Considerações sobre a confissão1 Fredie Didier Jr. Professor-adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia (graduação, mestrado e doutorado). Mestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP). Advogado e consultor jurídico. 1 Generalidades. Há confissão quando alguém reconhece a existência de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao do seu adversário (art. 348 do CPC)2-3. Trata-se de uma declaração voluntária de ciência de fato; não se trata de declaração de vontade para a produção de determinado efeito jurídico (não é, pois, um ato negocial). “Quem confessa revela algo a alguém. No étimo de confitere há espelta (trigo inferior), aveia, cevada, o que nos permite ligar a confessio ao contacto no momento da comida, elemento necessário à comunicação íntima e sincera. Quem confessa fala junto, concorda”4. A declaração pode ter por objeto qualquer fato, simples ou jurídico5. A partir deste conceito, é possível extrair os elementos da confissão: a) sujeito declarante (elemento subjetivo); b) vontade para declarar um fato (animus confitendi, elemento intencional); c) fato contrário ao confitente (elemento objetivo). a) O sujeito declarante é a parte. A confissão da parte, porém, pode ser trazida ao processo por um procurador com poderes especiais (ver item abaixo). c) Não é qualquer fato que pode ser objeto de confissão. Para que a confissão exista, é preciso que se trate de fato desfavorável ao confitente e favorável ao adversário; além disso, é pressuposto da confissão que o fato seja próprio e pessoal do confitente, em não de terceiro, quando então haveria testemunho e não confissão6. 1 Escrito em homenagem a Humberto Theodoro Jr. “Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário”. 3 Como bem aponta HUMBERTO THEODORO JR., convém frisar que a confissão tem por objeto um fato, não uma relação jurídica. “É importante a distinção entre o reconhecimento de um fato e o reconhecimento de uma relação jurídica. O primeiro se passa no terreno da prova simplesmente, onde o que se apura é tãosomente uma declaração de ciência (isto é, do conhecimento de um determinado fato); enquanto o segundo se dá no plano negocial, já que representa uma declaração de vontade, tendente a produzir diretamente um efeito jurídico material”. (Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v 3, t. 2, p. 417.) 4 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. 4, p. 316. 5 Em sentido diverso, entendendo que a confissão apenas recai sobre fato jurídico, SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciário no Cível e Comercial. São Paulo: Max Limonad, s/a, v. 2, p. 13; MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 319. 6 FREITAS, Augusto Teixeira de. Anotações às Primeiras Linhas sobre o Processo Civil de Joaquim José Caetano Pereira e Souza. Rio de Janeiro: H. Garnier Livreiro Editor, 1907, nota 473, p. 167. 2 Para que a confissão seja eficaz, é preciso o fato diga respeito a direito disponível e que não exija forma especial para ser provado (instrumento público ou particular) 7. Perceba que, aqui, essas exigências dizem respeito à eficácia da confissão, e não à sua existência8. Declaração de ciência sobre tais fatos não podem ter a eficácia da confissão, mas poderão ser valoradas pelo magistrado, de acordo com o seu livre convencimento. 2 Natureza jurídica. A confissão é um ato jurídico em sentido estrito: ato voluntário de efeitos necessários9 ex vi legis10. Nessa qualidade, não é possível confissão sob condição ou termo11. A confissão não é um negócio jurídico12. A esta constatação é fácil chegar a partir do exame do art. 213 do CC2002, que trata da ineficácia — e, não, invalidade — da confissão feita por quem não poderia dispor dos direitos a ela relacionados. Se a confissão fosse negócio jurídico, estaríamos diante de uma causa de invalidade. O que importa na confissão não é a vontade do confitente de produzir os efeitos jurídicos dela decorrentes, mas sim a exata percepção dos fatos confessados (os efeitos jurídicos da confissão advêm direta e inexoravelmente da lei): a vontade do confitente dirige-se à declaração de um fato e não à produção de um efeito jurídico. A confissão é, enfim, um meio de prova. 7 FREITAS, José Lebre. A confissão no direito probatório, cit., p. 150-152; LIMA, Pires de, VARELA, Antunes. Código Civil Anotado. 4ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1987, v. 1, p. 315; MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, v. 5, t. 2, p. 142; MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 316-317. 8 Ver as características do fato que pode ser confessado em SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciário no Cível e Comercial. São Paulo: Max Limonad, s/a, v. 2, p. 45-49. 