PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DO CURSO DE DIREITO DAS
FACULDADES INTEGRADAS DE TRÊS LAGOAS - AEMS
10
ANO 10 - Nº 01 - ISSN 1518 9783 - JANEIRO A DEZEMBRO DE 2010
PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DO CURSO DE DIREITO DAS
FACULDADES INTEGRADAS DE TRÊS LAGOAS - AEMS
10
ANO 10 - Nº 01 - ISSN 1518 9783 - JANEIRO A DEZEMBRO DE 2010
Instituição mantida por
Associação de Ensino e
Cultura de Mato Grosso do Sul
DIRETORA GERAL
Profª. Maria Lúcia Atique Gabriel
EDITOR DE PUBLICAÇÕES
Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Martins
DIRETOR ACADÊMICO
Prof. Edmo Gabriel
PLANEJAMENTO VISUAL E
GRÁFICO
Bruno Sperigone da Silva
César de Mello Bechara
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Prof. Me. Paulo César Ferreira
Profa. Me. Meire Cristina Queiroz
Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Martins
REVISÃO
Msc. Profa. Sara Asseis de Brito
Direito e Sociedade - Três Lagoas - MS
Ano 10/n.1.p. 1-183 Jan. - Dez./2010
ISSN 1518-9783
Periodicamente Anual
Tiragem: 1500
CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Andréia Regia Nogueira Rego - AEMS
Profa. Dra. Carla Fernanda de Marco - AEMS
Prof. Me. Paulo César Ferreira - AEMS
Profa. Me. Meire Cristina Queiroz – AEMS/UNITOLEDO
Prof. Dr. Paulo César Ribeiro Martins – AEMS/UEMS/FIPAR
Prof. Me. Luiz Renato Telles Otaviano - UFMS
Prof. Me. Evandro Carlos Garcia - UFMS
Prof. Dr. Plínio A. B. Gentil – PUC-SP/UNITOLEDO
Prof. Dr. Germano André Doederlein Schwartz - ESADE
Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues – UNISC/UPF
Prof. Me. Isael Jose Santana - UEMS
Prof. Me. Mário Lúcio Garcez Calil - UEMS
Endereço para correspondência:
Av. Ponta Porã, 2750 - Distrito Indústrial Três Lagoas - MS - CEP 79610-320
Site: http://www.aems.edu.br - Telefone: (67) 2105 6060
APRESENTA‚ÌO
Esta edição da Revista Direito e Sociedade privilegiou a publicação de
artigos elaborados por alunos do Curso de Direito das Faculdades Integradas
de Três Lagoas, mantida pela Associação de Ensino e Cultura de Mato Grosso
do Sul e representa importante momento de amadurecimento da iniciação
científica desta Instituição. Aliada a esta publicação, ressalte-se a realização
do III ECEJUR, Encontro Científicos dos Estudantes de Cursos de Direito do
Estado de Mato Grosso do Sul, que ocorreu em outubro de 2009.
Segue-se assim a nova proposta pedagógica, voltada para a maior
participação ativa dos acadêmicos, em consonância com um dos pilares da
Carta das Naçõess Unidas para a Educação, que recomenda a ênfase na habilidade de aprender a aprender. Coerente com o projeto pedagógico do Curso e
da Instituição, foram apresentados artigos sobre função social do direito,
publicidade enganosa, justiça terapeutica, a responsabilidade civil ambiental e
neoconstitucionalismo na justiça brasileira.
Portanto, em mais uma oportunidade os Acadêmicos do Curso de
Direito demonstram seus primeiros passos na investigação científica e o
fazem em artigos relacionados a questões locais e nacionais, fato que contribui para demonstrar o compromisso social desta Comunidade Acadêmica.
Prof. Paulo César Ferreira
Sum‡rio
DA GARANTIA DO DIREITO AO TRABALHO AO EGRESSO DO
SISTEMA PRISIONAL
Myriam Rossi Sleiman Gholmie
08
O DIREITO DE VIVER DA CRIANÇA INDÍGENA
Bruna C. Ximenes de Araújo, Gilmara Nascimento Alencar
28
MEDIDA DE SEGURANÇA: ANÁLISE DE UM CASO CONCRETO
Thiago Robles Moreira
48
RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA E DOS BANCOS
COMO MEIO DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA HUMANA
Emilim Shimamura
68
ÉTICA ARISTOTÉLICA E DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
Ramon de Oliveira Silva, Rhenan Iarossi Teixeira, Sara Asseis de Brito
88
A NULIDADE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE
ADESÃO EM FACE DA LEI N.º 8.078/1990
Ana Claudia dos Santos Rocha, Carlos Roberto de Freitas Junior, Greziely
Costa Lemos
98
UNIÃO HOMOAFETIVA: UM NOVO PERFIL DA FAMÍLIA
BRASILEIRA
Bruna C. Ximenes de Araújo, Kássia R. B. Trulha de Assis, Rosimeire
Ferreira da Silva, Meire Cristina Queiroz
112
DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO BRASILEIRO
Catarina Bento da Silva, Pedro Henrique Savian Bottizini
140
TUTELAS DE URGÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA: ANÁLISE DAS
MEDIDAS PROVISIONAIS DO ART. 888 DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL E OUTRAS MEDIDAS PROTETIVAS
Meire Cristina Queiroz
160
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
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DIREITO
E SOCIEDADE
DA GARANTIA DO DIREITO AO
TRABALHO AO EGRESSO DO SISTEMA
PRISIONAL
Myriam Rossi Sleiman Gholmie1
RESUMO
Esclarece o conceito de egresso. Analisa as garantias previstas pela Lei de
Execução Penal relativas ao liberado do sistema prisional. Explana a função
do Serviço Social, dos Patronatos e dos Conselhos de Comunidade, conforme previsão legal. Constata a inaplicabilidade dos mandamentos legais no
que tange à assistência ao egresso da prisão. Estabelece o vínculo existente
entre direito ao trabalho, mínimo existencial e dignidade da pessoa humana.
Revela a importância da obtenção de trabalho para a reinserção social do
liberado do cárcere e o alcance de uma vida digna. Aponta, como solução
para a falta de assistência ao egresso, o incentivo fiscal às empresas contratantes desses trabalhadores.
PALAVRAS-CHAVE
Egresso. Assistência. Trabalho. Dignidade. Reinserção social.
1. INTRODUÇÃO
Como é sabido, o egresso do sistema prisional frequentemente encontra
resistências que dificultam ou impedem sua reinserção social. Se, de um lado, o
reajustamento à sociedade depende do próprio egresso, de outro, a participação do
Estado e da sociedade é indispensável para a conclusão deste processo.
Na prática, o que se tem visto é o aumento da criminalidade, especialAUTORES
1 Pós-graduanda em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina, graduada em
Direito pela Universidade Estadual de Londrina - UEL.
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E SOCIEDADE
mente quanto aos que deixam o cárcere sem qualquer perspectiva de vida. Notadamente, a circunstância possui relação direta com a marginalização dessas pessoas
e, por conseguinte, com os problemas econômicos e sociais que enfrentam.
Por ser assim, tal situação mereceu e obteve o amparo da legislação brasileira, particularmente da Lei n.º 7.210/84, Lei de Execução Penal, que determinou,
em alguns dispositivos, como deve ocorrer a participação do Estado na readaptação
do egresso.
Entretanto, não é possível afirmar que estes mandamentos legais estão
sendo cumpridos. Isto porque a ausência de políticas públicas, a estigmatização do
egresso, o desinteresse da sociedade e dos grupos econômicos formam um quadro
pouco promissor para aquele que deixa o cárcere.
Ademais, não há, de forma satisfatória, diligência dos agentes do governo no sentido de implementar recursos e promover a contratação de egressos, o que
agrava ainda mais a situação daquele que deseja inserir-se no mercado de trabalho.
É verdade que existem no Brasil algumas experiências que buscam minorar o sofrimento dos egressos ao retornar à comunidade, assistindo-os na busca por um trabalho e, consequentemente, minimizando a reincidência. Todavia,
constituem medidas isoladas, pois alcançam apenas pequena parte do número de
egressos do país e não são assumidas pelo Estado e pela sociedade de forma geral
e concreta.
No que concerne a este artigo, é relevante saber que não há a intenção
de esgotar o assunto, ao contrário, busca-se, com o amparo dos pontos de vista de
estudiosos, fomentar ainda mais a discussão a respeito do complexo tema a ser
abordado.
A metodologia aplicada para a explanação do assunto limita-se à pesquisa bibliográfica e ao exame de artigos publicados em meio eletrônico e impresso,
com vistas à legislação vigente. Será, portanto, propiciada a criação de uma base
teórica aplicável ao caso concreto por um procedimento dedutivo e hermenêutico,
que busca chegar a conclusões a partir de premissas básicas, por meio de conceitos
jurídicos.
A partir do panorama apresentado, o presente estudo pretende esclarecer
o conceito de egresso e analisar as garantias estabelecidas pela Lei de Execução
Penal pertinentes ao mesmo, visando demonstrar a falha do Estado na aplicabilidade desta lei. Ademais, deseja revelar a importância da obtenção de trabalho para a
reinserção social e o alcance de uma vida digna, assim como apontar soluções para
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DIREITO
E SOCIEDADE
que as referidas garantias legais sejam efetivamente colocadas em prática.
Mostra-se, pois, o quanto é necessário ressaltar a alarmante realidade do
egresso do sistema prisional, especialmente no que tange ao alcance de um lugar no
mercado de trabalho, com vistas à justiça social e à segurança pública.
Diante de todo exposto, verifica-se a relevância do estudo para a formação da convicção de toda sociedade, verdadeira propulsora das políticas públicas e
das práticas que tornam efetivas as determinações e as garantias da lei.
2. DO CONCEITO DE EGRESSO
O artigo 26 da Lei de Execução Penal enuncia, in verbis: “Art. 26 - Considera-se egresso para os efeitos desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1
(um) ano a contar da saída do estabelecimento; II - o liberado condicional, durante
o período de prova.”
“Infere-se, primeiramente, que é egresso, pelo período de um ano, aquele
que cumpriu pena privativa de liberdade integralmente ou foi beneficiado por qualquer causa extintiva da punibilidade após ter cumprido parte da sanção imposta”
(MIRABETE, 2007, p. 88).
No que tange ao indivíduo que cumpriu pena privativa de liberdade integralmente, é patente que se trata daquele que deixa o estabelecimento prisional
depois de se sujeitar a toda pena imposta pela sentença que o condenou.
Já com relação aos beneficiados por causas extintivas da punibilidade,
deve se considerar, além das causas enumeradas pelo artigo 107 do Código Penal, o
fato de todo egresso ter sido um dia condenado por sentença transitada em julgado.
Assim, apenas algumas causas extintivas da punibilidade podem desencadear sua
liberação, tais quais: anistia, graça, indulto, retroatividade de lei que não considera
o fato por ele praticado como criminoso e prescrição.
Em tempo, acrescenta Mirabete (2007, p. 88) que também está incluso no
conceito de “liberado definitivo” o desinternado, após o cumprimento de medida
de segurança.
Por outro lado, é também tratado como egresso aquele que se encontra
em livramento condicional, durante o período de prova, que poderá ser inferior,
igual ou superior a um ano (MIRABETE, 2007).
A propósito, Noronha (1978, p. 308) conceitua livramento condicional,
nestas palavras: “[...] concessão, pelo poder jurisdicional, da liberdade antecipada
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DIREITO
E SOCIEDADE
ao condenado, mediante a existência de pressupostos, e condicionada a determinadas exigências durante o restante da pena que deveria cumprir preso”.
Vale mencionar que os pressupostos apontados pelo autor referem-se
à natureza, quantidade de pena imposta e cumprida; reparação do dano causado
pela infração; bons antecedentes; comportamento adequado durante a execução da
pena; bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e aptidão para sobreviver
através de trabalho honesto (MIRABETE, 2006).
Por sua vez, as exigências obrigatórias à manutenção da liberdade condicional do liberado são: obtenção de ocupação lícita, comunicação periódica ao
juiz sobre as atividades exercidas, e impossibilidade de se mudar do território da
comarca do Juízo da Execução sem autorização. Outrossim, poderão também existir outras exigências, a depender do caso concreto (NUCCI, 2008b).
Nota-se, pois, que o benefício em comento pressupõe, basicamente, a
readequação social do preso, uma vez que seu comportamento carcerário e suas
condições demonstram que o escopo educativo da pena foi atingido (MIRABETE,
2006).
Em suma, a necessidade de se estabelecer o conceito de egresso reside
no fato de ser este indivíduo uma pessoa que, ao se afastar do estabelecimento
prisional, onde permaneceu por mais ou menos tempo, passa a inspirar, ao menos
durante certo período, orientação e amparo do Estado para a perfeita reinserção
social (NUCCI, 2008a).
3. DAS GARANTIAS LEGAIS RELATIVAS AO EGRESSO
A Lei de Execução Penal, tendo em vista o princípio de que as penas devem realizar a reincorporação do autor à comunidade, presente em sua Exposição
de Motivos (item 14), contem diversos artigos que se dirigem à assistência aos
que deixam os estabelecimentos prisionais, durante a fase de adaptação à vida em
sociedade.
Inicialmente, é relevante mencionar que seu artigo 10, parágrafo único,
determina que a assistência dedicada aos presos deve ser estendida aos egressos,
in verbis:
“Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo
único. A assistência estende-se ao egresso.”
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DIREITO
E SOCIEDADE
Ao preso e ao internado, conforme manda a Lei em comento, é cabível a
assistência no âmbito material, concernente à alimentação, vestuário e instalações
higiênicas; da saúde, compreendendo atendimento médico, farmacêutico e odontológico; jurídico, com a disponibilização de advogado; educacional, que abrange
a instrução escolar e a formação profissional; da assistência social, no intuito de
ampará-los e prepará-los para o retorno à liberdade; e religioso, permitindo aos
assistidos a liberdade de culto, a participação em serviços e a posse de livros religiosos.
No que atine ao egresso, a referida assistência se dá especialmente com
relação à subsistência e ao amparo social após sua liberação, uma tarefa essencialmente complementar da realizada na penitenciária, posto que a indiferença do
Estado e da sociedade pode anular o resultado já obtido na instituição (MIOTTO,
1975).
É bom lembrar que o demorado afastamento sofrido pelo liberado conduz a um desajustamento, uma vez que, durante o confinamento, houve um desprendimento do ambiente que deixou, alheando-o de sua antiga realidade, que vai
seguindo sua evolução e modificando-se.
Por sinal, Miotto (1975, p. 397) complementa dizendo: “Quando o preso
volta para seu antigo ambiente, este não lhe parecerá o mesmo, o que certamente
lhe causará dificuldade de ambientação [...].” Logo, é neste momento que o indivíduo tanto necessita de auxílio para se reajustar.
Peculiar à assistência ao egresso, o artigo 25 da Lei de Execução Penal
dispõe:
“A assistência ao egresso consiste: I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II - na concessão, se necessário, de alojamento e
alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses.”
Esta assistência, conforme já visto, tem como ideal atenuar as conseqüências negativas que recaem sobre a vida do egresso, conectando-o com o mundo externo e fazendo com que o mesmo verdadeiramente encontre condições de
reintegração social ao ser posto em liberdade (SILVA; CAVALCANTE, 2010).
Nesse sentido, a regra número 64, das Regras Mínimas da ONU, resolve:
O dever da sociedade para o condenado não termina ao ser ele
posto em liberdade. Portanto, seria preciso poder contar com
órgãos oficiais ou privados capazes de levar ao condenado que
recupera a liberdade uma eficaz ajuda pós-penitenciária, que
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DIREITO
E SOCIEDADE
vise diminuir os preconceitos contra ele e contribua para a sua
reinserção na comunidade.
No entender de Miotto (1975), o amparo pós-penitenciário compreende o
aspecto moral, material, jurídico, entre outros, devendo abarcar todos os meios que
levem à prevenção contra a reincidência, sem envolver o egresso com a “marca”
de ex-sentenciado.
Além disso, as Regras Mínimas da ONU, especificamente a regra número 81, determina que os órgãos auxiliadores do egresso, no sentido de reencontrar
seu lugar na sociedade, devem buscar conseguir-lhe moradia, trabalho, roupas,
meios para chegar ao lugar a que se destinam e subsistir logo no início da liberdade.
Como observado, a Lei de Execução Penal abrange, inclusive, o dever
de conceder alojamento e alimentação ao egresso pelo prazo de dois meses, o que,
como elucida Mirabete (2007, p. 87), “[...] consiste em ajuda direta, [...] de caráter econômico-financeiro, [...] admissível como medida de emergência e, portanto, transitória, enquanto o assistido está sendo orientado, ensinado e treinado para
socorrer-se por si mesmo.”
É importante salientar, ainda, que a ajuda àquele que deixa o cárcere é
fundamental para o ideal de ressocialização do egresso, para que este não se frustre
e caminhe de volta à vida criminosa (NUCCI, 2008ª).
Ademais, a Lei de Execução Penal consagrou a figura do assistente social
como parte essencial deste processo. Isto fica claro, a partir da leitura do artigo 22
da citada Lei: “A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-lo para o retorno à liberdade.”
Acerca da assistência social, Mirabete (2007, p. 80) ensina que sua função
é “[...] estabelecer a comunicação entre o preso e a sociedade da qual se encontra
temporariamente afastado [...].” Além disso, a própria Lei de Execução Penal, em
seu artigo 23, inciso V, aponta como incumbência do serviço de assistência social
a orientação do liberando, “[...] de modo a facilitar o seu retorno à liberdade [...].”
Para este estudo, é de grande valia destacar também o artigo 27 da Lei em
tela, cuja letra enuncia: “O serviço de assistência social colaborará com o egresso
para a obtenção de trabalho.” Nota-se que o trabalho, um dos mais importantes fatores do processo de reajustamento do sentenciado, obteve um tratamento especial
por parte do legislador.
Por sua vez, o Patronato igualmente possui papel fundamental no acompanhamento dos egressos, como é possível observar no artigo 78 da mesma Lei:
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DIREITO
E SOCIEDADE
“O Patronato público ou particular destina-se a prestar assistência aos albergados
e aos egressos.”
O Patronato nada mais é do que uma parte do tratamento penitenciário.
Faz parte do processo de reintegração social do condenado, principalmente no momento em que deixa o estabelecimento penal, ajudando o egresso para que possa
superar as dificuldades iniciais de caráter econômico, familiar ou de trabalho que
surgem nessa fase (VASCONCELLOS, 2003).
Ademais, a Lei de Execução Penal estabelece a existência de um Conselho da Comunidade que, segundo o artigo 80, será composto por representantes
da associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do
Conselho Nacional de Assistentes Sociais.
O aludido Conselho, segundo Dotti (apud MIRABETE, 2007, p. 247), é
“[...] instituído como órgão na execução para colaborar com o juiz e a Administração, visa neutralizar os efeitos danosos da marginalização [...]” e representa uma
“[...] contribuição direta e indispensável da sociedade [...]”.
Na visão Reale Junior (1983, p.87), “a assistência é mesmo tarefa que
os membros da comunidade poderão de maneira proveitosa realizar, ajudando o
egresso a superar as dificuldades familiares, de colocação de emprego, de moradia,
etc.”
Em resumo, pôde-se constatar que, além das diretrizes das Regras Mínimas da ONU, existem diversos artigos da Lei de Execução Penal que visam conferir ao egresso o amparo necessário para sua recolocação na sociedade, através dos
serviços prestados pela Assistência Social, pelos Patronatos públicos e privados,
bem como pela sociedade representada nos Conselhos de Comunidade.
Todavia, a realidade apresenta uma situação de completa omissão estatal
e inaplicabilidade dos dispositivos referidos: depois do tempo em que permaneceu
recluso, o egresso tem sido simplesmente atirado ao mundo sem qualquer assistência, seja por parte do Estado, seja por parte da comunidade.
Deslocado da vida em sociedade, sem o mínimo necessário para uma vida
digna, com total dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e, consequentemente, de ascensão social, não há dúvidas que, para o recém liberado, o retorno à
vida criminosa se apresenta, senão como única opção, com as portas abertas.
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DIREITO
E SOCIEDADE
4. DO DIREITO AO TRABALHO COMO CONDIÇÃO DE DIGNIDADE
O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil “[...] a dignidade da pessoa humana [...]”,
conceituada por Sarlet (2002, p. 62) da seguinte maneira:
Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o
faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem
a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos.
Deste modo, a garantia efetiva de uma existência digna compreende muito mais do que a garantia de sobrevivência física, assentando-se além do limite
da pobreza absoluta. Defende-se, portanto, que “uma vida sem alternativas não
corresponde às exigências da dignidade humana, não podendo a vida humana ser
reduzida à mera existência” (NEUMANN apud SARLET; FIGUEIREDO, 2007,
p.180).
Acrescenta, Heinrich Scholler (1980), que a dignidade da pessoa humana
apenas estará assegurada “[...] quando for possível uma existência que permita a
plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível
o pleno desenvolvimento da personalidade [...]” (apud SARLET; FIGUEIREDO,
2007, p. 180).
Sendo assim, como a qualquer outro indivíduo parte da sociedade, não
basta que ao egresso do sistema prisional seja garantida apenas uma existência
livre, mas também condições mínimas de existência: vida digna de respeito e consideração do Estado e de toda sociedade, gozo dos direitos fundamentais (vida,
igualdade, saúde, alimentação, moradia, trabalho, etc.) e condições para desenvolver-se como pessoa.
No Brasil, apesar de não haver uma previsão expressa na Constituição
dedicada à garantia do mínimo existencial, não se pode deixar de ressaltar que a
garantia de uma existência digna consta do rol de princípios e objetivos da ordem
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DIREITO
E SOCIEDADE
constitucional econômica, elencados no artigo 170 da Lei Maior:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios (grifo nosso): I - soberania
nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e
serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do
pleno emprego (grifo nosso); IX - tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”
Observa-se, pois, a posição decisiva a qual o legislador nacional coloca a
valorização do trabalho humano em relação à existência digna, trazendo, inclusive,
a busca pelo pleno emprego como princípio da ordem econômica do país. Aliás, segundo Sarlet e Figueiredo (2007, p. 184), “[...] os próprios direitos sociais específicos [...] acabaram por abarcar algumas das dimensões do mínimo existencial [...]”.
“Vale dizer que os direitos sociais nada mais são do que prestações positivas ensejadas pelo Estado, a fim de possibilitar melhores condições de vida aos
mais fracos, no sentido de igualizar as situações sociais desiguais” (SILVA, 2006,
p. 286). Tais direitos encontram-se enumerados pelo artigo 6º da Constituição Federal, nestes termos:
“Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade
e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
O direito ao trabalho, citado pelo artigo 6º supra, é ainda objeto dos seguintes artigos constitucionais: 1º, inciso IV, que declara ter a República Federativa
do Brasil como fundamento, entre outros, “[...] os valores sociais do trabalho [...]”;
e 193, que dispõe ter a ordem social como base “[...] o primado do trabalho, e como
objetivo o bem estar e a justiça sociais [...]”.
Isto, nas palavras de José Afonso da Silva (2006, p. 289-290), “tem o
sentido de reconhecer o direito social ao trabalho como condição da efetividade da
existência digna [...] e, pois, da dignidade da pessoa humana”.
16
DIREITO
E SOCIEDADE
Completa a doutrina de Donato (2008 p. 184), para a qual o Direito Trabalhista encontra-se numa terceira fase, cuja busca é pelo desenvolvimento, pleno
emprego, proteção da dignidade da pessoa humana, preparo do homem para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, por meio do empenho de toda
sociedade. Essa, segundo o autor, é a “diretriz da Constituição de 1988”.
Nascimento (2004, p. 437-438), finda a questão, afirmando que “[...] ter
um trabalho é uma questão de dignidade do ser humano [...]” e o direito ao emprego é “[...] meio de assegurar a salvaguarda da dignidade da pessoa humana.”
Trazendo a discussão para o foco do presente estudo, válidos são os ensinamentos de Francisco Bueno Arús (apud MIRABETE, 2007, p. 90) a respeito do
trabalho do preso:
[...] é imprescindível por uma série de razões: do ponto de vista disciplinar, evita os efeitos corruptores do ócio e contribui
para manter a ordem; do ponto de vista sanitário, é necessário
que o homem trabalhe para conservar seu equilíbrio orgânico
e psíquico; do ponto de vista educativo, o trabalho contribui
para a formação da personalidade do indivíduo; do ponto de
vista econômico, permite ao recluso dispor de algum dinheiro
para as suas necessidades e para subvencionar sua família; do
ponto de vista da ressocialização, o homem que conhece um
ofício tem mais possibilidades de fazer vida honrada ao sair
em liberdade.
Embora não mais condicionado ao cárcere, o egresso também deve contar com o trabalho como instrumento de reinserção na vida em comunidade, já que,
como vista acima, a oportunidade de trabalho corresponde ao abandono do ócio,
à conquista de equilíbrio psíquico, à chance de progresso financeiro, entre outros
proveitos.
Ademais, a obtenção de emprego é essencial para o próprio sustento e,
segundo já ponderado, para a fruição das condições mínimas de uma existência
digna, posto que a aquisição de alimentos, roupas, entre outros bens essenciais para
o ser humano, pressupõe uma fonte financeira, que não poderia ser outra senão o
salário, fruto do desempenho de uma atividade laboral.
A título de ilustração, relata-se o caso do egresso de um estabelecimento
prisional que solicitou o retorno à prisão, por não ter encontrado uma vida digna
após sua liberação. O fato foi publicado no Jornal O Globo por Noblat (2004):
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DIREITO
E SOCIEDADE
O ex-presidiário Reginaldo do Espírito Santo, 30 anos, não
soube o que fazer com a liberdade. Ou achou que a liberdade
nada tinha a lhe oferecer. Na véspera do Natal, pediu para voltar à prisão em Goiânia, onde cumprira pena de oito anos por
furto, roubo e porte ilegal de arma - e voltou.
Fôra solto em abril último. Não conseguiu emprego fora dos
muros da Agência Prisional de Goiânia. ‘Preto e ainda com
passagem pela cadeia, ninguém queria me empregar’, desabafou. Acabou como vigia de carros no estacionamento de
uma faculdade. [...] Com a chegada das férias, sumiram os
carros do estacionamento e Reginaldo ficou sem um tostão.
Foi quando teve a idéia de voltar à prisão.
O juiz da Vara de Execução Penal de Goiânia, Wilson da Silva Dias, atendeu ao pedido de Reginaldo com base em dois
argumentos apresentados por ele: ‘Eu não quero voltar para o
crime. Na cadeia, tenho trabalho e lugar para dormir’.
Reginaldo vive desde segunda-feira na Casa do Albergado,
uma das unidades do complexo penitenciário goiano. Ali, faz
serviços de limpeza e cuida da horta, ao lado de 60 outros
presos. Em breve começará a freqüentar um curso profissionalizante de mecânico de automóvel do Serviço Nacional da Indústria. Estatísticas nacionais do Departamento Penitenciário
Nacional revelam que 70% dos ex-detentos voltam a cometer
crimes. Reginaldo não quis engrossar as estatísticas. (grifamos)
A partir deste relato, que retrata a situação de inúmeros outros liberados do sistema prisional, é possível deduzir que hoje o egresso não conta com a
assistência necessária para superar as barreiras que o impedem de se reintegrar à
sociedade, vivendo uma realidade de completo abandono e falta de perspectiva de
vida, o que, indiscutivelmente, favorece a reincidência.
Através de perspectiva diversa, porém consonante com a da notícia apresentada, Santa (2011, p. 6), no Jornal de Londrina, levou a público a prática de
alguns empresários deste Município que oferecem emprego a quem já cometeu
crimes. A seguir, seguem trechos da reportagem:
[...] Tsukahara já empregou cerca de seis funcionários que foram presos ou que têm problemas com drogas. [...] Medo é
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DIREITO
E SOCIEDADE
uma palavra que não faz parte do cotidiano de Tsukahara. Para
admitir um ex-detento, ele conta que faz apenas um acordo:
que ele se desligue do crime. ‘Se quiser voltar para essa vida,
que peça demissão, senão eu demito por justa causa. [...] “Eles
são meio carentes, tem que saber lidar. Eu não tenho medo, sou
duro quando precisa e eles me respeitam’, conta o empresário.
[...] ‘Não é fácil, os impostos são os mesmos.’ [...] A gente vê
um pontinho de bondade e dá mais vontade de ajudar. (grifamos)
[...] Andrade garante não ter medo de contratar pessoas com
passagens pela polícia. [...] O empresário diz que dar uma
oportunidade é importante para ajudar os ex-detentos a mudarem de vida. ‘Geralmente, [o crime] é uma besteira [que a
pessoa comete], porque, na realidade, quem é malandro, pilantra não tem nem vontade.’ Os que estão trabalhando são os que
querem sair, ajudar a família. [...] (grifamos)
A mesma reportagem (SANTA, 2011 ,p. 6) divulgou, ainda, uma entrevista com um egresso da prisão, que se tornou funcionário de uma dessas empresas:
JL- Você começou a trabalhar aqui quando?
R.M.- Eu comecei faz uns dois anos. Fazia de tudo um pouco.
Não sabia nada do serviço, fui aprendendo aqui mesmo.
JL- Antes de trabalhar aqui você foi preso. Como foi isso?
R.M.- Foi um erro que cometi no passado. Assalto.
JL- A mão armada?
R.M.- Isso. Foi estabelecimento comercial.
JL- Foi mais de uma vez?
R.M.- Quando era menor, sim. Várias passagens. Depois que
fiquei maior tive duas.
JL- Você pegou quanto tempo de prisão?
R.M.- Peguei 14 anos e cumpri oito.
JL- Achou que arrumaria emprego depois que saísse?
R.M.- Não, eu achava que ia partir pelo mesmo rumo de antes.
JL- E deu essa tentação?
R.M.- A princípio, sim. A gente vive num mundo capitalista,
você vê a pessoa andando disso, andando daquilo... Mas eu
olhei certinho o que eu sofri no passado e não queria sofrer
de novo, aí parei e pensei, refleti. E o Estevão me deu uma
oportunidade de trabalhar. Eu gostei e estou firme até hoje,
graças a Deus.
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DIREITO
E SOCIEDADE
JL- Essa oportunidade foi fundamental para mudar de vida?
R.M.- Foi.
JL- Todo mundo deveria ter essa oportunidade de emprego?
R.M.- Com certeza. Se não tiver oportunidade não dá para mudar, não. (grifamos)
Por tudo que foi analisado, conclui-se que, apesar da evidente situação de
abandono vivida, em geral, pelos os egressos, a conquista de emprego é capaz de
intimidar a escolha pelo retorno à criminalidade. Mais do que isto, o trabalho pode
garantir ao egresso uma vida efetivamente digna.
De outro vértice, há que se convir que as iniciativas existentes com o fito
de trazer o egresso para o mercado de trabalho ainda são tímidas e, em regra, não
recebem qualquer incentivo por parte do Poder Público.
5. PROPOSTA PARA ESTIMULAR A OBTENÇÃO DE TRABALHO PELO
EGRESSO
Foi possível depreender, através de todo conteúdo estudado, que, atualmente, no Brasil, embora haja a Lei de Execução Penal, cujos dispositivos destinam-se, em grande parte, à assistência dos egressos, estes indivíduos não vem
contando com o devido auxílio. Em outras palavras, a legislação vigente está sendo
ignorada.
Por outro lado, reconhece-se a existência de alguns Patronatos ou instituições afins, e até mesmo, como demonstrado, de iniciativas provenientes de particulares no sentido de ajudar o egresso no processo de reinserção social. Contudo,
em âmbito nacional, estas práticas não estão suprindo a necessidade dos recém-liberados.
Outrossim, verificou-se que o trabalho é um forte instrumento ressocializador daquele que deixa a prisão, hábil para garantir-lhe seu sustento e de sua
família, a reconquista de seu equilíbrio emocional e o surgimento da expectativa
de progredir na vida, ou seja, é meio de assegurar ao egresso a recuperação de sua
dignidade.
Diante disso, atinge-se à seguinte questão: como solucionar o problema
da falta de assistência aos egressos, que os torna sérios candidatos à reincidência?
Tendo em vista os custos da manutenção das instituições voltadas para a
assistência ao egresso, é provável que o Estado encontre obstáculos para implantar
20
DIREITO
E SOCIEDADE
ou mesmo fomentar estes serviços. Evidentemente, este é um fator desestimulador
da atividade, que, quando existente, parte da boa vontade de uma minoria e não é
capaz de atender à demanda.
Por esta razão, seria viável, de alguma forma, incentivar a própria sociedade a contribuir, exercendo seu papel no processo de reinserção do liberado.
Uma boa alternativa, sabendo-se da importância do emprego para a recolocação
do egresso na comunidade, seria o Estado estimular sua contratação pela iniciativa
privada.
É patente que este estímulo, para lograr êxito, deve atingir financeiramente as empresas. Recorda-se, aqui, da constatação já apontada por este estudo,
de que a falta de incentivo fiscal é uma barreira enfrentada pelo empresário para
aceitar o desafio de superar o preconceito e admitir um funcionário oriundo de um
estabelecimento prisional.
Diante deste quadro, o Senado Federal analisa o Projeto de Lei n.º 70/10,
que estabelece que a pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, os encargos sociais incidentes
sobre a remuneração dos empregados egressos do sistema prisional, durante os
primeiros dois anos de contratação.
Vale mencionar que os impostos aos quais se refere o Projeto são os devidos à Previdência Social, ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ao
salário-educação, às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) e ao seguro contra os riscos de acidentes de trabalho.
Com a aprovação de um Projeto de Lei como este, mais do que a existência da Lei de Execução Penal, garantidora da assistência aos egressos do sistema
prisional, o Estado criaria um mecanismo efetivamente capaz de proporcionar a
estes indivíduos a recolocação em atividade laborativa e, por conseguinte, um retorno digno à vida social.
Isto porque várias empresas contam com condições de contratar liberados de prisões, tendo em vista a natureza do trabalho desenvolvido, uma vez que
dispõem da estrutura necessária para promover a reinserção desses trabalhadores.
Além disso, a partir de incentivos fiscais, os empregadores, que poderiam
encarar com resistência a contratação desses trabalhadores, estariam verdadeiramente estimulados a repensar no assunto e adotar uma postura, de fato, cidadã.
Há que se convir, ainda, que, assim como toda a comunidade, os próprios
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DIREITO
E SOCIEDADE
empregadores vivenciariam os benefícios proporcionados por esta transformação,
posto que a atual dificuldade do mercado de trabalho para absorver os egressos do
sistema prisional tem sido um grave problema social e de segurança pública no
Brasil.
Por outro lado, deve-se ressaltar, também, que a obtenção de um emprego por parte do recém-liberado importaria o reconhecimento de seu bom comportamento, que permitiu sua soltura. Mais do que isso, para os que ainda não foram
liberados da prisão, a existência de perspectivas é um fator extremamente positivo
na recuperação.
Bem assim, importa destacar que as reduções dos encargos sociais que
o Projeto de Lei em foco propõe, além de perdurarem por um período limitado
no tempo (dois anos), certamente serão compensadas pelo ganho que se pretende
alcançar.
Melhor dizendo, o custo do subsídio trará não só benefícios puramente
financeiros, comparativamente à despesa que o Estado tem com o prisioneiro, mas,
especialmente, em termos de pacificação social.
Assim, por tudo que foi demonstrado, justifica-se plenamente que o Poder Público subsidie as empresas que cooperarem com a recolocação do egresso
no mercado de trabalho e contribuírem para a redução dos índices de reincidência.
CONCLUSÃO
Conforme analisado, o egresso do sistema prisional é, basicamente, o
indivíduo que, ao se afastar da prisão, passa a inspirar, durante certo período, orientação e ajuda do Estado para a perfeita reinserção social.
Apesar dos esforços que podem ser feitos para o processo de reajustamento social, é inevitável que o egresso normalmente encontre uma sociedade
fechada, que dificulte sua readaptação na nova vida e a conquista de meios dignos
de sobrevivência. Para evitar que isso ocorra, é indispensável que, ao recuperar a
liberdade, o condenado seja eficientemente assistido pelo Estado.
Por este motivo, a Lei de Execução Penal estabeleceu, através de diversos artigos, como deve ser realizada a referida assistência, que consiste em
alojamento e alimentação, por determinado período, bem como na orientação nas
dificuldades familiares, de obtenção de trabalho, entre outras.
Frise-se, também, que a obrigação legal de assistir o egresso é estabele-
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DIREITO
E SOCIEDADE
cida pela mencionada Lei ao criar a figura do Patronato, bem como ao estabelecer
as funções do Serviço Social e Conselho de Comunidade.
Contudo, os referidos serviços inexistem na maioria dos Estados brasileiros e as poucas iniciativas em exercício não dão conta de atender o grande número
de indivíduos liberados periodicamente das prisões.
Não bastasse o quadro caótico do sistema prisional brasileiro, o qual mais
funciona como alimentador da revolta do indivíduo, a rejeição social ao egresso
contribui para os elevados índices de reincidência delituosa.
Ressalta-se que, não adianta apenas a luta pela melhoria do sistema prisional brasileiro, se ao retornar ao convívio da sociedade o liberado é estigmatizado e levado a delinquir por falta de oportunidades.
Por outro lado, verificou-se que o trabalho é um mecanismo de grande
importância na ressocialização daquele que deixa o cárcere, já que é meio de assegurar ao egresso e a sua família condições mínimas de uma existência digna.
Entretanto, além da própria desconfiança contra quem sabidamente delinquiu e cumpriu pena, comumente pesa contra o liberado da prisão, perante o
mercado de trabalho, a idade e a falta de qualificação profissional, ou mesmo o fato
de ter estado desviado por algum tempo de sua profissão.
No fim das contas, quem sofre as consequências disso é a própria sociedade, já que, irrefutavelmente, um egresso desassistido hoje é um forte candidato
à reincidência amanhã.
Em consonância com os objetivos da Constituição vigente, tais quais a
redução das desigualdades sociais, a erradicação da pobreza e da marginalização, o
ideal seria que toda sociedade se mobilizasse no intuito de proporcionar ao egresso
sua recolocação na comunidade.
Para tanto, é necessário que o Estado estimule esta participação. A sugestão é que se possibilite incentivo fiscal às empresas contratantes de egressos do
sistema prisional, o que se apresenta minuciosamente no Projeto de Lei do Senado
n.º 70/10.
A solução poderia ser alvo de crítica: por que priorizar o socorro daqueles que cometeram crime no lugar dos desempregados que nunca passaram pela
prisão? Todavia, deve-se observar que o Estado, neste caso, devolveria a vaga no
mercado de trabalho que já pertencia ao egresso antes de ser preso ou, ainda, estaria
corrigindo a falha cometida do passado a partir da concessão, mesmo que tardia, de
oportunidade a este cidadão.
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DIREITO
E SOCIEDADE
Além disso, no que concerne à probabilidade de cometimento de crime, é
notável a situação de fragilidade do recém-liberado em relação aos demais desempregados, o que deve também ser considerado pelo Estado, já que a conseqüência
da ociosidade dos egressos pode se tornar um problema de segurança pública que
afeta a todos.
Desta maneira, com o incentivo do Estado para a contratação de egressos,
a sociedade deixaria de fazer o papel de mera espectadora das políticas públicas
ou, pior, de apenas voz que reclama do fracasso de tais políticas, bem como de
suas conseqüências negativas, como a criminalidade. Passaria a exercer, então, um
papel decisivo na melhora da qualidade de vida, não somente dos egressos, mas de
toda a comunidade.
