim pelo critério de seus conselheiros que determinavam se uma obra poderia ou não ser publicada, e isso iria depender da sorte, pois existiam censores velhos, cheios de preconceitos, mas existiam aqueles que pensavam e julgavam de outro modo. Contudo, Verney explica a Muratori que havia tomado medidas para a publicação de suas obras para evitar os obstáculos da censura portuguesa: Resolvi mandar imprimir os meus livros não em Portugal, mas noutra parte; em segundo lugar, porque nada escrevo, nem penso, que não seja conforme em todos os sentidos com as opiniões da Igreja Romana. Sei também que a minha gente recebe com suprema veneração, as decisões romanas, e nunca se atreveria a repreender aquilo que se sabe defender-se em Roma com tantos aplausos.206 Em outra carta datada de 24 de dezembro de 1746, Verney se desculpa pela demora em responder a carta de Muratori em função de um “urgente negócio” que o havia obrigado a sair da cidade e a percorrer diversas províncias, entre elas 204 Carta escrita de Verney a Muratori de Roma em dezembro de 1745. Ibid., p.133 e 134 Carta escrita de Verney a Muratori de Roma em dezembro de 1745. Ibid., p.133. 206 Carta escrita de Verney a Muratori de Roma em dezembro de 1745. Ibid., p.134. 205 58 Nápoles, justamente o local da primeira edição do Verdadeiro Método de Estudar. O manuscrito da primeira edição foi revisado e submetido às autoridades eclesiásticas de Nápoles, que não haviam encontrado “nada de ofensivo à Fé Católica ou aos bons costumes”.207 Uma remessa desta primeira edição fora enviada a Portugal, e como havia sido impressa fora do reino, foi apreendida e submetida à censura do Santo Ofício.208 Não se conhece o paradeiro dos pareceres dos censores que proibiram a sua circulação209, entretanto, no mesmo ano, circularam edições clandestinas atribuídas a um impressor chamado António Balle, que indicava Valença como local de impressão. Esta edição vinha acompanhada de uma carta dedicatória “Aos Reverendíssimos PADRES MESTRES da Venerável Religião da Companhia de Jesus no Reino e Domínio de Portugal”.210 Esta carta, que não existia na primeira edição, possui um contraste significativo em relação ao restante das cartas que compõe a obra.211 A primeira edição do Verdadeiro Método de Estudar, impressa em uma oficina de Nápoles, em 1746, é constituída por dezesseis cartas distribuídas em dois volumes, cada uma abordando diferentes áreas do conhecimento. A edição utilizada nesta pesquisa, que segue basicamente a mesma estrutura da primeira edição, é dividida em 5 volumes.212 O volume I, intitulado Estudos Linguísticos, contém a Cartas I (Introdução); Carta II (Língua Portuguesa); Carta III (Gramática Latina) e Carta IV (Latinidade). 207 Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p.172. MARTINS, Teresa Payan. Verdadeiro Método de Estudar. Revista do IEEE América Latina , v. 9, p. 221, 1997. Disponível em: http://goo.gl/2SOLg0 (acesso em 10/02/2013). 209 ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p.173. 210 VM, Volume I, p.1. 211 Por meio de um estudo comparativo dos filigranas e dos caracteres tipográficos que marcam o papel das duas primeiras edições, Teresa Payan considera que a primeira e a segunda edição identificadas por Banha de Andrade são na realidade apenas uma, a única diferença entre elas são as folhas que antecedem a obra, pois a edição indicada por Nápoles não contem a Carta Dedicatória. Desta primeira edição conhecem-se apenas dois exemplares; o da Biblioteca de Madrid (só contém o segundo tomo) e o da Biblioteca Nacional de Nápoles. MARTINS, Teresa Payan. Verdadeiro Método de Estudar, op. cit., p.15. 212 Nesta pesquisa utilizamos a edição organizada pelo professor Salgado Junior que segue basicamente a mesma divisão utilizada na primeira publicação do Verdadeiro Método, com as seguintes alterações: a carta I, que na primeira edição trata da língua portuguesa, corresponde à Carta Dedicatória aos jesuítas; na primeira edição as Cartas V e VI tratam da retórica, na edição do Professor Salgado Junior o tema da retórica ficou concentrado na Carta VI. A edição do Professor Salgado Junior é dividida em 5 volumes, enquanto que a primeira edição do Verdadeiro Método de Estudar está dividida em dois tomos: o primeiro tomo constituído pelas cartas I até a carta VIII e o segundo tomo das cartas IX a carta XVI. 208 59 O volume II, intitulado Estudos Literários, a Carta V (Línguas Orientais); Carta VI (Retórica) e Carta VII (Poesia). O volume III, Estudos Filosóficos, a Carta VIII (Lógica); Carta IX (Metafísica); Carta X (Física) e a Carta XI (Ética). O volume IV, Estudos Médicos, Jurídicos e Teológicos, a Carta XII (Medicina); Carta XIII (Direito Civil) e Carta XIV (Teologia). E por fim, o volume V, intitulado Estudos Canônicos, Regulamentação – Sinopse, constituído pela Carta XV (Direito Canônico); Carta XVI (Regulamentação geral dos Estudos). Figura 2 – Capa da obra Verdadeiro Método de Estudar Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal, http://purl.pt/118 (acesso em 22/07/2015) 60 Apresentando um conjunto de conhecimentos muito amplo, as cartas abordam a maioria dos temas filosóficos discutidos no século XVIII, bem como as disciplinas vigentes no sistema de ensino da época. As cartas são apresentadas pelo editor como sendo “de um autor moderno que teriam circulado manuscritas até que chegasse a suas mãos” e que, pela utilidade das mesmas, resolveu imprimi-las. Segundo o impressor, as cartas teriam surgido a pedido de um “homem mui douto” da Universidade de Coimbra que pediu a um religioso italiano, seu amigo, que vivia em Lisboa, “que lhe desse algumas instruções, em todo o gênero de estudos”.213 O editor ainda justifica que resolveu publicar as cartas à revelia do autor, mas que procurou ocultar o nome dos correspondentes e de “algumas pessoas, que nelas se nomeavam” para “não revelar os segredos das correspondências particulares”. E conclui que as cartas “encadeiam tão bem umas com as outras, que se podem chamar um método completo de estudos” (grifo nosso) e que podem “servir para todos; mas especialmente são proporcionadas ao estilo de Portugal, pois este era o fim do autor”.214 A obra é dedicada aos jesuítas, contrastando com as duras críticas que são feitas aos padres da Companhia ao longo obra, o que pode indicar certa ironia, ou talvez, estratégia de publicação. Verney parecia ter consciência deste fato, conforme a seguinte passagem: Mas, porque poderá ler esta carta a algum ignorante ou malévolo, que entenda que eu, dizendo o que me parece dos estudos, com isto digo mal da Religião da Companhia de Jesus, que neste Reino é a que principalmente ensina a Mocidade, devo declarar que não é esse meu ânimo. Eu venero esta Religião doutíssima, por agradecimento e por justiça. Por agradecimento, porque esse pouco que sei, eles mo ensinaram, e, ainda que nas escolas não aprendesse tudo, aprendi-o conversando com eles particularmente, e lendo os seus autores. 215 De fato, como foi apresentado no primeiro capítulo, Verney estudou no colégio jesuíta de Santo Antão e também recebeu apoio e indicações do jesuíta P. Carbone para que recebesse a benesse do arcediagado de Évora. Além das críticas 213 VM, Volume I, p.2. Embora não existam provas definitivas sobre a autoria da carta de apresentação do Verdadeiro Método de Estudar, quase não existem dúvidas de que foi escrita por Verney. Há fortes indícios, o estilo e a ortografia adotada na carta de apresentação são os mesmo apresentados ao longo da obra. 214 Ibid., p.2. 215 VM, Volume I, p. 21-22. 61 feitas por Verney ao sistema de ensino ao qual havia experimentado em sua juventude, é provável que tenha ocorrido algo que aparentemente abalou as relações entre Verney e os jesuítas alguns anos antes de 1746, data de publicação do Verdadeiro Método de Estudar. Sem sabermos as razões que o levou a um confronto aberto aos jesuítas, podemos constatar que a obra conseguiu chamar a atenção dos letrados portugueses. Silva Dias é bastante enfático em relação a isso: O Verdadeiro Método foi, acima de tudo, um despertador. Produziu o choque psicológico das massas cultas, trazendo para a liça pública, em corpo inteiro, ideias e questões anteriormente confinadas ao murmúrio dos cenáculos ou à meia voz dos livros. Desempenhou em Portugal o mesmo papel que o Discurso cartesiano coubera em França, abrindo as hostilidades finais entre a cultura moderna e a <<grave filosofia>> monacal>> de que falava António Vieira. 216 Utilizando o pseudônimo de “Padre Barbadinho da Congregação de Itália”, Verney se coloca no lugar de um estrangeiro que se desculpa por “dar regras em casa alheia”, mas que ousa inclusive a propor mudanças ortográficas em uma língua que não é sua língua materna, o que revela o traço irônico e provocativo de sua obra. Esta ousadia não passaria impune por seus críticos. Segundo Verney, seu objetivo era servir à glória do reino e atingir principalmente um público formado pela “mocidade” e de formadores de opinião: Se os que a lerem, tiverem docilidade e bons princípios (sem isto é tempo perdido), neste caso, com o que digo podem aproveitar-se alguma coisa, e, com o tempo, adiantar-se muito, instruírem novos discípulos, e terem a glória de ter feito esse serviço à República.217 Outro detalhe importante sobre as condições de publicação do Verdadeiro Método de Estudar diz respeito à identidade do impressor, conforme analisa Teresa Payan. Havia existido um impressor valenciano chamado Antonio Balle, mas que estaria em atividade apenas entre os anos de 1721 a 1740 e que publicava as obras tendo como local Valencia e nunca “Valensa”, como consta nas edições do Verdadeiro Método de Estudar.218 Segundo Teresa Payan, Antonio Balle teria sido o impressor português José da Silva da Natividade, que declarou perante o tribunal 216 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p. 204. VM, Volume IV, p. 201 218 MARTINS, Teresa Payan. Verdadeiro Método de Estudar, op. cit., p.14. 217 62 da Inquisição que fora o responsável pela impressão clandestina de obras relacionadas à polêmica do Verdadeiro Método de Estudar, como o Diálogo Jocosério e Grosseria da Iluminação, obras dadas como impressas em Valensa, por Antonio Balle, em 1751 e 1752 respectivamente. Em 1751 é publicada outra edição clandestina do Verdadeiro Método de Estudar, estampada no Convento de Santo Elói, indicando o local “Valensa”, na oficina de António Balle; porém, alterou-se a data de impressão para 1747.219 O responsável pela publicação, Padre Doutor Manuel de Santa Marta Teixeira, ao ser inquirido pelo tribunal afirmou que: [...] mandara dar ao prelo sem as ditas licenças os tomos do Novo Método de Estudar, que lhe parece seria o número de oitocentos, a qual impressão mandou fazer por ver a grande estimação que tinham nesta Corte e que os Estrangeiros vendiam alguns por alto preço e se querer, por este modo, utilizar do lucro e produto deles, sem que tivesse outro algum fim mais do que o que acaba de dizer. 220 O padre se defendeu argumentando que o interesse comercial da obra prevaleceu sobre as ideias e os princípios defendidos por ela, o que indica que havia uma boa procura pelo Verdadeiro Método de Estudar no mercado de livros de Portugal. Aspecto, consideramos aqui, importante para se pensar a circulação de livros neste contexto, sobretudo para o caso do Verdadeiro Método de Estudar. Em Abril de 1753 Manuel Soares Vivas declarou perante os inquisidores que imprimiu, também clandestinamente, alguns folhetos a contestar o Verdadeiro Método de Estudar, por ordem do dono da oficina, o próprio Padre Doutor Manuel de Santa Marta Teixeira. Provavelmente, este padre foi responsável pela circulação clandestina de uma série de impressos anônimos que alimentaram as polêmicas que sucederiam em torno do novo método proposto por Verney. Isso indica que o controle do impresso por parte do Santo Ofício não era absoluto e oferecia brechas aos editores, havendo margens para a uma rede de publicação de obras proibidas. O sucesso editorial do Verdadeiro Método de Estudar corrobora esta afirmação e os próprios jesuítas, os maiores críticos de Verney, utilizaram deste expediente para publicar suas críticas. Como é o caso das Reflexões Apologéticas 219 220 Ibid., p.18. Ibid., p.18. 63 do jesuíta José de Araújo, um dos principais críticos de Verney, cuja obra foi publicada sob o pseudônimo de Padre Arsenio da Piedade em 1748, também editada por Antonio Balle e impressa em “Valensa”. Na tabela abaixo são apresentadas algumas obras relacionadas à polêmica do Verdadeiro Método de Estudar que foram analisadas neste trabalho, contendo o título, ano de publicação, autoria e, para a maioria dos casos, o pseudônimo utilizado: TÍTULO DA OBRA ANO PUBLICAÇÃO AUTOR PSEUDÔNIMO Verdadeiro Método de Estudar 1746 Luís Antônio Verney Padre Barbadinho da Congregação de Itália Reflexões Apologéticas a obra entitulada Verdadeiro Método de 221 Estudar 1748 José de Araújo (padre da Companhia de Jesus) Frei Arsênio da Piedade Respostas as Reflexões que o R.P.M.Fr. Arsênio da Piedade Capucho fez ao Livro intitulado: Verdadeiro Método de Estudar 1748 Luís Antônio Verney anônimo Carta de um Filólogo de Espanha a outro de Lisboa a cerca de certos elogios lapidares 1749 Luís Antônio Verney anônimo Conversação Familiar e Exame Crítico, em que se mostra reprovado o método de estudar, que com o título de verdadeiro, e aditamento de útil à República e à Igreja, e proporcionado ao estilo de Portugal expoz em dezesseis cartas o R.P Frey ****Barbadinho da Congregação de Itália: e também frívola a resposta do mesmo as sólidas reflexões do P.Frey Arsênio da Piedade, Religioso Capucho 1750 José de Araújo (padre da Companhia de Jesus, foi professor do Colégio de Santo Antão) 221 222 Severino de Modesto De acordo com António Alberto Banha de Andrade, a obra Reflexões Apologéticas teve 3 edições, sendo a 3ª impressa na oficina de Antonio Balle. Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Verney e a Cultura de seu tempo, op. cit., p.456 222 De acordo com Silva Dias, a Conversação Familiar foi escrita pelo jesuíta José de Araújo, o mesmo que escreveu as Reflexões Apologéticas. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p. 205. 64 Parecer do doutor Apolônio Philomuso Lisboense, dirigido a um grande prelado do Reino de Portugal, a cerca de um papel intitulado Retrato de Mortecor, seu autor P. Alethophilo Candido Lacerda Retrato de Mortecor 223 Iluminação Apologética do Retrato de Mortecor: em que aparecem com as mais vivas cores os erros do autor do novo método, e seu apologista, os quais pretendeu defender um anônimo, por alcunha, o Doutor Apolonio Philomuso, e se lhe mostrão os muitos , que por malicia, ou por ignorância cometeu. 2 tomos Grosseria da Iluminiacao Apologética, pelo que respeita a uma página da segunda parte, em que seu autor Teofilo Cardoso da Silveira, presumio criticar o Dialogo Jocoserio; notada e descoberta por fulano indiferente Doutor Apolônio Philomuso Lisboense 1750 Luís Antônio Verney 1751 Francisco Duarte (padre da Companhia de Jesus) Aletofilo Cândido de Lacerda 1751 Francisco Duarte Theophilo Cardoso da Sylveira Antônio Isidoro da Nobrega (médico formado pela Universidade de Coimbra e Secretário da Sociedade MedicoLusitana) anônimo 1752 Advertências Criticas e Apologéticas Sobre o juízo, que nas matérias do B. Raymundo Lullo formou o D. Apolonio Philomuso, e comunicou ao público em resposta ao Retrato de Morte-Cor, que contra o autor do Verdadeiro Método de Estudar escreve o Reverendo Doutor Alethophilo Candido de Lacerda. Frei Manuel do Cenáculo. 1752 Frei Manuel do Cenáculo 1752 Frei Manuel do Cenáculo não Reposta compulsória à Carta Exortatoria, para que se retrate o seu autor das calunias que proferiu contra os Reverendíssimos Padres da Companhia de Jesus da província de Portugal. E lha dedica Francisco de Pina, e de Mello, moço 1755 Francisco de Pina, e de Mello (poeta e escritor português, estudou filosofia na Universidade de Coimbra e publicou diversas obras ao longo de sua vida, a maioria não 223 De acordo com António Alberto Banha de Andrade, o Retrato de Mortecor, teve 2 edições, ambas publicadas em Sevilha pela Imprenta de António Bucaferro. Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Verney e a Cultura de seu tempo. op. cit., p. 456. 65 fidalgo da Casa Real , e académico da Academia Real da Historia Portuguesa poemas) Defensa Del Barbadino En Obsequio De La Verdad: Su Autor Don Joseph Maymó Y Ribes, Do&Or En Sagrada Theologia , Y Leyes, Abogado De Los Reales Confejos , Y Del Colegio En Esta Corte. 1758 Joseph Maymó Y 224 Ribes (advogado espanho, publicou uma tradução para o espanhol do Verdadeiro Método 1760) não Historia del famoso predicador Frey Gerundio de Campazas 1758 José Francisco de Isla (mais conhecido como padre Isla, foi um jesuíta espanhol, estudou filosofia e teologia na Universidade de Salamanca, escreveu varias obras de cunho satírico, sendo a mais famosa intitulada Fray Gerundio de Campazas que foi proibida pela Inquisição) Francisco Lobón de Salazar Conforme pode se observar a partir da tabela apresentada, o Verdadeiro Método de Estudar provocou um debate que se prolongou por bastante tempo e ultrapassou as fronteiras de Portugal, tendo repercussão em outras regiões da Europa e até mesmo na América.225 A tradução do Verdadeiro Método de Estudar para o espanhol foi feita por Joseph Maymó y Ribes em 1760, autor que, como veremos, entrou em polêmica com outros espanhóis na defesa do Verdadeiro Método de Estudar. Verney conseguiu chamar a atenção ao defender a necessidade de toda uma renovação cultural e, de certa forma, indicava ter consciência deste fato: [...] isto de emendar o mundo e, principalmente, o querer arrancar certas opiniões do ânimo de homens envelhecidos nelas e consagradas já por um costume de que não há memória, é negócio que excede as forças de um só homem; e principalmente de um homem de tão pouco merecimento e autoridade como eu.226 224 Joseph Maymó Y Ribes também publicou uma tradução do Verdadeiro Método para o espanhol no ano de 1760. Ibid., p. 82. 225 Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Verney e a projeção de sua obra. Portugal: Instituto de Cultura Portuguesa, 1980. 226 VM, Volume I, p. 19 66 Apesar de considerar todas as dificuldades, Verney seguiu firme na ideia de propor uma mudança radical dos métodos e dos princípios adotados no sistema educacional português que, até então, seguiam as diretrizes da escolástica. A historiografia vem discutindo o que Verney “disse” acerca das ideias de alguns pensadores da época moderna, como Descartes, Newton, Locke227, contudo, propomos analisar esta questão tendo em vista o que estava fazendo Verney ao escrever o Verdadeiro Método de Estudar, conforme sugerido por Skinner na seguinte passagem: [...] interpretar não apenas o significado do que foi dito, mas também a intenção que o autor em questão pode ter dito ao dizer aquilo que disse. Um estudo que se concentre exclusivamente naquilo que um autor disse acerca de uma dada doutrina, não apenas será inadequado, como também, em alguns casos, será a chave errada para interpretar o que o autor em questão pretendia dizer.228 Aderindo as ideias modernas, Verney procurava desacreditar o método adotado nas escolas portuguesas e, em alguns casos, exagerou na superioridade do modelo o qual defendia e que considerava “verdadeiro”. Partindo desta hipótese, surgem algumas questões importantes, como: por que Verney escreveu o Verdadeiro Método de Estudar no estilo epistolar? Por que utilizou de um determinado vocabulário, carregado de metáforas e ironias? Na perspectiva de um “ato de comunicação intencional”, para utilizar uma expressão utilizada por Skinner, o Verdadeiro Método de Estudar faria parte de um “plano ou desígnio para criar certo tipo de obra”, como “perseguindo um propósito em particular”.229 Assim, o Verdadeiro Método de Estudar estaria inserido em uma ação, com vistas a cumprir com um determinado objetivo. E aqui, seguindo as diretrizes da abordagem contextualista, cabe perguntar novamente: o que estava fazendo Verney ao escrever o Verdadeiro Método de Estudar? 227 Em minha dissertação de mestrado, apontei como Verney chega a transcrever trechos longos da obra de Locke. Cf. CARVALHO JR, Eduardo Teixeira de. A questão do iluminismo em Portugal: uma análise da obra de Verney. Dissertação de Mestrado. UFPR, 2005. 228 Cf. SKINNER, Quentin. Significação e compreensão na história das ideias. (In) Visões da política, op. cit., p.113. Ainda ressaltamos a seguinte passagem bastante esclarecedora sobre esta proposta metodológica: “Estudar o que os pensadores do passado disseram sobre os temas canônicos da história das ideias representa apenas uma das duas tarefas hermenêuticas, ambas indispensáveis se o nosso objetivo é compreender, em termos históricos, aquilo que escreveram. Para além de tentar descortinar o significado do que eles disseram, devemos ao mesmo tempo procurar compreender o que é que eles queriam dar a entender com aquilo que estavam a afirmar”. Ibid, p.117 229 Ibid., p.139. 67 Além disso, segundo Skinner, é preciso ainda compreender não apenas o significado das ideias que constituem a obra, mas também a “força ilocutória” 230 com que são “ditas”, ou seja, considerar os recursos disponíveis para cumprir com o objetivo que estava por trás de seu “ato de comunicação”. O que no nosso caso pode significar a forma irônica e satírica com que Verney procura chamar a atenção para o que considerava o “atraso”, bem como a “inutilidade” do método de ensino utilizado nas escolas portuguesas. Fazendo uso de determinadas convenções linguísticas, Verney estaria desempenhando um “ato ilocutório” ao escrever o Verdadeiro Método de Estudar, utilizando dos recursos textuais de sua época de tal maneira que pudesse atingir o efeito pretendido. A seguir serão apresentados alguns elementos característicos do discurso verneyano e a maneira como estes foram importantes para atingir seus objetivos. 2.2 Aspectos estilísticos da obra: gênero epistolar satírico? A sátira não deve repreender senão o que verdadeiramente é vicioso, para instruir os homens do que devem fugir.231 O estilo irônico do Verdadeiro Método de Estudar levou um de seus críticos a qualificar esta obra como “uma sátira descomedida”.232 Mesmo tratando de temas importantes como a Religião, Verney ridicularizava seus críticos, utilizando de expressões populares. Por exemplo, quando comenta sobre os argumentos de seus adversários, afirma que: “são tais que nos obrigam a rir”. 233 Ao tratar sobre a Medicina, Verney ressalta que a situação portuguesa tem “uma aparência de comédia” e o desconhecimento da Anatomia era tal que tanto fazia eleger para Cirurgião-mor um médico ou um sapateiro.234 O estilo irônico e provocativo usado 230 A força ilocutória é a forma específica com que fazemos uso da linguagem, utilizando-se por exemplo de ironia, ênfase, exagero. Os atos ilocutórios correspondem a um determinado uso da linguagem com finalidades específicas, como por exemplo para prometer, alertar, informar. Assim, quando entendemos a força ilocutória de uma afirmação isso significa compreender aquilo que o seu autor estava a fazer ao exprimir-se daquela maneira. Ibid., p.139. 231 VM, volume II, p.300. 232 ARAÚJO, José de. Reflexões Apologéticas a obra intitulada Verdadeiro Método de Estudar. Valência: Na oficina de Antonio Balle, 1748, p.2. 233 VM, Volume IV, p.252. 234 Ibid., p.22. 68 por Verney para escrever o Verdadeiro Método de Estudar contribuiu significativamente para a enorme repercussão de sua obra. 235 Notamos que no ambiente intelectual português do setecentos parece haver uma preferência pelo gênero epistolar em relação ao formato de tratados. Além disso, os tratados filosóficos geralmente eram escritos em latim. Os iluministas portugueses procuravam tornar mais acessíveis conhecimentos que estavam se popularizando nos principais centros da Europa, mas que ainda não haviam penetrado nos currículos das escolas e universidades portuguesas. Respeitando algumas diferenças de estilo, as obras mais importantes do Iluminismo português utilizaram do formato de “conselhos” na produção de seus textos, o que aponta para o seu caráter didático e pedagógico. Seguindo as tendências do século XVIII, visavam levar as Luzes da razão aos portugueses, como é o caso dos Apontamentos para a educação de hum menino nobre de Martinho de Mendonça de Pina e Proença (1734) e as Cartas para a Educação da Mocidade (1760) de António Nunes Ribeiro Sanches, textos que também serão apresentados ao longo deste trabalho.236 O estilo de texto no formato de “conselhos”, além de um recurso literário que cativa e envolve o leitor, tornando a leitura mais prazerosa, possibilitava ao autor mais liberdade para expor as teorias para serem facilmente compreendidas. No caso do Verdadeiro Método de Estudar, Verney cria um diálogo em que ele atende a solicitação de um amigo para lhe dar conselhos sobre praticamente todas as matérias. Devido à amplitude das cartas, Verney demonstrava estar ciente dos riscos desta tarefa: “Mas V.P., que me obriga a falar em todas as matérias, deve estar preparado para ouvir coisas boas, medíocres, e algumas mal ditas. E assim, agradeça-me somente a boa vontade e prontidão com que obedeço ao que manda”.237 235 O aspecto irônico e satírico da obra de Verney já foi analisado por Patrícia Domingos Woolley Cardoso. A sua análise reforça nosso argumento de que o Verdadeiro Método de Estudar de Verney não significou simplesmente uma discussão pedagógica, mas possuía uma importante dimensão política que é evidenciada na abordagem da autora. Cf.CARDOSO, Patrícia Domingos Woolley Cardoso. Os Jesuítas diante de ‘O Verdadeiro Método de Estudar’:conflitos políticos e de idéias no setecentos português (C. 1740-1760). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, 2004. 236 Na mesma linha pedagógica foram publicados os dez volumes da Recreação Filosófica publicados entre 1751-1800 de Teodoro de Almeida. 237 VM, volume II, p.337. 69 Ao longo do século XVIII algumas obras fizeram uso do recurso epistolar para criar situações fictícias com o objetivo de discutir ideias subversivas e garantir o anonimato. Em 1721, Montesquieu havia publicado suas Cartas Persas, obra que apresentava as cartas de um persa que passara a viver na França, o que lhe permitiu fazer uma crítica à sociedade francesa de sua época. Neste caso, seria pertinente questionar sobre o enquadramento do Verdadeiro Método de Estudar nas convenções da epistolografia portuguesa do século XVIII. Torna-se importante analisar os meios discursivos disponíveis em determinada época histórica, cuja eficácia persuasiva pode variar de acordo com as diferentes circunstâncias de sua aplicação.238 Um texto literário, um poema, uma ata, ou um despacho burocrático constituem modalidades de uso da escrita determinadas por convenções históricas.239 Neste sentido, a capacidade de criação de cada autor está mais ou menos limitada dentro de práticas discursivas localizáveis na história, como poderia ser o caso do gênero epistolar utilizado por Verney. De forma geral, as convenções eram orientadas de acordo com a circunstância e sua finalidade. Na tradição epistolar havia dois tipos de correspondências principais, as familiares e as negociais.240 A familiar trata de assuntos particulares, já a negocial, de assuntos de interesse geral, admitindo a erudição, a elocução ornada e a polêmica.241 Entretanto, do ponto de vista histórico, “as apropriações fazem o mesmo discurso mudar de estatuto, na medida em que produzem valores-de-uso distintos da finalidade inicial”.242 Portanto, ressalta-se também o caráter mesclado refratário à classificação como “carta” ou como “epístola”. Era muito comum a prática de se publicar correspondências que a priori poderiam ser identificadas como cartas, mas que foram editadas na forma de livros.243 As cartas sugerem uma comunicação entre um remetente e um destinatário de forma privada, enquanto a epístola “não é individualizada, pois dirige-se à 238 PÉCORA, Alcir. Máquina de Gêneros. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001, p.11-16. 239 Ibid., p.14. 240 Cf. HANSEN, J.A, Correspondência de António Vieira. Discurso, São Paulo, n. 31, p.261, 2000. 241 Na resposta a um de seus críticos, Verney da a entender que considera o VM como cartas familiares. Cf. VERNEY, Luís António de. Respostas as Reflexões que o R.P.M.Fr. Arsenio da Piedade Capucho fez ao Livro intitulado: Verdadeiro Método de Estudar. op. cit., p.5. 242 HANSEN, J.A, Correspondência de António Vieira, op. cit., p.261. 243 Ibid., p.261-262. 70 coletividade de um público conhecido ou é genericamente pública, tratando de questões teóricas e doutrinárias de modo dissertativo”.244 A tradição epistolar entre os séculos XVI e XVII seguia o modelo herdado da Antiguidade, sobretudo dos autores latinos. Verney recomenda Cícero, sobretudo as “Cartas de Cícero, a que chamam familiares” por serem “breves e claras, de sorte que não enfadam o estudante, porque são compostas naquele estilo familiar que todos entendem”.245 Em 1745 Francisco José Freire, autor que foi favorável a Verney nas polêmicas do Verdadeiro Método de Estudar246, publicou a obra O Secretário Portuguez Compendiosamente Instruído no modo de Escrever Cartas. Tratavase de um manual que abordava a forma correta de escrever em todos os estilos de cartas. Advertia que na prática de dar conselho deveria haver prudência para evitar a ambiguidade entre amor e ódio247. Francisco José Freire alertava sobre a duplicidade do ato de dar conselho: podemos dar um conselho porque se quer o bem, porque queremos o bem de nossos amigos, porque queremos sua “fama”, mas também porque, em determinada circunstância, é necessário advertir sobre algo que necessita uma correção. O texto escrito por D. Luís da Cunha, intitulado Carta escrita de Paris ao Sereníssimo Príncipe D. José para quando Subisse ao trono (1747), mais conhecido como Testamento Político, é bastante emblemático. D. Luís da Cunha aconselhava o futuro rei D. José uma série de medidas que considerava importantes para o futuro de Portugal. Dentre os conselhos de D. Luís da Cunha, os quais serão aprofundados no quinto capítulo, podemos citar a necessidade de reduzir o poder e os privilégios da igreja. Apontava para a questão da improdutividade das terras e o 244 Ibid., p.261-262. VM, Volume I, p.220. 246 Francisco José Freire escreveu em 1750, sob o pseudônimo de cândido Lusitano, a Ilustracao Crítica a uma carta que um filósofo de Espanha escreveu a outro de Lisboa, acerca de certos elogios lapidares, obra que foi favorável aos argumentos de Verney, sobretudo em relação ao mau gosto dos portugueses no uso da língua e da eloquência. Cf. ANDRADE, António Alberto de. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários (1759-1771). Volume I. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1981. 247 CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da. Aqui se abre hum largo theatro ao engenho do secretário principiante: a escrita de cartas segundo Francisco José Freire (Portugal – séc. XVIII). História Regional, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 24, jan./jun, 2010. 245 71 problema do despovoamento do reino com a fuga dos cristãos-novos e judeus confessos diante das perseguições da Inquisição. 248 Verney também procura deixar claro sua intenção em dar conselhos para promover uma mudança: Meu amigo e senhor: Nesta última carta que recebo de V.P., entre várias coisas que me propõe, é a principal o desejo que tem de que eu lhe diga o meu parecer sobre o método de estudos deste Reino; e lhe diga seriamente se me parece raciocinável para formar homens que sejam úteis para a República e Religião; ou coisa se pode mudar, para conseguir o dito intento. Além disto, quer também que eu lhe dê alguma ideia dos estudos das outras Nações que eu tenho visto. 249 (grifo nosso). Como é possível observar neste trecho inicial do Verdadeiro Método de Estudar, Verney cria um ato de correspondência entre um remetente e um destinatário fictício. Abaixo apresentamos um trecho da apresentação da obra: Saem à luz, Reverendíssimos Padres, as cartas de um autor moderno, as quais até agora correram manuscritas por algumas mãos; mas, chegando às minhas, e conhecendo eu que podiam utilizar a muitos, me resolvi imprimi-las. O argumento delas é este: Certo Religioso da Universidade de Coimbra, homem mui douto, como mostra nas suas cartas, pediu a um Religioso Italiano, seu amigo, que vivia em Lisboa, que lhe desse algumas instruções, em todo o gênero de estudos, o que dito Barbadinho executa em algumas cartas, explicando-lhe, em cada uma, o que lhe parece, e acomodando tudo ao estilo de Portugal. Este autor escreveu-as sem ao menos suspeitar que se poderiam imprimir, como consta de alguns períodos destas, que não imprimi, e de outras que conservo, em que declara com mais individuação o motivo desta correspondência, e explica várias coisas que aqui não se acham. Onde, para consolar o dito autor, que não sei se ainda vive, e fazer o que desejava, não imprimi senão as que me pareceram necessárias; e ainda nestas ocultei os nomes dos correspondentes e de algumas pessoas, que nelas se nomeavam, parecendo-me justo e devido não revelar os segredos das correspondências particulares, principalmente quando podia conseguir o fim de utilizar o Público sem prejuízo de terceiro. As cartas encadeiam tão bem umas com outras, que se podem chamar um método completo de estudos. 250 (grifo nosso). 248 Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749. Lisboa: Na Impressão Regia, 1820, p.51-54 249 VM, Volume I, p.17. 250 Ibid., p. 2. 72 Verney forjou uma situação para justificar a publicação das cartas. Podemos apontar para uma ironia no fato de um “homem mui douto” da Universidade de Coimbra solicitar instruções a um religioso italiano. Esta situação poderia sugerir que os doutores de Coimbra estavam desatualizados e solicitavam conselhos. Verney se colocava no lugar de um “Barbadinho italiano” que respondia a uma carta enviada por seu amigo português, que lhe solicitava um parecer sobre o método de estudo utilizado em Portugal e alguma notícia sobre o método praticado nas outras nações europeias. A opção por escrever no estilo epistolar, ironicamente, seguiu uma tradição bastante disseminada dentro da Companhia de Jesus, que seguia os preceitos de “simplicidade casual”, ditados no século XVI por Loyola.251 A “simplicidade casual” reflete uma técnica gramatical e retórica que proporcionava um caráter humilde e natural. Por escrever em primeira pessoa e se colocar no lugar de alguém que dá conselhos, o estilo epistolar possibilitava discutir ideias como se fosse uma conversação entre correspondentes. Além disso, no caso de Verney, o compromisso do destinatário em não revelar ou publicar o conteúdo das cartas, neste momento empregado como uma estratégia estilística, exime o autor de responsabilidade, dando-lhe mais liberdade. De certa forma, na apresentação do Verdadeiro Método de Estudar é possível perceber alguns elementos que costumam ser utilizados em uma dedicatória.252 Pode-se observar o objetivo de Verney em captar a simpatia dos jesuítas e, por meio de saudações e elogios, receber louvor da causa pretendida: Quem tem dado mais e mais ilustres escritores a esse Reino que a Companhia? Quem tem promovido com mais empenho os estudos, que os seus mestres? Onde florescem as letras com mais vigor, que nos seus colégios? Que homem douto tem havido em Portugal, que não bebesse os primeiros elementos nas escolas dessa Religião? 253 A parte de elogios segue ainda citando as virtudes da Companhia não só no que se refere ao espírito missionário, mas sua importância para todo o Reino 251 HANSEN, João Adolfo. Correspondência de António Vieira: (1646-1694), op. cit., p.276. No contexto da cultura política do Antigo Regime, as dedicatórias eram formas de se ganhar prestígio, seus autores buscavam projetar suas obras em pessoas de importância social, como reis e príncipes. A prática da dedicatória costumava seguir uma formula conhecida. DENIPOTI, Claudio; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Sobre livros e dedicatórias: D. João e a Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801). História Unisinos, São Leopoldo, vol. 17, n.3, p.261, 2013. 253 VM, Volume I, p.4 252 73 português, utilizando-se de uma série de adjetivos: continência, moderação, mansidão, afabilidade, respeito, magnificência, devoção. Reitera ainda funções delegadas pelos monarcas, como a direção de suas consciências na condição de confessores. Os elogios de Verney aos jesuítas poderiam significar uma ironia, pois estes receberam críticas muito severas e chegaram até mesmo a serem ridicularizados em alguns momentos. Por isso o Verdadeiro Método de Estudar provocou diversas reações, sobretudo a ira de alguns jesuítas, que apontaram para a falta de modéstia e humildade nas suas críticas. O padre jesuíta Francisco Duarte, ao justificar a publicação de sua obra de crítica ao Verdadeiro Método de Estudar, intitulada Iluminação Apologética, declarou: “O fim, para que a divulgo, além do que entenderás da lição dela, é para ensinar ao Barbadinho o estilo modesto de criticar”.254 A posição representada pelos autores, na tradição epistolar deste período, bem como no campo editorial e de circulação do impresso, dependia de seu lugar na rede de relações sociais, que muitas vezes determinava seu campo de ação. Verney se identifica como um religioso italiano, um Capuchinho da Ordem de São Francisco, o Barbadinho, representante de uma Ordem religiosa considerada menor diante da “importância” e “relevância” da Companhia de Jesus no reino português. O caráter humilde do remetente o posiciona como um “sujeito de pouca doutrina” 255 e um religioso de uma ordem na qual “florescem pouco os estudos”.256 Porém a ousadia e os conhecimentos apresentados nas cartas do Verdadeiro Método de Estudar contrastavam com o pretenso lugar social de sua produção (e isso não passou despercebido), por isso o Barbadinho insistia para que seu interlocutor não publicasse as cartas: “Que seria de mim se esses seus Coimbricenses ouvissem dizer que um Religioso Capuchinho punha a boca nas Leis?”.257 Indiretamente, Verney criticava os valores da cultura portuguesa. O que pensariam os “homens doutos” se “chegassem a saber de quem eram as cartas [...]?”; caso soubessem que se tratava de um simples capuchinho poderiam desprezar as cartas “sem terem a paciência de examinar as minhas razões, por se persuadirem que certos acidentes 254 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética. Sevilha, Imprensa de Antonio Buccaferro, 1749, p.4. 255 VM, Volume I, p.21 256 Ibid., p.19 257 VM, Volume IV, p.111 74 exteriores de emprego, vestido, etc., conduzem muito para o merecimento das obras [...]”.258 Este contraste entre o caráter erudito das ideias do Verdadeiro Método de Estudar com a posição pouco destacada de seu autor também servia como elemento de ironia, pois sugeria que os jesuítas deveriam receber as críticas com a mesma humildade representada pela figura do Padre Barbadinho e ainda reforçava a ideia de que não se tratava de uma questão de hierarquia e autoridade, mas de uma “verdade” e de um bom senso que seria independente da pessoa ou instituição que a defendesse: “Se às vezes não me agradam as opiniões, nem por isso estimo menos os sujeitos e autores.”259 Colocava-se em questão um outro critério a ser utilizado nas disputas literárias. Ao defender a precedência do mérito intelectual perante a posição social do indivíduo, Verney também criticava os valores da cultura portuguesa. Outro aspecto de ironia, já mencionado anteriormente, é o fato dele se colocar como um estrangeiro: “Eu sou estrangeiro, e com dificuldade me explicarei em uma língua que não mamei no berço”.260 Este seu posicionamento contrasta com a sua proposta de uma reforma ortográfica para a língua portuguesa. Poderia ser levantada a seguinte questão: como um estrangeiro que reconhece dificuldades de expressão na língua que não é sua pode se considerar apto a dar conselhos sobre questões relacionadas à ortografia, à estrutura e forma de uma língua a qual não tem domínio? Mesmo assim, fazendo alusão às críticas que teria ouvido sobre o famoso Vocabulário do P. Bluteau que, mesmo na condição de estrangeiro, propôs um vocabulário em português, demonstrava receio de possíveis críticas que pudessem diminuir o merecimento da obra por não ter sido escrita por um português.261 Na sua “introdução ao estudo da língua portuguesa”, conforme é apresentado no sumário da primeira carta, Verney faz um elogio aos romanos que, mesmo conquistando os gregos, tiveram a humildade em aprender a sua língua: 258 VM, Volume I, p.19. VM, Volume I, p.21. 260 Ibid., p.18. 261 O P. Bluteau nasceu em Londres, filho de pais franceses, veio para Portugal em 1668 permanecendo em Lisboa até sua morte em 1734. 259 75 Foram os romanos os primeiros que aprenderam voluntariamente língua estrangeira, o que consta que povo algum, antes deles, tivesse feito. E nisto mesmo me parecem mais raciocináveis; porque conhecendo a necessidade dela para o estudo da Filosofia, Matemática e Belas-Letras, não se envergonharam de receber lições daqueles mesmos a quem tinham vencido e davam leis. Este é um grande elogio para uma nação tão considerada como a romana: conhecer que é vencida em merecimento, e confessar publicamente esse vencimento, e pôr o remédio a essa falta.262 Assim argumenta que, mesmo na condição de conquistadores, os romanos reconheceram a superioridade intelectual dos gregos. Verney ainda comenta que, uma vez que a Grécia foi considerada como “mestra”, era comum que os romanos enviassem seus nobres para lá estudarem e “aprenderem o bom gosto”. 263 Neste caso, Verney recorreu à História para reforçar seu argumento sobre a necessidade de mudança dos costumes portugueses, sobretudo o que considerava um excesso de orgulho próprio e o preconceito em relação aos estrangeiros. Silva Dias aponta para duas tendências no final do governo de João V: uma “velha guarda inaciana”, que controlava a censura; e outra tendência, verificável dentro da Companhia, mais favorável a uma renovação. Segundo ele, uma das últimas manifestações de poder da ala mais fechada e conservadora da Companhia ocorrera em edital de maio de 1746 da Universidade de Coimbra, que advertia: nos exames ou lições, conclusões públicas ou particulares, se não ensine defensão (doutrina) ou opiniões novas pouco recebidas ou inúteis para o estudo das ciências maiores, como são as do Renato Descartes, Gassendo, Neuton e outros”. 264 No mesmo ano seria publicado o Verdadeiro Método de Estudar; o conflito que ocorria nos bastidores da corte, conforme aponta Silva Dias, entre antigos e modernos, entre “estrangeirados” e nacionais conservadores, tornou-se público e colocaria definitivamente em cheque o modelo de ensino dos jesuítas.265 Por atacar esta tradição e, sobretudo, por recomendar autores considerados suspeitos pelo Santo Ofício, O Verdadeiro Método de Estudar causou muitas reações contrárias em Portugal. Vale ressaltar, conforme já aludimos no primeiro capítulo, que Verney 262 VM, Volume I, Carta I, p.28-29. VM, Volume I, Carta I, p.30. 264 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia. op. cit., p.182-183. 265 Ibid., p.182-183. 263 76 considerava o ambiente intelectual italiano, no qual o autor estava inserido, este mais permeável à circulação de novas ideias do que Portugal. Contudo, sabendo da resistência a que teriam as suas ideias em Portugal, procurava trazer outros exemplos da história para corroborar seus argumentos. Considerava normal haver resistência às novidades, mas que a história faria aparecer a sua conveniência: Mas é necessário confessar uma verdade: em todo tempo houve dificuldade em se receberem costumes novos, ainda que fossem úteis. Os velhos não querem ceder dos costumes que uma vez esposaram. Isto vimos em Roma, no consulado de Estrabo e Messala, que publicaram um decreto em que ordenavam aos filósofos e retóricos, saírem de Roma. Catão o velho, que temia que os romanos, pela vaidade de quererem falar bem, servissem mal à República no ofício das armas, foi um grande protetor disto. Mas a verdade, por mais que se encubra, sempre transpira.266 Verney sabia que enfrentaria a resistência de alguns portugueses, principalmente dos jesuítas. Em que pese a ironia nos elogios, posicionava-se no lugar de alguém que não tinha a intenção de combater a Companhia de Jesus, mas que estava preocupado com a renovação cultural dos portugueses. De acordo com ele, outras ordens religiosas também deveriam ser advertidas pelo conservadorismo e autoridade, “pois a maior parte cuida pouco nisso, e vão vivendo como seus Mestres lhe ensinaram”.267 Entretanto, a proposta verneyana, inevitavelmente, acabava entrando diretamente em rota de colisão com os jesuítas, que se tornaram seus principais adversários. Verney ponderava que alguns jesuítas já estavam abertos às mudanças que ocorriam pela Europa, mas, em Portugal, o espírito corporativo da ordem oferecia grande resistência, preferindo-se os livros e compêndios produzidos dentro da própria Ordem: Os doutíssimos Jesuítas ensinam grande parte da mocidade em várias partes da Europa; e, não querendo apartar-se do seu Manuel Álvares, rejeitaram todas as novas gramáticas. Alguns desses religiosos, que trato familiarmente e estimo muito pela sua doutrina e piedade, me disseram claramente que bem viam que o Álvares era confuso e difuso, e que as outras eram melhores; nem se podia negar que os princípios de Scioppio fossem claros e certos; mas que 266 267 VM, Volume I, p. 29. Ibid., p.150. 77 o P. Geral não queria se apartassem do P. Álvares, por ser Religioso da Companhia.268 A Gramática Latina do Padre jesuíta Manuel Álvares, conforme já mencionada no primeiro capítulo, foi impressa pela primeira vez em 1572, e se tornou referência e símbolo da escolarização dos jesuítas pelo mundo. Mais tarde ela seria proibida nas reformas da educação promovidas por Pombal. No trecho acima Verney comenta que alguns jesuítas também comungavam sua opinião sobre a defasagem do compêndio de gramática do Padre Manuel Álvares, utilizado em todas as escolas da Companhia. Porém, segundo Verney, uma ala mais conservadora não era favorável a mudanças, pois nas “comunidades de uma Religião, nem todas seguem o mesmo método”.269 2.3 Método como palavra-chave da obra Nas cartas sobre estudos linguísticos e literários, Verney faz uma série de críticas sobre os métodos de ensino das línguas em Portugal, sobretudo o latim. O latim era Base de toda a educação dos estudos menores, entretanto, a maioria dos estudantes não conseguiam aprendê-la satisfatoriamente. Considerada a língua dos sábios e dos eruditos, alguns portugueses procuraram refletir sobre os meios pra facilitar o seu estudo. 