9 “A sua eficácia é independente da vontade do que confessa, porque não se trata de negócio jurídico; pode ocorrer ainda que não lhe tenha querido os efeitos o confitente...” (MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 324.) Também assim, GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 17a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 257; GAGLIANO, Pablo Stolze, e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 310 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado. 4a. ed. São Paulo: RT, 1983, t. 3, p. 427; FREITAS, José Lebre. A confissão no direito probatório. Coimbra: Coimbra Editora, 1991, p. 579595; ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial. 5ª ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalía, 1981, t. 1, p. 663-665; ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, s/a, v. 4, t. 1, p. 164; ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Ângela Romera Vera (trad.). Buenos Aires: EJEA, 1955, t. 2, p. 217; MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., v. 5, t. 2, cit., p. 132, nota 50. 10 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3a. ed., t. 4, cit., p. 323. 11 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado, t. 3, cit., p. 428. 12 Sobre o tema, amplamente, FREITAS, José Lebre. A confissão no direito probatório, cit., p. 501-595. Consideram, porém, a confissão um negócio jurídico unilateral, por exemplo, NERY Jr., Nelson, NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 542. 3 Distinções. 3.1 Confissão e reconhecimento do pedido. Exatamente porque a confissão tem por objeto um fato, distingue-se ela do reconhecimento da procedência do pedido. Neste último, o demandado aceita a pretensão (o efeito jurídico) que lhe foi dirigida pelo demandante, conduta que implicará resolução do mérito por autocomposição (art. 269, II, CPC). A confissão recai, como visto, sobre o fato contrário ao interesse do confitente13. O reconhecimento jurídico do pedido é um negócio jurídico14 unilateral dispositivo. É possível confessar um fato e negar as conseqüências jurídicas que a outra parte pretende retirar do fato confessado. Por exemplo: o réu confessa que inscreveu o nome do devedor em um cadastro de proteção de crédito, mas nega que essa sua conduta tenha aptidão de produzir qualquer conseqüência jurídica em favor da parte adversária. Nem sempre que a parte confessa, pois, ela está abdicando, com isso, da possibilidade de vitória no processo; a confissão não vincula o juiz a proferir um “pronunciamento em favor da parte beneficiada com a confissão”15. Não obstante a confissão, o confitente pode ser o vencedor do processo. A confusão é antiga e contaminou a nossa legislação em determinados momentos (ver, por exemplo, o inciso VIII do art. 485 do CPC). O CPC/1939 não fazia a distinção expressamente, o que gerava dúvidas16. Francisco Augusto das Neves e Castro conceituava confissão como “o reconhecimento expresso que a parte faz do direito da parte contrária, ou da verdade do fato por esta alegado”.17 A origem dão baralhamento conceitual remonta ao direito romano, em que se distinguiam a confessio in iure (feita perante o pretor, antes da instauração do processo para julgar a actio) e a confessio in iudicio (feita perante o iudex, já no desenvolvimento probatório para julgar a actio). “A primeira correspondendo ao reconhecimento pelo réu da pretensão (Anspruch) do autor, e a segunda, dizendo respeito, apenas, aos fatos sobre que se funda a pretensão. Ambas as confissões são irrevogáveis e têm a natureza de atos dispositivos, a primeira, como condenação pronunciada contra si mesmo, a segunda como renúncia à prova. (...) O legislador da ordenação processual civil alemã, ZPO de 1877, acolheu as duas espécies de confissão...., dando à confessio in iure, que tem por objeto a pretensão do autor, uma nova denominação: chamou-a de reconhecimento (Anerkenntnis)” 18. 13 Sobre a distinção, com amplas referências, MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Reconhecimento do pedido”. Direito processual civil – ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 95, especialmente a nota 2. 14 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2000, v. 2, p. n. 311, “f”, p. 595 15 COSTA, Moacyr Lobo da. Confissão e reconhecimento do pedido. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 4. 16 MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Reconhecimento do pedido”, cit., p. 100 e segs. 17 CASTRO, Francisco Augusto das Neves. Teoria das provas e suas aplicações aos atos civis. 2ª ed. Campinas: Servanda, 2000, p. 121. 18 COSTA, Moacyr Lobo da. Confissão e reconhecimento do pedido, cit., p. 3. 3.2 Confissão e admissão. Cumpre diferenciar a confissão da admissão. Essa distinção tem assento, basicamente, na idéia de que a confissão é conduta positiva (comissiva) da parte, enquanto a admissão decorre de omissão sua. “Efetivamente, o que se observa em termos diferenciais entre a admissão e a confissão é exatamente a conduta ativa do confitente — que pratica atos, declara a ciência de um fato — e passiva da admissão — onde simplesmente o que ocorre é que a parte deixa de, em momento oportuno, contestar a verdade de fato afirmado pela parte adversária”19. O procurador judicial da parte não pode apresentar a confissão da parte sem poder especial para tanto, mas pode admitir. “Em verdade, a distinção atinge enorme relevância, tanto que vem expressa mesmo pelo próprio CPC (art. 334, II e III). A lei atribui a cada uma de tais figuras diversas conseqüências jurídicas, a iniciar pelas próprias exceções estatuídas no parágrafo único do art. 302 do CPC, casos em que o silêncio da defesa não importa em admissão (causas estas que não encontram similar em termos de confissão”20. Partindo de premissas um tanto diversas, pois considera possível a admissão expressa, HERNANDO DEVIS ECHANDÍA traz as seguintes características distintivas entre a confissão e a admissão, que podem auxiliar a compreensão do tema: a) o fato admitido deve ter sido alegado pela parte contrária, o que não ocorre com a confissão; b) a admissão é sempre espontânea, enquanto a confissão pode ser provocada; c) a admissão somente pode ocorrer no processo; a confissão pode ser extrajudicial21. 