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E SOCIEDADE
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DIREITO
E SOCIEDADE
O DIREITO DE VIVER DA CRIANÇA
INDÍGENA
Bruna C. Ximenes de Araújo1
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo a análise do conflito entre o direito à vida e
o direito à cultura dos povos indígenas, tendo em vista o fundamento constitucional do Estado Democrático de Direito consubstanciado na dignidade da pessoa
humana. Serão consideradas correntes doutrinárias sobre o relativismo cultural e
os direitos fundamentais, especialmente a Teoria de Dworkin para solucionar os
conflitos entre os direitos fundamentais. O direito à vida será analisado enquanto
direito fundamental, concebido sobre os aspectos de assegurar uma vida digna e
permanecer vivo até a interrupção natural; e o direito à cultura, como o conjunto
de experiências e comportamentos que caracterizam um povo. Dessa forma, cabe a
seguinte indagação: o direito de viver da criança indígena encontra-se submisso ao
direito à cultura, ou vice e versa, quando ambos possuem o mesmo valor perante a
Constituição Federal?
PALAVRAS-CHAVE
Índio. Direitos. Vida. Cultura. Dignidade
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a questão da vida das crianças indígenas que, em virtude do relativismo antropológico, resulta no desrespeito
ao princípio basilar da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana.
O tema é de grande valia e aborda o posicionamento da doutrina que, de
um lado, reconhece o direito à vida e, de outro, o direito à cultura milenar de um
AUTORES
1 Graduanda em Direito pelas Faculdades Integradas de Mato Grosso do Sul.
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E SOCIEDADE
povo, ambos assegurados pela Constituição.
A escolha do tema tem por escopo responder a seguinte indagação: o
direito à cultura vale mais que o direito à vida, ou vice e versa? Há métodos para
se averiguar qual é mais importante, quando diante da Constituição possuem o
mesmo valor?
Como fundamento do trabalho analisar-se-á a definição, a interpretação e
aplicação dos direitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal, Declaração
Universal dos Direitos Humanos e Estatuto da Criança e do Adolescente, paralelamente a capacidade jurídica do índio nos âmbitos penal e civil será investigada
tendo em vista o Estado Democrático de Direito.
2. RELIGIÃO E CULTURA
A segregação da vida é comum em determinadas espécies de animais,
sendo uma forma de selecionar os mais aptos. Essa prática era recorrente em civilizações passadas. Em Esparta, cidade-estado da Grécia antiga que primava pela
organização militar, os meninos por volta dos onze anos eram entregues ao Estado para serem treinados, sendo um rigoroso treinamento que servia para eliminar
garotos que não renderiam bons soldados. Os defeitos físicos eram vistos como
desonra e vergonha. (COSTA, 2006)
Até meados do século V a.C., era muito comum a matança de crianças
em rituais religiosos, inclusive há registros de sacrifícios de crianças feitos ao Deus
Moloch. (COSTA, 2006).
A prática do infanticídio e homicídio de crianças tem sido registrada em
diversas tribos indígenas, entre elas estão os Uaiuai, Bororo, Mehinaco , Tapirapé
, Ticuna , Amondaua , Uru-eu- uau- uau , Surawaha, Deni , Jarawara , Jaminawa
, Waurá , Kuikuro , kamayurá , Parintintin , Yanomani, Paracanã e Kajabi. (SUZUKI, 2007, p.7). Muitas são as razões para essa prática, dentre elas a deficiência
mental ou física, filhos gêmeos, crianças concebidas de relações extraconjugais,
portadoras de má sorte se mãe estiver amamentando outra criança, se o sexo do neonato não for o esperado, o que leva os chefes da tribo a abandonarem as crianças
na mata, ou enterram-nas vivas ou as sufocam com folhas envenenadas.
2.1. Relativismo Cultural
A prática de tais atos tem como justificativa o relativismo cultural, segun-
29
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E SOCIEDADE
do a antropóloga professora e doutora Ana Keila Mosca Pinezi, “visão romantizada
de pureza cultural” (apud SUZUKI, 2007, p. 19), e os direitos humanos estariam
subordinados à cultura de um povo.
Alguns antropólogos afirmam que não existe homicídio propriamente
dito quando matam crianças pelos motivos acima citados, pois estas seriam “coisas” e não um ser humano, ou seja, não se estaria matando, mas interditando a
constituição do ser humano. Nessa visão, o sujeito deve passar por um período de
pessoalização, adquirir nome, status de pessoa. Trata-se da chamada “Teoria do
homicídio sem morte” (SUZUKI, 2010).
A Declaração Universal sobre a Bioética e Direitos Humanos, em seu
art. 12, trata do Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo, e expressa:
A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve
receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não
devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios
dispostos nesta declaração, ou para, limitar seu escopo.
Há presente em algumas tribos o desejo de mudar, pois o pensamento
já não é o mesmo. O contato com o homem branco e com a civilização e outras
culturas, fez surgir uma nova visão, e a preocupação passou a se concentrar no
desaparecimento da população indígena.
O relativismo cultural pregado por antropólogos retrógrados não condiz
com a perspectiva atual do povo indígena. Atualmente há diversas ONGs, projetos,
como a “Casa do Kunumim” (Xinguano), coordenado por indígenas de três etnias
distintas, com sede em Canarana, Estado de Mato Grosso, apoiado pela UNESCO
e profissionais da saúde, com o intuito de receber recém nascidos rejeitados pelos
pais ou que estejam em situação de risco, e propiciar o retorno dos mesmos as comunidades de origem (SUZUKI, 2007, p.11).
3. O DIREITO À VIDA COMO DIREITO FUNDAMENTAL: UM ENFOQUE CONSTITUCIONAL
Vida é o período compreendido entre o nascimento e a morte. Para Alfredo Orgaz “um pressuposto essencial da qualidade de pessoa”. (apud SOUZA,
2009)
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DIREITO
E SOCIEDADE
O conceito de pessoa nos primórdios da humanidade definia o homem
como um animal político, e o feto era considerado parte das vísceras da mulher,
assim, ao abortar, estaria apenas dispondo sobre o seu corpo. Com o advento do
Cristianismo, passou a ser tomado como uma substância racional que se baseava
no princípio da imortalidade e na ressurreição do corpo. (ROCHA, 2004, p.162).
Sob a óptica do direito civil e constitucional a vida humana é um bem
jurídico indisponível e intransferível, que se inicia com o nascimento com vida
presente a função cerebral e termina com a morte.
O artigo 4º da Declaração Universal dos Direitos Humanos reza que toda
pessoa tem o direito de que se respeite sua vida, desde o momento da concepção,
logo ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Diversas são as teorias a respeito do início da vida. A Teoria Natalista fixa
posicionamento de que somente existirá “status de pessoa” com o nascimento com
vida; a Teoria Concepcionista, que a vida começa a partir da concepção, período
no qual o futuro nascituro já tem os seus direitos tutelados pelo Estado; e a Teoria
da Personalidade Condicionada, que existe vida desde a concepção, porém fica
condicionada ao nascimento com vida.
O artigo 5° da Constituição Federal faz menção à inviolabilidade da vida.
Quando o legislador colocou tal enunciado, visou impedir que a atividade estatal
ou até mesmo de particulares atentem ao direito mais fundamental de todos.
O direito à vida é concebido sob dois aspectos, o de assegurar uma vida
digna, isto é, com um mínimo compatível de dignidade, e o de permanecer vivo até
a interrupção natural. Ao integrar os direitos fundamentais pretendeu-se resguardar
de todo e qualquer ato atentatório, salvo em caso de experimentação cientifica,
observado o bom senso e a ordem pública.
3.1 Dignidade da Pessoa Humana
Os Direitos Fundamentais propiciam um tratamento digno sem reduzir
a pessoa à condição de objeto. Segundo Carl Schmitt “são os direitos do homem
livre e isolado, direitos que possui em face do Estado” (apud BONAVIDES, 2002,
p.515). Para a corrente jusnaturalista, são direitos subjetivos do indivíduo e reconhecidos pelo Estado, e para os positivistas são direitos postos pela lei.
Atualmente os direitos fundamentais se classificam em quatro dimensões
ou gerações, conforme o entendimento de alguns autores; direitos civis ou políticos
31
DIREITO
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que tem por titular os indivíduos e oponíveis ao Estado. São “direitos de resistência
ou de oposição, perante o Estado” (BONAVIDES, 2004, p.517); direitos sociais e
coletivos; direito de propriedade, desenvolvimento, meio ambiente, solidariedade,
patrimônio comum e direito de comunicação; e os direitos de democracia, informação e pluralismo.
O princípio da dignidade da pessoa humana é dado inerente ao homem
enquanto ser, apoiado no princípio da humanidade, que veda a aplicação de pena ou
outra medida que atente contra a dignidade humana. É a fonte jurídica dos Direitos
Fundamentais; o princípio antropológico que segundo Immanuel Kant faz com que
“o homem não exista em função de outro e por isso pode levantar a pretensão de
ser respeitado como algo que tem sentido em si mesmo” (apud SANTOS, 2001).
Trata-se do limite e fundamento da República, a resposta ao período de massacre
vivido pelo ser humano.
Para Carmem Lúcia Antunes Rocha, dignidade da pessoa humana:
É o respeitar a integridade, a intangibilidade, a inviolabilidade
do homem, não apenas tomando tais atributos em sua dimensão física, mas em todas as dimensões existenciais nas quais
se contém a sua humanidade, que o lança para muito além do
meramente físico. (2004, p. 34-35)
O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser analisado sob dois
aspectos: a proteção da pessoa humana no sentido de defendê-la de qualquer ato
degradante ou ofensivo, seja por parte do Estado ou da comunidade; e a participação ativa da pessoa nos destinos da própria existência; “impõe o dever de respeito,
proteção e intocabilidade”. (GAMA, 2008, p. 70).
O grande mestre Ingo Wolfang Sarlet define dignidade como a:
Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o
faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem
a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos. (2001, p.60)
32
DIREITO
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Todos os indivíduos possuem-na, independentemente de cor, raça, credo,
é uma proteção ao ser humano, a sua condição que deve ser protegida pelo Estado,
independente de existir ou não no ordenamento jurídico.
3.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos
A Inglaterra fora precursora da Declaração dos Direitos Fundamentais
estabelecendo regras de vida social. Alguns documentos já demonstravam a idéia
de direito fundamental relacionada à religião e preceitos jurídicos.
A Carta Magna de João sem Terra, datada de 1215, valorava primeiramente os direitos dos barões e prelados ingleses que detinham o poder absoluto
que com as revoluções Inglesa, Americana e Francesa consagraram os direitos universalmente.
Os direitos humanos visam à proteção da dignidade da pessoa humana,
flexível para respeitar e proteger a integridade cultural e a diversidade, não olvidando que o direito à diversidade cultural é limitado, ou seja, não pode ser utilizada
como motivo para justificar práticas perversas, violações de direitos fundamentais.
André Ramos Tavares faz uma importante contribuição quando explica
o que seria universalização e universalidade. Para ele, universalidade dos direitos
humanos declara que todos são sujeitos desses direitos, ou seja, se refere à amplitude subjetiva; ao passo que a universalização demonstra a idéia de movimento,
de comunicação de vetores e direitos ao gênero humano. E assenta o autor que a
universalidade “pressupõe valor absoluto, enquanto a universalização, certo relativismo inicial dos direitos humanos, na medida, em que encampa uma idéia de
formação, processos de elaboração passível de mudanças e amalgama de direitos”.
(TAVARES, 2007, p. 445).
A Declaração de Viena datada de 1933, cujo Brasil é signatário estampa
a natureza universal dos direitos humanos, bem como alude que todos os Estados
membros têm a obrigação de implementar a observância desses direitos, independentemente de suas perspectivas culturais.
3.3 Princípio da Igualdade
A justiça tem por papel assegurar a igualdade pessoal dos homens. Assim, o princípio da igualdade é dotado de inteligência e vontade livre do ser huma-
33
DIREITO
E SOCIEDADE
no por mais que existam na espécie humana indivíduos inferiores aos outros, todos
merecem o respeito a sua personalidade, a sua dignidade.
O princípio da igualdade tem dois desdobramentos; a igualdade material
e a igualdade formal. A igualdade material é o tratamento equânime, uniformizado;
é a equiparação dos indivíduos sob o mesmo aspecto. Em contrapartida, a igualdade formal é a proibição de privilégios a uns em detrimento de outros, conforme
reza o artigo 5º da Constituição Federal segundo o qual “todos são iguais perante
a lei”.
Ingo Sarlet faz uma importante ressalva a respeito do Princípio da Igualdade, afirmando que se encontra diretamente ancorado na Dignidade da Pessoa
Humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos.
(apud SILVA, 2003)
Em suma, os Direitos Fundamentais teriam “a função de não discriminação, ou seja, assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais”. (CANOTILHO, 1999, p. 385). Para a doutrina esta é a
função básica e primária dos direitos fundamentais.
3.4 Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente
O princípio do melhor interesse do Menor está ligado à idéia de proteção
integral do menor, elemento no qual se baseia a política traçada pelo Estatuto do
Menor e Adolescente, fazendo com que este não seja considerado objeto e sim um
sujeito de direito.
Nas palavras de Gama é “um reflexo do caráter de proteção integral da
doutrina dos Direitos Humanos em geral” (GAMA, 2008, p.82).
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989, declara em seu art. 3° que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por
instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgão legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse
maior da criança”.
No Brasil, a proteção à criança e ao adolescente vem regulamentada no
art. 227, caput, da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei n. 8.069/90), que considera criança a pessoa com a idade entre zero e doze
anos incompletos, e adolescente aquele que tem entre 12 e 18 anos de idade. O
34
DIREITO
E SOCIEDADE
Estatuto estende essa proteção em seus artigos 3° e 4º. O Código Civil, por sua vez,
reconhece esse princípio de forma implícita.
Na ótica civil, essa proteção integral pode ser preenchida pelo princípio
do melhor interesse da criança, conforme reconhecido pela Convenção Internacional de Haia, que trata da proteção dos interesses da criança.
Além dos princípios constitucionais relativos à filiação, outros podem ser
destacados que também se aplicam nas relações paterno-filiais.
Luiz Edson Fachin (1996, p. 98) enumera alguns outros pontos a serem
analisados na aplicação deste princípio, tais como: o lar da criança, a escola, a
comunidade e os laços religiosos, a habilidade do guardião de encorajar a comunicação saudável entre a criança e o outro pai. Nessa linha, tais considerações são
indicadores que conduzem o juiz a encontrar o que é o melhor interesse do menor
em cada caso concreto.
4. A TUTELA DA CRIANÇA E DO ÍNDIO
4.1 Os Direitos da Criança à luz do Estatuto da Criança
Criança vem do latim infantis; aquele que não fala (CHAVES, 1997, p.
53). Para a doutrina é o ser humano de pouca idade que se encontra no início do
processo de desenvolvimento físico, de personalidade e caráter. Ao passo que adolescentes são aqueles indivíduos que se encontram na puberdade, período caracterizado por mudanças físicas e psicológicas.
Os direitos e procedimentos instituídos pela Lei n.º 8.069/90, Convenção
dos Direitos da Criança e pela Constituição Federal visam assegurar o bem estar
da criança e do adolescente; sujeitos em desenvolvimento em uma situação de vulnerabilidade, cuja obrigação de proteger, assegurar a sobrevivência, bem como o
desenvolvimento, cabe a família, ao Estado e a sociedade.
Toda criança tem direito a uma família que lhe dê especial proteção para
o seu desenvolvimento físico, mental e social, direito a um nome, nacionalidade,
alimentação, moradia, assistência médica, educação, lazer, proteção contra exploração e abandono, igualdade sem distinção de raça, cor ou sexo e, principalmente,
direito à vida.
Por mais que sejam diferentes física e psicologicamente, ou até mesmo
em razão do credo que professam, a essência é a mesma, aquele jeito meigo e carinhoso, o brilho nos olhos ao expressar o contentamento, os sonhos; todas merecem
35
DIREITO
E SOCIEDADE
o mesmo respeito a sua dignidade enquanto pessoa humana.
Neste sentido, dispõe o Decreto n.º 5.051, de 19 de abril de 2004 - Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os povos indígenas:
Os povos indígenas deverão ter o direito de conservar seus
costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam
incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo
sistema jurídico nacional, nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos.
4.2 A Capacidade Jurídica do Índio
Quando se faz referência aos índios tem-se em mente a figura de um nativo da América, à época da chegada dos europeus ao continente; um grupo étnico
vulnerável caracterizado por uma cultura, cujos costumes e tradições são estranhas
ao da civilização comum.
Silvícola é “aquele que vem da selva” (VENOSA, 2002, p. 45), ou seja,
sujeito tutelado por regime especial, o qual cessará quando da adaptação á civilização do país. A doutrina classifica-o em três grupos: isolados, vias de integração
e integrados.
Isolados são aqueles cuja tutelada cabe ao Estado prestar, uma vez que
ainda não foram absorvidos pela civilização Neste sentido, reza o artigo 8º, da
Lei n.º 6.001/73 que os índios ainda não integrados a sociedade se submeterão ao
regime tutelar da União.
Aqueles em via de integração são sujeitos que estão se integrando à sociedade, e os integrados, aqueles que vivem em contato com a civilização e que
não se submetem ao referido diploma. Importante salientar que o art. 7° da elidida
lei faz menção a liberação do índio do regime tutelar de seu estatuto, desde que
preenchidos os seguintes requisitos: idade mínima de vinte e um anos, conhecimento da língua portuguesa, habilitação para o exercício de atividade útil, razoável
compreensão dos usos e costumes d comunhão nacional.
4.2.1 No âmbito civil e penal
O Código Civil de 1916 não destacou os índios como o fez o Código Civil de 2002, ao mencionar uma lei especial que tratasse sobre o assunto. No âmbito
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DIREITO
E SOCIEDADE
civil, até que perdure a falta de adaptação à sociedade, os índios são considerados
para todos os efeitos relativamente incapazes, ou seja, falta-lhe capacidade de fato
para o exercício por si só de todos os atos da vida civil. Assim, devem ser considerados como incapazes. Não há uma patologia, mas simplesmente a ausência de
adaptação à vida social, entendimento, orientação volitiva e processos psíquicos.
No âmbito penal são tidos como sujeitos que não possuem desenvolvimento mental completo, pois lhes falta imputabilidade, ou seja, aptidão para ser
culpável, considerando-se questões biopsicológicas. Entretanto, Mirabete faz uma
importante ressalva: “a condição de silvícola, por si só, não exclui a imputabilidade, mormente se o agente é índio integrado e adaptado ao meio civilizado”.
(MIRABETE, 2009, p.197).
Assim, tanto no âmbito penal, quanto no cível a incapacidade perdura até
o momento em que os índios se adaptem a civilização.
4.3. A Criança Indígena como Sujeito de Direitos no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
O art. 3° do ECA reza que crianças e adolescentes gozam de todos os
direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, com o intuito de propiciar o pleno desenvolvimento físico, moral, espiritual e social, em condições de dignidade,
independentemente de cor, raça, credo, origem e condição econômica.
A Declaração dos Direitos Humanos vem complementar o raciocínio do
Estatuto, atribuindo aos Estados membros a função de promover políticas que assegurem a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o ECA traz a política de que é
dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente visou sensibilizar a
sociedade sobre o problema da criança e do adolescente, no sentido de obter participação e evitar que atos desumanos sejam praticados contra os mesmos. (ISHIDA,
2010, p.25). A intervenção deve atender os interesses do menor e ser realizada assim que a autoridade competente tiver conhecimento do perigo, não olvidando que
deve ser proporcional ao fato.
Portanto, há igualdade jurídica entre todas as crianças, sem distinção de
etnia, cultura, ou religião. Todas devem ser tratadas com o mesmo respeito e dignidade, amparadas pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da integral
proteção e melhor interesse da criança e do adolescente.
5. O DIREITO À VIDA E O DIREITO À CULTURA: COLISÃO DE DIREI-
37
DIREITO
E SOCIEDADE
TOS FUNDAMENTAIS
5.1 O Direito à Vida da Criança Indígena
Diversos autores classificam o direito á vida como um direito inato fundamental e mais essencial, isto é, cabe ao individuo simplesmente pelo fato de
ser munido da “personalidade adquirida com o nascimento, e um direito privado,
pertence a cada um como indivíduo”. (CHAVES, 1977, p 61.)
O artigo VI da Declaração dos Direitos Humanos dispõe que toda pessoa
tem o direito de ser reconhecida perante a lei, como pessoa em todos os lugares.
Cármen Lúcia Antunes Rocha faz uma importante observação:
A intangibilidade da vida garante a identidade exclusiva de
cada pessoa. E esta é a garantia da inviolabilidade do humano que permite a pluralidade das espécies e a diversidade da
humanidade. A escolha de seres sem defeito, ou com defeitos
aceitáveis, segundo os padrões dos interessados, a extirpação
das falhas que não seriam agradáveis aos pais, outras socialmente dificies de conviver passam de questões que interessam aos estudiosos da Dignidade da Pessoa Humana. (2004,
p.153).
As crianças indígenas são pessoas, entes em formação, são seres humanos e, mesmo que não estejam inclusas no meio social do homem “branco”, são sujeitos de direitos fundamentais. Assim, merecem todo o respeito e proteção contra
todo e qualquer ato atentatório a sua dignidade enquanto pessoa; e principalmente
ao direito à vida.
5.1.1 O Direito à cultura do povo indígena
O Capítulo III, sob o título da Educação, da Cultura e do Desporto, na
Seção II da Constituição Federal, dispõe em seus artigos sobre o direito à cultura.
Cultura é sob a óptica antropológica “o conjunto de experiências, realizações humanas (costumes, instituições, produção artística e intelectual) que
caracterizam uma sociedade”. (XIMENES, 2001, p.273).
Trata-se dos comportamentos, costumes, valores, regras de um povo que
habita determinado território e que, por sua natureza dinâmica, sofre mudanças ao
longo dos anos, sejam em virtude da adaptação do homem a novas realidades, ou,
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DIREITO
E SOCIEDADE
por se perderem.
A cultura dos índios deve ser preservada, pois se trata de características
dos primeiros habitantes do Brasil, dos verdadeiros colonizadores da raça; formadores do caráter e jeito brasileiro, um patrimônio histórico que deve ser passado de
pai para filho.
Por mais que se defenda o direito à cultura, patrimônio histórico, não se
pode olvidar que tudo muda, se transforma conforme as experiências vividas pelo
homem.
Atualmente, já não se pode dizer que os índios são os mesmos da época
de nossos pais, simplesmente como silvícolas. Muitas tribos já se adaptaram aos
costumes e à civilização, ao modo de vida do homem “branco”, perdendo um pouco das características dos povos primitivos.
Neste sentido dispõe a Declaração Universal dos Direitos do Homem em
seu art. 18 que todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e
religião, direito este que o permite ter a liberdade de mudar de religião ou crença,
pelo ensino, pela prática, pelo culto, pela observância isolada ou coletivamente em
público ou em particular.
5.2 Colisão dos Direitos Fundamentais
Havendo o direito à vida da criança indígena e o direito à cultura fica evidente a colisão entre dois princípios, ambos assegurados pela Constituição Federal.
Primeiramente se faz necessário exemplificar o que seria uma colisão de direitos e
posteriormente, conceituar o termo princípio e o que os difere das regras, e quais os
métodos utilizados em caso de colisão para solucionar o conflito.
Canotilho afirma que a colisão de direitos ocorre quando “o exercício de
um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito
fundamental por parte de outro titular, ou seja, é um choque”. (1999, p.1119).
A colisão de direitos fundamentais pode suceder de duas maneiras; o
exercício de um direito fundamental colide com o exercício de outro direito fundamental; ou, o exercício de um direito fundamental colide com a necessidade
de preservação de um bem coletivo ou do Estado protegido constitucionalmente.
(FARIAS, 2008, p.105).
Princípios são valores, base, causa primária que, segundo Bonavides
(apud ESPÍNDOLA, 1999, p. 58-59) passaram por três fases distintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós positivista. A primeira de modo abstrato e metafísico,
ligado ao sentimento de justiça e a lei divina. A segunda, ao positivar os princípios
no código, derivados da lei e não do sentimento de justiça. E a última, a compati-
39
DIREITO
E SOCIEDADE
bilidade dos princípios a ordem jurídica, positivação, vinculação, eficácia positiva
ou negativa.
Atualmente são conhecidos como status da norma jurídica positivados,
vinculativos e de eficácia positiva ou negativa, cujo conflito se resolve na dimensão de valor, no peso em que prepondera sob os demais. (ESPÍNDOLA, 1999,
p.58). “São mandatos de otimização que se caracterizam pelo fato de poderem ser
cumpridos proporcionalmente ás condições reais e jurídicas existentes” (FARIAS,
2008, p. 33). As regras, por sua vez, são normas, valores que foram positivados,
cuja colisão se resolve na dimensão de validade.
Alexy afirma que “um conflito entre regras somente pode ser resolvido
se uma cláusula de exceção que remova o conflito for introduzida numa regra, ou
pelo menos se um delas for declarada nula” (apud BONAVIDES, 2002, p 251). No
caso de princípios, um deles deve recuar o que não significa que se abdica que seja
declarado nulo, nem que uma cláusula de exceção nele se introduz.
A doutrina traz a colisão entre direitos, a entre direitos e bens jurídicos
entre direitos fundamentais suscetíveis de restrição e entre direitos fundamentais
insuscetíveis de restrição que teriam como elemento de ponderação para solucionar
os conflitos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, porém como frisa
Alexy, nunca como elemento autônomo de restrição. (apud CANOTILHO, 1999,
p. 1194)
A colisão de direitos, nesse caso exposto, é a do exercício de um direito
fundamental: de um lado a vida das crianças indígenas mortas em função dos costumes de um povo, por acreditarem que as crianças portadoras de deficiências, ou
os filhos de mães solteiras, seriam empecilhos para a aldeia; e de outro, a necessidade de preservação de um bem coletivo protegido constitucionalmente, o direito
à cultura.
5.2.1 A visão dworkiana
Na construção da sua teoria da argumentação, Dworkin propõe uma compreensão do Direito como sistema de princípios que não possuem caráter estável
nem estão desvinculados de uma situação concreta. Defende que somente é possível saber qual é o Direito a ser aplicado a um determinado caso se for possível proceder à interpretação das decisões políticas tomadas no passado (pressuposição de
que a comunidade política está fundada no assentimento a princípios de convivência em comum), bem como à interpretação do próprio caso concreto (reconstruindo
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DIREITO
E SOCIEDADE
a interpretação das fontes normativas à luz de princípios), pois também devem ser
considerados os fatos em questão, tomando por base a integridade para se fazer
essa interpretação (DWORKIN, 2003, p. 272). A integridade é utilizada como elemento norteador para se chegar à resposta correta para a situação empírica.
Dworkin propõe a compreensão do Direito como sistema de princípios
que não possuem caráter estável, nem estão desvinculados de uma situação concreta. Aplicar o Direito procede à interpretação das decisões políticas tomadas no
passado e no caso concreto, bem como os fatos. Por isso seus estudos são voltados
aos casos reais, levando-se em conta os atos e pensamentos individuais e a visão
coletiva (TEXEIRA, 2008, p. 240-241).
Para ele os princípios possuem dimensão de peso, importância ou valor.
Se um princípio aplicado a determinado caso não prevalecer, nada obsta que amanhã, noutras circunstancias, volte a ser utilizado (BONAVIDES, 2002, p. 253).
Ao distinguir regras e princípios têm em vista duas idéias: as regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não, trata-se do “tudo ou nada”. Ao passo que,
os princípios atuam de modo diferente, em caso de conflito deve-se levar em conta
o peso relativo de cada um deles, ou seja, a ponderação; seriam pesados e poderiam
interferir entre si na tomada em consideração da aplicação do Direito sem expulsar
qualquer norma da mesma espécie do âmbito do sistema jurídico. Para um determinado caso, certo princípio poderia ter maior peso que outro envolvido na solução
do caso diverso. (CHAMON JUNIOR apud TEXEIRA, 2008, p. 242).
O Direito como integridade é capaz de fornecer à prática do Direito uma
melhor interpretação e, conseqüentemente, uma resposta melhor do que as fornecidas pelo pragmatismo, pois permite aos juízes realizarem os trabalhos interpretativos a respeito da prática social, buscando, assim, dar soluções aos casos difíceis
que lhes são apresentados.
Segundo a teoria de Dworkin, “as proposições jurídicas são verdadeiras
se constam ou se derivam dos princípios de justiça, equidade e devido processo
legal que oferecem melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade” (DWORKIN, 2003, p. 272).
Para o autor, os princípios possuem força normativa por vincularem os
magistrados a seus provimentos e, por meio da justificação, vem a noção de legitimidade do próprio Direito. Visto como normas, os princípios tratam-se de enunciados abertos, e a situação concreta determina o seu conteúdo. A utilização dos
princípios se dá em dois planos: o da justificação e o da aplicação. Na justificação
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DIREITO
E SOCIEDADE
os princípios auxiliam a interpretação das regras justificando a gênese e o emprego
destas. Na aplicação, revelam-se impositivos, sendo aplicados diretamente para a
solução de um caso concreto.
E a integridade condena a incoerência de princípios entre os atos do Estado. Assim, a integridade é exigida tanto na legislação - já que os legisladores devem criar leis de forma a tornar o sistema jurídico o mais coerente possível -, quanto no momento de sua aplicação ao caso concreto, a fim de se alcançar a resposta
mais correta ao caso concreto, seja este fácil ou difícil. Dessa forma, a integridade
pode ser encarada como a própria coerência principiológica do sistema de normas.
Essa teoria do Direito como Integridade abrange a dimensão de adequação e a idéia de justificação. A adequação se faz necessária, pois, diante de um caso
concreto, os princípios não têm aplicação absoluta e não podem ser hierarquizados.
A justificação, por seu turno, refere-se ao momento de elaboração das leis, observando o procedimento estabelecido constitucionalmente para que uma norma seja
construída sem discricionariedade, com abertura de possibilidade de participação
política de todos os cidadãos no processo legislativo.
Entende-se, analisando esta teoria, que não existe hierarquia entre os
princípios, sendo impossível a ponderação, em contraposição à teoria da Lei da
Ponderação apresentado por Alexy, quando da colisão de princípios, implicando
em uma preferência por determinado princípio em detrimento do outro, pressupondo hierarquia entre eles. Segundo Dworkin, no caso concreto será utilizado
um só princípio, afastando a aplicação dos demais, sem, contudo, excluí-los do
ordenamento jurídico.
Dessa forma, tem-se que as propostas de Dworkin visam afastar a discricionariedade, o livre arbítrio e o positivismo dos magistrados ao decidirem, pois,
por meio da integridade política - tanto na órbita legislativa como na prestação jurisdicional – seria possível ter e manter uma ordem coerente de princípios. Diante
de um caso difícil, o juiz, dentro do ordenamento jurídico e de acordo com decisões
passadas, estará apto a descobrir qual o Direito a ser aplicado ao caso concreto,
reconstruindo o Direito e não criando um para cada caso que lhe é apresentado. Por
meio do processo reconstrutivo, partindo do caso concreto, cabe ao magistrado,
nesse processo interpretativo, atingir alto grau de abstração de forma a revelar o
princípio referente e adequado ao caso.
Dworkin conclui sua tese defendendo que o Direito é um fenômeno social. Portanto, não há a exclusão da ordem jurídica de um das normas conflitantes,
42
DIREITO
E SOCIEDADE
mas tão somente a incompatibilidade, ao contrário do que ocorre no conflito de
regras, onde se perfaz a idéia de exclusão, tendo por justificativa a especialidade,
nulidade, hierarquia ou até mesmo o critério cronológico.
O aplicador do direito deve optar por um dos princípios sem que o outro
seja rechaçado do sistema, ou deixe de ser aplicado a outros casos que comportem
sua aceitação, frisa Dworkin (apud ESPÌNDOLA, 1999, p.69).
5.3 Direito à Vida ou Direito à Cultura?
Quando se têm em “colisão” dois princípios, ambos assegurados pela
Constituição Federal, fica difícil dizer com precisão qual deve prevalecer, pois o
legislador atribui-lhe o mesmo valor. Como diz Rocha “cada ser humano é titular
único, insubstituível e íntegro dos direitos fundamentais”. (ROCHA, 2004, p. 16).
O Direito à vida está estritamente ligado à dignidade da pessoa humana
ao respeito á pessoa independentemente de qualquer coisa. Sem vida não se pode
dizer que há direitos fundamentais. Quando antropólogos afirmam que a cultura
deve prevalecer sob qualquer outra coisa, estão pretendendo preservar o patrimônio histórico indígena, o que não é errado. No entanto, quando se têm o direito á
vida, o direito maior, pai de todos os demais, não se pode exercer um juízo tão
severo assim.
Seria justo deixar que crianças indígenas morram sob o pretexto de que
não se pode interferir por causa da cultura?Assim, desenvolveu-se no presente trabalho a idéia de que não apenas pelo fato de que amanhã os povos se dispersem,
sumam, mas exclusivamente, pelo direito que tem essa criança de viver, mesmo
que portadora de uma doença ou deficiência física. Fala-se aqui de ser humano,
dotado de dignidade, desde a sua concepção. Como salienta Sarlet é questionável
até que ponto a Dignidade da Pessoa Humana:
Está acima das especificidades culturais, que, muitas vezes,
justificam atos que para a maior parte da humanidade são considerados atentatórios, mas, que em certos quadrantes, são tidos como legítimos, encontrando - se profundamente enraizados na prática social e jurídica de determinadas comunidades.
(SARLET, 2001, p.55)
A vida vai muito além do físico, e segregar a vida de crianças indígenas
43
DIREITO
E SOCIEDADE
portadoras de deficiências que foram rejeitadas pela tribo, não é desrespeitar a
cultura, mas sim, preservar os seus direitos e, fazer com que estas crianças tenham
a oportunidade de crescer, desenvolver, tomar as rédeas de suas vidas, ser feliz no
caminho que escolherem; ao passo que suas respectivas mães também devem ter
seu direito à maternidade preservados e invioláveis a despeito da cultura e credo
que seguem.
Importante apontar-se a um questionamento polêmico, mas necessário:
os defensores dos direitos humanos discutem, lutam para que os presos tenham
seus direitos respeitados, tanto que no Brasil a pena de morte é vedada, salvo em
caso de guerra declarada. Diante disso, pergunta-se: porque não fazem isso em
relação às crianças, seres que estão em desenvolvimento e que merecem toda atenção? Talvez faltem políticas públicas mais eficazes de atendimento e proteção à
criança, interesse de nossos políticos, da sociedade de um modo geral, até mesmo
porque eles não votam, não elegem.
CONCLUSÃO
Feitas as analises sobre os princípios que regulam o Direito à vida e à
cultura, no caso das crianças indígenas analisadas no presente trabalho, fica evidente o desrespeito à dignidade da pessoa humana, quando vidas e mais vidas são
retiradas sob o pretexto do relativismo cultural, praticado em determinadas tribos
indígenas brasileiras.
Acredita-se que as teorias que defendem o universalismo dos direitos
humanos se contrapõem ao relativismo cultural, uma vez que, não é possível prescrever um modelo determinado a nível universal, já que não podem se desvincular
as realidades históricas e culturais de cada nação, bem como as tradições, costumes
e valores de cada povo.
Os índios não possuem capacidade de fato para o exercício dos direitos
e deveres na ordem civil, e justamente por isso, precisam ser representados pela
FUNAI. Por isso, e pelos motivos fundamentados ao longo deste trabalho, cabe à
sociedade e ao Estado retirar as crianças em risco das aldeias, propiciarem tratamentos adequados e, posteriormente, reintegra-las ao seu lar, quando favorável a
sua proteção .
Se a sociedade civilizada evolui mais que os índios, cabe a todos auxiliarem, demonstrar que retirar a vida de outra pessoa não é correto, e sim, um crime; e
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DIREITO
E SOCIEDADE
que uma deficiência, ou até mesmo o fato de ser filho de mãe solteira não muda em
nada sua condição de pessoa, de ser humano, dotado de dignidade, como impera a
Constituição Federal.
Não é dado a ninguém retirar a vida de outrem, seja por qual motivo for.
Como procurou demonstrar a pesquisa da doutrina, para os estudiosos a dignidade
da vida humana está acima de qualquer cultura ou civilização.
Não se pode deixar que se determinem pelo direito de viver ou não da
criança indígena e, de certa forma, se “legalize” o homicídio e o infanticídio, pela
prática do chamado “homicídio sem morte” (já que as crianças, na visão dos antropólogos, não possuem pessoalização, ou seja, status de pessoa).
Essas crianças têm o direito de viver, pois deixar que os índios as matem
não é respeitar a cultura deles, é fechar os olhos diante de uma barbaridade, é retroceder aos velhos tempos quando milhares de vozes foram caladas só porque eram
diferentes.
O ECA estabeleceu uma política de proteção integral a todas as crianças,
pouco importando se são indígenas, amarelas, pobres, ricas, todas, sem exceção,
devem ser protegidas para que se desenvolvam com saúde e se tornem adultos
saudáveis.
A Carta Magna consagra os princípios da dignidade da pessoa humana e
da paternidade responsável. Reza o art. 227 ser dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, dentre outros, com absoluta prioridade, o direito à vida.
Diante da legislação vigente em todo o território nacional, que prioriza
o direito à vida do ser humano, independente de sua idade, religião, raça, credo,
devemos proteger as crianças indígenas em face da cultura e crença de seu próprio
povo e da história contada na visão dos antropólogos, pois matando as crianças
estarão fazendo com que seu povo desapareça com o passar dos anos, que sua
cultura se disperse, que não passem apenas de histórias, bem como, ainda, o mais
importante de tudo, estarão impedindo que crianças cresçam, se tornem adultos e
precursores da cultura, defensores dos costumes; que mães amamentem e acalentem seus filhos. A vida e a Dignidade da Pessoa Humana vão muito além dos outros
direitos, tanto que se você não as tem, os outros não lhe servirão de nada.
45
DIREITO
E SOCIEDADE
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47
DIREITO
E SOCIEDADE
MEDIDA DE SEGURANÇA: ANÁLISE DE
UM CASO CONCRETO
Thiago Robles Moreira1
RESUMO
Descreve um caso concreto em que foi aplicada medida de segurança de internação
ao réu. Analisa a natureza jurídica das medidas de segurança. Compara as medidas
de segurança com as penas. Estuda as características das medidas de segurança.
Verifica que pena e medida de segurança são institutos distintos. Constata que a
medida de segurança é um tratamento médico. Averigua que a medida de segurança
perdura enquanto não cessar a periculosidade do agente. Estabelece vínculo entre o
direito constitucional à saúde e a medida de segurança. Considera o cumprimento
da medida de segurança como forma de proteção ao direito de segurança de toda
a sociedade. Depreende, tendo em vista o direito individual à saúde do agente e o
direito coletivo à segurança, que a medida de segurança deve ser cumprida independentemente da vontade do inimputável.
PALAVRAS-CHAVE
Medida de segurança. Pena. Internação. Saúde. Segurança.