270 Verney procurava explicar os motivos destas dificuldades apontando o seu “verdadeiro método” como mais útil e necessário para as necessidades do reino português. Ao comentar sobre os métodos utilizados no ensino do latim, Verney aponta para o que chamava de “abusos das escolas deste reino, que impedem saber a língua latina”.271 Pode-se perceber o estilo irônico utilizado neste pequeno trecho, sobretudo na maneira exagerada de caracterizar o método tradicional. Verney criticava o método utilizado nas escolas portuguesas antes do período pombalino, que ao contrário de cumprir com sua função mais importante de ensinar, “impedem” que os estudantes possam conhecer a língua latina. Percebe-se uma inversão de valores no discurso de Verney, sobretudo na forma ironica e peculiar com que 268 Ibid., p.150. Ibid., p.23. 270 ANDRADE, António Alberto Banha de. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários (17591771), Volume I, op. cit., p.20. 271 VM, volume I, p.193. 269 78 criticava as práticas de ensino das escolas portuguesas. Satirizava o método de mandar os alunos, ainda iniciantes, traduzirem Bulas e poetas clássicos como Virgílio e Horácio, e principalmente, o “abuso” de obrigar os alunos, mesmos os já iniciados, a compor versos, “é loucura obrigar a fazer versos”, “seria melhor empregar aquele tempo em coisa mais útil”.272 Verney argumentava que o método tradicional era o responsável pelo que apontava como um estado de atraso da cultura portuguesa. es o reino , segundo declarava, encontrava-se em um estado de “atraso” em que se encontrava que a acabava impondo aos portugueses. Criticava a prática de fazer o aluno repetir e decorar versos latinos sem explicar-lhes o significado das frases e das palavras, segundo Verney “o método comum de dizer de cor é falar como papagaios, e exposto a mil enganos”, e o pior de tudo, ressaltava que quando os alunos erravam, eram molestados com “pancadas” 273. Ao contrário, Verney propõe que os professores animem os estudantes “com prêmios, a que decorem bem algumas coisas, remunerando ou louvando os que o fazem melhor; sempre coisas úteis e que possam servir com o tempo”.274 Neste sentido, o traço pedagógico de sua obra é evidente, afinal, discute não apenas o que ensinar, mas como ensinar, sem “pancadas”, mas com “grande paciência”, pois, se o mestre “lhe facilita o caminho para entendê-la” não haveria necessidade de se recorrer “as muitas palmoadas que se mandam dar aos pobres principiantes”.275 Mas de acordo com Verney, para isso seria necessário bons mestres, uma reforma do método e do uso de compêndios mais modernos. Verney não despreza a necessidade da memória, mas a forma como era cultivada nas escolas portuguesas. Citava casos em que os estudantes eram obrigados a decorar poemas e orações, muitas vezes sem conhecer seus significados, somente para fixar as regras da gramática latina.276 Criticava a erudição associada à memorização de trechos, falas, frases em latim, sem que o estudante tivesse consciência de sua finalidade: Quem obriga os rapazes a aprender muito verso e muita arenga, fazlhe mal, cuidando fazer-lhe bem. Eu comparo a memória cheia de semelhantes ideias a uma livraria grande, cujos livros não estão nas 272 Ibid., p.189-190. Ibid., p.221. 274 Ibid., p.238. 275 Ibid., p.35, p.179. 276 Ibid., p.142. 273 79 estantes, mas amontoados no meio e pelos cantos: quem nela procura um livro determinado, não o encontra, mas oferecem-lhe cem mil, que nada fazem ao caso. Da mesma sorte, a memória mal regulada, quando lhe pedem uma ideia, oferece tantas e tão fora de propósito, que é o retrato da confusão; de que nasce que nunca se aprendem bem as outras Ciências.277 Verney argumenta que o mau uso da memória pode afetar o aprendizado das outras ciências. Assim, a memória e a erudição, em sua opinião, só têm valor quando sabemos como recorrer a elas para aplicá-las nas diferentes circunstâncias em que se aplicam, tornando-se úteis quando, justamente, sabemos nos servir delas quando a matéria exige. Não despreza a importância da memória, mas faz considerações sobre como saber cultiva-la, sem excesso e, principalmente, sem “afectação”, o que para ele significava falta de bom gosto e estilo na língua latina. Sobre o ensino do latim nas escolas menores, Verney é bastante rigoroso sobre as indicações bibliográficas, que deveriam seguir exatamente determinada ordem, “porque, sem ela, nascerá confusão e impedimento, como todos os dias observamos no método vulgar”. 278 Devia-se começar pelos autores “que falaram a língua naturalmente, do que os que abundam muito de metáforas e mil outros ornamentos dificultosos”.279 E, na medida em que fosse lendo os autores mais complexos, poderiam ir sendo apresentados os demais. Por isso dever-se-ia começar pelas cartas, “que é um modo de compor fácil” 280, ao contrário dos poetas heroicos como Horácio. No estudo do latim, Verney preferia autores cômicos como Plauto e Terêncio, que usam frases mais curtas e naturais, sem os “ornamentos obscuros” que demandariam erudição. Para adquirir gosto pelos conteúdos e assuntos da latinidade e para que o estudante se identificasse com os autores, seriam imprescindíveis conhecimentos básicos de Geografia: [...] não pode o estudante entender com facilidade um autor que trata a história de um conquistador, sem a notícia dos países de que fala; e nem menos o poderá entender com gosto. Pelo contrário, se é informado, ainda que superficialmente, desta notícia, percebe maravilhosamente o fato: facilita-se a inteligência do autor, e por este meio, a dita língua. Um moço, que ignora totalmente a Geografia, toma limpamente um nome de cidade pelo de um reino, e pelo de uma pessoa, e outros enganos, que vão acompanhados da 277 Ibid., p. 237. Ibid., p.228. 279 Ibid., p.228. 280 Ibid., p.222. 278 80 ignorância da língua. Quem não souber, v.g. que Nápoles é nome de uma cidade e de um reino juntamente, não só cofundirá os termos, mas também as coisas que ambas se aplicam. E isto não é somente dano da história, mas também impedimento para a inteligência da língua latina.281 A Geografia era considerada por ele importante para o ensino da latinidade e, inclusive, adverte que não era um exagero, mas algo necessário para o estudante entender “nomes de gentes, de povos, regiões, cidades [...] Como há de entender as conquistas de Alexandre, se ele não sabe por onde foi, que nações venceu, que dificuldades superou?”.282 As críticas de Verney extrapolam o problema das deficiências do método de ensino utilizado nas escolas menores. Fazendo uma série de considerações a respeito da cultura portuguesa, acaba realizando uma associação entre o método e tradição cultural. Com ironia, critica algumas tradições culturais portuguesa, condenando a sua falta de bom gosto. Para exemplificar os exageros, o excesso de erudição, ou o que ele chamava de “afetação”, Verney comenta sobre o uso feito pelos portugueses do estilo lapidar, que era utilizado nas lápides dos antigos monumentos romanos: No tempo de Augusto, em que cozinheiros, pasteleiros e moços dos moinhos sabiam mais eloquência e bom gosto do que a maior parte destes modernos doutores, não se escrevia assim: as inscrições eram naturais, claras e em poucas palavras. 283 Entre os romanos, Verney afirma que as inscrições das lápides eram feitas “sem afectação”, porém, no fim do século XVI começaram a introduzir o que Verney chama de “ridicularia”, o uso do estilo lapidar, cheio de “afectações” e para outros propósitos, como para escrever livros: “ou é lápide, ou é livro. Não há coisa mais ridícula que esta.”284 Suas críticas se estendem para os grandes autores da cultura portuguesa, como ao Padre António Vieira e a Camões: “[...] se eu falasse com outra pessoa que não fosse V.P., se escandalizaria muito que eu não aconselhasse aqui a leitura do 281 Ibid., p. 195. Ibid., p.194 283 VM, volume II, p. 293. 284 Ibid., p.297. 282 81 P. Vieira [...]”.285 Embora fizesse elogios e demonstrasse respeito pelas suas virtudes, não aprovava a ortografia usada por ele e criticou as suas cartas pela “afectacao” em repetir exageradamente pronomes de tratamento, como Vossa Excelência, Excelentíssimo senhor, causando “náusea” em seus leitores.286 No caso da poesia portuguesa, acusava os desvios das convenções e regras pré-estabelecidas da chamada arte da poesia. Segundo Verney, os poetas portugueses seguiram os melhores exemplos da Antiguidade e a “boa razão”; no caso de Camões, teve muitas “qualidades de poeta”, mas querer compará-lo com Homero, achava uma “temeridade”.287 Mesmo considerando algumas qualidades em Camões, pelo seu “engenho, imaginação fecunda e grande”, destaca muitos defeitos: errou o título da obra que, segundo os mestres da arte, tomavam o título da obra pela pessoa, “como Odisseia, Eneida, ou do lugar da ação, como Ilíada, que é tomado da cidade de Ílio”. Ao utilizar o título os Lusíadas, Camões, em vez de utilizar como título Vasco da Gama, usa um termo que abarca todos os portugueses e ainda peca por usar o plural, “que não tem exemplo na boa Antiguidade”.288 Camões errou também porque, devendo focar apenas a ação de Vasco da Gama, propõe a ação de “todos os varões ilustres de que se compõe a inteira história de Portugal”. Verney também criticava a importância dada pela poesia no sistema de ensino português. Para ele a poesia só tinha utilidade na medida em que ajudava na compreensão da língua latina e no desenvolvimento da eloquência. Para os estudantes que tivessem vocação para esta arte, deveriam frequentar uma escola separada, caso contrário seria “loucura obrigar os rapazes a fazerem versos”. 289 E ainda reiterava que “a poesia não é coisa necessária na República: é faculdade arbitrária e de divertimento”. Bastaria ensinar as suas regras básicas para que os estudantes pudessem entendê-las, para assim, liberta-los daquele “cativeiro” e poderem se ocupar em coisas úteis.290 Alguns portugueses, conforme será aprofundado mais adiante em nosso estudo, já vinham apontando para a necessidade de reformas no sistema de ensino 285 Ibid., p.174. Ibid., p.191. 287 Ibid., p.306. 288 Ibid., p.308. 289 Ibid., p.332. 290 Ibid., p.336. 286 82 português, porém ninguém havia exposto estas ideias publicamente, e muito menos da forma irônica como foi feito por Verney no Verdadeiro Método de Estudar. Ao tornar público as ideias contidas nas cartas, o autor sabia que estava confrontado todo um modelo hegemônico de ideias e que seria inevitável o choque com os jesuítas. Alguns trechos do Verdadeiro Método poderiam também indicar que havia sinceridade nas colocações de Verney e que sua intenção era criticar apenas o sistema de ensino, e não a ordem dos jesuítas. Não há dúvida que queria desqualificar e desacreditar o sistema filosófico dos inacianos, porém, Verney foi muito severo, exagerou nas suas críticas e usou de sátira e termos incomuns para um debate científico. Outrossim, apresentado o resultado obtido, sua obra cumpriu com o objetivo de chamar a atenção dos letrados portugueses, causando uma série de polêmicas. No próximo capítulo serão apresentadas algumas ideias do Verdadeiro Método de Estudar as quais foram incorporadas por Verney para a elaboração de seus argumentos. Diante das novas ideias que circulavam na Europa na primeira metade do século XVIII, tentar-se-á mostrar quais delas foram incorporadas e utilizadas por ele, e quais foram rejeitadas. 83 CAPÍTULO III – O VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR: EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E MÉTODO Neste capítulo será apresentado o Verdadeiro Método de Estudar, visando identificar as principais ideias do ideário das Luzes com as quais Verney dialoga. Pretende-se discutir de que maneira Verney faz uso de um “vocabulário de ideias” que já estava disponível desde o século XVII, por meio da divulgação das obras de filósofos modernos como Bacon, Descartes, Newton, Locke, entre outros - para propor um novo método de estudos para Portugal. Procura-se, portanto, demonstrar o que ele quis dizer com esta ideia, e quais os principais temas articulados a ela. Ao apresentarmos os principais elementos do sistema filosófico proposto por Verney no Verdadeiro Método de Estudar, buscaremos apontar como a concepção de método, na abordagem de Verney, vai sendo construída a partir do contraste entre o que ele entendia por “filosofia moderna” e “filosofia escolástica”. 3.1 A filosofia natural como paradigma no contexto do Iluminismo Como se sabe, a modernidade provocou uma grande mudança na visão de mundo dos homens, da sua relação com a natureza, da sua relação com a história. Esta mudança já vinha sendo percebida quando os filósofos comparavam os conhecimentos adquiridos em sua época com aqueles herdados dos antigos. A leitura de Verney permite perceber um otimismo que será manisfestado no final do século XVIII quando Kant, ao responder à pergunta “Was ist Aufklärung?”291, identificava um momento importante na história do pensamento humano, tratando o Iluminismo como um processo ainda em curso de constante progresso e aperfeiçoamento do homem. Respeitando o ritmo e a especificidade cultural de cada região, este otimismo em relação às conquistas da filosofia moderna iria se difundir para todos os cantos 291 “O que é o Iluminismo?”. Aufklärung é comumente traduzido do alemão para o português como Iluminismo, entretanto alguns autores, seguindo as propostas da Escola de Frankfurt, preferem o termo Esclarecimento. Sérgio Paulo Rouanet propõe uma distinção entre Ilustração e Iluminismo. A primeira, enquanto corrente intelectual historicamente situada, corresponde ao movimento de ideias do século XVIII, e Iluminismo, como uma tendência transepocal, não situada, não limitada a uma época específica. Cf. ROUANET, Sérgio Paulo. As Razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. e ROUANET, Sérgio Paulo. Dilemas da Moral Iluminista. In: Ética. NOVAES, Adauto (org.). São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura: Companhia da Letras, 2002, p.153. 84 da Europa. E para o caso de Portugal, Verney foi talvez o seu maior representante, sobretudo pela forma com que abraçou a física como modelo de seu método de estudos e pelo exagero com que “pintou” o atraso português em relação ao que se passava na “Europa culta”. Não há dúvida que Verney estava alinhado com o Iluminismo. Na interpretação de Cassirer, a filosofia do Iluminismo é caracterizada por uma unidade na diversidade; não existe uma preocupação em dar conta da totalidade dos problemas propostos pelo século das Luzes, mas sim identificar o que seria, a seu ver, uma unidade de fonte intelectual e do princípio que a rege. No contexto cultural do Iluminismo, a filosofia natural acabou se impondo como um modelo a ser seguido. Assim como o mundo físico poderia ser explicado e compreendido por leis universais, a vida moral dos homens também teria as suas leis, que deveriam ser explicadas pelo mesmo método utilizado na análise dos fenômenos físicos. Este aspecto confere uma unidade dentro de toda amplitude e diversidade de temas e problemas levantados pelos homens dos séculos XVII e XVIII. Há um elemento comum: a síntese feita por Newton seria a base para toda uma nova visão de mundo, uma nova Weltanschaung. A partir de Newton, impôs-se a ideia de que a força fundamental que rege a vida dos corpos celestes seria exatamente a mesma que rege a vida dos corpos na terra. O século XVIII é tomado por um encantamento pela “Filosofia Experimental” newtoniana.292 Encontramos diferenças na maneira como esta ideia foi pensada e discutida, porém o fundamento é o mesmo. O ideário iluminista chamava a atenção em relação à importância da ciência para o progresso do estado e como este também deveria ser compreendido a partir do método que vinha sendo utilizado na explicação dos fenômenos naturais. Sendo assim, o estado passa a ser percebido como um corpo, que possui suas propriedades e suas leis de funcionamento. Acreditava-se que para se chegar a uma ciência sobre o estado, bastaria transferir para a política o mesmo método da física.293 Assim, a teoria do estado se adapta a filosofia natural, porque se adapta ao seu método. O uso da física para pensar as questões políticas já estava presente nas ideias de Thomas Hobbes. Partindo da premissa de que existem leis naturais 292 JAPIASSU, Hilton. As paixões da ciência: estudos de história das ciências. São Paulo: Letras e Letras, 1991, p.123. 293 CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. São Paulo: Editora da Unicamp, 1992, p.339. 85 que regem os “corpos físicos”, o estudo das leis dos “corpos políticos” seria essencialmente o que Hobbes chamou de política ou filosofia civil. 294 Assim, pretendia descobrir: quais eram os princípios e as leis que governavam os corpos políticos?.295 Conforme destacou Calafate, independente das diferenças entre Hobbes, Descartes, Newton, Bacon, a grande mudança provocada pela filosofia moderna representa uma “destruição de uma ideia de natureza submetidas aos conceitos de matéria, forma e qualidades, para passar a encará-la como um conjunto de fenômenos quantificáveis”.296 Esta nova percepção dos fenômenos naturais acabaria se chocando com o modelo que era utilizado até então para explicar o homem e suas relações com a natureza.297 3.1.1 O sistema verneyano Mesmo fazendo críticas ao sistema cartesiano, o método pretendido por Verney seguia o mesmo ânimo do Discurso sobre o Método de Descartes, conforme podemos perceber no trecho abaixo: [...] ao invés dessa filosofia especulativa ensinada nas escolas, podese encontrar uma filosofia prática, mediante a qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos rodeiam, tão distintamente como conhecemos os diversos ofícios de nossos artesãos, poderíamos empregá-las do mesmo modo em todos os usos a que são adequadamente e assim nos tornarmos como senhores e possessores da natureza.298 O cartesianismo, como um sistema de pensamento, representava uma nova ideia de natureza e as capacidades do homem em conhecê-la. Havia a possibilidade do homem se assenhorear da natureza. Mesmo sendo criado por Deus, o homem 294 SKINNER, Quentin. Hobbes e a liberdade republicana. São Paulo: Editora Unesp, 2010, p.38. De acordo com Skinner, entre os anos de 1634 e 1636 Hobbes passou a se interessar pelas experiências científicas, foi quando teve uma intuição que serviria como um de ponto de partida ou princípio geral de sua teoria: “a única coisa real é o movimento”. Inicialmente Hobbes trataria dos corpos físicos, para somente depois analisar os fenômenos ligados aos corpos políticos. Entretanto, devido ao contexto da guerra civil inglesa, a ordem de seu projeto foi alterada, começando pelo final. 296 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, Volume III, op. cit., p. 170. 297 Como foi o caso de alguns dogmas religiosos, como o milagre da eucaristia, cuja explicação representava a fusão da filosofia escolástica com a Teologia. 298 DESCARTES, Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 69. 295 86 passa a ser percebido como a única criatura capaz de compreender a sua obra, o único elemento capaz de explicar seu funcionamento, desvendar o funcionamento das “máquinas dos corpos”. Ao aderir a esta perspectiva - embora não se considere um cartesiano - Verney estava se apropriando de uma filosofia cujo sistema de valores entrava em confronto direto com a “filosofia especulativa ensinada nas escolas”. A ruptura provocada por Descartes no pensamento europeu moderno colocava a posição do homem como um elemento capaz de reconhecer o mundo criado por Deus e na condição de “senhores e possessores da natureza”, ao contrário do homem tutelado por Deus. Segundo Verney, Descartes: Foi o primeiro que abriu a porta à reforma dos estudos; pois ainda que Bacon de Verulânio e Galileu Galilei tivessem indicado o método de fazer progressos na Física (e alguns outros os fossem imitando), é certo, porém, que Descartes foi o primeiro que fez um sistema ou inventou hipótese para explicar todos os fenómenos naturais, e por este princípio abriu a porta aos outros para a reforma das Ciências.299 Verney também acompanha Descartes em sua defesa pela língua vulgar. Assim como escreveu seu Discurso do Método em francês, Verney escreveu o Verdadeiro Método de Estudar em português, e não em Latim, conforme a maioria dos tratados filosóficos. A defesa da língua nacional visava garantir o acesso aos novos princípios das Luzes e atendia à necessidade pedagógica de transmitir estes novos conhecimentos a um público maior e mais variado. O leitor comum não possuía o conhecimento do latim e geralmente o estudante ainda não o dominava. Verney argumenta que esta preferência pelo vulgar na escrita de obras filosóficas já vinha ocorrendo na Europa: Antigamente, entendiam os doutos que era necessário saber Latim para saber as Ciências; mas, no século passado e neste presente, desenganou-se o mundo e se persuadiu que as Ciências se podem tratar em todas as línguas [...] os Ingleses, Holandeses, Franceses, Alemães etc. Começaram a tratar todas as Ciências em Vulgar. Esta hoje é a moda. Os melhores livros acham-se escritos em Vulgar; e qualquer homem, que saiba ler, pode entender na presente era todas as Ciências. 300 299 300 VM, Volume III, p.15. VM, Volume I, p.273. 87 As obras dos autores modernos eram publicadas nas línguas nacionais e nem sempre traduzidas para o Latim. Esta era uma “moda”, usando a definição de Verney, que caracterizava a Filosofia moderna. Por isso, recomendava também o estudo de línguas estrangeiras, principalmente o Francês e o Italiano, e ressalta que “para ser bom Filósofo, não é necessário saber Latim”301. Vale lembrar que, em Portugal, o domínio do Latim ainda era considerado muito necessário para o acesso aos cargos mais importantes da administração civil e eclesiástica.302 Mesmo entre os “modernos”, alertava Verney, existia grande diversidade, pois os primeiros críticos de Aristóteles como Descartes, “ainda que fossem AntiAristotélicos nos fundamentos, muito se inclinavam ao Peripato no método”. A crítica de Verney a Descartes explica-se pela sua preferência pelo experimentalismo de Newton e Locke. No seu plano de estudos da Física, sugere que se deve primeiro estudar os filósofos, para depois “determinar qual deles se deve abraçar, examinando fundamentalmente as razões de Newton, de Cartésio, de Leibnitz”.303 A “filosofia moderna” era compreendida por Verney pela sua diversidade, não pela adesão a um sistema único. O novo método “é não ter sistema”, e envolve todas as contribuições de filósofos que restabeleceram a importância da Matemática para a Física desde Galileu, Descartes, Hobbes, Newton. 304 A “filosofia moderna”, na definição de Verney é: Conhecer as coisas pelas suas causas; ou conhecer a verdadeira causa das coisas [...] saber a causa que faz subir a água na seringa é Filosofia; conhecer a verdadeira causa por que a pólvora, acesa em uma mina despedaça um grande penhasco é Filosofia305. Assim defendia que a filosofia moderna era um novo tipo de conhecimento voltado sobretudo para a explicação das causas dos fenômenos naturais, isso “é Filosofia”. Portanto, a filosofia moderna, na concepção mais ampla de Verney, confunde-se com toda a ciência, e deve seguir o paradigma do método da física experimental, ou seja, observar os fenômenos e explicar suas causas. Neste caso, não há tanto uma preocupação em delimitar os campos específicos de cada disciplina, mas defender a necessidade do uso de um mesmo método para todas 301 VM, Volume III, p.229. CARVALHO, Laertes Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública, op. cit., p.65. 303 VM, Volume III, p.236 304 Ibid., p.217. 305 Ibid., p. 39. 302 88 elas. A centralidade do método experimental torna a Física a parte mais importante de sua Filosofia.306 Portanto, a sua concepção filosófica segue o modelo da filosofia natural307, que se torna um pré-requisito para as demais e constitui a base de todo seu sistema filosófico, bem como de toda a sua proposta de ensino. Embora Verney seja contra o que chama de “espírito de sistema”, o Verdadeiro Método de Estudar segue uma lógica e um princípio que poderia ser compreendido como um sistema filosófico cujo núcleo é o método da física experimental. Seguindo a perspectiva newtoniana, considerava necessário a comprovação das hipóteses por meio das experiências: Este deve ser o primeiro emprego do Físico: observar e discorrer. Não devemos querer que a natureza se componha segundo as nossas ideias; mas devemos acomodar as nossas ideias aos efeitos que observamos na natureza308. O fim do Físico é descobrir a verdadeira causa dos efeitos naturais; e, para conseguir este fim, não deve fazer caso do que dizem os outros, sim do que mostra a experiência.309 Na concepção de Verney, a observação dos fenômenos passa a ser o ponto de partida, e a comprovação por meio das experiências a condição sine qua non para a produção do conhecimento acerca da natureza e do homem. Contrariando a concepção segundo a qual a fonte do verdadeiro conhecimento eram os “Doutores”, defendia que o raciocínio deveria ser fundado em princípios evidentes. Para ilustrar esta ideia utiliza a seguinte metáfora: Se V.P. ouvisse um homem que sem ter ido à Índia, ou ter lido muito e conversado muito com os que lá foram e examinaram o caso bem, dissesse mil coisas da Índia, e isto com tal confiança, que, sendo contrariado constantemente pelos que lá foram e consideraram bem aquela Península, ainda assim persistia na sua opinião, cuido que não deixaria de rir. Pois também eu me rio muito dos que, sem irem ao país da Física, falam e decidem sobre as suas partes.310 Os Doutores desprezavam todas as experiências e descobertas científicas que vinham ocorrendo em sua época. Baseadas na observação e experiência e 306 Ibid., p.168. Verney não distingue a física da filosofia natural, tratando estes termos como sinônimos. 308 VM, Volume III, p.190. 309 Ibid., p. 203. 310 Ibid., p.183. 307 89 “livre de paixão, cada filósofo propõe as suas razões sobre as coisas que observa: as que são claras e certas se abraçam; as duvidosas, ou se rejeitam, ou se recebem no grau de conjecturas”.311 O “novo método de estudar” proposto por Verney significava também uma reorganização da estrutura curricular utilizada nas universidades portuguesas. Por exemplo, a física era considerada uma disciplina fundamental ao estudante de medicina, pois “nosso corpo é uma máquina hidráulica muito mais perfeita que um relógio”.312 Entretanto, como a maioria dos médicos portugueses eram peripatéticos, significava dizer que não sabiam Filosofia, especialmente a Física.313 A Física embasaria também o enfoque do ensino do Direito, que deveria ser precedido pelo estudo da Ética. Segundo Verney, a Ética era tratada como um ramo da Teologia nas escolas portuguesas, e por isso propõe a integração da Ética na Filosofia, pois entende que a Ética “é aquela parte da Filosofia que mostra aos homens a verdadeira felicidade, e regula as ações para conseguir” 314. Por meio do método da observação seria possível identificar as “ações honestas e também úteis à sociedade civil”.315 A reorganização das disciplinas a partir do método da Física implicava considerar a Medicina como uma continuação da Física e a Jurisprudência uma continuação da Ética. Tudo deveria ser submetido a um mesmo princípio. Para Verney todos os problemas do ensino em Portugal tinham a mesma “doença” (a filosofia escolástica) e o mesmo “remédio” (a filosofia moderna). Por exemplo, o principal defeito da prática da Jurisprudência em Portugal, de acordo com ele, deviase à sua “falta de método”316, pois “nenhum juiz facilita a inteligência das coisas de que trata; nenhum se contenta de dizer pouco, contanto que diga bem; todo o ponto está em acarretar erudição e amontoar textos sem pé nem cabeça”.317 Seria necessário que o estudante de Direito, antes de iniciar o estudo das leis, conhecesse a Lógica para julgar bem e “aquela Física que ensina a formar verdadeiro conceito do que é natureza criada e incriada.”318 311 Ibid., p.203 VM, Volume IV, p. XII e p.13 313 Ibid., Carta XII, p.11 314 VM, Volume III, p.254 315 Ibid., p.259. 316 VM, Volume IV, p.175. 317 Ibid., p.175. 318 Ibid., p.160. 312 90 O estudo da Teologia também deveria ser tutelado pelo método experimental da física, e por isso estes estudos se encontravam atrasados em Portugal. Ao contrário de uma Teologia que fosse útil “para defender a Religião”, se praticava uma Teologia que custava o tempo de uma vida “para falar nas coisas sem fundamento algum”.319 Para Verney este método era prejudicial aos dogmas e dificultavam as disputas contra os hereges, pois “Não é o método o que se condena nos Hereges; é a má interpretação”.320 Por isso recomendava o estudo da História da igreja, aplicando o método crítico, pois “não basta que um homem afirme uma coisa; é necessário que a prove e mostre que os monumentos de que tira as suas provas são livres de toda a corrupção”.321 Neste caso, o empirismo serviria para fundamentar as afirmações a partir de provas e documentos.322 3.2 Uma nova organização das ideias e instituições A verdade é filha do tempo, não da autoridade.323 No contexto intelectual português, as críticas ao modelo escolástico já vinham sendo debatidas antes de Verney reafirmá-las publicamente no Verdadeiro Método de Estudar. Na Academia dos Generosos, por exemplo, círculo intelectual capitaneado pelo 4º conde de Ericeira, contestava-se a autoridade de Aristóteles e se considerava absurdo negar a “glória de novos inventos, como se os antigos mestres esgotassem toda a ciência”.324 Elogiando a ciência e sua contribuição para o desenvolvimento das Artes e Ciências, Rafael Bluteau apontava para a perfeição atingida pelos modernos, que “excedem no número, methodo, noticia, e elegância todas as obras dos antigos”.325 Para Bluteau, a ciência é a mãe de todas as Artes (como os ofícios mecânicos), que ensina o Médico a curar as doenças e os políticos a governarem.326 319 Ibid., p.252. Ibid., p.231. 321 Ibid., p.266. 322 Neste sentido, Verney se aproximava do método de crítica das fontes proposto pelo francês Jean Mabillon (1632-1707). 323 BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras Indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p.66. 324 ARAÚJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal, op. cit., p.25 325 Ibid., p.27. 326 Ibid., p.37. 320 91 Outro português entusiasta da filosofia moderna foi Jacob de Castro Sarmento, considerado o principal divulgador do baconismo e do newtonianismo em Portugal; vivendo em Londres, chegou a tornar-se membro da Royal Society.327 Porém, ao contrário do êxito que algumas obras tiveram na Itália, como o Newtonianismo para as damas (1733) de Algaroti, as obras de Castro Sarmento praticamente caíram no esquecimento pela escassa divulgação que tiveram em Portugal.328 Da mesma maneira D. Francisco Xavier de Menezes chegou a defender as ideias de Newton na Academia Real da História, demonstrando conhecimentos sobre a Física, a Astronomia e a Matemática, e só não propôs o paradigma newtoniano devido aos efeitos e reações que poderiam ocorrer no círculo dos acadêmicos.329 Verney faria uso de algumas das ideias de Bacon, sobretudo para defender a filosofia de sua época (filosofia moderna) em comparação com a filosofia dos antigos. Bacon reconhecia valor na filosofia de Aristóteles, mas considerava seu método estéril, apropriado para disputas e contendas, porém inútil para a produção de obras que pudessem beneficiar a vida dos homens.330 O método usado pela maioria dos filósofos de sua época, que Bacon denomina de “método tradicional”, era um procedimento caracterizado por reunir e consultar o que os outros disseram antes.331 Sendo assim, propõe uma nova interpretação da natureza e considerava que a Ciência até a presente data em que redigia o Novum Organum, provinha dos gregos, mas que tinha o defeito de ser muito acadêmica e dada às disputas. 332 Lamentava o fato de “a filosofia natural”, até então, ter ocupado parte “insignificante da atividade humana”.333 Para Bacon, o método significava também um conjunto de princípios voltados para a utilidade social da ciência e argumentava que esta tinha a finalidade de produzir novos inventos e recursos para os homens.334 Reclamava que poucos se dedicavam a praticar a ciência com este objetivo, pois segundo ele, a maioria busca apenas seu próprio lucro e glórias acadêmicas. Além disso queixava-se da falta de 327 Ibid., p.42 Ibid., p.44 329 Ibid., p.47 330 De acordo com os relatos do capelão e biógrafo de Bacon Willian Rawley. Cf. BACON, Francis. Novum Organum ou Verdadeiras Indicações acerca da interpretação da natureza, op. cit., p.7. 331 Ibid., p.64. 332 Ibid., p.56-57. 333 Ibid., p.62. 334 Ibid., p.64. 328 92 estímulo, pois o cultivo das ciências não era favorecido com honrarias e recompensas. Na sua obra, Bacon não usa o termo methodus como Descartes, prefere o termo ratio ou via, e argumentava que não adianta apenas realizar as experiências, mas seria necessário um método para nos guiar “pela selva da experiência”.335 Apontava para o problema da autoridade presente na maioria das instituições como um obstáculo para o progresso das ciências: Nos costumes das instituições escolares, das academias, dos colégios e estabelecimentos semelhantes, destinados à sede dos homens doutos e ao cultivo do saber, tudo se dispõe de forma adversa ao progresso das ciências. De fato, as lições e os exercícios estão de tal maneira dispostos que não é fácil venha a mente de alguém pensar ou se concentrar em algo diferente do rotineiro. Se um ou outro, de fato, se dispusesse a fazer uso de sua liberdade de juízo, teria que, por si só, levar a cabo tal empresa, sem esperar receber nenhuma ajuda resultante do convívio com os demais. E, sendo ainda capaz de suportar tal circunstância, acabará por descobrir que a sua indústria e descortino acabarão por se constituir em não pequeno entrave à sua boa fortuna. Pois os estudos dos homens, nesses locais, estão encerrados, como em um cárcere, em escritos de alguns autores. Se alguém deles ousa dissentir, é logo censurado como espírito turbulento e ávido de novidades.336 Mesmo considerando a distância no tempo, em que Bacon escreveu seu texto, mais cedo ou mais tarde, este choque entre a “filosofia tradicional” (escolástica) e os princípios da filosofia moderna acabaria se difundindo para toda a Europa. De forma semelhante, Verney faria uso destes argumentos para desacreditar a filosofia escolástica em Portugal que predominava nas instituições de ensino. Assim como Bacon, Verney também reclamava a falta de apoio aos homens de ciência e a censura por defenderem ideias inovadoras. Na primeira metade do século XVIII, o debate entre antigos e modernos ganharia cada vez mais importância em Portugal, e as polêmicas em torno do Verdadeiro Método de Estudar representaram um momento chave deste processo. A Carta VIII do Verdadeiro Método de Estudar, dedicada a Filosofia, foi a mais polêmica de todas, pois Verney atacava a base de todo o sistema de ideias que sustentava a filosofia tradicional e que exercia hegemonia em Portugal até a metade 335 336 Ibid., p.65. Ibid., p.73. 93 do século XVIII. Os seguidores da filosofia escolástica costumavam ser identificados pelos iluministas portugueses como “peripatéticos” ou “seita peripatética”, para que fossem distinguidos do que consideravam ser o verdadeiro pensamento de Aristóteles.337 Verney analisa sistematicamente a distância entre o que disse Aristóteles e o que dizem aqueles que se chamam aristotélicos, ou “peripatéticos”, definidos por ele como discípulos e herdeiros da doutrina de Aristóteles.338 Verney procurou desacreditar a filosofia escolástica e apontar para a superioridade da filosofia moderna. Os conteúdos apresentados nas cartas sobre a filosofia se dirigiam principalmente aos temas abordados no currículo das universidades. Porém, deveria haver primeiramente uma mudança em toda a base da Filosofia praticada em Portugal, mediante o abandono da Filosofia escolástica. Nas escolas menores, ou “escolas baixas” na terminologia de Verney, em que se preparava o aluno para o ingresso na universidade, a base principal era o estudo do latim. Porém, as mudanças necessárias no método de estudo da Filosofia praticada no reino português eram as mais importantes e mais urgentes, pois “necessitavam ainda maior reforma que as outras, porque o mau método das escolas baixas alguma coisa se pode emendar com o tempo”, porém argumentava que, uma vez iniciado no estudo da Filosofia pelo “mau método” praticado em Portugal - cheio de “metafísicas obscuras” - não seria possível remediar o que causava “a confusão na Medicina, Teologia e mais Ciências”.339 Na súmula da carta sobre a física, Verney não deixa dúvidas sobre sua posição perante o estado desta disciplina em Portugal: Mostra-se que coisa é Física. Que em Portugal não entendem o que é, nem sabem tratar a Física. Prejuízos dos peripatéticos; e danos que resultam da Física da Escola, Excesso da Filosofia moderna, e principalmente da Física, sobre a antiga. Diversidade entre os mesmos Modernos; e qual sistema se deve preferir [...].340 Quando trata de outras disciplinas, quase sempre segue a mesma estrutura, apontando primeiro os defeitos da metodologia utilizada em Portugal, para depois recomendar o seu método. Além de útil, seu método promoveria uma redução no 337 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, Volume III, op. cit., p.169. VM, volume III, p.171. 339 Ibid., p.2. 340 Ibid., p. 167. 338 94 tempo necessário para o ensino das disciplinas. No caso do Direito, chega a afirmar que reduziria o estudo das leis de oito anos para “um ou dois; e pode ser que ainda menos [...] e que, seguindo a Lei pelo método que dizemos, não empregaria tanto tempo, e sairia com mais utilidade”.341 O método proposto por Verney estava voltado para a formação de um “outro homem”, a partir dos princípios da “filosofia moderna”, que pudesse entender “os interesses dos Príncipes”, “premeditar um projeto avantajoso, estipular um contrato útil” e “aconselhar o seu Embaixador sobre estas matérias”.342 Advertia sobre a necessidade de formar homens preparados para as necessidades de seu tempo, que pudessem ocupar cargos e defender com êxito as demandas do reino. 343 Assim, era necessária uma reformulação de todo o sistema de ensino, mas, sobretudo, das Universidades: Porque, sendo costume que das Universidades se tirem os que hão de administrar o Econômico e Político do Reino, e sucedendo alguma vez que estes sejam mandados às Cortes estrangeiras por Enviados etc. para negócios de grande consideração, não tendo os requisitos necessários, não podem fazer bem a sua obrigação, e muitas vezes podem fazer danos.344 Para Verney, um dos maiores problemas da filosofia praticada em Portugal era o seu preconceito em relação à cultura estrangeira. Utilizava a palavra método para designar a prática do intercâmbio intelectual entre as nações, chamando a atenção para a importância do espírito cosmopolita das Luzes no sentido do desenvolvimento científico das nações. Argumentava que “franceses, ingleses, holandeses e alemães” “correm o mundo para formarem os costumes, acompanham os avanços científicos das Academias de Ciências como a de Londres, Paris e S.Petesburgo”, no entanto, “este método é ignorado nas Espanhas, e mui principalmente em Portugal, onde vejo desprezar todos os estudos estrangeiros”.345 O desconhecimento da “filosofia moderna” em Portugal ou do que Verney também identifica por “boa filosofia” ou “ciência” ou “amor da ciência” era consequência do conservadorismo e do isolamento dos portugueses, pois “eles 341 VM, volume IV, p.142-143. Ibid., p.132. 343 Ibid., p.132. 344 Ibid., p.130. 345 VM, Volume III, p.17-18. 342 95 confundem todos os autores modernos e, sem mais exame, os acusam dos mesmos erros e, com estranha dialética, os condenam de ignorância”.346 Para ele, a superação da “filosofia aristotélica” tornava-se uma tarefa imprescindível, como fica marcante na seguinte passagem: As leis do movimento, que segundo Aristóteles, são a chave para penetrar os segredos da natureza, hoje estão demonstradas, e, mediante as ditas, explicam-se muitos efeitos de que se ignorava a causa. Antigamente os Filósofos não viam nos animais senão aquilo que podem observar os carniceiros; nas árvores, aquilo que sabem os carpinteiros; não tinham mais conhecimento das plantas do que pode ter um jardineiro; nem dos metais sabiam outra coisa se não o que sabe um fundidor. Mas hoje os Filósofos fazem anatomia em todas estas coisas; explica-se a disposição orgânica de muitas destas partes como se explica a disposição de um relógio. Este modo de examinar a natureza tem aberto os olhos aos Filósofos, e tem-lhe mostrado que da disposição maquinal de várias partes dependem alguns movimentos que se atribuíam a causas ocultas.347 Embora fizesse elogios às teorias que explicavam o funcionamento dos organismos vivos como máquinas (como os relógios) – em uma perspectiva mecanicista, Verney se defende e afirmava não desprezar a filosofia antiga, como argumentavam seus críticos; o autor considera que muitas coisas que os antigos disseram estavam corretas, mas que precisavam ser submetidas à experiência. Para ele o problema dos antigos se encontrava no fato que estes não “tinham telescópios para observar os astros [...] e os mais instrumentos sem número que o método moderno enriqueceu a Física”.348 Com o uso de instrumentos adequados e com o auxílio do método moderno seria possível distinguir o que era verdadeiro, daquilo que era verossímil ou falso. Outro aspecto importante da proposta metodológica de Verney envolve a questão das disciplinas auxiliares e sobre a conexão entre as disciplinas. Em todas as cartas faz um breve esboço histórico e defende que todo o aprendizado se inicie por uma breve história do assunto. No caso do Latim, por exemplo, Verney defendia a necessidade de conhecimentos de História para se conhecer o contexto e “fugir os 346 Ibid., p.12. Ibid., p. 196. 348 Ibid., p.195-196. 347 96 anacronismos, ou confusão dos tempos”.349 Para o ensino do Direito, a história se torna imprescindível: Quando V.P. ouvir dizer um Jurista que não sabe a História Civil, principalmente a Romana, e a um Teólogo que ignora a História da Igreja, sem mais outro exame assente que nem Leis, nem Teologia sabe; porque a História é uma parte principal destas duas faculdades, sem a qual não é possível que um homem as entenda.350 Por isso recomenda o uso de Dicionários Históricos e Compêndios de História para o ensino do Direito e da Teologia. Da mesma forma que defende a Física como um pré-requisito para a Medicina, a História é considerada indispensável para o ensino de Teologia e do Direito. Mas para além do aspecto pedagógico, ela é uma ciência auxiliar, necessária tanto para o domínio como para se avançar no conhecimento sobre o Direito e sobre a Teologia. 3.2.1 A superioridade da filosofia moderna: a História como argumento Na sua abordagem da História da Filosofia, primeiramente se ocupa em apresentar o percurso da filosofia de Aristóteles desde seu surgimento até a sua recepção pelos Teólogos. Depois trata do surgimento da Filosofia moderna e as disputas com os seguidores de Aristóteles, chamados de peripatéticos.351 Verney argumentava que a filosofia moderna conseguiu se impor com seus argumentos e passou a ser aceita entre os católicos de quase toda a Europa, mas que ainda eram condenadas pelos “Mestres de Portugal”.352 De acordo com Verney, a escola filosófica chamada Peripatética foi fundada por Aristóteles, discípulo de Platão, porém, nos tempos de Cícero esta escola já estava em decadência.353 Mesmo assim, as obras de Aristóteles foram sendo transmitidas entre seus discípulos e, depois de serem roubadas, enterradas e mais 349 VM, Volume I, p.199. VM, Volume IV, p.119. 351 Deforma geral, Verney utiliza os termos “escolásticos” e “peripatéticos” como tendo o mesmo significado. Da mesma forma no que se refere aos termos “filosofia escolástica” e “filosofia peripatética”. Ao se referir mais tarde sobre as obras de filosofia publicadas pelos jesuítas de Coimbra, Verney afirmou que [...] a dita Filosofia é ‘pura peripatética’, digo escolástica, que é o mesmo que não valer nada.” Cf. Carta escrita de Roma em janeiro de 1753. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.56. 352 VM, Volume III, p.37. 353 Ibid., p.25. 350 97 tarde recuperadas, foram levadas de Atenas para Roma, onde foram feitas cópias “sem as conferir com os originais”. E foi a partir destas cópias que Aristóteles passou a ser conhecido pelos filósofos romanos, sobretudo Cícero. Seguindo a abordagem histórica de Verney, com a ruína do Império Romano a filosofia só seria retomada no século VIII pelos discípulos de Maomé, que traduziram para o árabe a maior parte dos textos dos gregos, sobretudo os de Filosofia e Matemática, porque estes não eram afeitos ao estudo de poetas e oradores. Os principais autores traduzidos pelos árabes foram Aristóteles, Hipócrates e Galeno.354 A fama de Aristóteles chegou até os cristãos por meio da Universidade de Paris e, finalmente, “ou para poderem disputar com os Judeus e maometanos [...] ou por outra razão que não se sabe, os teólogos receberam benignamente Aristóteles e, pouco a pouco, o introduziram na Teologia”.355 Depois do século XIV a filosofia de Aristóteles já estava introduzida entre os cristãos por meio das obras de S. Tomás de Aquino, Duns Escoto e Guilherme de Occam, que correspondem a distintas escolas filosóficas na maneira como interpretaram Aristóteles. Ora, ao apontar que a via de entrada das obras de Aristóteles se deu pelos “seguidores de Maomé”, Verney colocava em xeque a principal crítica dos portugueses aos filósofos modernos, que argumentavam tratar-se de autores hereges. Com sua abordagem histórica, apresentava a ideia de que as correntes filosóficas consideradas como mais verdadeiras precisaram ser primeiramente introduzidas nas universidades, demorando certo tempo para serem aceitas. Além disso, Verney tenta mostrar como Aristóteles era relativamente novo entre os teólogos católicos, não sendo conhecido antes do século XIII, de tal maneira que “a examinar bem o negócio, Aristóteles é mui moderno nas escolas católicas”356. Verney consegue colocar em relevo a importância de se avaliar as condições históricas que levaram a filosofia de Aristóteles a ser aceita ou adotada como referência dentro da igreja católica. Podemos pensar também que Verney estava sugerindo que Aristóteles, como um filósofo disseminado no período medieval pelos “maometanos” - que significa dizer, no mínimo, “infiéis” – teve que ser debatido e estudado antes de ser aceito. Isso lhe permitia argumentar que o mesmo havia 354 Ibid., p.27. Ibid., p.28. 