4 Espécies de confissão. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, conforme tenha sido produzida em juízo, de acordo os modos admitidos em lei, ou fora dele. A confissão espontânea é aquela que surge por iniciativa do próprio confitente; a confissão provocada é a que resultado do depoimento pessoal da parte (arts. 342-343 do CPC). Quando a confissão espontânea é apresentada por petição, o escrivão lavrará o respectivo termo nos autos. O art. 349 do CPC cuida do tema: “A confissão judicial pode ser espontânea ou provocada. Da confissão espontânea, tanto que requerida pela parte, se lavrará o respectivo termo nos autos; a confissão provocada constará do depoimento pessoal prestado pela parte”. A confissão pode ser real, que é aquela efetivamente feita pelo confitente, oralmente ou por escrito, ou ficta, que é a que se reputa ocorrida, embora se saiba que de fato não ocorreu, em razão da revelia, do não-comparecimento ao depoimento pessoal 19 MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2001, p. 347. 20 MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2001, p. 347. 21 ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial, t. 1, cit., p. 644-645. (art. 343, § 1º, CPC) ou da recusa a depor em caso de a parte, intimada, ter comparecido à audiência (art. 343, § 1º, CPC). Perceba que a confissão ficta se trata de verdadeira ficção jurídica: embora saiba que não ocorreu (não houve a confissão), o legislador o considera como ocorrido. A confissão, como dito, pode ser oral; nessa hipótese, só terá eficácia nos casos em que a lei não exija prova literal (art. 353, par. ún., CPC). A menção à confissão verbal deve ser entendida como à confissão extrajudicial, pois a confissão verbal feita em juízo será reduzida a termo. A confissão verbal extrajudicial é permitida, mas deverá ser provada por testemunho. Sucede que, às vezes, a prova testemunhal não é permitida ou é limitada (art. 227 do CC, por exemplo), exigindo o legislador a prova literal. É preciso, então, relacionar o parágrafo único do art. 353 do CPC às regras que exigem a prova escrita22. A confissão é simples quando se restringe à declaração de ciência do fato contrário ao confitente; é qualificada, quando o confitente nega os efeitos jurídicos que a parte adversária pretende obter do fato confessado; complexa, quando o confitente trouxer ao processo fatos novos23. 5 Eficácia da confissão. A confissão é ato jurídico que produz efeitos processuais importantes. a) A confissão implica abdicação do direito de a parte produzir prova sobre o fato confessado. Quem confessa não pode, depois, pedir a produção de meio de prova cujo objetivo é provar a ocorrência ou não ocorrência do fato confessado. Trata-se de efeito jurídico que decorre do princípio da boa-fé processual, revelado na garantia de proibição do comportamento contraditório (proibição do venire contra factum proprium). Não é necessário que esse efeito tenha sido desejado, pois, com visto, a confissão não é negócio jurídico e o erro de direito não permite a invalidação da confissão. Como se trata de conduta determinante, não produz efeitos em relação aos demais litisconsortes do confitente (art. 350 do CPC). Se o litisconsórcio for unitário, a confissão somente poderá produzir algum efeito se todos os litisconsortes confessarem; perceba que, no litisconsórcio simples, a confissão prejudica o confitente. b) A parte adversária ao confitente fica liberada do ônus da prova dos fatos que afirmou, por força do art. 334, II, do CPC, que dispensa a prova do fato confessado. 22 Percebeu o ponto, MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit.,p. 316; MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, v. 5, t. 2, p. 168. 