INTRODUÇÃO
Consoante o Código Penal, sendo o crime cometido por inimputável, ou
seja, havendo prova da materialidade e da autoria do delito, e não possuindo o réu
discernimento para entender o caráter ilícito dos seus atos, conforme conclusão de
médicos peritos, impõe-se a absolvição imprópria com a determinação de medida
de segurança.
AUTORES
1 Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina, graduado em
Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.
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DIREITO
E SOCIEDADE
Tal decisão tem se tornado um problema para os magistrados. Isto porque
a esta absolvição pode significar que uma pessoa perigosa viva livremente sem o
tratamento que lhe é devido.
Pode-se afirmar que tal medida é um tratamento dispensado ao inimputável, uma vez que, na mesma situação, tratando-se de um imputável, aplicar-se-ia
uma pena, seja ela de detenção, reclusão ou mesmo multa.
O impasse consiste na ausência de disposição legal sobre aqueles que
se recusam ao tratamento. Assim, aplicar uma medida de segurança de internação
pode significar que uma pessoa perigosa continuará convivendo em sociedade e,
portanto, oferecendo riscos aos demais. Além de tudo isso, é importante mencionar
que o inimputável tem o direito constitucional de tratar a sua própria saúde.
Entretanto, há quem afirme que a internação compulsória fere o ordenamento jurídico, posto que o direito de liberdade está garantido constitucionalmente. Ocorre que os inimputáveis, simplesmente por assim se enquadrarem, não estão
aptos a decidir sobre sua própria saúde.
Este trabalho partiu de um caso concreto de violência doméstica, no qual
a consequência foi a morte da vítima. Constatou-se que o réu era inimputável na
época dos fatos e, por esta razão, deveria submeter-se à medida de segurança de
internação. Apurou-se ainda, que a inimputabilidade foi consequência do uso indiscriminado de substâncias entorpecentes.
A partir daí, pretende-se demonstrar que o tratamento dispensado às pessoas que necessitam de medidas de segurança merece uma atenção especial, principalmente do Poder Público. Para tanto, buscou-se o conhecimento doutrinário,
bem como a pesquisa de artigos pertencentes ou não à área jurídica, publicados em
meio eletrônico e impresso.
1. DO CASO CONCRETO
Em 2006, José (nome fictício) foi denunciado pelo Ministério Público do
Estado do Paraná como incurso nas sanções do artigo 129, §3º, combinado com o
artigo 61, inciso II, letras “e” e “f”, ambos do Código Penal, ou seja, lesão corporal
seguida de morte com incidência das circunstâncias agravantes relativas ao crime
ter sido cometido contra irmão e prevalecendo-se de relações domésticas.
Isto porque, em tese, no ano de 2005, após ingerir bebidas alcoólicas até
se embriagar, passou a discutir com sua irmã e vítima Maria (nome fictício), com
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DIREITO
E SOCIEDADE
quem coabitava. Ato contínuo, começou a ofender a integridade física de Maria,
na medida em que a agrediu com tapas e socos, bem como a arremessou contra as
paredes da casa, causando-lhe diversos ferimentos.
A vítima somente foi encontrada por familiares no dia seguinte aos fatos
e, apesar de ter sido encaminhada com vida ao hospital, acabou falecendo em decorrência dos ferimentos.
Ao ser interrogado em Juízo, o acusado negou as acusações, mas disse
que faz uso de medicamentos por recomendações de psiquiatra e já esteve internado em sanatório. Além disso, afirmou que tinha o hábito de ingerir bebida alcoólica
na época dos fatos, bem como usava drogas, mais especificamente o “mesclado”,
ou seja, “maconha” e “crack” misturados.
Em razão disso, o juiz responsável pelo processo determinou que José se
submetesse a exame pericial de insanidade mental.
O exame somente foi realizado em maio de 2007, ocasião em que os peritos do Instituto Médico Legal de Londrina-PR concluíram que o acusado apresenta
transtornos mentais e de comportamento decorrentes de uso de múltiplas drogas e
do uso de outras substâncias psicoativas e psicose não orgânica não especificada
e ao tempo do fato e no momento do presente exame pericial, era e é inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Desta forma, não obstante tenha entendido que restaram comprovadas a
autoria e a materialidade do delito, ou seja, que José efetivamente agrediu Maria,
a qual veio a falecer em decorrência dos ferimentos, o juiz sentenciante absolveu
impropriamente o réu e aplicou-lhe medida de segurança de internamento.
Posteriormente, José foi intimado da sentença, dependendo a internação
de sua vontade e iniciativa.
A partir do caso concreto, este estudo segue para análise da natureza jurídica da medida de segurança e suas implicações.
2. DA NATUREZA JURÍDICA DA MEDIDA DE SEGURANÇA
Muito se discute a respeito da natureza jurídica da medida de segurança.
Há quem defenda que tem caráter de pena. Como exemplo, Prado (2010, p. 339),
que, ao tratar do assunto, afirma:
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DIREITO
E SOCIEDADE
[...] embora se insista em negar às medidas de segurança o
caráter de sanção penal – sob o argumento de que tais medidas
apresentam uma função administrativa de polícia -, é assente
na doutrina seu caráter especificamente penal. De conseguinte,
insere-se a medida de segurança no gênero sanção penal, no
qual figura como espécie, ao lado da pena.
Mirabete (2006, p. 375), por sua vez, não se compromete ao dizer que:
“[...] a medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal e, embora mantenha semelhança com a pena, diminuindo um bem jurídico, visa precipuamente à
prevenção, no sentido de preservar a sociedade da ação de delinqüentes temíveis e
de recuperá-los com tratamento curativo.”
De acordo com Nucci (2008, p. 365), a medida de segurança é uma espécie de sanção penal, mas o autor reconhece que o instituto está “[...] nitidamente
voltado ao tratamento e cura do enfermo.”
Apesar do exposto, entende-se que a medida de segurança não tem natureza jurídica de pena.
Primeiramente, pela posição que o legislador adotou ao inseri-las no Código Penal, no “Título VI”. Diversamente, como se pode facilmente perceber, o
“Título V” trata das penas. Sendo assim, caso tivesse natureza jurídica de pena, as
medidas de segurança não dariam nome a um título específico do Código Penal,
mas estariam inseridas no “Título V”.
Em segundo lugar, pois as medidas de segurança se distinguem das penas
em diversos critérios, como, por exemplo, fundamento, limite, sujeito e objetivo.
Nesse passo, é importante ressaltar que os mesmos autores que defendem terem
as medidas de segurança natureza de pena, trazem em suas obras as mencionadas
diferenças.
2.1 Fundamento
No que se refere ao fundamento, afirma-se que, enquanto a pena está
assentada na culpabilidade do agente, a medida de segurança se baseia em sua
periculosidade.
De fato, considerando que o delito é a conduta típica, ilícita e culpável,
o que se conhece também por concepção tripartida (Prado, 2008, p. 232), para que
caiba a aplicação de uma pena, faz-se necessária a ocorrência desses três critérios,
51
DIREITO
E SOCIEDADE
ou seja, a conduta deve ser típica, ilícita e culpável.
Porém, o que interessa para o presente estudo é a culpabilidade.
Prado (2008, p. 375), discorrendo sobre a definição de culpabilidade afirma que “[...] a carta brasileira se funda em uma concepção do homem como pessoa,
como ser responsável, capaz de autodeterminação segundo critérios normativos.”
Bitencourt (2009, p. 352-353) explica que, para que se possa aplicar uma
pena ao autor de um fato típico e antijurídico, faz-se necessária a presença de requisitos como capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade
de conduta conforme a norma.
Em vista disso, o fundamento da medida de segurança não poderá ser a
culpabilidade, mas sim a periculosidade, pois o inimputável, ou seja, a pessoa a que
se destina tal medida, não é necessariamente capaz de autodeterminação, de saber
o que é ilícito (potencial conhecimento da ilicitude) e, portanto, não se pode exigir
que se comporte de outra forma (inexigibilidade de conduta diversa).
Zaffaroni e Pierangeli (2004, p. 112) lecionam que “[...] para admitir a
possibilidade de censura a um sujeito, é necessário pressupor que o sujeito tem a
liberdade de escolher, isto é, de autodeterminar-se.”
Nessa esteira, caminha a determinação presente no caput do artigo 26
do Código Penal: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento.”
Como se pode perceber, o legislador deixou claro que ao inimputável não
se aplica pena.
Nucci (2008, p. 366) explica que:
O inimputável é capaz de cometer um injusto penal, isto é,
algo não permitido pelo ordenamento (fato típico e antijurídico), mas não merece ser socialmente reprovado, por ausência
de capacidade do ilícito ou de determinação de agir conforme
esse entendimento. Cabe-lhe, ao invés da pena, típica de sanção penal aplicável aos criminosos, a medida de segurança,
espécie de sanção voltada à cura e ao tratamento.
Verifica-se, pois, que o inimputável praticante de uma ação típica e ilícita
recebe um tratamento especial em relação à pessoa culpável que age do mesmo
52
DIREITO
E SOCIEDADE
modo, e esse tratamento não pode ser considerado pena ou mesmo espécie de sanção penal.
É possível citar, ainda, o texto do artigo 97, caput, primeira parte, do
Código Penal, segundo o qual “[...] se o agente for inimputável, o juiz determinará
sua internação [...]”.
Observa-se que nos casos de inimputabilidade, o juiz determina a internação da pessoa, isto é, o seu tratamento. Em momento algum, fala-se, por exemplo, em pena de internação.
O fato é que somente comete delito quem pratica o fato típico, ilícito
e é culpável. Está certo que o inimputável somente chega ao fato típico e ilícito,
pois não há como se analisar sua culpabilidade. Deste modo, nos termos do artigo
26 do Código Penal, não há como se falar em pena, mas somente em medida de
segurança.
2.2 Limite
Quanto ao limite, Prado (2010, p. 339) analisa que “[...] a pena é limitada
pela gravidade do delito (injusto e culpabilidade), enquanto a medida de segurança,
pela intensidade da periculosidade evidenciada pelo sujeito ativo e por sua persistência.”
A lei estabeleceu inúmeros critérios para o juiz aplicar a pena, tais como
as circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal, e as circunstâncias legais que estão espalhadas pelo mesmo Codex.
A utilização de tais critérios visa fazer com que o juiz respeite o princípio
constitucional da individualização da pena, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da
Magna Carta.
Sobre o mencionado princípio, Prado (2008, p. 139) explica que “[...]
a pena deve ser proporcionada ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do
agente.”
Faz-se necessário também observar que, no inciso seguinte, o legislador
constituinte proibiu pena de caráter perpétuo (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”,
da CF).
Por essa razão, para quem entende que a medida de segurança tem natureza jurídica de pena, a mencionada proibição também se aplicaria, tornando
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DIREITO
E SOCIEDADE
inconstitucional um tratamento de caráter perpétuo. Contudo, os defensores dessa
corrente não apresentam uma solução para o problema.
Isto porque, considerando que esses mesmos doutrinadores afirmam se
assentar a medida de segurança na periculosidade do agente, supondo que apesar
de submetido a tratamento essa periculosidade não cesse, em tese, não haveria
como encerrar a medida.
Assim, especulam-se soluções.
Bitencourt (2009, p. 749), por exemplo, afirma que:
As duas espécies de medida de segurança – internação e tratamento ambulatorial – têm duração indeterminada, perdurando enquanto não for constatada a cessação da periculosidade,
através de perícia médica (...). Começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo de pena abstratamente cominada ao delito, pois
esse seria o limite da intervenção estatal, seja a título da pena,
seja a título da medida, na liberdade do indivíduo, embora
não prevista expressamente no Código Penal, adequando-se à
proibição constitucional do uso da prisão perpétua.
Tem-se, no entanto, se tratar mais de uma saída doutrinária com o intuito
de solucionar um problema que causa inquietação.
Mirabete (2006, p. 379), por sua vez, leciona que:
A medida de segurança é executada, em princípio, por tempo indeterminado, fixado apenas o prazo mínimo, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a
cessação da periculosidade (art. 97, §1º). Hoje, porém, com
fundamento nos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da igualdade, da intervenção mínima e de humanidade,
tem-se pregado a limitação máxima de duração da medida de
segurança.
Nota-se que, apesar de elencar diversos princípios os quais poderiam solucionar a questão, o mencionado autor não estabelece o limite para o cumprimento da medida de segurança, pois isso não é possível.
Se o fundamento da medida de segurança é a periculosidade do agente e
se esta ainda não cessou, como é possível admitir o encerramento do tratamento,
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DIREITO
E SOCIEDADE
deixando a pessoa a sua própria sorte? E os riscos que a pessoa, ainda perigosa,
apresenta as demais que convivem em sociedade?
Mirabete (2006, p. 377) cita que “[...] a lei presume a periculosidade dos
inimputáveis, determinando a aplicação de medida de segurança àquele que cometeu o ilícito e se apresenta nas condições do art. 26 [...]”.
O mesmo autor leciona que “[...] cessando a periculosidade, não há mais
que se executar qualquer medida de segurança e, se a periculosidade permanece,
prossegue a execução daquela que está em curso [...]” (MIRABETE, 2007, p. 740).
Por se constituir de um tratamento e não de uma pena, não cessada a
periculosidade, está claro que o agente ainda não está preparado para conviver em
sociedade, independentemente de quanto tempo durar.
2.3 Sujeito
De acordo com Prado (2010, p. 339), “[...] a pena se aplica aos imputáveis e semi-imputáveis; a medida de segurança, aos inimputáveis e semi-imputáveis necessitados de especial tratamento curativo.”
Em relação ao sujeito, observa-se que a pena somente poderá ser aplicada
ao imputável, ou seja, àquele que possui total discernimento e ao semi-imputável,
desde que este não necessite de tratamento especial curativo, pois nos casos em que
precisarem, caberá a aplicação de medida de segurança. Da mesma forma, deverá
se proceder quando se tratar de inimputável.
Sendo assim, somente quando o sujeito for semi-imputável será possível a aplicação de pena ou de medida de segurança, a depender do grau da semi-imputabilidade.
Portanto, verifica-se que até no que se refere ao critério sujeito a medida de segurança é totalmente distinta da pena. No entanto, o objeto do presente
trabalho são os inimputáveis, aos quais somente cabe a aplicação da medida de
segurança.
2.4 Objetivo
Este critério pode também ser chamado de finalidade e se relaciona com
todos os anteriores.
Beccaria (1998, p. 52) já reconhecia que “[...]o fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os
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DIREITO
E SOCIEDADE
outros de agir desse modo”.
Sobre o tema, Mirabete (2006, p. 246) ensina que “[...]desde a origem
até hoje, porém, a pena sempre teve o caráter predominantemente de retribuição,
de castigo, acrescentando-se a ela uma finalidade de prevenção e ressocialização
do criminoso”.
Dias (apud MENDES, 2010, p. 553) vai mais além ao dizer que:
[...] a pena tanto pode ser vista como mecanismo de intimidação de outras pessoas para que não cometam fatos puníveis (prevenção geral negativa), quanto como instrumento
de reforço da confiança da comunidade na vigência das normas penais (prevenção geral positiva ou de integração). Por
seu turno, as doutrinas de prevenção especial ou individual
assentam-se na atuação sobre a pessoa do delinqüente com o
fim de evitar que venha a cometer novos crimes. Objeto de
críticas em razão de seu caráter pretensamente utópico, a idéia
de prevenção especial revela também compatibilidade com a
função do direito penal como direito de tutela subsidiária dos
bens jurídicos. As doutrinas de prevenção especial tanto podem ser vistas como instrumentos de prevenção especial negativa (separação, segregação ou neutralização do delinqüente)
quanto como mecanismo de prevenção especial positiva ou de
socialização (inserção social, socialização ou ressocialização).
Cogita-se ainda de uma finalidade autônoma e nova da pena,
que seria a de realizar uma possível concertação entre agente e
vítima mediante a reparação dos danos patrimoniais e morais
causados pelo crime (justiça restaurativa).
De qualquer modo, tem-se que os objetivos ou as finalidades da pena, em
suma, são a retribuição, prevenção ou ressocialização do condenado. A primeira
refere-se à punição, ao castigo “merecido” pelo condenado. A segunda trata-se
de um aviso para a sociedade: quem agir da mesma forma que o condenado será
apenado. A última relaciona-se com a recuperação do indivíduo; ressocializar seria
o mesmo que reintegrá-lo paulatinamente à sociedade.
Por sua vez, a medida de segurança, segundo a doutrina, atende apenas
fins preventivos especiais.
Deste modo, se forem adotadas as lições supramencionadas, concluir-se-á que as medidas de segurança têm a finalidade de segregar o inimputável após
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DIREITO
E SOCIEDADE
a prática do delito (prevenção especial negativa), bem como de socializá-lo, neste
caso, tratá-lo para que possa voltar a viver em sociedade (prevenção especial positiva).
Vale citar também Nucci (2008, p. 990), segundo o qual:
[...] a pena tem caráter multifacetado, envolvendo, necessariamente, os aspectos retributivo e preventivo, este último nos
prismas positivo geral e individual, bem como negativo geral
e individual [...]. Não se pode pretender desvincular da pena
o seu evidente objetivo de castigar quem cometeu um crime,
cumprindo, pois, a meta do Estado de chamar a si o monopólio
da punição, impedindo-se a vingança privada e suas desastrosas conseqüências, mas também contentando o inconsciente
coletivo da sociedade em busca de justiça cada vez que se depara com lesão a um bem jurídico tutelado pelo direito penal.
[...] A medida de segurança, por sua vez, tem a finalidade de
prevenir o cometimento de novos delitos e garantir a cura do
autor do fato havido como infração penal, quando constatada a
sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade.
Assim, como se pode perceber, diferentemente da pena, na medida de
segurança não há a finalidade do castigo, da retribuição, pois o inimputável não
agiu de acordo com uma decisão de vontade e, portanto, não tem sentido “revidar”.
É preciso considerar também que a finalidade do castigo é essencial à
pena e sempre foi, assim como assinalou Mirabete, mais um motivo pelo qual não
se pode atribuir o caráter de sanção penal à medida de segurança.
2.5 Espécies
ta.
As penas podem ser privativas de liberdade, restritivas de direito ou mul-
Resumidamente, as penas privativas de liberdade se dividem em reclusão e detenção. Na primeira, o condenado poderá iniciar o cumprimento da pena
até no regime fechado. Na segunda, o regime mais gravoso a ser aplicado será o
semiaberto.
No regime fechado, a pena privativa de liberdade será cumprida em estabelecimento de segurança máxima ou média, nos termos do artigo 33, §1º, alínea
“a”, do Código Penal. De acordo com o disposto na alínea seguinte, do mesmo dis-
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DIREITO
E SOCIEDADE
positivo legal, no regime semiaberto, a pena privativa de liberdade será cumprida
em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.
Nos termos do artigo 33, §1º, alínea “c”, do Código Penal, no regime
aberto, a pena privativa de liberdade será executada em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
As penas restritivas de direito estão previstas no artigo 43 do Código
Penal e podem ser de prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos
e limitação de fim de semana. Tais penas têm como finalidade substituir as penas
privativas de liberdades, quando atendidas as condições previstas no artigo 44 do
Código Penal.
A pena de multa está disciplinada nos artigos 49 a 52 do Código Penal
e “consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e
calculada em dias-multa”. (caput, do artigo 49, do Código Penal).
Por sua vez, as medidas de seguranças estão inseridas no Título VI do
Código Penal, a partir do artigo 96, e podem ser de “internação em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado
(inciso I); sujeição a tratamento ambulatorial” (inciso II).
Prado (2008, p. 627) assinala que “a internação em hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico destina-se obrigatoriamente aos inimputáveis que tenham
cometido crime punível com pena de reclusão e facultativamente aos que tenham
praticado delito cuja natureza da pena abstratamente cominada é de detenção (art.
97, CP).”
Infere-se, assim, que, ao elaborar a letra do artigo 97 do Código Penal, o
legislador tentou vincular a espécie de medida de segurança a ser aplicada à pena
abstratamente cominada ao delito. Isto porque, em regra, no caso de inimputabilidade, determinou que cabe internação. Entretanto, quando o crime cometido for
apenado abstratamente com detenção, facultar-se-á ao juiz a aplicação de medida
de segurança de internação.
No entanto, Cerezo Mir (apud PRADO, 2008, p. 627/628) leciona:
É preciso destacar, por oportuno, que o Direito Penal deve organizar um sistema de medidas de segurança desvinculado e
independente da culpabilidade e não limitado pelas exigências
do princípio de culpabilidade. O fundamento das medidas de
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DIREITO
E SOCIEDADE
segurança é exclusivamente a periculosidade criminal do autor, ou seja, a probabilidade de que volte a delinqüir futuramente. [...] O delito cometido pode ser de pouca gravidade,
mas a prática futura de delitos muito graves pode se apresentar
como provável.
Sendo assim, não se pode admitir que a medida de segurança seja ou não
de internação de acordo com o delito cometido, mas deve ser aplicada conforme a
necessidade da pessoa que receberá o tratamento.
Pode-se dizer que a internação tem caráter detentivo, enquanto que o
tratamento ambulatorial tem caráter apenas restritivo e, de acordo com Mirabete
(2007, p. 745):
[...] corresponde às atuais tendências de ‘desinstitucionalização’ do tratamento ao portador de doença mental ou de perturbação da saúde mental, bem como de desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. Imposta tal medida de segurança,
cumpre ao sentenciado comparecer ao hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico nos dias que lhes forem determinados
pelo médico, a fim de ser submetido à modalidade terapêutica
prevista, permitindo-se, porém, a assistência médica em outro
local com dependências médicas adequadas.
Deve-se observar que a legislação anterior permitia cumular medida de
segurança com penas, quando se tratava de semi-imputáveis e imputáveis considerados perigosos, o que era conhecido como sistema duplo binário (MIRABETE,
2006, p. 375).
Outrossim, o legislador moderno extingue “[...] a medida de segurança
para o imputável e institui o sistema vicariante para os fronteiriços[...]” (Exposição
de Motivos da Nova Parte Geral do CP, art. 87).
Isto significa que, a partir dessas alterações, ao inimputável somente caberá a aplicação de medida de segurança, mesmo que seja considerado perigoso.
Vale esclarecer que o sistema vicariante determina que não pode mais haver cumulação de medida de segurança com pena.
Mirabete (2006, p. 375) ainda analisa que, ao proibir tal cumulação, o
legislador adotou o princípio da fungibilidade entre pena e medida de segurança.
Contudo, não parece ser esse o motivo, mas sim o reconhecimento de que
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DIREITO
E SOCIEDADE
tais institutos, pena e medida de segurança, possuem naturezas jurídicas distintas,
principalmente por suas respectivas finalidades e, portanto, não podem ser cumulados.
3. DO DIREITO AO TRATAMENTO
Por tudo que foi analisado, não parece haver dúvidas quanto à natureza
jurídica da medida de segurança.
No entanto, caso ainda haja, vale citar a afirmação de Mirabete (2007,
p. 739), de acordo com o qual “[...] a medida de segurança somente é aplicável
ao inimputável, obrigatoriamente, ou ao semi-imputável, facultativamente e em
substituição à pena quando o acusado necessitar de especial tratamento curativo.”
Desta forma, está certo que a medida de segurança constitui uma forma
de tratamento e se baseia na periculosidade do agente. Sendo assim, uma vez comprovado que não cessou a periculosidade, não há fundamento para o término do
tratamento.
Resta analisar a obrigatoriedade da internação.
Conforme antes visto, enquanto a medida de segurança de internação
tem caráter detentivo, o tratamento ambulatorial tem natureza apenas restritiva,
cabendo ao sentenciado comparecer ao hospital de custódia e tratamento psiquiátrico nos dias que lhes forem determinados pelo médico, a fim de ser submetido à
modalidade terapêutica prevista.
Pelo que foi verificado, quando se tratar de tratamento ambulatorial, o
sentenciado decidirá se irá ou não se submeter à medida de segurança. Nada se fala,
porém, quanto à medida de internação.
No caso em análise, os Srs. Peritos do Instituto Médico Legal de Londrina-PR (2007) concluíram que o examinando, “[...] ao tempo do fato e no momento
do presente exame pericial, era e é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Além disso, afirmam que o examinando “[...] necessita de tratamento em nível de internação, em
instituição especializada que possua condições ideais de segurança (Manicômio
Judiciário)”. Isto porque, “[...] se não estiver em tratamento especializado poderá
voltar a delinqüir”.
Apesar dos autores pesquisados afirmarem que a internação se trata de
uma medida de segurança de natureza detentiva, nenhuma solução foi encontrada
60
DIREITO
E SOCIEDADE
para a vida prática.
Após concluir que, no caso em foco, José praticou um fato típico e ilícito
e se trata de uma pessoa perigosa, com fundamento nos artigos 26 e 96, do Código
Penal, o Juiz de Direito o absolveu impropriamente, aplicando medida de internação.
Quando a decisão transitar em julgado, o que acontecerá em relação ao
sentenciado?
A solução poderia estar na Lei de Execução Penal, mais especificamente
nos artigos 171 a 174. Contudo, da leitura dos referidos dispositivos legais, não se
pode extrair uma conclusão quanto à obrigatoriedade da internação.
Nas doutrinas pesquisadas, os autores não trazem uma solução satisfatória para o problema. Parece que a resposta esbarra no direito de liberdade.
Ao comentar o direito de liberdade da pessoa física, Georges Burdeau
(apud Silva, 2005, p. 237) afirma que “[...] é a possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhora de sua própria vontade e de locomoverem-se desembaraçadamente dentro do território nacional.”
De fato, a medida de internação implica em privação de liberdade, razão
pela qual possui natureza detentiva.
Não obstante fira o direito de liberdade, entende-se que, nos casos em
que seja determinada a internação, deve haver obrigatoriedade no cumprimento
da medida pelo sentenciado. A internação tem que ser compulsória, mesmo que a
vontade do sentenciado seja outra.
Como se pode perceber, no caso em análise, verificou-se que o sentenciado era ao tempo dos fatos e é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do
fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Sendo assim, considerando que tal situação perdure até a intimação do
trânsito em julgado da decisão que determinou a internação, não se pode esperar
que o sentenciado saiba o que deva fazer.
Neste passo, é importante firmar que o direito à saúde e até mesmo à vida
deve se sobrepor ao direito à liberdade.
No artigo 6º da Constituição Federal está garantido o direito à saúde
como postulado fundamental da ordem social brasileira. Além disso, nos artigos
196 a 200 há esclarecimentos quanto ao papel reservado ao Estado no que tange ao
direito de assistência à saúde. É possível afirmar que se trata do principal direito
fundamental social albergado pela nossa Constituição.
61
DIREITO
E SOCIEDADE
Ademais, o artigo 1º, inciso III, da Carta Magna tutela a “dignidade da
pessoa humana”, o qual é o princípio inquestionável, de maior valor do ordenamento jurídico pátrio, de modo que a tutela do direito à saúde deve ser vista, também,
sob tal ótica.Além disso, o direito à saúde também foi reconhecido pela Declaração
Universal da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, que declara expressamente que a saúde e o bem-estar da humanidade são direitos fundamentais do
ser humano.
No mesmo sentido, nas convenções e nos tratados internacionais (como,
por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos), reconhecidos
e ratificados pelo Brasil, também são encontradas referências ao direito à saúde
como direito social fundamental.
Observa-se a necessidade do consentimento esclarecido (obtido livremente, sem ameaças ou persuasão indevida, após esclarecimento apropriado) para
a administração de qualquer tratamento. Todavia, admite-se, no caso da recusa irracional do paciente em submeter-se ao tratamento, que o consentimento seja suprido
por um representante pessoal ou por uma autoridade independente.
Concluiu-se que José apresenta “transtornos mentais e de comportamento
decorrentes de uso de múltiplas drogas e do uso de outras substâncias psicoativas”.
Isto significa dizer que José é dependente químico e que seus problemas
ocorreram em decorrência do vício. Durante o exame, a irmã de José narrou aos peritos que ele começou a apresentar problemas de comportamento aos vinte e cinco
anos de idade, o que evidencia que as drogas são a origem dos distúrbios.
As drogas, como se sabe, são um problema de saúde pública. Não há
nenhuma dúvida de que José precisa de tratamento para abandonar o vício. Mas,
no caso dele, não há como esperar que resolva aceitar a determinação do Juiz de
Direito e se interne voluntariamente.
O problema do uso de substâncias entorpecentes é tão grave que está
constantemente em pauta nas discussões em diversos setores da sociedade.
Como exemplo, é possível citar a matéria veiculada de capa da Revista
Época, edição 690, de 08 de agosto de 2011, cujo título é “Crack, internar à força
resolve?”.
Analisou-se a ação implantada pela Secretaria de Assistência Social do
Rio de Janeiro que consiste em tirar, “na marra”, dependentes de crack, das cracolândias existentes na cidade. Agentes da mencionada secretaria, apoiados por
policiais civis e militares, fazem operações, com essa finalidade, 03 (três) vezes
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DIREITO
E SOCIEDADE
por semana e já recolheram 1.319 pessoas, sendo 1.065 adultos e 254 crianças e
adolescentes.
Como não poderia ser diferente, o projeto implantado no Rio de Janeiro
sofreu críticas de todas as naturezas.
Segundo a OAB, por exemplo, “[...] as pessoas maiores de idade, salvo se
interditadas, podem praticar todos os atos da vida civil: podem votar, podem casar,
ir aonde quiserem. Em hipótese alguma, podem ser compulsoriamente internadas.
Vou até mais longe: se o Kassab e os outros governantes insistirem nisso, correrão
o risco até de parar num tribunal internacional por praticar crime contra a humanidade” (afirma o jurista Walter Maierovitch).
Esta visão, no entanto, demonstra apenas a análise fria da lei. Parece que
o caso concreto, a realidade social e até mesmo a Constituição foram esquecidos.
O Promotor de Justiça Marcelo Barone, por sua vez, questiona se o direito de ir e vir se sobrepõe ao direito à saúde.
O Doutor Dráuzio Varella ressalta que a internação compulsória dará
pelo menos uma chance à pessoa.
O fato é que isso ainda trará muita discussão. De qualquer modo, o problema é tão preocupante, que já há locais em que a internação é compulsória em
razão da dependência da pessoa.
Desta forma, a única finalidade dessa internação seria a recuperação da
pessoa, no que se refere, principalmente, à saúde.
Entretanto, no caso em análise, além do fator saúde, há o motivo periculosidade.
Conforme já mencionado, os peritos que examinaram José concluíram
que se ele não se submeter a tratamento especializado poderá voltar a delinqüir.
Soma-se a isso o fato de ter ficado comprovado que José causou a morte da própria
irmã após agredi-la fisicamente, ou seja, não há qualquer dúvida de que se trata de
uma pessoa violenta.
Se José assim agiu com a irmã, com quem coabitava, o que poderia fazer
com outras pessoas, caso não fosse internado?
Durante a instrução processual, foi possível perceber que as testemunhas
arroladas pela acusação, sendo uma irmã de José e de Maria, estavam visivelmente
constrangidas de relatarem os fatos que conheciam na presença do primeiro. Mais
do que constrangidas, estavam com medo da reação de José. De qualquer modo,
não deixaram de afirmar que José apresentava um comportamento violento e, por
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DIREITO
E SOCIEDADE
vezes, envolveu-se com fatos relacionados à agressões físicas.
Sendo assim, não há qualquer dúvida de que José tem direito ao tratamento, o qual terá a finalidade de lhe proporcionar mais qualidade de vida ou até
mesmo, livrá-lo da morte se for levado em consideração o problema com as drogas.
Na reportagem citada, enfatizou-se que o caminho do viciado quase sempre é a morte. Tal constatação não causa espanto. Sabe-se que grande parcela da
criminalidade está relacionada direta ou indiretamente com o uso de substância
entorpecente.
O tráfico de drogas é responsável por movimentar vultosas quantias de
dinheiro e, em razão disso, cria a falsa ilusão de que é uma boa oportunidade para
jovens sem muita perspectiva, principalmente para os que vivem em comunidades.
Mais grave ainda é quantidade de homicídios que ocorrem em decorrência de dívidas com traficantes ou mesmo rixas entre estes por pontos de venda.
Além de todos esses fatores que devem ser considerados quando se trata
de uma pessoa envolvida com o uso de substância entorpecente, no caso do José ou
de qualquer pessoa a qual seja indicada a medida de internação, deve ser considerada a periculosidade.
Isso significa que, além do direito que o José tem de se tratar, há o direito
da sociedade de ter segurança. Esse direito está previsto no artigo 5º, caput, da
Constituição, que trata da inviolabilidade do direito à segurança.
No entanto, consoante Lima (2004), tal direito deve ser considerado
como um conjunto de garantias. Segundo ele, essa soma de direitos aparelha situações, proibições, limitações e procedimentos destinados a assegurar o exercício e
o gozo de algum direito individual fundamental (intimidade, liberdade pessoal ou
a incolumidade física ou moral).
Como se pode perceber, menciona-se proibições e limitações, bem como
a necessidade de se assegurar direito individual fundamental como, por exemplo,
liberdade pessoal ou incolumidade física ou moral.
Aplicando-se ao caso em análise, observa-se a necessidade de proibir que
uma pessoa comprovadamente perigosa (José) retire a liberdade de outros indivíduos ou até mesmo atente contra a incolumidade destes, como aconteceu.
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DIREITO
E SOCIEDADE
4. CONCLUSÃO
Verifica-se, portanto, que as medidas de segurança merecem maior atenção, porque constituem um importante meio de separar criminosos de pessoas que
necessitam de tratamento.
Não há dúvidas de que a medida de segurança possui natureza jurídica
de tratamento, pois se funda na periculosidade do agente e não na culpabilidade e,
principalmente por essa razão, não tem caráter de retributividade.
Sendo assim, quando cabível, a medida de segurança de internação deve
ser imposta ao inimputável, o qual deverá ser internado coercitivamente, caso se
oponha, já que não tem o discernimento necessário para decidir sobre sua saúde.
Soma-se a isso o fato de que, se não for internado, não receberá o tratamento que
lhe é de direito. Aqui está se falando de direito à saúde e, até mesmo, de direito à
vida e, em segundo plano, do direito à segurança de terceiros.
No caso analisado, a inimputabilidade ocorreu em decorrência do uso de
substâncias entorpecentes, um dos maiores problemas sociais atualmente. Observou-se que, dificilmente, o dependente químico se recupera e abandona o vício.
As chances certamente aumentam quando há voluntariedade. Porém, nos casos em
que não há vontade, talvez a única chance de recuperação seja a internação forçada.
É preciso notar também que, enquanto houver periculosidade, manter-se-á a medida de segurança, o que não significa necessariamente dizer que tenha
caráter perpétuo.
Obviamente, não se pretende que o inimputável seja esquecido em um
manicômio judiciário. Espera-se que a internação, nos termos deste trabalho, ocorra quando houver estrutura para fornecer o devido tratamento, pois a inimputabilidade deve ser revista periodicamente, conforme previsão legal.
Assim sendo, é claro que não basta apenas previsão legal para disciplinar
o tema. Faz-se necessária a intervenção do Poder Público no sentido de proporcionar estrutura consistente principalmente em construir estabelecimentos adequados
e contratar funcionários devidamente preparados.
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E SOCIEDADE
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E SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE SOCIAL DA
EMPRESA E DOS BANCOS COMO MEIO
DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA HUMANA
Emilim Shimamura1
RESUMO
O tema da Segurança Humana ganha novos contornos quando o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) passa a debater e conceituar este
fenômeno como um dos temas relevantes a serem enfrentados pelos Estados. No
que pese o conceito ser construído a partir de sete dimensões é possível afirmar que
há nele um direcionamento comum, tendo por principal objetivo promover a segurança humana na defesa de direitos fundamentais. Assim, em consonância com o
tema da Segurança Humana, a pesquisa buscou trazer a Responsabilidade Social
da Empresa como um dos caminhos para que àquela seja alcançada, não apenas
abordando a necessidade de parceria entre Estado, Sociedade Civil e Empresa,
mas, sobretudo, por enfocar o novo papel do Setor Financeiro como parceiro na
construção da Responsabilidade Social dos Bancos, como será estudado o caso do
programa nas Nações Unidas UNEP FI.
PALAVRAS-CHAVE
Segurança Humana. Responsabilidade Social da Empresa. UNEP FI.
1. INTRODUÇÃO
O tema da Segurança Humana ganha novos contornos quando, em 1994,
o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento passa a debater e conceituar este fenômeno como um dos temas relevantes a serem enfrentados pelos
Estados. No que pese o conceito ser construído a partir de sete dimensões é possível afirmar que há nele um direcionamento comum, tendo por principal objetivo
AUTORES
1 Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina - UEL. Especialista em
Direito Constitucional Contemporâneo pelo IDCC. Especialista em Direito e Processo do Trabalho
pela LFG. Graduada em Direito pela UEL.
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promover a segurança humana na defesa de direitos fundamentais.
Assim, em consonância com o tema da Segurança Humana, a pesquisa
buscou trazer a Responsabilidade Social da Empresa como um dos caminhos para
que àquela seja alcançada, abordando tanto de que esta deve ser compartilhada entre Empresas, Sociedade e Estados, mas também pela atuação do setor financeiro.
Neste sentido, foram tecidas breves considerações sobre a Segurança Humana, apontando as suas sete dimensões, finalidade e critérios, no sentido de demonstrar a estreita relação entre o tema a necessidade da participação dos governos
na promoção de políticas públicas.
Além disso, abordou-se também a Responsabilidade Social da Empresa
como um dos instrumentos para que a seja promovida a Segurança Humana, sobretudo, no aspecto ambiental e econômico.
O segundo ponto irá tratar da parceria entre Estado, Sociedade Civil Organizada e Empresas para que a Responsabilidade Social da Empresa possa ser
efetivada. Deste modo, será abordada a parceria entre Estado e Empresas, no que
pese a contribuição do art. 174 da CF/88 e a repercussão deste dispositivo constitucional na criação de leis de incentivo.
Ainda no mesmo ponto, destaca-se também a parceria entre Empresas e
Sociedade Civil Organiza, dando-se enfoque ao papel das ONGs e da possibilidade
das empresas atuarem através de doações ao terceiro setor, sobretudo, em projetos
sociais e ambientais.
Por fim, o terceiro ponto tratará de uma nova forma de Responsabilidade
Social da Empresa, vinda do setor financeiro, em que os bancos passam a atuar em
prol da sustentabilidade do planeta. Será abordado, sobretudo, a parceria realizada
entre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o UNEP
FI, grupo de quase 200 empresas composta por bancos, seguradoras e investidores
internacionais que buscam uma forma sustentável de atuação no setor financeiro.