356 Ibid., p.38. 355 98 ocorrido com a filosofia moderna, que depois de ser considerada “herética” vinha sendo acolhida pelas “nações doutas”. Por volta do século XVI, nos tempos do Concílio de Trento, começou-se a desenvolver a filosofia moderna, que na abordagem histórica de Verney resume-se ao que ele chama de “física”, ou “verdadeiro método de se adiantar na física”, com destaque para as contribuições de Francis Bacon, seguidas pelas de Galileu e Descartes. A partir de então, os melhores filósofos passaram a se dedicar aos “estudos naturais” e “começaram a deixar as sutilezas de Aristóteles”. Enfim, na breve história da filosofia apresentada por Verney, ele procurou argumentar que a filosofia moderna se desenvolveu a partir da superação de algumas ideias de Aristóteles. 3.2.2 Algumas diferenças entre a filosofia escolástica e a filosofia moderna Embora tenha ocorrido uma perseguição por parte da igreja aos filósofos modernos, Verney argumenta que estes responderam com experiências que se tornaram “balas eficazes” contra as perseguições dos peripatéticos. Foi o surgimento das Academias Experimentais que deu novo impulso para a Filosofia moderna, primeiramente com a Academia de Londres em 1662, a de Paris em 1666, mais tarde a do imperador Leopoldo no ano de 1670, em Bolonha em 1712, e a de S. Petersburgo em 1725. Alguns historiadores defendem que a filosofia moderna desenvolveu-se de forma geral fora das universidades.357 Devido ao conservadorismo dos centros acadêmicos, surgiram “centros alternativos de conhecimento”, fazendo com que o século XVIII fosse o século das Academias.358 Nestes espaços faziam-se experiências e defendiam-se ideias e teorias que dificilmente eram aceitas nos espaços tradicionais das universidades europeias. Isso levou Paolo Rossi, por exemplo, a afirmar que o Iluminismo foi um movimento de ideias que existiu à 357 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Europeia, op. cit., p.80; ARAÚJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal, op. cit., p.75. 358 BAUMER, Franklin L. O pensamento Europeu Moderno. Volume I. Séculos XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Edições 70, 1977, p.61. 99 margem das universidades.359 Mesmo assim, Verney aponta para uma progressiva penetração da filosofia moderna nas instituições de ensino da Europa: [...] infinitos se têm declarado contra o antigo estilo, e ensinam publicamente a filosofia moderna. Em Itália, e ainda em Roma, por toda a França, Alemanha etc., se tem divulgado este método; e os mesmos regulares, que ao princípio o tinham proibido, não tem hoje dificuldades alguma em defendê-lo. Verdade é que algumas religiões ainda o não aprovaram; mas também é certo que muitos leitores delas são declaradamente filósofos modernos. Os dominicanos e jesuítas, que pareciam os mais empenhados pelo antigo método, começaram a admitir a nova filosofia, não só em França, mas ainda em Itália.360 (grifo nosso) Segundo Verney, a física dos peripatéticos poderia ser resumida a três elementos principais: a matéria, forma e privação, e cada um destes elementos constituía um ente distinto, independente. A forma, como um ente distinto da matéria, poderia alterar, por exemplo, sua cor e esta alteração significava um acidente. De forma geral, na filosofia escolástica os corpos eram formados por matéria e forma, sendo a substância o conjunto destes dois elementos. Cada corpo era tratado como uma substância, e nossos sentidos só poderiam ter acesso aos acidentes (cor, peso, quantidade, forma); a cor não era, como para os modernos, resultante de uma alteração que a superfície de um corpo provoca na luz. 361 Verney dá o exemplo da “cor de uma pedra rústica, que era tratada como um acidente para os peripatéticos, ou seja, uma entidade distinta da substância”.362 Para Aristóteles a luz era um acidente que se apresentava em determinados corpos e que era revelada pelo fogo do sol. Aristóteles não explicou as relações entre o sol e a luz, nem seus efeitos na estrutura dos objetos visíveis. A cor era uma propriedade associada à mistura de luz branca e de sombra (escuridão), e não se admitia que ela pudesse se propagar.363 Esta nova percepção dos fenômenos naturais acabaria se chocando com alguns dogmas religiosos, como o milagre da eucaristia, cuja explicação representava a fusão da filosofia escolástica com a Teologia. Na eucaristia, as 359 Ver, por exemplo, ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. São Paulo: Edusc, 2001, p.10 . 360 VM, volume III, p.35-36 361 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, Volume III, op. cit., p.170. 362 VM, volume III, p.144. 363 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, Volume III, op. cit., p.289. 100 substâncias do pão e do vinho são substituídas pelo corpo e sangue de cristo, continuando os sentidos humanos a perceber os mesmos acidentes. Para os escolásticos o milagre é explicado por uma alteração dos acidentes (o corpo de cristo está lá, porém, a ação milagrosa faz permanecer os acidentes do pão e do vinho), ou seja, é o corpo de Cristo que está na hóstia, porém na forma, cheiro e textura do pão.364 Os católicos modernos como Verney não duvidavam do milagre, mas explicariam de uma maneira diferente: o milagre seria então esclarecido por uma ação divina sobre nossos sentidos, fazendo com que permanecêssemos percebendo a cor, o gosto e o peso da hóstia. Ou seja, para os modernos, o corpo e o sangue de cristo também estão lá, mas o milagre ocorre em uma mudança de percepção provocada por Deus. Verney argumenta que, ao contrário da concepção dos peripatéticos, o acidente da cor consiste na diversa disposição da superfície de um corpo que reflete a luz; portanto, o efeito da cor estaria associado a uma propriedade intrínseca da matéria, que poderia ser alterado mediante uma modificação da textura de sua superfície, o que acabaria alterando as condições de reflexão da luz, modificando assim a sua cor.365 Outro exemplo utilizado por Verney é a transparência ou diafaneidade do vidro, também considerada pelos peripatéticos como uma entidade distinta da matéria. Verney argumentava que com uma simples experiência provaria os equívocos desta explicação, bastando usar de um esmeril ou de um areia fina para alterar o estado de transparência do vidro.366 Portanto, seguindo a filosofia moderna, Verney não admitia que a forma fosse um ente distinto da matéria e ressalta que Aristóteles nunca havia feito esta separação, conforme era admitido pelos peripatéticos. E ainda argumenta que a causa destes equívocos se deve aos filósofos que interpretaram mal, como Tomas de Aquino, que “não o entendeu bem e que pessimamente o entendem todos os que seguem estas pisadas”.367 Verney chama a atenção para o fato de que a ideia de corpo era fundamental para a física moderna, e defendia a necessidade de se conhecer as propriedades comuns a todos os corpos, como, por exemplo, a sua divisibilidade, sua extensão, 364 Ibid., p.170. VM, volume III, p.144. 366 Ibid., p.144. 367 Ibid., p.171. 365 101 dureza, mobilidade.368 Verney não distingue a noção de matéria e de corpo, e considera que este se compõe em partes “divisíveis in infinitum, não havendo coisa neste mundo que não possa dividir”; seguia a proposta de Demócrito, que costuma ser considerado o precursor da teoria dos átomos. Todo o corpo é limitado, o que corresponde a sua superfície, mas para se conhecer as formas corpóreas seria necessária a geometria, que, por sua vez, seria inseparável da aritmética e álgebra. E assim, por meio do cálculo, os físicos poderiam conhecer o movimento dos corpos, a que Verney chama de mecânica, e a dos movimentos dos fluídos, que chama de hidráulica. Para ele, a física requer absolutamente a matemática. A separação entre a física e a matemática ocorreu somente depois que os peripatéticos “reduziram a física a uma mera especulação impertinente”, o bom filósofo seria um bom matemático e vice versa.369 Verney exemplifica como os escolásticos costumavam zombar daqueles que defendiam a importância da matemática para a filosofia: E já assisti a umas conclusões de matemática em que, vendo-se o defendente obrigado a mostrar o que dizia como uma figura, gritou o arguente: - que bicharoco é esse?Tire para lá isso. O auditório aplaudiu muito este dito; mas eu tive compaixão de uns e de outros. Tal é a ignorância destes países! [...] E, finalmente, nunca vi conclusões de Matemática em que não houvesse, risadas. De sorte que vão às ditas conclusões como quem vai à comédia, porque entendem que são ridicularias que só servem para divertir.370 De acordo com Rômulo de Carvalho, em Coimbra os jesuítas mais antigos resistiam em lecionar a Matemática e por isso foram advertidos pelo Geral Tirso Gonzales, o que indicaria talvez um descaso pela disciplina da Matemática, que contrastava com a forma severa com a qual seguiam as regras da companhia. 371 Inclusive, segundo ele, na universidade de Coimbra a disciplina de matemática não foi ensinada por muito tempo por falta de professores.372 Mas, de forma geral, segundo Verney, a física dos antigos, em grande parte devedora de Aristóteles, cometeu equívocos pela sua falta de método, mas também pela “corrupção dos livros”, quando se afirmava que determinado livro havia sido escrito por um autor que o não escreveu. Além disso, criticava o fato de fazerem 368 Ibid., p.173. Ibid., p.213. 370 Ibid., p. 222. 371 CARVALHO, Rômulo de. História do ensino em Portugal: desde a fundação da nacionalidade até o fim do regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p.382. 372 Ibid., p.382. 369 102 suposições sobre palavras obscuras e “arrastam violentamente as outras palavras para o mesmo sentido que querem e não fazem caso da prova claríssima que se tira das suas mesmas obras”.373 E por isso toda a física dos aristotélicos é “mistério”, “altíssimas contemplações”, “mil questões fantásticas” e deveria ser desprezada por não explicar e causar confusão, o que não quer dizer que se menosprezavam os antigos: Todos estes homens merecem louvor por aquilo que nos deixaram escrito, e porque chegaram a conhecer alguma coisa que nós hoje temos demonstrada, e talvez nos indicaram a estrada em outras, etc [...] Eu acho, nos antigos filósofos, espalhados alguns pensamentos que nós hoje recebemos como certos; mas sem método, sem razão, sem demonstração, e pela maior parte, por via de conjectura.(grifo nosso). 374 Pelo exposto acima, para que houvesse o desenvolvimento científico na antiguidade, faltava aos antigos a noção moderna de método, baseada na observação e demonstração. Era este o divisor de águas, para Verney, entre antigos e modernos: o método. 3.2.3 O método e a medicina O médico necessita aprender bem a física experimental antes de iniciar os estudos do corpo, pois esta disciplina que lhe capacitará para compreender as propriedades gerais de cada corpo, analisado-se principalmente suas características físicas: “as cores, o frio, o calor, o cheiro, a dureza, a brandura”. Pois ´objecto da Física Experimental é indagar as propriedades de cada corpo pela simples observação´. 375 De acordo com Verney, a medicina só começou a se desenvolver após as contribuições da física, pois dessa “depende em tudo e por tudo”, e a medicina receberia grande contribuição a partir das ideias de Newton.376 No século de Cristo, embora tivesse “grande merecimento pessoal” e curasse muitas enfermidades, 373 VM, volume III, p.174 Ibid., p. 195. 375 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Método para aprender e estudar a Medicina. Universidade da Beira Interior: Covilhã, Portugal, 2003, p.12. A primeira edição é de 1763. 376 VM , volume IV, p.36 374 103 Galeno foi o principal responsável por fazer “degenerar a medicina”. 377 Foi um bom comentador de Hipócrates, mas por ser um peripatético: “inclinava infinitamente para a especulação, daqui veio que tropeçou nas hipóteses; e, explicando as coisas por este método, fez muito mau serviço à medicina.”378 Segundo Verney, desde então, tudo o que se disse sobre a medicina até o século XVI foi ignorância e deveria ser desprezado.379 Ainda que no século XVI reconheceu-se a necessidade da Anatomia, a medicina não evoluiu porque os médicos ainda seguiam a filosofia peripatética, “a qual impede fazer experiências”.380 Porém, no século XVII, Harvey “abriu os olhos” dos médicos ao demonstrar a circulação do sangue por meio dos princípios da física.381 De acordo com Verney, o maior erro do método dos peripatéticos é sustentar “que a natureza é aquilo que leram nos seus livros; e, ao depois, reduzem tudo o que observaram na natureza aos princípios que tem bebido”. 382 Por isso recomendava que se o estudante fosse peripatético, a primeira providencia a ser tomada deveria ser “mandar-lhe ler algumas histórias das melhores experiências que se tem feito em toda a física”.383 Assim como Verney, Ribeiro Sanches adere ao paradigma da filosofia natural como guia para o estudo de todas as disciplinas. Para ele, a medicina deveria ser “fundada na verdadeira Física”, por um “método de pensar, fundado no conhecimento interior provado pela experiência; e que tem por último fim e objecto achar os princípios e as causas de todos os nossos conhecimentos”.384 Não somente os Médicos necessitam possuir a Ciência da Física geral, mas também todos aqueles que se aplicam às Ciências e às Artes. A Náutica, a Arquitectura, Arte Militar, a Jurisprudência Civil e Política tem os seus principais fundamentos nesta Ciência: além disso necessitamos dela em quase todas as ocorrências da vida.385 377 Ibid., p.32. Ibid., p.32. 379 Ibid., p.29, 32. 380 Ibid., p.34 381 Cf. JAPIASSU, Hilton. As paixões da ciência, op. cit., p.102. 382 VM, volume IV, p.24. 383 VM, volume III, p.223. 384 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Método para aprender e estudar a Medicina, op. cit., p.1. 385 Ibid., p.12. 378 104 Sabemos que na biblioteca de Ribeiro Sanches havia um exemplar do Verdadeiro Método de Estudar, assim como outras obras de filósofos modernos como Spinoza, Pierre Bayle, Herman Boerhaave (seu amigo e professor), David Hume, Grotius, Puffendorf, Montaigne, Muratori, Buffon, D’Álembert. Ribeiro Sanches também contribuiu para a Enciclopédia de Diderot e D’Álembert com um artigo anônimo sobre a sífilis.386 Demonstrava ter boa inserção no ambiente intelectual francês, fez contatos com D´Álembert, Diderot, Buffon, e demonstrou conhecimento das obras de Montesquieu, Voltaire e Rousseau.387 O Método para Aprender e Estudar a Medicina de Ribeiro Sanches foi publicado em um contexto diferente no qual Verney publicara o Verdadeiro Método de Estudar, pois as reformas dos estudos menores já estavam sendo implementadas por Pombal. Contudo, mesmo considerando que escrevia por “ordem de sua Majestade”, demonstrava preocupação com relação à recepção de suas ideias em Portugal, ponderando que até então “não se ensinaram publicamente estes conhecimentos: pelo contrário floresceram nele somente aquela Filosofia escolástica, que servia de introdução para estudar esta ciência”.388 Esta preocupação de Ribeiro Sanches em relação à recepção de suas ideias no ambiente intelectual português pode servir para medirmos o grau de radicalismo das ideias do Verdadeiro Método de Estudar e o quanto eram ousadas para seu contexto de publicação. Contudo, as intenções destes dois pensadores eram muito semelhantes, conforme podemos perceber na seguinte passagem: [...] quero introduzir na melhor porção da Nação Portuguesa o método de comparar os efeitos para vir no conhecimento das suas causas; e de comparar e combinar estas, para prever e conhecer os efeitos que delas se poderão seguir: Que este foi o método de Bacon, de Verulâmio, Locke, & de Descartes, autores hereges, e não sem nota de Ateísmo. 389 (grifo nosso) Ribeiro Sanches, assim como Verney, criticava o método praticado na Universidade de Coimbra, considerado por ele “erróneo e precário”, cujos critérios de convencimento não eram baseados nas “experiências observadas”, mas na 386 BOXER, Charles Ralph. Opera Minora III. Lisboa: Fundação Oriente, 2002, p.208. ARAUJO, Ana Cristina. Ilustração, Pedagogia e ciência em António Nunes Ribeiro Sanches. Revista de História das Ideias, Vol. 5, p.389, 1984. 388 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Método para aprender e estudar a Medicina, op. cit., p.1. 389 Ibid., p.1. 387 105 autoridade dos Doutores. Assim como para o estudo da Medicina era necessário o estudo da Física, esta não poderia ser compreendida sem a Geometria, Álgebra, Trigonometria, e as secções cônicas. Estes princípios poderiam ser facilmente ensinados por um professor “amante e inteligente”, e “seis meses de tempo com uma regular aplicação, seriam bastantes para adquirir estes princípios”. 390 Assim como Verney, apostava na simplicidade e na rapidez em se adquirir os conhecimentos necessários da física, que serviriam para a formação do médico. Além disso, Ribeiro Sanches queria acabar com o preconceito em relação ao cirurgião, desprezado por ser um ofício mecânico, e propunha que tal “classe de homens” fosse extinta e “que todos os médicos deviam aprender a cirurgia prática na Universidade”.391 Chamava a atenção para a importância da Anatomia, ou a Antropografia na formação dos médicos. Ribeiro Sanches criticava a forma como ela era ensinada pelos escolásticos, em relação aos conhecimentos desta disciplina: “não consiste em disputar, ler continuadamente, e exercitar-se compondo discursos literários”, mas sim “exercitarem-se as mãos e os olhos na investigação das partes do corpo humano”, e “este estudo obriga ao Médico a observar, a trabalhar, e a indagar; e é o mais poderoso para adquirir aquele génio filosófico tão necessário nesta Ciência”.392 Mesmo aderindo ao paradigma da física, havia uma diferença fundamental entre Ribeiro Sanches e Verney. Sanches não é irônico nem provocativo como Verney, usando de uma linguagem mais comedida, e são raros os momentos em que sua crítica é dirigida à situação específica de Portugal, ou aos jesuítas. 3.2.4 A lógica e o método Um aspecto importante da filosofia moderna diz respeito à maneira como modificou a Lógica, uma disciplina importante da época e que possuía um importante papel no sistema de ideias de Verney. A partir do Renascimento observa-se uma mudança do significado da Lógica, que não se contenta em classificar e organizar um saber adquirido, mas que também quer ser um 390 Ibid., p.7. Ibid., p.19. 392 Ibid., p.20. 391 106 instrumento do saber.393 Ocorre o nascimento de uma nova lógica que procura superar a forma escolástica.394 Trata-se de uma nova organização do conhecimento que emerge da crítica à lógica escolástica. Ribeiro Sanches, afirma que depois de estudar em Coimbra e Salamanca ainda não tinha “adquirido aquela Lógica ou raciocínio, que sabe discernir o falso do verdadeiro, o certo do duvidoso”. Isso só teria acontecido após ter estudado com Boerhave por quase dois anos, e defendia que a Lógica não era uma ciência, mas “um instrumento para adquiri-la, e para compreendê-la”.395 A Lógica passou a ser percebida como um método para a produção do conhecimento científico, e também se tornava uma disciplina fundamental nas propostas para o campo da educação formuladas por Ribeiro Sanches e Verney. Ribeiro Sanches citava Locke para explicar o que acreditava ser o verdadeiro objetivo da educação dos jovens: “não é para saírem perfeitos em ciência alguma, é somente para abrir-lhes o entendimento, e ficarem com as luzes necessárias para aprender aquela a que se quiserem aplicar”.396 A “boa lógica”, de acordo com Verney, estava intimamente ligada às luzes. Mas o maior peso da crítica de Verney contra a filosofia peripatética volta-se para o silogismo, o modelo da prática discursiva utilizada nas disputas escolásticas. No processo que leva ao conhecimento das coisas, a que Verney denominava de Raciocínio ou Discurso, o que importa é que dada, uma certa ideia, seja possível reconhecer sua “conveniência”, e assim o entendimento “corre da primeira para a segunda, desta para a terceira etc”.397 Segundo ele, o problema do Silogismo é que “não faz mais que mostrar a conexão das partes, sem ensinar a buscar as provas”.398 Segundo Verney, o silogismo, enquanto uma forma de raciocinar e organizar as ideias, não discute a origem e seus fundamentos, mas apenas estabelece uma ordem simples que possibilita determinadas conclusões. Por exemplo: Todo homem é animal – Pedro é homem – Logo Pedro é animal.399 O problema, para Verney, era que o silogismo basicamente fazia um juízo a partir da conexão de ideias ou 393 CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. São Paulo: Editora da Unicamp, 1992, p.338. Ibid., p.338. 395 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Método para aprender e estudar a Medicina, op. cit., p.10. 396 Ibid., p.10. 397 VM, Volume III, p.101. 398 Ibid., p.56. 399 Ibid., p.66. 394 107 premissas, “se uma delas for falsa, será falsa a conclusão”. Isto se agrava quando se aplica o silogismo para ideias mais complexas, os chamados silogismos compostos. O discurso seguindo o método silogístico geralmente é muito longo, pois se repetem muitos termos porque “cada silogismo deve repetir uma das proposições do antecedente”. Assim, o que poderia ser dito em breves palavras “enche boa meia folha de papel”.400 O uso do silogismo implicava também uma forma específica de discursar e elaborar um raciocínio que, para Verney, era uma prática que, além de duvidosa, dava muito trabalho e pouco benefício. Para ele aprender o modo de não se enganar se chama Lógica ou Dialética, “que é muito mais antiga que Aristóteles; mas ele foi o que a compilou com melhor método a respeito de seu tempo, ainda que muito imperfeita, se olharmos para nosso tempo”.401 A Lógica, segundo Verney, nada mais é do que “um método e regra que nos ensina a julgar bem e discorrer acertadamente”.402 Por outro lado, em um sentido latto define “método aquela operação do entendimento tão necessária em todo o gênero de Ciências, e sem a qual não se pode discorrer bem”.403 Portanto, há uma relação de similitude entre os termos lógica e método. A própria lógica era um método, e o método a sua parte mais fundamental. Assim com para Ribeiro Sanches, a Lógica moderna sugerida por Verney é em grande medida devedora do Essay Concerning Human Understanding (Ensaio sobre o entendimento humano) de Locke.404 Recomendava o abandono da lógica dos antigos, que servia às disputas escolásticas e que, para o uso das escolas, seria preferível que “não se fale em tais regras” e se adote outra que não “foi feita para Clérigos, ou Frades, ou pessoas de uma esquisita erudição: deve servir a todos os que falam e raciocinam, e não só em discursos estudados, mas em qualquer sorte de discurso, público ou particular, sério ou agradável”. 405 Quando Verney define o conceito de método stricto sensu , aponta para dois tipos. O primeiro, o analítico ou resolutivo consiste em dividir a coisa que queremos conhecer nas suas partes. O segundo, o “método compositivo ou sintético ou 400 Ibid., p.68. Ibid., p.39. 402 Ibid., p.39. 403 Ibid., p.105. 404 Ibid., p.168. Cf. Notas de António Salgado Júnior. Cf. VM, volume III, p.79. E ver também: TEIXEIRA, Ivan. Ressonâncias de John Locke na ilustração portuguesa: Luís Antônio Verney e Francisco José Freire. RevistaUsp, São Paulo, n. 34, pp. 108-124, 1997. 405 VM, Volume III, p.78 401 108 didático ou método de doutrina”, é voltado para ensinar, refere-se à forma como organizamos a matéria para que os outros a conheçam.406 Assim, há dois princípios que definem o conceito de método. Primeiro, uma forma de organização das ideias na mente, que deveria seguir uma ordem natural, sendo “uma disposição do entendimento para conhecer as coisas como são”.407 Segundo, em uma perspectiva didático-pedagógica, é uma forma de ensinar a matéria. Esta dupla acepção não diferia muito daquela que se encontra no dicionário de Rafael Bluteau, que definia o método como “modo industrioso, ordem, & arte de obrar, discursar, ou ensinar com mais brevidade, & facilidade [...]”.408 A lógica Peripatética, ensinada nas escolas do reino, “embrulham a mente”, e a sua parte introdutória, chamada de Proemiais, era considerada por Verney como a “coisa mais inútil do mundo”. Em seguida, o aluno aprendia os tratados chamados de Universais e Sinais, que eram “coisas indignas de se lerem”.409 Sobre os Sinais, no máximo se aprende “que as vozes servem para declarar as ideias da mente e os afectos da alma [...] Esta é toda a notícia útil que se tira dos Sinais e isto é coisa que se aprende em um quarto de hora”.410 Ironizando o “enfadonho” tratado de Enunciatione, ou Proposição, que envolvia uma série de comentários e disputas, Verney usa um exemplo bem didático para ilustrar seu ponto de vista. Isto é o mesmo que se um carpinteiro tomasse um aprendiz, e, em lugar de lhe ensinar como há-de servir dos instrumentos, fizesse longuíssimos discursos sobre a diversidade de instrumentos de carpinteiro, contando-lhe miudamente que a alguns não agradam aqueles instrumentos, que outros escrevem que se deviam fabricar de outra maneira, e todo tempo passasse com isto.411 Outro exemplo dado por Verney sobre a Lógica Peripatética envolvia a aplicação das categorias do Priori e Posteriori. Cita o exemplo de uma operação lógica bastante simples: quando se diz que nos estabelecimentos que possuem um ramo em suas portas vendem-se vinhos, traduzindo para a forma discursiva da 406 Ibid., p.105. Ibid., p.168. 408 BLUTEAU, R. Vocabulário Portugues e Latino. Volume V. Lisboa: Na oficina de Pascoal da Silva, 1716, p.467. 409 VM, Volume III, p.43. 410 Ibid., p.43-44. 411 Ibid., p. 48. 407 109 lógica peripatética a conclusão é acompanhada por “arengas filosóficas sem nenhuma necessidade e utilidade”: Aquele ramo é sinal ex-instituto do vinho, que se constitui na razão de sinal, por um respeito de dependência do ato da vontade, que deputou para significar vinho; pelo que se distingue do sinal natural, que se constitui por um respeito de independência. Depois de toda esta arenga filosófica, o tal rapaz entenderá muito menos o que lhe dizem do que se lhe falassem em Caldeu.412 Com ironia, Verney defendia o que considerava o estilo simples de discorrer sobre os temas da filosofia, sem as “arengas” da filosofia escolástica. Combatendo o método que considerava inútil e atrasado, propôs uma via para se chegar ao conhecimento, porém sem ofender os dogmas do catolicismo. O método da filosofia escolástica estava voltado sobretudo para uma sistematização dos dogmas da igreja, em que a Teologia tinha um papel fundamental. O que propunha Verney e os filósofos modernos era a ideia de que, para as questões de ciência, a Teologia não dava mais conta, fazendo-se necessário tornar a física como seu ponto de partida. 3.3 O Iluminismo católico de Verney “Devido à inconstância humana” e por sermos filhos do primeiro pecador (Adão), Verney reconhece que todos estavam sujeitos ao erro e que “o que se pensa” e “o que se escreve” devem ser compatíveis com os preceitos estabelecidos pela igreja romana. Por isso, defendia que todos deveriam submeter “voluntariamente” seus escritos, quer os já publicados, quer os que fossem posteriormente publicados, ao juízo do “Sumo Pontífice”. Não é o caso de uma autoridade epistemológica, afinal de contas, no que tange à Filosofia, Verney reconhecia somente o “tribunal da razão”. Mas ao contrário, trata da “utilidade” em se reconhecer também uma outra autoridade: o Tribunal da Inquisição, que pudesse avaliar e controlar o que poderia circular publicamente. Conforme já apresentamos no primeiro capítulo, Verney era favorável à manutenção da Inquisição, desde que fosse regulada para funcionar de acordo com a “utilidade” do estado. 412 Ibid., p. 50. 110 Havia uma ciência capaz de detectar os erros e enganos de interpretação acerca das “verdades reveladas” por Deus: esta ciência era a Teologia, por isso Verney alertava que se algumas vezes caímos no erro de elogiar um autor herético, “elogiemos a erudição do indivíduo, mas abominemos a sua perversidade e não ponhamos a sua obra a venda para ser lida, excepto se for permitida pela igreja”.413 Embora defensor da filosofia moderna, reconhecia a necessidade da censura para manter certos limites necessários na preservação das “verdades reveladas”. Para o desenvolvimento de uma mente virtuosa, Verney considerava fundamental “humildade e fé em Deus”, caso contrário jamais se alcançaria “aquela filosofia que não está sujeita a nenhum erro”.414 A Luz natural da razão era uma dádiva divina, um dom e uma capacidade que todo o ser humano tem, e que o torna capaz de conhecer toda a obra de Deus. Argumentava que os filósofos modernos, conduzidos pela luz da razão natural dada por Deus, passaram a valorizar cada vez mais a física e a matemática. Este tipo de racionalismo fundamentava-se em uma filosofia deísta, na qual Deus é o criador do mundo, que estabeleceu suas leis fixas, eternas e universais.415 Seguindo a perspectiva epistemológica de Descartes, o espaço material torna-se “dessacralizado”, no sentido de que não deveria estar mais tutelado pelos princípios da escolástica. Contudo, ainda se mantém preso em uma ontologia dogmática.416 O que explica porque Newton havia seguido por tanto tempo os ensinamentos de Descartes, sobretudo no começo de sua formação intelectual.417 Com o auxílio da “Física, e regulados por boa crítica”, a mesma luz da razão utilizada para explicar os fenômenos da natureza serviria para confirmar alguns dogmas da religião.418 Mesmo sendo Deus um objeto “pouco inteligível”, pois não podemos explicar o que ele é com “razões ou experiências”, devemos acreditar que há uma “suprema causa” e “só podemos saber de Deus aquilo que ele quis que nós soubéssemos”.419 O problema da Teologia praticada nos conventos e na universidade de Portugal se encontrava “nos prejuízos da Filosofia Peripatética”, que 413 VERNEY, Luís António. Lógica. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, p.61. Ibid., p.61. 415 JAPIASSU, Hilton. As paixões da ciência, op. cit., p.104. 416 Ibid., p.115. 417 CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Européia, op. cit., p.16. 418 VM, Volume IV, p.232 419 Ibid., p.238. 414 111 a tratava “pessimamente” de forma supérflua e prejudicial aos dogmas.420 Em Portugal havia muita disputa entre os doutores, porém eles “não concluem nada que sirva para declarar o dogma, que é o empenho do teólogo”.421 Além disso, a Teologia deveria ensinar as verdades da fé a todos os filhos de Deus, principalmente os jovens, para defendê-los dos inimigos da fé. Para Verney, eram motivo de riso os argumentos apresentados pelos professores portugueses que defendiam a Teologia Escolástica: Em certa ocasião me respondeu um professor que as controvérsias eram boas lá para a Inglaterra e Roma, onde se convertem Hereges; mas não eram necessárias em Portugal, onde, por graça de Deus, estávamos livres desta peste [...].422 Para Verney, o maior erro da Teologia em Portugal foi não ter acompanhado os avanços da Teologia ocorridos após o Concílio de Trento. Segundo ele, os hereges que apareceram no século XVI estimularam um processo de modernização e aperfeiçoamento da Teologia, quando passaram a utilizar de um novo método na forma de argumentar. Para que pudessem se adiantar nos problemas e assuntos da Teologia moderna, os católicos tiveram que seguir o exemplo dos hereges, e fazer uso do mesmo método. Assim, propõe o que ele chama de “Teologia Dogmática”, aquela teologia que é exposta “com claro e fácil método, e conforme ao estilo da escola”.423 Ao comentar novamente sobre o que lhe havia dito tal professor português, Verney afirmava: Ela vale o mesmo que dizer que fora de Portugal se deve saber Teologia bem, e explicar uma Teologia que possa ser útil à religião; e que em Portugal se deve empregar toda vida em uma Teologia que não serve para defender a religião, mas unicamente para falar nas coisas sem fundamento algum.424 A forma como Verney desqualifica a Teologia praticada em Portugal é muito severa. Provavelmente, o motivo pelo qual ele a trata com tanto desprezo, não seja tanto, como afirmou acima, por ela “falar nas coisas sem fundamento algum”, mas 420 Ibid., p.227. Ibid., p.250. 422 Ibid., p.252. 423 Ibid., p.267. 424 Ibid., p.252. 421 112 porque ignora e desconsidera todo seu fundamento e sua finalidade. Surpreendentemente, com um golpe de retórica, e invertendo todo o sentido do problema, Verney afirma que a missão do teólogo moderno é combater um outro inimigo: Este é o maior trabalho que têm hoje os teólogos modernos. Não consiste a dificuldade em batalhar com os hereges, mas com os mesmos Escolásticos, e persuadir-lhes que devem mudar de método.425 Ironicamente, Verney apontava para os perigos de dizer a um tomista que a Suma de S. Tomás não serve mais para sua época, ou a um escotista para não fazer caso do que disse Escoto, pois abre-se logo um “processo criminal de religião”.426 Este seria um dos pontos mais importantes e polêmicos tratados pelos críticos de Verney, que não receberam bem a forma ousada com que ele havia criticado os célebres doutores da filosofia escolástica. Os autores elogiados por Verney eram em sua maioria considerados por seus inimigos como “suspeitos na fé”. Contudo, mesmo aderindo à filosofia moderna, aponta para o que ele chama de “autores menos recomendáveis”, como Maquiavel, Espinosa e Hobbes, pois: O certo é que estes autores têm muita coisa boa, e também muita má; onde, não servem senão para homens feitos e bem fundados nos princípios da Religião Católica, que os podem ler sem perigo e deles tirar o que é útil.427 devemos também estar muito advertidos de não abraçar, com olhos fechados, tudo o que dizem alguns modernos em matéria de Política [...] Acham-se modernos que observa numa Política ímpia, a qual não tem mais fim que engrandecer o Estado, sem fazer caso da religião, nem do Direito Natural. Deste gênero é Nicolau Maquiavel, Tomás Hobbes, e alguns outros.428 Verney não deu importância para as ideias políticas que vinham sendo discutidas entre os filósofos modernos, gastando apenas algumas linhas para justificar sua rejeição ao que considera autores perigosos. Ele nos apresenta 425 Ibid., p.287. Ibid., p.287. 427 Ibid., p.298. 428 Ibid., p.137. 426 113 Hobbes como um “grande filósofo e geômetra”, com destaque para as obras Elementos e De Cive, mas por outro lado, introduziu “mil hipóteses falsas e temerárias”.429 No caso destes autores não recomendados, adverte que seus livros são feitos para “homens feitos e bem fundados nos princípios da Religião Católica, que os podem ler sem perigo e deles tirar o que é útil”.430 Verney aponta para alguns autores modernos, os quais, de acordo com sua opinião, visavam atender apenas aos interesses do estado, “sem fazer caso da religião”, como era o caso de Maquiavel. Assim, Verney faz um filtro do que poderia ser aproveitado da filosofia moderna, sem, contudo, ferir o ideal cristão. Portanto, alguns livros não deveriam circular publicamente, pois o contato com suas ideias políticas poderiam ser perigosas para a juventude. Procuramos no presente capítulo apresentar alguns elementos do Verdadeiro Método de Estudar que serviram para fundamentar sua proposta de um novo método. Tentamos refletir sobre como o método proposto por Verney estava alinhado com o ideário iluminista. Considerando que o contato com paradigma da filosofia natural - ou da física, como preferia Verney - foi um dos elementos centrais da cultura do iluminsmo, a forma como foi aderida por ele reflete como este novo ideário atingiu Portugal. Para compreendermos melhor como se deu este processo, na perspectiva de um Iluminismo português, será importante também analisar as formas de resistência às ideias modernas, por meio de alguns textos que procuraram criticar o Verdadeiro Método de Estudar. Mas antes disso, faremos uma breve discussão teórica sobre o uso de termos-chave para compreender os diversos uso e significados que a palavra método assumiu no contexto intelectual português. 429 Paradoxalmente, conforme se verá no próximo capítulo, Hobbes e Verney combateram o mesmo inimigo: a escolástica. 430 VM, Volume IV, p.298. 114 CAPÍTULO IV - MÉTODO COMO TERMO-CHAVE NO ILUMINISMO PORTUGUÊS Este capítulo tem como objetivo principal argumentar que no contexto do Iluminismo português a ideia de método implicava em uma renovação cultural que transcendia os limites dos conteúdos disciplinares. Serão apresentados dados sobre o ambiente político, social e cultural português, para uma melhor compreensão do contexto em que o Verdadeiro Método de Estudar circulou. Em seguida procura-se apresentar algumas reações provocadas pela obra de Verney, sobretudo no que se refere à ideia de “método”, termo-chave da sua proposta filosófica. 4.1 O termo-chave e seus diferentes usos na história As polêmicas sobre “Método” propostas pelo Barbadinho podem ser consideradas o ponto culminante de um debate que já vinha ocorrendo nos bastidores, mas que não havia se tornado público. Pois bem, as “polêmicas do verdadeiro método” iniciam-se após a sua publicação e se prolongam por mais de uma década, perdendo a sua vitalidade com a expulsão dos jesuítas, em 1759. Envolveu principalmente a participação de escritores portugueses, projetando-se para além de Portugal, atingindo também o reino da Espanha. Estes debates refletiram de forma muito intensa o choque entre duas grandes correntes de pensamento, que muitas vezes se posicionavam de forma antagônica. Uma de pendor mais literário que se identificava com o modelo tradicional escolástico, e outra favorável à necessidade de uma renovação - identificada com toda a amplitude de temas da filosofia moderna. O “novo método”, como era referenciado nos textos da polêmica, torna-se um termo-chave na medida em que colocou em questão toda a cultura portuguesa, ou seja, toda a “glória” e todo o “crédito da nação”. Entre os combatentes, os partidários do método escolástico acusavam Verney de ser um “monstro” de “pigmeu”; por sua vez, aqueles que o apoiavam o identificavam como um homem “aluminado” e defensor da glória nacional. Em uma perspectiva da história das ideias, um termo-chave pode ser um conceito ou palavra central dentro de um determinado contexto de ideias. Seus diferentes usos e significados ao longo da história transformam estes termos em 115 conceitos complexos. Conforme já analisamos, as fontes escritas também podem se constituir como atos discursivos, como ações que visam algum objetivo particular. Por isso Skinner chama a nossa atenção para a importância de se refletir sobre as intenções dos autores, a respeito de como utilizaram determinadas ideias em seus discursos para produzir um efeito específico. Trata-se de pensar não somente a história de uma ideia a partir dos diferentes significados que possa ter assumido ao longo do tempo. Mas também perceber, a partir de diferentes contextos linguísticos, os seus diferentes significados e as diferentes maneiras em que ela poderia ter sido utilizada. Embora reconheça as diferenças entre a sua proposta e a de Reinhart Koselleck431, Skinner aponta para uma linha de convergência fundamental entre elas: “Tanto Koselleck como eu próprio defendemos que é necessário encarar os nossos conceitos normativos não tanto como afirmações acerca do mundo, mas, acima de tudo, como instrumentos e armas de debate ideológico”. 432 Conceitos importantes como liberdade, cultura, civilização, podem ter o seu uso e significado alterados a partir de diferentes contextos históricos. Podemos concordar, seguindo o exemplo de Skinner, que os “urinóis” e “cabides” de Marcel Duchamp são obras de arte relevantes, emolduradas e expostas em galerias de arte. Porém, outros poderiam discordar, sustentando que obras de arte têm de ser criadas deliberadamente para esta finalidade.433 Neste caso, não só as circunstâncias do uso do termo “obra de arte” é utilizado em um contexto diferente, como também transforma estes objetos em “obras de arte”: objetos que recebem uma atenção especial e são carregados de uma áurea moral positiva. Skinner apresenta um outro exemplo interessante para exemplificar seu argumento. Podemos qualificar “corajosa” uma pessoa que se dispõe a se submeter a uma morte dolorosa. Mas, em uma outra perspectiva, quando uma pessoa da plateia de um circo se dispõe a ser ajudante de um domador de leões, podemos contrapor afirmando que se trata de uma pessoa “imprudente”. Neste caso, o termo 431 Reinhart Koselleck é responsável pela chamada história conceitual alemã, ou Begriffsgeschichte. A proposta metodológica de Koselleck para uma história dos conceitos é considerada inovadora no campo da história das ideias. 432 SKINNER, Quentin. Retrospectiva : estudar a retórica e a mudança conceptual. (In)Visões da política, op. cit., p. 248. 433 Ibid., p.228. 116 “corajoso” incide sobre o referente e não sobre o significado da palavra “corajoso”.434 Não está em questão o significado da palavra, mas do que Skinner chama de “alcance referencial”, ou seja, trata-se de refletir sobre os critérios de sua aplicação. Assim, para o caso do reformismo português, podemos indagar: qual a relação da ideia de método com este contexto ideológico? Quais critérios foram adotados no uso do termo “método” nestes debates? Quais seus diferentes significados, seus diferentes usos e de que forma podem estar inseridos em um vocabulário normativo específico? No próprio título do Verdadeiro Método de Estudar de Verney encontramos uma pista importante: o termo aparece em destaque classificado como o método “verdadeiro”, sugerindo que os outros métodos poderiam ser classificados como “duvidosos” ou “falsos”. Porém, antes de abordarmos o debate sobre a ideia de método no contexto português, faremos uma breve incursão sobre o significado desta palavra no contexto mais amplo do pensamento filosófico europeu. 4.1.1 O método e a filosofia escolástica Na Idade Média, a cultura escrita estava pouco disseminada e, de forma geral, ficava sob o controle da igreja, que exercia uma espécie de monopólio do conhecimento. As universidades, que surgem por volta do século XIII, cumpriam o papel de defender as tradições intelectuais e manter o corpo de textos que fundamentavam os dogmas da religião. A escolástica representava todo um conjunto de doutrinas elaboradas a partir da fusão de elementos do aristotelismo com os textos sagrados, era a filosofia praticada nas universidades e servia como um guia para a correta interpretação dos textos canônicos. Havia uma preocupação em evitar a penetração de elementos exteriores, constituindo-se assim como um “corpo fechado de saber”. Por isso a escolástica fundamentava-se no princípio da autoridade e na medida em que procurava manter a correta interpretação dos textos, assumia o aspecto de uma ciência do comentário.435 434 Ibid., p.257. Skinner explica como a retórica pode ser utilizada como um importante instrumento para a argumentação. Por meio da retórica a difamação pode passar por sinceridade, a imprudência por coragem, a extravagância por abundância. 435 BARROS, José D´Assunção. A escolástica em seu contexto histórico. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v.22, n3, p. 232-239, 2012. 117 Todavia, o que conferia a verdadeira unidade à escolástica era um conjunto de práticas, mais ou menos uniforme, que anacronicamente poderíamos chamar de método. Estas práticas consistiam na leitura e comentário de textos canônicos e na interpretação de alguns filósofos antigos recomendados pela igreja, principalmente Aristóteles. O ensino era voltado, sobretudo, para saber ler e escrever o latim e compreendia alguns elementos importantes, como a explicação gramatical das palavras da frase, o comentário sobre o sentido da mesma e uma explicação aprofundada e pessoal do professor sobre a passagem comentada.436 O papel centralizador representado pelas universidades é percebido na imagem que os próprios universitários faziam dela, conforme lembrava Jean Gerson (1363-1429), chanceler da Universidade de Paris. Para ele, a universidade era como “a mãe dos estudos, mestra da ciência, ensinadora da verdade”.437 Orgulhava-se, por exemplo, da superioridade dos médicos formados nas universidades em relação aos tratamentos oferecidos pelos “feiticeiros, os mágicos, os encantadores e outras gentes loucas”.438 Entretanto, ao contrário do papel intelectual, observado em suas origens, percebe-se que entre os séculos XII e XV a universidade vai assumindo cada vez mais um papel político de controle e conservação do conhecimento. A Universidade de Coimbra, a mais antiga de Portugal, foi fundada em 1290, no reinado de D. Dinis. Depois de funcionar em Lisboa, foi transferida para Coimbra em 1308, alternando entre as duas cidades até 1537, quando se instala definitivamente em Coimbra. Com a fundação do Colégio de Jesus, em 1542, os jesuítas assumiram progressivamente uma hegemonia no sistema de ensino em Portugal, tanto na formação básica - as escolas menores - quanto no ensino superior. A filosofia praticada pelos jesuítas seguia o modelo escolástico, subordinada aos princípios da Ratio Studiorum.439 Segundo este texto normativo, que contém as principais orientações pedagógicas da Companhia de Jesus, não poderia haver 436 Cf. HAMESSE, Jacqueline. O modelo escolástico da leitura. (In) CAVALLO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. História da Leitura no mundo ocidental. São Paulo: Editora Ática, 2002, p.133. 437 De acordo com o depoimento de Jean Gerson, chanceler da Universidade de Paris. LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p.181. 438 Ibid., p.181. 439 Elaborado por uma comissão de jesuítas representantes das principais regiões da Europa, a Ratio Studiorum foi promulgado em 1599 e serviu para todas as escolas da Companhia. Permaneceu quase sem alteração até 1832. Cf. CARVALHO, Rômulo de. História do ensino em Portugal, op. cit., p.332. 