23 FREITAS, José Lebre de. A confissão no direito probatório, cit., p. 205-208; MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, v. 5, t. 2, p. 170-171; COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI, Corrado, TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 2ª ed. Bologna: Il Mulino, 1998, p. 544. Há variações doutrinárias sobre essa classificação, como, por exemplo, o posicionamento de MONIZ DE A RAGÃO, que considera qualificada “a confissão a que o confitente acrescenta fatos que lhe são favoráveis e, contrapostos ao fato constitutivo do pedido, em parte tornam ineficaz a admissão”, e complexa aquela em que o “confitente acrescenta fatos que são por lei considerados impeditivos, modificativos ou extintivos” (Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, s/a, v. 4, t. 1, p. 185). c) A confissão, porém, não vincula o magistrado, que, em razão do princípio do livre convencimento motivado (art. 131, CPC), examinar a confissão como qualquer outro meio de prova, dando-lhe o valor que, no caso, entender adequado. Não se trata de prova plena, que impede a apreciação in concreto do conjunto probatório24-25. Ademais, o magistrado pode valer-se da regra do art. 129 do CPC, e repelir a simulação das partes, que muitas vezes se esconde no depoimento confessório26. “A confissão não afasta, de modo absoluto, o livre convencimento do juiz. (...) Se ela se faz com declaração de fatos que foram alegados pela outra parte, mas em verdade são inveridicamente enunciados na confissão, seria absurdo que se obrigasse o juiz a julgar erroneamente, tanto mais quando pode ter havido erro, dolo ou coação, sem que a parte propusesse a ação de anulação”.27 Como visto, a confissão não é um negócio jurídico, mas a declaração de ciência de um fato. É exatamente por isso que o magistrado pode não dar à confissão a eficácia probatória que lhe é típica. Essa é a interpretação correta que se deve dar ao art. 350 do CPC: “A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes”28. É inegável, porém, que o magistrado deverá, em sua fundamentação, expor as razões pelas quais não reconheceu eficácia à confissão, demonstrando, com os demais elementos probatórios constantes dos autos, a não ocorrência do fato confessado. Se não é prova legal, obstáculo intransponível, ao menos a confissão apresenta-se como uma baliza para a apreciação da prova pelo magistrado: o juiz não pode ignorá-la, se quiser não lhe emprestar a sua eficácia típica. d) O art. 353 do CPC, assim está escrito: “A confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz”. A primeira impressão que uma leitura apressada do dispositivo poderia causar é a de que somente a confissão extrajudicial, feita a terceiro ou contida em testamento, poderia ser apreciada livremente pelo magistrado. A confissão judicial e a extrajudicial apresentada 24 Neste sentido, MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 316; ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, s/a, v. 4, t. 1, p. 164; MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., v. 5, t. 2, cit., p. 121-122. 25 Em sentido diverso, entendendo que a confissão vincula o magistrado, SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v. 4, p. 105-107; SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de Processo Civil. 5ª ed. São Paulo: RT, 2000, v. 1, p. 368-36; MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1974, v. 1, p. 200; ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Ângela Romera Vera (trad.). Buenos Aires: EJEA, 1955, t. 2, p. 216. 26 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 318. 27 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 316. 28 Veja, por exemplo, como é diferente a redação do art. 358, 1, do Código Civil Português, em que se ressalta a natureza de prova legal da confissão: “A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente”. ao juízo vinculariam o magistrado. Não é essa, como visto, a melhor opção hermenêutica. Qualquer confissão poderá ser apreciada livremente pelo órgão judicial. No entanto, é possível afirmar que apenas a confissão judicial ou a extrajudicial feita à parte ou a quem a represente estão aptas a produzir os efeitos típicos da confissão examinados neste item; a confissão extrajudicial contida em testamento ou dirigida a terceiro, verbalmente ou por escrito, será examinada livremente pelo magistrado, mas não produzirá os efeitos típicos do depoimento confessório; são, então, denominadas de confissões impróprias29. 6 Ineficácia da confissão de quem não pode dispor dos direitos relacionados aos fatos confessados. A lei tratou expressamente da eficácia da confissão feita por quem não poderia dispor dos direitos relacionados aos fatos confessados; ou seja, da confissão feita por incapaz. Trata-se do art. 213 do Código Civil: Art. 213. “Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados30. Parágrafo único. Se feita a confissão por um representante, somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado”. É importante frisar que a lei, exatamente por não se referir à validade da confissão, apenas impede que a declaração de ciência do fato adquira o status de confissão, com os efeitos legais dela decorrentes (arts. 334, II, e 350, ambos do CPC). Não se invalida a confissão por incapacidade; só se retira desta declaração a eficácia da confissão. Confira-se o caso da confissão relacionada a direitos que não podem ser renunciados. A declaração de ciência do fato feita por incapaz, por exemplo, não pode assumir a natureza de confissão, mas pode ser valorada pelo magistrado de acordo com o seu livre convencimento. Apenas não se lhe pode dar eficácia confessória; trata-se de impedimento legal de eficácia, restrito, portanto e por óbvio, ao plano da eficácia do ato jurídico. Bem o disse PONTES DE MIRANDA: “A indisponibilidade pode ser discutida; e discutida, de ordinário, é a relação jurídica que supõe a disponibilidade. Se a parte confessa o fato, que atingiria tal direito, de modo nenhum se há de acolher a eficácia confessória da comunicação de conhecimento, que fez a parte”31. Muito a propósito — e excelente como parâmetro interpretativo — o dispositivo do art. 361 do Código Civil português (eis a rubrica do artigo: “valor do reconhecimento não confessório”): “O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará 29 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., v. 5, t. 2, cit., p. 167. 