Além disso, o trabalho também aborda a parceria firmada em 2011 entre
UNEP FI e FELABAN, demonstrando que a América Latina passa por um importante período de transição no setor financeiro, trazendo novas perspectivas para a
chamada finanças sustentáveis.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A SEGURANÇA HUMANA
O tema sobre a Segurança Humana pode ser visto como um fenômeno
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E SOCIEDADE
de múltiplas dimensões, que tem como fim a proteção da pessoa humana em sua
dignidade política, pessoal, alimentar, física, social, ambiental e econômica. Em
1994, a Organização das Nações Unidas, em razão do risco global a que estava exposta a sociedade mundial, anunciou, através de seu Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), a necessidade dos Estados buscarem meios para
promoção da Segurança Humana, o que se tornou um marco histórico no que pese
a definição do conceito e início para o debate mundial sobre o tema. (BASSOLI,
2008: 110-111)
Neste sentido, ao buscar a definição conceitual, foi entendido que deveria
conter em sua construção sete dimensões sobre o referido fenômeno, tais como:
a) a segurança econômica, que busca a proteção do trabalho e o fortalecimento de
um sistema público de proteção ao desemprego; b) segurança alimentar, visando
o acesso a alimentos básicos; c) segurança da saúde, no sentido de promover um
atendimento contra enfermidades em geral; d) segurança ambiental para o combate
a degradação excessiva e prevenção de futuros danos; e) segurança pessoal contra
ameaças de violências em geral; f) comunidade de segurança que visa o resgate à
cultura tradicional e à noção de pertencimento de grupo, cultura e etnia; g) segurança política para garantia dos direitos fundamentais de primeira geração. (ibidem:
111)
Segundo Bassoli, o objetivo do estudo “é indicar parâmetros aos governos para cumprir suas atribuições constitucionais em favor da vivência conforme
paradigma da segurança humana”. E prossegue: “inclui construir políticas públicas
de proteção e prevenção dos diversos riscos que atingem as vulnerabilidades humanas” (ibidem: 109)
Assim, as citadas dimensões permitem que a defesa por direitos fundamentais seja uma meta previamente definida pelos governos, devendo estar pautadas por dois critérios, o primeiro é a necessária abordagem empírica dos dados
coletados e o segundo é a finalidade em estar direcionada para a criação de políticas públicas. (ibidem: 111)
2.1 Responsabilidade Social da Empresa como Instrumento de Promoção da
Segurança Humana
Como são sete as dimensões que compõem o conceito de Segurança Humana, cabe notar que cada uma delas pode ter previsão legal e constitucional separada, mas, no entanto, trata-se de um conjunto de normatizações positivadas que
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E SOCIEDADE
interagem entre si e visam objetivos comuns.
Neste sentido, ao avaliar se a Constituição Federal de 1988 teria previsto
as sete dimensões, Juan Pablo Fernandez Pereira, em sua tese de doutoramento intitulada “La Seguridad Humana Un Derecho Emergente”, entendeu que a referida
Carta traz em seu bojo previsão para todas as dimensões citadas, cabendo ao Estado, Sociedade Civil Organizada e Empresas a promoção de ações que permitam
a consecução deste programa internacional de defesa à segurança da humanidade.
(apud BASSOLI, 2008; 109-112)
Para melhor situar o tema em questão, qual seja, da possível relação entre
Responsabilidade Social da Empresa e Segurança Humana, o art. 170 da CF/88 irá
trazer o “regime jurídico-econômico que deve nortear todas as relações empresariais e também os governos diante do domínio econômico”. (BASSOLI, 2008: 126)
Assim, a empresa deve atuar no sentido de observar a soberania nacional,
a função social da propriedade, o respeito à livre concorrência, o regime da livre
iniciativa, a observância às normas ambientais, a busca pelo pleno emprego, o respeito às relações de consumo e observar a valorização do trabalho e a dignidade da
pessoa humana como fundamento de toda ação econômica.
Deste modo, verifica-se que as duas dimensões da segurança mais freqüentes na ação empresarial responsável são a ambiental e a econômica, devendo
aquela encontrar limites na sustentabilidade ambiental, como também nas relações
de trabalho, onde o paradigma clássico baseada na eficiência, organização e resultado, seja também construído a partir de um novo tipo de gestão empresarial que
empregue a solidariedade, bem-estar, segurança e liberdade. (BASSOLI, 2008)
3. PARCERIA ENTRE ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E EMPRESAS
O tema de relevante destaque quando o assunto é Responsabilidade Social da Empresa diz respeito à forma como cada ente pode contribuir para a sua
promoção, ou seja, saber como o Estado, a Sociedade Civil Organizada e a Empresa atuam e quais as parcerias possíveis entre eles.
Bassoli destaca o papel do Estado quando da atuação para promoção de
direitos que permite deflagrar o processo de positivação de normas jurídicas no
sentido de efetivar as sete dimensões. Neste sentido, assim expõem:
Por meio da positivação é possível identificar quem são os sujeitos de direito que tem atribuição de promover as dimensões
71
DIREITO
E SOCIEDADE
em análise. Para expor melhor este argumento é importante
lembrar que: i) positivar será aqui considerado como aquele
fenômeno de produção de normas jurídicas com base nos valores e normas jurídicas de nível constitucional; ii) a produção
de normas jurídicas novas (inaugurais) ocorre por iniciativa do
órgão Legislativo, das normas regulamentares (secundárias)
por iniciativa do órgão Executivo e das normas concretas e
individuais (secundárias) para resolver conflito de interesses
por iniciativa do órgão Judiciário; iii) as normas jurídicas trazem direitos e deveres jurídicos (normas de direito material),
bem como indicam as antijuridicidades e as sanções (norma de
direito processual); iv) com a existência da norma de direito
material e a ocorrência no mundo das vivências/convivências
do fato nela previsto é que se instala uma relação jurídica que
permite apontar os direitos subjetivos e os deveres jurídicos;
v) diante da norma de direito processual e da constatação no
mundo das vivências/convivências de que os deveres jurídicos
não foram cumpridos, o Estado deverá ser chamado e, na atribuição de exercício da tutela jurisdicional, em um processo,
impor a sanção prevista. (2008: 126)
Neste sentido, verifica-se que um dos papéis do Estado está em criar
normas jurídicas. Assim sendo, no que pese disposição do art. 174 da CF/88, é de
competência estatal a ação interventiva através de criação de normas infraconstitucionais para “regular ou incentivar ações de iniciativa privada que contribuam para
a sustentabilidade humana”(BASSOLI, 2008: 123), que no caso em análise, para
promover a responsabilidade social da empresa.
O Estado, deste modo, pode criar normas de incentivo, ou chamada normas indutoras de comportamento, geralmente de cunho fiscal, para induzir que
empresas passem a efetivar programas de responsabilidade social ou ambiental.
Há também outras formas legais do Estado atuar, através de normas sancionatórias
obrigando a empresa a atuar dentro de determinados limites.
Deste modo, verifica-se a relação de parceria entre Estado e Empresa no
primeiro caso. Algumas leis de incentivo atualmente vigentes em nosso ordenamento merecem destaque, como aquelas que estimulem a cultura. Trata-se basicamente de deduções no Imposto de Renda como a Lei 8.313/91(Rouanet), e a Lei nº
8.685/93 (Audiovisual).
Cabe destacar ainda, dados da Secretaria da Receita Federal, divulgados
72
DIREITO
E SOCIEDADE
pelo Valor Econômico, apontam que em 2007 havia previsibilidade de serem investidos R$ 1,1 bilhão reais em incentivos às empresas, tais valores representam
apenas 1,09% do total de R$ 52,7 bilhões de desonerações previstas para 2007 e de
0,048% do Produto Interno Bruto (PIB).
No Brasil as empresas podem abater até 2% do imposto de renda devido,
com base no lucro real, desde que façam doações à entidades sem fins lucrativos,
este valor aumenta para 4% no caso de doações à projetos culturais, como verificado acima, e passa a 1% se tratando de doações destinadas ao Fundo da criança e do
adolescente. ( OLIVEIRA; SCHWERTNER, 2009)
Deste modo, o empresariado pode contar também com abatimentos relativos ao FUNCRIANÇA, que se constitui como um fundo especial gerido pelo
Conselho da criança e do adolescente (CONDECA), que fiscalizam e aplicam as
doações e demais receitas do fundo. Segundo Oliveira “no que se refere às pessoas
jurídicas, o valor das doações ao FUNCRIANÇA são dedutíveis do Imposto de
Renda devido mensal, estimado, trimestral ou anual, calculado na alíquota de 15%,
limitando a 1% deste, desde que efetuado no próprio período-base”. (OLIVEIRA;
SCHWERTNER, 2009: 7)
Há também outras ferramentas para a responsabilidade social da empresa
como o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que viabilizam bolsas de
estudos para alunos da graduação de baixa renda, desde que cumpram com os requisitos do art. 1º da Lei. N.º 096/2005, no qual a instituição de ensino terá isenção
de alguns impostos e contribuições, “tais como Imposto de Renda da Pessoa Jurídica; da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido; do COFINS – Contribuição
Social para o Financiamento da Seguridade Social; Contribuição ao Programa de
Integração Social – PIS”. ( OLIVEIRA; SCHWERTNER, 2009: 7- 8)
Existe ainda a possibilidade de serem feitas doações à OSCIPs (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), entidades sem fins lucrativos
que obtém certificação de órgão federal para atuarem em diversas finalidades socioambientais, contanto com facilidades e financiamentos regulados pela Lei nº
9.790/99. Segundo Oliveira, “as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real podem
contabilizar a contribuição como despesa dedutível para fins de Imposto de Renda
e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) [...] de até 2% do seu resultado operacional, antes de computada sua própria dedução”.(ibidem: 10)
E por fim, há doações às Entidades Civis sem Fins Lucrativos que atuem
na área da saúde, educação e ou assistência social. Regulada pela nº 9.249/95, a
73
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E SOCIEDADE
dedutibilidade pode ser de até 2% do lucro operacional da pessoa jurídica doadora,
“a dedução da doação efetuada é contabilizada como despesa operacional na pessoa jurídica e não propriamente como uma dedução direita do Imposto de Renda”.
Lembra ainda que as doações realizadas por pessoas físicas não são passíveis de
benefícios fiscais.
Outra maneira de fomentar a Segurança Humana por meio da atuação
de responsabilidade empresarial ocorre através da parceria entre Terceiro Setor,
Estado e Empresas. Em termos terminológicos, Tanya L. Rothgiesser (apud OLIVEIRA; SCHWERTNER, 2009: 51) assim comenta:
Um Terceiro Setor – não lucrativo e não governamental – coexiste hoje, no interior de cada sociedade, com o setor público
estatal e com o setor privado empresarial. Na lógica da nova
terminologia, o Primeiro Setor é o governo. O segundo setor
é representado pelas empresas privadas com fins lucrativos.
As ONGs, desde as últimas décadas, tiveram um crescimento bastante
relevante, inclusive em termos globais. E por conseqüência o Estado começa a
reconhecer “que as ONGs acumularam um capital de recursos, experiências e conhecimentos – sob formas inovadoras de enfrentamento de questões sociais – que
as qualificam como parceiras e interlocutoras de políticas governamentais”. ( ROTHGIESSER apud OLIVEIRA; SCHWERTNER, 2009: 52)
Assim, o setor privado também passou a se interessar por esta forma de
organização da sociedade civil, uma vez que “percebeu benefícios de usar estas
organizações como canais para realizar investimentos nas áreas social, ambiental
e cultural”. (ibidem: 52)
Segundo dados da FGV, nos últimos sete anos algumas empresas passaram a criar Fundações e Institutos para a execução de seus próprios projetos
de responsabilidade social, “em alguns casos encarregam uma unidade interna de
Responsabilidade Social, ou relacionada com as áreas de Comunicação ou Relações Institucionais, a responsabilidade de planejar e coordenar projetos sociais”.
(ibidem: 52)
De acordo com Carla Lattieri (apud FGV, 2009: 53)
As empresas estão se acostumando com a divulgação dos balanços sociais, e, embora ainda exista um misto de desconfiança e ceticismo com relação ao que já é um fato no Brasil,
uma grande dose de entusiasmo acompanha aqueles envolvi-
74
DIREITO
E SOCIEDADE
dos diretamente com as áreas relacionadas ao Terceiro Setor,
principalmente as ONGs, que passam a ter, como possíveis
parceiras e financiadoras de projetos, as empresas nacionais e
multinacionais.
Exemplo desta parceria é a GIFE:
Constituída inicialmente por 25 empresas doadoras de recursos para projetos sociais, conta hoje com 69 empresas participantes. Foi a primeira Associação da América do Sul criada
para promover uma agenda social direcionada à qualificação de práticas e tecnologias de investimento social privado.
(FGV, 2009: 53)
No Brasil, destaque para o Instituto ETHOS, que conta com mais de 1000
empresas, que possibilita um investimento social privado baseado na cidadania
corporativa e responsabilidade social da empresa.3
Cabe notar, ainda, que tais parcerias se estendem além do âmbito nacional, existindo formas de financiamento internacional para o setor que viabiliza a
participação de instituições, bancos, seguradoras e gestoras de fundos em projetos
sociais e ambientais, como será abordado no próximo ponto.
4. RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS BANCOS E PROMOÇÃO DA SEGURANÇA HUMANA
O sistema financeiro é o que mais vem se destacando em termos de financiamento internacional para projetos voltados a preservação ambiental, social
e sustentabilidade. A iniciativa financeira UNEP FI do PNUMA ganha destaque
por contar com cerca de 200 instituições financeiras e uma gama de organizações
parceiras voltadas às questões ambientais.
Nas últimas duas décadas o setor financeiro apresentou uma significativa
mudança de atitude no que pese sua atuação em questões relativas à preservação
do meio ambiente e redução das desigualdades sociais, ou em outras palavras, para
promoção da segurança humana.
São muitos os exemplos que podem ser verificados, desde a década de 80
3 Ibidem, p. 53
75
DIREITO
E SOCIEDADE
o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) consolidou uma
parceria entre instituições financeiras internacionais para que fossem discutidas
questões ambientais. E deste grupo surgiu os Estudos de Impacto Ambiental (EIA)
para o financiamento de projetos de desenvolvimento.
A iniciativa do PNUMA ficou conhecida como UNEP FI (United Nations
Environment Programme) - Innovative Financing for Sustainability - “uma parceria global entre o PNUMA e o setor financeiro internacional”. (FGV, 2009: 84)
4.1 UNEP FI
O UNEP FI é formado por mais de 190 instituições internacionais, que
conta com a parceria de bancos, seguradoras e gestores de fundos com o propósito de promover o compromisso com a segurança humana, como pode ser notado
na sua missão presente na Declaração Internacional da Banca sobre Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável a que seus membros signatários se comprometem:
Nós, membros do sector dos serviços financeiros, reconhecemos que o Desenvolvimento Sustentável depende de uma interacção positiva entre o desenvolvimento económico e social,
e a salvaguarda do ambiente, a fim de equilibrar a satisfação
dos interesses das gerações actuais e futuras. Reconhecemos
para além disso que o Desenvolvimento Sustentável é da responsabilidade colectiva dos governos, empresas, e cidadãos.
Para atingir objectivos ambientais comuns, estamos decididos
a trabalhar em cooperação com estes actores sociais no contexto dos mecanismos de mercado. De referir que em fins de
1998 mais de 100 instituições financeiras já tinham aderido
publicamente a esta Declaração tendo também mais de 75
seguradoras adoptado um compromisso idêntico. (Insurance
Industry Initiative on the Environment). Não se trata apenas
de saber o que pode o sector financeiro fazer pelo ambiente
mas o que uma actuação ambientalmente responsável pode
conseguir para o sector da Banca e Seguros, com a operacionalização dos princípios da Declaração num contexto de crescente preocupação ambiental e da mais estricta regulamentação global. (UNEP FI, 2011: 01)
76
DIREITO
E SOCIEDADE
Além disso, o grupo discute meios para gerir projetos social ou ambientalmente rentáveis, como a coalizão global realizada no mês de julho de 2011, em
Durban, que contou com empresas lideres, financiadoras e governos para encontrar
oportunidades em negócios verdes. (UNEP FI, 2011)
Assim, verifica-se que o grupo trabalha com diferentes frentes, e o objetivo é promover a integração das melhores práticas de sustentabilidade no setor bancário mundial. Neste sentido, são trabalhados três grandes temas (UNEP FI, 2011):
a -Risco: análise e gestão de riscos em operações bancárias com o objetivo de mitigar o impacto ambiental, aumentando o desempenho dos negócios e
valor da empresa em longo prazo;
b -Produtos Verdes e Serviços: sustentabilidade de produtos e serviços,
apoiando uma econômica eficiente, mas de baixa emissão de carbono;
c -Gestão ambiental: buscar uma nova cultura corporativa global, com a
implementação de meios que viabilizem a eficiência energética e redução de resíduos, como também o treinamento de funcionários para promoção de lideranças e
nova cultura empresarial.
Além destas, destaca-se também (UNEP FI, 2011):
a - Investigação sobre o “business case” de internalizar as externalidades
ambientais, sociais e governamentais;
b - Trabalho de orientação e implementação de novas ferramentas;
c - Treinamento e capacitação;
d - Participação na construção de políticas ambientais;
e - Conferências, seminários e palestras internacionais;
f - Cria oportunidades de Networking entre os membros e interessados.
Dentre as quase 200 instituições financiadoras, o Brasil conta com a participação de quatro bancos, o Banco Rodobank International Brasil S.A., o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco Industrial e
Comercial S.A., e o Banco Itaú Holding Financeira
A maioria das instituições que compõem a UNEP FI (2011)é de origem
européia, que conta com 44% do total, seguida pelos países asiáticos com 28% e
em terceiro lugar pela América do Norte com 12% de participação, como se pode
verificar do seguinte gráfico:
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DIREITO
E SOCIEDADE
Signatories by Region
Em termos de participação por categoria, 66% do grupo é composto por
Bancos, 17% por Seguradoras e 17% por Investidores ou Gestores de Fundos,
como se analisa do gráfico (UNEP FI, 2009):
Signatories by Category
Quanto à participação da América Latina no grupo, em julho de 2011, em
Bogotá, a maior Associação de Bancos da América Latina, FELABAN (Federación
Latinoamericana de Bancos), fez parceria com as Nações Unidas para implementar
a sustentabilidade financeira na região. A parceria entre a FELABAN e UNEP FI é
um passo importante para a região, não somente porque a referida Federação conta
com mais de 500 bancos em 19 países da América do Sul e Central, mas também
por sinalizar uma fase de transição ruma à sustentabilidade no setor.
78
DIREITO
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O Presidente da FELABAN, Oscar Vieria (apud UNEP FI, 2011:
3), em defesa do financiamento sustentável, em seu pronunciamento, comentou:
Por sermos a primeira associação de bancos regionais a buscar
uma transição para o financiamento sustentável, estamos emitindo um sinal claro de como a América Latina está colocando
o seu setor bancário em vantagem sobre os concorrentes de
outras partes do globo.
Além disso, explicou que a escolha pela UNEP FI teve por critério os 20
anos de experiência no setor e sua capacidade de comando, em suas palavras “A
UNEP FI, com seus quase 20 anos de experiência e sua voz autoritária, fornece o
caminho
ideal a ser percorrido por um mundo em rápido movimento, rumo à sustentabilidade financeira”.4
Tal iniciativa ainda contribui para fortalecer uma nova perspectiva de
financiamento sustentável na região tendo em vista que no ano de 2012 será palco
de uma rodada mundial sobre desenvolvimento sustentável em razão da Rio+20 ,
como declarou o chefe da UNEP FI, Paul Clements Hants:
Ao passo que a região latino-americana se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável de 2012, a Rio+20, essa aliança envia uma forte
mensagem de que os bancos da região estão conscientes da
importância de adaptar modelos de negócios existentes a novos riscos e oportunidades, em um mundo onde meio ambiente e estabilidade financeira estão cada vez mais interligados.
4
(apud UNEP FI, 2011: 3)
Deste modo, verifica-se que a América Latina passa a trabalhar com a
noção de que os Bancos também devem adotar práticas que proporcionem para a
sociedade a sustentabilidade do planeta. Em termos de impacto, atualmente se fala
em finanças sustentáveis, como o que já vem sendo adotado por alguns bancos
nacionais sobre a necessidade de adotar critérios ambientais e sociais para a concessão de empréstimos e linhas de financiamento.
De acordo com pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento,
4 Ibidem.
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E SOCIEDADE
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), no ano de 2008, 96% das 136 empresas
consultadas consideram as mudanças climáticas do planeta um fator estratégico em
seus negócios, mas que desconhecem as técnicas e linhas de financiamento para
realizarem mudanças reais. (SOUZA, 2009: 1)
Deste modo, cresce a importância do setor financeiro para o desenvolvimento desta nova área, como também a necessidade da “construção de critérios
ambientais e sociais mais rígidos para a concessão de empréstimos e de linhas de
financiamento a quem deseja mudar plantas industriais, beneficiando as empresas
que investem em energia limpa”. (ibidem: 1)
Exemplo destas práticas são os bancos holandeses que não concedem
créditos para quem utiliza energia “suja”. No Brasil apenas alguns bancos receberam boas pontuações no Relatório do BankTrack, instituição responsável pela
fiscalização e monitoramento do setor financeiro. Senão vejamos:
Relatório do BankTrack, instituição criada para fiscalizar e
monitorar o setor financeiro, divulgado em dezembro de 2007,
expôs a fragilidade de 45 bancos de todo o mundo no que se
refere à responsabilidade socioambiental. No Brasil, apenas o
Bradesco, o Itaú e o Banco do Brasil obtiveram resultados um
pouco acima da média - baixos, porém, na escala de zero a
quatro, estabelecida pelo relatório. Na verdade, só o HSBC e
o holandês Rabobank receberam boas pontuações. (SOUZA,
2009: 2)
Atualmente, o que se debate é a necessidade da retirada dos bancos da
política para comprometê-los com uma participação democrática no que pese uma
nova ordem financeira global, como apontou os responsáveis pelo programa Eco-Finanças da Amigo da Terra e o BankTrack:
Roland Widmer, gerente do programa Eco-Finanças da ONG
Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, atribui a responsabilidade disso à ausência de regulamentação do sistema financeiro, o que levou a criação de um enorme “sistema bancário
sombra”. Este, por sua vez, foi em grande parte responsável
pela expansão de produtos securitizados e derivativos de crédito exóticos. “Em 2007, por exemplo, o valor nominal de derivativos de balcão chegou a cerca de 596 trilhões de dólares,
valor 10 vezes maior do que o PIB mundial”, informa ele. A
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E SOCIEDADE
solução, segundo os responsáveis pelo programa Eco-Finanças da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e o BankTrack,
seria a retirada dos bancos da política. “É preciso exigir que
os bancos obtenham autorização da sociedade para operar e,
com isso, garantir a participação democrática no projeto de
uma nova ordem financeira global”, defende Roland Widmer.
(SOUZA, 2009: 2)
Um exemplo de uma nova prática foi a iniciativa do Rodobank, banco de
origem holandesa, ao instituir uma “política de crédito a projetos de agronegócio
sustentáveis que premia com taxas de juros mais baixas os empresários que se
preocupam com a proteção do clima e do meio ambiente. A taxa de juros pode cair
em até 0,5%”. (SOUZA, 2009: 2) Além disso, o banco criou um manual de boas
práticas socioambientais para concessão de financiamento:
O grupo Rabobank, um dos principais fornecedores de serviços financeiros para a indústria de alimentos e o agronegócio, faz um score anual dos clientes
e criou até um inédito manual de boas práticas socioambientais para empresários
brasileiros do agrobusiness (ver página 10), que despertou o interesse da matriz do
Utrecht, na Holanda. (SOUZA, 2009: 2)
Deste modo, cresce cada vez mais a participação do setor financeiro para
o fortalecimento de uma cultura e práticas mais sustentáveis. Assim, outras iniciativas, além do UNEP FI, já foram realizadas, e todas com o mesmo objetivo, buscar
uma maior sustentabilidade na ação do setor financeiro e trazer reputação a forma
como os financiamentos são concedidos.
Em outubro de 2002, na Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em Johannesburgo, a Corporação Financeira Internacional (IFC) “promoveu uma reunião de bancos internacionais em Washington para discutir os danos
causados à reputação do setor financeiro em função de alguns financiamentos concedidos”. (FGV, 2009: 87)
E, após este encontro, o Banco Mundial e outros dez bancos anunciaram
a adoção dos Princípios do Equador para buscar:
• Maior consciência dos riscos a que estavam sujeitos;
• Conclusão de que as questões ambientais e sociais não podiam mais ser
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DIREITO
E SOCIEDADE
tratadas como um problema dos outros;
• Necessidade de demonstrar liderança, e aplicação de boas práticas de
gestão ambiental e de responsabilidade social;
• Conclusão de que as instituições financeiras não podiam mais agir isoladamente. (FGV, 2009: 87)
Assim, adotaram-se critérios para o financiamento acima de 50 milhões
de dólares para países em desenvolvimento, envolvendo questões ambientais, sociais, econômicas, culturais, relativas à saúde e segurança humana de modo geral.
Nota-se, no entanto, que a Responsabilidade Social dos Bancos é ainda
tema novo e que deve ganhar maior relevância para os governos no que pese a
construção de políticas públicas no setor. O que se pode observar são ações internacionais, vindas sobre tudo de uma iniciativa das Nações Unidas. Faz-se imprescindível uma atuação estatal para criar leis viabilizem uma ação financeira
mais sustentável, tal como já ocorre quando da atuação de parceria entre Estado,
Sociedade Civil Organizada e Empresas.
5. CONCLUSÃO
O artigo buscou traçar a relação entre o tema da Segurança Humana e a
Responsabilidade Social da Empresa visto esta como um instrumento para que a
primeira seja viabilizada no sentido de serem promovidos direitos fundamentais
através de políticas públicas.
Assim, foram possíveis as seguintes considerações finais:
1) O conceito sobre Segurança Humana é amplo e necessita que sejam
estudadas as sete dimensões que a compõem. Tais como: a) a segurança econômica, c) segurança da saúde; d) segurança ambiental; e) segurança pessoal; f) comunidade de segurança; e g) segurança política.
2) Há disposições constitucionais para cada dimensão. No que pese o
tema da Responsabilidade Social da Empresa, são estudadas, sobretudo, a dimensão econômica e ambiental.
3) Apesar de terem por objetivo à promoção de direitos fundamentais,
a segurança humana deve contar com dois critérios, quais seja, a necessidade de
comprovação empírica dos dados relativos ao estudo de cada dimensão e posterior
construção de políticas públicas realizadas pelos governos.
82
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E SOCIEDADE
4) No caso da Responsabilidade Social da Empresa entre Estado, Empresas e Sociedade Civil, destaque para as leis de incentivo fiscais, onde o Estado,
através da efetivação do art. 174 da CF/88 cria meios que possibilitam que as empresas criem projetos sociais e ambientais. Além disso, há previsões legais para
empresas fazerem doações ao Terceiro Setor, tendo em vista, que muitas empresas
preferem destinar recursos financeiros a determinada ONG, tendo em vista que
muitas delas contam com larga experiência na promoção da segurança humana.
Verifica-se, portanto, que existem políticas públicas criadas neste sentido, podendo citar como exemplo, o FUNCRIANÇA, o PROUNI, as OSCIPS, entre outras
citadas no artigo.
5) Atualmente se fala em Responsabilidade Social dos Bancos, que diz
respeito a atuação do setor financeiro para a promoção da sustentabilidade no planeta. O trabalho centrou a discussão, sobretudo, na parceria entre o PNUMA e
UNEP FI. E foi possível chegar as seguintes conclusões:
5.1) Nas últimas duas décadas o setor financeiro apresentou uma significativa mudança de atitude no que pese sua atuação em questões relativas à
preservação do meio ambiente e redução das desigualdades sociais, ou em outras
palavras, para promoção da segurança humana. A iniciativa financeira UNEP FI
do PNUMA ganha destaque por contar com cerca de 200 instituições financeiras e
uma gama de organizações parceiras voltadas às questões ambientais.
5.2) O grupo trabalhada com três grandes temas:
a - Risco: análise e gestão de riscos em operações bancárias com o objetivo de mitigar o impacto ambiental, aumentando o desempenho dos negócios e
valor da empresa em longo prazo;
b - Produtos Verdes e Serviços: sustentabilidade de produtos e serviços,
apoiando uma econômica eficiente, mas de baixa emissão de carbono;
c - Gestão ambiental: buscar uma nova cultura corporativa global, com a
implementação de meios que viabilizem a eficiência energética e redução de resíduos, como também o treinamento de funcionários para promoção de lideranças e
nova cultura empresarial.
5.3) Dentre as quase 200 instituições financiadoras, o Brasil conta com
a participação de quatro bancos, o Banco Rodobank International Brasil S.A., o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco Industrial e Comercial S.A., e o Banco Itaú Holding Financeira.
5.4) Em julho de 2011, em Bogotá, a maior Associação de Bancos da
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E SOCIEDADE
América Latina, FELABAN (Federación Latinoamericana de Bancos), fez parceria com as Nações Unidas para implementar a sustentabilidade financeira na
região. A parceria entre a FELABAN e UNEP FI é um passo importante para a
região, não somente porque a referida Federação conta com mais de 500 bancos
em 19 países da América do Sul e Central, mas também por sinalizar uma fase de
transição ruma à sustentabilidade no setor. Deste modo, verifica-se que a América
Latina passa a trabalhar com a noção de que os Bancos também devem adotar práticas que proporcionem para a sociedade a sustentabilidade do planeta.
5.5) De acordo com pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), no ano de 2008, 96% das 136
empresas consultadas consideram as mudanças climáticas do planeta um fator estratégico em seus negócios, mas que desconhecem as técnicas e linhas de financiamento para realizarem mudanças reais.
5.6) Deste modo, cresce a importância do setor financeiro para o desenvolvimento desta nova área, como também a necessidade da “construção de
critérios ambientais e sociais mais rígidos para a concessão de empréstimos e de
linhas de financiamento a quem deseja mudar plantas industriais, beneficiando as
empresas que investem em energia limpa.
5.7) Exemplo destas práticas são os bancos holandeses que não concedem créditos para quem utiliza energia “suja”. Um exemplo de uma nova prática
foi a iniciativa do Rodobank, banco de origem holandesa, ao instituir uma “política
de crédito a projetos de agronegócio sustentáveis que premia com taxas de juros
mais baixas os empresários que se preocupam com a proteção do clima e do meio
ambiente. A taxa de juros pode cair em até 0,5%”. Além disso, o banco criou um
manual de boas práticas socioambientais para concessão de financiamento.
5.8) Nota-se, no entanto, que a Responsabilidade Social dos Bancos é
ainda tema novo e que deve ganhar maior relevância para os governos no que
pese a construção de políticas públicas no setor. O que se pode observar são ações
internacionais, vindas sobre tudo de uma iniciativa das Nações Unidas. Faz-se imprescindível uma atuação estatal para criar leis viabilizem uma ação financeira
mais sustentável, tal como já ocorre quando da atuação de parceria entre Estado,
Sociedade Civil Organizada e Empresas.
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ÉTICA ARISTOTÉLICA E DIREITOS
SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
Ramon de Oliveira Silva1
Rhenan Iarossi Teixeira2
Sara Asseis de Brito3
RESUMO
O presente trabalho resulta de uma pesquisa jurídico-filosófica, que utilizou como metodologia
o método lógico-dedutivo, com pesquisa bibliográfica. Teve como objeto os direitos sociais
e a justiça distributiva aristotélica na Constituição Federal de 1988. O objetivo do trabalho
consiste em ratificar o ideal de justo distributivo aristotélico, identificado com a concepção dos
direitos sociais na Constituição dirigente. A confirmação de tais direitos fundamentais como
prerrogativas intangíveis, inerentes à dignidade da pessoa humana, conforme direitos culturais,
universais e atemporais torna possível propiciar uma sociedade mais feliz. Feliz, porque segundo Aristóteles a “justiça é uma virtude”, sendo que as condutas virtuosas integram a ética. Ética
é o resultado de uma prática racional e habitual das virtudes humanas, cuja maior delas consiste
na justiça. Portanto, efetivar os direitos sociais contidos no artigo 6º da Constituição Federal,
realizando-os concretamente, elevaria o nível ético da sociedade brasileira, por meio da prática
da justiça. Em tese, filosoficamente, significaria garantir felicidade à sociedade brasileira, na
medida em que o fim último da Ética é promover a felicidade humana. Conclui-se que da justiça
social, enquanto prática estatal, dependeria a felicidade dos cidadãos brasileiros naquilo que
também pode ser compreendido como a concreção da dignidade humana.
PALAVRAS-CHAVE
Ética; Aristóteles; Direitos Sociais; Justiça; Felicidade
1. INTRODUÇÃO
A análise do paradigma político-jurídico do Brasil, por uma abordagem
constitucional nos indica uma concepção aristotélica de justiça e eticidade demonstrada especialmente nos direitos sociais, como ideário de dever-ser do Estado
brasileiro, especialmente da hermenêutica extraída do artigo 6º, da Constituição
Federal de 1988.
AUTORES
1 Graduando do Curso de Direito da FITL-AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas-MS.
2 Graduando do Curso de Direito da FITL-AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas-MS.
3 Mestre docente do curso de Direito das FITL-AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas-MS.
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Os direitos sociais, classificados como direitos e garantias fundamentais
de segunda dimensão, nos fornecem um cabedal de valores capazes de permitir as
associações aristotélicas, objeto do presente artigo, que também se aglutinam com
a concepção da dignidade da pessoa humana.
A premissa do princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, inc. III,
da CF), que é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, constitui o principio
máximo do Estado Democrático de Direito em relação às prerrogativas do ser.
O modelo constitucional dirigente, com os direitos socias, somados aos
individuais, deve transpassar a forma solene imposta e ser realmente aplicada, proporcionando aos aos individuos a “concretização da felcididade” defendida por
Aristóteles que, ressalvadas as diferenças das condições culturais e temporais, servem de fundamento remoto do espírito constitucional, observado pelo constituinte
originário para a construção do bem comum. Contata-se pelos objetivos fundamentais presentes no caput do art. 1º da CF, que instituem o Estado Social de Direito,
no qual a democracia deve ser a manifestação, sobretudo, por meio do Estado de
legalidade. Legalidade significa garantia de efetividade dos direitos fundamentais
para realização da dignidade humana.
Assim, com a prevalência dos direitos humanos, como fonte dos direitos
fundamentais, na realização da justiça social, o Estado Democrático de Direito
seria o “justo meio” de mediar os excessos da experiência do liberalismo e do comunismo, para o alcance da “felicidade” conformada à Aristóteles.
2. A “ÉTICA À NICÔMACO” PARA O SÉCULO XXI
Importa muito, antes de desenvolver nossos argumentos esclarecer que,
ao tratarmos de determinadas idéias, contidas nos termos como “virtude”, por
exemplo, significa para nós algo que já sofreu uma alteração em função da tradução, da influência de sentido por causa do Cristianismo, das traduções ao longo
dos tempos e, portanto, a virtude grega da Antiguidade, não é idêntica ao conceito
atual. Aqui, o termo deve estar despojado da moralidade cristã que hoje vinculamos
aquele significado de um meio de ascensão espiritual, com fim em Deus.
Entre os cristãos, a virtude consiste num hábito sobrenatural
que facilita ao homem o conhecimento e a prática do bem. As
principais virtudes são sete, três delas teologais (referentes à
relação do homem com Deus) e quatro cardeais (que norteiam
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DIREITO
E SOCIEDADE
a conduta na vida). As virtudes teologais são a Fé, a Esperança
e a Caridade. As cardeais são: Prudência, Justiça, Temperança
e Fortaleza. (RYAN, 2009 :1)
A virtude aristotélica será tomada no seu original sentido grego antigo,
da excelência de cada ação, de fazer bem feito, na justa medida, cada pequeno ato
arbitrado como bom ato pelo consenso geral. (ARISTÓTELES, 2006)
Em “Ética a Nicômaco”, obra de Aristóteles, em que embasamos a pesquisa, expõe que toda racionalidade prática é teleológica e eudaimonista, quer dizer, orientada para um fim último de bem e felicidade comuns. À Ética cabe determinar qual a finalidade suprema (o summum bonum) que preside e justifica todas
as demais e qual a maneira de alcançá-la. Essa finalidade suprema é a felicidade
(eudaimonia), que não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas numa vida virtuosa. A virtude, por sua vez, se encontra num justo meio
(mesotes) entre os extremos, que será encontrada por aquele dotado de prudência
(phronesis) e educado pelo hábito no seu exercício. (ARISTÓTELES, 2006)
Do mesmo modo, o sentido de justiça vai muito além das formalidades
normativas. No pensamento aristotélico, há uma transição da concentração dos esforços intelectuais pautada na natureza para o antropológico. A preocupação agora
não é mais as atribuições metafísicas aos fatos ocorridos, como era próprio aos
socráticos, mas, sim, as preocupações inerentes a ética que passam a permear as
investigações político-sociais.
Em Aristóteles, percebe-se que o filósofo rompeu com algumas concepções advindas da escola socrático-platônica, no qual ele mesmo era um seguidor. O
pensamento socrático fundamentava-se na concepção metafísica, neste contexto os
fatos eram consequências determinadas pelo divino, podendo se falar numa ética
na qual a virtude é motivada no interior do homem e dirigida ao mundo exterior,
tendo como fim o postmortem.
De acordo com Aristóteles, todo ser tende à realização plena de sua personalidade, “nisto está seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e por consequência, a
sua lei.” (PEGORATO apud SOLLBERG, 2010: 1)
O pensamento aristotélico funda-se na concepção da virtude como um
parâmetro traçado pela razão, para e realização plena do ser.
Também formula uma teoria da justiça, como medida axiológica para o
Estado e o Direito. Nesse sentido, Aristóteles dizia que “a virtude da Justiça é a
essência da sociedade civil” (PEGORATO apud SOLLBERG, 2010: 1). Segundo
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DIREITO
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ele, a justiça distributiva é aquela que se aplica na repartição das honras e dos bens
da comunidade, segundo a noção de que cada um perceba o proveito adequado
aos seus méritos, dar a cada qual o que lhe é devido. Se tomarmos esta concepção
conforme os ideais do neo-constitucionalismo, podemos entender como dar a cada
qual o que lhe é de direito, o mesmo que dizer, garantir a dignidade dos indivíduos
por meio da efetivação do direito ao desenvolvimento, como direito humano que é,
de coordenação dos demais direitos. (PERRONE-MOISÉS; AMARAL JR., 1999)
Aristóteles fundamenta a idéia de justiça distributiva partindo de um
princípio da igualdade proporcional, com isso, podemos afirmar que, o justo é o
proporcional e o injusto é o que quebra a proporcionalidade. Usando ainda este
raciocínio, podemos observar que a presença da justiça distributiva no dias atuais,
é o princípio geral das igualdades nas relações jurídicas e da justa repartição dos
bens, claro que considerando uma ética ecológica de acesso equitativo.
A justiça particular divide-se em duas: a justiça distributiva e
a justiça corretiva. A justiça distributiva é a mais importante,
pois responsável pela manutenção da ordem e da harmonia da
pólis. Consiste em atribuir a cada um o que lhe é devido, tendo
em vista sua excelência, seu valor (areté) para a comunidade.
Baseia-se numa igualdade geométrica, na qual quem valha 8
receba 4, e quem valha 2 receba 1. Já a justiça corretiva, ou
retificadora, não se baseia numa igualdade geométrica, mas
numa igualdade aritmética. A justiça corretiva não trata das
relações dos indivíduos com a comunidade, mas das relações
dos indivíduos entre si (interpessoais), como, por exemplo, as
de troca de bens. (LACERDA, 2010: 2)
O artigo 6º, da CF que dispõe as condições existenciais mínimas para a
existencia digna, tais como o direito à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infancia, interpretados
em conformidade com o principio da unidade da constituição, demonstram que a
filosofia aristotélica está vivificada, renascida, nos valores que orientam o Estado
Social, presentes na Constituição de 1988, que confluem para o valor Justiça.