118 diversidade de opiniões que pudesse por em risco a estabilidade da ordem e eram proibidos de ensinar os professores inclinados a novidades no campo da Filosofia.440 Na 15ª Congregação Geral da Ordem, que ocorreu em Roma, em 1706, concluiu-se que a obra de Descartes continha elementos que colocavam em risco os dogmas da fé.441 Mais tarde, em 1712, por provisão de D. João V, advertia-se os mestres do Colégio das Artes, em Coimbra, sobre a proibição dos desvios à filosofia oficial: o aristotelismo escolástico.442 É importante ressaltar que, mesmo a filosofia de Aristóteles se tornando preponderante, a maioria dos estudantes e professores não tinha acesso aos seus textos originais e utilizava compilações de trechos, chamados florilégios. O acesso aos originas era limitado por dois motivos: em primeiro lugar, o custo das obras; em segundo, pelo fato do trabalho de cópia ter sido considerado por muito tempo uma tarefa servil. Algumas ordens, inclusive, proibiam seus membros de gastar tempo copiando textos, pois as horas de estudo eram consideradas preciosas. 443 Assim, a maioria dos estudantes optaria pelo uso de florilégios e compilações, dispensando a leitura do original.444 Geralmente os florilégios eram anônimos e não informavam os critérios de seleção utilizados pelo autor; sobre este aspecto Jacqueline Hamesse afirma: A redução do pensamento original de um autor a uma série de citações mais ou menos bem escolhidas e sempre tomadas fora de seu contexto provocava a deformação de numerosas doutrinas e não permitia que se entrasse em contato com a riqueza presente em certas obras. Por outro lado, a escolha das citações utilizadas estava relegada ao arbítrio do compilador, e passagens inteiras eram assim votadas ao esquecimento quando não haviam sido julgadas dignas de ser selecionadas.445 Portanto, o trabalho de pensamento original dos autores. 446 compilação deformava frequentemente o A partir do século XVI, os jesuítas passaram a estimular a utilização destes manuais. Os principais livros didáticos aristotélicos distribuídos para a Europa católica, no inicio do século XVII, eram comentários 440 Cf. CARVALHO, Rômulo de. História do ensino em Portugal, op. cit., p.345- 346. ARAÙJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas, op. cit., p.32. 442 Ibid., p.32. 443 Ibid., p.32. 444 Ibid., p.34. 445 Cf. HAMESSE, Jacqueline. O modelo escolástico da leitura, op. cit., p.132. 446 Ibid., p.135-136. 441 119 preparados pelos jesuítas da Universidade de Coimbra.447 Ao mesmo tempo, os florilégios permitiam manter controle das interpretações e evitavam que os jovens estudantes seguissem caminhos perigosos. No pensamento escolástico, raramente o termo método aparecia com relevância; costumava apenas ser mencionado como uma parte da lógica, e só passou a receber maior atenção com a difusão da obra de Pierre Nicole e Antoine Arnauld, a Lógica ou Arte de Pensar (1662), também conhecida por Lógica de Port-Royal. Entretanto, segundo Calafate, a gênese do conceito de método foi primeiramente estabelecida pelos dialéticos renascentistas, com destaque para Filipe Melanchton e Pedro Ramo.448 O termo methodus não era desconhecido, mas foi Filipe de Melachton quem inicialmente escreveu uma seção inteira dedicada a esta questão, estabelecendo pela primeira vez o seu uso da maneira como seria tratado posteriormente no século XVIII. De forma geral, o método no século XVIII seria definido como uma forma de conhecer a verdade e transmiti-la. Os filósofos modernos passaram a valorizar cada vez mais a forma clara de explicar, confiando na “luz natural da razão”, dada por Deus. Há uma progressiva confiança na lógica natural que seria colocada em oposição à lógica formal dos escolásticos, cujo método passou a ser considerado prolixo e inútil. Por muito tempo, a filosofia de Aristóteles se manteve como o vetor do quadro mais vasto do contrarreformismo.449 Para que ocorressem os avanços da ciência moderna, seria necessário uma mutação no campo das possibilidades do conhecimento e, para isso, era imprescindível uma superação das ideias de Aristóteles.450 Contudo, não podemos deixar de considerar o caráter difuso das correntes de pensamento que, naquela época, fizeram oposição ao aristotelismo. Conforme ressaltou Paolo Rossi sobre esta questão, a filosofia moderna pode ser caracterizada por correntes de pensamento bastante difusas: 447 HAMESSE, Jacqueline. O modelo escolástico da leitura, op. cit., p.138,148. CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, op. cit., p.230-223. 449 COXITO, A. Aristotelismo e antiaristotelismo no pensamento português: séculos XVI a XVIII. In: CERQUEIRA, Luiz Alberto (org.). Aristotelismo e antiaristotelismo: Ensino de Filosofia. Rio de Janeiro: Editora àgora da Ilha, 2000, p. 161. Ver também: CARVALHO, Laertes Ramos. As reformas pombalinas da instrução pública, op. cit., p.37. 450 KOYRÉ, Alexandre. Estudos Históricos do Pensamento Científico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p.55. 448 120 Baconismo, galileísmo, cartesianismo, newtonismo, leibnizianismo, como o termo aristotelismo, são certamente etiquetas que recobrem tendências e problemas diversos: são entidades não facilmente isoláveis, variáveis no tempo, mas são sem dúvida também programas ou tradições filosóficas e científicas em competição entre si.451 O conflito entre antigos e modernos, que representa o conflito entre a escolástica e a filosofia moderna, tem sido uma das linhas condutoras na interpretação da história filosófica e cultural portuguesa. É preciso situar a peculiaridade lusitana no processo mais amplo de modernização pelo qual passava toda a Europa. Sem dúvida, o peso da igreja e a identidade católica em Portugal foram elementos que revestiram este conflito com características específicas. Conforme aponta Silva Dias, em Portugal “remontam aos fins do século XVII as hostilidades desta guerra de cem anos” entre antigos e modernos, ou, como ele também às vezes denomina, um conflito entre seiscentistas e renovadores.452 Este conflito permaneceu por muito tempo restrito ao ambiente institucional, sem, contudo, tornar-se um debate público, como exatamente aconteceria em meados do século XVIII, com as polêmicas em torno do Verdadeiro Método. 4.2 O método e o ambiente intelectual português No século XVII, o jesuíta António Cordeiro, mesmo mantendo-se fiel ao método e problemática dos escolásticos, foi afastado do Colégio das Artes por demonstrar inclinação ao cartesianismo.453 Porém, as divergências entre Antonio Cordeiro e os censores da Companhia de Jesus não representou um confronto entre o sistema escolástico e a filosofia moderna que pudesse ameaçar a plataforma filosófica da escolástica, ocorrendo apenas uma divergência interna. Ou seja, neste caso não houve um confronto público entre a escolástica e os modernos, tanto que o desvio de António Cordeiro foi tratado como um incidente isolado, ficando restrito ao ambiente institucional. Porém, é possível constatar a penetração silenciosa das 451 ROSSI, Paolo. A Ciência e a Filosofia dos Modernos: aspectos da Revolução Científica. São Paulo: Editora UNESP, 1992, p.123. 452 DIAS, José Sebastião da Silva. O ecletismo em Portugal no século XVIII: gênese e destino de uma atitude filosófica. Separata da Revista Portuguesa de Pedagogia. Coimbra, ano VI, p.3, 1972. 453 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a cultura europeia, op. cit., p.60-64. 121 ideias modernas, mesmo que muitas vezes à margem do impresso e do ensino, como uma realidade privada íntima.454 Conforme já apontamos, em Portugal, no inicio do século XVIII, já é possível observar uma discussão em torno das novas ideias que circulavam na Europa daquele período, com destaque para as reuniões no Palácio dos Condes da Ericeira. Por volta da década de vinte, houve um círculo literário na casa de D. Francisco Xavier de Menezes, o 4º Conde da Ericeira, que funcionou como uma espécie de academia chamada dos “discretos".455 Nesta academia participaram, além de estrangeiros, como António de Jussieu, membro da Academia de Ciências de Paris, e eruditos, como D. Manuel Caetano de Souza, Manuel de Azevedo Fortes e, principalmente, um dos principais animadores da academia e autor do famoso Vocabulário Português e Latino (1712-1728), o francês D. Rafael de Bluteau. Embora não tenha aderido a nenhum sistema moderno, Bluteau foi um grande entusiasta da física e da matemática, as quais considerava importante para a filosofia. Bluteau afirmava em seu Vocabulário que, “entre todas as ciências, só a geometria tem verdades demonstrativas”.456 Esta elite aristocrática procurava promover reuniões, a princípio em caráter de entretenimento cultural e para cultivar novas formas de sociabilidade e de convívio, em que participavam muitos estrangeiros, como o abade de Estrées, sucessor de Boileau na Academia Francesa.457 Havia um intercâmbio intelectual com historiógrafos e diplomatas franceses, como Le Grand, Lequien de La Neufville, membros da Académie Royale des Inscriptions et Belles Lettres e também de outras nacionalidades, como o suíço Pierre Bayle. 458 Nas conferências, discutiam-se temas como a lógica moderna, a filosofia natural, a ética, história, e inclusive a questão dos métodos.459 454 DIAS, José Sebastião da Silva. “O ecletismo em Portugal no século XVIII. Gênese e destino de uma atitude filosófica”, Revista Portuguesa de Pedagogia, ano VI, p.5, 1972. 455 Cf. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.106. 456 Cf. BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Português e Latino. Verbete matemática. Cf. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.109-110. Cf. também. DIAS. O ecletismo em Portugal no século XVIII, op. cit., p.5. 457 ARAÙJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal, op. cit., p.32. 458 Ibid., p.32. 459 Ibid., p.23-24. 122 Com a expansão dos espaços públicos, por meio da popularização das Academias de Ciência, dos cafés, dos salões e das assembleias460, emergiam novos espaços de sociabilidade que possibilitaram ambientes de discussão e debate de novas ideias. Ampliou-se a difusão das Luzes através da circulação de livros, de periódicos e das diversas modalidades de texto impresso, bem como sobre sua recepção461. Neste conjunto de mudanças, Philippe Ariès aponta para o surgimento de grupos de convivialidade nos meios que não pertenciam à corte e estavam acima das classes populares.462 Neste sentido, as reuniões na casa dos Ericeira podem representar um espaço de debates e discussão sobre as novidades científicas da época. Em Portugal nas chamadas assembleias, homens e mulheres se encontravam para conversar e se divertir. Saber aparecer se tornava cada vez mais um valor social importante.463 No ambiente de corte português, na primeira metade do século XVIII, já havia o hábito de organizar saraus musicais, porém essa prática ficava restrita à fidalguia.464 Conforme abordaremos mais adiante, os críticos da filosofia moderna costumavam utilizar a ideia das modas e sua efemeridade para justamente criticar e desqualificar os adeptos da filosofia moderna. As modas eram consideradas por alguns como ondas que surgiam e desapareciam com muita rapidez. A noção de moda geralmente estava relacionada ao contexto dos novos padrões de convívio social que emergiam no século XVIII. No dicionário de Rafael Bluteau, moda significa “modo de trajar, falar e fazer qualquer coisa”. Geralmente inventadas por moças e moços e cuja “perpetua variedade de 460 Assembleia designa a forma portuguesa do salão. Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. História da vida privada em Portugal, op. cit., p.445. 461 CHARTIER, Roger. Espacio Público, crítica y desacralización en el siglo XVIII: los orígenes culturales de la Revolución francesa. Barcelona: Editorial Gedisa, 1991. CHARTIER, Roger. A História Cultural. Lisboa: Difel, 1990. CHARTIER, Roger. Práticas de Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. CHARTIER, Roger. A Ordem dos Livros. Brasília: UnB, 1994. CHARTIER, Roger. A aventura do livro. São Paulo: Unesp, 1998. DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos da França prérevolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. DARNTON, Robert. Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 462 ARIÈS Philippe; CHARTIER, Roger. História da vida privada, 3; da Renascença ao século das Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.15. 463 Conforme aponta Sennet, a sociabilidade é fruto do lazer, num estado de lazer as pessoas interagem pelo simples prazer do contato. Quanto mais interagem fora dos rigores da necessidade, mais os homens se tornarão atores. Por isso a cidade grande é um teatro, ao representar uma vida pública, os homens perdem contato com a virtude moral, pois as pessoas se comportavam como atores nas cidades como forma de serem sociáveis. Cf. SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das letras, 1988. 464 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. História da vida privada em Portugal, op. cit., p. 447. 123 ornatos não deixam de ter perniciosas consequências, os que não a seguem, parecem ridículos, os que com ela se conformam, desperdiçam patrimônio”.465 D. Luís da Cunha também comentou sobre o consumo de produtos de luxo, considerados por ele como supérfluo, a “droga” que era enviada pelos franceses. Queixava-se do que considerava uma “epidemia”, “de Paris mandam uma droga, a que chamam moda, que vai por toda a Europa”. Apontava que eram enviados “chapéus, cabeleiras, bordados, livros, castiçais de cobre prateados, jarros, sapatos de homem e de mulher, rendas de seda, fivelas de prata, metal, e pedras falsas, meias de seda”. Recomendava examinar quais destas mercadorias poderiam ser proibidas por serem inúteis e quais poderiam ser fabricadas pelos portugueses.466 No bojo destas mudanças, a mulher, por exemplo, passou a ter mais liberdade e a sua “pretensa inferioridade intelectual” seria questionada por Verney, um dos primeiros portugueses a defender a ideia de educar as mulheres em Portugal. No Verdadeiro Método de Estudar, ele propõe que as mulheres deveriam ser educadas para atender as demandas específicas do ambiente doméstico, mas também deveriam saber entreter seus maridos. Argumentava que, se os homens preferiam levar uma vida boemia, longe de suas famílias, a culpa era das mulheres que, por serem incapazes de levar uma boa conversa, não sabiam “adoçar o ânimo agreste de um marido áspero e ignorante”, ou “entreter melhor a disposição de ânimo de um marido erudito”.467 4.2.1 Ciência, moda, e as viagens filosóficas É verdade que abundam as criticas contra as Madames, e também é verdade que todas são justíssimas; elas tem sido a ruína, e o estrago de imensas famílias: o luxo tem pervertido a ordem das sociedades, pobres pais, que com seus medíocres lucros a penas podiam manter-se no regaço da paz sem dívidas, eu os vejo pobres, empenhados, e talvez faltos de crédito para cevarem o gosto de suas filhas, e mulheres com as modas que de dia, em dia se inovão, e se descobrem: e que modas são estas? 465 BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino, verbete “moda”, op. cit., p.526. Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749, op. cit., p.61-62. 467 VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar, V.5, op. cit., p.126. 466 124 Seja-me permitido esta expressão: ridicularias que já mais se podem ver sem rizo, e sem escarneo.468 As tensões entre o antigo e o moderno vão se tornando cada vez mais evidentes, na medida em que nos aproximamos do final do século XVIII. A partir da segunda metade do século XVIII, o teatro e até mesmo a ópera vão ter um papel cada vez mais importante na difusão de novos valores e padrões de comportamento.469 Nos teatros, diversos costumes e situações do cotidiano passam a ser representados, e nisso geralmente possuíam um duplo papel: ou serviam para deixar uma lição de moral, ao reforçar comportamentos exemplares, ou serviam para criticar e satirizar costumes antigos, considerados fora de moda. A partir da década de 1780, observamos um aumento significativo da publicação de peças de teatro que satirizavam a moda, principalmente o entremez, que em Portugal teve grande repercussão. O entremez foi um modelo teatral cômico que abordava temas do cotidiano de forma crítica e satírica, destacando-se pela forma como eram tratados os conflitos entre os velhos costumes e as novas tendências ditadas pela modernidade.470 Os defensores do método tradicional defendiam que os adeptos da filosofia moderna seguiam uma moda passageira. O jesuíta Francisco Duarte, por exemplo, advertia sobre a “cega estimação com que alguns atendem aos que tem peregrinado em reinos estrangeiros”.471 De acordo com ele, chamava-se “moda” toda a necessidade de se saber a notícia das “novas invenções que aparecem em outros reinos, e da variedade, que reina na música, arquitetura, vestido, e em tudo o mais”.472 Nas Reflexões apologéticas, o jesuíta José de Araújo acusava Verney de ser um imitador destas modas, por aceitar acriticamente as obras de filósofos modernos: “Reina esta moda muito em Inglaterra, França e Flandres. E posto que muitos destes são Católicos, é necessária grande advertência para separar dos que 468 Graciosa, e divertida farça ou o novo entremez intitulado a defesa das madamas a favor das modas, em que deixão convencida a peraltisse dos homens. Lisboa: Na oficina de Antonio Gomes, 1792, p.8. 469 Cf. MONTEIRO, Nuno Gonçalo. História da vida privada em Portugal, op. cit., p.150. 470 Cf. FONSECA, Elizabeth Pereira Alves da. O casamento segundo o teatro de cordel em Portugal (1783-1794). Monografia. UFPR, Curitiba, 2011. 471 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética. Sevilha, Imprensa de Antonio Buccaferro, 1749, p.7. 472 Ibid., 57. 125 são suspeitos na Fé [...]”.473 O Verdadeiro Método de Estudar era descrito por ele como “um par de críticas à moda impressas talvez para ganhar dinheiro, e que seu estilo é contradizer tudo que podem, e não podem!”. Comparava Verney a um alfaiate que “se aparece alguma coisa má ou menos ajustada, lá vai a tizourada... mas se a ciência do mestre alfaiate é como a sua gaveta, onde se não acha pesa inteira, tudo são retalinhos de bayeta, feno, seda, e de várias cores”. 474 Desconfiava dos “tais modernos” por não serem “firmes na fé”, porque segundo ele, concordavam “muito com as invectivas dos hereges contra todos os Doutores escolásticos”. 475 Para ele a defesa da filosofia moderna poderia levantar suspeita de heresia, o que significava dizer inimigo da Religião e da nação. Muitos letrados portugueses aproveitaram os novos gostos literários para combater seus adversários na corte, principalmente os “fidalgos de sangue”, considerados por eles de ignorantes. Neste contexto, o contato com o estrangeiro ganhava uma conotação importante, enquanto possibilidade de conhecer o que vinha sendo considerado o “bom gosto” nas principais capitais europeias; além disso, as viagens passavam a ser também consideradas como uma forma de instruir-se. As narrativas e relatos de viagem constituía uma literatura de muito prestígio. Conforme aponta Rui Ramos, os escritores deste gênero literário faziam parte de uma elite culta, que para tirar vantagem e sustentar a sua posição no círculo da corte procuraram “cobrir do mais escuro breu a situação nacional, ocultando assim as condições que tinham possibilitado e permitiram a crítica”.476 Ou seja, conforme discutimos no primeiro capítulo, para conquistarem prestígio e mercês, estes autores buscavam valorizar suas opiniões e observações sobre a ciência, sobre a filosofia e os costumes, em comparação com o que era praticado em Portugal.477 473 ARAÚJO, José de. Reflexões Apologéticas, op. cit., p.7. Araújo faz uma alusão à doutrina de Cornélio Jansen, bispo de Ipres, sobre a graça e predestinação, a qual foi considerada herética pela Igreja Católica. 474 ARAÚJO, José de. Reflexões Apologéticas, op. cit., p.8. 475 ARAÙJO, José de. Reflexões Apologéticas, op. cit., p.3. 476 RAMOS, Rui. Nas origens da “Lenda Negra”: as viagens filosóficas do século XVIII português. Penélope. Fazer e desfazer a História, n.4, p.77, 1989. 477 Conforme apontou Rui Ramos, a disputa por prestígio, mercês e cargos tornaram a cultura e a política como dois campos entrelaçados no século XVIII. José Roberto Braga Portela também observou o desejo dos autores destes relatos em “mostrarem serviço” ou quem sabe agradar alguém com vistas a obter algum tipo de benefício Cf. PORTELLA, José Roberto Braga. Descripçoens, Memmórias, Noticias e Relaçoens. Administração e Ciência na construção de um padrão textual iluminista sobre Moçambique, na segunda metade do Século XVIII. Tese em História, Curitiba, UFPR, 2006, p.55. 126 As Memórias históricas, geográficas e políticas observadas de Paris a Lisboa, publicadas por Pedro Norberto d´Aucourt e Padilha em 1746, no mesmo ano de publicação do Verdadeiro Método de Estudar, circularam com todas as licenças. Na análise da obra, o censor fez o seguinte comentário: [...] vendo os nossos portugueses, ou detidos (como os companheiros de Ulisses) da singular amenidade do país, ou satisfeitos (como os atenienses) da instrução dos seus nacionais; rara vez saem a aprender das outras nações polidas da Europa: e juntamente entendendo, que a causa de muita ignorância é o não sair, como advertiu outro sábio português, saiu da pátria para lhe comunicar o que observasse, e para que os portugueses tivessem a utilidade da instrução, sem o incômodo das jornadas” 478 A circulação de uma obra como a de Padilha, cuja “principal empresa” era a de comunicar os diferentes costumes de outros povos, servia talvez mais para atender a curiosidade de alguns nobres portugueses acerca dos costumes e modo de vida das grandes cidades europeias. O fato de sua obra ter sido aceita pela censura pode ser explicado pelo seu caráter despretensioso, até mesmo “exótico”. Talvez não tivesse a intenção de comparar os lugares visitados com Portugal ou criticar seu modelo de ensino e, principalmente, não atacar nenhuma instituição portuguesa como a Companhia de Jesus. Ao mesmo tempo, não deixava de exagerar na sua descrição das grandes cidades como Paris, com suas “ruas e praças planejadas”, onde as pessoas valorizavam mais as virtudes e não o nascimento, em que o merecimento pessoal era o único critério de distinção.479 De acordo com Padilha, os nobres eram educados nas artes da dança, da música e, principalmente, nas ciências e filosofia. Paris era uma cidade cosmopolita, as óperas, os bailes, os jardins, as praças, as casas de conversação, eram para todos, “todos se reputam iguais no que pagam com o seu dinheiro”.480 A partir da segunda metade do século XVIII as chamadas “viagens filosóficas” assumiriam o caráter de expedições científicas patrocinadas pelo estado. De acordo com José Roberto Braga Portela, no quadro de centralização e racionalização da administração do reino, a literatura dos relatos de viagem compunham um padrão 478 Pedro Norberto d´Aucourt e Padilha Apud RAMOS, Rui. Nas origens da “Lenda Negra”: as viagens filosóficas do século XVIII português. Penélope. Fazer e desfazer a História, n.4, nov, p.62, 1989. 479 Ibid., p.63. 480 Ibid., p.63. 127 textual e um campo editorial próprio, definindo-se por uma visão enciclopedista de produção de um conhecimento útil, que pudesse transformar a natureza em riqueza.481 O tema das viagens também foi objeto da comédia musical de Carlo Goldoni “O viajante ridículo”482, que relata a história de um cavaleiro regressado de uma viagem por França e Inglaterra, que achava tudo mal na sua pátria, mas que maliciosamente elogiava a liberdade das damas nestes lugares, pretendendo que as suas amigas adotassem um comportamento mais liberal, para que ele pudesse se aproveitar.483 A lição de moral oferecida por esta comédia pode ter sido mostrar que entre os novos costumes havia efeitos indesejados, como a maior participação das mulheres na vida social.484 Como se sabe, mais tarde Rousseau se tornaria um dos principais críticos do estilo de vida das grandes cidades como Paris e Londres. Apontava para a corrupção dos costumes nas grandes cidades, onde eram cultivados prazeres que não contribuíam para se manter uma vida baseada no trabalho, na família e no dever cívico.485 Em Portugal, as experiências científicas também se tornaram uma moda de salão. Por volta de 1752 iniciou-se um ciclo de conferências sobre filosofia experimental promovido pelos padres da Congregação do Oratório. Nestes encontros eram realizadas diversas experiências científicas que atraíam grande parte da elite curiosa de Lisboa. Além de ser uma introdução a aspectos genéricos da filosofia experimental, havia um caráter lúdico inerente a estas manifestações que contribuíram muito para o seu sucesso.486 Conforme aponta Francisco Contente Domingues, estas experiências científicas eram bastante atrativas para aqueles que haviam se formado “na secura do ensino livresco e reduzido ao comentário textual”. 487 Após o segundo ano de 481 Cf. PORTELLA, José Roberto Braga. Descripçoens, Memmórias, Noticias e Relaçoens. Administração e Ciência na construção de um padrão textual iluminista sobre Moçambique, na segunda metade do Século XVIII, op. cit., p.54-55. 482 Il viaggiatore ridicolo, 1770. Cf. Pedro Norberto d´Aucourt e Padilha Apud RAMOS, Rui. Nas origens da “Lenda Negra”: as viagens filosóficas do século XVIII português. Penélope. Fazer e desfazer a História, n.4, nov, p.63, 1989. 483 Ibid., p.75. 484 Sobre a mudança dos papéis femininos ao longo do século XVIII CF. Cf. LOPES, Maria Antónia. Mulheres, espaço e sociabilidade. Lisboa: Estampa, 1988; MONTEIRO, Nuno Gonçalo. História da vida privada em Portugal. A idade moderna. Lisboa : Círculo dos Leitores, 2010. 485 Cf. SENNETT, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das letras, 1988. 486 DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo, op. cit., p.74-75. 487 Ibid., p.76. 128 existência das conferências, Teodoro de Almeida, sucessor de João Batista na condução das conferências, chegou a reclamar do elevado número de pessoas que participavam, o que impedia que todos pudessem ver nas melhores condições o desenrolar das experiências.488 Teodoro de Almeida fazia também sessões de divulgação em alguns salões de Lisboa, onde a elite social assistia com ar de diversão as curiosas experiências. Era uma moda de salão, pois muitos não entendiam e não tinham consciência para avaliar a importância daquelas experiências para o campo do conhecimento.489 Em 1752, o jesuíta Paulo Amaro, no seu Mercúrio Filosófico, escrito sob pseudônimo, acusava que o que se fazia nestas demonstrações era enganar “simples idiotas”. Acusava, ainda, de estar ocorrendo uma vulgarização da filosofia, comunicando-a a pessoas que nem mesmo tinham os conhecimentos básicos de latim.490 Paulo Amaro reclamava de que tudo o que se proclamava como novo já havia sido dito por Aristóteles, mas que era vendido como novo nas palestras dos oratorianos.491 4.2.2 A moda e as polêmicas do verdadeiro método As reações mais fortes e contundentes ao Verdadeiro Método de Estudar partiram dos jesuítas, que o consideravam uma sátira feita para ofender a glória e o crédito da nação portuguesa. De forma geral, os jesuítas defendiam o importante papel dos portugueses na grande missão de converter almas, desde as Índias, China, Japão e América. Defendiam, ainda, que graças ao empenho dos jesuítas expandiam a fé pelo mundo e lutavam contra as heresias no continente europeu.492 Portanto, os jesuítas procuravam reafirmar o importante papel da Companhia como sendo o braço direito da igreja.493 O jesuíta José de Araújo procurou desacreditar a utilidade do novo método, afirmava que: “são estes métodos excelentes para cavaleiros, que não tem mais 488 Ibid., p.76. Ibid., p. 77. 490 RAMOS, Rui. Nas origens da “Lenda Negra”: as viagens filosóficas do século XVIII português, op. cit., p.79. 491 DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo, op. cit., p.78. 492 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar. Valensa: Na oficina de Antonio Balle, 1750, p.26. 493 Ibid., p.26. 489 129 obrigação de estudos, que a sua louvável curiosidade”.494 Araújo ainda utilizava termos como “livrinhos” e “filosofia de senhoras” para se referir às obras dos filósofos modernos e, ao contrário de “abrir os olhos ao mundo”, os modernos iriam “introduzir uma grande cegueira”.495 Demonstrava desprezo pela filosofia moderna por esta se dedicar ao que chamava de questões frívolas e superficiais, pois segundo ele, as grandes questões não poderiam ser tratadas por meio dela, mas somente por meio da filosofia especulativa.496 Argumentava ainda que os autores que aderiam à filosofia moderna acreditavam que “com pouco trabalho, e em breve tempo ficariam grandes letrados”.497 Segundo Araújo, a filosofia moderna acabava tendo uma boa aceitação por parte da juventude pelos seguintes motivos: “Primeira, por serem livros de estrangeiros, cujas modas tem grande saída entre nós [...]”.498 Segundo, que sem “animo para se cansarem nos estudos” e “vendo que as ciências são muito mais largas, que a vida”, “aplicam-se com muito gosto a estes livrinhos”. E a terceira, acusa a moda das experiências científicas como movidas por uma idiota curiosidade, que “pasmão os aprendizes e dão a cousa por provada”. 499 Outro autor que procurou desacreditar o novo método foi o jesuíta Francisco Duarte. Argumentava que naqueles “tempos de moda”, muitos prejuízos vinham sendo cometidos contra as ciências, era preciso estar muito advertido para não confundir “homens doutos com ignorantes”; segundo ele, havia uma “superficial erudição” disseminada na corte.500 Reclamava de uma “ignorância mascarada”, muitas pessoas tentando se passar por coisa que não eram, estudantes tentando disfarçar sua pobreza para enganar a universidade. Defendia que não era necessário viajar para se tornar um sábio: Nem V.S. se deixe ocupar de uma cega estimação com que alguns atendem aos que tem peregrinado em reinos estrangeiros. Algum dia para entender um sistema de uma escola, para ouvir um filósofo, para alcançar à mão um manuscrito era necessário ir ao Egito, com 494 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar, op. cit., p.292. Provavelmente estava se referindo a “moda” de assistir às experiências nas Academias de Ciência, que se tornavam cada vez mais populares na Europa do século XVIII. 495 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar, op. cit., p.293. 496 Ibid., p. 292. 497 Ibid., p.3. 498 ARAÙJO, José de. Reflexões Apologeticas, op. cit., p.7. 499 Ibid., p.7-8. 500 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., p.6-7. 130 Platão, ou à Pérsia, com Pitágoras; mas hoje, que por benefício da imprensa temos dentro de quatro paredes notícias exatíssimas de todo o mundo nos escritos dos sábios de todas as nações, pode um homem enriquecer-se de uma vasta erudição sem sair de sua casa: assim como pode ser na verdade mui idiota um peralvilho que andar correndo a Europa toda. 501 Também queixava-se da persistência com que os apologistas do novo método publicavam seus escritos, ponderando que a invenção da imprensa tinha sido tão útil como prejudicial aos sábios. Acusava o Barbadinho de ter dado “ânimo para que os ignorantes presumidos” publicassem ”os sentimentos, de que eles mesmos se deveriam procurar esquecer”.502 E assim, a popularização do ofício de escritor tornava-se mais um sinal da “corrupção dos novos tempos”: “Oh infeliz aplicação tão prostituída neste século quanto o não está o oficio mais sórdido e mecânico”.503 Ao contrário do que pensava Verney, José de Araújo defendia a necessidade de se manter distância dos grandes centros irradiadores da moda, provavelmente acreditando que com isso seria possível manter a identidade e a tradicional ordem dos bons costumes: “não é necessário sair do reino para ser um bom conselheiro da Fazenda, Ultramar, Secretário de Estado, e das Mercês”, pois para isso seria preciso fazer todos “cavaleiros andantes”.504 Alegava que muitos ministros vinham para Portugal de varias nações. Tanto eles como seus secretários vinham pela primeira vez, e que se fosse assim, aquele que nunca tivesse saído do reino não saberia discorrer, como pensava o Barbadinho, pois salientava que muitos que viajavam para fora do país, voltavam “tão ignorantes, como foram; e outros ainda pior nos costumes, e religião”.505 A verdade é, que para as Resoluções do Conselho de Ultramar bastarão as noticias, que temos daquelas partes, os informes dos Governadores, e Ministros delas, com a praxe do que se tem ordenado em casos semelhantes, e sobre tudo a prudência, e capacidade do Conselheiro; aliás será necessário, que tenha corrido as quatro partes do mundo; porque em todas tem a Coroa domínio. O mesmo bastará para o Conselho de Estado, e mais Tribunais. Isto é falar com acerto, com honra, e respeito das, muitas e graves 501 Ibid., p.7. DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., p.6. 503 Ibid., p.7. 504 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar, op. cit., p. 407-408. 505 Ibid., p.408. 502 131 pessoas, que S. Magestade tem escolhido para estes Tribunais; e não falar com a maledicência do Critico [...].506 Como é possível observar, para José Duarte, o fato de não haver motivo para mudar os costumes portugueses, a grandeza de seu império e a forma como vinha sendo administrado, era prova de que o autor do novo método não tinha nenhuma razão, e que provavelmente seu objetivo era simplesmente “desagravar o crédito da nação”. Além disso, apontava para a ousadia de seu adversário em colocar em questão os critérios utilizados pelo Rei na escolha dos homens que ocupariam os cargos mais importantes da administração do reino. Nas Respostas as Reflexões Apologéticas, Verney rebateu as críticas de José de Araújo, argumentando que esta era uma prática seguida pelos Reis da Europa, inclusive em Portugal. Para reforçar seu argumento, citou os casos de portugueses famosos que haviam ocupado cargos no estrangeiro, como D. Luís da Cunha e o Conde de Tarouca. Verney considerava que para o caso da ciência da política, havia muitos livros à disposição, mas para adquirir conhecimento para esta “profissão” seria necessário ter “conhecimento dos homens”, das suas “paixões”, dos seus costumes, seus “diferentes modos de obrar” e de “conservar a paz”, e por esses motivos tudo isso para a nobreza estrangeira é parte da boa educação. 507 José de Araújo repreendeu Verney por fazer uso de nome de tais cavaleiros de “conhecida capacidade” e por querer parecer alguém que “tem amizade com pessoas grandes”.508 Argumentava que Verney quis fazer entender que D. Luís da Cunha e o Conde de Tarouca eram “rudes” e “pouco instruídos” e que não “sabiam discorrer” enquanto viviam em Portugal, e que só adquiriram sua inteligência e capacidade no contato com outras nações.509 Porém, insistindo na sua argumentação, Verney pondera que se Luis XIV da França tivesse fechado as portas do reino para evitar a introdução de novos estudos, conforme sugeria seu adversário, a cultura francesa não teria florescido, não teria produzido os homens que tem, e não teria influenciado os estudos de outras nações, e não “daria aos Romanos norma para a Filosofia, Critica, Cronologia, Geografia, e mais partes de Matemática; para a Historia Civil, e 506 Ibid., p.408. VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, p.26 508 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar. Valensa: Na oficina de Antonio Balle, 1750, p.409 509 Ibid., p.409. 507 132 Eclesiástica”.510 E da mesma forma, se o Gran Duque de Toscana proibisse a Galileu, a Torrichelli de: Introduzir método novo de filosofar, e totalmente contrario ao de Aristóteles; teriam por ventura estas ilustres províncias produzido aqueles homens grandes, que em várias partes da Filosofia, e Matemática tem com tanta gloria ilustrado a Republica Literária?511 Verney, ainda, exemplificava seu argumento apontando para o caso português. Defendia que se D. João V não tivesse convidado para o seu reino “os estrangeiros doutos e escutado seus conselhos”, não se veria no reino importantes obras de engenharia como o palácio de Mafra, o Aqueduto de Belas, não se teria produzido artífices que com muita habilidade no trabalho com prata, ouro e madeira causavam inveja a Roma, da mesma forma na música não teríamos o “culto divino executado na sua última perfeição”.512 E ainda argumentava que se D. João V pudesse ter executado todas as ideias que tinha idealizado para os portugueses se veriam muito mais mudanças.513 Por isso Verney concluía que se deveria “louvar o Barbadinho, e aos outros, que desejam introduzir este método em Portugal, para roubarem aos Estrangeiros a gloria da primazia”.514 As polêmicas do novo método se estenderam para além de Portugal e chegaram até a Espanha, quando o jesuíta José Francisco de Isla y Rojo, também conhecido por Padre Isla, publicou em 1758 uma obra de cunho crítico e satírico que citava o autor do Verdadeiro Método de Estudar como “um homem que a todos os espanhóis tratou por bárbaros e ignorantes”. A obra do Padre Isla teve uma boa recepção até ser proibida pela Inquisição em 1760. Não deixou de usar também de ironia para apontar os exageros de Verney: “Pois até que ele veio ao mundo, não sabíamos nem gramática, nem lógica, nem física, nem teologia, nem jurisprudência, nem cânones, nem medicina, e ainda mais, não sabíamos nem ler nem escrever”. 515 510 VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, p.20. Ibid., p.20. 512 Ibid., p.21. 513 Ibid., p.21. 514 Ibid., p.23. 515 ISLA, José Francisco de. Fray Gerundio de Campazas. Madrid: Imprenta de Gabriel Ramírez, 1758. Disponível em: http://goo.gl/GWLpXy Acessado em: 14 de agosto de 2014. 511 133 O tradutor do Verdadeiro Método de Estudar na Espanha, o advogado Joseph Maymó Y Ribes, publicou um texto em defesa de Verney, afirmando que ele não havia julgado os portugueses e espanhóis de bárbaros e ignorantes, mas: O que faz é manifestar, que o método que observam os portugueses (que em algumas faculdades é o mesmo que em Espanha) não é útil para estudar ciências, que é muito prolixo, e prejudicial para aprender em cada uma delas o que é necessário, mas prova-o com tanta evidencia, que não se pode negar o que disse.516 Maymó y Ribes demonstrava conhecimento das polêmicas ocorridas em Portugal, citava as obras que faziam críticas ao novo método como sátiras maliciosas, mas que foram incapazes de abalar a argumentação de Verney, que segundo ele, saíra vitorioso em todas as disputas.517 Em sua defesa, acabava reproduzindo os argumentos utilizados por Verney a favor do novo método, às vezes com certo exagero. No que se refere ao ensino de Teologia, o método proposto por Verney poderia reduzir seu ensino de vinte anos para quatro. Os estudantes aprenderiam uma Teologia útil e seriam “capazes de convencer aos hereges mais advertidos”.518 Porém, Geralmente os religiosos e seculares se contentam com a filosofia e teologia que aprenderam na escola e depois, ou porque não tem quem os instrua no que devem estudar e porque creem que não há outra coisa útil da que lhes ensinaram seus professores, porque estão cansados com tantos anos de universidade mal empregados, porque necessitam acomodar-se e dedicar-se a buscar sua manutenção [...] Esta é a principal razão do método do Barbadinho não parecer correto, porque é muito difícil arrancar aquelas opiniões em que se criaram os homens, e estão consagradas pelos costumes, e os velhos se acham bem com suas velhices, e não querem que outro venha abrir seus olhos, para não perder seu conceito de douto, em que são considerados e venerados.519 . Ora, seria simplesmente a questão de método o que teria provocado o estado de “atraso e decadência” da sociedade portuguesa e espanhola, conforme argumentava Verney e seus defensores? Mas do ponto de vista epistemológico, qual era o alcance efetivo do método como um conjunto de princípios que deveriam ser 516 MAYMÓ y RIBES, Joseph. Defensa del Barbadino en obsequio de la verdade. MADRID: En la oficina de Joachín Iharra, 1758, p.16 (tradução nossa). 517 Ibid., p.7. 518 Ibid., p.60-61. 519 Ibid., p.90 (tradução nossa). 134 seguidos por todas as disciplinas? Que contribuições ele poderia trazer para outras áreas do conhecimento? Embora do ponto de vista epistemológico a ideia de método possa ser compreendida como elemento de oposição às concepções escolásticas dominantes, assumiu progressivamente uma dimensão ideológica, e conforme será discutido no próximo capítulo, foi utilizada também para se referir à necessidade de uma renovação cultural. 135 CAPÍTULO V - A IDEIA DE MÉTODO E O IDEÁRIO REFORMISTA É o método o primeiro requisito do estudo, para por meio dele se poder adquirir um conhecimento profundo, e sólido das ciências. Quem desconhece o método, não pode ter ordem no estudo. E quem estuda sem ordem, adianta-se pouco na estrada das ciências, tropeça a cada passo, e perde um tempo infinito.520 Este capítulo tem como objetivo principal discutir a importância da ideia de método no ideário reformista, presente na sociedade portuguesa desde a primeira metade do século XVIII. Tentar-se-á argumentar que a ideia de método foi utilizada neste contexto para se referir à necessidade de uma renovação cultural. Serão apresentados textos de alguns portugueses, como de D. Luís da Cunha, Martinho de Pina e Proença, António Ribeiro Sanches e Verney, que refletiram sobre a situação do reino português, desde seu período de glória na era dos descobrimentos até as dificuldades para se adaptar à nova dinâmica do século XVIII. Pretende-se analisar como cada um destes autores contribuiu para um diagnóstico de atraso da cultura portuguesa, que foi fundamental para legitimar todo o conjunto de reformas do reinado josefino. Em seguida, apresenta-se como a ideia de método foi utilizada em alguns documentos das reformas da educação. Além disso, serão apresentados dados sobre o ambiente político, social e cultural português, apresentando algumas mudanças que se operavam na cultura portuguesa no século XVIII. Esta discussão tem como objetivo compreender a tensão entre a religiosidade e a penetração das ideias modernas em Portugal. Na perspectiva dos reformadores como António Ribeiro Sanches e Verney, a educação assume um papel central para a formação de homens para servirem ao estado, e isso não conforme o modelo cristão, revelando o traço reformador e pedagógico do Iluminismo português. Assim, pretende-se chamar a atenção para a importância da ideia de método dentro do contexto político português do século XVIII. 520 Compendio historico do estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos denominados jesuitas e dos estragos feitos nas sciencias e nos professores, e directores que a regiam pelas maquinações, e publicações dos novos estatutos por elles fabricados. Lisboa : Na Regia Officina Typografica, 1771, p.245. 136 5.1 O ideário reformista Conforme aponta Pedro Calafate, havia uma interpretação histórica no ideário reformista. Procurava-se exaltar o período de glória dos portugueses como os descobridores do “novo mundo” e apontar para um suposto estado de decadência e estagnação do reino: Um dos aspectos mais relevantes do século XVIII português foi o modo como se procurou distanciar da dinâmica da cultura do período imediatamente anterior, lançando sobre ele a acusação de crise e decadência da cultura nacional, na base da qual se ergueu uma história-tribunal que se recusava compreender o barroco e a escolástica na sua dinâmica particular.521 Um dos objetivos de Verney era justamente desacreditar o período histórico anterior, que havia sido fundamentado na tradicional perspectiva escolástica, alegando que era necessária uma mudança de rumos em direção ao moderno. Na sua argumentação, havia uma percepção de que a cultura portuguesa precisava se adequar às exigências dos novos tempos e de que o estado seria o responsável por estas transformações. Por isso, era necessário reformar os costumes de acordo com a utilidade do estado, para adequá-los conforme a nova realidade do século XVIII. Em um dos textos que escreveu para se defender de seus críticos, Verney evidenciava o argumento reformista de que os portugueses poderiam restabelecer os tempos de glória, bastando que utilizassem o método correto: Os nossos portugueses são capazes de tudo. Tem engenho ou tão bom, ou melhor que as outras nações. Vivem em melhor clima, e sitio que as nações setentrionais. A nada se tem aplicado de veras com engenho, em que não saíssem excelentes. Se saem de Portugal, e se aplicam ao que devem, não a quem lhe cheguem. Isto é incontroverso entre todos os homens que tem experiência do mundo. Falta-nos somente aplicação, e método522 (grifo nosso) O contato de alguns portugueses com nações estrangeiras e com as novas ideias que circulavam em outros ambientes intelectuais da Europa, os levaram a um 521 CALAFATE, Pedro (Coord.). Portugal como Problema: séculos XVII e XVIII - da obscuridade profética à evidência geométrica. v. 2. Lisboa: Fundação Luso-Americana / Público, 2006, p.147. 522 VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, p.22. Esta obra será analisada com mais detalhes no próximo capítulo. 137 diagnóstico de um atraso cultural em Portugal. Como já comentamos, formularam juízos sobre a necessidade de mudanças que viessem a fazer prosperar o reino. Na primeira metade do século XVIII português, é marcante uma leitura histórica comparando um período passado de glórias, com um presente decadente.523 Considerava-se que Portugal deixara de ser há muito a grande potência marítima da era dos descobrimentos, ao mesmo tempo em que Holanda e Inglaterra o haviam superado economicamente. D. Luís da Cunha524, um dos principais diplomatas do período joanino, dava conselhos baseados em princípios ou “máximas”, que havia observado “em Inglaterra, em Holanda, e França”, os quais eram adotados por estes reinos independentemente da “diferença dos climas, dos governos, dos interesses, dos tempos”, e dos “diversos gênios da nação”.525 Sebastião de Carvalho e Melo, antes de se tornar o Marquês de Pombal, também atuou em duas missões diplomáticas no reinado de D. João V. Em 1738, Pombal foi para Londres onde permaneceu por quatro anos, depois voltou para Lisboa e partiu para Viena, retornando em 1749.526 Em Londres teve contato com a filosofia moderna e chegou a frequentar os círculos da Royal Society.527 Segundo Silva Dias, é neste período que se germina seu programa de governo, a partir de sua percepção da situação de Portugal no equilíbrio político da Europa.528 Pombal procurou compreender as origens da superioridade comercial e militar da Grã-Bretanha e a fraqueza política de Portugal.529 523 NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Editora Hucitec, 1989, p. 32. 