30 “A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o fato confessado se refira” (Código Civil português, art. 352, 1). 31 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 328. livremente”32. E arremata PONTES DE MIRANDA: “Se a parte não pode confessar sobre o fato, o que ela disse pode ser apreciado como comunicação de conhecimento sem se poder cogitar de confissão”33. Permite-se, contudo, a admissão do fato (reconhecimento tácito)34. Cumpre advertir, ainda, que o art. 213 do CC-2002 não menciona a expressão “direitos indisponíveis”, como o fez o art. 351 do CPC-73, que, no caso, se encontra totalmente revogado pela nova legislação. Um bom exemplo de confissão ineficaz é a do cônjuge, em relação a fatos que digam respeito a direitos reais imobiliários, que somente pode produzir efeitos com o consentimento do outro (art. 350, par. ún., do CPC). Esse dispositivo não se aplica aos cônjuges casados em regime de separação absoluta de bens (art. 1.647, caput, CC-2002). Pois bem. Não é o caso de invalidar-se a declaração do incapaz de confessar, mas tão-somente de não lhe atribuir os efeitos jurídicos típicos da confissão, repita-se35. Essa peculiaridade serve como mais um argumento contra a tese de que a confissão é negócio jurídico: se fosse o caso, a declaração seria inválida, por força do art. 166, I, do CC-2002. 7 A eficácia da confissão por representante. Regulou o legislador, por fim, a confissão feita por representante, delimitando os seus efeitos (art. 213 do CC-2002 c/c art. 349, par. ún., CPC). Só é possível a confissão espontânea feita por representante36. Quem confessa é o representado; o representante apresentará a confissão espontânea ao magistrado: o representante é “mero condutor da manifestação de vontade declarada pelo real confitente”37. É preciso que o representante tenha poder especial para tanto (art. 38 do CPC c/c art. 349, par. ún., CPC). Na outorga do poder especial, deve o confitente indicar quais os fatos cuja confissão o representante apresentará em juízo38. 32 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA dão os seguintes exemplos em que pode ter lugar a aplicação deste art. 361 do Código Civil português: a) confissão feita por incapaz ou por quem não tenha poderes de disposição; b) fatos relativos a direitos indisponíveis; c) confissão de litisconsorte. (Código Civil Anotado. 4a ed., cit., p. 320) 33 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 318. 34 “(...) isto não implica dizer que não é viável a admissão, neste tipo de causa, pela parte, da verdade de um fato prejudicial a esta e favorável à parte adversária. Apenas significa que esta admissão não tem força de confissão; não gera, portanto, aqueles efeitos vinculativos. (...) Enfim, o que a norma impossibilita, é que a declaração da parte possa ensejar a renúncia aos demais meios de prova, ou mesmo a vinculação dela à verdade de um fato. Não se afeta, por evidente, o componente lógico da ‘confissão’, permitindo-se, assim, que o juiz se valha desta declaração para formar seu convencimento a respeito dos fatos que sustentam a afirmação de um direito”. (MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., v. 5, t. 2, cit., p. 140-141) No mesmo sentido, MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de, Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 328. 35 Em sentido contrário, afirmando que “não vale a confissão feita pelo absolutamente incapaz”, MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 327. 36 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., v. 5, t. 2, cit., p. 128-129. 37 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., v. 5, t. 2, cit., p. 128. 38 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 322. O legislador deixa claro que a confissão feita por procurador sem poder especial é ineficaz como confissão (art. 116 c/c o art. 213 do CC-2002), mas pode ser levada em consideração pelo magistrado (art. 131 do CPC), bem como pode ser ratificada posteriormente39. Não se trata — a confissão feita por representante sem poder especial para tanto — de ato nulo nem anulável; é ato jurídico que vale e é eficaz apenas em relação ao representante40. “Mas para ser eficaz, para que assim o negócio representativo surta efeito como tal, há-de concorrer um outro pressuposto, que é ter a pessoa que age em veste de representante os necessários poderes de representação (legitimação ou autorização representativa (...) Se exorbita dos seus poderes (se procede ultra fines), faltando-lhe poderes de representação para o negócio realizado, muito embora os tivesse para outro ou outros, sempre o negócio em questão resultará ineficaz, relativamente ao representado”.41 Cumpre lembrar, ainda, que o representante legal de incapaz não pode confessar fato que diga respeito ao representado42. 