A sociedade de consumo, complexa sociedade em que vivemos com suas
múltiplas demandas, intensa conflituosidade, com seus grandes contrastes sociais,
entre ricos e pobres, da tradição histórica de países colonizadores e países colonizados, das crises econômicas às ambientais, nossa sociedade cada vez mais depen-
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dente da judicialização dos conflitos para dirimir as tensões sociais, assim, exige o
fortalecimento da moral para que o Direito funcione mais no aspecto preventivo.
A moral recomendada à Nicômaco, como um legado aristotélico, se apresenta imprescindível para educar as ações humanas e verificar que o Direito, em
sua função social de modelar a sociedade, informa e forma, com a axiologia das
normas jurídicas do sistema constitucional, no que tange aos direitos sociais. Pretende-se um ideal social a ser atingido com a realização do Direito, para efetivar
o modelo que traz o dever-ser normativo e, também, para decidir e pacificar os
conflitos de nosso tempo. Há a percepção da grande interação entre a Ética e o Direito, que não coube ao presente trabalho quantificar, mas, constatar neste ideal de
justiça social que o constituinte originário nos brindou com a Constituição Federal
de 1988 com o amplo catálogo de direitos e garantias fundamentais que, ao menos
no plano teórico, está consolidado, especialmente no que tange aos direitos sociais.
Defendemos a tese de que nunca foi tão necessário rever “Ética à Nicômaco”, atualizar o comprometimento moral para a realização plena da pessoa, na
condição jurídica de que toda e qualquer pessoa tem direitos preservados, intangíveis, que se condensou no conceito de vida digna, na visão ética de uma felicidade
que a prática da virtude – a maior delas, justiça – pode agregar à humanidade.
3. OS DIREITOS SOCIAIS E O ESTADO SOCIAL DE DIREITO
No decorrer do séc. XX, a Constituição de Weimar, de 1919, se torna um
marco, realiza o compromisso dos direitos individuais, das primeiras declarações,
somando–se a estes os novos direitos: os direitos sociais de segunda dimensão.
Decorrentes do constitucionalismo social, surge a idéia de que a felicidade dos
homens não se alcança apenas contra o Estado, mas, sobretudo, pelo Estado. As
liberdades públicas por si sós não foram bastantes para evitar a colapso do Estado
Liberal e assegurar os ideais de justiça social, de modo que o Estado teve que se
organizar em função da sociedade e não mais somente em função do indivíduo.
Segundo José Afonso da Silva, os direitos sociais são direitos fundamentais, cujos efeitos são de um facere, geram um dever de fazer para o Estado, o
dever de pretações positivas e, por meio das políticas públicas, deve fornecer as
bases estruturais para a transformação social e consequente distribuição de justiça,
pelo alcance da cidadania, do pluralismo político, salvaguardando os direitos dos
grupos vulneráveis da sociedade com metas à concretização da dignidade humana
92
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para todos.
Constituem prestações positivas proporcionadas pelo Estado
direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais
fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações socias desiguais, São, portanto, direitos que se ligam ao
direito de igualdade. (SILVA, 1998: 289)
A Constituição Federal de 1988 positivou os direitos sociais. Nota-se o
compromisso dos direitos sociais com os direitos individuais. No que dizem respeito aos direitos socias, é ampla a proteção que a Constituição lhes empresta. Nesse
sentido, registram Gomes Canotilho e Vital Moreira:
A individualização de uma categoria de direitos e garantia dos
trabalhadores, ao lado dos de caráter pessoal e político, reveste
um particular significado constitucional, do ponto em que ela
traduz o abandono de uma concepção tradicional dos direitos,
liberdades e garantias como direitos do homem ou do cidadão
genéricos e abstratos, fazendo intervir também o trabalhador
(exatamente: o trabalhador subordinado) como titular de direitos de igual dignidade. (apud MORAES, 2009: 195)
Ao fazermos uma correlação dos direitos sociais elencados no artigo 6º
da Constituição Federal com o pensamento aristótelico, sobressai uma induscutível
harmonia, um sincronismo de intenções no sentido da ética que conduz à justiça
e vice versa, da força complementar destes valores hoje reinterpretados pelo neo-cosntitucionalismo, que busca efetividade e realização das normas constitucionais.
Entretanto, é preciso analisar a efetividade dos direitos sociais. Até que
ponto as normas constitucionais estão sendo concretizadas no ambito real da vida,
se o Estado-legislador está em inércia, se os direitos são exigídos pelos seus destinatários, se estão transformando a vida dos brasileiros, especialmente dos brasileiros empobrecidos, dos excluídos que estão engrossando as fileiras dos que vivem
em condições muito abaixo da dignidade que, sequer, se sabem titulares de direitos.
Segundo o vocábulo efetividade corresponde, entre outros significados,
ao “caráter, virtude ou qualidade do que é efetivo, faculdade de produzir um efeito real, capacidade de produzir o seu efeito habitual, de funcionar normalmente”
(HOUAISS, 2009: 1102). Portanto, a efetividade na norma jurídica é a sintonia
93
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adequada entre as suas previsões genéricas, abstratas e impessoais e o fato social
que ela se propõem a normatizar.
O Estado Social, que tem o dever de propiciar as condições para a efetiva
distribuição da justiça, com fulcro na legalidade e na igualdade de direitos, bem
se evidenciam nos principios fundamentais da Constituição de 1988, contidos nas
expressões de “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, “na construção
de uma sociedade livre, justa e solidária”, “na erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais”, cunhados em preceitos
fundamentais de nossa Lei Maior. Estas expressões suscitam força no ideário de
justiça social que nos remete à “Nicômaco”, na ética dirigida à felicidade geral.
As idéias de Aristóteles se mantém atuais, sendo revisitadas para remediar nossa
sociedade caótica do seculo XXI, particularmente, no que diz respeito a efetividade dos direitos humanos contrapostos aos tantos seres humanos que sobrevivem
muito abaixo do conceito jurídico de dignidade, expressada no conceito de piso
vital mínimo, que para nós brasileiros, objetivamente, se infere da norma jurídica
extraída do texto constitucional do artigo 6º.
Sim, o Estado Social de Direito é uma realidade formal, mas longe está
de atingir seus fins factuais, algo que é notório percebido na realidade brasileira. Desejamos uma Constituição material, viva, tal qual a formal. Acreditamos
na educação para aumentar o nível de consciência jurídica. Aqui nossa diminuta
contribuição no âmbito, ainda, da academia.
CONCLUSÃO
Concluímos que, a premissa do princípio da dignidade da pessoa humana
(art.1º, inc. III, da CF) é um valor moral e espiritual inerente à pessoa. Constitui o
principio máximo do Estado Democrático de Direito em relação às prerrogativas
imanentes do ser.
A prevalência dos direitos humanos, como fonte dos direitos fundamentais, na realização da justiça social, do Estado democrático de direito seria o “justo
meio” de mediar os excessos da experiência do liberalismo e do comunismo, para
o alcance da “felicidade” conformada à Aristóteles.
A virtude aristotélica será tomada no seu original sentido grego antigo,
da excelência de cada ação, de fazer bem feito, na justa medida, cada pequeno ato
arbitrado como bom ato pelo consenso geral.
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E SOCIEDADE
A filosofia aristotélica expõe que toda racionalidade prática é teleológica e eudaimonista, quer dizer, orientada para um fim último de Bem e felicidade
comuns. O pensamento aristotélico funda-se na concepção da virtude como um
parâmetro traçado pela razão, para e realização plena do ser.
Aristóteles formula uma teoria da justiça, como medida axiológica para
o Estado e o Direito. Nesse sentido, a virtude da justiça é a essência da sociedade
civil.
O artigo 6º, da CF que dispõe as condições existenciais mínimas para a
existencia digna, tais como o direito à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infancia, interpretados
em conformidade com o Princípio da Unidade da Constituição, demonstram que a
filosofia aristotélica está vivificada, renascida, nos valores que orientam o Estado
Social, presentes na Constituição de 1988, que confluem para o valor justiça.
Defendemos a tese de que nunca foi tão necessário rever “Ética à Nicômaco”, atualizar o comprometimento moral para a realização plena da pessoa, na
condição jurídica de que toda e qualquer pessoa tem direitos preservados, intangíveis, que se condensou no conceito de vida digna, na visão ética de uma felicidade
que a prática da virtude - a maior delas, justiça - pode agregar à humanidade.
O Estado Social tem o dever de propiciar as condições para a efetiva distribuição da justiça, com fulcro na legalidade e na igualdade de direitos. Este ideal
está evidenciado nos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988,
contidos nas expressões de “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, “na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, “na erradicação da pobreza e
da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais”, cunhados em
preceitos fundamentais de nossa Lei Maior e detalhado nos direitos sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2009
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DIREITO
E SOCIEDADE
LACERDA, Bruno Amaro. O pensamento aristotélico e as reflexões jus filosóficas atuais. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.
asp?id=2046. Acessado em: 19/10/2010.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2009.
PERRONE-MOISÉS, Cláudia; AMARAL JR., Alberto do (orgs). O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1999.
RYAN, Guilherme. Deus acima de tudo: virtudes cristãs. Disponível em: ,http://
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E SOCIEDADE
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E SOCIEDADE
A NULIDADE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS
NOS CONTRATOS DE ADESÃO EM FACE
DA LEI N.º 8.078/1990
Ana Claudia dos Santos Rocha1
Carlos Roberto de Freitas Junior2
Greziely Costa Lemos3
RESUMO
A presente pesquisa será realizada com base na doutrina e na legislação
brasileira atinente aos contratos no Direito do Consumidor, em especial os
contratos de adesão. O tema abordará especificamente as cláusulas abusivas
presentes nos contratos de adesão, que, por determinação legal, são nulas
de pleno direito, demonstrando em primeiro plano uma visão geral sobre os
contratos e o contrato de adesão, seguido dessas cláusulas ilegais. Para tanto, será utilizado o método lógico dedutivo a partir da pesquisa bibliográfica
e legal. O objetivo do presente trabalho é apresentar a estrutura dos contratos de adesão e alertar o consumidor sobre as práticas ilícitas que podem
conter esses tipos de contratos de massa.
PALAVRAS-CHAVE
Contratos de adesão. Cláusulas abusivas. Nulidade
1. INTRODUÇÃO
Analisando a priori todas as relações humanas, dentre elas as relações jurídicas, e, em especial as de Direito do Consumidor, vimos que esta recebe atenção
especial, que será um dos objetos de estudo e apreciação do presente trabalho. O
objetivo em questão é analisar as relações jurídicas no Direito do Consumidor no
que tange aos contratos de adesão, especialmente as cláusulas abusivas presentes
AUTORES
1 Mestre docente do curso de Direito das FITL-AEMS.
2 Graduando do Curso de Direito nas Faculdades Integradas de Três Lagoas - FITL-AEMS.
3 Graduanda do Curso de Direito nas Faculdades Integradas de Três Lagoas - FITL-AEMS.
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nestes contratos que são nulas de pleno direito.
Outro objetivo importante é alertar o consumidor, visto que este, por falta
de habilidades técnicas – vulnerabilidade – e, na maioria dos casos, por sua hipossuficiência, acaba prejudicado com a presença destas cláusulas.
Ante as características de vulnerabilidade e hipossuficiência que lhe são
peculiares o consumidor recebe proteção legal conforme preceituado no artigo 5º,
XXXII e no artigo 170 da Constituição Federal e na Lei n.º 8078/1990. Ressalte-se,
ainda que os preceitos constitucionais de tutela do consumidor se enquadram entre
os direitos e garantias fundamentais (art. 5º, XXXII, CF) e dentre os fundamentos
da ordem econômica (art. 170, CF), além de garantir que a dignidade da pessoa
humana seja respeitada.
2. CONTRATO NO DIREITO BRASILEIRO
No que tange à definição de contrato, principalmente fazendo uma análise de maneira geral, verificamos que é um acordo de vontades recíprocas que
englobam direitos e deveres das partes contratantes, podendo criar, modificar e
extinguir direitos.
Outra característica dos contratos, ainda em ampla visão, é a presença do
principio da boa fé, que, atualmente, é pressuposto contratual fundamental.
Alex Hannermann (2007, p. 01) destaca a presença da força econômica
como elemento fundamental de um contrato ao dizer:
[...] o contrato veste as operações econômicas, logo, onde não
há interesse econômico, não há contrato. Vale frisar que, com
o desenvolvimento econômico-cultural atual, qualquer indivíduo contrata independente de classe social, padrão econômico,
grau de instrução etc., de forma que a abstração do fenômeno
contratual certamente ocasionaria a estagnação da vida social
e a regressão do “homo economicus”. Portanto, os contratos
acentuam-se em um pressuposto fático de uma declaração volitiva, e por isso é possível afirmar que a base ética do contrato
é a vontade humana.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, leciona Carlos Roberto Gonçalves
(2008, p. 223) ao dizer:
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E SOCIEDADE
O contrato, como bem jurídico, possui valor material e integra
o patrimônio dos contratantes, podendo, por isso, ser objeto de
negócio. Esse valor não se limita ao bem da vida sobre o qual
incide a manifestação de vontade das partes, mas abrange um
conjunto de atividades representado por estudos preliminares,
tratativas, expectativas, viagens, consulta a especialistas, desgaste psicológico, despesas etc., que não pode ser desconsiderado.
Todas essas características analisadas até o presente momento fazem parte da Teoria Geral dos Contratos. A origem dos contratos de maneira geral monta
de longa data e, assim, como as demais relações sociais, foi apresentando evoluções ao longo da história, incorporando novas características tais como as que
envolvem as relações tratadas pelo Direito do Consumidor.
Cumpre ainda, destacar que no Direito brasileiro os contratos podem ser
regulamentados pelo Direito Civil, Direito Comercial e Direito do Consumidor,
conforme previsão legal específica ao caso concreto. Desta forma, um mesmo
contrato como, por exemplo, o contrato de compra e venda, pode ser classificado
como contrato civil, comercial ou consumerista, conforme as partes contratantes e
outras características fáticas.
Se o comprador efetivar o negócio com o intuito de ter o bem para uso
próprio, mas o vendedor não se enquadrar na definição legal de fornecedor, ou
seja, se não exercer a atividade de compra e venda com habitualidade, no presente
caso estaremos diante de um contrato de compra em venda cível. Entretanto, se
o comprador não adquirir o bem para uso próprio, mas sim para revendê-lo, por
exemplo, ainda que o vendedor seja um fornecedor – conforme conceituação legal
– estaremos diante de um contrato de compra e venda comercial. Por derradeiro,
só estaremos diante de um contrato consumerista de compra e venda se tivermos
como vendedor um fornecedor e como comprador um consumidor.
No presente estudo abordaremos os contratos consumeristas, ou seja,
aqueles contratos onde figuram como contratantes de um lado o fornecedor e de
outro o consumidor, podendo este ser entendido, conforme definição do art. 2º do
Código de Defesa do Consumidor, como aquele que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final, e, aquele, conforme preceituado pelo art. 3º do
mesmo Código, como aquele que desenvolve atividade de oferecimento de bens
ou serviços ao mercado.
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DIREITO
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Merecendo destaque que nos contratos consumeristas em virtude de decorrerem de uma economia de mercado, com consumo de massa, nem sempre há
espaço para as costumeiras negociações entre as partes contratantes, como ocorre
nos contratos tradicionais, tutelados pela legislação cível e comercial.
Em virtude das características da sociedade capitalista de consumo de
massa, da necessidade de celeridade em tais situações surgem contratos pré-elaborados pelos fornecedores, padronizados para mera adesão de um número indeterminado de consumidores – os denominados contratos de adesão que será objeto do
próximo tópico.
Neste diapasão, surge um desequilíbrio nas relações contratuais, do qual
decorre uma realidade que não mais comporta a igualdade de condições e autonomia contratual entre as partes, ocorrendo, conseqüentemente, a relativização do
princípio pacta sunt servanda.
Mencionados contratos de adesão, como veremos, colocam uma das partes contratantes – o consumidor – em situação de desvantagem, de vulnerabilidade,
pois, ou adere cláusulas previamente formuladas sem discussões para auferir sua
opinião e considerações, ou não realiza o contrato almejado.
Para minimizar possíveis impactos negativos de tal negociação onde uma
das partes impõe a outra sua vontade, em contramão aos preceitos civilistas, ocorre
à relativização do princípio da força obrigatória do contrato.
Civilistas como Orlando Gomes (1995, p. 37-38) assim discorrem
sobre referido princípio: “Essa força obrigatória atribuída pela lei aos contratos é
a pedra angular da segurança do comércio jurídico. Praticamente, o princípio da
intangibilidade do conteúdo dos contratos significa a impossibilidade de revisão
pelo juiz”.
Entretanto, nas relações contratuais consumeristas essa intangibilidade
dos contratos é relativizada, tendo em vista que as partes não se encontram em situação de igualdade, o que limita a autonomia da vontade e possibilidade a discussão
das cláusulas contratuais em juízo.
Tal peculiaridade dos contratos consumeristas em relação aos contratos
cíveis e comerciais se deve ao fato de que os contratos consumeristas decorrem das
normas estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor e tais normas positivadas apresentam caráter cogente, não podendo as partes, por deliberação própria,
afastá-las, ao contrário do que decorre nos contratos cíveis e comerciais onde as
normas do direito positivo tem caráter supletivo – via de regra.
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Ao invés de se pautarem em princípios tradicionais do direito civil, como
os anteriormente apresentados, os contratos consumeristas se baseiam basicamente
em três princípios fundamentais: princípio da transparência, princípio da irrenunciabilidade de direitos e princípio do equilíbrio.
2.1 Princípio da transparência e o acesso à informação
Primeiramente, urge destacar que o princípio da transparência está estritamente ligado à informação. Pautado neste princípio, o consumidor precisa ter
amplo acesso às informações atinentes ao fornecimento e ao contrato que irá celebrar, pois somente com acesso à informação contrataria de forma consciente e
racional, analisando as opções expostas no mercado de consumo de massa.
Destaque-se, ainda que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art.
6º, III, dispõe como direito básico do consumidor o direito à informação adequada
e clara sobre produtos e serviços, com especificações corretas atinentes a quantidade, qualidade, preço e riscos.
Ainda, em seu artigo 46, o Código de Defesa do Consumidor, validando tal princípio, garante aos consumidores a possibilidade de se exonerarem das
obrigações assumidas por cláusulas contratuais que dificultem a compressão quer
por não serem adequadas, quer por serem apresentadas ou formuladas de modo a
dificultar a compreensão. Desta forma, o consumidor não se obriga a cumprir cláusulas do contrato se demonstrado que não lhe foi dada a possibilidade de conhecê-la com a antecedência necessária ao seu entendimento.
Podemos ainda mencionar como artigos do Código de Defesa do Consumidor que também tratam do princípio da transparência o artigo 50 que determina
a obrigatoriedade da forma escrita das garantias contratuais complementares; o
artigo 51, X e XIII, proibindo alteração de preço de forma unilateral pelo fornecedor, bem como alterações sobre o conteúdo ou qualidade do contrato; o artigo 47,
que determina que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor”; e o artigo 52, que determina prévia informação sobre
os itens especificados em seus incisos, tais como preço, juros, periodicidade das
obrigações, etc.
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2.2 Princípio da irrenunciabilidade de direitos e a autonomia da vontade
Conforme anteriormente já mencionado, ao contrário dos contratos civis
e comerciais, onde o Direito Positivo, via de regra, tem caráter supletivo, destinando-se para dirimir situações fáticas não previstas nos contratos, nos contratos
de consumo, as normas de Direito Positivo têm caráter cogente, o que implica na
impossibilidade de serem afastadas, ainda que motivada pela vontade das partes.
Assim sendo, não pode o consumidor abrir mão de direitos a ele assegurados por lei, conforme estabelecido pelo princípio da irrenunciabilidade. Apenas
a título ilustrativo, podemos citar como exemplos de direitos que não podem ser
renunciados através de cláusulas contratuais as que impossibilitem, exonerem ou
atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios ou defeitos nos produtos ou
serviços, (art. 51, I); as que renunciem a opção de reembolso da quantia paga nas
hipóteses previstas em lei (art. 51, II); as que transferem a terceiros responsabilidade imputada ao fornecedor (art.51, III); as que renunciem a inversão do ônus
de prova (art. 51, VI); as impositivas de arbitragem (art.51, VII); as contrárias ao
sistema de proteção ao consumidor (art. 51, XV); e as que importam em renúncia
à indenização por benfeitorias necessárias (art. 51, XVI).
Destarte, podemos concluir que a autonomia da vontade nos contratos
consumeristas é relativizada, pois não podem as partes deliberar em desacordo com
preceitos legais basilares, como os mencionados, sob pena de nulidade.
2.3 Princípio do equilíbrio contratual e a vulnerabilidade do consumidor
Ao analisarmos o princípio do equilíbrio contratual, o primeiro item a
ser analisado da questão fática consiste em saber se existe igualdade entre os contratantes. Nas relações consumeristas, é notória a ausência de igualdade entre os
contratantes, tendo em vista a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor.
Desta forma, a lei precisa tratar os contratantes – consumidor e fornecedor – distintamente a fim de garantir um verdadeiro equilíbrio contratual.
Como ensinado por Rui Barbosa (1997, p. 26) “a regra da igualdade não
consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que
se acha a verdadeira lei da igualdade”.
Desta maneira podemos citar como exemplos de preceitos legais consu-
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meristas que reforçam tal princípio a nulidade de determinadas cláusulas abusivas,
tais como, as que determinam obrigações incompatíveis com a boa-fé, com a equidade ou excessivamente desvantajosas para os consumidores (art. 51, IV); as que
obrigam o consumidor a concluírem o negócio, mas dá ao fornecedor a prerrogativa de concluí-lo ou não (art.51, IX); as que possibilitam somente ao fornecedor
o cancelamento unilateral do contrato (art.51, XI); e as que obrigam apenas o consumidor a ressarcir despesas com cobrança de obrigação contratual (art. 51, XII).
3. CONTRATOS DE ADESÃO
Dentre os contratos previstos no Código de Defesa do Consumidor, encontramos o contrato de adesão, preceituado no artigo 54. Vejamos:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham
sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem
que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo
§ 1º - A inserção de cláusula no formulário não desfigura a
natureza de adesão do contrato.
§ 2º - Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor,
ressalvando-se o disposto no § 2º do artigo anterior.
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos
claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da
fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua
compreensão pelo consumidor.
§ 4º - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua
imediata e fácil compreensão.
Neste sentido Marco Aurélio Ventura Peixoto (2000) define o contrato de
adesão como “negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede
pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas antecipadamente,
de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e
obrigacional de futuras relações concretas”.
Com a mudança do comportamento de consumidor com o movimento industrial entre o século XX, foi necessária a adaptação do direito para acompanhar
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DIREITO
E SOCIEDADE
tal movimento, criando assim modelo próprio de contratação. Criando assim verdadeiros contratos de consumo, com fórmulas padronizadas, autênticas cláusulas
contratuais em série. Umas das características destes contratos é sua estipulação
unilateral pelos fornecedores, como já dito anteriormente, ou seja, é adotado um
modelo único para todos os consumidores que quiserem, ou precisarem, adquirir
seus produtos e serviços.
O consumidor, para estabelecer a relação jurídica com o fornecedor, tem
de assiná-lo, aderindo a seu conteúdo, caso contrário não adquire seus produtos
ou serviços. Não conseguindo o consumidor alterar este contrato de adesão, caso
tenha alguma objeção a alguma cláusula existente no mesmo.
Por isso nos contratos de adesão não há de se falar em manifestação de
vontade, vez que a adesão implica mera concordância com o conteúdo das cláusulas contratuais previamente estabelecidas pelo fornecedor. Tais características deste tipo contratual, relativizam o princípio contratual pacta sunt servanda, segundo
o qual o pacto deve ser respeitado e os acordos têm que ser cumpridos, pois fazem
lei entre as partes.
Tal relativização se deve ao fato de que nas relações jurídicas de consumo, onde são firmados contratos de adesão seria uma contradição falar em pacta
sunt servanda de contrato de adesão, vez que ausente a livre manifestação de vontade das partes e autonomia para discutirem e deliberarem em conjunto as cláusulas
que vincularão ambos os contratantes. Não discutindo previamente as cláusulas
e redação em comum acordo como seria possível prevalecer tal máxima civilista
nos contratos de consumo? O que se conclui é que o contrato é elaborado de forma
unilateral pelo o fornecedor, o que enreda maneira própria de interpretação, com
proteção ao consumidor no que tange aos excessos e abusos.
Reconhecendo assim, o que o legislador na redação do caput do art. 54,
dispôs: “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Neste sentido, fica evidente que, nos contratos de adesão, as cláusulas
são pré-elaboradas pelo fornecedor e trazem vantagens aos fornecedores. Ninguém
duvida de seus perigos para os contratantes hipossuficientes e vulneráveis como os
consumidores. Estes aderem aos contratos de aquisição dos produtos ou serviços
oferecidos pelas empresas, sem conhecer as cláusulas, confiando plenamente no
fornecedor, por meio do contrato, que, esperam, lhe seja dada um Direito mais
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DIREITO
E SOCIEDADE
social. (NUNES, 2008).
4. CLAÚSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE ADESÃO E SUA NULIDADE POR PLENO DIREITO.
Até o presente momento tratamos especificamente do conteúdo dos contratos de adesão, suas especialidades e suas características. A pesquisa segue agora
para seu ponto principal, que é o conteúdo dos contratos de adesão. Levando-se em
consideração todas as peculiaridades acima mencionadas acerca dos contratos de
adesão, constata-se a facilidade para o surgimento de cláusulas que podem afetar
as relações de consumo geradas pelo surgimento desse tipo de contrato.
Como os contratos de adesão prezam pela unilateralidade, ou seja, constituem-se de clausulas pré-elaboradas, o consumidor, muitas vezes, por falta de
habilidades técnicas ou por pura necessidade, acaba aceitando as exigências feitas
pelo fornecedor. As características desse tipo de contrato é fundamentalmente facilitar a vida do fornecedor de determinado bem ou serviço. “As cláusulas contratuais assim elaboradas não tem, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio
nas obrigações das partes – ao contrário, destina-se a reforçar a posição econômica
e jurídica do fornecedor que as elabora” (MARQUES, 2005, p. 159).
Essas cláusulas muitas vezes extrapolam, violam direitos, criam situações absurdas e, na maioria das vezes, passam despercebidas pelo consumidor.
São as chamadas cláusulas abusivas, que expõe o consumidor aos piores riscos e
resultados de uma relação jurídica e fere princípios básicos como o princípio da
igualdade. Por isso, por verificar esse abuso no uso de determinados direitos, que
o legislador brasileiro achou por bem considerar que a existência dessas cláusulas
nos contratos de adesão gera plena nulidade das mesmas. (NUNES, 2008).
A abusividade da cláusula contratual é, portanto, o desequilíbrio ou descompasso de direitos e obrigações entre as partes, desequilíbrio de direitos e obrigações típicos àquele contrato especifico; é a unilateralidade excessiva, é a previsão que impede a realização total do objetivo contratual, que frusta os interesses
básicos das partes presentes naquele tipo de relação, é, igualmente, a autorização
de ação futura contrária à boa-fé, arbitraria ou lesionaria aos interesses do outro
contratante, é a autorização de abuso no exercício da posição contratual preponderante (Machtposition). (MARQUES, 2005, p.161).
As cláusulas abusivas nesses tipos de contrato são nulas de pleno direito,
visto que, ao verificar a existência dessas cláusulas, através da interpretação do
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DIREITO
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contrato, o Código de Defesa do Consumidor prevê sua nulidade absoluta, independentemente do consentimento e conhecimento do consumidor. Vale frisar que,
além do Código de Defesa do Consumidor, o consumidor recebe proteção especial
da Constituição Federal em seus artigos 5, XXXII e art. 170, V. (ALMEIDA, 2008).
Segundo MARQUES (2005, p. 151) o Código de Defesa do Consumidor
(CDC) traz em seus artigos 51 e 53 as cláusulas consideradas abusivas pela legislação. Vale lembrar que, como o CDC permite que outras leis protejam o consumidor, se alguma outra cláusula se mostrar abusiva será também considerada nula.
Para tanto, iniciaremos com a transcrição dos referidos artigos e na seqüência exibiremos a explicação doutrinaria desses institutos. Vejamos:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou
impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização
poderá ser limitada, em situações justificáveis;
II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já
paga, nos casos previstos neste código;
III - transfiram responsabilidades a terceiros;
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
V - (Vetado);
VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato,
embora obrigando o consumidor;
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do
preço de maneira unilateral;
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente,
sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua
obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo
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ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringem direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio
contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e
outras circunstâncias peculiares ao caso.
§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o
contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.
§ 3° (Vetado).
§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente
requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser
declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto
neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio
entre direitos e obrigações das partes.
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas
que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do
credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
§ 1° (Vetado).
§ 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a
compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste
artigo, terá descontado, além da vantagem econômica auferida com
a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao
grupo.
§ 3° Os contratos de que trata o caput deste artigo serão expressos em
moeda corrente nacional.
Da leitura dos artigos supra transcritos podemos concluir que o Código
de Defesa do Consumidor declara nula de pleno direito as cláusulas contratuais que
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se amoldem as disposições dos incisos I a XVI do artigo 51, destacando-se, dentre
tais cláusulas nulas de pleno direito as cláusulas abusivas previstas no inciso IV.
O artigo 53 do CDC determina, ainda, que as cláusulas no contrato de
compra e venda de imóveis devem ser igualmente declaradas nulas de pleno direito, se serem abusivas.
Urge destacar, ainda que as cláusulas abusivas, portanto, decorrem do
desrespeito ao princípio do equilíbrio contratual, da igualdade entre as partes, tendo
em vista que em decorrência da vulnerabilidade e/ou hipossuficiência do consumidor. Este, muitas vezes, adere a cláusulas que remetem a vantagens excessivas ao
fornecedor – as denominadas cláusulas leoninas – em detrimento de seus direitos.
Por derradeiro, convém especificarmos que, por serem nulas de pleno
direito, as cláusulas abusivas, se amoldam ao efeito ex tunc, segundo o qual a nulidade da cláusula atinge toda a situação fática desde o momento da celebração do
contrato, ou seja, a nulidade das cláusulas abusivas tem efeito retroativo.
5. CONCLUSÃO
Com os estudos decorrentes deste artigo, buscamos refletir sobre os contratos de adesão, em especial ao surgimento de cláusulas contrárias ao bom direito
por serem abusivas e sua nulidade de pleno direito.
Ao longo do trabalho, para melhor entendimento do tema, analisamos
conceitos básicos da teoria geral dos contratos e suas modificações até os dias
atuais onde se apresentam a possibilidade de contratos de ordem cível, comercial
e consumerista.
Da evolução da teoria geral dos contratos face aos novos contratos da
economia de consumo de massa analisamos os preceitos do Código de Defesa do
Consumidor – Lei n.º 8.078/90 – o qual tem suas origens na preocupação em tutelar
e proteger os direitos da parte vulnerável e hipossuficiente das atuais relações de
consumo, tendo inclusive tal tutela arcabouço constitucional, conforme artigos 5°,
XXXII e 170, V da Constituição Federal de 1988.
Discorremos ainda sobre os contratos de adesão sua conceituação e demais aspectos, bem como a análise de cláusulas abusivas nos mencionados tipos
contratuais.
Concluímos, com base nos estudos realizados que os contratos de adesão por derivarem exclusivamente da vontade de uma das partes contratantes – o
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fornecedor – cabendo a outra parte – consumidor – apenas aderir às mesmas ou
não, sem qualquer possibilidade de discussão, vez que se tratam de contratos pré-estabelecidos para um número indeterminado de contratantes, apresentam muitas
vezes cláusulas que privilegiam excessivamente a parte que o elaborou, em detrimento dos direitos do consumidor.
O direito, desta forma, para coibir possíveis injustiças e abusos, determinou que nos contratos de adesão, assim como em outros contratos de consumo,
as cláusulas abusivas devem ser declaradas nulas de pleno direito, pois afrontam
princípios constitucionais e princípios consumeristas.
Almejamos desta forma que o presente trabalho possa orientar consumidores no que tange aos seus direitos contratuais atinentes a contratos que porventura aderirem e que no decorrer do mesmo se apresente excessivamente onerosos,
em face da abusividade de suas cláusulas.
Por fim, concluímos que o direito pátrio sofreu grande evolução graças
ao Código de Defesa do Consumidor e deixamos o alertar a todos os consumidores
para que fiquem atentos a esses problemas que podem surgir nas relações contratuais consumeristas, e que, se sentindo prejudicados, procurem os órgãos competentes para que seus direitos sejam protegidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6 ed. rev. atual
e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
________. Manual de Direito do Consumidor. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
BARBOSA, Rui..Oração aos moços. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa; Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury – 5ª Ed.,1997
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 16. Ed., 1995.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume II: Obrigações.
7 ed.revv. São Paulo: Sarava, 2008.
110
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HENNEMANN, Alex. O contrato pós - modernidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1565. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.
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PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura. Cláusulas abusivas nos contratos de adesão.
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com.br/revista/texto/708>. Acesso em: 28 out. 2010.
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UNIÃO HOMOAFETIVA: UM NOVO
PERFIL DA FAMÍLIA BRASILEIRA
Bruna C. Ximenes de Araújo1
Rosimeire Ferreira da Silva3
Kássia R. B. Trulha de Assis2
Meire Cristina Queiroz4
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar a evolução do conceito de família no âmbito
social e legal, e o conseqüente reconhecimento da família homoafetiva como um novo modelo de entidade familiar. Para tanto serão consideradas as alterações normativas do Código
Civil, a Constituição Federal, projetos de leis pertinentes ao tema, integração analógica por
meio de leis vigentes, bem como a analise de doutrina e jurisprudência. Será questionado
o reconhecimento da união homoafetiva estável e duradoura como entidade familiar e a
proteção concedida pelo Estado que garante alguns efeitos civis patrimoniais e pessoais, no
entanto não possibilita de forma expressa a conversão dessa união em casamento. Embora
o Direito de Família assegure princípios como o de liberdade na constituição de família e
o principio da não discriminação em razão do sexo; e a escolha da orientação sexual seja
um direito constitucional inserido nos Direitos Fundamentais da pessoa humana, dentre os
quais estão o direito a liberdade, a igualdade e a dignidade, somente a discussão acerca do
tema preencherá a lacuna da lei e tornará verdadeira a afirmativa de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Enquanto isso permanece a dúvida: no atual contexto social,
seria essa apenas uma omissão legislativa, passível de mudanças; ou uma forma sutil de
reprimir a liberdade e orientação sexual do homem?
PALAVRAS-CHAVE
União Homoafetiva, Família, Liberdade Sexual, Dignidade da Pessoa Humana
1. INTRODUÇÃO
A União Homoafetiva como um novo perfil da família brasileira é um
retrato da realidade social contemporânea que será demonstrada com a análise do
conceito histórico da família brasileira e o processo de evolução que incluiu novas
entidades familiares ao ordenamento jurídico, mas não deixou espaço para as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
AUTORES
1 Graduanda em Direito pelas Faculdades Integradas de Mato Grosso do Sul – FITL-AEMS.
2 Graduanda em Direito pelas Faculdades Integradas de Mato Grosso do Sul – FITL-AEMS.
3 Graduanda em Direito pelas Faculdades Integradas de Mato Grosso do Sul – FITL-AEMS.
4 Mestre docente do curso de Direito das FITL-AEMS.
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Para se ter uma visão panorâmica sobre o assunto, é preciso conhecer
sobre homossexualidade, e entender que independente da orientação sexual, todos
os brasileiros devem ser amparados pelos princípios constitucionais que norteiam
o Direito; em especial o Direito de Família. Embora, não exista norma especifica;
a doutrina, a analogia e a jurisprudência, têm proporcionado a aquisição de direitos
civis, tanto no campo patrimonial quanto no pessoal aos homossexuais que mantêm vida conjugal.
A sociedade dos dias de hoje é diversificada; portanto, não cabe mais
chamar de família apenas aquela que se forma a partir do casamento entre homem
e mulher; o principio da afetividade reconhecido na união estável existe, também,
nas uniões homoafetivas; então por que a legislação insiste em ser omissa e obriga
os homoafetivos a percorrerem um caminho mais longo na busca por seus direitos?
Se a igualdade é uma garantia constitucional, por que essa diferença? Onde está o
respeito à dignidade da pessoa humana?
2. CONCEITO HISTÓRICO DA FAMILIA BRASILEIRA
A família é uma entidade histórica tal qual é a humanidade, e assim como
esta se transforma a cada momento.
Reconhecida como célula mater da sociedade, a família é objeto de preocupação mundial, posto que fundamental para a
própria sobrevivência da espécie humana, bem como a organização e a manutenção da sociedade e, consequentemente, do
Estado (GAMA, 2008, p. 5).
O conceito de família adotado no Brasil teve grande influência romana,
onde a família era formada com finalidade econômica e para tanto valorizavam a
procriação e a produção para garantir a subsistência do nome de família em respeito aos antepassados que a originou. Os laços de afetividade eram irrelevantes para
a união entre o homem e a mulher. A figura masculina exercia um poder patriarcal,
chamado “pater poder” sobre os demais membros, ou seja, a mulher, os filhos e os
escravos. (VENOSA, 2009, p. 3-5)
Esse modelo por muito tempo foi acolhido, entretanto, alguns fatores
como a emancipação econômica dos membros, maior poder atribuído à mulher e
redução do número de filhos contribuíram para que a família deixasse de ser pro-
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dutiva e em conseqüência perdesse sua função econômica. A partir daí, a família
começou a ser vista como uma entidade regida pelo afeto entre seus membros, já
que era a afetividade que os mantinham unidos e não mais a busca pela produção
econômica que a sustentava.
Embora, seja vasta a estrutura familiar romana, não se faz necessário pormenorizar cada uma delas já que o objeto de estudo é a família moderna; entretanto, é relevante registrar que Roma sofreu influência grega que forçou a ampliação
de seus conceitos, tal como lembra Adriana Maluf em sua doutrina:
Roma conheceu uma diversidade de modalidades relacionais:
comunidades familiares entre irmãos foram frequentemente
reconhecidas pelo direito; a homossexualidade, que foi largamente praticada na Grécia, não foi sistematicamente condenada em Roma, onde obedecendo a critérios próprios, era
praticada, sendo, inclusive, bastante tolerada quando praticada
entre os escravos (MALUF, 2010, p. 18).
No Brasil, a família tradicional, conservadora, submissa ao autoritarismo
resultante da hierarquia de sua estrutura e consolidada pelo matrimônio, se fez presente no inicio do século XX. “Houve uma completa reformulação do conceito de
família, no mundo contemporâneo. O modelo tradicional de família perdeu espaço
para o surgimento de uma nova família, [...]” (2008, GAMA, p. 23-24); estruturada
de forma democrática e humanizada visando proteger a dignidade de cada um de
seus membros e firmada no convívio afetivo mútuo. Hoje, em pleno século XXI, a
família brasileira goza de liberdade e responsabilidade, autonomia e um desprendimento da necessidade de ser elitizada para garantir seu espaço na sociedade,
contudo, longa, ainda, será sua caminhada até conseguir de forma plena efetivar o
gozo da liberdade, seja na sua constituição, estruturação ou dissolução.