524 D. Luís da Cunha (1662-1749) iniciou sua carreira em 1696 como embaixador de Portugal em Londres. Em 1712 foi nomeado ministro plenipotenciário no Congresso de Utrecht e depois embaixador de Portugal em Madri. Mais tarde, viveu temporariamente em outras cidades da Europa, vindo a permanecer em Paris até sua morte em 1749. Ele e Alexandre de Gusmão foram figuras de destaque no campo da diplomacia no período joanino, vivenciando as principais questões da política externa portuguesa. Destacou-se pela sua vivência como embaixador nas principais capitais da Europa, o que lhe possibilitou uma visão bastante realista do concerto entre as principais potências do período. 525 Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749. Lisboa: Na Impressão Regia, 1820, p.4 526 SILVA DIAS, J.S da. Pombalismo e Projeto Político. Lisboa: Centro de História da Cultura da Universidade Nova Lisboa, 1984. 527 MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal, op. cit., p.6 528 DIAS, Sebastião José da Silva. Pombalismo e Projeto Político. Lisboa : Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1984. 529 MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal, op. cit., p.6. 138 Portanto, o ideário reformista pode ser compreendido como um conjunto de propostas e medidas a serem implementadas pelo estado, a partir das observações feitas por alguns portugueses sobre a situação de Portugal em relação ao restante da Europa, especialmente aquela parte que logrou um crescimento comercial mais expressivo.530 D. Luís da Cunha afirmava que era preciso conhecer o reino, assim como um médico, por isso era necessário examinar o paciente, “o aspecto, e a conformação de Portugal”.531 O reino português estava doente e precisava de cuidados: É constante que se [...] não pode curar algum enfermo, sem que o prudente médico observe o seu aspecto, considerando os sintomas, a conformação do seu corpo, a constituição dos seus humores, as suas forças, e tome todas as mais indicações para vir, tanto quanto pode ser, no conhecimento das causas do mal, que o aflige; isto não só para remediar a sua queixa, mas para prevenir o de que pode estar ameaçado.532 No caso da educação, conforme já apontamos, a grande maioria dos estabelecimentos de ensino em Portugal seguiam as orientações da filosofia escolástica, método que passou a receber várias críticas dos simpatizantes da filosofia moderna. Assim, neste contexto, a palavra método torna-se um termochave, utilizado para fazer oposição às concepções escolásticas dominantes e criticar a orientação filosófica das escolas portuguesas. Inicialmente, o espírito de renovação em Portugal envolveu uma adesão às ideias de alguns filósofos modernos, como Descartes e Newton e a valorização das experiências científicas. Com a publicação do Verdadeiro Método de Estudar, a palavra método passa a ser articulada com a área do ensino, a tal ponto de assumir um aspecto nuclear no ideário reformista. Conforme será desenvolvido mais adiante, a ideia de método assume progressivamente uma dimensão pragmática e utilitarista, sendo empregada para justificar a necessidade das reformas. O método utilizado 530 Cf. SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Luzes em Portugal: do terremoto à inauguração da estátua equestre do Reformador. Topoi, v. 12, n. 22, p. 75-95, 2011; e também SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Reformas educacionais e as ´Luzes´ em Portugal. Anais do V Encontro Internacional de História Colonial: Cultura, Escravidão e Poder na Expansão Ultramarina (Sec. XVI ao XIX), Maceió, 2014, p.2000-2006. Disponível em: http://goo.gl/V5OqHV (acesso em 22/07/2015). 531 Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749. Lisboa: Na Impressão Regia, 1820, p.21. 532 Ibid., p.22. 139 pelos jesuítas seria considerado pelos reformadores, o principal motivo do estado de atraso e de decadência em que se encontrava o reino de Portugal. A historiografia tem apontado que Portugal não esteve totalmente alheio aos efeitos do Iluminismo, como sugeriam seus críticos. 533 Os mais radicais, como Luiz António Verney, fizeram da ideia de atraso um elemento fundamental de suas argumentações. Segundo Silva Dias, “Verney deixou-se cegar pelas ‘luzes’ do século; exagerou os males da cultura nacional”.534 De fato, como apontou António Manuel Hespanha, diante das mudanças que se operavam na Europa, “a questão era saber se o particular modo de ser da nação portuguesa (no que tinha ele de bem e mal) estava enraizado na própria natureza das coisas ou se era apenas a epidérmica consequência de costumes sociais ou políticos reformáveis”. 535 Conforme ressalta Pedro Calafate: Era tese da ideologia oficial, apresentada nos manifestos pombalinos, que os “estragos” da Companhia estavam profundamente relacionados com um método de ensino considerado inútil, prolixo e de um “artificialismo” contrário à simplicidade da “natureza” (entendida esta como a ordem da razão no exercício de suas operações). Neste sentido, não pode avaliar-se a importância que o tema do método assumiu entre nós, esquecendo a pujança acusadora com que aqui se ergueu o tribunal da história, explorando até a exaustão a ideia de crise e de decadência, não apenas científica, mas também pedagógica.536 (grifo nosso) Ou seja, a ideia da decadência dos povos peninsulares era, em grande medida, devedora da interpretação histórica apresentada nos documentos pombalinos das reformas de ensino. Esta ideia também pode ser compreendida como um termo-chave para se compreender os fundamentos filosóficos das chamadas “reformas pombalinas”. Ao analisar a questão da educação no século XVIII português, Laerte Ramos de Carvalho aponta que as reformas das instituições de ensino em Portugal encerram mais que um plano pedagógico. Segundo ele, há 533 CARVALHO, Flavio Rey de. Um Iluminismo português? A reforma da Universidade de Coimbra 1772. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília, 2007. Cf. também ANDRADE, António Alberto de. Vernei e a cultura de seu tempo. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1966. ARAÙJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas. Lisboa: Livros Horizonte, 2003. CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Europeia. Coimbra: Editora: Coimbra, 1952. 534 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Europeia, op. cit., p.217. 535 HESPANHA, António Manuel; SILVA, Ana Cristina Nogueira. A identidade portuguesa. In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. v. 4. Portugal: Estampa, 1998. p. 19. 536 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, op. cit., p.208. 140 uma filosofia política, possivelmente fundamentada nas conexões entre o reformismo e o problema do atraso da cultura portuguesa. 537 A ideia de atraso em relação a outros povos europeus está, em grande parte, no germe do debate historiográfico sobre o Iluminismo em Portugal, como é possível observar na produção dos séculos XIX e XX, com as ideias de Antero de Quental em suas conferências sobre as causas da decadência dos povos peninsulares de 1871 e na abordagem da História da Civilização Ibérica de Oliveira Martins de 1879. Poderíamos questionar até que ponto esta ideia de atraso reflete uma realidade histórica específica. Banha de Andrade, por exemplo, questiona o diagnóstico de Verney sobre a situação de atraso do ensino do latim em Portugal. Afirma que “O ensino do latim nas escolas dos Jesuítas, não se revestia, pois, da aridez e confusão de que foi acusado, por quem o reduzia à Gramática do P. Alvares e seus comentadores [...]”.538 Em que medida a realidade social portuguesa da primeira metade dos setecentos corresponde ao diagnóstico de Verney? Para respondermos a esta pergunta é importante levarmos em conta não só a sua capacidade de representar satisfatoriamente uma dada realidade cultural, mas também o que pretendia quando escreveu seus textos. Conforme já apontamos, o estilo e a retórica utilizada no Verdadeiro Método de Estudar foram fundamentais no impacto causado pela obra. E não podemos esquecer que seu autor era um indivíduo inserido em uma sociedade na qual para sobreviver era necessário saber servir e agradar. D. Luiz da Cunha, Pina e Proença, António Nunes Ribeiro Sanches e Luiz António Verney são autores geralmente identificados como “estrangeirados”.539 Este termo costuma ser utilizado na historiografia para denominar alguns portugueses que viveram a maior parte de suas vidas fora de Portugal e que a partir deste ponto de vista discorreram sobre alguns temas fundamentais do reformismo português. Há uma tendência em se relacionar os “estrangeirados” como os arautos das principais 537 CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública, op. cit., p.6-7. ANDRADE, António Alberto Banha de. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários (17591771), op. cit., p.21. 539 Este termo já foi reavaliado por alguns historiadores que procuraram observar que estes autores, além de terem tido sua formação inicial em Portugal, não estavam alheios, nem fora da cultura portuguesa, só porque estavam no estrangeiro. Pelo contrário, participaram ativamente dos debates em torno dos problemas da sociedade portuguesa. Cf. MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História, op. cit., p. 350. Ana Cristina de Araújo faz uma crítica ao uso do termo estrangeirado por desvirtuar o universalismo que caracteriza o comércio de idéias do século XVIII. ARAÙJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas, op. cit., p.21. 538 141 ideias que serviriam como fundamento das reformas ocorridas na administração do Marques de Pombal.540 Embora possamos questionar até que ponto esses autores representavam uma corrente de opinião, como um projeto político de modernização da cultura portuguesa, é possível encontrar nas ideias desses intelectuais as ideiaschave do ideário reformista.541 Há uma lógica ligando o diagnóstico do atraso português e as propostas de reforma, o que possibilita uma compreensão da importância da percepção do atraso como recurso para a legitimação do discurso reformista. 5.1.1 A ideia de atraso e a identidade católica portuguesa Deus, tendo criado os homens para a sociedade, deulhes todos os meios para viverem felizes na mesma sociedade. A estrada de os encontrar é a boa razão, que ensina outros modos de descobrir a verdade [...] 542 Cristo nunca mandou que se matasse ninguém por delitos da religião, nem durante muitos séculos os concílios e os papas ordenaram tal coisa. Isto é um invento do fanatismo dos séculos bárbaros, é uma imitação de Maomé que depois os Portugueses e Espanhóis aplicaram nas quatro partes do mundo, matando cruel e injustamente milhões de homens, com o pretexto de os querer tornar cristãos, mas em verdade, para lhes arrebatar os tesouros e reinos. 543 O Verdadeiro Método de Estudar causou grande polêmica e teve ampla divulgação nos meios letrados portugueses. Entretanto, o mesmo não ocorreu, por exemplo, com os Apontamentos para a educação de um menino nobre (1734) de Martinho de Mendonça de Pina e Proença e as Cartas para a educação da mocidade (1760) de António Nunes Ribeiro Sanches, autores que também discutiram criticamente questões sobre o sistema de ensino praticado em Portugal. Conforme já apontamos, antes da publicação do Verdadeiro Método de Estudar, estavam se processando na sociedade lusitana profundas transformações por meio de novas práticas culturais, novas formas de sociabilidade e, 540 Cf. MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista Português do Século XVIII: Luís António Verney. São Paulo: Saraiva & C.a Editores, 1941. 541 CARDIM, Pedro. Processo político (1621-1807), In: MATTOSO, José (Coord.). História de Portugal. vol 4. Rio de Janeiro: Editorial Estampa, 1998. p. 415. 542 Carta escrita de Livorno, 25 dez 1765. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.112. 543 Carta escrita de Livorno, 25 dez 1765. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.110. 142 principalmente, pelo aumento da circulação de ideias – como sublinha Isabel Ferreira da Mota, ao tratar do papel da Academia de História Portuguesa na formação e preparação da geração que iria conduzir as mudanças do reinado de D. José I.544 O padre António Vieira foi um dos primeiros a apontar para um estado de isolamento do reino português. Na sua campanha anti-inquisitorial, comentava sobre o “miserável estado do Reino e a necessidade de que tem de admitir os judeus mercadores que andam por diversas partes da Europa”.545 No seu diagnóstico, as razões de estado deveriam predominar diante dos preconceitos pelos judeus, por isso defendia a necessidade de se reformar a Inquisição: O estilo que guarda a Santa Inquisição de Portugal é diferente do que todas as outras de toda a Cristandade costumam observar; desta diferença de estilo têm resultado gravíssimos inconvenientes, assim no temporal como no espiritual do Reino.546 Mais tarde, D. Luís da Cunha, também iria defender maior liberdade de religião, principalmente aos judeus, aconselhando abolir o “injurioso nome de cristão novo” e assegurando de que os seus bens não fossem confiscados, “pouco importa que existam judeus ocultos, quando não escandalizam”. 547 Não se trata tanto de uma questão de “tolerância religiosa”, mas medidas que visavam acima de tudo a “utilidade do estado”, pois conforme apontava, toda a fabricação própria de lã e sedas de Portugal havia se extinguido com a fuga dos judeus, devido às perseguições da Inquisição.548 Para povoar as terras de além-mar sem despovoar Portugal, naquelas partes que se encontravam ainda incultas, D. Luís da Cunha sugeria que fossem ocupadas por estrangeiros com suas famílias, mas sem “examinar a sua religião”, assim como haviam feito os ingleses na América.549 Como Verney, D. Luís da Cunha argumentava que a Inquisição deveria se tornar um tribunal sob o controle do 544 Cf. MOTA, Isabel Ferreira da. A Academia Real da História: os intelectuais, o poder cultural e o poder monárquico no séc. XVIII. Coimbra: Edições Minerva, 2003. 545 Padre Vieira, Apud DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Europeia, op. cit., p.101. 546 Ibid., p.101. 547 Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749. Lisboa: Na Impressão Regia, 1820, p.57. 548 Ibid., p.63. 549 Ibid., p.45. 143 estado550, preocupado mais com os erros de opinião, e ideias perigosas ao bem público do que com as questões religiosas. Sobre a Guerra de Restauração contra os espanhóis, D. Luís da Cunha manifesta uma visão realista. Em seu Testamento político, de 1747, ao contrário dos mitos ligados aos “milagres” protagonizados pelos portugueses nesta guerra, percebe que as vitórias contra a Espanha não se deram por razões divinas, conforme era compartilhado por muitos portugueses, mas pelo fato de que não só os espanhóis se encontravam em diversas frentes de batalha, como também porque interessava à Inglaterra e à França a independência de Portugal. Ou seja, no frágil equilíbrio de forças entre as potências europeias, era fundamental tanto para a França quanto para a Inglaterra, que a Espanha não se fizesse “senhora da prata e ouro, e mais produtos de Portugal e da América [...] e esta razão de Estado é o nosso melhor garante, em que, contudo, não devemos pôr toda a nossa confiança”.551 Este princípio também serviria para se pensar as relações entre o reino português e a igreja efetivamente, esta discussão embutia uma crítica a um dos pilares da identidade portuguesa: a pureza de seu catolicismo. Português e católico eram identidades inseparáveis, e a identidade religiosa concorria com a identidade reinícula (nacional). 552 Considerava-se que a nação portuguesa fora eleita por Deus na missão de combater os infiéis e expandir o catolicismo pelo mundo. Esta identidade era reafirmada na recusa daqueles que não se enquadravam ao ideal católico, como os pagãos, hereges, protestantes, judeus e “maometanos”. Conforme assinalou Keneth Maxwell, “em nenhum outro país europeu a Contra-Reforma havia sido implantada de maneira tão cabal e com tanta firmeza”.553 Entretanto, conforme assinala Silva e Hespanha, para alguns portugueses do século XVII (“moralistas de Seiscentos”) o abandono dos campos pelo comércio ou pelas conquistas, a adoção de modas estrangeiras e do estilo de vida das cortes e o amolecimento pelo luxo e pela urbanidade eram fatores associados à decadência de Portugal.554 550 Ibid., p.51. Ibid., p.24. 552 Cf. HESPANHA, António Manuel; SILVA, Ana C. Nogueira. A identidade portuguesa, op. cit., p.21. 553 MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal, op. cit., p.99. 554 Cf. HESPANHA, António Manuel; SILVA, Ana C. Nogueira. A identidade portuguesa, op. cit., p.29. 551 144 A igreja gozava de muitos privilégios em Portugal, pois grande porção das terras do reino encontrava-se sob sua posse. Essas propriedades eram isentas de impostos, além de serem inalienáveis, e isso vale o mesmo que dizer que eram improdutivas. De acordo com D. Luís da Cunha, os padres e as freiras, além de não contribuírem nas despesas do reino, causavam grandes prejuízos para o setor da agricultura e do comércio, pois desviavam grande parte dos recursos humanos para uma área que não gerava dividendos econômicos. Para mudar esta situação, D. Luís da Cunha recomendava confiscar as “terras incultas” daqueles que não as quiser cultivar, “porque importa pouco que se faça uma injustiça a certo particular, quando dessa resulta a utilidade comum”, além disso, “a salvação dos povos consiste na cultura das terras”.555 Mais tarde, em 1766, Verney vinha reafirmar o argumento de D. Luís da Cunha: “Sem agricultura, artes e comércio, a república é um cadáver e, sem vassalos ricos, nenhum soberano é rico”. 556 Além disso, muito “frades e freiras” entravam para a religião não por “vocação”, mas por necessidade. A carreira eclesiástica era vista por grande parte da população como uma oportunidade de ascensão social. Por outro lado, o regime de celibato dos clérigos e religiosos não contribuía para o incremento populacional, o que, segundo o mercantilismo, era um dos principais fatores de riqueza de um estado. D. Luís da Cunha apontava para a “sangria de gente” de ambos os sexos que entravam para os conventos, que “comem e não propagam”.557 Sugeria a necessidade de se criar uma lei proibindo que frades, e freiras pudessem herdar bens de raiz.558 O mesmo digo aqui dos Conventos de Freiras, onde se achão infinitas mulheres, ou porque seus pais as obrigão a entrar neles, ou por gozarem da liberdade que não tinham em suas casas. Que V. A. se faça dar uma lista de todos os frades, e freiras, que há no reino, e verá que se metade deles, e delas se casassem, seja ou não com desigualdade, o que importa pouco ao Estado, não haveria dúvida 555 Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749. Lisboa: Na Impressão Regia, 1820, p.36. 556 Conselho apresentado nos anexos de um carta escrita por Verney em 14 de maio de 1766. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.179. 557 Testamento politico ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao senhor Rei D. Jose I. antes do seu governo,o qual foi do conselho dos senhores D. Pedro I . e D. João v., e seu embaixador às cortes de Viena, Haya, e de Paris; onde morreu em 1749. Lisboa: Na Impressão Regia, 1820, p.42. 558 Ibid., p.42. 145 em que cresceria o número dos seus sujeitos, e Portugal seria pelo tempo adiante mais povoado, e a este fim seria de opinião que ficasse livre de pagar algum imposto todo o lavrador que tivesse três filhos, porque esta isenção os convidaria a não ficarem solteiro. 559 Conforme é possível perceber, a entrada da maioria das mulheres nos conventos não se dava por vocação, mas por outros motivos. O que ele estava propondo era uma mudança cultural muito importante, que pudesse fazer a população do reino se multiplicar, contribuindo para o reino prosperar. Porém tal mudança deveria ser promovida mediante intervenção do estado, de acordo com uma outra finalidade, que não aquela voltada para os desígnios da igreja. Os mesmos princípios que nortearam o Testamento Político de D. Luís da Cunha estão presentes nas cartas escritas por Verney entre os anos de 1765 e 1766 - as quais já apresentamos no primeiro capítulo - sobretudo em relatórios anexos na carta escrita de Pisa, em 1765, e outra de Livorno de 1766.560 Verney sugeria medidas visando diminuir a influência da igreja e todos os prejuízos que ela causava aos interesses do estado. Para ampliar a população aconselhou “Dar privilégios aos pais de família que tivessem seis filhos vivos” e “Dar recompensas ou dotes àqueles que casassem mais filhos. Sendo certo que sem população não há reino rico”.561 Sugeriu uma redução do número de mosteiros, permitindo apenas um para cada cidade e também sugeriu proibir os conventos de “herdar ou fazer novas aquisições”.562 Verney escreveu breves conselhos sobre os mais diversos temas: Comércio (“Promover o comércio com honras” e “Fazer uma lei para que os nobres possam exercer o grande comércio”), Inquisição (Eliminar completamente os autos de fé), melhorias para o sistema econômico (criação de “Casas de Prego”), Instituições de ensino (Introduzir as mesmas cátedras nas universidades de Coimbra e Évora e atribuir os mesmos salários para seus professores), melhorias do sistema de transporte (“Introduzir novas carruagens”, “aplanar os caminhos principais do reino”), Instituições de Saúde (“reformar os hospitais”), e Administrativas (“Fundar novas vilas nos lugares de maior afluência e passagem”). 559 Ibid., p.43. Cf. Folha inclusa mencionada por Verney na carta escrita de Pisa (17 de julho de 1765) e no apêndice da carta escrita de Livorno (14 de Maio de 1766). In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.87, 163. 561 Ibid., p. 178. 562 Ibid., p. 166-167. 560 146 Outro problema apontado por Verney e D. Luís da Cunha era a severidade da Inquisição, pois havia intolerância dos portugueses em relação às demais confissões religiosas. Verney fazia uma série de críticas à Inquisição portuguesa, considerava este tribunal um “obstáculo terrível ao bom gosto das ciências e ao progresso”. Seu ponto de vista era de uma reforma da Inquisição, não de sua extinção, pois o hábito de queimar pessoas já não era mais razoável naqueles “séculos iluminados [...] Se ele é instituído a fim de conservar a fé e ganhar as almas de Deus, por que razão não usa os meios brandos que ensina a religião e a prudência?”.563 Para D. Luís da Cunha, a severidade da Inquisição na península havia provocado a fuga dos comerciantes judeus, fundamentais para o dinamismo do comércio. D. Luís da Cunha é bastante enfático sobre esta questão, articulando “razão temporal” com a “utilidade espiritual”: Vi também muitos papéis, assaz longos, em que se apontam os meios para se extinguir em Portugal o judaísmo, mas não vi algum em que se tratasse de acordar a utilidade temporal do reino com a espiritual da religião, que é todo o meu objeto. Assento pois por princípio certo, que ninguém negará, que a utilidade temporal de Portugal requer que o reino se não despovoe, antes abunde em gente e que também o espiritual nos persuade a que nele se não consintam judeus, inimigos de Jesus Cristo. 564 Outro problema apontado por ele era o confisco dos bens dos “hereges” pela igreja, que por meio de “leis pervertidas”, afugentou os cristãos-novos e judeus que possuíam os cabedais necessários para a prática do comércio. Para D. Luiz da Cunha foi justamente esta intolerância que levou ao início da decadência do Império português, que “fez D. João III a perder as Índias Orientais, do estabelecimento da República da Holanda e a grandeza do comércio da Inglaterra”.565 As necessidades do estado português entravam em conflito com a sua forte identidade religiosa e a estreita relação entre os domínios político e religioso representava um obstáculo considerável para a modernização do estado. O trecho abaixo resume bem o pensamento de Verney acerca da Inquisição em Portugal: 563 Carta escrita de Livorno, 25 dez 1765. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.107. D. Luís da Cunha, Instruções políticas (1736), Apud CARDOSO, José Luís (Org.) Portugal como Problema. A economia como solução (1625-1820): do mercantilismo à Ilustração. v. 5. Lisboa, Fundação Luso-Americana / Público, 2006. p.16. 565 Ibid., p.16. 564 147 Com esta falta de bons princípios dá-se origem a que em certos países nenhum homem, e muito menos um letrado, pode dizer a verdade ao soberano e pode fazer grandes coisas ao seu serviço público. Os homens doutos encontravam-se de novo dentro de dois extremos perigosos: por um lado, há alguma fortaleza, por outro, o Santo Ofício. Se alguém projeta qualquer coisa para o bem público e para reformar as desordens, morre na fortaleza. Se indica até onde se pode estender a liberdade do príncipe e a liberdade do pensar, reduz-se à Inquisição, quer dizer, àquele tribunal em que quatro padres que não sabem os princípios nem os limites da fé a julgam, e quatro frades que não conhecem a verdadeira teologia juntam artigos ao Credo. Pelo que daí se segue que, em semelhantes países, nunca se vêem florescer as ciências, nem a política, nem o comércio, nem outras coisas que são disso consequência. Ao contrário, onde estas coisas são bem reguladas, vê-se outro esplendor e poder, até durante o tempo de guerra. 566 5.1.2 O papel da educação no ideário reformista No campo da educação, as primeiras manifestações em torno da ideia de um atraso de Portugal já podem ser percebidas após a criação da Academia Real de História Portuguesa, em 1720. Jacob de Castro Sarmento, judeu exilado em Londres, teria se esforçado em promover intercâmbio entre A Sociedade Real de Londres, da qual era sócio, e a recém-criada Academia Real de História Portuguesa, enviando amostras de espécies botânicas cultivadas nos jardins londrinos. Sem sucesso, faria outra tentativa enviando um plano para a criação de um Jardim Botânico, que acreditava ser muito útil aos estudantes de Medicina 567. Para divulgar as ideias de Newton em Portugal, publicou a obra intitulada Teoria Verdadeira das Marés conforme a Filosophia do imcomparável cavaleiro Newton, em 1737. Nesta obra afirmou que: A sua Filosofia Experimental (de Newton) e demonstrativa, armada da verdade e força geométrica, tem entrado, senhor, por toda a Europa, menos Portugal e Espanha, sem encontrar a menor resistência, e como a preocupação com que os nossos portugueses retêm geralmente as ideias de Aristóteles, e alguns as de Descartes, 566 Carta escrita de Pisa de 17 de julho de 1765. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.83. 567 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Europeia, op. cit., p.124. 148 são um gravíssimo impedimento para se difundir esta grande luz nesse reino; levado da glória dessa nação e pátria minha, e do natural impulso com que V.E. ama a matemática. 568 Jacob de Castro Sarmento não obteve apoio da corte para a divulgação de sua obra em Portugal e lamentava que os portugueses estivessem “perdendo o seu tempo e abusando da sua grande capacidade e agudeza, com uma filosofia falsa, inútil e contenciosa”.569 A obra de Martinho de Mendonça de Pina e Proença, Apontamentos para a educação de um menino nobre, publicada em 1734, teve uma boa receptividade em Portugal, ganhando uma segunda edição em 1761.570 Embora afirmasse que a finalidade de sua obra era facilitar a instrução de seus próprios filhos e que pudesse servir aos demais, faz uma série de recomendações ao sistema de ensino em Portugal. Pina e Proença defendia uma instrução voltada para a formação de um homem da corte, que pudesse identificar as diversas “mascaras que encobrem os corações dos homens e que os vários interesses os fazem camaleões das conjunturas”.571 O autor dos Apontamentos nos leva a entender que os problemas da educação em Portugal estavam relacionados à sua disfunção social, à sua “falta” de finalidade: O erro não consiste em estudar, está em estudar só para ter estudado; em estudar para pompa, e para a vaidade, e não para viver melhor, e para melhor satisfazer às obrigações do estado, que a Providencia destina a cada um.572 Para ele, a educação deveria: “encaminhar todas as suas ações ao bem público, trabalhando por satisfazer as obrigações de bom cidadão, e vassalo, e adquirir noticias, e luzes necessárias para este fim”.573 Propõe um método diferente de ensinar, mas não se atreve - como faria mais tarde Verney - a desaprovar o 568 CASTRO SARMENTO, Dedicatória, Apud, I. C. MOREIRA, C.A. NASCIMENTO, L.R. OLIVEIRA Instituto de Física, UFRJ. Revista de Ensino de Física. Vol. 9 nº 1 Out./1987, p.10. 569 CASTRO SARMENTO, Apud DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.125-126. 570 CORTESÂO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1950, p.100. 571 PROENÇA, Martinho de Mendonça de Pina e de. Apontamentos para a Educação de Hum Menino Nobre. Lisboa Occidental, Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1734, p.191. 572 Ibid., p.228. 573 Ibid., p.143. 149 método utilizado nas escolas públicas.574 Entretanto, em alguns trechos da obra, sugere uma relação de causa e efeito entre uma situação de atraso e o método de educação utilizado nas escolas. De acordo com ele, em Portugal, faltava à nobreza: aquele método de educação, que praticam as nações mais polidas, e que já os nossos vizinhos introduziram no Real Colegio de Madrid, obra digna da grandeza, e virtude del Rei Católico, e com a qual premiou para o zelo, e fidelidade, com que os espanhóis defenderão no trono, contra o poder unido de quase toda a Europa: mas espero, que não seja inútil a questão, porque que creio, que o nosso Augusto Monarca, que às letras tem concedido a especial proteção, que adimirão com inveja os estrangeiros, reformará as escolas, e fundará colégios, em que a nobreza se instrua nos exercícios mais convenientes ao seu estado.575 (grifo nosso) Assim como Verney apontava no Verdadeiro Método de Estudar, Pina e Proença criticava o valor que era dado à erudição em Portugal. Para ele, a verdadeira instrução deveria ensinar a governar a casa, a família, servir à pátria e ao soberano. Todo o estudo ou ciência que não se dirigisse a este fim seria “uma pompa vã”, “um adorno inútil”, “de que se não tira mais fruto, que ocupar o tempo, divertindo de outros pensamentos, ou frívolos, ou perniciosos”.576 Somado a tudo isso, Verney apontava como “perda de tempo” em se ensinar as “sutilezas da filosofia escolástica” e a severidade com que eram transmitidos estes conhecimentos “inúteis”, tanto para a mocidade, quanto para o estado. Grande parte do período escolar das escolas menores era dedicado ao estudo do latim, e demandava muito tempo e esforço para se adquirir um domínio satisfatório. Nas conversações quotidianas, Pina e Proença argumentava que se deveria preferir o conhecimento das coisas e o amadurecimento do juízo, do que a pompa da erudição e das disputas silogísticas.577 Seguindo este raciocínio, Verney aponta para a importância de outros princípios que deveriam ser considerados nas discussões públicas, e assim criticava os excessos e o uso desnecessário do Latim para demonstrar erudição: Um homem que verdadeiramente é douto e tem pensamentos proporcionados não deve mostrar excesso sobre as pessoas com 574 Ibid., p.143. Ibid., p.143. 576 Ibid., p.143. 577 Ibid., p.143. 575 150 quem fala. Primeiramente, é ridicularia e afetação introduzir textos latinos quando não são necessários. Ainda quando a conversação é erudita, se acaso não se faz expressa matéria dos ditos textos, é puerilidade e afetação dizê-los em Latim; porque deve-se entender que uma coisa é escola, e outra conversação.578 Para exemplificar este aspecto, Pina e Proença alegava que eram poucos aqueles que conseguiriam escrever bem o latim e proferir discursos nesta língua com elegância. Estes poucos atingiriam este nível mais devido ao gosto particular por este tipo de estudo, tendo em vista que sempre teriam o empenho em “se adiantar nesta matéria por mais imperfeito que seja o método utilizado”. E se perguntava: e “este exato conhecimento, esta pureza e elegância” com que poucos dominam o latim, “de que serve ao soldado, ao magistrado, ao eclesiástico? Não mais que de lhe acrescentar um louvável adorno, sem o qual pode muito bem satisfazer a todas as obrigações do seu estado”.579 Suas preocupações estavam voltadas para promover uma mudança de sentido do sistema de ensino português, que deveria ter a educação como um instrumento a serviço do estado, e a nenhuma outra finalidade que não esta.580 Para atender às necessidades do estado e facilitar o aprendizado dos estudantes, Verney propôs que os manuais de latim fossem elaborados em português e , além disso, que este idioma também fosse ensinado nas escolas, pois além de considerar necessário ter conhecimentos básicos sobre a língua nacional, argumentava que facilitaria o aprendizado de outras disciplinas O jesuíta José de Araújo, um dos principais críticos de Verney e da filosofia moderna em Portugal, criticava este posicionamento apontando que aqueles que defendiam este ponto de vista acreditavam que os estudantes “com pouco trabalho, e em breve tempo ficariam grandes letrados”.581 Para ele, Verney e os adeptos da filosofia moderna seguiam uma moda estrangeira: 578 V.M. Volume IV, p.129. PROENÇA, Martinho de Mendonça de Pina e de. Apontamentos para a Educação de Hum Menino Nobre, op. cit., p.274. 580 Pina e Proença não dava a mesma importância, como foi dado por Verney, ao estudo da Física, “não vejo na física, cousa que mereça estudo de duas horas”. Para ele, são muitos sistemas e causam embaraço ao jovem. Cf. PROENÇA, Martinho de Mendonça de Pina e de. Apontamentos para a Educação de Hum Menino Nobre, op. cit., p.334-335. 581 ARAÚJO, José de. Reflexões apologéticas a obra entitulada Verdadeiro método de estudar, op. cit., p.3. 579 151 E que diremos de julgar que se devem introduzir no reino escolas para os rapazes aprenderem a língua portuguesa? Haverá esta moda em França? O homem tem boas ideias, e boa moda, que os pais gastem dinheiro para que os filhos falem. Nas escolas de ler, escrever, e gramática tanto falam eles em português, que amofinam aos mestres, e é necessário castiga-los para que se calem. A nossa língua não é morta, para que os naturais necessitem tal diligencia. As razões, com que prova a sua resolução, são tais como o método.582 (grifo nosso) A ideia de ensinar a língua portuguesa esbarrava na manutenção de uma cultura voltada para a erudição, em que o latim era a sua base de transmissão. O senso prático dos reformistas apontava para a necessidade do ensino do vernáculo; nesse sentido, além do aspecto de sua utilidade - uma vez que era a língua mais falada na sociedade - o vernáculo vinha sendo utilizado cada vez mais nas obras e tratados de filosofia moderna: neste caso, ressaltando que um dos precursores desta “moda” foi Descartes, que publicou seu Discurso do Método em francês. 5.1.3 Educação: o estado como promotor das leis e dos costumes Nas reformas pombalinas, a educação assumiu uma importante função aglutinadora na administração do estado. António Nunes Ribeiro Sanches foi talvez o intelectual português que melhor analisou esta questão. Sua principal contribuição foi pensar sobre um modelo de educação que estivesse alinhado “aos novos tempos”, o que implicava pensar em uma nova concepção de estado. Ribeiro Sanches foi sócio da Academia das Ciências de Paris e colaborou na Encyclopédie, escrevendo sobre diversos assuntos, com destaque para a medicina, a pedagogia e a economia. No catálogo de sua biblioteca encontravam-se, para além dos autores mercantilistas como W.Petty e Cantillon, autores modernos como Hobbes, Locke, Puffendorf, Montesquieu, Rousseau e portugueses como Vieira, Teodoro de Almeida e o Verdadeiro Método de Estudar de Verney.583 Podemos perceber em suas ideias o desenvolvimento de uma linha argumentativa que já havia sido apresentada anteriormente, sobretudo por D. Luís da Cunha, 582 Ibid., p.17. Cf. SERRÃO, José Vicente. Pensamento econômico e política econômica no período pombalino: o caso de Ribeiro Sanches, p. 5. Ler História, Lisboa, n. 9, p. 3-39, 1986. Outros autores encontra dois em sua biblioteca foram Spinoza, Pierre Bayle, Herman Boerhaave (amigo de Sanches) Hume, Grotius, Montaigne, Muratori, Buffon, D’Álembert. Cf. BOXER, Charles Ralph. Opera Minora III. Lisboa: Fundação Oriente, 2002. 583 152 Ribeiro Sanches argumentava que existiam dois modelos de monarquias, as “que se conservam pela espada”, que predominaram até a descoberta do Novo Mundo, e as “que se conservam através do Comércio e da Indústria”, que passaram a dominar no período mercantilista. A Europa já havia superado a estrutura arcaica das sociedades medievais, organizadas a partir das conquistas e batalhas. Um novo dinamismo anunciava uma sociedade cuja riqueza cada vez mais era medida pelo comércio, na esteira do mercantilismo: “deste modo toda a Europa mudou de face: dantes se conservava roubando e conquistando, depois das descobertas dos novos mundos começou a conservar-se pelo trabalho e indústria, base da navegação e do comércio”.584 D. Luís da Cunha já aconselhava que para recuperar a glória perdida dos portugueses seria necessário uma nova forma de governar, voltada sobretudo para o fomento da indústria nacional, por isso defendia que a defesa dos produtos fabricados internamente deveria partir do exemplo do próprio Rei, pois os súditos acabariam por imitá-lo: Eu saí de Portugal vestido do nosso pano, e com ele apareci em Paris e em Londres, onde todos acharam muito bom; tanto com isto se tinham adiantado as nossas fábricas até que o dito tratado [de Methuen] foi causa de se não aperfeiçoarem ou se perderem, ajuntando-se, como já disse, a ruína dos que as animavam; de sorte que só o que digo as poderia restabelecer, fazendo Sua Majestade mau semblante aos que o não imitassem; porque isto bastará para que os seus vassalos não ousem comprar o que vem de fora.585 Como se vê nesta passagem, o Tratado de Methuen, assinado em 1703 entre Portugal e Inglaterra, era considerado o grande responsável pela ruína da indústria portuguesa. A manufatura têxtil, que já fora importante na nação, foi desestimulada após o tratado, o que provocou o declínio do cultivo cerealífero em favor da cultura da vinha, gerando a necessidade de importação de trigo. Não obstante a posição de D. Luiz da Cunha, Vicente Serrão aponta que a mesma tendência pode ser observada em países que não assinaram semelhante tratado e que outros fatores, como as condições de mercado e os custos de produção, podem ter contribuído, às vezes de maneira ainda mais decisiva que os 584 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Cartas para a educação da mocidade. Covilhã (Portugal): Universidade da Beira Interior, 2003, p.29. 585 D. Luís da Cunha, Instruções políticas (1736) Apud CARDOSO, José Luís (Org.) Portugal como Problema, op. cit., p. 16. 153 termos do Tratado de Methuem, para a efetivação de tal cenário.586 Entretanto, notese que, para além dos juízos de natureza econômica, a crítica ao tratado constituíase principalmente em uma crítica à própria situação portuguesa. Aliás, conforme recorda Vicente Serrão, mesmo sem poder provar que estas críticas ao Tratado de Methuem correspondessem à realidade econômica portuguesa, mais tarde a sugestão de Ribeiro Sanches de “arrancar metade das vinhas e semeá-las de pão” seria adotada pelo governo pombalino, em alvará de 26 de outubro de 1765.587 Tendo em vista este novo panorama, Ribeiro Sanches argumentou nas Cartas para a educação da mocidade (1760) sobre a necessidade de mudanças no sistema de educação em Portugal. [...] toda a Educação, que teve a Mocidade Portuguesa, desde que no Reino se fundarão Escolas e Universidades, foi meramente Eclesiástica, ou conforme os dictames dos Eclesiásticos; e que todo o seu fim foi, ou para conservar o Estado Eclesiástico, ou para aumentá-lo.588 Este tipo de educação servia às necessidades de uma “monarquia formada pela Conquista da espada”, mas já não se adequava às novas “monarquias conservadas pelo comércio”, que eram “as mais indissolúveis forças para sustentar e conservar o conquistado”. Portanto, de acordo com Ribeiro Sanches, a educação deveria atender a uma outra finalidade: “formar homens úteis à nação”, capazes de servir ao estado e promover o crescimento do comércio e da indústria. Seria necessário toda uma reformulação de seus princípios, com a introdução de outros conhecimentos, voltados mais para a utilidade do que para a erudição. 589 Sanches defendia a necessidade de reformar o caráter confessional da universidade, pois segundo ele, o aluno jurava fidelidade ao papa e seria considerado herege se o traísse: As ciências que se ensinam e ensinavam nestas Universidades desde o seu estabelecimento tanto em Portugal, como no resto da 586 SERRÃO, José Vicente. Pensamento econômico e política econômica no período pombalino: o caso de Ribeiro Sanches, op. cit., p. 5. 587 Como se sabe, o tratado de Methuen, assinado com a Grã-Bretanha, favorecia a entrada de vinhos portugueses, e em troca Portugal dava preferência aos produtos fabricados pelos ingleses. Cf. SERRÃO, José Vicente. Pensamento econômico e política econômica no período pombalino: o caso de Ribeiro Sanches, op. cit., p. 5. 588 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Cartas para a educação da mocidade, op.cit., p.1. 589 Ibid., p. 30. 154 Europa Católica, sempre foram as mesmas; e as decisões do Decreto, das Decretais e das Clementinas foram tão observadas e ensinadas como as decisões do Concílio de Trento: a Mocidade não podia aprender outra doutrina; e quando vinham a ser Magistrados Desembargadores do Paço, e em outros Tribunais, não podiam propor lei alguma nova, ou ab-rogar alguma velha, que não fosse conforme à doutrina recebida que aprenderam nas Universidades Católicas; e como os Reis não tinham outra sorte de Mestres, nem de Conselheiros, firmavam tudo o que se lhes propunha, julgando-o útil para a conservação do Estado.590 Quando as Cartas para a educação da mocidade foram divulgadas, os jesuítas já haviam sido expulsos e o estado português já iniciara o processo de reformas. Mesmo assim, as ideias de Ribeiro Sanches soavam como um discurso legitimador para as mudanças que estavam sendo promovidas, no sentido de uma crescente apropriação por parte do estado do sistema de ensino. A educação deveria ser tutelada pelo estado e não pela igreja, o que tornava necessário discutir os fundamentos do próprio estado: O que constitui ser o Estado um ajuntamento, ou corpo civil e sagrado, é o juramento de fidelidade mútuo entre o Soberano e os Súbditos, tácita ou declaradamente. No acto desta convenção invocam os contratantes deste pacto ou contrato, a Divindade que mais veneram por testemunha e caução, que hão-de executar o que prometem sujeitando-se ao prémio ou ao castigo, conforme o cumprirem.591 Vemos que, para Ribeiro Sanches, entre soberano e súditos, existe uma relação de reciprocidade: “o soberano de os conservar e os súditos, de obedecer”. Assim, o rei dispõe de toda a jurisdição para criar leis e fazê-las cumprir, pois é o “primeiro pai e conservador dos seus Estados”.592 Considerando que para a correta administração do reino e sua conservação são necessários hábitos e costumes que tenham a utilidade como seu último fim, a educação deveria ser de responsabilidade do estado e não da igreja. Consequentemente, Ribeiro Sanches defende que é do “jus da Majestade fomentar e promover a utilidade pública e particular com decência e que nenhuma requer maior atenção no ânimo do Soberano, do que a educação da Mocidade”.593 À igreja, por seu lado, caberia se encarregar da administração dos 590 Ibid., p.24. Ibid., p.5. 592 Ibid., p.5. 593 Ibid., p.8. 591 155 sacramentos e dos bens espirituais. Desse modo, não haveria mais confusão sobre os pecados do fiel e os crimes do súdito, nem tampouco exagero nos castigos contra o primeiro como se fossem crimes contra o estado civil. Para Ribeiro Sanches a educação teria papel fundamental neste processo, constituindo-se em mecanismo que tornaria possível intervir nos costumes e valores da sociedade portuguesa. Esta ideia também seria compartilhada por Pombal, que sustentava os princípios da utilidade para a formação dos homens encarregados dos negócios do estado.594 Nesta perspectiva, a educação, para Ribeiro Sanches, não deveria ser universal, mas restritiva, visando exclusivamente o interesse do estado: Que filhos de Jornaleiro, de Pescador, de Tambor, e outros ofícios vis e muito penosos, sem os quais não pode subsistir a República, quererão ficar no ofício de seus pais, se souberem ganhar a vida em outro mais honrado e menos trabalhoso? [...] o remédio seria abolir todas as escolas em semelhantes lugares [...] Todo o rapaz ou rapariga que aprendeu a ler e a escrever, se há-de ganhar o seu sustento com o seu trabalho, perde muito da sua força enquanto aprende; e adquire um hábito de preguiça e de liberdade desonesta.595 Para manter o interesse pelos ofícios manuais e mecânicos, era necessário proibir a instrução em pequenos lugarejos. Verney, ao contrário, defendia uma visão mais universal da educação, para ele “todas as aldeias pequenas e grandes” deveriam ter “o seu mestre que ensine gratuitamente os meninos a ler, escrever a aritmética vulgar, sendo pagos por todo o público” 596 Mais do que necessariamente uma visão elitista, a posição de Ribeiro Sanches,revela a preocupação com o desvio de recursos humanos para áreas consideradas improdutivas, tal como a carreira eclesiástica e a fidalguia. Esta opinião é tributária dos princípios mercantilistas, segundo os quais o trabalho, que dependia diretamente do componente demográfico, era o mais importante fator produtivo. Para os intérpretes desta concepção, como W. Petty e R. Cantillon, a 594 Cf. SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Aritmética política e a administração do estado português na segunda metade do século XVIII. In: DORÉ, Andréa; SANTOS, Antonio Cesar de Almeida (Orgs.). Temas setecentistas: governos e populações no Império português. Curitiba: UFPR / Fundação Araucária, 2009, p. 143-152. 595 SANCHES, António Nunes Ribeiro. Cartas para a educação da mocidade, op. cit., p.34. 596 Anexo da carta de Livorno, 14 de maio de 1766. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.177. 