8 Irrevogabilidade da confissão. A legislação processual menciona a possibilidade de revogação da confissão (art. 352 do CPC). Trata-se de erro técnico; as hipóteses previstas como de revogação são, na verdade, de invalidação43. O art. 214 do Código Civil corrigiu o problema, referindo-se expressamente à possibilidade de invalidação da confissão, e, não, de sua revogação. A confissão é irrevogável — exatamente pela sua natureza não negocial. “Não é dado a quem confessa um fato relevante para a solução do litígio, arrepender-se da informação dada, ou reconsiderar a versão fática nela contida. Não tem ele o direto de contestar a própria confissão”44. “A limitação da retratabilidade é elemento conceptual da confissão: não seria meio de prova se fôsse sempre possível a retratação”.45 39 “A confissão feita pelo procurador sem poder especial para confessar é ineficaz; pode dar-se a ratificação, pós-eficacizando-se”. (MIRANDA. Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 327). 40 “A descoberta do conceito de ineficácia pelos juristas alemães, no fim do século passado, tornou evidente e pacífico perante a doutrina moderna que o contrato celebrado pelo mandatário sem poderes não é inexistente, nulo, nem anulável: é um contrato existente e eficaz entre as partes contratantes e apenas INOPONÍVEL ao mandante”. (CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Falhas no Anteprojeto de Código Civil. 2a. ed. Rio de Janeiro: s/e, 1974, p. 103, grifos do original.) Percebeu que a outorga de poder especial ao representante é uma questão de eficácia da confissão, e não de sua validade, ECHANDÍA, Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial, t. 1, cit., p. 623. 41 ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria Geral da Relação Jurídica. 8a. reimpressão. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, v. 2, p. 302. 42 THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código Civil, v 3, t. 2, cit., p. 425. 43 Curiosamente, embora se referisse à revogação, mencionava o CPC-73 a ação de anulação no inciso I do art. 352, confirmando o baralhamento dos conceitos. 44 THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código Civil, v 3, t. 2, cit., p. 426. 45 MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Tratado de direito privado, 4a. ed., t. 3, cit., p. 428. Invalidação não se confunde com revogação. Precisa a lição de PONTES DE MIRANDA: “Existe o princípio da irrevogabilidade da confissão. A expressão ´revogada´, que aparece no art. 352, bem como noutros Códigos estrangeiros, é errônea. Dever-se-ia falar de invalidação, de ação de anulação. Não há retirada da vox; o que acontece é que o erro, o dolo ou a coação deu causa à anulabilidade por ação de invalidade do ato confessório, ou por ação rescisória da sentença. Que em tal confissão se fundou, quer tenha sido o único, ou um dos fundamentos. (...) A confissão é definida no art. 348 como declaração da ´verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário´, e não como declaração de vontade, que se pudesse revogar. A parte quis confessar, mas a confissão é de conteúdo de comunicação de fato, de conhecimento, e não de vontade. Pode ter ocorrido que ela quis confessar, mas errou, por ter tido como verdade o que não era. Ou que ela quis confessar e houve dolo, que a levou a isso. Ou que ela, sob violência, declarou o que não queria declarar: houve manifestação de vontade, mas atingida pela regra jurídica da invalidade, e o que se busca não é a retirada da vox, mas sim a anulação de todo o ato, ou a rescisão da sentença que se fundou em tal ato”.46 A confissão pode ser anulada. Vejamos como. 9 Invalidação da confissão. 9.1 Generalidades. A confissão pode ser invalidada em razão de erro de fato ou de coação (art. 214 do CC-2002). Os meios de anulação da confissão judicial estão regulados pelo CPC, e dependem da existência de coisa julgada: a) ação anulatória (art. 486 do CPC), se ainda pender o processo em que feita a confissão; b) ação rescisória (art. 485, CPC), se já houver transitado em julgado a decisão nela baseada. No caso de confissão extrajudicial, a anulação dar-se-á por meio da ação anulatória, simplesmente. Deve-se lembrar que a confissão extrajudicial pode produzir os mesmos efeitos da judicial (art. 353, primeira parte, do CPC-73), o que revela a possível utilidade de sua invalidação. “O pleito anulatório reclama a instauração de uma nova ação. Não pode o interessado provocar o exame do vício de consentimento em argüição avulsa dentro do processo em que a confissão se deu. (...) Evidenciado o caráter prejudicial da causa anulatória, cabível será a suspensão do processo anterior, se ainda não foi sentenciado (CPC, art. 265, IV, a), ou, conforme o estágio das duas causas, a 46 Comentários ao Código de Processo Civil. 