O conceito de família modificou-se de forma a tornar-se mais justo frente
ao desenvolvimento da sociedade no campo da economia, da política e da cultura
que afeta diretamente os aspectos da existência pessoal e social da pessoa humana, e consequentemente, na formação das famílias atuais muito diferenciadas dos
modelos antigos.
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2.1 Evolução Social: do casamento aos novos modelos de entidades familiares
No Brasil, o casamento foi base para a formação da família durante o
período colonial e, também, no Império. Nessa época, os casamentos eram arranjados de forma a suprir os interesses econômicos ou de status social da família, não
havendo espaço ao amor ou afinidade entre os nubentes.
Entretanto, a sociedade é dinâmica e tem constante transformação. Novas
formas de relacionamento entre pessoas são construídas e se tornam tão sólidas
quanto às famílias primárias. “A unidade familiar, sob o prisma social e jurídico,
não tem mais como baluarte exclusivo o matrimônio” (VENOSA, 2009, p. 6).
A entidade familiar constituída pela figura do marido e da mulher; logo
se amplia com o surgimento da prole; e continua assim que os filhos se casam e
mantêm o vinculo familiar com seus pais, irmãos que também se casam e trazem
novos membros que irão agregar a família. Os indivíduos que se unem por laços de
sangue resultantes da descendência, e por laços de afinidade que unem os cônjuges
e os demais membros; constitui a família.
Os laços de afetividade e da convivência familiar são valores importantes
para a formação e estrutura da família contemporânea, colaboram para a realização pessoal e o respeito à dignidade de cada uma das pessoas que a formam. Nos
dias de hoje, as pessoas se unem com a intenção de manterem uma relação pública
duradoura que se converterá em entidade familiar por vontade própria e o que
impulsiona esse desejo é o afeto, portanto, a ele deve ser conferido o devido valor
jurídico, através do reconhecimento de sua importância para a organização estrutural e emocional das famílias.
Diante da realidade social contemporânea, alguns conceitos tornam-se
ultrapassados. Há algumas décadas atrás seria impossível o reconhecimento da família monoparental, por exemplo. A família não pode mais ser tratada de modo
geral, pois novos modelos de formação familiar estão conquistando espaço na sociedade, cada qual com sua característica, no entanto todas merecedoras de amparo legal apropriado. Embora, nem todas as formações ditas “familiares” sejam
reconhecidas no ordenamento jurídico como tal; existe atualmente uma vasta gama
de modelos onde se destacam as famílias de pais separados, as chefiadas por mulheres, chefiadas por homens e sem a presença feminina, as tradicionais formadas
pelo casamento, as monoparentais, as constituídas pela união estável entre homem
e mulher, as homoafetivas, e muitas outras. Sendo assim, as transformações sociais
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que movem o aparecimento de novos moldes familiares devem ser acompanhadas
pela ciência jurídica, pois não se pode simplesmente ignorar essa evolução social.
Nesse contexto, esclarece Maria Berenice Dias:
faz–se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a
identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de
entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em
um elo de afetividade, independentemente de sua conformação (DIAS, 2007, p. 41).
A evolução da sociedade brasileira trouxe uma mudança nos conceitos de
família, casamento, relacionamentos entre pessoas com a finalidade de constituir
família, e em outra vertente desafia o direito a se evoluir no cumprimento de seu
papel de criar normas e regras que regem a vida do homem em sociedade.
2.2 Evolução Legislativa: do Código Civil de 1916 ao Código Civil de 2002
A complexidade das relações entre as pessoas que compõem a família
cria a necessidade de leis para organizar, ditar regras, direitos e deveres que deverão ser seguidos por todos de forma a manter a força da entidade familiar, pois a
família é base formadora da sociedade. Nesse ponto está o Direito, através de uma
de suas ramificações: o Direito Civil que dedica uma parte de suas normas para
compor o Direito de Família.
Contudo, o Direito e a forma de aplicá-lo devem estar em constante desenvolvimento para abrigar as demandas diversas que surgem neste movimento de
transformação pelo qual passa a família.
As mudanças na estrutura familiar demonstram a importância e a valorização da afetividade. E o fortalecimento da família sócio-afetiva exige a justa
aplicação do Direito de Família com uma versão mais humanista e construtiva.
Até a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro de 1916, as instituições familiares se curvaram as mais variadas normas e leis especiais que as disciplinavam. Apesar de manter em seu texto muitas das normas já aplicadas, esse
novo diploma trouxe inovações para a época sobre o casamento, as relações de
parentesco e os direitos protetivos.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama aponta em sua doutrina os seguin-
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tes princípios do Direito de Família no Código Civil de 1916:
(a) o da qualificação como legitima apenas a família fundada
no casamento, em obediência ao modelo civilista imposto; (b)
o da discriminação dos filhos, com desconsideração de qualquer filho espúrio da estrutura familiar; (c) o da hierarquização
e do patriarcalismo na direção da família; (d) o da preservação
da paz familiar, ainda que em detrimento dos seus integrantes; (e) o da indissolubilidade do vinculo matrimonial; (f) o da
imoralidade do ‘concubinato’ (GAMA, 2008, p. 30).
O Código Civil de 1916 não reconheceu a família ilegítima, ou seja, a
família formada de forma adversa àquela iniciada pelo casamento (ver art. 229;
352-354) O conceito social que foi transferido ao legislador denominava esse tipo
de família, considerada imoral, como “concubinato”, e a ela impôs restrições. A
concubina, mulher que vivia na companhia de um homem sem que fosse firmado
entre eles o casamento, não podia, dentre outros impedimentos, ser beneficiária
de seguro de vida de seu convivente, seus filhos eram considerados ilegítimos e
não tinham filiação assegurada por lei. Trata-se de uma explícita discriminação e
preconceito, além de desrespeitar a liberdade na formação familiar e à dignidade
da pessoa humana. A hierarquização e o patriarcalismo restaram demonstrados no
art. 233, caput: “O marido é o chefe da sociedade conjugal”, e segue com os incisos
deste e outros artigos que asseguravam ao homem o poder sobre a mulher no papel
de esposa em notória submissão, a exemplo do art. 242, caput: “A mulher não pode,
sem autorização do marido: [...]”.
A família patrimonialista perdeu suas forças diante das transformações
sociais trouxeram novos valores que influenciaram de forma expressiva o Direito
de Família. É o começo da valoração da pessoa humana no Direito Civil brasileiro
que reflete no reconhecimento da família com formações adversas ao matrimonio.
Entre os Códigos Civis de 1916 e 2002, a conquista do Estado Democrático de Direito foi um marco histórico representado pela Constituição Federal de
1988.
A Constituição Federal sob prisma de Adriana Maluf, “introduziu uma
radical mudança no panorama da família, com a nova conceituação de entidade
familiar, para efeitos de proteção do Estado, passando a família a ser concebida de
forma mais ampla, em decorrência de sua origem no direito natural, com reflexos
nos âmbitos civil e penal” (2010, p. 34).
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O legislador constituinte preocupou-se em dar solução as distinções,
preconceitos e desigualdades inseridas no Direito Familiar brasileiro e firmou-se
no Princípio do Pluralismo Familiar, ao reconhecer como entidade familiar, além
daquela constituída pelo casamento, a união estável entre homem e mulher e a
família monoparental formada por qualquer dos pais e seus descendentes (ver art.
226, CRFB/1988).
Dessa forma, o Código Civil de 1916 tornou-se incompatível com os
novos rumos do Direito de Família garantidos pela Lei Maior e exigiu uma reformulação para que pudesse se adequar à realidade social.
O meio encontrado foi à constitucionalização do Direito Civil brasileiro
com o advento do Código Civil de 2002 que ao normatizar a nova face do Direito
de Família inovou a estrutura familiar anteriormente prevista. A tradicional preocupação com os interesses patrimoniais cedeu espaço aos interesses pessoais e
humanos que respeitam a dignidade da pessoa humana.
No entendimento de Venosa (2009, p. 10), “o Código Civil de 2002 procura fornecer uma nova compreensão da família, adaptada ao novo século, embora
tenha ainda com passos tímidos nesse sentido”.
O novo Código amplia o conceito de família e acrescenta normas que
regulamentam a entidade familiar sem o matrimonio; prevê a função social desta,
baseada na igualdade entre os cônjuges e na igualdade entre os filhos, dentre tantas
outras alterações importantes ao Direito de Família.
Mesmo contando com os avanços relativos à proteção da família, o Código Civil vigente ainda deixa algumas questões sem o devido amparo legal. O
exemplo dessa problemática é a falta de previsão para as uniões entre pessoas do
mesmo sexo presentes na realidade social brasileira. Nesse sentido, Adriana Maluf
(2010, p. 143) questiona em sua doutrina: “O que fazer com os homossexuais?”.
2.2.1 A Inegável Omissão Legislativa
Apesar de preservar o entendimento da Constituição Federal no que tange ao reconhecer como entidade familiar aquela que se origina com o casamento,
a união estável entre homem e mulher e a formada por qualquer dos pais e seus
descendentes, ou seja, a monoparental; o novo diploma civil destaca a função social da família, “uma das funções basilares da família viabilizar a formação e a
socialização do indivíduo” (MALUF, 2010, p. 44), e regulamenta que o casamento
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deve estabelecer uma “comunhão plena de vida” (art. 1552,CC) entre os cônjuges,
no entanto, exige de forma expressa a diversidade de sexos por entender que “a diferença de sexos constitui requisito natural do casamento, a ponto de serem consideradas inexistentes as uniões homossexuais” (GONÇALVES, 2009, p. 28). Sendo
assim, a legislação não inclui como entidade familiar as uniões homoafetivas, mas
como considerá-las inexistentes?
É fato, as relações homossexuais existem na sociedade contemporânea,
e com números visivelmente crescentes. A união homoafetiva é dotada de todos
os requisitos que caracterizam a união estável(ver art. 1723,CC) entre homem e
mulher, logo, possui caráter duradouro, estável e publico, e ainda estabelece a comunhão plena de vida entre os cônjuges; então por que não está escrita na norma?
Diante da evolução dos costumes que reflete diretamente nas relações
interpessoais, não é possível tapar os olhos da justiça e ignorar a existência de
relacionamentos que já estão incorporados à estrutura social contemporânea. No
Brasil, não existem leis que assegurem direitos as uniões dessa espécie. Os pares
homossexuais são tratados como sócios e não como cônjuges de fato. A doutrina
defende suas teses e demonstra que é possível e necessário amparar essas novas
entidades que buscam o status de família. Grande parte dos doutrinadores do direito encara essa omissão legislativa como uma ofensa aos direitos fundamentais de
igualdade e da liberdade, bem como ao princípio supremo da dignidade da pessoa
humana.
A proteção contra as arbitrariedades do Estado é um direito
dos cidadãos. Com a afirmação do chamado Estado Social de
Direito, alçado numa sociedade livre, justa, pluralista, solidária, que se propõe isenta de preconceitos, valorizar a busca da
justiça social, com a afirmação dos chamados direitos sociais,
pois entendemos que a livre expressão da sexualidade encontra-se elencada, embasada está no principio constitucional da
dignidade da pessoa humana (MALUF, 2010, p. 144).
A falta de previsão legal para resolver a questão dos relacionamentos
homossexuais deixa uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro que obriga os
operadores do direito a recorrerem; nos termos do art 4º da LICC; à analogia e
jurisprudências invocando os princípios constitucionais de liberdade e igualdade e
outros implícitos na Norma Maior; pois a tutela jurisdicional do Estado aos direitos
da pessoa humana deve ser aplicada a todos sem distinção, de modo que a opção
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sexual deve ser vista como mero diferencial particular a cada um ao invés de objeto
de discriminação e descaso do legislador; como bem pontua Maria Berenice Dias:
Na presença de vazios legais, a plenitude do reconhecimento de direitos deve ser implementada pelo juiz, que não pode
negar proteção jurídica nem deixar de assegurar direitos sob a
alegação de ausência da lei. Precisa assumir sua função criadora do direito. Preconceitos e posturas discriminatórias, que
tornam silenciosos os legisladores, não devem levar também o
juiz a calar (DIAS, 2008, p. 186).
Regulamentar a união homoafetiva significa incluir no ordenamento uma
situação que já existente e é merecedora de relevância.
3. A FAMÍLIA HOMOAFETIVA COMO UM NOVO MODELO DE ENTIDADE FAMILIAR
3.1 Conceito de Homoafetividade
É sabido que desde os primórdios da humanidade a prática do homossexualismo se fez presente na Grécia antiga, onde os atletas competiam nus para
exibir sua beleza física, sendo vedada à presença de mulheres no recinto, por serem
consideradas incapazes de apreciar o que é belo. Também no teatro, era comum
que os homens se fantasiassem de mulheres. (DIAS, 2009, p. 230). Os preceptados
serviam de mulher ao seu preceptor.
Segundo Patrícia Ferreira Dantas Hata:
Essa relação, aceitável até que o rapaz atingisse a maturidade
(quando ele deveria assumir o papel de tutor de outro jovem
adolescente), era inclusive tida como indispensável para que
o adolescente adquirisse sua masculinidade. Já as relações sexuais entre homens adultos, apesar de existirem em grande
número, eram rechaçadas, não por se tratar do amor entre dois
homens, mas porque se entendia que um homem adulto que
consentisse em assumir o papel sexual passivo estaria ‘abrindo
mão’ de sua masculinidade, em um comportamento tido como
subversivo. Tal concepção era justificada pela teoria de que,
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ao “abrir mão” de sua masculinidade, o homem sexualmente passivo estaria assumindo uma conduta feminina – e como
a mulher era uma “cidadã de segunda classe”, praticamente
sem direitos, a essa condição o homem passivo era equiparado.
(VECHIATTI, apud, HATA, 2008, p.72).
A etimologia homo vem do grego e significa “semelhante, igual” (XIMENES, 2001, p. 500), em outras palavras, atração pelo mesmo sexo e aversão ao
sexo oposto. Caracterizado pelo sentimento de afeto que surge de uma maneira ou
de outra com o desejo de conviverem juntos como se fossem casados.
A igreja considerou o homossexualismo como algo pecaminoso diante
dos olhos de Deus, uma aberração que inibia a procriação; e segundo as leis divinas
a relação sexual é tendente tão somente à continuação da espécie. Esse conceito
influenciou a visão despendida pela sociedade aos relacionamentos entre pessoas
do mesmo sexo; tanto que até meados de 1985 a homossexualidade era tida como
uma doença, constando até mesmo no CID (Código Internacional das Doenças).
Somente em 1995, o sufixo “ismo” foi substituído por “dade” indicando modo de
ser. (DIAS, 2009, p. 241).
Importante salientar que a homossexualidade segundo estudos recentes está diretamente influenciada a questões genéticas e biológicas. Esses estudos
levantam a hipótese de que a homossexualidade pode ser determinada antes ou
pouco depois do nascimento. Dessa forma, é precipitada a afirmativa de que a homossexualidade é uma escolha do indivíduo. Neste sentido Adriana Maluf faz uma
importante ressalva:
Tal como os heterossexuais, os homossexuais descobrem a sua
sexualidade como um processo de crescimento. A única escolha que o homossexual pode tomar é a de viver a sua vida de
acordo com a sua verdadeira natureza ou de acordo com o que
a sociedade espera dele (MALUF, 2010, p. 128).
Sendo assim, a homoafetividade nada mais é do que o nome dado aos laços de afeto que unem os homossexuais, tão capazes de sentir afeto e amor quanto
os heterossexuais; de construir uniões igualmente sólidas e dignas de respeito; no
mais todos os seres humanos são diferentes em suas particularidades, entretanto
perante a lei todos se igualam sem distinção de qualquer espécie.
A sociedade ainda tem muito á aprender sobre a sexualidade humana,
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visto que no Brasil o conservadorismo resulta em um preconceito descabido que
atingem de uma maneira significativa os princípios constitucionais, sobretudo no
que diz respeito á Dignidade da Pessoa Humana.
3.2 Liberdade na Orientação Sexual
O princípio da liberdade está descrito no artigo 5º da Constituição Federal. O sentido dessa liberdade deve ser vista sob diferentes nuances; é assegurado
a todos por força da Carta Magna e da Declaração Universal dos Direitos do Homem a liberdade plena, que inclui ser livre para se expressar, pensar, ir e vir; viver
conforme suas próprias escolhas e convicções; isto significa que todas as pessoas
possuem liberdade para se orientarem sexualmente, seja ao admitir à homossexualidade oriunda dos fatores genéticos e biológicos ou ao aderir a essa opção de vida
sexual, assim como a heterossexualidade.
A orientação sexual está estritamente ligada aos direitos de personalidade
e Dignidade da Pessoa Humana que faz com que seja respeitada em sua dimensão
física, psicológica e social.
Segundo Breno Mussi a orientação sexual é:
Direito da pessoa, atributo da dignidade. O fato de alguém se
ligar a outra do mesmo sexo, para uma proposta de vida em
comum e desenvolver os seus afetos, está dentro das prerrogativas da pessoa. A identidade do sexo não torna diferente,
ou impede o intenso conteúdo afetivo de uma relação emocional, espiritual, enfim, de amor, descaracterizando-a como tal.
(apud, GAMA, 2001, p. 189).
Partindo dessa idéia, é contraditório ao princípio da liberdade qualquer
restrição feita aos direitos daqueles que aceitam ou escolhem viver de maneira diferente do padrão social; mesmo porque o que é diferente é o modo de vida e não
as pessoas; nos termos da própria Constituição Federal “ todos são iguais, perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza”, seja ela de cor, raça ou sexo.
3.3 Fundamentos Constitucionais do Direito de Família
Ao falar em princípios deve-se atentar as diferenças entre estes e as regras; pois neles não cabe a idéia de exclusão, uma vez que são valores; causa pri-
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mária que possuem a mesma importância perante a Constituição, assim, deve haver
uma ponderação sempre que houver uma incompatibilidade entre eles.
A Constituição Federal está repleta de princípios que consubstanciam o
Direito de Família, visando dar lhe concretude, como frisa Ana Maria Louzada.
(DIAS, 2009, p. 242).
Dessa forma, discorreremos sobre os principais princípios Constitucionais que amparam e protegem o Direito de Família.
3.3.1 Principio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é a resposta ao Estado ao
período de massacre vivido pelo homem. Está previsto na Constituição Federal
nos artigos 1º, III e 226 § 7º, visando assegurar a todos uma vida com dignidade
e respeito em todos os âmbitos. Immanuel Kant já dizia que é o “princípio antropológico que faz com que o homem não exista em função de outro e por isso pode
levantar a pretensão de ser respeitado como algo que tem sentido em si mesmo”
(apud, SANTOS, 2001).
Para Carmem Lúcia Antunes Rocha Dignidade da Pessoa Humana:
É o respeitar a integridade, a intangibilidade, a inviolabilidade
do homem, não apenas tomando tais atributos em sua dimensão física, mas em todas as dimensões existenciais nas quais
se contém a sua humanidade, que o lança para muito além do
meramente físico. (ROCHA, 2004, p. 34-35).
Trata-se de um princípio que deve ser analisado sob dois focos: a proteção da pessoa humana, não se permitindo qualquer ato degradante ou desumano,
seja por parte do Estado ou da Comunidade; e a participação ativa do homem
nos caminhos de sua existência, impondo o respeito, a intocabilidade e proteção
(Gama, 2008, p. 70).
Ingo Wolfang Sarlet define dignidade como a:
Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o
faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um
complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem
a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante
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e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos
da própria existência e da vida em comunhão com os demais
seres humanos. (SARLET, 2001, p.60).
A declaração Universal dos Direitos Humanos datada de 10 de Dezembro de 1948, cujo Brasil é signatário quando menciona que a Dignidade da Pessoa
Humana é inerente a todos os membros da Família humana, está, ainda que não
de forma específica, se referindo também aos homossexuais, visando garantir os
Direitos Fundamentais. Assim, independentemente de raça, cor, sexo ou condição
social ou sexual todos a possuem; e significa dizer que é o princípio que faz com
que o homem seja visto em sua humanidade, que receba um tratamento digno que
não o coloque na condição de um objeto. É algo inato ao ser humano, simplesmente
pelo fato de ser pessoa.
3.3.2 Principio da Não Discriminação em Razão do Sexo
Uma vez consolidado que todos são iguais perante a lei é um pensamento
retrógrado a discriminação em razão da preferência sexual. Trata-se de uma ofensa
a Dignidade da Pessoa Humana, princípio basilar da Constituição que a faz merecedora de todo respeito e proteção por parte do Estado e da sociedade.
O preconceito, é pré-julgamento que atinge os atributos que o homem
carrega consigo, sejam estes negativos ou positivos, que por serem diferentes parecem estranhos a sociedade.
Ainda hoje existem países que em virtude de um preconceito tolo e de
uma cultura exacerbada punem com pena de morte a prática de homossexualismo,
mesmo diante da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Nesse sentido aludi Maria Berenice Dias:
De nada adianta assegurar o respeito á Dignidade da Pessoa
Humana e liberdade. Pouco vale afirmar a igualdade de todos perante a lei (...) que não são admitidos preconceitos ou
qualquer forma de discriminação. Enquanto houver segmentos alvos de exclusão social, tratamento desigualitário entre
homens e mulheres, enquanto a homossexualidade for vista
como crime, castigo ou pecado, não se está vivendo em um
Estado Democrático. (DIAS, 2009, p. 30).
124
DIREITO
E SOCIEDADE
O artigo 5º da Constituição Federal frisa que todos são iguais perante a
lei. Essa isonomia deve ser vista sob dois ângulos; a igualdade formal e a igualdade
material. Esta no que se refere ao tratamento equânime dos indivíduos e aquela no
que tange ao legislador em não editar norma que discrimine os indivíduos seja por
sua opção sexual, cor, raça ou credo.
Para o Juiz Federal Cláudio Roberto da Silva:
Inadmitir efeitos a união homossexual significa verdadeira discriminação sexual, pois é o sexo do autor em relação ao seu
parceiro que é considerado para negar-lhe o direito tanto que,
caso seu parceiro fosse do sexo feminino, a objeção desaparecia imediatamente. (apud GAMA, 2001, p.191)
A opção sexual faz parte da realização pessoal do homem ou da mulher,
sendo dever do Estado vedar qualquer tipo de discriminação que possa ferir sua
liberdade fundamental.
3.3.3 Principio da Afetividade
Entende-se por afeto todo sentimento de amor, carinho, de companheirismo entre os sujeitos que por mais que não esteja prevista expressamente na Constituição Federal é pautada na Dignidade da Pessoa Humana.
Afetividade “é o conjunto dos fenômenos psíquicos vivenciados na forma de sentimentos e paixões” (GAMA, 2001, p. 27), ou seja, o estado psicológico
que permite que uma pessoa demonstre carinho e amor por outra; e pode se apresentar de diferentes formas; seja no o amor entre pai e filho, entre irmãos, entres
amigos, entre marido e mulher unidos pelo casamento ou pela união estável, dentre
tantos outros exemplos.
O princípio da afetividade é o norteador do Direito de Família e que tem
por intuito o alcance da felicidade, como frisa Ana Maria Louzada (apud DIAS,
2009, p. 244); ademais, a própria Constituição ao reconhecer a união estável entre
homem e mulher como entidade familiar, incluiu aos seus princípios a afetividade,
por considerar ser ela a base da formação familiar. Nesse sentido cabe o entendimento de que a união homossexual também poderá ser considerada uma entidade
familiar, pois, assim como nos outros modelos, o afeto presente nesses relacionamentos tem a mesma força e atuação.
125
DIREITO
E SOCIEDADE
O afeto não é um elemento advindo da biologia, mas da convivência,
objetivando o encontro da felicidade e do bem-estar. Compartilha desse entendimento Maria Berenice Dias.
A natureza afetiva do vínculo em nada o diferencia das uniões
heterossexuais, merecendo ser identificado como uma identidade familiar, pois tem como fundamento da Constituição o
mesmo alicerce presente nas demais: o afeto. (DIAS, 2009,
p. 233).
Assim, esse princípio implícito na Constituição deve ser assegurado a
todos aqueles que decidem compartilhar suas vidas com outra pessoa, seja esta
de sexo oposto ao seu ou não; havendo o afeto será constituída a família, pautada
no respeito entre os seus membros, na solidariedade, na solidez, enfim, no amor
necessário a uma vida digna que merece ser tutelada pelo Estado Democrático de
Direito.
4. DOS EFEITOS CIVIS DECORRENTES DA FAMILIA HOMOAFETIVA
4.1 Dos Efeitos Patrimoniais
Patrimônio é a totalidade de bens, direitos e obrigações apreciáveis economicamente. Para Nelson Rosenvald é “a universalidade de direito, constituído
por um complexo de bens, direitos e obrigações, pode ser conceituado com um
complexo de relações jurídicas apreciáveis economicamente de uma pessoa [...].”
(TEXEIRA; RIBEIRO, 2008, p. 403).
As relações homoafetivas geram o enlaçamento de vidas pautadas no
afeto e na busca de uma comunhão plena de vidas, que resulta, inclusive em formação de patrimônio.
Os efeitos patrimoniais que se refletem nas uniões homoafetivas são
previstos em projetos e julgados que buscam ampliar os direitos ora vistos como
societários por não reconhecer nelas a entidade familiar resguardada pelo Direito
de Família.
Maria Berenice Dias faz menção à falta de amparo legal nesse aspecto:
Na seara patrimonial, a legislação brasileira apresenta lacunas
em face desses novos arranjos familiares, motivo pelo qual,
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DIREITO
E SOCIEDADE
embora se deva reconhecer os vários tipos de família, há necessidade ainda de buscar em outras áreas do direito civil e outros ramos do direito o apoio necessário para o preenchimento
das lacunas. (DIAS, 2009, p. 80).
Embora não haja legislação específica, as decisões relativas ao patrimônio, principalmente quando da sua dissolução, tem sido favoráveis no reconhecimento dos direitos aos companheiros em uma relação homossexual; entretanto, o
fundamento para a concessão ao direito de partilha dos bens ainda passa por uma
dicotomia. De um lado, há o entendimento consolidado pela Sumula 380 do STF,
de que as uniões homoafetivas constituem uma sociedade de fato; enquanto de
outro, está o entendimento minoritário da jurisprudência pautado nos princípios
constitucionais da igualdade, da legalidade e da justiça, que diante do pluralismo familiar reconhece a união homoafetiva, desde que duradoura e geradora de
patrimônio fruto do esforço comum, os direitos patrimoniais. Á exemplo está o
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em decisão já antiga demonstrando seu
pioneirismo no assunto:
Ementa: Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados
por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que
envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das Varas de Família, a semelhança
das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo
provido. (TJ/RS – Ag.I. nº 599075496, Oitava Câmara Cível,
Rel. Des. Breno Moreira Mussi, julgado em 17/06/99).
Mais uma vez, o afeto é considerado e elemento formador da família,
sendo assim, o processo de reconhecimento dos direitos patrimoniais da união homoafetiva é assunto esclarecido entre as decisões, seja sob um fundamento ou por
outro.
4.1.1 Previdência Social
O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) há tempos admite a
possibilidade de concessão de benefício previdenciário às pessoas que convivem
em relação homoafetiva. Em 25 de Junho de 2000, a Instrução Normativa nº 25
127
DIREITO
E SOCIEDADE
(fundamentada na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0), pacificou o entendimento de que deve ser assegurado o amparo necessário à subsistência dos conviventes, independentes de ser uma relação homossexual, conforme o art. 2º desse
dispositivo: “A pensão por morte e o auxílio-reclusão requeridos por companheiro
ou companheira homossexual, reger-se-ão pelas rotinas disciplinadas no Capítulo
XII da IN INSS/DC nº 20, de 18.05.2000.”
Mesmo porque se os companheiros da união estável são dependentes e
em caso de morte é assegurado o beneficio previdenciário citado; não cabe tratamento diferenciado aos relacionamentos homossexuais estáveis; pois esses merecem respeito ao direito personalíssimo de suas orientações sexuais. Nas palavras
do Ministro do STF, Humberto Gomes de Barros, (REsp 238715 / RS): “O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não
diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.”
Não há o que se discutir; as decisões favoráveis são pacifico tanto nos
tribunais de 1ª como nos de 2ª instancias, salvo, nos casos onde não se comprava o
vinculo estável e duradouro entre os parceiros.
4.1.2 Sucessão Hereditária
Com morte todos os bens se transmitem aos herdeiros, sejam estes testamentários ou legatários, conforme a vocação hereditária estabelecida pelo artigo
1.829 do Código Civil.
Quando ocorre a morte de um dos companheiros homossexuais começam as controvérsias a respeito dos direitos de sucessão. A doutrina e os tribunais
têm se dividido em dois entendimentos, já que não existe legislação que possa
unificar as decisões.
Maria Berenice Dias demonstra sua opinião no que se refere ao não reconhecimento do companheiro homoafetivo no direito sucessório:
Tais soluções, cabe repetir, geram um descabido beneficiamento dos familiares distantes, que, normalmente, rejeitavam,
rechaçavam e ridicularizavam a orientação sexual do de cujus.
De um outro lado, na ausência de parentes, a solução leva a
um resultado ainda mais injusto. A herança é recolhida ao Estado pela declaração de vacância, em detrimento de quem deveria ser reconhecido titular dos direitos hereditários. (DIAS,
2001, p. 19-20).
128
DIREITO
E SOCIEDADE
A vertente majoritária exclui da condição de herdeiro o companheiro que
viveu durante toda a sua vida com o falecido, em virtude do não reconhecimento
da união homoafetiva como entidade familiar; todavia, inspirada na sociedade de
fato, garante a meação ao companheiro sobrevivo, basta que seja comprovada a
contribuição direta ou indireta deste para a formação do patrimônio que estará assegurado o direito a metade dos bens ou o equivalente proporcional à contribuição.
Em contrapartida, é inevitável que depois de toda uma comunhão de vida,
constituída sobre a égide do amor, o cônjuge sobrevivo tenha direito a parte do patrimônio que arduamente construíram juntos. Por analogia, os efeitos jurídicos da
união estável são invocados para enquadrar o companheiro na sucessão hereditária,
desde que comprovada a solidez da união entre os conviventes. Como reconhece
o Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul ao negar provimento ao agravo interposto
por irmãs de uma mulher homossexual requerendo a herança que, por direito, foi
designada a companheira sobreviva.
4.1.4 Alimentos
A obrigação de alimentar está ligada estritamente a Dignidade da Pessoa
Humana e descrita como objetivo da Constituição Federal como solidariedade social.
Os alimentos são formas de garantir a subsistência daqueles que não tenham meios de prover, é um meio de erradicar a pobreza e a marginalização social; contudo, os alimentos são não apenas aqueles indispensáveis ao sustento mais
também os referentes ao vestuário, habitação, assistência médica, instrução e educação. Segundo Orlando Gomes “são prestações para satisfação das necessidades
vitais de quem não pode provê-las por si” (apud, GONÇALVES, 2009, p. 455).
Os julgados se divergem, pois de um lado está o entendimento de que o
relacionamento homossexual não está amparado pelas leis que regulam as relações
extramatrimoniais, portanto não há de se falar em obrigação alimentícia. Outros,
porém, sustentam a idéia de que havendo um relacionamento com uma assistência
econômica mútua dentro da entidade familiar, caberá o direito á alimentos independente da estrutura do modelo familiar.
Se as relações homossexuais também se pautam no afeto como as heterossexuais, não se pode destinguir as duas espécies de casais para fins de efeitos
alimentícios, afinal, a pensão por morte tem natureza alimentar e como já estudado,
129
DIREITO
E SOCIEDADE
é admitida pela Previdência Social; portanto, é coerente que a concessão de alimentos seja dada à ex-companheiros do mesmo sexo.
4.2 Dos Efeitos Pessoais
Dentre os efeitos civis produzidos pelo casamento ou pela união estável
há também os efeitos pessoais, que são relativos às pessoas. Segundo a doutrina e
a jurisprudência, se enquadram nesse âmbito os direitos e deveres do casamento,
tais como a fidelidade recíproca, o sustento, guarda dos filhos, o respeito e a mútua
assistência.
Pertinente aos relacionamentos homoafetivos, o efeito civil de caráter
pessoal que já está consolidado é o direito à adoção.
4.2.1 Adoção
A adoção é um direito das crianças e adolescentes que não tenham ou não
convivam com seus pais biológicos, sendo dever do Estado e da sociedade proporcionar um ambiente favorável ao seu desenvolvimento enquanto pessoa, quando
não possível o conviver com sua família consangüínea, nos termos do artigo 227
da Constituição Federal.
Apesar de raros, existem casos de adoção por casais homossexuais. O
preconceito aliado à idéia de que a adoção por casais homossexuais causa danos irreparáveis e prejudiciais as crianças, principalmente, na esfera psicológica, pois ao
ter dois pais ou duas mães, alem da confusão quanto a noção de família, a criança
poderá sofrer discriminação no ambiente de estudo e social.
Entretanto, foi aberto um precedente no ano de 2006, quando o Tribunal
de Justiça de São Paulo, emitiu certidão de nascimento de uma criança adotada por
um casal homoafetivo masculino de Catanduva, no interior do Estado; em decorrência desta, tantas outras decisões foram tomadas por todo o País permitindo a
adoção por casais homoafetivos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente pautado na proteção integral do
menor; não estipula nenhuma regra ou mesmo restrição quanto a orientação sexual
do adotante, tão somente dispõe sobre a idade, como reza o artigo 42 “podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil”.
Fica evidente que o critério da afetividade se faz presente novamente
como elemento estruturante da família; e afirmando que a criança necessita de
130
DIREITO
E SOCIEDADE
pais que lhe dêem afeto e um do lar para no amanhã serem adultos de princípios e
formadores de opinião.
Deve prevalecer o entendimento do artigo 43 do referido diploma “Adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se
em motivo legítimo”; ou seja, propiciar um lar digno, com amor e preceitos morais.
Adriana Maluf concorda em sua doutrina:
As vicissitudes e fragilidades da vida estão ai expostas, e todos os dias necessitamos enfrentar o preconceito – de varias
naturezas: o desamor, a desconfiança, o desconhecimento, o
desrespeito, a intolerância. Assim, pensamos que, jungido ao
reconhecimento do status familiae do casal homossexual, deve
estar também inscrito o direito de à adoção. Beneficio este que
certamente trará proteção, amor e segurança a uma plêiade
enorme de menores sem lar, sem família, expostos à própria
sorte. (MALUF, 2010, p. 176).
O que realmente importa é a idoneidade moral, a capacidade financeira
para assumir encargos decorrentes de uma paternidade ou maternidade, e acima de
tudo de dar amor, educar e ensinar o caminho do bem àqueles que serão o futuro
do Brasil.
5. O RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR
5.1 Da Conversão da União Homoafetiva em Casamento Civil
A União Homoafetiva é uma tendência no mundo moderno. No Brasil
é perceptível um aumento desses modelos de relacionamento em decorrência da
evolução social e da consolidação dos direitos do homem.
A Constituição Federal, ao adotar o pluralismo familiar, outorgou uma
proteção especial á família pautada nos princípios constitucionais, principalmente,
na Dignidade da Pessoa Humana, independentemente da celebração do casamento.
Atualmente no ordenamento jurídico brasileiro não há regulamentação
a respeito da união entre pessoas do mesmo sexo, porém em outros países essa
regulamentação já vem de tempos. Na Holanda em 2001, na Bélgica em 2003,
Espanha, Grã Bretanha e Canadá em 2005, em Massachusetts em 2004, em 2006
131
DIREITO
E SOCIEDADE
na África do Sul, na Noruega em 2008, dentre outros países (DIAS, 2009, p. 246).
Em contrapartida, alguns países ainda abominam tal situação, a exemplo o Irã que
até pune os pares homossexuais com pena de morte.
Alguns doutrinadores sustentam que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode ocorrer, sob o fundamento de que há uma impossibilidade jurídica do pedido, ou seja, uma vedação expressa da lei. Na verdade a lei nada fala a respeito, ocorre, porém a falta de regulamentação. Outros acreditam que o casamento
inexiste, pois é necessária a diferença de sexo; o que implica em um desrespeito
aos princípios constitucionais e a Dignidade da Pessoa Humana.
Como bem pondera Maria Berenice Dias:
É absolutamente discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões homossexuais. São relacionamentos
que surgem de um vínculo afetivo, geram o enlaçamento de
vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial,
estando a reclamar inserção no âmbito jurídico. (DIAS, 2009,
p.233).
A distinção de sexo não pode ser invocada a servir de pretexto para impossibilitar o casamento. O próprio legislador reconheceu outros modelos de família, tal como a monoparental; o pluralismo familiar é adotado pela Constituição
justamente em conseqüência do surgimento de novas entidades familiares, a família homoafetiva é mais uma entre tantas outras.
Embora contenha em alguns dos artigos que regulam o casamento e a
união estável a expressão “entre o homem e a mulher”, que faz presumir a obrigatoriedade da diferença de sexos; o Código Civil de 2002, dentre suas inovações, fez
alguns ajustes aos impedimentos para o casamento, conforme dispõe o art. 1.521
em seus incisos, no entanto, em nenhum deles está descrito que a igualdade de sexo
dos pares os impeçam de casar. Não o bastante, ainda, determina que “o casamento
estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres
dos cônjuges” (art. 1.511); aqui, não define como partes do casamento o homem e
a mulher; mas sim, os cônjuges que por definição são “cada um dos casados, em
relação ao outro”, dessa forma não há exigência quanto ao sexo das pessoas que
irão manter a comunhão de vida, e esta é perfeitamente vista, também, nas uniões
homoafetivas.
Não fosse a diferença dos sexos, por vezes imposta nas normas civis, o
132
DIREITO
E SOCIEDADE
casamento entre dois homens ou duas mulheres seria possível, uma vez que este
se realiza com a livre manifestação de vontades entre as partes, diante daquele que
possua capacidade para celebrá-lo. Essa imposição se mostra inapropriada aos dias
atuais; época em que tanto se fala de Direitos Humanos, Dignidade, Igualdade; em
que está em evidencia a busca pelo respeito e pela solidariedade entre os povos,
época que o Brasil se curva a Constituição Federal mais humanista de toda a sua
historia.
Portanto, não é possível permanecer vedado o casamento aos homoxessuais; legalizar significa preencher as omissões legislativas e desvincular as normas existentes do preconceito e da discriminação.
5.2 Existe Diferença ou Preconceito entre União Estável e União Homoafetiva?
A norma ao excluir a união estável entre homossexuais, segundo expõe
Flávia Piovesan:
traz consigo uma limitação aos direitos estabelecidos no artigo
5º, ameaçando o direito á capacidade de autodeterminação no
exercício da sexualidade, bem como ao direito á livre orientação sexual, proibida qualquer discriminação. (apud GAMA,
2001, p. 191).
Não há como se negar a existência das uniões homoafetivas, nem tratá-las como desdém; é um dado real e cada vez mais constante que por mais que não
tenha reconhecimento total, por falta de regulamentação, vêm sendo consolidado
por decisões supridas pela analogia e fundamentado pelos princípios constitucionais.
O legislador ao descrever a união estável deixa claro que está deverá ser
entre homem e a mulher, conforme expõe o §3º do artigo 226 da Constituição Federal e o artigo 1.723 do Código Civil. Nesse momento é ignorado a existência dos
vínculos afetivos entre pessoas do mesmo sexo que mantenham uma convivência
duradoura e pública, assim como se exige para a união estável ser reconhecida.