156 população constituía a força essencial dos estados e a existência de uma população grande e laboriosa era fundamental para a promoção da riqueza.597 Como judeu, Ribeiro Sanches defendia mais tolerância religiosa em Portugal. No que se refere à questão, Verney tinha uma opinião conservadora: a tolerância deveria existir, porém sem por em risco a religião nacional. Segundo ele, os judeus que quisessem professar publicamente a sua religião deveriam “desnaturar-se e esconder-se no reino, mas sem confiscação, e dar tempo ao arrependimento, que talvez Deus o iluminará um dia”.598 5.2 O método e a era do reformismo português Como se sabe, a relações entre o Iluminismo e a chamada Era Pombalina (1750-1777) tem sido um dos temas mais discutidos na historiografia sobre o século XVIII luso-brasileiro. Sem negar a importância do pombalismo para o século XVIII português, algumas pesquisas têm chamado a atenção para o fato de que o governo de Pombal implementou uma série de ideias que já vinham sendo apresentadas anteriormente. Há muitas semelhanças entre algumas ideias de Pombal, com as de D. Luís da Cunha, Martinho de Pina e Proença e Luís António Verney pois, de forma geral, procuraram diagnosticar o problema do atraso de Portugal. Mesmo levando em consideração as coincidências que possam existir entre elas, devemos observar os diferentes usos e contextos em que foram proferidas. Embora seja possível estabelecer um fio condutor ligando estas ideias, como pertencentes a um ideário reformista, no campo político se percebe algumas contradições importantes. 599 Conforme apontou Laerte Ramos de Carvalho: Este Iluminismo, enquanto pombalismo, constitui, na sua forma e sentido, expressão de uma autoconsciência histórica da realidade portuguesa, a que não faltaram sequer a perspicaz compreensão da situação presente e a característica filosofia da história pela qual o 597 Cf. SERRÃO, José Vicente. Pensamento econômico e política econômica no período pombalino: o caso de Ribeiro Sanches, op. cit., p. 19. 598 Carta escrita de livorno, 25 de dezembro de 1765. In: VERNEY, Luís António. Cartas Italianas, op. cit., p.110. 599 Cf. MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo da iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 157 gabinete de D. José I procurou justificar a doutrina do seu absolutismo.600 (grifo conforme o original) Na medida em que as reformas da educação transcendem o plano pedagógico, não podem ser compreendias sem levar em conta alguns elementos da política pombalina, voltada exclusivamente aos interesses do estado. Estas mudanças levariam inevitavelmente a um conflito com os jesuítas, e até mesmo com alguns de seus adversários, como os oratorianos, que também haviam criticado o método tradicional e colaborado para a introdução da filosofia moderna em Portugal. Com a expulsão dos seus adversários em 1759, tudo parecia mais fácil para os padres da Congregação do Oratório. Contudo, a hostilidade do poder pombalino se inicia logo em 1760 com o exílio coletivo de quatro dos intelectuais mais proeminentes da Congregação: João Baptista, Clemente Alexandrino, João Chevalier e Teodoro de Almeida. 601 Teodoro de Almeida (1722-1804), assim como Verney, é considerado um dos portugueses que melhor representa o espírito do Iluminismo Católico, caracterizado por uma atitude conciliatória entre o iluminismo e a espiritualidade católica. Francisco Contente Domingues considera o livro do autor intitulado Recreação Filosófica, publicado em dez tomos entre 1751 a 1800, como a “obra mais acabada do enciclopedismo em Portugal”.602 Escrita em forma de diálogo, a obra tem um caráter de divulgação científica e teve grande sucesso editorial não apenas em Portugal, mas também em Espanha. A pesar dos desencontros políticos, no que se refere ao campo científico, as ideias apresentadas pela Recreação Filosófica estavam em consonância com o projeto pombalino.603 Porém mais tarde, em 1768 decretou-se o encerramento das aulas na Congregação do Oratório por “abuso prejudicial que faziam dos estudos e pela “falta de método e regulamento”.604 Havia circulado uma carta pastoral distribuída pela diocese, contendo um índice de livros proibidos considerados perigosos para a fé e costumes. Entre eles figuravam obras de autores ditos anti-católicos, tais como Voltaire, Rousseau e outros de inspiração regalista. Esta medida foi utilizada como justificativa para o fechamento da ordem, pois acabavam invadidas as atribuições da 600 CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública, op. cit., p.54 DOMINGUES, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo, op. cit., p.88. 602 Ibid., p.160. 603 Ibid., p.91. 604 Ibid., p.92. 601 158 Real Mesa Censória, que havia sido instituída com a finalidade de fiscalização e censura do impresso.605 Mas a culpa por todo o atraso português cairia sob os jesuítas. Desde a expulsão da ordem em 1759 até a Reforma da Universidade de Coimbra em 1772, os jesuítas foram considerados os culpados pelo método utilizado no sistema de ensino português, que teria levado ao atraso e a decadência do reino. Esta ideia seria a base de todo o discurso antijesuíta, que permeou a maioria dos discursos pombalinos, como é possível observar na Dedução Cronológica e Analítica (1769), no Compêndio Histórico (1771) e nos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772). Nos documentos pombalinos o método escolástico foi tratado de forma genérica, como método escolástico ou peripatético, sendo considerado como um sistema de ignorância artificial, que teria sido implantado pelos jesuítas. O antigo método seria eliminado radicalmente dos currículos escolares, bem como a proeminência que, em certos meios, Aristóteles ainda mantinha.606 O Alvará de Reforma dos Estudos de 28 de junho de 1759 decretou o fim das atividades educacionais dos jesuítas em todos os domínios portugueses.607 Foi criado o cargo de Diretor dos Estudos, responsável por implementar as disposições do referido Alvará e fazer a sua fiscalização. A partir deste momento, o estado português se apropria de um setor que estava sob controle da igreja e elabora uma justificativa de suas ações por meio de um discurso reformista. A resistência dos jesuítas à filosofia moderna e seu apego à filosofia escolástica foram utilizados sistematicamente como elementos do discurso antijesuíta. Entretanto, a expulsão dos jesuítas não se explica apenas por motivos ligados à educação. Conforme aponta Jorge Couto, é um complexo fenômeno histórico, político, ideológico e religioso.608 Envolve um conjunto de fatores que levaram a uma crescente hostilidade entre a corte e os jesuítas, e que, por fim, se consolida com a 605 Ibid., p. 97. Cf. COXITO, Amandio. Aristotelismo e antiaristotelismo no pensamento português: séculos XVI a XVIII, op. cit., p.9. 607 Alvará de Reforma dos Estudos de 28 de junho de 1759. In: Coleção da Legislação Portuguesa desde a ultima compilação das ordenações, redigida pelo desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: Na Typografia Maigrense. Anno 1830, p.673. Disponível em: http://goo.gl/19w3st (acesso em 22/07/2015). 608 Cf. COUTO, Jorge. As missões americanas na origem da expulsão da Companhia de Jesus de Portugal. In: A expulsão dos jesuítas dos Domínios Portugueses: 250º aniversário. Lisboa: Bibiloteca Nacional, 2009. 606 159 Carta Régia de 3 de Setembro de 1759. Para Gilmar Araujo Alvim, os conflitos entre a administração pombalina e a Companhia de Jesus estão mais associados à política colonial, como nas questões relacionadas à demarcação de fronteiras na América Portuguesa e também nas relações dos jesuítas com os indígenas. 609 Portanto, a expulsão dos jesuítas não se explica exclusivamente pela sua posição no sistema educacional português, mas outros aspectos, sobretudo políticos, foram também importantes. Assim, é possível sugerir que depois das “batalhas” travadas no campo das ideias contra o método jesuítico, desencadeou-se um conjunto de ações políticas que julgaram os perdedores e os condenaram à expulsão. No Alvará de Reforma dos Estudos de 28 de junho de 1759, os jesuítas são apontados como conspiradores e responsáveis por todo o atraso de Portugal perante a Europa. Além disso, de acordo com este Alvará, os jesuítas utilizaram um método de ensino prejudicial para enfraquecer os portugueses e melhor dominá-los. Os jesuítas resistiram, “com suas maquinações” sem: [...] cederem, nem à invencível força do exemplo dos maiores Homens de todas as nações civilizadas; nem ao louvável, e fervoroso zelo dos muitos Varões de eximia erudição, que clamarão altamente nestes reinos contra o método; contra o mau gosto; e contra a ruína dos Estudos.610 O inicio da decadência ocorreu quando os estudos foram “arrancados “ pelos jesuítas das mãos de “Diogo Teive, e outros igualmente sábios, e eruditos mestres”. Até então, Portugal vivia uma época de glória e conquistas e, sabendo da importância de se criar colégios, haviam sido convocados “muitos sábios da Universidade de Paris e de outras da Europa, famosos pelas suas erudições”. André de Gouvea foi um dos fundadores do Colégio das Artes, seguido por Diogo de Teive como o principal encarregado da sua organização. “Porém ‘depois daqueles tempos se foram reduzindo os sobreditos Estudos e Colégios à grande decadência’ no momento em que o ‘insigne’ Diogo de Teive fora expulso pela Companhia 609 ALVIM, Gilmar Araújo. Linguagens do poder no Portugal Setecentista, op. cit., p.196. Alvará de Reforma dos Estudos de 28 de junho de 1759. In: Coleção da Legislação Portuguesa desde a ultima compilação das ordenações, redigida pelo desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: Na Typografia Maigrense, 1830, p.674. 610 160 ‘chamada’ de Jesus”. 611 Uma vez no controle dos jesuítas, os colégios entraram em estado de decadência, devido às desordens e aos “erros de método”. Em 1761, seria fundado um novo colégio que recebeu o titulo de Colégio Real dos Nobres, criado para restabelecer os estudos que antes “haviam florescido com tanto crédito da nação” e para fazer renascer [...] os gloriosos, e fecundos progressos, com que por efeito dos estudos e da Companhia, que o memorável Infante D.Henrique estabeleceu e fundou na Vila de Sagres e que formarão os muitos sábios, e famosos varões, que , depois de haverem dilatado com seus ilustres feitos os domínios desta coroa na África Ocidental, os achou o reinado do Senhor Rei D.Manuel tão graduados, e tão experimentados; não só naquelas utilíssimas disciplinas; mas também na mais sã, e mais sólida política cristã, com que em poucos anos por mares até então desconhecidos descobrirão, e conquistarão duas grandes porções da Ásia, e da América.612 Neste colégio foi determinado que deveria haver um professor de Física que passasse a ensinar “esta utilíssima parte da Filosofia; tratando só do que nela há de sólido e de proveitoso: Ditando só o que for demonstrável pela Geometria; e pelo Cálculo, ou qualificado por experiências certas”.613 Esta determinação que consta nos estatutos da Carta de lei de criação do Colégio Real dos Nobres foi um importante reconhecimento por parte do estado Português da necessidade de conhecimentos que eram desprezados pelos escolásticos. Ressalta-se, também, que o ensino da Física não deveria ultrapassar os limites do que poderia ser comprovado empiricamente, o que indica uma preferência pelos conhecimentos que pudessem ser utilizados a partir de experiências comprovadas, ao contrário das chamadas “disputas inúteis” dos escolásticos. 611 Carta de lei com os Estatutos do Real Colégio dos Nobres de 7 de março de 1761. In: Coleção da Legislação Portuguesa desde a ultima compilação das ordenações, redigida pelo desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. Lisboa: Na Typografia Maigrense, 1830, p. 774. Diogo de Teive sofreu processo de inquisição por volta do ano de 1550 pela posse de livros suspeitos e por atitudes suspeitas na fé. SOARES, Nair de Nazaré Castro. Introdução. In: TEIVE, João de. Tragédia do Príncipe João. Fundação Calouste Gulbenkian /Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2010, p.10, 15. 612 Carta de lei com os Estatutos do Real Colegio dos Nobres de 7 de março de 1761. In: Coleção da Legislação Portuguesa desde a ultima compilação das ordenações, redigida pelo desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. op. cit., p.773 613 Ibid., p.783. 161 5.2.1 Iluminando a nação: o diagnóstico da crise e as medidas Em 1767, Pombal manda circular um importante documento intitulado Dedução Cronológica e Analítica614, redigido para defender e legitimar o poder exclusivo do rei de Portugal perante todos os demais corpos do reino, principalmente voltado para atacar a “Companhia dita de Jesus”. Trata-se de um balanço histórico abarcando desde o momento que os jesuítas teriam se “apoderado” da monarquia”, provocando a “decadência do florescente e glorioso estado”, até a sua expulsão, no ano de 1759. Neste documento, os jesuítas são acusados, por meio de “provas e verdades físicas”, de terem implantando no meio da monarquia um “tirânico império”. A “Companhia chamada de Jesus”, depois de se infiltrar na monarquia portuguesa, por dois sucessivos séculos, “destruiu o comércio, a agricultura e todo reino”.615Para tanto, utilizaram de seus “escolásticos sofismas” e “subterfúgios” para “enganar aos homens doutos”, e as pessoas que julgavam “as coisas pelo que são em si mesmas” e não como os “maliciosos” jesuítas queriam “fazer ver”. Conforme assinala Pereira e Cruz, na interpretação histórica dos textos da reforma, há um proposital exagero na forma como se procurou fazer tabula rasa de todo o saber acumulado até então, para projetar uma nova era na história dos portugueses, marcada pela perspectiva da ciência moderna.616 Os jesuítas são acusados pela maioria dos infortúnios históricos do reino português, inclusive a fatídica batalha de Alcacer Quibir que levou a morte de D. Sebastião e a perda da independência para a Espanha. Foram acusados de terem “usurpado” a “liberdade e a propriedade dos bens dos índios” na América portuguesa “negando-lhes todo o conhecimento de que tinham um rei, de quem eram vassalos”, mas principalmente por terem usurpado o poder do rei e arrogado para si o “governo espiritual e temporal dos índios”. 617 614 Deducção Chronologica e Analytica. Parte Primeira, na qual se manifestão pela successiva serie de cada hum dos Reynados da Morarquia Portugueza, que decorrêrão desde o Governo do Senhor Rey D. João III. até o presente, os horrorosos estragos, que a Companhia denominada de Jesus fez em Portugal, e todos seus Dominios, por hum Plano, e Systema por ella inalteravelmente seguido desde que entrou neste Reyno, até que foi delle proscripta, e expulsa pela justa, sabia, e providente Ley de 3. de Setembro de 1759. Dada a Luz pelo Doutor José Seabra da Silva. Lisboa: 1767. 615 Deducção Chronologica, op. cit., p.ii. 616 PEREIRA Magnus Roberto de Mello; CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da. Ciência e memória: aspectos da reforma da universidade de Coimbra de 1772. Revista de História Regional, 14(1), p.14-15, 2009. 617 Deducção Chronologica, op. cit., p.507. 162 Na Dedução Cronológica, o reinado de D. João V é assinalado como um importante momento de mudanças na história de Portugal. Além da criação da Academia Real de História deu apoio aos oratorianos para que ensinassem pelo método moderno e não pelo dito “Método Jesuítico”.618 O Verdadeiro Método de Estudar foi reconhecido como uma importante iniciativa para tentar libertar Portugal daquele estado de atraso. De acordo com a Dedução Cronológica, o estado de ignorância em que a tinham reduzido a nação portuguesa: [...] levou alguns dos portugueses (até ali oprimidos da mesma ignorância) a irem buscar instrução contra ela entre os sábios das nações estrangeiras: como foi, por exemplo, o iluminado Zeloso, que despertou a mocidade portuguesa do letargo, em que estava, pelo próprio, e adequado meio do judicioso livro, que no ano de 1746 deu à luz, datado em Valença com o título de Verdadeiro Método de Estudar.619 (grifo nosso) Ainda é relatado que a publicação do Verdadeiro Método de Estudar provocou uma “sublevação contra os estudos jesuíticos”, e “Iluminando a nação”, o autor do método usou de todo artifício para “extirpar toda a peste imaculada” pelos jesuítas (como a arte do Padre Manuel Álvares) que havia infeccionado “os engenhos portugueses”.620 Os Jesuítas por uma parte estimulados contra ele: por outra parte assustados a vista do grande fruto, que ele fazia, Iluminando a Nação : e pela outra parte vendo, que por consequência do referido, virão a perder todo o credito, e reputação da literatura, que com tantas maquinações se tinham apropriado: puseram em campo os seus costumados estratagemas, para vencerem esta grande batalha.621 De acordo com a Dedução Cronológica, os inimigos da nação contraatacaram com a obra publicada em 1748 pelo jesuíta José de Araújo, “que disfarçado com o nome de Frei Arsenio da Piedade”, intitulada Reflexões Apologéticas, procurou de forma caluniosa acusar o autor do método de ter 618 Ibid., p.499. Ibid., p.496. 620 Ibid., p.497. 621 Ibid., p.497. 619 163 cometido heresia, e afirmava-se que “a obra havia sido publicada em Roma” e na “presença do papa e de todas as congregações daquela cúria”.622 Porém, ainda conforme era relatado na Dedução, o “iluminado” autor não se acomodou e não se deixou abalar, saindo com suas Respostas as Reflexões no ano de 1748. No entanto, seus inimigos não desistiram de atacar aquele “solido método” com suas “frívolas impugnações” e “pueris investidas”, publicando uma série de outros escritos como o Retrato de Mortecor e a Conversação Familiar, porém só serviram para tornar cada vez mais claras e “solidas” as “razões” com que o “zeloso e bem instruído autor do método clamava desde Roma pela reforma dos estudos”. E assim: [...] entraram as luzes que deixaram patentes aos olhos de todo o mundo imparcial os erros, e prejuízos do confuso, e nunca perceptível Metodo chamado Jesuítico e a utilidade do outro solido, claro, e breve Método pelos mesmos jesuítas debalde impugnados.623(itálico no original) 5.2.2 O método e as reformas da educação Em agosto 23 de dezembro de 1770, depois de feitas as considerações da Dedução Cronológica, foi escrita uma carta, mais tarde registrada na Secretaria dos Negócios do Reino, em que o Rei, aponta para o estado de ruína e decadência do ensino em Portugal, desde que os “denominados jesuítas, depois de haverem arruinado os estudos menores”, passaram a destruir os outros estudos maiores com a finalidade de levar o reino de Portugal para “as trevas da ignorância”.624 Para reparar os “danos” e os “estragos”, o Rei resolve instituir uma “junta de providencia literária” para que fosse feito um levantamento de todos os prejuízos causados pelos jesuítas nas escolas de Portugal. Examinando com toda a exatidão as causas delas: Ponderando os meios, que se considerassem mais próprios para a restauração dos estudos públicos. E apontando os cursos científicos, e os métodos, que se podiam estabelecer, para que as mesmas artes, e ciências, que depois de mais de um século se acham infelizmente destruídas, 622 Ibid., p.497. Ibid., p.499. 624 Compendio, op. cit., p.II. 623 164 fossem inteiramente preparadas: se lhe consultasse o que parecesse a respeito de tudo sobredito.625 (grifo nosso) A “junta de providencia literária” era constituída sob a inspeção do Conselho de Estado, representados pelo Cardeal da Cunha e o Marquês de Pombal. 626 Ainda foram nomeados como conselheiros da junta, o bispo de Beja e presidente da Real Mesa Censoria, Frei Manuel do Cenáculo e outros doutores, como o autor responsável pela Dedução Cronológica e Analítica, José Seabra da Silva. 627 O resultado deste trabalho foi publicado no Compendio Histórico, em que são listados de uma maneira detalhada e sistemática, todos os “estragos e impedimentos” provocados pelos jesuítas. A tese principal era a de que o corpo da monarquia portuguesa havia sido envenenado, e era preciso combater o problema tal como se combate uma peste. Por isso, a primeira providencia sugerida pela junta foi revogar e abolir os velhos estatutos da Universidade de Coimbra, e a segunda, ordenar a elaboração de novos estatutos.628 Neste documento, argumenta-se que os jesuítas “arrancaram das mãos dos Reitores, e Diretores daquela infeliz Universidade todo o governo dela” para produzir uma total “destruição de todas as leis, regras, e métodos”.629 São retomadas algumas das teses da Dedução Cronológica e de forma geral, os argumentos vão se repetindo para provar que os jesuítas impediram a entrada de todos os progressos científicos, tornando todos os estudos das ciências inúteis, enchendo as escolas de “contendas, de disputas e rixas”, fomentando a preguiça, promovendo a distração, a confusão, ociosidade e diminuindo a toda a “massa do estudo”. 630 Por meio de seu “despotismo”, impuseram pela força da autoridade a sua “Teologia Escolástico-Peripatética” e a sua “Filosofia ArábicoAristotélica”, para não permitir o uso da crítica e da razão, obrigando os professores e estudantes a seguir a opinião dos doutores como se fossem “infalíveis”. Além disso, impuseram a opinião destes doutores não para se conhecer a verdade, mas 625 Ibid., p.VIII. Ibid., p.II. 627 Ibid., p.III. 628 Ibid., p.295. 629 Ibid., p.VIII. 630 Ibid., p.98, 292. 626 165 sim argumentos e razões para “fazerem defensáveis as suas opiniões e doutrinas”.631 Ainda que não se possa estabelecer uma correlação entre as ideias expressas no Verdadeiro Método de Estudar e no Compendio Histórico, percebe-se uma similaridade entre os elementos e argumentos presentes nos dois textos. Assim como defendia Verney, o Compendio Histórico aponta que os estragos nas instituições de ensino de Portugal começavam pelas escolas menores, pois os alunos se matriculavam na universidade sem os conhecimentos básicos necessários. Faltava aos estudantes um bom conhecimento do latim, da retórica, da lógica e principalmente, toda a chamada “boa filosofia” ou “filosofia moderna”, que vinha sendo praticada em outros reinos desde que os filósofos “subjugaram Aristóteles” e passaram a filosofar de uma maneira diferente, fazendo surgir grandes autores como “Bacon, Descartes, Gassendo, Galileu, Pascal, Newton, Torriceli , Leibniz”, entre outros. Estes autores deram uma “nova face” às ciências, lançando os verdadeiros fundamentos da física, tornando possível a invenção de instrumentos e máquinas que combateram fortemente as bases da filosofia Aristotelica. 632 No caso do Direito, por exemplo, o Compendio Histórico aponta que todas as leis estavam escritas em Latim e a falta de conhecimento da língua arruinou esta ciência, tudo devido ao “mau método, e grande desordem dos estudos de latinidade nas escolas jesuíticas”.633 Os jesuítas, ao contrário de se utilizarem de uma “Gramática breve, clara, e bem ordenada”, impuseram a “difusa Arte de seu Manoel Alvares”. Além disso, cometeram o “absurdo” de ensinarem esta língua “por meio do mesmo latim” que os alunos “inteiramente o ignoravam”. O método utilizado pelos jesuítas, com muitas regras e cheias de exceções, confundiam os estudantes.634 Além disso, não lhes ensinavam a língua portuguesa, tão necessária para saberem as leis pátrias. O Compendio Histórico indica que os jesuítas erraram por seguirem a filosofia peripatética de Aristóteles, “filósofo ateísta, que nenhuma crença teve em Deus”. Além disso, “usaram de malicia” proibindo o método sintético - que de acordo com a definição verneyana, tratava-se do método voltado para facilitar o 631 Ibid., p.139. Ibid., p.162. 633 Ibid., p.145. 634 Ibid., p.143. 632 166 ensino das matérias635 - “para impedir o aproveitamento dos alunos”.636 Ou seja, foi sugerido que, de forma intencional, os jesuítas implantaram um [...] doloso sistema de ignorância artificial, e de impossibilidade de se aprenderem as mesmas ciências, que se fingiu quererem-se ensinar...laborando para obstruírem todas as luzes naturais dos felizes engenhos portugueses.637 O “novo método”, baseado nos princípios da filosofia moderna, voltado para facilitar o ensino das matérias, é recomendado no Compendio para ser aplicado também nas Ciências Teológicas, pois “só o dito método é o mais capaz, e adequado para restituir não apenas aos Teólogos, mas a todas as disciplinas, o espírito de exatidão, e de ordem”.638 Por isso, a principal tese apresentada pelo Compêndio Histórico, defende que o meio mais importante utilizado pelos jesuítas para controlar a universidade foi justamente através da manutenção de um método que tornou possível manter todo o corpo da monarquia portuguesa “infectado” e impotente, sob as trevas da ignorância: E havendo claramente visto os mesmos Regulares, que nem naquele tempo, então presente, podiam instaurar o grande número de Professores, e de Homens doutos em todas as Ciências, que então abundavam no mesmo infeliz Reino, sem que os ganhassem para a sua infame conjuração; ou perdessem inteiramente, os que nela não quisessem entrar, nem podiam para o tempo futuro precaver a segurança daquelas suas maquinações, e atentados, em quanto existissem na dita Universidade os Estatutos, as Regras, e os Métodos, que tinham formado aqueles grandes homens; e em quanto não introduzissem outros estatutos, outras Regras, e outros métodos, que em vez de guiarem os Lentes, e os estudantes para as luzes das ciências, os descaminhassem delas para as trevas da mais escura ignorância: maquinaram, e executaram os mesmos façanhosos regulares (de acordo com o dito monarca) todas as intrigas, e todas as atrocidades, que constituíram a matéria dos seguintes prelúdios.639 (grifo nosso) Conforme é possível perceber a partir do trecho acima, a “inoculação” do “veneno dos jesuítas” se deu quando estes progressivamente se apoderaram dos 635 Cf. VM, Volume III, p.105. Compendio, op. cit., p.XI. 637 Ibid., p.XIII. 638 Ibid., p.50. 639 Compendio, parte I, prelúdio II, op. cit., p.15. 636 167 colégios e alteraram os estatutos da universidade. De forma a atender aos seus interesses, baniram a prática de outros tempos, de se promover um intercâmbio entre os sábios das universidades da Europa, para que professores e estudantes portugueses ficassem acomodados e incapazes de se adiantarem nas ciências. Portanto, de acordo o Compendio Histórico, um dos “estratagemas” utilizados pelos jesuítas foi isolar os portugueses: Pintando com cores negras, e horrorosas, todos os estrangeiros, para assim nos dividirem e separarem deles: E para que privandonos da comunicação, que com eles tínhamos, nos fechassem a entrada das luzes, que de fora se comunicavam.640 O Compendio ainda acusa os jesuítas de serem responsáveis pela denominação de cristãos novos e cristãos velhos, enfraquecendo e desunindo o povo português, de tal forma que os jesuítas fizessem o que quisessem, sem nenhuma resistência. Vale lembrar que este problema já havia sido abordado D. Luís da Cunha e Verney. Por meio dos “Malvados Estatutos, e da Reformação, que os ampliou” os jesuítas instalaram seu sistema de ignorância artificial: Fazendo com que os professores deixassem de examinar as verdades, concentrando seus esforços para descobrirem sutilezas e “sustentar a força de sofismas as opiniões dos doutores”.641 De acordo com o Compendio Histórico, o método dos jesuítas gerava uma “perpetua guerra de contradições“ e assim a Universidade de Coimbra deixou de ser uma universidade de Letras para se tornar uma “Oficina perniciosa, cujas máquinas ficaram sinistramente laborando, para impedir a entrada de todas as luzes naturais dos felizes Engenhos Portugueses”.642 Antes da ação da “Companhia, dita de Jesus”, os portugueses haviam liderado o mundo com seus “feitos ilustres” e “heroicos progressos”: No continente, forçando os Mouros a irem buscar refugio além do oceano, e do mediterrâneo: Na África, fazendo as conquistas, com que subjugou, e fez tributários os mesmos infiéis: Na Ásia, e America 640 Ibid., p.62. Ibid., p.93. 642 Ibid., p.94. 641 168 descobrindo novas regiões antes desconhecidas; e fundando nelas os dois vastos senhorios do Brasil, e da Índia Portuguesa. 643 Porém, depois da implantação dos Estatutos e Reformas dos jesuítas, os portugueses caíram em decadência. É com espanto e admiração, ressalta-se no Compendio, a forma como os jesuítas deixaram a medicina em um estado de calamidade, já que estes também dependiam da saúde de seu corpo físico. Defende-se o exemplo de Hipócrates, “ pai da medicina”, e suas recomendações de uma ciência baseada na razão e experiência, física, aritmética, matemática, lógica, geometria. Nenhuma ciência precisava de tantos conhecimentos como a medicina, e devido a sua importância e o descaso com que vinha sendo tratada, necessitava dos maiores cuidados. De acordo com o Compendio, a verdadeira “causa decadencia da medicina foi a ruina dos estudos menores”. Defendia-se a importância da retórica para o médico, que precisaria conversar e entender todos doentes, e também seria necessário ele ser instruído na lingua grega para poder ler os originais de Hipócrates e Galeno. 644 A Lógica seria necessária para um bom juízo dos fenômenos, das doenças, e a física, como ciência da natureza, seria indispensável à medicina. Assim como já havia apontado Verney no Verdadeiro Método de Estudar, a medicina é considerada uma das partes mais importantes da física, e os progressos da física correspondem exatamente aos progressos da medicina, de tal sorte que, “é a física, tal é a medicina; e reciprocamente qual é a medicina, tal é a física. 645 São mencionados diversos problemas levantados a partir da análise dos regulamentos elaborados pelos jesuítas, como a ausência da química, da botânica e da anatomia. O tom dramático com que é abordado o caso da medicina é bastante representativo para se compreender a forma como o discurso pombalino procurou “demonizar” os jesuítas. Afirma-se que nunca se viu um “espetáculo tão triste”, a medicina esteve envolvida nas trevas, “onde se ve o estado perder mais individuos nas mãos dos medicos, do que nas de seus inimigos” Tais deviam ser os efeitos de tantas máquinas, forjadas, e levantadas de longo tempo para o estrago da Medicina. A primeira vimos que foi a decadencia das Letras Humanas, da Filosofia, &. A 643 Ibid., p.95. Ibid., p.299. 645 Ibid., p.336. 644 169 segunda a péssima Legislação, com que se regulou o Estudo Médico. A terceira foi pois sustentar estas máquinas, fortalece-las, e impedir, que elas se não prostrassem, para fazer a Medicina cada vez mais tenebrosa, a entreter uma sanguinolenta, e surda guerra dentro neste Reino. Com esta terceira maquinação acabaram os denominados Jesuítas de consumar em toda esta dilatada serie de anos a inteira execução do seu vasto Plano de destruição, e de ruina. Faz-nos horror entrar na indagação de tão funebres ideias. Mas é necessário fazer este sacrifício ao bem da humanidade, e do Estado. Ver-se-á como estes homens, não já por maquinações ocultas, mas sim claras, e manifestas, acabaram de destruir a Medicina, e de a privar de tudo, quanto poderia servir-lhe de ilustração, e subsidio. 646 A explicação oferecida pelo Compendio para o caso de Jacob de Castro e Sarmento não poderia ser diferente de toda a linha argumentativa que vinha sendo desenvolvida. As suas tentativas de despertar o interesse da nação para as novidades da ciência falharam devido aos “estratagemas” dos jesuítas. 647 E mais importante ainda, é mencionado como os jesuítas desencorajaram o projeto de modernização proposto pelo Verdadeiro Método de Estudar, com a publicação de todos os “libelos” escritos contra esta obra, demonstrando assim seus “perversos desígnios de impedir a reforma necessária”.648 O debate provocado pelo método de Verney será tratado no próximo capítulo. É importante ressaltar que no Verdadeiro Método de Estudar, em nenhum momento Verney acusa os jesuítas de terem destruído propositadamente todo o sistema de ensino. Aliás, vale lembrar que, como argumento, ele chegou a elogiar alguns jesuítas franceses e italianos, como Regnault e Boscowisch, por suas teorias e obras publicadas. Os jesuítas foram criticados por ele mais por “pecarem por ignorância”, do que intencionalmente, conforme sugere o discurso pombalino. E a despeito de todas as ironias que possam ser imputadas na dedicatória do Verdadeiro Método de Estudar, tece uma série de elogios aos padres da companhia por todos os seus trabalhos missionários de expansão do catolicismo no mundo. Verney afirmava estar preocupado em servir ao estado. O que observamos na Dedução Cronológica e no Compêndio Histórico, é o estado manifestando todo o seu poder. 646 Ibid., p.334. Ibid., p.346. 648 Ibid., p.348. 647 170 5.2.3 O restabelecimento da monarquia e os novos estatutos da universidade A partir dos relatórios apresentados ao Rei no Compendio Histórico, foi ordenado a elaboração dos novos estatutos da Universidade de Coimbra. Depois de revisar as minutas e os originais, o Rei declarou na Carta de Roboração dos Estatutos da Universidade de Coimbra de 28 de agosto de 1772, que D. José “por graça de Deus”, “Rei e Senhor Soberano, que na temporalidade não reconhece na Terra Superior; como protetor da sobredita Universidade”, aprova os novos estatutos contendo todas as disposições sobre a organização e o funcionamento de todos os cursos da universidade. Por meio de um ato fundante, o rei reafirma sua autoridade política: os livros estavam “conformes em tudo com aquela minha resolução”, e muito “acomodados ao bem, e aumento da sobredita Universidade; e muito úteis para os progressos das Ciências, e Artes que nela se devem ensinar”.649 Os Estatutos foram transformados em monumentos históricos, pois representavam um novo começo, um restabelecimento do corpo monárquico. 650 Depois de tomar ciência dos “deploráveis estragos” feitos nos estudos das ciências e das artes liberais em Portugal, em que havia se implementado um “sistema de ignorância artificial; e um agregado de impedimentos dirigidos a impossibilitarem o progresso dos mesmos estudos”, o Rei vinha por meio deste documento remover “dos meus fieis vassalos a intolerável opressão de uma tão injuriosa, e prejudicial ignorância; e facilitar-lhe (quanto possível for) os meios de serem restituídos”. 651 Na historiografia, os Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772 costumam representar o ponto mais alto das reformas da educação promovidas por Pombal. Constituem todo o conjunto de medidas, com força de lei, que deveriam ser adotadas para “uma nova criação da Universidade de Coimbra”. Recomenda-se uma série de regras e condições a serem observadas por alunos e professores , como as disciplinas que deveriam ser ensinadas, o tempo de duração de cada aula, e 649 Estatutos da Universidade de Coimbra compilados debaixo da immediata e suprema inspecção d'el-Rei D. José I pela Junta de Providencia Litteraria ultimamente roborados por sua magestade na sua Lei de 28 de Agosto deste presente anno. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1772, V. I, p.VII 650 Conforme destaca Pereira e Cruz, os novos estatutos da Universidade de Coimbra apresentavam o caráter de monumentos não apenas no que se refere aos seus conteúdos, mas a sua própria materialidade, os livros dos novos estatutos receberam luxuosa encadernação e ficaram expostos à veneração pública. Cf. PEREIRA Magnus Roberto de Mello; CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da. Ciência e memória: aspectos da reforma da universidade de Coimbra de 1772, op. cit., p.25. 651 Estatutos, op. cit., p.V e VI. 171 principalmente sobre o “método das lições”.652 Em diversos trechos do documento são mencionados novamente os “estragos” e as “maquinações” feitas pelos jesuítas por meio do uso do método escolástico. Logo no primeiro livro dos novos estatutos, que trata sobre o curso de Teologia, é abordado o método de organização das matérias a ser utilizado em todos os cursos de forma a facilitar o ensino e fazer progressos. Recomenda-se uma boa disposição e distribuição de todas as suas partes, com tal ordem e método que primeiro se inicie pelas disciplinas que preparam e dão “luz e inteligência das outras”.653 Este método, chamado “Método Demonstrativo” (chamado por Verney de Sintético) deveria ser utilizado para ensinar não só a Teologia, mas todas as ciências.654 De acordo com os Estatutos, nesse método, os estudantes estariam fazendo uso dos mesmos princípios do “Método Geométrico, ou Matemático”. Além disso, conforme também era recomendado por Verney, o “estudo de qualquer disciplina, ou Arte, deve “indefectivelmente” começar por uma breve história dela”.655 Para serem admitidos no curso de Teologia, os estudantes deveriam ter no mínimo dezoito anos de idade, e ter verdadeiramente a vocação. Eles precisariam examinar bem se realmente foram “chamados por Deus ao estudo desta sagrada ciência” e ter “desejo puro, e sincero de aplicar-se ao estudo da Teologia para seus fins legítimos”.656Assim como já havia alertado D. Luís da Cunha, deveriam ser evitados os desvios e as desordens produzidas por aqueles estudantes que apenas tem o “desejo de se habilitarem por meio de graus acadêmicos, para mais facilmente alcançarem as honras, as distinções e os privilégios” que são oferecidos pela generosidade piedade do rei. 657 O curso teria duração de cinco anos, e querendo o estudante receber graus superiores, de licenciado e Doutor, seria obrigado a cursar mais um ano, e depois de considerado “hábil”, seria “promovido ao dito grau”.658 Os estudantes que quisessem matricular-se em Teologia deveriam ter boa instrução da Língua Latina, da Retórica, das disciplinas filosóficas, e “muito principalmente da Logica”.659 Segundo os Estatutos do Curso Teológico, os 652 Ibid., Volume I, p.XIV, Cf. título III do curso de Teologia. Ibid., p.22. 654 Ibid., p.23. 655 Ibid., p.24. 656 Ibid., p.4. 657 Ibid., p.2. 658 Ibid., p.10. 659 Ibid., p.5-6. 653 172 professores desta cadeira se preocupavam até então “em ditar Apostilas, e compor Comentários difusos, seguindo neles o mesmo método, com que os Escolásticos trataram a Teologia: Excitando questões subtis, e infructuosas”.660 Além disso, as interpretações da escritura empregadas pelos Escolásticos eram consideradas sem “nenhuma utilidade para os discípulos”.661 Por isso este método seria apontado pelos reformistas como responsável pelos estragos causados ao reino, e assim a “Teologia Pseudo-Escolástica, Sofística, ou Arábico-Peripatética”, foi abolida “perpetuamente” das Escolas da Universidade de Coimbra, e de todas as demais escolas, particulares ou públicas.662 São notáveis as similaridades entre as críticas feitas por Verney ao método escolástico, como fica evidente no trecho abaixo: Sou servido abolir, e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas, e particulares, Seculares, e Regulares de todos os Meus reinos, e domínios, a Filosofia Escolástica, emanada das Lições frívolas, e capciosas dos Árabes, debaixo de qualquer nome, ou título, com que ela seja denominada: entendendo-se sempre por Escolástica toda aquela, que se compuser de questões quodlibeticas, metafísicas, abstratas, e inúteis, com sofismas intermináveis se disputam pela afirmativa, e pela negativa; semelhantes as que escreveram os Comentadores de Aristóteles em qualquer das Seitas, em que se dividiram. E os que contravierem a esta disposição, além de serem considerados como inimigos do Bem Público; e de incorrerem no Meu Real Desagrado; serão para sempre suspensos de ensinar, não somente a Filosofia, mas outra qualquer Arte, ou Ciência, e inábeis para obterem emprego, ou oficio algum dos que se costumam dar às pessoas de Letras.663 No caso da Medicina, o aluno só poderia matricular-se depois de estudar durante três anos a Física, e Matemática, além disso cursar mais um ano de Lógica, que poderia ser facultativo mediante a apresentação de um certificado. 664 Porém, não poderiam ser dispensados do curso de Física e Matemática, mesmo que tivessem estudado “em outra parte esta filosofia”, por não conter os conhecimentos necessários da “Ciência Natural”.665 Na medida em que os Estatutos recomendavam a “boa filosofia” (leia-se filosofia moderna) como fundamento de todas as reformas para restaurar todo o 660 Ibid., p.15. Ibid., p.15. 662 Ibid., p.18. 663 Estatutos, Volume III, p.3-4. 664 Ibid., Medicina, p.4. 665 Ibid., Medicina,14, 15. 661 173 corpo da universidade, o ideário reformista seguiu, assim como Verney, o método da filosofia natural. Poderíamos apontar para uma série de inverdades e exageros na interpretação histórica que foi apresentada pelo discurso pombalino. O Verdadeiro Método de Estudar, por exemplo, não foi publicado em Roma e não recebeu as licenças da cúria romana conforme é apresentado na Dedução Cronológica. Como concluiu Gilmar Araújo Alvim, Pombal visava justificar a centralização política que vinha sendo promovida pelo estado português de acordo com a concepção política do absolutismo–regalista.666 Para eliminar a presença física e simbólica dos jesuítas, que haviam contribuído por séculos na construção do império português, era necessário um discurso legitimador, que fosse eficaz e contundente. Da mesma forma que Pombal erigiu um tribunal da história para expulsar os jesuítas, poder-seia colocá-lo sob o mesmo tribunal e acusá-lo de “plagiar”667 as ideias de Verney, e depois de tê-las utilizado, para assim fazê-lo cair em desgraça, conforme sugeriu Joaquim Ferreira no prefácio de uma antiga edição do Verdadeiro Método de Estudar: O coração ferino de Pombal retribuía-lhe com flagelações os imensos auxílios nas reformas [...] o estrangulador das consciências livres, que ensandeceu de susto o povo; o monstro que inventou, em todas as minúcias, o diabólico suplício dos Tavoras, não resistiu à perspectiva de assassinar pela fome o pensador verdadeiramente europeu que tivemos no século XVIII - o pedagogista e filósofo que lhe inspirou o melhor do seu reformismo668 Nesta interpretação, Pombal é classificado como um tirano, e Verney um herói. Penso que o mais importante, seguindo as sugestões de Skinner, é refletir sobre a maneira como o discurso pombalino fez uso das ideias de Verney, em um outro contexto e com outra intenção. A carta enviada por Verney a Pombal, elogiando a Dedução Cronológica, reforça a perspectiva acima, demonstrando que nas relações de poder, não existe 666 ALVIM, Gilmar Araujo. Linguagens do poder no Portugal setecentista, op. cit., p.197. Camilo Castelo Branco, no seu no seu Perfil do Marquês, chamou a Verney o mais fecundo oráculo do grande estadista. Cf. MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista português do século XVIII, op. cit., p.16, 129. 668 Verney, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar. Porto: domingos Barreira Editor, 19? Prefácio de Joaquim Ferreira. Esta edição foi incluída em uma coleção de obras clássicas, algumas datadas da década de 1940, de autores portugueses como Camões, Gil Vicente, Fernão Lopes, denominada Colecção-Portugal. 667 174 espaço para um maniqueísmo simplista. Verney faz um elogio a todo o sistema político, a sua execução e, em especial, ao afastamento da Companhia de Jesus: Mas o que me recreou mais foi a mesma matéria do livro, que é uma consequência do belo sistema, que V. E. desde o 1759 formou, e executou. V. E. ensinou às outras Cortes da Europa a verdadeira Lógica, com que se deve argumentar concludentemente com os Socios, que são poucas palavras, e obras eficazes.669 Interessante observar como o Compendio Histórico e a Dedução Cronológica situaram historicamente o Verdadeiro Método de Estudar como uma ruptura, um “despertador” da cultura portuguesa, inaugurando a interpretação que seria reiterada mais tarde pela historiografia.670 Seria injusto julgar os críticos de Verney à luz do momento atual, sabendo que suas ideias, do ponto de vista de uma história do pensamento ocidental, podem ser consideradas como superadas. A dificuldade é analisá-las dentro de uma perspectiva contextualista, observando o debate no seu contexto de ideias. Neste caso, deveríamos tentar refletir não exatamente quem seria o vencedor, mas avaliar os argumentos dos dois lados. No caso dos defensores da filosofia escolástica, conforme se verá a seguir, era muito difícil abandonar os doutores, como Tomás de Aquino, Duns Escoto, Santo Agostinho, dentre outros, que há séculos vinham sendo considerados autoridades, e de repente, em um espaço de um ou dois séculos, ter que admitir que estes autores estavam “errados”. Conforme sugere Skinner, é preciso olhar como estes autores olhavam. Para desenvolvermos melhor esta perspectiva, será necessário um aprofundamento nesse debate, o que será realizado no próximo capítulo. 669 Carta de Verney a Pombal enviada de Pisa em novembro de 1767. Cf. ANDRADE, António Alberto Banha de. Vernei e a cultura de seu tempo, op. cit., p.623-624. 670 Para Silva Dias, a obra de Verney teve o mesmo papel do discurso cartesiano na França. Cf. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Europeia, op. cit., p.204. Para Moncada, Verney “foi o ponto mais elevado de articulação de Portugal com a Europa culta na época do Iluminismo”. Cf. MONCADA, Luís Cabral de. Um Iluminista português do século XVIII: Luís António Verney, op. cit., p. 130. Falcon afirma que a importância da obra de Verney reside não propriamente no seu conteúdo, mas no espírito que a comanda e na ruptura que representa. Cf. FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982. De forma geral, a maioria dos trabalhos sobre História das Ideias e do pensamento português no século XVIII conferem um lugar de importância a Verney; destacamos neste sentido as seguintes obras: ARAÚJO, Ana Cristina de. A Cultura das Luzes em Portugal: temas e problemas. Lisboa: Livros Horizonte, 2003; CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português. Lisboa: Editorial Caminho AS, 2001. Volume III; MAXWELL, Kenneth. O Marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 175 CAPÍTULO VI - MÉTODO COMO RENOVAÇÃO CULTURAL Conforme destaca Calafate, o discurso histórico das Luzes em Portugal também pode ser caracterizado por uma reação regeneradora contra um inimigo, a “Companhia, chamada de Jesus”, o que permitiu desencadear um processo de ruptura e contraposição em relação a um passado cuja identidade possuía nos jesuítas um de seus pilares de sustentação. Trata-se da constituição dos mitos, que em muitos casos alimentam o discurso histórico.671 É justamente este traço peculiar que explica o caráter dramático com que foram confrontados o novo e o tradicional, tornando a polêmica como uma das peculiaridades do Iluminismo portugês. Posto isto, considerando as polêmicas do método como o episódio que marca, no campo das ideias, a transição do reinado de D. João V para o de D. José, significaria praticamente enquadrá-lo, como sugeriu Hespanha - com todas as reservas e os riscos de se estabelecer limites cronológicos - como o “princípio do fim” desta sociedade corporativa do setecentos.672 Nesse sentido, Calafate destaca: O Iluminismo, ao mesmo tempo que se afirma como um projeto é também um antiescolasticismo, seja moderado, como em Frei Manuel do Cenáculo, seja mais vincado e veemente, como em Luís António Verney, sendo por essa razão que a globalidade dos nossos teóricos das Luzes elabora os seus textos identificando com frequência um inimigo, um pólo antitético, caracterizado como causa de atraso, decadência, crise e isolamento cultural. Índice desta realidade foi a extraordinária e ampla polêmica que abalou o panorama cultural português a partir da publicação do Verdadeiro Método de Estudar, de Luís António Verney, em 1746.673 Neste capítulo pretende-se dar prosseguimento a abordagem sobre as polêmicas provocadas pela publicação do Verdadeiro Método de Estudar. Serão apresentadas as ideias de alguns autores que, a princípio, poderíamos chamar de moderados, pois aderiram a algumas propostas da filosofia moderna, enquanto rejeitavam outras. Destacamos algumas intervenções de Frei Manuel do Cenáculo e 671 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, op. cit., p.29. HESPANHA, António Manuel; SILVA, Ana Cristina Nogueira. A identidade portuguesa. In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal, op. cit., p. 9. 