3a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v. 4, p. 323. No mesmo sentido, ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 3a ed. São Paulo: RT, 2000, p. 80. reunião dos dois feitos, por conexão, a fim de serem julgados por sentença conjunta (CPC, at. 105)”47. 9.2 Impossibilidade de invalidação da confissão por dolo. Acolhendo sugestões doutrinárias, bem como em consonância com o direito estrangeiro48, o legislador do novo Código Civil eliminou a possibilidade de invalidação da confissão por dolo, que estava prevista no art. 352 do CPC, que, no particular, está revogado49. Fê-lo muito bem. Somente se justifica a invalidação da confissão por erro de fato (que é o objeto da declaração de ciência) e a coação, que “provoca uma declaração não querida pelo agente, já que aconteceu apenas em razão da grave e injusta ameaça do coator”.50 De fato, o dolo somente é relevante para o direito privado enquanto tenha sido capaz de levar outrem a erro. A circunstância de o confitente declarar o fato por dolo de outrem somente tem relevância jurídica, para fins de invalidação, se o dolo tiver sido apto a gerar erro. Se houve dolo, mas não houve erro, não se pode invalidar a confissão. Eis a razão pela qual se preferiu a expressão “erro de fato”, como síntese da hipótese de invalidade: o que importa é a falsa percepção da realidade; se o erro foi espontâneo ou provocado, pouco importa. Como afirma HUMBERTO THEODORO JR., “o dolo quase sempre importará a astúcia para induzir a parte a confessar o fato contrário a seu interesse, mas não necessariamente inverídico”; “por ter enganado a parte e ter-lhe provocado um prejuízo, o autor do dolo terá de indenizar a vítima de sua artimanha”.51 Do mesmo modo, não importa que o confitente tenha confessado por dolo (imaginando lucrar algo com a sua confissão, por exemplo). O motivo é irrelevante para a confissão, o que importa é o fato confessado. E, além disso, se o dolo tem por fim o erro, “como se poderá dizer iludido sobre a veracidade dos fatos quem sobre sua falsidade não tinha ilusão alguma?”52 Resumiram o tema MARINONI e ARENHART, apontando, à época, a necessidade de alteração do nosso sistema: “Pois, no campo da confissão, a mesma idéia se apresenta. O dolo indução por terceiro a uma declaração de forma alguma pode constituir elemento suficiente para ensejar a anulação da confissão obtida, salvo quando lograr gerar erro na vontade do confitente. É bom lembrar que a confissão 47 THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 3, t. 2, p. 429. 48 Art. 2.732 do Código Civil italiano: “A confissão não pode ser revogada se não se prova que foi determinada por erro de fato ou violência”. (La confessione (1324) non può essere revocata se non si prova che è stata determinata da errore di fatto (1.428 ss.) ou da violenza (1.434, 1.435)”. 49 Em sentido contrário, admitindo a invalidação da confissão por dolo, CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, v. 1, p. 414-415; NERY Jr., Nelson, NERY, Rosa. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 544. 50 THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código Civil, v. 3, t. 2, cit., p. 428. 51 THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código Civil, v. 3, t. 2, cit., p. 428. 52 COSTA, Alfredo de Araújo Lopes da. Direito processual civil. 2a ed. Rio de Janeiro: José Kofino editor, 1947, v. 2, p. 279. provocada, em essência, não deixa de ser, muitas vezes, uma forma de se obter a confissão de alguém por meio de expediente astucioso, capaz de determinar que alguém pratique ato (declaração de ciência), prejudicial a si e favorável a outrem”. “Equivocado, portanto, pensar que o dolo pode ter alguma relevância, para atingir a anulação da confissão obtida. Apenas quando este dolo foi hábil a gerar erro no confitente, determinando-lhe falsa percepção da realidade, é que verdadeiramente se poderá anular o ato”. (...) “De outra parte, a possibilidade de se invocar o dolo quanto ao motivo do ato, é questão absolutamente impertinente em matéria de confissão; nesta, já se disse, o motivo que faz com que a parte confesse é totalmente irrelevante e despiciendo, bastando o fato objetivo da confissão”.53 9.3 O erro de fato como causa de invalidação. Menciona o CPC-73 a possibilidade de invalidação da confissão por erro. Como não havia especificação quanto ao tipo de erro, se de fato ou de direito, especulava-se na doutrina a possibilidade de anulação deste ato jurídico por ambas as espécies de erro, inclusive o de direito54-55. O art. 214 do CC-2002 menciona apenas a possibilidade de invalidação da confissão por erro de fato; ao reproduzir o art. 2.732 do CC Italiano, o legislador pôs fim à controvérsia, consagrando a posição da maioria (“quase sem opositores”)56: só é possível invalidar-se a confissão se houver erro de fato. Seguiu, assim, a linha da tradição de nosso Direito de admitir a invalidação da confissão apenas por erro de fato57. Corrigiuse, portanto, a omissão do texto do CPC-73. As razões são muito simples e vêm sendo repetidas pelos autores desde a época em que se fazia a exegese das Ordenações do Reino de Portugal: a) a confissão é a declaração de ciência de um fato, e não um reconhecimento de incidência da hipótese 53 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, v. 5, t. 2, p. 147-149. Também neste sentido, COSTA, Alfredo de Araújo Lopes da. Direito processual civil. 