Essa taxatividade está intimamente ligada à rejeição da sociedade aos pares iguais; esse preconceito acarreta a omissão legislativa como reconhece Venosa:
Certamente os debates legislativos serão acalorado em torno
133
DIREITO
E SOCIEDADE
do tema, já convertido em lei em muitos países. Tudo dependerá de quando a sociedade absorver e aceitar esses direitos e
a resposta será pronta da lei e do judiciário, como já tem ocorrido. (VENOSA, 2009, p. 417).
A base formadora da união homoafetiva é a mesma que leva homem e
mulher a se unirem de forma estável; ou seja; o afeto é o que estrutura a entidade
familiar seja qual for o sexo de seus membros. Portanto, não há diferença entre uma
união e outra, a não ser o sexo, e esse quesito não podem garantir direitos a um
e não ao outro, pois caracteriza uma afronta aos princípios constitucionais como
demonstra inúmeras passagens deste estudo, e fortalece o preconceito social que
impede a inclusão da família homoafetiva no rol das entidades familiares.
5.3 O Estatuto das Famílias e o Posicionamento da Jurisprudência em prol das
Uniões Homoafetivas
O projeto de Lei 2.285/07, intitulado “Estatuto das Famílias”, embora
ainda não homologado, visa expandir o direito de família sem romper com o Código Civil, observado as mudanças ocorridas ao passar dos séculos e o reger as
relações pautadas no princípio da afetividade. Em um capítulo a parte, da união
homoafetiva, o artigo 68 aludi:
É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas do mesmo sexo que mantenham convivência pública,
contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família,
aplicando-se no que couber, as regras concernentes á união estável.
Assim, serão resguardados os direitos a guarda e convivência dos filhos,
adoção, direito previdenciário, direito á herança, e, ainda, dispõe que pessoas conviventes poderão requerer o reconhecimento de sua união.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul muito tem avançado nesse
assunto, inclusive ao determinar que assuntos relacionados a união entre homossexuais deve ser de competência das Varas de Família.
Por mais que não haja regulamentação acerca das uniões homoafetivas
como um novo perfil da família brasileira, fundamentados pela analogia, pelos
princípios constitucionais e Súmulas Vinculantes, os posicionamentos do STJ tem
134
DIREITO
E SOCIEDADE
sido favoráveis em conceder aos pares homoafetivos os efeitos civis cabíveis as
entidades familiares; no mesmo sentido decidem os tribunais de Primeira Instância
por todo o País (Rio de Janeiro - Duque de Caxias – Recebimento de pensão em razão do óbito do companheiro (Proc. nº 2009.51.68.007379-7, 1º Juizado Especial,
Juíza Federal Andréa Daquer Barsotti, j. 13.04.2010. - Bahia – Comarca de Salvador – 5ª Vara de Famílias e Sucessões Proc. 2341662-3-2008, sentença proferida
pelo Juiz de Direito Antônio Mônaco Neto, em 02.04.2009. - Paraná - Cascavel
- Pedido de adoção - Proc. 0016380-68.2010.8.16.0021 - Juiz Sérgio Luiz Kreuz,
j. 26.07.2010.)
Recentemente, o Provimento número 36 datado de primeiro de junho de
2010 dispõe sobre a lavratura de escritura pública de Declaração de Convivência
de união homoafetiva perante os Cartórios de Serviços Notariais, amparado na
Dignidade da Pessoa Humana e no princípio da isonomia. Nestes termos, Mato
Grosso do Sul ao homologar o referido dispositivo conferiu aos Cartórios de Serviços Notariais do Estado o poder para lavrar escritura pública de declaração de convivência de união homoafetiva entre pessoas plenamente capazes, independente da
identidade ou oposição de sexo, desde que vivam uma relação de fato duradoura,
em comunhão afetiva. Essa união poderá ser reconhecida como entidade familiar
para todos os efeitos.
Fica evidente que pelo menos nesse estado o direito é concebido aos
casais homossexuais, e com esse provimento não mais será necessário apelar para
os Tribunais, bastando tão somente reunir documentação que prove a situação de
fato vivida pelos sujeitos. Mesmo assim, os cartórios não serão obrigados a realizar
tal ato, podendo inclusive, se houver suspeita de vício no emanar a vontade não
proceder ao registro.
6. CONCLUSÃO
Diante da evolução vivida pela sociedade e a constante mudança nos hábitos das pessoas, o modelo tradicional de família originada pelo casamento entre
homem e mulher com a finalidade de procriação, encontra-se ultrapassado em relação aos novos moldes familiares.
Assim como a união estável entre pessoas de sexos diferentes; as uniões
homoafetivas encontram-se cada vez mais presentes no âmbito social e jurídico,
porém; estas; ainda desprovidas de legislações a respeito. Ao longo dos anos, esse
135
DIREITO
E SOCIEDADE
modelo de união ganhou força em conseqüência de diversos direitos já assegurados
por respeito à supremacia dos princípios constitucionais e, sobretudo, a Dignidade
da Pessoa Humana.
Contudo, o ordenamento jurídico ainda sofre grande influencia do preconceito e da rejeição da sociedade aos relacionamentos homossexuais; pois na
medida em que a sociedade não os aceita como novo modelo de família, o legislador não reconhece sua existência. Evento absurdo; pois ao que se sabe as normas
tem a função de regular a vida do homem em sociedade, portanto, não pode ser a
intolerância do homem a causa do desamparo legal. A sociedade precisa aprender a
lidar com as diferenças pessoais de cada um, e entender que aos olhos da Lei todos
somos iguais sem distinção de qualquer espécie.
É tempo de rever os conceitos jurídicos e amparar a todos sem distinção
de sexo ou orientação sexual, afinal, como cidadãos brasileiros, os homossexuais
merecem a tutela efetiva do Estado.
O amparo legal não pode ser discriminatório a ponto de excluir do ordenamento modelos de família que se manifestam expressivamente na sociedade
brasileira. A omissão legislativa implica o uso da analogia e dos princípios constitucionais para fundamentar as decisões acerca dos conflitos inerentes ao tema.
Inúmeros projetos de leis são propostos, a exemplo o Estatuto das Famílias que
reconhece a união homoafetiva como entidade familiar, mas para que esse e outros
projetos sejam homologados é preciso abandonar o preconceito decorrente do conservadorismo e retirá-los da gaveta, aceitar a nova sociedade brasileira da maneira
como ela é, e acima de tudo, respeitar a Lei Maior que determina a liberdade e a
igualdade fundamentadas na dignidade da pessoa humana. Será preciso lembrar
que os homossexuais são pessoas e como tal merecem viver com dignidade?
Desse modo, é imperativo incluir na legislação brasileira a “família homoafetiva”; deixar de reconhecer esse novo modelo de entidade familiar não irá
impedi-lo de existir; a omissão da lei, apenas, corrobora para reprimir homens
e mulheres que têm orientação sexual diferente daquela tida como “padrão” na
sociedade conservadora, e os expõe a uma maçante busca por seus direitos. O reconhecimento legal é questão de justiça; é a ruptura do Direito com o pensamento
arcaico presente na sociedade brasileira; é a evolução social e a Dignidade da Pessoa Humana falando mais alto nesse Brasil, um Estado Democrático de Direito.
136
DIREITO
E SOCIEDADE
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139
DIREITO
E SOCIEDADE
DIREITOS FUNDAMENTAIS E O
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
BRASILEIRO
Catarina Bento da Silva1
Pedro Henrique Savian Bottizini2
RESUMO
O estudo proposto tem por objetivo fazer uma exposição sistematizada da
evolução dos direitos fundamentais analisando, para tanto, sua classificação
em dimensões. Isto porque diante da contemporaneidade a doutrina passa a
vislumbrar novas dimensões dos mesmos de acordo com a necessidade da
tutela de novos direitos. Assim, busca-se avaliar a dinâmica evolutiva da tutela e efetivação dos direitos fundamentais no cenário histórico e no Estado
Democrático de Direito Brasileiro enunciado pela Constituição Federal de
1988 com seu ideal programático de efetivação dos mesmos diante de uma
projeção de transformação e justiça social, ou seja, de realização da igualdade material. Para tanto, será utilizado o método lógico dedutivo e a pesquisa
doutrinária e jurisprudencial.
PALAVRAS-CHAVE
Dimensão dos Direitos Fundamentais. Estado Democrático de Direito. Justiça Social.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo expor de modo sistematizado as
dimensões dos direitos fundamentais do ponto de vista evolutivo de seu reconhecimento e positivação no Estado Democrático de Direito.
Para tanto, iniciaremos o estudo com alguns aspectos teóricos relevantes
quanto ao Estado Democrático de Direito por tratar-se de concepção indissociável
AUTORES
1 Advogada. Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Toledo, Araçatuba, São Paulo, Área de Concentração Prestação Jurisdicional no Estado Democrático de Direito e Linha de Pesquisa em Tutela Jurisdicional dos
Direitos Individuais.
2 Mestrando em Direito pelo Centro Universitário Toledo, Araçatuba, São Paulo, Área de Concentração Prestação Jurisdicional no Estado Democrático de Direito e Linha de Pesquisa em Tutela Jurisdicional dos Direitos
Sociais, Difusos e Coletivos.
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DIREITO
E SOCIEDADE
à tutela dos direitos fundamentais. Passaremos, então, para a pontuação de algumas
distinções terminológicas e pontuações teóricas quanto aos direitos do homem,
direitos humanos e direitos fundamentais que servirão de premissa para o desenvolvimento da temática.
Por conseguinte, far-se-á a sistematização do conteúdo das dimensões
dos direitos fundamentais na perspectiva da teoria clássica enunciando-se a possibilidade do reconhecimento da chamada quarta dimensão dos mesmos sem se
olvidar da acuidade técnica que deve permear o eventual reconhecimento de uma
nova categoria de direitos fundamentais.
Trazendo a abordagem da pesquisa para a realidade pátria, abordaremos
os direitos fundamentais positivados no ordenamento jurídico brasileiro identificando as dimensões aos quais pertencem para uma avaliação quanto à eficácia dos
mesmos na realidade social.
Valer-nos-emos da pesquisa doutrinária, jurisprudencial e de artigos científicos, bem como do método lógico-dedutivo para a discussão do tema proposto.
Passemos ao desenvolvimento de nosso estudo.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUAS DIMENSÕES
2.1 Breves pontuações sobre o Estado de Democrático de Direito e os direitos
fundamentais
Antes de abordarmos a questão específica dos direitos fundamentais entendemos necessário realizar alguns apontamentos referentes ao Estado Democrático de Direito, haja vista que esta construção está indissociavelmente interligada
à evolução e tutela dos direitos fundamentais, e sua perspectiva contemporânea.
Esta ligação umbilical pode ser verificada no próprio decorrer histórico
de sua formação e reconhecimento, pois “a história dos direitos fundamentais é
também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na
proteção [...] dos direitos fundamentais do homem” (SARLET, 2003, p. 39).
Esta via de mão dupla é assim pontuada por Perez Luño (SARLET, 2003,
p. 65): “o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo, a garantia dos direitos
fundamentais, ao passo que estes exigem e implicam, para sua realização, o reconhecimento e garantia do Estado de Direito”.
Enquanto construção do constitucionalismo moderno, falar-se em um Es-
141
DIREITO
E SOCIEDADE
tado Democrático de Direito significa imputar a um Estado dois fatores essenciais:
a submissão deste ente às leis e a existência dos três poderes. Isto porque, “O Estado constitucional democrático de direito procura estabelecer um conexão interna
entre democracia e Estado de direito” [grifo original] (CANOTILHO, 1999, p. 89).
É destaca a relevância do elemento democrático para o Estado de direito haja vista que o mesmo destina-se não só “para “travar” o poder (to check the
power)” como também para legitimá-lo “(to legitimize State power)” (CANOTILHO, 1999, p. 95-96). Logo,
Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas
coisas: (1) uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; (2)
outra é da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político (CANOTILHO, 1999,
p. 96).
Há de se observar que, nessa perspectiva, “os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição de forma de Estado, do sistema de governo e
da organização do poder, a essência do Estado constitucional” fazendo parte, pois,
do “elemento nuclear da Constituição material” (SARLET, 2003, p. 63-64).
Seguindo tal premissa, pontuamos que a fundamentalidade material dos
direitos fundamentais reflete a idéia de que o conteúdo dos mesmos “é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade” (CANOTILHO, 1999, p. 355). Além do mais, é essa característica que permitiria o reconhecimento de um direito como fundamental por seu conteúdo e não apenas por sua
positivação na constituição de um Estado permitindo ainda “a abertura a novos
direitos fundamentais (Jorge Miranda)” e levando-se, então, a falarmos “em cláusula aberta ou em princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais” (CANOTILHO, 1999, p. 355).
Apesar deste apelo material dos direitos fundamentais, principalmente
quando pensados sob a influência do pensamento jusnaturalista, há que se destacar
a importância que o princípio da legalidade assumiu para o Estado de Direito. Este,
entendido em seu sentido forte ou substancial, refere-se, nas palavras de Luigi Ferrajoli (2006, p. 417), aos “ordenamentos nos quais os poderes públicos estão igualmente sujeitos à (e por isso limitados ou vinculados pela) lei, não apenas quanto às
142
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E SOCIEDADE
formas, mas também quanto aos conteúdos do seu exercício”.
De acordo com esta concepção teórica, os Estados de Direito são “aqueles ordenamentos nos quais todos os poderes, inclusive o Legislativo, estão vinculados ao respeito de princípios substanciais, estabelecidos costumeiramente por
normas constitucionais, como a separação dos poderes e os direitos fundamentais”
(FERRAJOLI, 2006, p. 417-418).
Expostas essas considerações, é pedido que as traga consigo durante a
leitura e análise dos tópicos fundamentais de nosso estudo, principalmente por entendermos que nosso Estado brasileiro decorre da evolução do “modelo neojuspositivista do Estado Constitucional de Direito, produzido, por sua vez, pela difusão
na Europa, logo após a Segunda Guerra Mundial, de constituições rígidas como
normas de reconhecimento do direito válido e do controle jurisdicional de constitucionalidade sobre leis ordinárias” (FERRAJOLI, 2006, p. 418).
2.2 Algumas questões conceituais e terminológicas sobre direitos fundamentais
2.2.1 Direitos do homem, direitos humanos e direitos fundamentais
O ponto de partida dá-se propriamente quanto ao termo direitos fundamentais. Esta expressão tem conteúdo idêntico ao enunciado pelo termo direitos
humanos?
Seguindo a lição de Ingo Wolfgang Sarlet, podemos considerar que não.
Referido doutrinador irá esclarecer a distinção afirmando “que o termo “direitos
fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado” (SARLET, 2003, p. 33).
A especial proteção dada a esses direitos pelo ordenamento de um Estado
quando da positivação no ordenamento jurídico na constituição vai caracterizar
a chamada fundamentalidade material. Tal característica associada, à constitucionalização, entendida como a “incorporação de direitos subjectivos do homem em
normas formalmente básicas, subtraindo-se o seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador ordinário” (STOURZH apud CANOTILHO, 1999, p.
354) implicará nas seguintes blindagens:
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DIREITO
E SOCIEDADE
(1) as normas consagradoras de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são normas colocadas no grau
superior da ordem jurídica; (2) como normas constitucionais
encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de
revisão; (3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais passam, muitas vezes, a constituir limites materiais
da própria revisão [...]; (4) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem parâmetros
materiais de escolhas, decisões, acções e controlo, dos órgãos
legislativos, administrativos e jurisdicionais (CANOTILHO,
1999, p. 355).
Quanto ao termo direitos humanos, este “guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se
reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional” o que implica, pois, na aspiração “à validade
universal, para todos os povos e tempos, de ta sorte que revelam um inequívoco
caráter supranacional (internacional)” (SARLET, 2003, p. 33-34).
Tendo por parâmetro o aspecto positivo, considerado o mais adequado
por Pérez Luño, ambas as categorias diferenciam-se do seguinte modo:
O termo “direitos humanos” se revelou conceito de contornos mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal sorte que estes possuem sentido mais preciso e
restrito na medida em que constituem o conjunto de direitos e
liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo
direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto,
de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do
sistema jurídico do Estado de Direito (LUÑO apud SARLET,
2003, p. 35).
Por seu turno, a expressão direitos do homem trata de uma pontuação
epistemológica. De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p. 34), tal expressão
tem cunho notadamente jusnaturalista e corresponderia a uma ““pré-história” dos
direitos fundamentais”, ou seja, à fase precedente ao “reconhecimento destes pelo
direito positivo interno e internacional”.
Com a devida vênia à teoria crítica de revisitação ao conceito de direi-
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tos humanos enunciada por Joaquim Herrera Flores (2009, p. 96), segundo o qual
tais direitos “devem ser considerados como a colocação em prática de disposições
críticas em relação ao conjunto de posições desiguais em que as pessoas e grupos
ocupam tanto em nível local quanto em nível global”, excluindo, portanto, do conceito elementos metafísicos de fundamentação sendo tais direitos resultados de
processos históricos de conquistas de determinada comunidade servindo para a
equalização de suas desigualdades, adotamos para nosso estudo a perspectiva de
que, embora os direitos humanos e fundamentais não signifiquem direitos naturais,
com eles guardam íntima relação dado o processo histórico de sua formação assumindo assim “uma dimensão pré-estatal e, para alguns até mesmo supra-estatal”
(SARLET, 2003, p. 34).
2.2.2 Geração ou dimensão de direitos fundamentais?
O objetivo deste tópico é pontuar a discussão teórica sobre a adequação
quanto à terminologia geração ou dimensão para designarem as classificações dos
direitos fundamentais, posicionado-nos, ao final, quanto à que utilizaremos para os
fins deste estudo.
Não se trata apenas de uma questão terminológica e gramatical. A escolha do termo a ser empregado implicará em desdobramentos de conteúdo jurídico.
Antes de mais nada, por se tratar de uma questão terminológica, trazemos
abaixo o significado das palavras geração e dimensão conforme descritos no dicionário da língua portuguesa:
Geração: descrita como: 2. Grau de sucessão da descendência
natural 3. Período de tempo(cerca de 30 anos) entre surgimento de uma geração e outra 4. Conjunto das pessoas nascidas
na mesma época ou que vivem no mesmo período de tempo.
5. Grupo de indivíduos contemporâneos de características e
atitudes culturais ou sociais comuns 6. Período de inovação e
desenvolvimento tecnológico seqüencial 7. Espécie de objetos
que resulta dessa inovação 8. Formação desenvolvimento;
Dimensão: vem descrita como: 1. Extensão em dada direção, 2. Medida em cumprimento, largura e altura, proporções
(SACCONI, 1996, p.251; .359).
Podemos observar assim que o termo geração vai passar a idéia de perío-
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do e de tempo. No entanto, com o surgimento de uma nova geração não se esquece
ou supera os direitos tutelados pela anterior. Desse ponto de vista, não é cabível a
utilização de tal terminologia haja vista que a tutela dos direitos fundamentais deu-se em momentos históricos sequenciais e de modo complementar. Já com a utilização do termo dimensão tem-se uma ideia de extensão, de um acúmulo de direitos
fundamentais, e não uma superação destes direitos fundamentais pelos anteriores.
E é nesta perspectiva que trazemos os esclarecimentos doutrinários sobre
esta divergência. Ingo Wolfgang Sarlet (2002, p. 50) assim esclarece:
Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que uso da expressão “geração” pode ensejar a
falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por
outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões”
dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por,
perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.
Como mencionado acima o uso da palavra geração passa a interpretação
e a sensação de época, de criação de uma nova geração. Passa a idéia de substituição ou de sucessão da geração passada por uma mais nova e atual no momento.
Já com a utilização da palavra dimensão ter-se-á a idéia de extensão de
um corpo, seja qual for o direito fundamental tutelado, ou seja, sempre lhe será
acrescentado algo e da mesma forma sempre será aceito no intuído de completar,
de acrescentar novas tutelas promovendo sua acumulação e não sua sucessão.
Nesse sentido, Willis Santiago Guerra Filho (2005, p.404) pontua que:
[...] os direitos gestados em uma geração, quando aparecem
em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem outra dimensão, pois os direitos de geração mais
recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma
mais adequada – e, conseqüentemente, também para melhor
realizá-los.
Portanto, para os fins científicos aos quais este estudo destina-se, esclarecemos que será adotada a terminologia dimensão com todas as implicações conceituais advindas da mesma.
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E SOCIEDADE
Destacamos que essa distinção doutrinária não se atém aos bancos acadêmicos tendo aplicação prática na atividade jurisdicional. Como poderemos observar abaixo o Ministro Celso Mello enfrenta, em julgamento pelo Pleno do Supremo
Tribunal Federal, a temática das dimensões dos direitos fundamentais ao tratar de
uma questão ambiental enfatizando os princípios aos quais se referem:
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas
ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos
de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais)
– que se identificam com as liberdades positivas, reais ou
concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de
terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais,
consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão
e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma
essencial inexauribilidade, consoante proclama autorizado
magistério doutrinário (CELSO LAFER, “Desafio: ética e política”, p. 239, 1995, Siciliano) (BRASIL, 2010).
Fixamos aqui que será adotado a terminologia de “dimensão” de direitos
fundamentais para o desenvolvimento do presente estudo haja vista ser o ordenamento jurídico brasileiro positivista.
A seguir passamos às observações concernentes especificamente a cada
dimensão.
2.3 As dimensões dos direitos fundamentais
2.3.1 Direitos fundamentais de primeira dimensão
A tutela dos direitos fundamentais de primeira dimensão surge em meados do século XVII e vai perpetuando-se exclusiva até e durante o século XIX. No
mesmo período dá-se o surgimento do Estado Liberal, que se origina em oposição
ao Estado Absolutista, significando a proteção da liberdade do individuo perante o
Estado, liberdade esta que era necessária ao individuo burguês da época para que
com isso pudesse garantir uma proteção na realização de suas atividades econômi-
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DIREITO
E SOCIEDADE
cas e, por conseqüência, de seu patrimõnio bem como de sua influência política,
pois naquele momento histórico eles eram a classe emergente e sustentável de
toda uma sociedade. Contudo, nas palavras de Daniel Sarmento (2002, p.312),
“No passado, embora o Estado Liberal-Burguês se proclamasse neutro em face
dos conflitos distributivos, sua ausência da esfera econômica atuava no sentido de
favorecer os mais poderosos”.
Portanto, os direitos fundamentais de primeira dimensão contituiram-se
em uma prestação negativa do Estado em relação ao indivíduo, ou seja,
[...] dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos como limites para atuação dos governantes,
em prol da liberdade dos governados. Eles demarcavam um
campo no qual era vedada a interferência estatal, estabelecendo, dessa forma, uma rígida fronteira entre o espaço da sociedade civil e do Estado, entre a esfera privada e a pública,
entre o “jardim e a praça”. Nesta dicotomia publico/privado, a
supremacia recai sobre o segundo elemento par, o que decorria
da afirmação da superioridade do individuo sobre o grupo e
sobre o Estado. Conforme afirmou Canotilho, no liberalismo
clássico, o ‘homem civil’ precederia o ‘homem político’ e o
‘burguês’ estaria antes do ‘cidadão’. [...] No âmbito do Direito
Público, vigoravam os direitos fundamentais, erigidos rígidos
limites à atuação estatal, com o fito de proteção do individuo,
enquanto no plano do Direito Privado, que disciplinava relações entre sujeitos formalmente iguais, o principio fundamental era o da autonomia da vontade.(SARMENTO, 2006,
p.12-13).
Com isso dá-se inicio a separação entre Estado e a sociedade, correspondendo a um ideal de liberdades civis e políticas que envolve no seu interior o
direito de locomoção, direito sobre a propriedade, direito de manifestação e com
isso se estabeleceu uma supremacia absoluta do interesse individual [privado] sobre o coletivo [público].
Logo, podemos perceber que os direitos fundamentais de primeira dimensão foram gestados por uma necessidade burguesa de retirar a concentração do
poder e da autoridade encontrada nas mãos dos monarcas num Estado Absolutista,
alçando-os para tanto, ao texto constitucional.
Não podendo nos esquecer de mencionar os direitos civis e políticos,
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DIREITO
E SOCIEDADE
instrumento de resistência do indivíduo junto ao Estado e suas interferências. Para
isso, necessário foi implantar meios no ordenamento jurídico para a proteção desse
individuo contra um a possível atuação arbitrária do Estado; exemplo disso é o
habeas corpus (DIMOLIUS; MARTINS, 2008, p.64-65).
Por fim, além do conteúdo dos direito fundamentais já citados, e especificamente quanto às liberdades políticas, cabe trazer ao presente estudo as considerações de André Ramos Tavares que trabalha o conteúdo daqueles voltado pra as
temáticas de associação:
Já as liberdades políticas referem-se à participação do indivíduo no processo do poder político. As mais importantes são as
liberdades de associação, de reunião, de formação de partidos,
de opinar, o direito de acesso aos cargos públicos em igualdade
de condições. (TAVARES, 2009, p. 470).
As liberdades políticas mencionadas tratarão daquelas onde o individuo
terá um livre acesso na formação e desenvolvimento de associações e formação de
partidos políticos, sem a interferência do estado.
2.3.2 Direitos fundamentais de segunda dimensão
Segundo Norberto Bobbio (1992, p.16), em sua obra A era dos direitos,
ao longo de três séculos os direitos fundamentais de segunda dimensão não foram
tipificados ou estudados. Somente no século XX é que a mesma veio a ser determinada bem como seu conteúdo e passou a ser conhecida por seu viés de efetivação
política pelo Estado em prol do cidadão, no viés da promoção social abrangendo-se, nesse caráter social, a saúde o acesso ao judiciário, e o direito ao trabalho.
No contexto histórico de seu desenvolvimento, percebe-se que uma vez
garantida a liberdade ao indivíduo este passa a verificar que há a necessidade de
outras prestações estatais para o seu integral desenvolvimento enquanto ser humano. Nessa perspectiva, teoricamente desenvolve-se os contornos do Estado Social
em oposição ao Estado Liberal até então conhecido. Esse novo modelo estatal vai
evidenciar e promover o interesse da coletividade.
Contudo, há de se observar que os direitos sociais não são uma oposição
aos direitos de primeira dimensão. Pelo contrário, a eles complementa, pois:
149
DIREITO
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Os direitos sociais são essenciais para os direitos políticos,
pois será através da educação que se chegará à participação
consciente da população o que implica também necessariamente no direito individual á livre formação da consciência
e á liberdade de expressão e informação. Os direitos econômicos, da mesma forma colaboram para o desenvolvimento e
efetivação de participação popular através de uma democracia
econômica (MAGALHÃES, 1996 p. 44).
Assim, os direitos de segunda dimensão enunciam uma atuação positiva
do Estado em relação á coletividade para a promoção da igualdade entre os homens
em esferas como as culturais, econômicas, trabalhistas dentre outras.
Essa atuação positivista do Estado procura não mais a determinação da
proteção do indivíduo frente ao Estado, mas sim o direito do individuo junto ao
Estado de exigir sua atuação para que com isso possa haver a melhoria das condições de vida e a realização de uma liberdade de fato (DIMOULIS; MARTINS,
2008, p.67).
2.3.3 Direitos fundamentais de terceira dimensão
A tutela dos direitos fundamentais de terceira dimensão surgiu, assim
como os da segunda, ainda no século XX com uma idéia de proteção aos chamados direitos difusos, ou seja; interesses, bens jurídicos da coletividade que seria a
fraternidade ou solidariedade.
Sergio Rede Barros conceitua muito bem a terceira dimensão:
[...] os direitos de terceira geração, sobrevindos à Segunda
Guerra Mundial, asseguram a fraternidade ou solidariedade
dos seres humanos entre si pelo implemento das condições gerais e básicas da sociedade humana em si mesma considerada,
na medida em que essas condições lhe sejam necessárias para
prover à própria vida humana com dignidade, o que faz com
que sejam elas postas como direitos difusos de toda a humanidade: poderes-deveres de todos os seres humanos para com
todos os seres humanos, direitos e obrigações da humanidade
para consigo própria. (BARROS, 2007b).
Denominado dos direitos de fraternidade ou de solidariedade, vem trazer
uma quebra de vinculo do indivíduo homem como o seu principal detentor do
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E SOCIEDADE
direito e trazendo uma abrangência de proteção muito maior destinada para a proteção de grupos humanos [família, povo, nação], naturalmente isso se caracteriza
como um direito de titularidade coletiva (SARLET, 2008, p. 56).
2.3.4 Direitos fundamentais de quarta dimensão
Norberto Bobbio não chega a trabalhar e desenvolver o direito de quarta
dimensão, que ainda por muitos é contestada, no entanto, ele vislumbra a possibilidade de tal existência “referente aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa
biológica, que permitirá manipulação do patrimônio genético de cada individuo”
(BOBBIO, 1992, p.162).
Por sua vez, Paulo Bonavides (apud SARLET, 2003, p. 56) admite a existência de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais pontuando que seu conteúdo seria “o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de
uma universalização no plano institucional, que corresponde [...] à derradeira fase
de institucionalização do Estado Social”.
Para mencionado doutrinador essa categoria de direitos fundamentais
englobaria os direitos à democracia, e no caso brasileiro a democracia direta, ao
pluralismo e à informação (SARLET, 2003, p. 56).
Na defesa do reconhecimento dessa nova dimensão, podemos argumentar que os direitos por ela albergados ainda não foram efetivamente tutelados por
nenhuma dimensão, ou seja; não se trata de uma roupagem para um direito fundamental anterior, mas sim de uma nova reivindicação, de um novo direito fundamental de liberdade (SARLET, 2003, p. 56).
Apesar de Ingo Wolfgang Sarlet apresentar o pensamento de Paulo Bonavides, ele expõe a preocupação de Perez Luño:
No que diz com o reconhecimento de novos direitos fundamentais, impedem apontar, a exemplo de Perez Luño, para o
risco de uma degradação dos direitos fundamentais, colocando
em risco o seu “status jurídico e cientifico”, além do desprestígio de sua própria “fundamentalidade”. Assim, fazem-se necessária a observância de critérios rígidos e a máxima cautela
para que seja preservada a efetiva relevância e prestígio destas reivindicações e que efetivamente correspondam a valores
fundamentais consensualmente reconhecidos no âmbito de determinada sociedade ou mesmo no plano universal. (SARLET,
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2003, p.58-59).
Por fim, consignamos que é preciso cuidado para enunciar a possibilidade de criação de novos direitos fundamentais, para que não ocorra uma roupagem
de um direito já existente e a conseqüente desvalorização dos direitos fundamentais.
3. DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
3.1 Efetivação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988
Para desenvolvermos a temática da efetivação dos direitos fundamentais
no Estado brasileiro, analisaremos inicialmente a relação indivíduo Estado quanto
à posição que ambos assumem na dinâmica da realização constitucional.
Quanto a este assunto temos a teoria dos status desenvolvida por Georg
Jellinek. É Robert Alexy que expõe em sua obra tal divisão constitucional informando que a mesma trataria dos status negativos, status positivos, status passivo,
status ativo:
Jellinek, descreve de formas diversas o que é um status. Importância central tem sua caracterização como “uma relação com
o Estado que qualifica o indivíduo”. Nesse sentido um status
é alguma forma de relação entre cidadão e Estado. Como uma
relação que qualifica o indivíduo, o status deve ser uma situação, e, como tal, diferenciar-se de um direito. Isso porque o
status na forma como Jellinek o expressa, tem como conteúdo
o “ser” e não o “ter” jurídico da pessoa. Alguns exemplos
podem esclarecer o que Jellinek entende, nesse caso, por “ser”
e “ter”. Por meio de concessão do direto de votar e do direito de livremente adquirir propriedade, modifica-se o status de
uma pessoa e, com isso, o seu ser, enquanto a aquisição de um
determinado terreno diz respeito apenas ao seu “ter”. Essas
descrições gerais são bastante obscuras. O conceito de status é
definido com mais acuidade a partir de sua divisão em quatro
“relações de status” (ALEXY, 2006, p.255).
O primeiro status a ser estudado é o status passivo no qual individuo
encontra-se em um estado de subordinação aos poderes públicos e ao mesmo tem-
152
DIREITO
E SOCIEDADE
po tem um vínculo que o caracteriza como detentor de deveres para com o Estado
que, por sua vez, tem competência para vincular o individuo com andamentos e
proibições. Robert Alexy define esse status da seguinte forma:
[...] status passivo nada mais significa que se encontrar em
uma determinada posição que possa ser descrita com o auxílio
das modalidades de dever, proibição e competência – ou de
seu converso, a sujeição. Aquilo que é obrigatório ou proibido
pode variar tanto quanto ao objeto da competência ou da sujeição. Por isso, é necessário diferenciar entre o conteúdo do
status e o próprio status enquanto tal (ALEXY, 2006, p.257).
Já no status ativo o individuo possui competência para influenciar a real
formação do Estado pelo exercício dos direitos políticos, da vontade real do voto.
Georg Jellink conceitua-o da seguinte forma “devem ser outorgados capacidades
que estejam além de sua liberdade natural” (JELLINK apud ALEXY, 2006, p. 268)
Chegando ao status negativo, o individuo por possuir essa personalidade, goza de um espaço de liberdade em relação ao Estado sem que possa fazer
intromissões nos Poderes Públicos. Quanto a essa proteção do indivíduo perante o
Estado, Ingo Wolfgang Sarlet comenta que:
[...] acima de tudo, os direitos fundamentais na condição de direitos de defesa objetivam a limitação do poder estatal, assegurando ao individuo uma esfera de liberdade e lhe outorgando
um direito fundamental ou mesmo a eliminação de agressões
que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal (SARLET, 2008, p.13).
Ainda no status negativo, Robert Alexy assim cita a fundamentação desse
status, na visão de Georg Jellinek: “Ao membro do Estado é concedido um status,
no âmbito do qual ele é o senhor, uma esfera livre do Estado, que nega o seu imperium.” (ALEXY, 2006, p.258).
Por fim o status positivo é aquele no qual a pessoa possui o direito de
exigir que o Estado atue positivamente a seu favor através da realização de prestação de serviços para o seu benefício como a qualidade de vida, por exemplo. Ingo
Wolfgang. Sarlet comenta, quanto à prestação positiva pelo Estado:
153
DIREITO
E SOCIEDADE
[...] vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, não
além da não intervenção na esfera de liberdade pessoas dos
indivíduos, assegurada pelos direitos de defesa (ou função defensiva dos direitos fundamentais), a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar condições fáticas que
possibilitam o efetivo exercício das liberdades fundamentais,
os direitos a prestações objetivam, em última análise a garantia
não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas tambem da liberdade por intermédio do Estado partindo da premissa de que o individuo, no que concerne à aquisição e manutenção de sua liberdade, depende em muito de
uma postura ativa dos poderes públicos (SARLET, 2002,p.13).
O Estado com isso deve assegurar que se tenha o serviço essencial à disposição do cidadão para que com isso ele possa desfrutar e desenvolver a liberdade
positivada pelos direitos fundamentais.
3.2 Positivação dos direitos fundamentais na Constituição de 1988
É importante que seja lembrado que até chegarmos na aprovação da
Constituição Federal de 1988, pelo então presidente Ulysses Guimarães, o Brasil
viveu por cerca de vinte anos em um Estado de ditadura militar.
Não sendo por acaso, essa proteção enunciada pelo texto constitucional, advindas das experiências traumáticas ocorridas ao
longo de nossa história política contra direitos humanos fundamentais, teve como intuído reconhecer e efetivar a soberania popular face ao Estado. Nessa seara, coube a Constituição
limitar a relação, de desenvolvimento sociais, onde tais limitações ou mudanças não precisam ser necessariamente serem
feitas com base no direito positivo, podendo ocorrer também
no campo do interpretativo (OLIVEIRA, 2003, p.71).
Em decorrência disso tivemos uma grande amplitude de direitos fundamentais na época para que com isso se pudesse proporcionar uma maior segurança
aos cidadãos. Exemplo claros dessa perspectiva são artigo 5º, que se encontra no
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que possui 78 incisos, além dos
34 incisos do artigo 7º consagrando os direitos sociais do trabalhador (SARLET,
154
DIREITO
E SOCIEDADE
2008, p.78).
Uma vez tendo-se atribuído aos direitos fundamentais a sua eficácia individual superior à das normas meramente programáticas, então se deve identificar
precisamente os limites de cada direito e suas eventuais limitações (MENDES,
1999).
Gilmar Mendes coloca a importante tarefa na realização dos direitos fundamentais da seguinte forma:
Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional
objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus
interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão
como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueles
outros, concebidos como garantias individuais formam a base
do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático
(MENDES, 1999).
Como objetivo do presente tópico apresenta-se a partir dos parágrafos
seguintes uma exemplificação dos direitos fundamentais tutelados expressamente
em nosso ordenamento jurídico com a finalidade de demonstrar a aplicação prática
da teoria até então apresentada no plano fático brasileiro.
Como direitos fundamentais de primeira dimensão, que trata dos direitos
políticos, propriedade e os diretos civis [liberdade de associação], enquadrados no
status negativo, temos na Constituição de 1988 em seu artigo 5º os incisos:
- XVII: é a plena liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
- XVIII: a criação de associações, na forma da lei, e de cooperativas independentemente de autorização, sendo vedada a
interferência estatal em seu funcionamento;
- XIX: as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial,
exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito julgado;
- XX: ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
- XXI: as entidades associativas, quando expressamente auto-
155
DIREITO
E SOCIEDADE
rizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
- XXII: é garantido o direito da propriedade;
- LXVIII: conceder-se- à habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Esses direitos disciplinados acima são uma forma de proteção judiciária,
sendo típicas de garantias de um caráter institucional, dotadas de âmbito de proteção marcadamente normativa (MENDES, 1999).
Quanto aos direitos fundamentais de segunda dimensão, englobando os
direitos sociais culturais e econômicos, que seguirão a ordem do status positivo,
abrangendo os direitos sociais, culturais, econômicos e trabalhistas.
Destacamos nesta ótica os direitos trabalhistas que são, sem dúvida, importante instrumento para que se possa implementar e assegurar a todos os trabalhadores uma existência digna, conforme estabelece o artigo 170, caput. Nesta
toada, cabe esclarecer que o Estado deve proporcionar uma política econômica não
recessiva tanto que dentre os princípios da ordem econômica, é destacado o inciso
VIII, que diz o seguinte: redução das desigualdades regionais e sociais; que aparece como um fundamento da ordem econômica, conforme os ditames da justiça
social, funda-se na valorização do trabalho humano (LENZA, 2009, p.759).
Chegando aos direitos fundamentais de terceira dimensão, que enunciam
os direitos de solidariedade e da coletividade, temos como exemplos a tutela dos
direito do consumidor, e dos direitos ambientais. Tratando-se dos direitos de consumidor temos tal tutela positivada enquanto direito fundamental no artigo 5º, no
inciso XXXII. Por sua vez, o direito ao meio ambiente, como direito da coletividade, vem tutelado no artigo 225 frisando-se o caráter da solidariedade na disposição
deste artigo ao estabelecer que caberá ao Poder Público e á coletividade o dever de
defender e preservá-lo.