673 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, op. cit., p.29. 672 176 Pina e Proença nos debates sobre o novo método, como dois exemplos desta posição mais moderada diante da filosofia moderna. Para finalizar este capítulo, analisa-se de que maneira a polêmica do verdadeiro método alcançou a década de 60 do século XVIII no campo da medicina, dividindo a opinião de dois médicos portugueses: João Mendes Sachetti Barboza e Duarte de Rebelo de Saldanha. Apresentaremos o debate destes dois autores para podermos analisar as diferentes opiniões acerca da medicina moderna e da medicina tradicional, ponderando sobre como este debate se articulava com o conceito de método. 6.1 A retórica como Perspectiva da Razão Assim como nenhuma nação pode mudar a natureza, e paixões dos homens, assim nenhuma pode inventar regras diferentes para excitar estas paixões. Por força devemos praticar aquilo, que a experiência mostrou ser o único meio de conseguir, que são as regras, que nos deixaram os antigos.674 Embora abraçasse os princípios da filosofia moderna, Verney valorizava algumas tradições herdadas da antiguidade, como a cultura do latim (a latinidade) e sobretudo a Retórica, disciplina que completava a parte dos estudos das escolas baixas.675 Segundo ele, apesar de sua falta de método, Aristóteles havia acertado em algumas faculdades, e para o caso da Retórica, é considerado por Verney o seu mestre.676 A Retórica era a “arte de persuadir”, extremamente importante para filósofos, advogados e pregadores: Não agrada um livro, se não é escrito com arte; não persuade um discurso, se não é formado com método; finalmente, uma carta, uma resposta, todo o exercício da língua, necessita da direção da Retórica677 Verney argumentava que mesmo tendo “boas razões e boas provas”, aquele que não souber “vestir as verdades” com “palavras sensíveis”, capazes de “excitar 674 VERNEY, Luís António de. Respostas as Reflexões que o R.P.M.Fr. Arsenio da Piedade Capucho fez ao Livro intitulado: Verdadeiro Método de Estudar, op. cit., p.27. 675 Cf. VM, Volume II, p.1. 676 Cf. VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, p.76. 677 VM, Volume II, p.6. 177 os afetos” e ordená-las com “justa proporção”, não será capaz de persuadir ninguém.678 Nas palavras do autor: Um homem douto advertidamente chamou à Retórica a Perspectiva da razão, porque, na ordem intelectual, faz mesmo que a perspectiva nas distâncias locais. Em uma tábua lisa, ideia a pintura um palácio com imensa profundidade; e, muitas vezes, com tal artifício e tão semelhante ao natural, que enganam os olhos. Não são as cores que originam esta deliciosa equivocação, porque com uma só cor se consegue o mesmo intento; mas a disposição das partes, o saber pôr cada uma na sua justa distância, o saber-lhe dar as sombras com proporção da arte, produz este maravilhoso efeito, e faz que eu veja, reconheça e admire o que de outra sorte não poderia ver. Este mesmo é o caso da Retórica. 679 (itálico conforme o original) Hobbes também reconheceu a importância da retórica. Conforme já abordamos no terceiro capítulo, ele acreditava que a ciência política deveria seguir o mesmo método usado nas ciências naturais, aspecto que sobressai nas obras Elementos e Sobre o Cidadão. Contudo, de acordo com Skinner, embora este embasamento científico ainda continuasse presente, ocorreu uma reavaliação da importância da retórica no Leviatã. A partir daí, Hobbes concordaria que os métodos das ciências precisavam ser complementados pela eloquência.680 A retórica passou a ser valorizada, pois percebeu que não bastava comprovar suas conclusões por meio da razão, era importante também saber persuadir, fazer-se entender. Era preciso um novo método para ensinar a nova filosofia; assim, os modernos reconheciam que não seria fácil mudar uma crença e convencer seus adversários a mudar de opinião. Considerando que sempre existem dois lados em qualquer questão polêmica, seria possível argumentar a favor de qualquer um deles por meio das técnicas de retórica. No Leviatã, Hobbes teria percebido que o uso de determinadas técnicas do discurso seriam fundamentais para combater os argumentos de seus adversários: Pois as palavras são os calculadores dos sábios que só com elas calculam: mas são a moeda dos tolos, que os avaliam pela autoridade de um Aristóteles, de um Cícero ou de um Tomás, ou de 678 Ibid., p.6. Ibid., p.8. 680 SKINNER, Quentin. Razão e Retórica na Filosofia de Hobbes. São Paulo: Fundação da Editora da UNESP, 1999, p.446. 679 178 qualquer outro Doutor, ainda que ele nada mais seja que um homem.681 Seguindo as tradições herdadas da Antiguidade, tanto Hobbes como Verney usaram as técnicas de retórica contra seus críticos. As técnicas de retórica incluíam o uso de métodos para mobilizar as emoções da plateia, como o uso de tropos de linguagem, como a metáfora. Dessa forma, com a metáfora, é possível fazer as coisas desconhecidas parecerem mais familiares. De acordo com Quintiliano, o bom orador não expõe simplesmente sua visão dos fatos, ele faz com que sua plateia compartilhe da sua relação emocional com os fatos narrados.682 Ele consegue excitar, fazer com que seus ouvintes consigam imaginar, ou seja, o bom orador não apenas “expõe” ou narra seu caso; ele “exibe” os fatos, de maneira que estes possam ser como que visualmente inspecionados.683 Como um pintor, o bom orador sabe realçar os aspectos que venham a contribuir para melhor representar a ideia que pretende defender. De acordo com Verney: E nisto é que se distingue o Orador do Filósofo. Ambos têm por objeto a Verdade; mas o Filósofo não costuma mover a vontade; contenta-se de expor as razões; porém, se acaso não acha um leitor sem prejuízos e preocupações, não conclui nada. Mas o Orador move as paixões, excita a curiosidade, mostra a verdade de tantos modos, com tanta clareza, com tanta eficácia, desfaz os prejuízos com tanto estudo, que finalmente convence o ouvinte. 684 O Padre jesuíta Francisco Duarte685, um dos principais críticos de Verney, fazendo alusão sobre as semelhanças entre um pintor e um orador, afirmava ter procurado apresentar na sua obra intitulada Iluminação Apologética com “as mais vivas cores os erros do autor do novo método”.686 Para justificar a forma severa com que havia “pintado” as ideias do Barbadinho, afirmava ter sido fiel à realidade e que 681 Hobbes Apud SKINNER, Quentin. Razão e Retórica na Filosofia de Hobbes, op. cit., p.526. Ibid., p.252. 683 Ibid., p.253. 684 VM, Volume II, p.148. 685 Frei Francisco Duarte foi cronista-mor da Companhia de Jesus e esteve preso no Forte da Junqueira em 1759, juntamente com outros jesuítas que sofreram as perseguições de Pombal. 686 Trecho extraído do título da obra de Francisco Duarte. Cf. DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética do Retrato de Mortecor: em que aparecem com as mais vivas cores os erros do autor do novo método, e seu apologista, os quais pretendeu defender um anônimo, por alcunha, o Doutor Apolonio Philomuso, e se lhe mostrão os muitos, que por malicia, ou por ignorância cometeu. Sevilha, Imprensa de Antonio Buccaferro, 1749. 682 179 havia utilizado “as tintas para lhe dar as cores ao retrato, se ficou medonho, culpa é do original, e não do pincel”.687 O uso de metáforas permitia que as coisas desconhecidas fossem associadas às coisas mais conhecidas, permitindo que sua plateia pudesse “ver“ com clareza ainda maior de que forma incorporá-las em seus referencias de crenças já existentes.688 Para combater a “vã filosofia de Aristóteles”, Hobbes ridicularizava os argumentos dos doutores da escolástica por meio de metáforas, comparando-os com “homens-de-palha” (“pessoa insignificante”; “espantalho”). Zombava de suas doutrinas absurdas, que provocavam “uma Escuridão tão vasta no entendimento dos homens que eles não discernem a quem foi que prometeram sua obediência”. 689 Hobbes associava a escolástica à escuridão, pois suas doutrinas não eram apenas obscurantistas, mas diabólicas, mantendo os homens imersos em trevas. Além disso, “tirava dos jovens o uso da Razão, os deixando imprestáveis para qualquer outra coisa senão para executar o que eles é ordenado”.690 Guardadas as especificidades de cada contexto políticos e social, a ironia e o sarcasmo foram recursos utilizados sistematicamente por Hobbes, Verney e seus adversários. Os dois combateram inimigos muito semelhantes, atacavam principalmente os diversos admiradores escolásticos de Aristóteles e a influência dos teólogos nas universidades. Hobbes a considerava tão disseminada a ponto de o estudo da filosofia naquelas instituições “não ser propriamente Filosofia (cuja natureza não depende de autores) mas aristotelia”.691 Ao mesmo tempo em que se combatia Aristóteles no campo da física, na retórica ele continuava a ser uma referência. É interessante observar que Verney nunca sugeriu banir Aristóteles, como ocorreria nos novos Estatutos da universidade, o que, neste caso, revela um ponto de descontinuidade entre as duas propostas. De acordo com a abordagem de Skinner, um dos conceitos mais importantes e negligenciados pelos estudiosos da obra de Hobbes foi o conceito de liberdade, ideia-chave e fundamental de todo seu pensamento. Hobbes, como defensor do sistema monárquico, teve que combater seus adversários republicanos e escolásticos, os quais argumentavam que a monarquia era um regime de 687 Ibid., op. cit., p.19. Cf. SKINNER, Quentin. Razão e Retórica na Filosofia de Hobbes, op. cit., p.256. 689 Ibid., p.530. 690 Ibid., p.530-532. 691 Hobbes Apud SKINNER, Quentin. Razão e Retórica na Filosofia de Hobbes, op. cit., p.538. 688 180 escravidão. Hobbes procurou desacreditar a ideia de liberdade definida pelos escolásticos e republicanos; de acordo com ele, era expressão de uma ideia falsa e confusa. Se concordarmos com Skinner, que no contexto de ideia no qual Hobbes escreveu suas obras o conceito de liberdade foi o termo mais importante discutido entre aqueles debatedores, para o caso do Portugal setecentista, foi exatamente a ideia de método o principal motivo de toda a polêmica. Ela acabou servindo para separar dois sistemas de crença muito diferentes, que entraram em rota de colisão no século XVIII. 6.1.1 Inimigos e defensores da nação A partir da publicação do Verdadeiro Método de Estudar instaurou-se uma verdadeira “guerra literária”, disputada por “gladiadores literários”. Em uma batalha em que se disputavam os critérios de validação da “verdade”, a disputa entre o falso e o verdadeiro dependia da eloquência dos adversários. Nestes debates, ter um bom domínio sobre as técnicas de retórica poderia significar uma boa vantagem perante seus opositores. O tom beligerante destes embates pode ser observado a seguir, nestes trechos escritos por um dos principais inimigos de Verney, o Padre Francisco Duarte: Se quereis contender com as armas luzentes da crítica, e da razão, tratarvos-ei mui cortesmente, e se quereis esgrimir a espada preta dos dictérios, não me hei de negar ao desafio, e prometo-vos, que nada vos hei de ficar devendo. 692 Jogai as armas contra o adversário, mas sejão só as da erudição [...] Imitai aos Espartanos, gente discreta , e valorosa, que entravam na batalha ao som de flautas, e suaves instrumentos” 693 (itálico no original) Os dois mais importantes críticos de Verney, os jesuítas José de Araújo e Frei Francisco Duarte, foram os autores mais prolíficos e que mais o atacaram com recursos de retórica. Com muita ironia e sarcasmo, procuraram desacreditar o “novo método” do Verdadeiro Método de Estudar e seus seguidores, defendendo que 692 693 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética. Parte I, p.159. Ibid., p.62. 181 seus argumentos não eram contundentes, mas mentiras e insultos. O pseudônimo utilizado por Verney, o Barbadinho, foi motivo de longos debates. Para Duarte, seu estilo satírico e seu desrespeito pelos portugueses faziam sua pena parecer a “cauda de um escorpião”.694 Para rebater os “regozijos” de Verney sobre seu êxito nas disputas, um de seus críticos afirmava que ele havia recebido “golpes poderosos”. Avaliava que os argumentos dos adversários de Verney foram como “pancada, que aleija”, ao passo que suas respostas não passavam de “pancadinha de amor”.695 Duarte, vangloriando-se de sua vitória e satisfeito por ter atingido seu objetivo, afirmava que depois de “açoita-lo” e tê-lo feito sentir-se “envergonhado” e “arrependido”, declarava sentir pena e “compaixão”.696 Nesta guerra de retórica, vence quem tem mais capacidade de tornar verossímeis as suas “invenções”. As situações inventadas para justificar a publicação das obras eram submetidas a análises detalhadas. Não se discutia a existência concreta das situações inventadas, pois já sabiam de antemão que eram fictícias; o que se procura fazer, como em um jogo, era discutir os critérios utilizados e os elementos utilizados para dar sustentação às situações fictícias. Em última instância, analisava-se o critério e o uso adequado das convenções linguísticas, para cada caso apresentado. Na carta de apresentação da primeira obra publicada contra o Verdadeiro Método de Estudar, o problema principal levantado nas polêmicas é apresentado de forma sucinta: Apareceu nesta corte uma obra dividida em várias cartas, com o título, Verdadeiro Método de Estudar, intentando seu autor por debaixo de um zelo tão fingido, como o nome, persuadir aos portugueses um novo modo para aprender, e ensinar as Ciências, que ordinariamente se praticam, e refutar o que até agora por tantos Mestres insignes, e que chegaram a ser grandes entre os maiores, se tem praticado neste Reino.697 694 Ibid., p.50. Ibid., p.16. 696 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., parte II, p.2. 697 Reflexões Apologéticas, Carta de apresentação, p.ii. 695 182 Figura 3 – Capa da obra Reflexões Apologéticas Fonte: Google Books, https://goo.gl/NPgKdN (acesso em 22/07/2015) 183 Publicada anonimamente pelo Jesuíta José de Araújo, as Reflexões Apologéticas a obra intitulada Verdadeiro Método de Estudar (1748) tinham como objetivo principal restituir “o crédito da nação” que havia sido “ingratamente ofendida pela livre mordacidade de um crítico”.698 Tratava-se de uma reação à forma como Verney havia tratado alguns doutores da filosofia escolástica. No caso de Duns Escoto, Araújo se queixava da “audácia com que contra um gigante da sabedoria se atreve um pigmeu, sem mais autoridade que a sua vaidade; e sem mais fundamento que o da sua ideia” e que queria “lançar fora das aulas das Universidades a tão grande homem”.699 Na sua resposta, Verney aponta para o “atrevimento” de Araújo em escrever sobre matérias as quais não sabia e nunca havia estudado.700 Araújo é acusado de ter envergonhado a nação portuguesa, por ter se ocupado de “matérias, que pediam outra capacidade, outra doutrina, outro critério, outra eloquência, outra elegância”.701 Avaliava o risco de verem esta obra traduzida para outras línguas e sendo distribuídas pelos jornalistas da Europa, colocando os portugueses no “ridículo”. Acusava o autor de ter feito uma sátira ao fazer usos de termos como “ignorante”, “presumido”, “atrevido”, e “coisas semelhantes”.702 Verney argumentava que ao contrário de ser um inimigo, escrevia para defender a gloria da nação: Escrevo esta carta por zelo da glória da nossa Religião, e da nossa Nação, que vejo injuriadas com esta Apologia, que tendes publicado contra o Novo Método. Estão pasmados os nossos Religiosos, que sendo vós um Religioso tão moderado, e prudente, caísseis nesta simplicidade e imprudência: não lhe chamo malivalência porque sei que pecastes por ignorância. 703(grifo nosso) Utilizando o pseudônimo de Severino de Modesto, José de Araújo publicou uma resposta a Verney intitulada Conversação Familiar.704 Neste texto, o qual abordamos no capítulo anterior, Araújo acusava Verney de ter aderido a uma moda, 698 Ibid., p.ii. Reflexões Apologéticas, p.2, 3. 700 Resposta as Reflexões Apologéticas, p.2. 701 Ibid., p.1. 702 Ibid., p.2. 703 Ibid., p.6. 704 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar e Exame Crítico, em que se mostra reprovado o método de estudar, que com o título de verdadeiro, e aditamento de útil à República e à Igreja, e proporcionado ao estilo de Portugal expoz em dezesseis cartas o R.P Frey ****Barbadinho da Congregação de Itália: e também frívola a resposta do mesmo as sólidas reflexões do P.Frey Arsênio da Piedade, Religioso Capucho. Valensa: Na oficina de Antonio Balle, 1750. 699 184 a mesma que vinha corrompendo a juventude com falsas promessas, de que com pouco esforço se tornariam grandes eruditos. Após a publicação desta obra, saiu em sua defesa outro jesuíta, o padre Francisco Duarte, que em 1751, utilizando o pseudônimo de Aletófilo Cândido Lacerda, publicou o Retrato de Mortecor, obra de cunho literário e satírico, cheia de metáforas e ironia. O texto tem como ponto de partida a situação de Aletófilo Cândido de Lacerda, que recebe de um amigo os dois tomos do Verdadeiro Método de Estudar e as Reflexões Apologéticas de P. Arsenio, para que analisasse o conteúdo das obras e lhe desse sua opinião. Figura 4 – Retrato De Mortecòr Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (versão digitalizada) 185 Duarte criticava sobretudo a forma com que Verney atacava aos seus adversários, e utilizava de uma série de expressões carregadas de ironia para representar as atitudes de Verney, tal como “vomitar palavras”, afirmando também que ele tinha “uma boca tão grande, como a do rio das Amazonas”. 705 Para ridicularizar seu oponente, usava ditos e expressões em latim, e trechos de textos clássicos da antiguidade, como parábolas de Esopo: O homem está persuadido que todos lhe tem medo, e eu creio que esta presunção há de vir a ser ocasião de sua ruína. Valha-me aqui o Esopo. Viu um jumento, que andava pastando, fugir um leão aterrado do canto de um galo, que passeava na mesma floresta. Persuadiu-se simplesmente que a nobre fera tinha medo do seu aspecto, e do seu zurro, e a foi perseguindo: mas o leão advertindo na preza , que o buscava, voltou sobre ela, e despedaçando-a lhe deu o castigo merecido da sua asinina presunção. 706 Esta parábola de Esopo é utilizada para fazer representar Verney como o “presumido” jumento que acabou sendo devorado pelo leão. José Duarte também conforma-se com a ideia de que tal autor, pela “incivilidade” com que trata os “grandes heróis da nação”, só poderia fazer parte da “plebe que tem capacidade para compor semelhantes tratados”. Considerando que o autor do método fala “do grande P. Antonio Vieira com aquela irracional descortesia, que a qualquer homem de juízo causa horror” (itálico no original), e com aquela “petulância sem reparo, a mesma mordacidade sem freio, o mesmo estilo sem cultura”. Ademais, reclama da forma com que Verney se referiu à cultura portuguesa, como “pátria da ignorância”.707 Diante de tudo isso, José Duarte conclui que o autor não era português, só poderia ser um inimigo da nação e, por esse motivo, procurou advertir seu adversário, que deveria estar “temeroso de que lhe deem o prêmio que merece”, pois devia saber que : [...] os Portugueses não respeitam barbas postiças, como mostraram na batalha de Montes-Claros , e que O Português se puxa Por barbas grandes, quais as da Cartuxa 705 DUARTE, Francisco. Retrato de Mortecor. Sevilha, Imprensa de Antonio Buccaferro, 1749, p.3.. Ibid., p.14. 707 Ibid., p.24-26. 706 186 Ao primeiro encaixo Barbas, e queixo tudo vem abaixo.708 Citando o trecho acima de um poema que tratava dos feitos heroicos dos portugueses nas batalhas contra os espanhóis, Francisco Duarte procurava alertar ao seu adversário, que se escondia em “barbas falsas”, que poderia a qualquer momento ser atacado pelos gloriosos e heróis combatentes portugueses. Assim, Duarte coloca-se como um defensor da nação portuguesa e Verney como seu inimigo. Ao escrever seu Retrato de Mortecor, defendia que o seu autor (Aletofilo, figura fictícia criada por ele), pela forma como procurou defender a “glória” do povo português, deveria ser tratado como um herói, pois sua intenção era a “coisa mais nobre”, “mais generosa, mais cristã”.709 Para Duarte, não havia dúvida, o autor das Respostas era o próprio autor do método: Com tudo sempre quero mostrar, que desejo obedecer a V. S. em tudo. Li com mais aplicação (por ler mais breve) a Resposta às Reflexões, e estou do mesmo parecer, que V. S. acerca da identidade do Autor. Todos os entendidos, com quem tenho falado, tem isto por indubitável; e é certo, que quem observar em um , e outro escrito a mesma petulância sem reparo, a mesma mordacidade sem freio , o mesmo estilo sem cultura, dirá, que o Autor da Resposta se parece com o do Methodo, como Cicero com Marco Tulio. Não deixe V .S . de reparar também no muito tempo , que se gastou em responder ás acertadas Reflexoens do P. Fr. Arsenio; circunstância , que prova tambem a identidade porque se gastaram alguns meses em . . . . mas ay ! por pouco que nao faço agora uma de meus pecados! Depois que eu assentei neste pressuposto, tornei a dar outra volta a Resposta , e a saltear alguns lugares do Methodo. Não é possível (dizia, ) que mais aqui, mais ali naõ se descubra este Author. Na Mauritania há umas Serpentes, que na pedra a onde chegaõ a cuspir o veneno, imprimem a sua figura: este homem vomitou nesta obra toda a sua maledicência: aqui hade estar seu retrato. 710 (itálico no original) Para o autor do Retrato de Mortecor, o que mais o “enfastiava” e “desagradava” era o que considerava a “falta método no método” do Barbadinho, pois toda obra consiste em dizer mal das composições dos outros e, muitas vezes, 708 Ibid., p.23. Ibid., p.26. 710 Ibid., p.24. 709 187 de “homens da primeira nota”.711 Ficava perplexo pelo fato de o Barbadinho afirmar que em Portugal não se sabe latim, retórica, não se sabe pregar, não se sabe filosofia, não se sabe medicina, direito, “Nada, dirá o Barbadinho, nem ainda escrever, e por isso nos manda todos á escola a aprender a lua nova”. Para Duarte, um dos maiores insultos cometidos pelo autor do “novo método” foi ter desqualificado o sistema de ensino praticado na Universidade de Coimbra: [...] no conceito do Barbadinho não valem os portugueses coisa alguma, se a venerável Academia Conimbricense vale pouco. Aqui sim, que cortou de um golpe toda a Glória de Portugal: aqui nos tirou a capacidade de aprender, pois nos intentou persuadir, que não tinha aquela Universidade método de ensinar.712 Da mesma forma exagerada com que Verney havia descrito a situação das ciências em Portugal, seus críticos também exageraram na forma como procuraram descrever o tom satírico e o desprezo com que as cartas do Verdadeiro Método de Estudar trataram os portugueses: Talvez não teria tão má aceitação, se o critico, sem dizer mal do método, que usamos, propusesse o seu, como mais útil, e com boa retórica procurasse ganhar a benevolência dos leitores, usando daquela urbanidade, e suavidade de palavras muito própria da nação italiana, a quem, diz, que pertence, e da francesa, da qual tudo lhe agrada.713 Admitindo certa severidade com que o autor das Reflexões Apologéticas (José de Araújo) havia criticado o Verdadeiro Método de Estudar, Duarte ponderava que este, antes de tudo, tinha muito mérito por “acudir e defender a primeira gloria de Portugal”, que havia sido “ultrajada” pelo ataque feito pelo crítico aos “grandes heróis” da nação portuguesa.714 Por outro lado, Verney se colocava como alvo de injustiças: “satirizando injustamente aos que querem ajudar os portugueses, isto é o mesmo que querer conservar, e perpetuar a ignorância no reino”.715 Para defender sua posição, citava vários jesuítas italianos que na Itália também defenderam a filosofia moderna, mas 711 Ibid., p.18, 20. Ibid., p.29. 713 ARAÚJO, José de. Reflexões apologéticas, op. cit., p.4. 714 DUARTE, Francisco. Retrato de Mortecor, op. cit., p.13. 715 VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, p.23. 712 188 nem por isso foram considerados traidores. Dentre eles citava o padre jesuíta Boscovich, que de acordo com ele “em Roma tem ilustrado a Filosofia newtoniana em várias dissertações belíssimas”.716 Vale lembrar, conforme já assinalamos no início deste trabalho, que mais tarde Boscovich cairia em desgraça sendo obrigado a abandonar a cátedra de matemática que ocupava no Colégio Romano. 717 Carlo Benvenuti, que o sucedeu na cátedra do Colégio Romano em 1754, também sofreu perseguições por sua falta de obediência na atividade didática, sendo obrigado a trocar o ensino da matemática pelo da liturgia.718 Defendendo o método dos jesuítas, Francisco Duarte argumentava que a maior parte dos homens doutos “de que se tem notícia” tiveram seus primeiros estudos com os jesuítas: bastaria examinar nas bibliotecas as suas histórias, memórias e nos diários, para constatar que quase todos estudaram em colégios jesuítas.719 Além disso, os hereges tinham uma grande dívida em relação a eles, pois só escreveram as suas obras mediante a necessidade de defender seus erros da “viva guerra” que os jesuítas lhes declararam, isso os “fez suar sangue aos seus melhores engenhos”. E por um golpe de retórica, constatava: “Sendo pois tudo tão manifestamente certo, julgais vós, que não fica também sendo certo moralmente o acerto do Método de ensinar Jesuítico?”(itálico no original).720 Duarte ainda se queixava dos defensores do método moderno, por eles buscarem convencer a todos de que tudo que sabiam os portugueses haviam aprendido com os estrangeiros; esqueciam, ressalta o autor, que todos aqueles “inventos admiráveis”, como a “pólvora, o vidro o papel”, também foram ensinados e aprendidos pelos franceses e ingleses; além disso, ressaltava que foram os portugueses que os ensinaram a navegar “por mares nunca, dantes navegados pois à nação Portuguesa devem eles o descobrimento de novos rumos”.721 716 VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense, p.100. VM, volume IV, p.237 e 281. 717 CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Européia, op. cit., p.168. 718 Ibid., p.175. 719 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., p. 84. De fato, Bacon, Descartes, e o próprio Verney tiveram sua formação inicial tutelada pelos jesuítas. 720 Ibid., p.84. 721 Ibid., p.57. 189 6.1.2 O ataque pessoal como estratégia de guerra O ataque direcionado à pessoa do autor foi uma das estratégias utilizadas pelos adversários de Verney. Muitas folhas foram gastas nas análises sobre a identidade e a figura fictícia do Barbadinho. O padre Francisco Duarte concluiu, com ironia, que seria muito difícil descobrir a identidade do autor, pois poderia ser qualquer um da plebe, qualquer um “que passa em conversa na botica do seu bairro”, pois não respeita os “homens verdadeiramente sábios, que nos ensinaram o que sabemos”.722 Para ele, o Barbadinho não poderia oferecer qualquer tipo de credibilidade perante seus escritos, o que tornava secundária uma discussão sobre as “regras do método”. Duarte também utilizou da estratégia de provar a incapacidade inerente à pessoa do autor da obra. Dizei-me, que lhe importava ao Alethophilo destruir as regras do Methodo? Era por ventura este o seu assunto? Valha-vos Deus por impertinente: já mais de uma vez vos respondi neste ponto: não me obrigueis a repetir tanto como vós. Mas falemos a verdade: quereis vós melhor argumento contra as regras do Barbadinho, que em mostrar, que o Barbadinho não é capaz de dar regras?723 Neste caso, Duarte procurava desviar a atenção em torno das disputas dos argumentos para o status e o lugar social ocupado pelo autor da obra a qual pretendia criticar. Partia-se do princípio que a autoridade epistemológica não se fundava exclusivamente nos argumentos, mas também na qualidade da pessoa que os manejava. Esta estratégia do ataque pessoal não passaria despercebida por Verney, que ao responder às críticas do Retrato de Mortecor, no seu Parecer do Doutor Apolonio Philomuso Lisboense724, afirmou que a intenção de seu crítico foi “publicar uma sátira para descompor o Religioso Barbadinho”. Acusava-o de ter escrito uma “dissertação longuíssima sobre nascimento e fidalguia do autor”, como se tivesse “ordem do paço para lhe tirar as inquisições”. 725 Acusa-o de desqualificar a falta de razão das ideias do autor do método pelo fato deste não ser um “fidalgo”. 722 DUARTE, Francisco. Retrato de Mortecor, op. cit., p.6. Iluminação Apologética, Parte II, op. cit., p.3. 724 Parecer do Doutor Apolonio Philomuso Lisboense, é dirigido a um prelado do reino de Portugal que solicita ao Doutor Apolonio um parecer acerca da obra “Retrato de Mortecor”. 725 VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, disponível em http://purl.pt/index/livro/aut/PT/47557.html. Acessado em 14 de agosto de 2014, p.2 e p.6. 723 190 Mais tarde Duarte se defendeu afirmando que não teve a intenção de dizer que o Barbadinho era “mal nascido” e que não pretendia ofender aos seus pais, porém, “que ele tinha mostrado no estilo de escrever ser de mui baixa condição”.726 Analisando a obra Parecer do Doutor Apolonio Philomuso, Duarte ironizava o título da resposta dada por Verney: “Parecer? E parecer, que vos mandou dizer hum grande Prelado? Quem sois vós, para que hum grande Prelado vos confulte?”.727 Além disso, ironizava o título de Doutor, este que só poderia ter sido comprado por meio de “propina”, pois segundo ele poderia ter sido obtido facilmente na Universidade de Roma, “aonde se vende barato”.728 Figura 5 – A obra Parecer do Dr. Apolonio Philomuso Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal http://purl.pt/24179 (acesso em 22/07/2015) 726 Iluminação Apologética, parte I, op. cit., p. 32. Ibid., p.14. 728 Ibid., p.14. 727 191 O que este crítico faz é questionar toda esta situação criada pelo autor do Parecer, que neste caso, não importa tanto saber se é verdadeira ou “inventada”. Nas batalhas literárias, em que vários jogadores dão seus “lances” por meio de atos discursivos, vencem as melhores performances. Assim, Duarte procurava desacreditar a possibilidade do autor ser realmente um Doutor, da possibilidade de um prelado português fazer tal solicitação a um autor que não poderia ser um Doutor e, ainda, que este Doutor não possuía as credenciais, nem a erudição necessária para julgar sobre a utilidade das obras que analisa e, ironizando o pseudônimo Barbadinho, que isso não era tarefa para “homens de tão poucas barbas”.729 Verney, mascarado na figura do Doutor Apolonio, procurava desviar o alvo do ataque de seus adversários: “que importa isso para o merecimento da obra? Seja turco, ou persiano, respondeis vós aos argumentos, que tudo o mais é perder tempo, e enganar o mundo, dizendo que desagravais a nação”.730 Francisco Duarte, para além de uma advertência, sugeria maior seriedade no tratamento do caso da publicação da obra do Barbadinho, que não deveria limitar-se a uma mera curiosidade sobre o autor. Recomendava o castigo, criticava a condescendência dos magistrados portugueses diante de algo tão sério e ameaçador para “a paz pública” como foi a ocasião da publicação do novo método: “Busque-se com cuidado este escritor e pratique-se com ele o que mandão as leis, e observaram os Tribunais mais rectos”.731 O debate também envolvia a questão do gosto literário, e discutia-se como adequar o estilo às matérias que eram debatidas. Duarte não admitia que alguns homens como o autor do método e outros citados por ele, como Muratori, fizessem críticas ao estilo escolástico de discursar; defendia, portanto, aquilo que seus detratores chamavam de “afectação”, “arengas”, excessos nos ornamentos e os desnecessários “enfeites de composição”. Duarte ainda alegava que, mesmo sendo prolixo, o método antigo não poderia deixar de ser bom.732 Defendia a tradição e a quantidade de opiniões favoráveis como critérios para se definir e estabelecer quais as ideias deveriam ser consideradas “verdadeiras”. Segundo ele, os modernos erravam por “querer reprovar o gosto de todos os séculos”, mas também: 729 Ibid., p.22. Respostas as Reflexões Apologéticas, p.4. 731 DUARTE, Francisco. Retrato de Mortecor, op. cit., p.11 e p.12. 732 Ibid., p.18. 730 192 Erram primeiramente em querer que o seu gosto particular seja regra do bom gosto, sem advertir, que nesta matéria tem maior autoridade o maior número. [...] Como nos poderão provar, que estes, e a maior parte dos homens , que até aqui se tem aplicado ao estudo das belas letras, tem vivido enganados, e tem enganado aos outros; e que só eles, e os poucos, a quem seguem, acertaram com o bom gosto da composição?733 Diante das experiências científicas que vinham sendo realizadas, Francisco Duarte chegou a fazer algumas concessões e dizia concordar com algumas inovações promovidas na física: Não o desaprovo porque é preciso confessar, que depois, que o grande Chanceler Francisco Bacon abriu esta escola, e depois, que a Academia de Paris e a Sociedade de Londres se aplicarão a observar os segredos da natureza, souberam os filósofos muitas coisas que até ali se ignoravam . Porem a mim me parece , que ele se persuade, que uma experiência testemunhada por um Monsíur, e exposta por argumento de alguma sua opinião tem a mesma forca , que decisão de hum concilio, que corta todas as duvidas.734 (grifo nosso) Do trecho acima podemos observar que, mesmo quando se tratava de avaliar a veracidade ou legitimidade das conclusões fundamentadas por meio dos resultados das experiências científicas, para Duarte, a palavra final deveria vir da opinião da igreja, ou seja, esta deveria permanecer como a fonte da autoridade epistemológica. 6.1.3 A crítica dos moderados: o caso de Frei Manuel do Cenáculo Diferentemente de Verney, Frei Manuel do Cenáculo ocupou cargos de relevância e teve importante participação nas reformas do governo de D. José. Foi Superior Provincial da Ordem Terceira de São Francisco, presidente da Real Mesa Censória, membro da junta de Instrução literária, bispo de Beja e arcebispo de Évora.735 Além disso, Cenáculo colaborou com o Compêndio Histórico da 733 Iluminação Apologética, Parte II, op. cit., p.41. DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., p.60. 735 CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, op. cit., p.39. 734 193 Universidade de Coimbra (1771), um dos principais documentos escritos contra os jesuítas do período pombalino. Porém, nas suas intervenções em torno das polêmicas do método não tomou o partido de Verney, pelo contrário, lançou uma série de críticas sobre as considerações feitas por ele acerca do filósofo Raimundo Lúlio. Assim como Guilherme de Ockam (1285 - 1349), John Duns Escoto (1270 - 1308), Raimundo Lúlio (1232/33-1316) costuma ser lembrado pelas suas contribuições no debate sobre o problema das relações entre fé e razão. É considerado um autor marginal e pouco estudado pela filosofia contemporânea, talvez por sua “estranha originalidade”.736 É bem provável que à época em que escreveu esta crítica Frei Manuel do Cenáculo ainda não havia recebido a influência da filosofia moderna, como poderia ser observada mais tarde em outros textos de sua autoria.737 Contudo, embora tenha demonstrado admiração pela filosofia moderna de Bacon e Newton, não defendeu opiniões tão radicais como Verney, e talvez o seu afastamento em relação a algumas destas posições tenha contribuído para o fato de ter tido uma carreira de destaque, sendo mais aproveitado na administração do reino. Cenáculo publicou anonimamente uma obra em 1752 intitulada Advertências Criticas e Apologéticas738 em que acaba tomando o partido dos defensores do método tradicional e apoiando, em certa medida, os jesuítas José de Araújo e Francisco Duarte. Embora sustentasse os defensores do método tradicional, não concorda com o estilo como foram dirigidas as críticas ao Barbadinho, adotando uma postura muito mais ponderada e cordial. Considerava os textos das polêmicas do método como “imitações perversas, e não crítica prudente”. 739 Porém, não poupou esforços em desacreditar o que chamava de “monstruosidades” e “falsidades” ditas pelo D. Apolonio sobre Raimundo Lúlio, e principalmente o fato de tê-lo acusado de herege. Cenáculo acusava o Dr. Apolonio de não ter examinado 736 Cf. REBOIRAS, Fernando Domínguez. Una introducción a la vida, obra y pensamiento de raimundo lulio. Anuario de historia de la Iglesia, n. 19, p. 383, 2010. Cf. também: ZILLES, Urbano. Fé e Razão no Pensamento Medieval. Porto Alegre: Edipucrs, 1993, p.97. 737 Os posicionamentos de Cenáculo a favor da filosofia moderna são mais perceptíveis no contexto das reformas da universidade, a partir da década de 70 do século XVIII. Cf. CALAFATE, Pedro. História do Pensamento filosófico português, op. cit., p.148-149. 738 Advertências Criticas e Apologéticas Sobre o juízo, que nas matérias do B. Raymundo Lullo formou o D. Apolonio Philomuso, e comunicou ao público em resposta ao Retrato de Morte-Cor, que contra o autor do Verdadeiro Método de Estudar escreve o Reverendo Doutor Alethophilo Candido de Lacerda.Coimbra, 1752. 739 Advertências Críticas e Apologéticas, op. cit., p.4. 194 bem os livros de Lúlio, e que poucos realmente o leram e, mesmo sendo o crítico “supostamente douto em História Literária”, deveria sobre este assunto “calar a boca pelo que pertence a Lulo”.740 Figura 6 – Capa da obra Advertências Críticas e Apologéticas Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal http://purl.pt/1330 (acesso em 22/07/2015) Além disso, Cenáculo apontava para o que considerava uma série de erros sobre os momentos mais importantes da formação intelectual de Lúlio e das acusações que havia recebido da igreja. Segundo Cenáculo, o Dr. Apolonio cometeu o mesmo erro do qual acusava seus críticos: “não falar sobre livros que não havia lido e conhecido” e de imputar a algum escritor “coisas que ele não disse”. 741 Referenciando o método crítico de Mabilon, Cenáculo criticava a falta de 740 741 Ibid., p.4. Ibid., p.7. 195 fundamentos das acusações feitas contra Raimundo Lúlio, e como procurou demonstrar, estas deveriam estar ancoradas em determinações pontifícias mais “subsistentes” e não em “facilidades”.742 Cenáculo defendia o método de Lúlio como sendo “simplíssimo e semelhante ao matemático [...] põe a definição dos termos, ou princípios; depois as máximas formadas daqueles, e as regras de praticá-los, e logo ajunta os discursos aplicandolhe os fundamentos gerais”.743 Seu método é “recto e digesto”, mas que poderia ser “labirinto para quem o tomar a olho”, ou seja, acusava os críticos de Lúlio de não o terem compreendido devido à falta de empenho e erudição, que seria necessária para superar a complexidade inerente à sua proposta teórica.744 Nas Advertências argumentava que, a pesar da dificuldade, não se deveria abandoná-lo, pois o mesmo ocorre com outras artes como a “trigonometria e outras espécies da matemática”. De acordo com Cenáculo, a mesma dificuldade poderia ser encontrada em teorias como a de Boscovich e Newton, bem como outros autores que utilizaram de símbolos da álgebra no desenvolvimento de suas teorias. Ao contrário daqueles que acusavam Lúlio de tentar “reformar todas as ciências”, Cenáculo afirmava que assim como Aristóteles, Bacon, e o próprio Barbadinho, estava apenas propondo uma forma geral para discorrer em muitas ciências.745 Além de um grande filósofo, Cenáculo descrevia Raimundo Lúlio como um homem “tão venerável, tão virtuoso em sua fé”, que jamais poderia ser tratado como um “louco” e “fanático”. Afirmava acreditar que ele havia recebido sua doutrina de “Cristo Crucificado”, e que desde que Deus o havia tocado “não cometera mais pecados”, e por isso não poderia errar, pois seu método havia sido infundido por Deus.746 Talvez possamos apontar para algumas diferenças na maneira como Cenáculo e Verney encaravam a Teologia. Cenáculo seguia uma perspectiva mais escolástica, ao passo que Verney compreendia a Teologia como subordinada à filosofia moderna. No Verdadeiro Método de Estudar a fé e a questão da graça talvez não tenham o mesmo peso que é dado por Cenáculo. 742 Ibid., p.9. Ibid., p.15. 744 Ibid., p.15. 745 Ibid., p.56. 746 Ibid., p.53. 743 196 Nas suas Advertências, Cenáculo discutia a “misteriosa” transformação intelectual de Raimundo Lúlio, que de “um homem rude”, tornou-se um “homem douto”. Como seria possível “escrever de matérias tão profundas sem ter estudado ciência alguma?”. Cenáculo concluía que “esta transformação de ignorante a sábio, é obra sobrenatural”, e não uma obra do diabo, tal como alguns haviam dito. 747 No final de suas Advertências, anexou alguns documentos para provar que Lúlio não era um herege; entre eles um documento publicado pelo arcebispo de Mallorca de 1695, proibindo falsos testemunhos e injurias contra o “Iluminado Doctor e Martyr El Raymundo Lullo”, ordenando que a partir daquela data seria proibido pronunciar que o dito doutor era herege, sob pena de excomunhão.748 6.1.4 Pina e Melo e a inconstância da filosofia Outro autor que procurou seguir um estilo mais moderado foi Francisco de Pina e Melo749 que, no contexto das polêmicas, havia publicado uma obra intitulada Balança Intelectual, situando-se ao lado dos jesuítas. Porém, concordava em alguns pontos com Verney, no que considerava as “subtilezas tão confusas e inúteis” dos escolásticos; e também concordava sobre a necessidade de rever alguns aspectos sobre o método e a lógica nos estudos, principalmente sobre proeminência da especulativa.750 Por outro lado, queixava-se dos exageros dos adeptos das modas europeias; “Não se podem conter alguns gênios caprichosos de não encarecerem as modas: sempre desejam levar tudo aos extremos, e não ha mediania , que os não aflija”.751 Procurou defender as acusações que haviam sido feitas aos jesuítas em uma obra publicada em 1754 intitulada Carta Exhortatoria aos padres da companhia de Jesus.752 Nesta obra, publicada com as devidas licenças dos órgãos censores, os jesuítas eram acusados de alimentar uma inveja em relação ao novo método de gramática publicada pelos oratorianos - o Novo método da gramática para uso 747 Ibid., p.54. Ibid., p.120. 749 Embora seja mais conhecido pela sua obra como poeta, a obra de Francisco de Pina e Melo (1695 – 1773) é vasta. Pina e Melo frequentou os cursos de Filosofia e de Cânones na Universidade de Coimbra sem ter concluído, também foi sócio da Academia Real de História. 750 Cf. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.220-222. 751 PINA E MELO, Francisco. Resposta Compulsória, 1755, p.12. 752 REMÉDIOS, Mendes dos remédios. Carta Exhortatoria aos padres da Companhia de Jesus: Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra , 1909. 748 197 das escolas da real casa da Sra das Necessidades - e por estes terem uma ciência superior a dos jesuítas. Segundo o autor da Carta Exhortatória, os jesuítas tinham medo que a gramática dos oratorianos diminuísse a importância do compendio do Padre Manoel Alvares, que segundo o autor, Mendes dos Remédios, vinha sofrendo críticas. Na Carta Exhortatória apontava-se para um processo de decadência da língua latina em Portugal desde que os jesuítas, no tempo de João III, assumiram o Colégio das Artes. Além disso, assinalava para um processo de decadência da Companhia: depois de terem “homens doutos como o Vieira”, passou a existir o Araujo, que “desfigurado em Fr. Arsenio da Piedade”, veio a criticar o verdadeiro método dos estudos. Além disso, protestava-se pelo fato da Companhia ter escolhido como seu cronista o P. Francisco Duarte, como vimos, outro importante adversário de Verney. Mendes dos Remédios igualmente criticava a Companhia por não aceitar a filosofia moderna, porque, segundo ele, queriam ser seus criadores, e por isso continuavam “engatinhando como meninos pelo sistema da filosofia moderna”.753 Com ironia afirmava: “Causa não pequeno riso a obstinada teima, com que insultais a filosofia moderna, a qual se está ditando na cabeça do mundo católico, e nas mais florentes Universidades Católicas”.754 Ainda defendia a necessidade de se convencer o Soberano para entregar o ensino a pessoas capazes de restituir a idade de ouro com que Portugal falava a língua latina.755 Em defesa dos jesuítas, Francisco de Pina e Melo publicou em 1755 uma obra intitulada Resposta Compulsória. Assim como Frei Manuel do Cenáculo, adota uma postura mais moderada na defesa do método tradicional, sem apelar tanto para os ataques pessoais. Ao tratar sobre a questão da moda no campo da filosofia questionava: “Filosofia moderna? Não foi já moderna, a que hoje se chama antiga? Pois que lhe falta para ser tão boa como esta?”. Ironizava o fato dos modernos presumirem que Newton e Descartes “tiveram melhor juízo” que Platão e Aristóteles, para ele tratava-se de “um pensamento bem caprichoso”.756 Além disso “Querer imaginar que a nova Filosofia, por ser mais moça, é mais sesuda, é uma apreensão bem extravagante”. Pina e Melo defendia que não deveriam ser “tão 753 REMÉDIOS, Mendes dos remédios. Carta Exhortatória, op. cit., p.21. Ibid., p.20. 755 Ibid., p.25. 756 PINA E MELO, Francisco. Resposta Compulsória, op. cit., p.30. 