2a ed. Rio de Janeiro: José Kofino editor, 1947, v. 2, p. 279. 54 Sobre a discussão, com a exposição dos adeptos deste ou daquele posicionamento, ver amplamente SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial. São Paulo: Max Limonad, s/a, v. 2, p. 289-293. 55 “Ocorre erro de fato quando o agente ignora ou se engana sobre a realização dos fatos, cuja existência é necessária à formação da relação de direito; ocorre erro de direito quando, sem embargo da ciência dos fatos, o agente ignora a eficácia que a lei lhes atribui de produzir um efeito de direito”. (AMARAL SANTOS, Prova Judiciária no Cível e Comercial, p. 289-290) 56 Expressão de SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial, cit., p. 290. PESTANA DE AGUIAR entendia possível anulação de confissão por erro de direito, e até mesmo elogiava a redação do CPC-73, pois dava margem a interpretações neste sentido: Comentários ao Código de Processo Civil. 2a. ed. São Paulo: RT, 1977, v. 4, p. 153. 57 Art. 231, CPC-39. “A confissão produzirá efeitos em relação apenas ao confitente e a seus herdeiros e não prejudicará os litisconsortes, podendo ser retratada por erro de fato até o julgamento definitivo da causa, ou, em qualquer tempo, em ação direta, quando obtida por dolo ou violência”. Também neste sentido: art. 157, Regulamento 737/1850; art. 257, Código de Processo Civil de Pernambuco; art. 169, Código de Processo Civil do Estado da Bahia; art. 281 do Código de São Paulo; art. 270 do Código de Minas Gerais. normativa no suporte fático concreto; b) o erro de direito não destrói a verdade do fato, não podendo desfazer a prova feita pela confissão, pois o fato confessado não deixa de ser existente porque o confitente desconhecia as suas conseqüências jurídicas58; c) tratarse-ia de verdadeira contradictio in addiecto, pois se de confissão se trata, não é possível haver erro de direito59; d) o erro de direito somente é relevante para a invalidação do ato jurídico quando, não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico (art. 139, III, CC-2002);60 assim, como são irrelevantes os motivos da confissão, conforme visto em item precedente, não se poderia invalidar este ato jurídico por erro de direito61 —e, ademais, a confissão não é negócio jurídico. 10 Indivisibilidade da confissão62. A confissão é indivisível, assim dispõe o art. 354 do CPC: “A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável”. Como bem explica OVÍDIO BAPTISTA, “não se trata propriamente de indivisibilidade da confissão, mas do depoimento ou declaração prestada pela parte que contenha uma confissão. As declarações desfavoráveis ao adversário do confitente, por definição, não podem ser consideradas confissões”63. AMARAL SANTOS vai além: o adversário do confitente, para aproveitar-se da prova que “lhe é fornecida na parte que é desfavorável ao declarante, deverá também admitir como verdadeiras as declarações na parte que ao declarante favorecem”64. Será possível cindir o depoimento confessório, porém, quando o confitente aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção (art. 354, fine, CPC). Trata-se da chamada confissão complexa (confissão qualificada é incindível), em que o confitente, além de confessar, agrega fato novo ao processo, capaz de ensejar defesa de direito material ou a propositura de reconvenção. Eis um exemplo trazido por AMARAL SANTOS: a) na contestação, alega o réu que nada deve ao autor; no depoimento pessoal, confessa o fato constitutivo do direito do autor, mas alega o pagamento (fato novo); “neste caso, a confissão é cindível, para valer como prova contra o confitente, desprezada a circunstância do fato novo aditado” 65. 58 SANTOS, Moacyr Amaral, Prova Judiciária no Cível e Comercial, p. 292. Lição de Diana trazida por AMARAL SANTOS, Moacyr. Comentários ao Código de Processo Civil. 5a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, v. 4, p. 112-113. 60 O CC-2002 consagrou o entendimento doutrinário de que é possível o erro de direito levar à anulação de negócio jurídico, restringindo, como já o fazia a doutrina, a hipótese de cabimento do pleito invalidante. Sobre o tratamento do erro de direito no novo Código Civil Brasileiro, ver, com ampla fundamentação, ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do projeto de Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 54, nota 14. 61 MARINONI, Luiz Guilherme, e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil, 1ª ed., v. 5, t. 1, cit., p. 371. 62 Sobre o histórico do problema, amplamente, FREITAS, José Lebre de. A confissão no direito probatório, cit., p. 197-231. 63 Curso de Processo Civil, v. 1, cit., p. 370. Em sentido semelhante, MIRANDA, Francisco Cavalcante Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, t. 4, cit., p. 336-337. 64 Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, cit., p. 118. No mesmo sentido, MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2005, v. 5, t. 2, p. 170. 65 Comentários ao Código de Processo Civil, v. 4, cit., p. 119. 59