754 198 insultado, como alguns pretendem o método antigo”, porque com ele se formaram grandes homens, muito antes da existência do método moderno. Nenhum destes grandes gênios nem de outros muitos, que trabalharão toda a sua vida nestes estudos puderam até gora resgatar a Filosofia da opinião, e da conjectura: E se é conjectural, e opinativo tudo o que dizem, tudo o que propõem, tudo o que discorrem, assim antigos, como Modernos, que vantagem é esta de uma, para outra Filosofia?757 Citando Martinho de Pina e Proença, Pina e Melo argumenta que para o estudo e aproveitamento da Gramática torna-se necessário muita aplicação do aluno, pois a perfeição da doutrina depende de “um gênio hábil, aplicado e curioso”.758 E por isso argumentava, em defesa dos jesuítas, que pouco importava ensinarem a gramática pelo “método do seu Manoel Alvarez, ou pelo Sanches, Wolf, e Port Royal, visto não depender a perfeição, do método, mas do gosto, e do gênio do discípulo”.759 São as artes, e as ciências como as ondas; que em sucessivo movimento umas vezes se enrolam , outras se encapelam, outras se quebram: E até se parecem na sua mesma inconstância , pois não só mudam de método, mas de climas: Passaram dos Egípcios para os Gregos : dos Gregos para os Romanos : dos Romanos para os Árabes , hoje se estendem pela Itália, pela França , e pela Grã Bretanha , como se fosse portátil o trono de Minerva. Desta forte é que vão fugindo, e sucedendo uns a outros instantes ; e esta é a mesma mobilidade , que tem a vida , os costumes, os gostos , e os conceitos dos homens.760 (grifo nosso) Como é possível observar, Pina e Melo procura argumentar que a ideia de método tinha a mesma diversidade dos “costumes”, dos “gostos” e dos “conceitos”. Falando sobre as disputas literárias que ocorriam no campo da filosofia, ponderava: “E nestas continuas irrupções, e repetidos ataques, cada um se aferra à sua apreensão, com tanto afinco, como os navegantes, que se agarram dos rochedos para escaparem do naufrágio”.761 Além disso, apontava para as guerras que ocorriam dentro da própria filosofia moderna, “pois com muito maior fúria se 757 Ibid., p.30. Ibid., p.75. 759 Ibid., p.76. 760 Ibid., p.30. 761 Ibid., p.31. 758 199 combatem os Cartesianos, Newtonianos, e Gassendistas com os seus mesmos sistemas, do que todos juntos com o Peripato”.762 Pina e Melo acusava os modernos de terem plagiado os antigos; os Átomos, ou corpúsculos de Gassendo eram uma “plagiaria da Filosofia de Demócrito, e Epicuro”. Segundo ele, a gravitação e a atração de Newton: Não consiste mais, do que em se ter mudado as vozes à simpatia, e à qualidades ocultas, tão reprovadas pelos modernos [...] Pois aonde estão aqui as novidades , que tanto encarecem estes senhores? [...] E em que parte nos tem mostrado os Cartesianos , os Gassendistas , e os Newtonianos, que é melhor a sua doutrina, que a dos Peripatéticos?763 E declarava que ainda não havia nenhum vencedor na batalha que estava sendo travada entre antigos e modernos; argumentava, dessa forma, não haver provas que pudessem indicar a superioridade da filosofia moderna: Seria necessário mostrar, que, se os Jesuítas não tinham convencido os Modernos, que os Modernos convenciam em todas as suas disputas os Jesuítas: E se isto nunca sucedeu, e estou certo que não há de suceder, aonde está depositada esta preferência, que tanto se nos inculca, de que a Filosofia da moda é melhor do que a antiga ? 764 Assim, baseado em seu argumento sobre a “inconstância” das opiniões filosóficas e por seu caráter histórico, Pina e Melo não via razão para se declarar a superioridade da filosofia moderna perante a antiga. 6.2 A medicina e as polêmicas do método No século XVII e XVIII, a medicina convivia com uma grande diversidade de métodos de tratamento e as teorias de Harvey, Newton e Descartes não acarretaram necessariamente um desenvolvimento proporcional ao campo da medicina.765 A perspectiva newtoniana de uma natureza dominada por leis exatas, racionais e calculáveis, acabaria encontrando limites de aplicação. Ressalta-se que 762 Ibid., p.32. Ibid., p.28. 764 Ibid., p.28. 765 FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989, p.297. 763 200 as hipóteses de Newton para explicar a gravidade como forças ocultas da natureza levaria a Física a se aproximar dos estudos de alquimia.766 Neste caso, paradoxalmente, a ciência se aproximou da magia, na medida em que ambas buscavam controlar as forças da natureza, mesmo que por caminhos distintos.767 Tendo isto em vista, Paolo Rossi procurou combater uma linha interpretativa da história da ciência que desqualificava o momento de suas origens, por não haver distinção entre o pensamento científico e o misticismo ou a magia. Para ele, o fato de terem convivido em uma mesma época não significa que não existiu um pensamento científico, conforme poderia parecer a princípio. Ressalta que a Idade Média foi pintada como um período de escuridão e de barbárie pelos humanistas e pelos defensores da modernidade que procuraram desqualificar o período anterior ao deles, da pior forma possível, para garantir sua superioridade.768 Considerando as abordagens de Foucault sobre a história das ideias, particularmente em sua Arqueologia do Saber, entre os séculos XVII e XVIII, as disciplinas estavam se constituindo enquanto campos autônomos, por meio de uma padronização de enunciados e regras que pudessem lhe conferir uma unidade. 769 No caso da medicina, com a emergência da filosofia moderna, houve um debate entre os adeptos do modelo galenico-hipocrático contra aqueles que defendiam uma medicina inspirada no método da física experimental de cunho newtoniano. Diferentes propostas enunciativas foram debatidas em torno de temas e objetos comuns, para que pudessem estabelecer uma ordem para o discurso médico. A maioria dos campos disciplinares passaria por um confronto de posições, muitas vezes divergentes. Para citar um exemplo, quando falamos da taxionomia de Lineu, não podemos esquecer que se tratava de uma nova proposta de classificação 766 Darton nos mostra como alguns intelectuais iluministas encaravam a gravidade como um poder oculto, assim como a eletricidade e o magnetismo. Exemplifica este lado obscuro da ciência no século XVIII com as teorias do austríaco Franz Mesmer, que defendia a capacidade das forças magnéticas da natureza para a cura de doenças. Cf. DARTON, Robert. O lado oculto da Revolução: Mesmer e o final do Iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 767 No pensamento alquimista de Newton havia uma noção de natureza repleta de forças vitais, plásticas, geradoras. Cf. CASINI, Paolo. Newton e a Consciência Européia, op. cit., p.54. Ver também: MORAES, Reginaldo Carmello Corrêa de. Alquimia: Isaac Newton revisitado. Transformação. vol.20, pp. 39-44,1997. 768 ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa, op. cit., p.15. 769 FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 201 dos seres vivos. E a classificação é um exercício de poder, conforme foi reiterado por Darnton, na sua análise da Enciclopedié.770 Retomando algumas ideias de Verney sobre a medicina, ele a definiu como “a Ciência que ensina a conservar e recuperar a vida perfeita e saúde do corpo humano”, e assim faz uma importante distinção entre uma medicina pautada na tradição, fundamentada na manutenção de uma prática e outra experimental, considerada por ele, mais avançada. Por isso satirizava os médicos portugueses comparando-os com os “mezinheiros”, que significava o mesmo que dizer “curandeiros”. Insistia sobre a necessidade do médico ser também um físico: “primeiro tomar justa ideia do corpo, e suas partes; (que é Anatomia;) e justa ideia das doenças, que se podem formar nelas; (que é a teoria) e justa ideia do remédio, (que é a Física)”. De acordo com Verney, em Portugal, por serem todos galênicos, a medicina não existia. Era praticada sem método, sem ordem, “sendo necessário ler muito para vir a saber muito pouco”.771 Os problemas da medicina em Portugal estavam relacionados ao mau método de curar praticado em Portugal: “ou o médico há de renunciar os princípios da Filosofia galênica, ou deixar de estudar a boa medicina”.772 Verney apontava para a necessidade do conhecimento de “princípios necessários” sobre o verdadeiro conceito da enfermidade. Para o bom entendimento sobre os mecanismos que controlam e articulam esta “máquina perfeita”, precisa o médico ser antes de tudo um bom filósofo: Quem hoje quiser mandar um médico português a Londres, Leiden, Amsterdã, Haia, Paris, etc., para aprender Medicina, deve persuadirse que o manda aprender, não medicina, mas filosofia, e que por força se há de esquecer do que tem estudado, para aprender medicina. A boa medicina, ou moderna medicina, é unicamente uma moderna filosofia mais circunstanciada. Os filósofos modernos passam brevemente por algumas coisas que os médicos estudam com escrúpulo e diligência infinita, por ser aquele o seu último emprego. E daqui forma um método de curar totalmente diferente.773 (grifo nosso) 770 DARTON, Robert. O grande massacre dos gatos, e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal, 1986, p.249. 771 VM, volume IV, p.37. 772 Ibid., p.58. 773 Ibid., p.58. 202 A medicina moderna, para Verney, era representada pela física newtoniana aplicada ao estudo do corpo humano. Partindo-se dos princípios da física experimental, os médicos poderiam descobrir as leis de funcionamento desta “máquina quase perfeita”. Porém, o padre José Duarte responderia de forma bastante enfática que, além de ser desnecessária a anatomia, absolutamente não era necessário saber filosofia para ser bom médico: Não, e torno a dizer, não; por mais que vós espanteis, e fiqueis com a boca aberta; por que talvez algum médico fanfarrão, v.g.o insensato querendo acreditar-se de douto em muitas ciências, vos meteu na cabeça que para um indivíduo se constituir um bom médico, deve ser grande filósofo um consumado anatômico, e talvez um astrônomo perfeito. 774 José de Araújo também insistia que o resultado era o que importava; o desconhecimento de suas causas, seus princípios, efeitos, não deveria então desacreditar a eficiência do método de curar tradicional, pois “Se mostra a experiência que mandar sangrar, ou purgar a tempo, e com isso alivia o doente, que nos importa, que a sua filosofia seja desta, ou daquela casta?”.775 Contudo, Verney procurava diferenciar tradição e experiência. Para o caso da medicina, a tradição seria a manutenção de um hábito sem uma avaliação crítica de seus resultados; a experiência, por outro lado, seria a prática do método experimental, estabelecendo os princípios que fundamentam as leis da natureza. Criticava o fato de que a medicina ainda convivia com receitas tradicionais, sem reconhecer os elementos que a tornavam eficaz para o tratamento de determinadas doenças. Por isso, não bastava saber o remédio correto para a cura, mas saber como era produzido tal efeito; segundo ele, na medicina tradicional “[...] não se aplicam os remédios porque se tem formado conceito deles e da enfermidade, mas porque assim se pratica, e assim o fizeram os mestres que os ensinaram”. 776 Para exemplificar o mau método da medicina em Portugal, cita a obra Atalaia da Vida contra as hostilidades da morte (1720), publicada pelo médico português João Curvo Semedo. Foi um médico muito famoso, praticava uma medicina que 774 NOBREGA, Antônio Isidoro da. Grosseria da Iluminiacao Apologética, pelo que respeita a uma página da segunda parte, em que seu autor Teofilo Cardoso da Silveira, presumio criticar o Dialogo Jocoserio; notada e descoberta por fulano indiferente. Valensa : Na Oficina de Antonio Balle,1752, Parte II, p.101. 775 ARAÚJO, José de. Reflexões Apologéticas, op. cit., p.41. 776 VM, volume IV, p.39. 203 beirava o charlatanismo, associando as teorias de Galeno, Hipócrates juntamente com crenças astrológicas e mágicas.777 De acordo com João Curvo Semedo, nos lugares onde estivessem os homens feridos, não deveria se permitir a entrada de “mulheres formosas, porque as feridas se assanham”.778 Verney argumenta que, se o que distingue uma mulher feia de uma formosa é “ter a boca maior ou menor, o nariz direito ou torto, os olhos negros ou desmaiados”, esses fatores não poderiam explicar o fato das “feridas que se assanham”. E ainda ressalta que, por própria experiência, havia estado em um exército em que mulheres formosas assistiam a seus maridos e amantes, também em casas particulares, e que nunca tinha verificado este problema, “nem queixaram-se ninguém de tal coisa”.779 Os defensores do método tradicional defendiam que era possível aprender a anatomia sabendo especulativamente a estrutura do corpo humano, e que se haviam médicos melhores que os portugueses no estrangeiro, nem por isso faziam milagres. Segundo José de Araújo, por exemplo, a experiência dos médicos independe do conhecimento dos sistemas filosóficos modernos e Harvey não teria sido seu descobridor, mas o primeiro a afirmar a circulação do sangue. Segundo ele, Hipocrates já falava sobre isso.780 Ao contrário das mudanças de método defendidas por Verney, Francisco Duarte trata com saudosismo uma época em que a medicina operava milagres, conforme podemos observar na sua Iluminação Apologética: Ditosos tempos aqueles, em que Portugal tinha médicos, que nem sabião a Descartes o nome, nem que em França houvesse Gassendo, ou Newton em Inglaterra, e em cujas livrarias não entrava livro francês, ou estava perpetramente fechado por falta de quem lhe entendesse a língua: estes fizeram curas, e com receitas particulares, que tinham adquirido, ou com o estudo, ou com a experiência triunfaram muitas vezes do perigo, que fazia desmaiar toda a esperança.781 José de Araújo acusava Verney de tentar desacreditar o método tradicional da medicina utilizando de recursos de retórica: “para o pintar mais feio, diz, que veio 777 ABREU, Jean Luiz Neves. Ilustração, experimentalismo e mecanicismo: aspectos das transformações do saber médico em Portugal no século XVIII. Topoi, v. 8, n. 15, p. 86, 2007. Ver também: VM, volume IV. Cf. nota I, p.40. 778 VM, volume IV, p.42. 779 Ibid., p.42. 780 ARAÚJO, José de. Conversação Familiar, op. cit., p.386-389. 781 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., parte II, p.103-104. 204 dos Árabes; e vimos a entender, que daquela terra não pode sair coisa boa”.782 A expressão “pintar mais feio” como forma de referenciar o termo método, era apontada por ele como uma estratégia usada por Verney para falar de forma elogiosa sobre o método moderno e se defender daqueles que associavam a filosofia moderna com os hereges. No Verdadeiro Método de Estudar, Verney insistiu na importância da anatomia para a medicina. Porém, José de Araújo considerava esta prática desimportante e não via problema no fato dos portugueses a desprezarem, pois os portugueses “pouco se aplicam em abrir corpos humanos”. Segundo ele, a anatomia servia apenas para satisfazer a curiosidade de alguns, que poderia ser satisfeita “pelos livros de que há muitos, e com estampas, muito bons, e com miúda explicação”.783 Recomendava, portanto, que aqueles que quisessem estudar anatomia, poderiam buscar este conhecimento nos livros. De fato, o estudo da anatomia realmente não era bem visto em Portugal, pois D. João baixou um decreto em 1739 proibindo a dissecação de cadáveres.784 A boa medicina, para José de Araújo, se fazia “com o bom discurso, e muito pouca anatomia”.785 E reiterava: Pois se o seu método é o verdadeiro, e o Galenico errado, por que razão cá, e lá mas fadas há, e morrem uns, livrando outros, e quantas notícias se conservam entre nós de médicos antigos, que tivemos, e fizeram curas prodigiosas, sem que nesse tempo se soubessem estas curas à moda, como as quer o crítico.786 A questão da longevidade, conforme apontado por Araújo, não poderia ser considerada uma evidência da superioridade da medicina moderna, pois segundo ele “no sertão de Angola, e nos do Brasil, na Etiópia, na Tartária, Pérsia, China, Japão, &c. a gente vive tanto como em Portugal, e talvez mais; como nos ensinam os itinerários mais célebres”.787 Neste caso, pondera Araújo, seria possível concluir que os médicos portugueses eram muito melhores do que os médicos daquelas regiões periféricas do império? 782 ARAÚJO, José de. Reflexões Apologéticas, op. cit., p.40. Ibid., p.39. 784 ABREU, Jean Luiz Neves. Ilustração, experimentalismo e mecanicismo: aspectos das transformações do saber médico em Portugal no século XVIII. Topoi, op. cit., p.90. 785 ARAÙJO, José de. Reflexões Apologéticas, op. cit., p.39. 786 Ibid., p.41. 787 Ibid., p.40. 783 205 Muitas vezes o debate entre a medicina moderna e a medicina tradicional acabava representando um jogo de opiniões baseadas nas experiências individuais de cada um e nas leituras possíveis sobre a filosofia moderna. Mesmo entre médicos de profissão, conforme será analisado a seguir, os debates não ficaram totalmente imunes ao caráter ideológico das disputas literárias. 6.2.1 Filósofos médicos ou gladiadores literários? Na Grosseria da Iluminação788, publicada em 1752, o médico Antônio Isidoro da Nobrega assumiria uma posição intermediária entre os defensores da medicina moderna e da medicina tradicional. Nobrega era formado pela Universidade de Coimbra e ocupava o cargo de Secretário da Sociedade MedicoLusitana. No contexto das polêmicas, havia publicado uma obra intitulada Diálogo Jacoserio, em que dava razão a Verney nas críticas feitas por ele à filosofia peripatética, pois acreditava ser impróprio tratar a física “com especulações e questões intelectuais, sendo o mais acertado mostrar os efeitos da sua causa experimentalmente”.789 Por isso foi atacado pelo padre Francisco Duarte, acusado de um “idiota presumido”. Duarte argumentava que cada uma deveria deixar a cada “profissão” o que lhe “pertencia” e a cada “professor o que lhe tocava”; mas, de acordo com ele, Nobrega acabou se esquecendo desta sua “afectada modéstia”, ao falar de disciplinas as quais desconhecia: Entra pela Teologia, como por sua casa falando tão alto, como vilão em casa de seu sogro; mandando, que se desterre da Teologia o sistema Peripatético, porque com a Filosofia moderna se explicam belamente os Acidentes Eucarísticos, e também a Graça Santificante e os Hábitos790 As poucas páginas utilizadas por Duarte para tecer comentários do Diálogo Jacosério valeram todas as cinquenta páginas da Grosseria da Iluminação, em que Nobrega lhe responde com muita indignação. Segundo ele, Theophilo Cardoso 788 NOBREGA, Antônio Isidoro da. Grosseria da Iluminiacao Apologética, pelo que respeita a uma página da segunda parte, em que seu autor Teofilo Cardoso da Silveira, presumio criticar o Dialogo Jocoserio; notada e descoberta por fulano indiferente. Valensa : Na Oficina de Antonio Balle,1752. 789 NOBREGA, Antônio Isidoro da, Diálogo Jacosério Apud DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p.222. 790 DUARTE, Francisco. Iluminação Apologética, op. cit., parte II, p.109. 206 da Sylveira, pseudônimo utilizado pelo padre Francisco Duarte, “pôs todo o seu esforço, para censurar” e : Vem tão fora de propósito, e traz tanta inverossimilhança, que nela se adverte bem a total ignorância deste nosso pintor, que para fazer iluminações, não sabe meter, nem temperar as cores; antes as destempera na Retórica, Filosofia, e Teologia [...]791 (grifo no original) Critica o Theophilo por se arriscar a falar de uma ciência a qual não estudou apropriadamente: “porque há grande diferença em uma Ciência especulativa, qual é a Teologia” e a “Medicina, que, sendo Ciência prática, deve acompanhar-se o seu estudo com exercício. O que nunca teve, nem tem o senhor Teófilo, e outros semelhantes, que nela se ostentam faladores”.792 Parece que Nobrega procurava propor limites para o alcance dos debates filosóficos no que tange à medicina. Argumentava que aquele que desconhecia as tradições desta profissão e não havia tido a experiência de um médico, não poderia estar habilitado a falar sobre seus métodos. No que dizia respeito à medicina, Isidoro defendia que aqueles que não eram médicos não deveriam se arriscar em uma ciência que não conheciam com propriedade. Sob o pseudônimo de Fulano Indiferente, criticou os “autores que se meteram a dar regras na medicina”, sem nunca a terem praticado. Já que se consideravam “médicos, o Barbadinho, o P. Fr. Arsenio, o P. Lacerda, o P. Modesto, o Philomuso, e os outros mais como R. Teofilo”, também seriam estes “juristas de profissão, porque todos eles falam nestas ciências como se fossem mestres, decidindo, expondo e escrevendo”.793 Como é possível observar, os nomes citados por Isidoro eram todos pseudônimos utilizados nas polêmicas do Verdadeiro Método de Estudar, todos se arriscaram, como Verney, a discutir o ensino da medicina assim como trataram outros assuntos como o Direito, a Física e a Teologia, sem necessariamente possuírem um domínio satisfatório destas ciências. No caso da abordagem do novo método na medicina, Antônio Isidoro da Nobrega posicionara-se como um observador externo diante da “batalha intelectual” entre Verney e seus críticos; criticava os argumentos de ambos os lados, e procurava um equilíbrio entre os polemistas. 791 NOBREGA, Antônio Isidoro da. Grosseria da Iluminiacao, op. cit., p.23. Ibid., p.19. 793 Ibid., p.10. 792 207 Outra polêmica em torno dos métodos utilizados na Medicina portuguesa ocorreu entre João Mendes Sachetti Barbosa e Duarte Rebello de Saldanha. Saquetti Barbosa fez parte da Academia dos Imitadores da Natureza e da Arcadia Lusitana que datam de 1749. Segundo Silva Dias, os debates ocorridos nesta Academia teria sido a segunda grande manifestação de ideias novas depois do Verdadeiro Método de Estudar e dos movimentos da Congregação de S. Filipe Néri (Oratorianos).794 Os estatutos da Academia dos Imitadores da Natureza defendiam que a finalidade de agremiação era o desenvolvimento da medicina seguindo os experimentos práticos e o método experimental racional. Ou seja, tratava-se de promover uma revisão da medicina a partir do olhar moderno, fundamentado na experiência e na observação. Seguindo estes princípios, Sachetti Barbosa publicou, em 1758, uma obra intitulada Considerações Médicas. Sachetti Barboza era um médico de prestígio, membro da Royal Society e da Academia Médica de Madrid. As Considerações Médicas foram publicadas com todas as licenças, e de acordo com qualificador do Santo Oficio, Frei Jozé Malachias, o livro poderia “sair á luz pública, não só de crédito da nação, mas de grande utilidade ao bem público”.795 Sachetti Barboza relata que a partir da experiência do grande terremoto de 1755, passou a refletir sobre um método para curar doenças e epidemias. Após meditar por algum tempo sobre o assunto, afirma que resolveu publicar seu trabalho para o “aumento da Medicina Portuguesa”, a qual segundo ele se encontrava em estado de “decadência” perante as demais nações796. Apoiando-se em importantes médicos portugueses, como Castro e Sarmento e Ribeiro Sanches, Sachetti queria restabelecer o prestígio da profissão de médico e a “extinta glória” da medicina portuguesa para combater a “má opinião com que nos tratam as cortes estrangeiras”.797 Todo o fundamento, dos nossos censores consiste, em que usamos de um método simplicicimo para tudo, e fazemos universal o de leites, soros, e frangãos: que sangramos muito: que purgamos pouco ou nada; e que ignoramos Botanica, Química, e Anatomia. 798 794 DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a Cultura Européia, op. cit., p. 239. Censura do Frei Jozé Malachias. 796 BARBOSA, Sachetti. Considerações Médicas. 1758, p.ii. 797 Ibid., p.xxvii. 798 Ibid., p.xx e xxi. 795 208 Sachetti propõe uma medicina fundamentada na “observação, e sobre uma Filosofia, e Medicina experimental, mecânica, e solida”.799 Defendia que a “verdadeira medicina”, assim como Ribeiro Sanches, deveria ter como base o sistema de Boherhave e ser praticada de acordo com os princípios da filosofia moderna: Pelo método de filosofar do incomparável Newton, que consiste em acomodar a razão aos experimentos; e descobrir as leis da natureza, depois de um suficiente numero de feitos constantes, critica, e logicamente observados, em vez do contrario com que os filósofos, e médicos extravagantes, querem que a natureza se sujeite nas suas obras a nossa razão submergida em trevas, e destituída dos seus melhores instrumentos, como são a Logica, a Critica, A Historia literária, e as Matemáticas Puras, e Mistas com todos os seus aparatos.800 Ponderava que os professores portugueses não deveriam ser responsabilizados pelo estado de decadência da medicina em Portugal, pois o problema se encontrava nas leis e nos estatutos da universidade: “nossos Lentes da Universidade, os quais se defendem Galeno, e Avicena, não é por inabilidade, ou falta de melhor instrução, mas sim por observância da lei, e respeito reverencial aos seus Estatutos”.801 Mais tarde, a obra de Sachetti Barbosa receberia uma crítica do médico da corte Duarte de Rebelo de Saldanha, que publicou uma obra intitulada Ilustração Médica em 1762. Afirma que muitas coisas que foram tratadas pelo Sachetti nas suas Considerações Médicas são enganosas devido a uma falta de reflexão do autor, que deveria examinar melhor as notícias “de fora sugeridas”, antes de as considerar como verdadeiras. Aponta para uma “cega credulidade”, prejudicando a medicina “destes nossos séculos”, pois de hipóteses não pode se extrair “um verdadeiro método de curar”.802 Recomendava muita cautela em relação “os sistemas dos Modernos, que fazem um estrondo muito maior, do que sua utilidade”.803 799 Ibid., p.vii. Ibid., p.iii. 801 Ibid., p.xxvii. 802 Ibid., p.XIV. 803 Ibid., p.405. 800 209 Em seu apoio, foram publicadas algumas cartas de alguns portugueses que apoiavam a causa de Duarte de Rebelo de Saldanha. Nas cartas, encontramos uma avaliação pessoal sobre a obra e a importância de seus argumentos para o bem público. António Soares de Macedo Lobo, por exemplo, fez os seguintes comentários: Eu me persuado que os autores modernos não formaram sistemas, de que não tivesse bastante Idea nos antigos; mas com o estrondoso das suas vozes se fazem inventores de novos sistemas; ainda que não confessem a fonte donde os tiraram.804 Em outra carta defende-se que o autor consegue ser bem sucedido na sua crítica contra os modernos, pois consegue sustentar a “vacilância do sistema de Boerhaave, e da Física de Newton” e o fato de esta, por ser baseada em cálculos, atrações e repulsões, não seria útil à Medicina por ser “hipotética”. Argumenta-se também que saber explicar os fenômenos da medicina pelo “peso de cada um dos corpos, e pelas suas leis” de nada serviriam ao médico.805 [...] tendo certo, que os descobrimentos da física, muito tem contribuído a fazer a sua teoria mais verdadeira, e instrutiva; mas não é crível, que estes tenhão feito alguma mudança no exercício clinico, como é conctante pela particular experiência de cada um dos professores, que a exercita, e só o poderão intentar aqueles, que levando nos seus descobrimentos a vaidade por base, profundão o seu plano mais nas idéias precárias da sua fantasia, que na publica utilidade das ciências806 (grifo nosso) Este grupo de médicos criticava os adeptos da medicina moderna argumentando que estes aderiram cegamente a uma nova proposta de método, desconsiderando outros aspectos importantes no que diz respeito à medicina. Questionava-se o fato de não haver indícios claros e evidentes sobre a “utilidade” deste método para o “exercício clínico”. Defendia-se que os médicos não poderiam simplesmente abandonar os conhecimentos de sua época fazendo tabula rasa sobre as ações e os procedimentos utilizados até então pela medicina no combate às doenças, e que, diante da diversidade das mesmas doenças, só poderiam ser 804 Carta do Doutor Cristovão Vaz. In: SALDANHA, Duarte de Rebelo de. Ilustração Médica. 1762. sem numeração de página. 805 Ibid., p.2. 806 Ibid., p.6. 210 valorizados os conhecimentos adquiridos pela prática e pelo conhecimento deste saber que provinham dos livros e dos tratados da medicina. Para eles, a medicina não poderia ser orientada somente pelos princípios newtonianos, mas deveria ser combinada com a contribuição dos métodos tradicionais. Assim, sustentavam que a Medicina portuguesa não estava em decadência ou seria “inexistente”, conforme argumentava Verney. Talvez o grande legado da física newtoniana para a medicina portuguesa tenha sido permitir examinar e estudar o corpo humano sem ofender aos dogmas religiosos, abrindo-se o campo para a prática da anatomia. Um acesso que fosse moralmente aceito e considerado legítimo para a causa da medicina. De fato, Newton havia provocado uma revolução na maneira de explicar os fenômenos naturais. Acreditava-se que a física newtoniana deveria ser o ponto de partida para o estudo do corpo humano, e conforme já mencionamos, esta ideia apareceria nos novos estatutos do curso de medicina da Universidade de Coimbra: “é a física, tal é a medicina; e reciprocamente qual é a medicina, tal é a física.807 De forma geral, observou-se que, à medida que se intensifica o debate, exigindo novas respostas de cada autor, mais ele se aproxima de uma disputa literária, afastando-se de um debate que poderíamos atualmente chamar de cientifico.808 Mas o que poderia ser considerado “científico”, para o caso do contexto de ideias do século XVIII português? Muito provavelmente Verney responderia que toda a investigação conduzida pelos princípios de seu “verdadeiro método”. De forma geral, a maioria dos ilustrados portugueses considerava ciência tudo que seguisse os princípios newtonianos da observação e experimentação. Mas qual a contribuição da física newtoniana para a medicina? Basicamente, foi essa questão que foi debatida entre alguns médicos portugueses no século XVIII. Para alguns, enquanto não houvesse uma resposta satisfatória para esta pergunta, a tradição não poderia ser descartada. 807 Compendio, op. cit., p.336. Que a rigor, não poderia ser afetado por nenhuma ideologia, mas sim a partir de uma neutralidade objetiva. 808 211 CONCLUSÃO Nesta tese de doutorado foram apresentadas algumas ideias presentes no Verdadeiro Método de Estudar de Luís António Verney e sua relação com o contexto intelectual português do século XVIII. Vimos como esta obra foi construída a partir de uma compilação das principais correntes da “filosofia moderna”809, organizadas de tal forma a propor uma ampla reforma do sistema educacional português. Procuramos mostrar que a ideia de método foi o fio condutor de toda a obra e que ofereceu uma unidade ao amplo conjunto das disciplinas analisadas em cada uma da cartas que constituem o Verdadeiro Método de Estudar (Língua Portuguesa, Gramática, Latinidade, Línguas Orientais, Retórica, Poesia, Lógica, Metafísica, Física, Ética, Medicina, Direito e Teologia). Considerando uso e o significado do termo método como problemática e guiando-se pelo debate em torno deste termo na análise dos documentos, concluímos que a ideia de método é um elemento fundamental para a compreensão das questões fundamentais do contexto intelectual português do século XVIII. Verney era bastante otimista em relação a todo o potencial oferecido pelo universo das Luzes. Ele não utilizou o termo Iluminismo nos escritos que analisamos, somente o termo ”Luzes”, “aluminado”, ou o verbo “aluminar”. Quando estes termos aparecem em seus textos, são utilizados para referenciar o que identificava por “novos tempos”, uma época muito promissora, de muito otimismo, sobre uma nova visão de homem e de natureza. Verney e todos aqueles que simpatizavam com as Luzes acreditavam na capacidade dos homens para se servirem da “luz natural” da razão e dirigir não apenas suas vidas, mas todas as coisas que lhes diziam respeito, incluindo as coisas do estado. Esta percepção otimista em relação às capacidades do homem em conhecer e transformar o mundo a sua volta passava necessariamente pela adoção de um novo método. Procuramos apontar como Verney estava conectado ao ideário Iluminista, sobretudo pela maneira como abraçou o paradigma da física newtoniana como fundamento de toda a sua proposta metodológica. Aderindo aos princípios de alguns 809 A “filosofia moderna”, no contexto do século XVIII, estava associada a um amplo conjunto de ideias que passaram a circular no contexto do Iluminismo, e que foram elaboradas por um grupo de filósofos identificados como “modernos”, como Descartes, Newton e Locke, para citar apenas os mais conhecidos. 212 filósofos como Descartes, Locke e, especialmente, Newton, Verney defendeu a ideia de um novo método e sua superioridade para combater a filosofia escolástica. A disputatio escolástica era definida, principalmente, pelo princípio da autoridade e não se caracterizava por um debate sobre novas ideias, mas sim para a manutenção daquelas consideradas verdadeiras, sempre de acordo com os dogmas da igreja. Procuramos chamar a atenção para o caráter retórico do Verdadeiro Método de Estudar, sobre o seu estilo carregado de ironias, e para a importância do estilo epistolar utilizado na sua elaboração, aspectos que foram fundamentais para a enorme polêmica que a obra causou. Também foram apresentados outros textos - tanto escritos por Verney (incluindo algumas cartas), como escritos por outros portugueses do século XVIII (incluindo alguns documentos publicados no contexto das reformas pombalinas). A partir da análise destes documentos, procuramos apontar para diferentes significados e diferentes usos da ideia de método no contexto intelectual português. No caso específico de Verney, a ideia de um novo método foi utilizada por ele não apenas com um significado epistemológico e filosófico, mas para se referir à necessidade de toda uma renovação cultural. Analisando as reações provocadas por sua obra, tentamos demonstrar como a ideia de método colocou em questão a identidade da cultura portuguesa, a glória da nação e da religião portuguesa, que haviam sido colocados em questão pelas críticas apresentadas no Verdadeiro Método de Estudar. Mostramos diferentes posicionamentos diante do novo método, desde uma forte oposição, passando por uma linha moderada, até uma adesão inconteste. Verney, assim como Pina e Proença e Ribeiro Sanches, criticava o que considerava as disputas inúteis dos escolásticos. Toda a argumentação de Verney em seu Verdadeiro Método de Estudar estava voltada para apresentar o método escolástico como parte de uma cultura arcaica, em descompasso com o que ele considerava novo e moderno. Enquanto seus adversários argumentavam que as ideias contrárias à filosofia escolástica também contrariavam a igreja católica, Verney defendia que não havia conflito entre a filosofia moderna e os dogmas da igreja. Afinal de contas, de acordo com seu sistema de ideias, o método da filosofia moderna também deveria dirigir o conhecimento da Teologia. Verney não estava propondo uma separação entre 213 filosofia e teologia, ao contrário: desde que ela estivesse fundamentada nos princípios da filosofia moderna, a Teologia teria um importante papel de investigação na ciência, a qual possuía como objeto o estudo “das coisas reveladas”, aquelas coisas que Deus quis que nós soubéssemos.810 Verney se colocava como defensor da Teologia moderna que, segundo ele, era a mesma que vinha sendo praticada pelos “doutos” da Europa, dirigida por um método capaz de distinguir os documentos verdadeiros dos falsos, e aqueles que pudessem servir para comprovar as principais decisões na história da igreja. Verney argumentava que os hereges passaram a utilizar do método moderno de pregar e de disputar, o qual, devido a sua superioridade, fez com que eles pudessem “dilatar” a sua religião pelo mundo e, além disso, encontrarem-se mais preparados para disputar com os católicos. Portanto, para Verney, os verdadeiros inimigos de Portugal eram aqueles que impediram a entrada do “novo método”, e a tarefa mais importante para se reformar e restituir o lugar de importância da cultura portuguesa era combater o método antigo, o que levaria inexoravelmente à necessidade de se destruir a filosofia escolástica (peripatética).811 Como mostramos, aqueles que procuraram defender a escolástica acusavam e rotulavam os adeptos da filosofia moderna como seguidores de uma moda, que haviam aderido acriticamente às notícias e ideias vindas de fora. Os inimigos de Verney procuraram defender aquilo que consideravam ser o melhor para Portugal: manter a tradição e a pureza do catolicismo. Os críticos do “novo método” buscavam defender as ideias dos doutores da escolástica, como Tomás de Aquino e Duns Escoto, autores que vinham se impondo há séculos como autoridades. Para críticos do método moderno, não havia razão para abandonar seus doutores para incorporar aquelas ideias, as quais julgavam efêmeras como as modas - pois haviam aparecido em um intervalo relativamente curto de tempo, entre os séculos XVI e XVII. O Iluminismo colocava em questão toda a tradição e defendia uma nova visão de mundo, ou seja, outra forma de pensar o homem e a natureza. A euforia em torno das possibilidades desta nova filosofia, de todo o potencial proporcionado pelo método moderno, ocasionaria alguns exageros, como aconteceu no caso da 810 Para um melhor aprofundamento da discussão sobre a conciliação entre Filosofia e Teologia no pensamento de Verney. Cf. FERREIRA, Breno Ferraz Leal. Contra todos os inimigos. Luís António Verney: historiografia e método crítico (1736-1750). Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História Social. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p.149. 811 Cf. VERNEY, Luís António. Parecer do doutor Apolonio Philomuso Lisboense. 1750, p.93 214 medicina. Alguns autores passaram a questionar a ideia sugerida por Verney de que os médicos deveriam ser antes de tudo bons filósofos - o que de acordo com seu sistema de pensamento significava ser um bom físico; ter domínio das leis da física, dos corpos físicos e da matemática. Vimos como esta ideia foi combatida por alguns médicos portugueses, que apontavam para os limites de aplicação dos princípios da filosofia moderna, especialmente a física newtoniana, para a medicina e a necessidade de se preservar a medicina tradicional. Por meio da adesão ao método moderno, pretendia-se recuperar a gloria da nação e promover uma mudança da mentalidade dos portugueses. Esta nova perspectiva anunciava todo um conjunto de reformas do sistema educacional português. No caso da Universidade de Coimbra, conforme foi estabelecido nos novos Estatutos, a Filosofia e a Matemática tornaram-se pré-requisito para a entrada em todos os cursos oferecidos.812 O método matemático deveria nortear as principais faculdades - a Teologia, o Direito e a Medicina - “trazendo-as para caminho seguro do Método Matemático” (itálico no original) e por tudo “quanto é possível imitá-lo e segui-lo nos diferentes objetos das ditas Ciências”.813 Argumentava-se que a Matemática havia caído em descrédito porque fora infeccionada pelas “sutilezas vãs, e contenciosas dos escolásticos”, por isso procurava-se restituir a esta “tão importante faculdade” o “lugar que merece”. 814 Foi criada a “profissão” de professor de Matemática como uma forma de estimular esta carreira dentro da universidade e evitar a falta de professores desta disciplina.815 D. Francisco de Lemos, responsável por implementar as reformas, fez um balanço dos cinco primeiros anos de funcionamento e apontou para a preocupante falta de estudantes matriculados nos cursos de Filosofia e Matemática. 816 No 812 O Livro III dos novos estatutos da Universidade de Coimbra, composto pelas “ciências naturais e filosóficas”, estava dividido em três partes, a primeira parte sobre a Medicina, a segunda parte sobre o curso de Matemática, e a terceira sobre o Curso Filosófico, que de acordo com os estatutos “consiste na aplicação da Razão a todos os diferentes objetos”. Estatutos, Livro III, 341 813 Estatutos, Livro III, 215. 814 Procurava-se transformá-la em uma “uma Faculdade Maior do ensino público” com as mesmas “honras, insígneas”.Estatutos, Volume III, p.214 e p.216. 815 Nos Estatutos procurou-se tornar a Matemática uma faculdade importante. Estabelecer a Profissão Matemática na Universidade de Coimbra em Corpo de Faculdade” significava uma forma de estimular a carreira de professor de matemática dentro da universidade e evitar a falta de professores desta disciplina. Estatutos, Livro III, 215 816 LEMOS, Francisco de. Relação do Estado Geral da Universidade de Coimbra. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1980, p.84. Os alunos ordinários eram alunos matriculados especificamente no curso de Matemática, os demais eram identificados como obrigados, aqueles que cursavam esta disciplina como pré-requisito e curso preparatório para os cursos de Direito, Teologia, 215 primeiro ano do curso de matemática, matricularam-se oito estudantes; no segundo ano, apenas dois, mas só um apareceu; no terceiro, quatro; e no quinto ano, não se matriculou nenhum. No curso Filosófico, apenas quatro estudantes haviam se matriculado nos cinco primeiros anos. O curso de Direito continuou sendo preferido pelos estudantes portugueses, mas os cursos de Física e Matemática, justamente aqueles que representavam a base do novo método, estavam se arruinando pela falta de alunos, caindo em “estado de abandono”.817 Ora, esta situação pode indicar uma resistência da sociedade portuguesa em incorporar as diretrizes estabelecidas pelos reformistas e, ao mesmo tempo, uma falta de efetividade destas propostas no que tange à importância conferida pelos reformistas ao curso de Matemática e ao curso de Filosofia. Acreditava-se que a sociedade pudesse ser reformada por meio da aplicação de um novo método de ensino como diretriz dos novos estatutos da universidade. Não podemos deixar de apontar a maneira como o caráter utilitário do método experimental seria utilizado como um dos fundamentos dos procedimentos adotados no reino de D. José no governo e na administração do reino. Também não se podem negar os resultados advindos destas reformas educacionais para a modernização do estado português, como por exemplo, na importância do método experimental na atuação de alguns funcionários régios.818 Ao abordarmos o ideário reformista no quinto capítulo, apontamos como a ideia de atraso, construída no reinado joanino, foi fundamental para legitimar as ações políticas encampadas pelo estado no reinado josefino. Foram analisados alguns autores da primeira metade do século XVIII para perceber como eles contribuíram para a construção da ideia de atraso da cultura portuguesa perante as demais potências, especialmente Inglaterra e França. D. Luís da Cunha, Verney e Ribeiro Sanches concordavam sobre a necessidade de se reformar o reino nos setores que consideravam estratégicos, sobretudo a economia, e sobre o papel da igreja e da educação na sociedade portuguesa. Estes autores estavam propondo ideias que acreditavam poder fazer Portugal voltar aos seus tempos de glória. Medicina e Filosofia. Havia ainda os voluntários, que poderiam cursar por curiosidade ou para o “ornamento de seu espírito”.Ibid., p.84. 817 Ibid., p.86. 818 Cf. SANTOS, Antonio Cesar de Almeida Para a instrução dos homens encarregados dos negócios públicos no final do Antigo Regime português. In: Thaïs Nivia de Lima e Fonseca. (Org.). As reformas pombalinas no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011. 216 Analisando por outra perspectiva, não podemos deixar de observar e de nos surpreender quanto ao fato do pequeno reino da península ibérica ter conseguido manter um império tão vasto “longe de sua casa” por tanto tempo. A dimensão imperial não pode ser negligenciada quando pensamos sobre o século XVIII português. Foi justamente este equilíbrio entre o Iluminismo, com toda a sua modernidade, e a necessidade de se manter preso aos laços da tradição que possibilitavam o domínio de todo o seu vasto território de além-mar. Este contraste aponta para uma relação diferente de Portugal com a modernidade, talvez mais conservadora do que em outras partes da Europa, que poderia representar uma variedade do que a historiografia identificou como Iluminismo Católico. Por isso a igreja foi conservada dentro de alguns limites como uma instituição necessária, conforme assinalou Falcon, “queria-se uma cultura moderna, sob a égide do Estado secular, mas sobre uma base espiritual, religiosa”.819 Como uma singularidade do Iluminismo português, apontamos para a maneira peculiar com que a ideia de método foi debatida e discutida em Portugal, cujo ponto mais alto ocorreu nas polêmicas em torno do Verdadeiro Método de Estudar. Porém, o contexto analisado na tese foi mais amplo, envolveu o período anterior à publicação do Verdadeiro Método de Estudar, tendo talvez como referência principal a obra de Martinho de Mendonça Pina e Proença Apontamentos para a educação de um menino nobre (1734), até o período das Reformas da Universidade em 1772. A partir deste contexto procurou-se analisar como a palavra método foi utilizada pelos filósofos e reformadores portugueses para justificar suas propostas de modernização da sociedade portuguesa. Por fim, foi possível perceber que a interpretação histórica elaborada pelos reformistas no período pombalino acabou se tornando um modelo nas abordagens historiográficas sobre o século XVIII em Portugal. O papel que foi dado a Verney na Dedução Cronológica, como “o iluminado Zeloso, que despertou a mocidade portuguesa do letargo, em que estava”, acabou se propagando para muito além do século XVIII, como é possível observar nas abordagens de José Sebastião da Silva Dias, Francisco José Calazans Falcon e Laerte Ramos de Carvalho, para citar 819 FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina, op. cit., p.430. 217 apenas alguns exemplos mais significativos.820 Assim, procurou-se “desencarnar” o discurso verneyano de seu estigma de ruptura, apontando para o seu “exagero” na forma de caracterizar o estado de decadência da sociedade portuguesa do século XVIII. Na medida em que Verney estava propondo um diagnóstico, baseado no seu ponto de vista sobre a realidade europeia, procurou sustentá-lo como um discurso verdadeiro sobre aquela realidade. Procuramos, assim, problematizar e reexaminar a sua eficácia pela forma como seus sucedâneos constataram e declararam como o mais impactante e eficaz discurso sobre o estado de decadência. 820 Cf. DIAS, José Sebastião da Silva. Portugal e a cultura europeia, op. cit. p. 204. FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina, op. cit., p.157 e 323. CARVALHO, Laertes Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública, op. cit., p.60. 218 REFERÊNCIAS FONTES Advertências Criticas e Apologéticas Sobre o juízo, que nas matérias do B. Raymundo Lullo formou o D. Apolonio Philomuso, e comunicou ao público em resposta ao Retrato de Morte-Cor, que contra o autor do Verdadeiro Método de Estudar escreve o Reverendo Doutor Alethophilo Candido de Lacerda. Coimbra, 1752. Alvará de Reforma dos Estudos de 28 de junho de 1759. In: Coleção da Legislação Portuguesa desde a ultima compilação das ordenações, redigida pelo desembargador Antonio Delgado da Silva. Legislação de 1750 a 1762. 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