Neste sentido, passamos a expor as prudentes considerações de Ingo
Wolfgang Sarlet (2003, p. 56):
Os mecanismos de democracia direta previstos na nossa vigente Carta Magna infelizmente pouca atenção e implementação têm recebido, notadamente por parte do legislador infraconstitucional, além de aderirmos à posição que sustenta a
fundamentalidade formal e material das respectivas disposi-
156
DIREITO
E SOCIEDADE
ções constitucionais, que integram um autêntico direito à democracia participativa, na esteira do que também tem proposto
e defendido enfaticamente P. Bonavides.
Assim, diante de todos os apontamentos feitos ao longo deste estudo,
passamos à conclusão.
CONCLUSÃO
Seguindo a exposição dos tópicos trabalhados, cabe concluir que o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais são estruturas necessariamente complementares.
Centrando-se na temática dos direitos fundamentais propriamente ditos,
fixamos que a terminologia dimensão é a adequada para designar sua divisão haja
vista que implica na concepção de que a tutela de tais direitos dá-se de modo cumulativo agregando-se os novos aos anteriores para a promoção do bem estar social.
Pontuamos ainda que os direitos fundamentais de primeira dimensão estão ligados às liberdade individuais, os de segunda à igualdade e os de terceira à
fraternidade, solidariedade. Já em relação à quarta dimensão, pudemos observar
que não há consenso doutrinário quanto a sua existência e conteúdo. No entanto
nos filiamos à corrente que defende seu reconhecimento para que haja a devida
tutela de direitos referentes à democracia, pluralismo e informação.
Quanto ao Estado brasileiro, concluímos que há positivação de direitos
fundamentais no sistema constitucional de todas as dimensões tratadas neste estudo. Apesar de extenso, o rol dos direitos e garantias fundamentais positivados
justificou-se dado o momento histórico em que a Constituição Federal de 1988
fora elaborada buscando-se com ela a garantia da segurança jurídica dos cidadãos
brasileiros.
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159
DIREITO
E SOCIEDADE
TUTELAS DE URGÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA: ANÁLISE
DAS MEDIDAS PROVISIONAIS DO ART. 888 DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL E OUTRAS MEDIDAS PROTETIVAS
Meire Cristina Queiroz1
RESUMO
A família é à base de toda sociedade, e se mostra presente em toda humanidade, apresentando-se das mais diversas maneiras e características, e a
fim de resguardar diversos direitos individuais. As relações familiares são
as mais complexas, porém, são as relações jurídicas mais humanas e todo
o direito. Interessam ao direito de família tanto os sentimentos e os valores
de cunho pessoal ou material. Os graves conflitos emocionais que possam
advir das relações familiares exigem uma tutela jurisdicional efetiva e rápida. Por isso a importância , no âmbito das relações familiares, a aplicação
da tutela de urgência.
PALAVRAS-CHAVE
tutela, urgência, família
1. INTRODUÇÃO
O direito de família disciplina as relações formadas na esfera da vida
familiar, com origem no casamento ou na união estável e na filiação.
No direito de família cada pessoa poderá escolher o modo para se viver,
com o intuito de criar uma convivência familiar agradável, seja de uma união familiar, seja de direito, seja de fato e com o estado dando proteção familiar para evitar
AUTORES
1 Mestre em Direito pelo Centro Universitário Toledo - Unitoledo de Araçatuba-SP, Professora e
orientadora na iniciação científica das Faculdades Integradas de Três Lagoas - AEMS, Estado do
Mato Grosso do Sul.
160
DIREITO
E SOCIEDADE
desentendimentos que possam surgir entre as famílias.
O casamento é uma das formas de família. Ele traduz-se numa união de
pessoas de sexos diferentes (homem e mulher), para procriarem filhos, como dar-lhes educação, amor, carinho e etc.
A união estável é uma entidade familiar de duas pessoas de sexos diferentes livres ou separadas judicialmente ou viúvo, que passam a conviver publicamente como se marido e mulher fosse com o intuito de formar família.
Na órbita familiar situações são desencadeadas, em que valores sensíveis e de grande significado emocional, às vezes de cunho material, vinculados à
realização da necessidade íntima do ser humano, vem a exigir uma imediata tutela
jurisdicional.
Assim, imperial se faz aplicar a tutela de urgência visando à rápida solução do litígio decorrente da relação familiar.
A tutela de urgência está intimamente ligada à tutela dos direitos de família na medida em que esse ramo versa sobre direitos fundamentais, direitos indisponíveis. É exatamente um campo onde a urgência se faz presente a exigir uma
pronta atuação do Poder Judiciário.
Dentro desse panorama, serão analisadas as diversas espécies de tutelas
de natureza cautelar e provisional no direito de família.
2. A FAMÍLIA BRASILEIRA – REVISITANDO OS CONCEITOS
A família é a célula básica de toda e qualquer sociedade, desde as mais
primitivas. Por isso, torna-se imperioso revisitar alguns conceitos para que se possa
entender melhor a regulamentação jurídica, e para que direção ela irá chegar neste
novo milênio.
A revolução dos costumes nas décadas de 60 e 70, desencadeando os
movimentos sociais, foram absorvidos pelo Texto constitucional de 1988.
Foi somente a partir da Constituição Federal de 1988 que o Estado, constitucionalmente passou a dar proteção às famílias que não fossem constituídas pelo
casamento.
PEREIRA (1999,p. 32) assevera que “hoje podemos ver a família como
um gênero que comporta várias espécies. É o reconhecimento de que a família não
é mais singular. É plural”.
A Constituição Federal de 1988 ampliou as formas de constituição de
161
DIREITO
E SOCIEDADE
família, dizendo em seu texto:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a sua celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.
§ 3º Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Portanto, a partir da Constituição Federal de 1988, adotando um modelo
de pluralístico de família, temos três modalidades de família: a família matrimonial, constituída pelas formalidades de casamento; a família convivencial, formada
pela união estável entre os conviventes, sem formalidades; e a família monoparental, constituída por qualquer dos genitores e sua prole.
Passemos a analisar brevemente cada modelo:
Casamento: É um contrato especial de direito de família, ou seja, um negócio jurídico em que duas pessoas livres e sem impedimentos para o casamento,
de sexos diferentes, celebram perante uma autoridade, um juiz de casamento. O
casamento se faz tanto no civil como no religioso, é formado por duas pessoas de
sexo diferente, com objetivo de uma comunhão plena de vida, baseado na assistência mútua espiritual e material, dividindo os problemas, as angústias, apoiando-se
mutuamente visando o desenvolvimento de ambos, e não só procriarem.
De acordo com Oliveira (2003, p. 37):
Casamento é uma da forma tradicional e clássica de constituição da família, o casamento civil ou o casamento religioso
com efeitos civis entre um homem e uma mulher tem expressa
previsão na Carta Federal (art. 226 § 1º e 2º ), no Código Civil
e na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73).
Antes da vigência da Constituição Federal, o casamento era a única forma de constituir família (art. 229, CC/16).
“Não é mais assim. A Constituição passou a reconhecer também outras
formas de entidade familiar, como a união estável e a comunidade formada por
162
DIREITO
E SOCIEDADE
qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §§ 3º e 4º)”. (OLIVEIRA, 2003,
p. 37).
União Estável: é uma entidade familiar, formada por duas pessoas de sexos diferentes, ou seja, por um homem e uma mulher que passam a conviver sobre
um mesmo teto, ou não, mas sem qualquer celebração perante a igreja ou cartório,
ou seja, sem formalidades. São pessoas que se unem em uma união continua e
duradoura, como se marido e mulher fossem publicamente, com objetivo de constituir família, independentemente de procriação de filhos, recebendo a proteção do
Estado.
A Constituição Federal trouxe o conceito de união estável no art. 226, §
3º: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento”. Também encontramos uma definição do que é união estável no art.
1.723 do Código Civil de 2002.
Quanto ao requisito tempo, Oliveira cita que (2003, p. 102) “O dispositivo não menciona prazo mínimo de convivência, assim ficando de vez abandonado
o critério temporal (cinco anos) que era previsto na Lei 8.971/94 e que se pretendia
reviver no texto do Projeto de Lei 2.686/96”.
Monoparental: a família monoparental é formada por genitores (uma pessoa viúva, mãe solteira, separada, divorciada que mantém a guardo dos filhos) e os
filhos. “Conforme já se afirmou, a unidade familiar constituída de um genitor que
educa sozinho seus filhos”. (LEITE, 1997, p. 32).
Leite ainda afirma que:
Enquanto a monoparentalidade mais antiga se esgotava nas categorias das viúvas e das mães solteiras (o que ainda ocorre no
final do século), as famílias monoparentais atuais se recrutam
especialmente entre as ex-familias biparentais, tornadas monoparentais em decorrência de um falecimento, mas cada vez
mais, agora, pela separação dos cônjuges, ou pelo divórcio,
ou simplesmente pela opção de ter filhos mantendo-se sozinho
(LEITE, 1997, p. 32).
Porém, não podemos limitar a abrangência do conceito de família monoparental.
De acordo com Salles (2002, p. 82):
163
DIREITO
E SOCIEDADE
Entende-se por família ou lar monoparental o constituído por
um só dos genitores e seus filhos descendentes, quer se vivam
independentemente, no seu exclusivo lar, quer se integrem no
lar de outras pessoas, como o dos avós, por exemplo.
Quanto ao conceito de direito de família, Diniz (2004, p.03) nos traz que:
Direito de Família é o complexo de normas que regulam a
celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele
resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a não estável, as relações entre pais e
filhos, o vínculo de parentesco [...]
A mesma autora nos apresenta (2004, p.13) apresenta alguns caracteres
relacionados ao instituto familiar:
a) Caráter biológico, pois a família é, por excelência, o agrupamento
natural. O indivíduo nasce, cresce numa família até casar-se e constituir a sua própria, sujeitando-se a várias relações, como: poder familiar, direito de obter alimentos e obrigação de prestá-los a seus parentes, dever de fidelidade e de assistência em virtude de sua condição
de cônjuge.
b) Caráter psicológico, em razão de possuir a família um elemento
espiritual unindo os componentes do grupo, que é o amor familiar.
c) Caráter econômico, por ser a família o grupo dentro do qual o homem, com o auxílio mútuo e o conforto afetivo, se mune de elementos
imprescindíveis à sua realização material, intelectual e espiritual.
d) Caráter religioso, uma vez que, como instituição, a família é um
ser eminentemente ético ou moral, principalmente por influencia do
Cristianismo, não perdendo esse caráter com a laicização do direito.
e) Caráter político, por ser a família a célula da sociedade (CF, art.
226), dela nasce o Estado, como diz Ihering: “com o decorrer do tempo a família, baseada no principio do Estado, se transforma em um
Estado, baseado no princípio da família, isto é, a hierarquia e o princípio de autoridade”. A família tem especial proteção do Estado, que
assegurará sua assistência na pessoa de cada um dos que a integram,
criando mecanismos, por meio de lei ordinária, para coibir a violência
no âmbito de suas relações (CF, art. 226, § 8º), impondo sanções aos
que transgridem as obrigações impostas ao convívio familiar.
f) Caráter jurídico, por ser a família sua estrutura orgânica regulada
164
DIREITO
E SOCIEDADE
por normas jurídicas, cujo conjunto constitui o direito de família.
Como demonstra Diniz, a família necessita de uma base construtiva, para
que assim cada membro possa se desenvolver tendo total apoio de cada membro
que a integra, tendo assim uma relação de amor, de compreensão, e com isso quem
ganha é a sociedade, como diz a Nossa Carta Magna “A família é base da sociedade
[...]” e sedimenta em aspecto moral.
Com a Constituição Federal de 1988, juntamente com o Código Civil de
2002, podemos conceituar a Família como sendo um vínculo de afinidade e afetividade ou de parentesco baseado na consangüinidade, que são derivadas através da
união de pessoas de sexos diversos, onde se forma uma relação sócio-afetiva entre
os indivíduos do grupo familiar, tornando assim a base Estatal, pois uma família
desestruturada terá também um Estado desestruturado.
3. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Os Fundamentos Constitucionais serão mostrados através dos princípios
que regem o Instituto Familiar, que protegem em si esta relação formada pela união
de pessoas onde o principal enfoque, será em relação aos filhos.
3.1 Princípio da igualdade jurídica
De acordo com o princípio geral que nos traz o art. 5º da Constituição
Federal: “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza...” e
“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações [...]”, bem como assentando no seu artigo 226, § 5˚, vislumbra-se que no seio familiar, ambos os cônjuges
tem responsabilidade e direitos sobre os filhos, e estes devem ser tratados iguais
sem qualquer distinção.
Entre os Cônjuges, a igualdade está inserida no art. 226, §5º da Constituição Federal: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”.
Conforme o art. 1.566, IV do Código Civil vigente: “São deveres de ambos os cônjuges: IV – sustento, guarda e educação dos filhos”.
Segundo Venosa (2003, p.342):
Cabe aos pais, primordialmente, dirigir a criação e educação
165
DIREITO
E SOCIEDADE
dos filhos, para proporcionar-lhes a sobrevivência. Compete
aos pais tornar seus filhos úteis à sociedade. A atitude dos pais
é fundamental para a formação da criança. Faltando com esse
dever, o progenitor faltoso submete-se a reprimendas de ordem civil e criminal, respondendo pelos crimes de abandono
material, moral e intelectual (arts. 224 a 246 do Código Penal).
Entre a responsabilidade de criação, temos que lembrar que
cumpre também aos pais fornecer meios para tratamentos médicos que se fizerem necessários.
Ou seja, não mais vigora a lei de que o pai é responsável pelo sustento
material e a mãe ao sustento moral dos filhos, hoje ambos são responsáveis para
contribuição familiar, sem que haja qualquer distinção, mesmo que haja a dissolução da sociedade conjugal ou do vínculo matrimonial.
Dessa forma, o patriarcalismo não mais coaduna com a época atual, em
que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais estão diretamente vinculados à
função da mulher na família, confirmando a verdadeira revolução no campo social
(GONÇALVES, 2007, p. 7).
Entre os Filhos, a igualdade jurídica se assenta no artigo 227, §6º da
Constituição Federal: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por
adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação”.
A nossa Carta Magna baniu com qualquer discriminação em relação aos
filhos, ou seja, conforme o Código Civil de 1916 só era considerado filho aquele
nascido de um casamento, os nascido fora desta relação era considerados filhos
ilegítimos.
Diniz (2004, p.129) menciona que:
Com base nesse princípio, não se faz distinção dentre filho
matrimonial, não matrimonial ou adotivo, quanto ao poder
familiar, direito a alimentos, nome e sucessão. Permite-se o
reconhecimento de filhos havidos fora do casamento proíbe-se
que se revela no assento de nascimento a “ilegitimidade” ou
“espuriedade”. Vedadas estão quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. De modo que a única diferença
entre as categorias de filiação seria o ingresso, ou não, no mundo jurídico, por meio de reconhecimento; logo só se poderia
falar didaticamente em filho matrimonial ou não matrimonial,
166
DIREITO
E SOCIEDADE
reconhecido ou não reconhecido, uma vez que, como observa
João Baptista Villela, tais termos seria axiologicamente indiferentes.
Hoje os filhos qualquer que seja sua origem (inclui-se também os filhos
adotivos), são considerados legítimos e não pode haver entre eles qualquer discriminação, devendo assim ser tratados com igualdade, princípio decorrente do
princípio maior da dignidade da pessoa humana.
3.2 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana
O direito de família é o mais humano de todos os ramos do direito.
A proteção da dignidade da pessoa humana consta expressamente na Carta Magna, em seu artigo. 1º, III, como um Princípio Fundamental, essencial para a
pessoa, devendo ser respeitado.
Podemos entender que a dignidade da pessoa humana no instituto de direito de família em relação aos filhos, tem maior proteção, pois de acordo com o
art. 227 “caput”:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.(grifo nosso)
Não podemos deixar de mencionar que para os filhos maiores de 18 anos
continua vigorando a dignidade, respeito e convivência familiar, pois família é pra
vida toda.
Independentemente da idade, pai e mãe têm que dar amparo psicológico
para o filho. Dentro desta relação paterno-filial deve ter harmonia, compaixão, pois
não havendo esta relação, estará, assim, infringindo a dignidade, o psicológico do
filho.
Cada filho procura sempre ter o afeto dos pais, pois assim sentirá protegido e confiante. O amor na relação familiar é fundamental para a comunhão de vidas
e à educação dos filhos, pois não havendo poderá acarretar problemas psicológicos
167
DIREITO
E SOCIEDADE
irreversíveis, mesmo se um dos pais proporcionando o afeto, sempre terá um vazio
necessitando o preenchimento do outro.
Por fim, este princípio pode ser classificado como uma garantia e efetivação dos direitos individuais, onde esta ligada aos sentimentos, à essência da vida,
com a finalidade de proteção e respeito.
3.3 Princípio da afetividade
O direito de família tem como base a relação socioafetiva, baseada na
comunhão de interesses que visa o auxílio mútuo entre o casal, seja moral ou material, de modo que haja uma integração fisiopsiquica entre eles. Essa afetividade
traduz-se na plena e íntima união do homem e da mulher, na busca da realização
da união mais perfeita entre o homem e a mulher em todas as várias esferas, dentro
das quais se cumpre o destino humano.
Em julgados relacionados a direito de família hodiernamente está sendo
invocado este princípio, pois com a Separação ou Divórcio, o pai está esquecendo
de suas responsabilidades em relação aos filhos, deixando de observar o princípio
constitucional da paternidade responsável, acarretando, com efeito, sérios problemas psicológicos devido à carência de afeto.
Recente acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais (AC nº 408.5505, de 01.04.2004), por sua Sétima Câmara Cível, podemos extrair o conceito deste
princípio:
No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma
relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos
deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem
os determina é o Estado.
Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção.
Dessa forma, a família é considerada como um laço afetivo que une cada
membro que a integra. O princípio da afetividade está relacionado com o princípio
da dignidade da pessoa humana (art.1º, III da Constituição Federal), e juntamente
com o princípio da igualdade, deve predominar neste laço familiar, o amor, a união,
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DIREITO
E SOCIEDADE
a harmonia, a ética e moral.
Portanto, a família tem como base o amor, sentimentos de afeto, sendo
este princípio a base para resguardar e efetivar a garantia dessas qualidades que
todos necessitam para desenvolver-se.
4. TUTELAS DE URGÊNCIA NO DIREITO DE FAMÍLIA
As relações familiares envolvem muito mais do que interesses de ordem
patrimonial, pois existe, entre os membros da família, um envolvimento afetivo,
psicológico, espiritual, próprio da comunhão de vida estabelecida, independente se
sua origem se baseia no casamento ou na união estável.
Dessa forma, considerando a peculiaridade dessas relações e os graves
reflexos emocionais que os conflitos familiares podem gerar, utiliza-se com freqüência tutelas de urgência, como são designadas aquelas que visam dar uma rápida resposta jurisdicional, seja no plano material ou no processual, sobretudo nas
disputas entre casais, especialmente no tocante à guarda de filhos, separação de
corpos, alimentos e demais situações urgentes.
Em princípio, só se falava em medidas cautelares. Posteriormente, o legislador acrescentou ao Código de Processo Civil o instituto da tutela antecipada,
através da nova redação que foi dada ao art. 273 daquele Diploma Legal. Mas há
ainda quem fale, com absoluta propriedade, em tutela provisional, como sendo a
decorrente das medidas enumeradas no art. 888 do Código de Processo Civil.
Alguns, equivocadamente, chamam tais medidas de cautelares satisfativas. Na verdade, tal entendimento é deveras contraditório, pois cautelaridade e satisfatividade são expressões antagônicas, pelo que não há que cogitar-se de cautelar
satisfativa, e sim de tutela provisional.
Greco Filho leciona (1997, p. 193):
Alguns desses procedimentos não são cautelares, mas definitivos, a que a lei atribuiu a forma do cautelar a fim de que
pudesse ser concedida liminar, impossível no procedimento
ordinário. Essa circunstância levou ao equívoco de se admitir
a existência de ‘cautelares satisfativas’. Tal figura não existe.
De seu turno, Friede acrescenta (1998, p. 31):
O perfil da segurança cautelar não é concebido pela simples
sumarização do procedimento e sim pelo objetivo precípuo de
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DIREITO
E SOCIEDADE
apenas e tão-somente assegurar a plena efetividade do pronunciamento judicial (decisão) de caráter meritório a ser oportunamente proferido.
A satisfatividade é exauriente. Tutela um direito material por completo,
ao passo que a medida cautelar concede uma tutela parcial, sem que se opere uma
efetiva jurisdição.
Não obstante sejam porções de um litígio, a posse provisória dos filhos, o
afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal, e outras medidas
enumeradas no art. 888, possuem uma materialidade completa, independente de
um prévio ou posterior processo principal, cuja existência é irrelevante.
O exame dos casos relacionados no art. 888 do Código de Processo Civil
mostra que as providências previstas a partir do inciso II compreendem tutelas de
natureza não-patrimonial, portanto, constituem obrigações infungíveis. Dai à impossibilidade de essas medidas serem convertidas em pecúnia, exceção feita apenas à prevista no inciso I (obras de conservação em coisa litigiosa ou materialmente apreendida). Por isso, o legislador brasileiro inclinou-se, sem dúvida alguma, a
atender tais valores por processo especial sumário e não cautelar.
O processo é sumário e autônomo, desprovido da necessidade da propositura futura de uma demanda principal, ao contrário do que sucede com as medidas tipicamente cautelares. A razão de ser encontra respaldo no manifesto interesse
público ou de ordem pública de que se revestem.
Mais que isso, no que tange ao procedimento a ser adotado, o art. 889
determina a obediência aos arts. 801 a 803. Diante disso, não há possibilidade, por
exemplo, da prestação de caução real ou fidejussória, de que trata o art. 804, ou da
necessidade de propositura de ação principal no prazo de trinta dias, como prevê o
art. 806, expedientes típicos dos procedimentos cautelares.
Também difere a tutela provisional da tutela antecipatória, apesar de ser
esta, atualmente, a mais adotada pelos operadores do direito, nas questões de urgência. Saliente-se que nem sempre a antecipação de tutela é a medida mais adequada.
A concessão de ambas as medidas importa na realização de uma cognição
sumária. No entanto, no caso da tutela provisional, esta sumariedade é formal, ao
passo que, na tutela antecipatória existe a sumariedade material, que se dá quando
a causa cognitio é incompleta. A sumariedade formal configura-se uma aceleração
do procedimento ordinário, sendo sua cognição plena e completa.
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DIREITO
E SOCIEDADE
Uma vantagem da tutela provisional, que exigiria dos operadores mais
atenção, reside no que concerne ao periculum in mora.
Para a concessão de tutela antecipada, deve haver prova inequívoca do
prejuízo decorrente da demora. Nos casos de tutela provisional, este prejuízo é
presumível, visto que os casos de sua concessão encontram-se enumerados na lei.
Não há, destarte, necessidade de prova inequívoca.
Apesar de cuidar apenas de uma parte do litígio, a tutela provisional não
é provisória, pois a sentença que a concede é definitiva e faz coisa julgada material,
visto que “a única diferença é que a sentença incidirá apenas sobre a porção do
litígio trazida ao conhecimento do órgão judicial, sendo, no entanto, equiparável a
qualquer outra sentença definitiva.” (OLIVEIRA, 2000, p. 156).
A decisão que concede a tutela antecipada, de seu turno, não é definitiva,
e não produz coisa julgada material, cabendo, desta decisão, o recurso de agravo
de instrumento.
Já a decisão que determina a realização de uma medida provisional tem
caráter terminativo. Assim, quando proferida, só pode ser combatida por intermédio do recurso de apelação.
No entanto, nada impede sua concessão em sede de tutela antecipada,
autorizado pelo § 7˚, do art. 273, do Código de Processo Civil. A antecipação pode
ser dada no âmbito do processo provisional, sem a necessidade de uma demonstração detalhada do receio da lesão, já que esta, em matéria de Direito de Família,
é presumida.
Por tudo exposto, é de ver-se que existem princípios outros a nortear o
processo, quando este versa sobre Direito de Família, que não aqueles norteadores
do Direito Processual Civil comum.
Máxime por tratar de pretensões que devem ser satisfeitas com urgência, já que versa sobre direitos fundamentais, como no caso dos alimentos, ou por
versar sobre direitos indisponíveis e imprescritíveis, como o reconhecimento da
paternidade, o Direito de Família merece tratamento especial por parte do legislador, tanto no campo material, como no processual. É exatamente um campo onde a
urgência se faz presente a exigir uma pronta atuação do Poder Judiciário.
As tutelas de urgência surgiram para proporcionar uma maior efetividade
ao processo. Contudo, ainda persiste a necessidade de estruturá-las de forma a não
proporcionarem discussões acerca de sua aplicabilidade.
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DIREITO
E SOCIEDADE
5. MEDIDAS PROVISIONAIS DO ART. 888 DO CPC E OUTRA MEDIDAS
PROTETIVAS
O procedimento para as medidas provisionais é o mesmo para as cautelares em geral, previstas nos artigos 801 a 803 do Código de Processo Civil.
O artigo 888, do Código de Processo Civil, ao tratar das medidas provisionais, no direito de família, evidencia tratar-se de providências vinculadas ao
litígio originado no casamento, na união estável ou na filiação, situações em que
se demonstra a necessidade de pronta resposta jurisdicional, em razão da natureza
dos interesses envolvidos.
Com exceção dos incisos I e VIII, as demais medidas de urgência do
artigo 888 compreendem a tutela de natureza não-patrimonial, configurando obrigações de natureza infungível, sem valor econômico.
As espécies previstas no dispositivo processual, classificado como processo especial sumário e não-cautelar, tende à satisfação de alguma pretensão de
direito material, sem dependência de processo principal, como veremos adiante,
sendo este prescindível à satisfação da medida.
5.1Entrega de bens de uso pessoal do cônjuge, do companheiro e dos filhos
Na forma do artigo 888, II, do Código de Processo Civil, poderá ser pleiteada medida cautelar de caráter provisional de entrega de bens de uso pessoal do
cônjuge e dos filhos.
Trata-se de uma cautelar de natureza satisfativa, pois tal providência não
depende da solução de alguma outra ação e nem da propositura de nenhuma outra
demanda. Poderá ser intentada como medida preparatória ou incidental a uma ação
principal; como também poderá ser independente (executiva lato sensu). Dessa
forma, a sentença é satisfativa e o seu comando será realizado por mandado do juiz,
independentemente de futuro processo de execução para entrega de coisa certa.
Entende-se também ser cabível na união estável.
Assim, a medida tem por objeto bens pessoais do cônjuge, do convivente
ou dos filhos, já que tais bens não seriam objeto de partilha ou divisão quando em
condômino.
5.2 Guarda provisória dos filhos
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DIREITO
E SOCIEDADE
Disciplinada no artigo 888, III, Código de Processo Civil, serve para se
estabelecer a guarda dos filhos, antes de decidida a ação de separação, de anulação
ou nulidade de casamento, de divórcio ou de dissolução de união estável.
Na ausência de consenso sobre a guarda dos filhos, caberá ao juiz solucionar o problema, observando o disposto no artigo 1.583 a 1.590, do Código Civil,
bem como analisar com prudência os fatos apresentados e o conjunto probatório
nos autos, decidindo a medida sempre no interesse dos filhos menores ou dos maiores incapazes, inclusive com concessão de liminar, de ofício, dada a celeridade
que reveste o provimento cautelar e o poder discricionário atribuído ao magistrado
nesses casos. Portanto, verificando a existência dos pressupostos que autorizam a
concessão de liminar, o juiz “deverá” – e não “poderá” – concedê-la (VASCONCELOS, 2000, p. 116).
A guarda provisória pode ser intentada incidental ou preparatória da ação
de guarda de filho, como também ter o caráter definitivo na ausência de ação principal a ser proposta, como por exemplo na hipótese de os pais não serem casados
ou se estiverem separados de fato.
5.3 Afastamento de menor autorizado a contrair casamento sem a autorização
dos pais
Na forma do artigo 1.517 do Código Civil, a idade núbil tanto para o
homem como para a mulher ocorre aos 16 (dezesseis) anos, porém, exige-se autorização de ambos os pais ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a
maioridade civil.
Portanto, desejando o menor, com 16 anos, se casar e não consentindo os
pais,a falta de consentimento poderá ser suprida pelo juiz, quando injusta, conforme preceitua o artigo 1.519, do Código Civil.
Nesse passo, ao ingressar com o pedido de suprimento judicial de consentimento, poderá o menor cumular com pedido de liminar de seu afastamento do
lar, caso em que, deverá o juiz fixar a residência do menor com algum parente ou
pessoa idônea (ALVARO DE OLIVEIRA, 1998, p. 128).
A providência, que vem prevista no artigo 888, IV, Código de Processo
Civil, poderá ser requerida pelo próprio menor, assistido por curador especial, em
razão da colisão de interesses como seus pais. O Ministério Público também está
legitimado quando apurado abuso de poder pelos pais. Pelos mesmos motivos tam-
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E SOCIEDADE
bém estará legitimado um parente mais próximo.
5.4 Depósito de menores ou incapazes
Disposta no artigo 888, V, Código de Processo Civil, cuida a medida de
depósito de menor ou incapaz de afastar o menor do convívio de seus pais, tutor
ou curador que o estejam castigando imoderadamente, praticando maus tratos ou
influenciando negativamente à prática de atos contrários à lei ou à moral.
Essa providência corresponde à tutela do direito inserto no artigo 1.637,
do Código Civil, que dispõe:
Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos
filhos, cabe ao juiz, requerente algum parente, ou o Ministério
Público, adotar à medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder
familiar, quando convenha.
O depósito der menor ou incapaz é medida autônoma, de aplicação preventiva ou incidentalmente no curso de qualquer ação, como destituição ou suspensão do poder familiar, de remoção de tutor ou curador, como também no caso
de litígio sobre a guarda do menor ou incapaz. Porém, se requerida como medida
preparatória de uma ação principal, não se sujeita ao prazo do artigo 806, Código
de Processo Civil, dado o seu caráter social, pois enquanto perdurarem os motivos
que levaram a sua concessão, a medida será eficaz.
Tem legitimidade para requerer essa medida o próprio menor com a idade
de 16 anos ou mais, desde que assistido por um de seus pais, por curador especial
nomeado, por algum parente ou pelo Ministério Público.
5.5 Separação de corpos e afastamento temporário de um dos cônjuges ou
companheiros da morada do casal
Na forma do art. 1.511, do Código Civil, “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e obrigações”. Essa comunhão de vida, que se traduz no amparo psicológico, moral e material entre os
cônjuges, também se faz imperial na união estável.
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E SOCIEDADE
Quando há o rompimento dessa harmonia entre o casal, nessa comunhão
de vida que o casamento e a união estável visam, não há mais possibilidade de o
cônjuge ou companheiro lesado permanecer em companhia do outro que esteja
descumprindo os deveres pessoais estabelecidos na comunhão de vidas.
Dessa forma, a tutela que se impõe à proteção do cônjuge ou companheiro lesado está na determinação do afastamento de um deles do domicílio conjugal,
ou da separação de corpos, quando algum deles pretende uma separação judicial.
A separação de corpos vem prevista no artigo 1.562, do Código Civil, a
qual deverá se concedida pelo juiz com a possível brevidade.
Essa medida depende tão-somente de mera verificação do casamento ou
da união estável, não se perquirindo qualquer discussão relativa à demanda principal. O que a legitima é a própria ação para dissolver a sociedade conjugal ou a
união estável, pois aquela será preparatória ou incidental e essa.
Como pondera Álvaro de Oliveira:
[...] a existência do conflito entre os cônjuges está na própria
natureza da medida cautelar com vistas à separação judicial,
impondo assim preservar reciprocamente os cônjuges de
agressões morais e físicas nesta fase preparatória da disputa
judicial futura (1998, p. 133).
Já a providência do artigo 888, VI, Código de Processo Civil, comporta
outras considerações.
Considera a doutrina e a jurisprudência que essa medida provisional
trata-se de medida de maior gravidade – o afastamento temporário do cônjuge ou
do companheiro do lar conjugal – podendo ser proferida liminarmente, sem a oitiva
da parte contrária.
A liminar depende de juízo de probabilidade, demonstrando-se a verossimilhança do periculum in mora e do fumus boni iuris, os quais devem ser analisados prudentemente pelo juiz. Parte da doutrina entende que a medida provisional
trata-se de uma medida antecipatória dos efeitos da sentença favorável ao pedido
de separação, divórcio, dissolução de união estável, nulidade e anulação de casamento, podendo ser requerida se presentes os requisitos do artigo 273, do Código
de Processo Civil. Outra parcela entende ser medida cautelar (BIRCHAL, 2000).
Seja qual for a providência – separação de corpos ou afastamento temporário, não se sujeita ao disposto no artigo 806 do Código de Processo Civil, não
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decaindo o autor da providência caso não proposta a ação principal.
5.6 Guarda e educação dos filhos. Regulamentação do direito de visita
Medida regulada pelo artigo 888, VII, Código de Processo Civil, devendo
ser aplicada visando, sobretudo, o interesse do menor, quando há discussão sobre o
poder familiar disputado entre os pais, haja ou não relação com ações matrimoniais
(separação, divórcio, etc.), futuras ou em curso.
Discute-se a natureza satisfativa da medida provisional em que um dos
pais, no exercício do poder familiar, move em face do outro ou de terceiro para reaver a guarda de seu filho, não nega a maioria o caráter definitivo da medida quando
não existir ação de separação a ser proposta em vista de não serem os pais casados
civilmente (ALVARO DE OLIVEIRA, 1998, p. 140).
A providência pode ser requerida por qualquer dos genitores, por parentes próximos, pelo Ministério Público, ou mesmo por terceiros se as circunstâncias
assim o exigirem. Também se admite a sua decretação de ofício pelo juiz.
Além da guarda, a medida provisional do artigo 888, VII, Código de
Processo Civil, disciplina a educação dos filhos, dever recíprocos dos genitores,
conforme previsão do artigo 1.634, I, do Código Civil.
No mesmo dispositivo processual também se encontra disciplinada a regulamentação de visitas de menores e incapazes. O direito de visitas é inerente ao
exercício do poder familiar, devendo ser preservado aos genitores, desde que não
contrarie os interesses dos descendentes.
O direito de visitas constitui um dever dos pais, aos quais compete educar
e manter os filhos, justificando-se sua perda ou restrição nos casos em que possam
comprometer o desenvolvimento físico ou psicológico dos filhos.
No magistério de Vasconcelos:
[...] a regulamentação de visitas é medida que pode ser concedida também aos avós ou a outros parentes que mantenham
vínculo afetivo com os menores, considerando-se injusta a recusa de qualquer dos pais em permitir a convivência de seus
filhos com outros membros da família que com eles tenham
afinidade (2000, p. 120).
Em qualquer das medidas previstas no artigo 888, VII, Código de Proces-
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DIREITO
E SOCIEDADE
so Civil, não se aplica o prazo do art. 806 do Código de Processo Civil.
5.7 Outras medidas protetivas
As medidas cautelares podem ter por objeto pessoas, coisas ou provas,
portanto, amplo seu campo de atuação.
A seguir, serão analisadas algumas medidas cautelares, no seu conceito
amplo.
Seqüestro - Disciplinado pelos artigos 822 a 825 do Código de Processo
Civil, trata-se de medida de caráter constritivo, que visam assegurar a conservação
dos bens para que, solucionada a questão da lide principal, possam ser divididos
entre os litigantes ou entregues à parte a que tenha direito.
Por essa medida, busca-se conservar o bem, objeto da pretensão jurídica,
visando assegurar execução para entrega de coisa litigiosa, podendo ser requerida
em caráter preparatório ou incidente. Porém, deve ser aplicada com observância
ao artigo 226, § 5˚, da Constituição Federal, respeitada a igualdade dos cônjuges
e conviventes quanto aos direitos e deveres na direção da sociedade conjugal e
convivencial.
Deverá se ajuizada no foro do domicílio da mulher, conforme previsão do
artigo 100, I, do Código de Processo Civil.
Devem estar presentes os requisitos do fumus boni iuris, que se traduz no
interesse do requerente em preservar a propriedade ou posse do bem objeto da lide,
como também o periculum in mora, que justifica a concessão da medida cautelar
preventiva que poderá evitar a alienação, deterioração ou a ocultação do bem, até
que seja ajuizada a ação principal competente.
Busca e Apreensão - Trata-se de uma medida de caráter pessoal, prevista
no artigo 839 e seguintes, do Código de Processo Civil, que poderá recair sobre
menores e incapazes, como medida cautelar nos casos em que os pais discutem
sobre a guarda dos filhos ou a destituição do poder familiar (preparatória ou incidental), como nos casos, por exemplo, em que a situação da guarda já está definida
por sentença e um dos pais não cumpre o que foi determinado quanto aos dias e
horários de visita.
Pode ser intentada como medida satisfativa, dispensando a propositura de
ação principal. Daí o entendimento segundo o qual essa medida pode ter natureza
cautelar e principal.
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E SOCIEDADE
Arrolamento de bens - Essa medida disciplinada nos artigos 855 e seguintes do Código de Processo Civil, iminentemente de natureza cautelar, visa à
preservação dos bens, baseado no direito de propriedade do requerente sobre os
mesmos, valendo-se dessa medida aqueles que têm interesse na conservação do
patrimônio ameaçado de extravio ou dissipação.
O arrolamento não pode ser requerido em antecipação de tutela, vez que
não há como, através dele, se antecipar os efeitos do mérito da ação principal, que
conterá ampla discussão sobre a titularidade e divisão dos bens. Com efeito, visa
apenas assegurar o resultado útil da ação principal.
Por outro lado, poderá ser deferido liminarmente, independentemente de
justificação prévia.
Essa medida cautelar não tem o condão de declarar a propriedade dos
bens, que dependerá da ação principal a ser ou já ajuizada. Dessa forma, o requerente somente terá declarado o seu direito aos bens arrolados se procedente a ação
principal.
Nas hipóteses de separação judicial, divórcio, anulação de casamento,
dissolução de união estável, o arrolamento de bens garante uma justa divisão dos
bens do casal, evitando-se, assim, que o cônjuge que detenha a administração do
patrimônio comum venha dilapidá-lo.
Alimentos - O pedido de alimentos deve ter como pressupostos as necessidades do alimentando, a possibilidade do alimentante e o vínculo jurídico de
parentesco, casamento ou união estável (CC, art. 1.694, caput e § 1˚). Preenchidos
os requisitos, comporta deferimento liminar, sem a oitiva da parte contrária (CPC,
art. 854 e parágrafo único).
Dentre outros, os alimentos podem ser classificados como provisórios,
provisionais e definitivos.
Nos termos do artigo 852 do Código de Processo Civil, são cabíveis os
alimentos provisionais nas ações de separação judicial e de anulação de casamento,
desde que estejam os cônjuges separados, e nas ações de alimentos. Podem também ser aplicados na ação de divórcio.
Os alimentos provisórios estão disciplinados na Lei 5.478/68, e podem
se concedidos liminarmente (art. 4˚), sendo hoje aplicados aos que vivem em união
estável (Lei 8.671/94 e CC, art. 1.694).
Os definitivos, por sua vez, são aqueles fixados em sentença, seja nas
ações de rito especial ou nas de rito ordinário, inclusive podem ser concedidos em
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caráter liminar, na forma do artigo 273 do Código de Processo Civil.
Os alimentos provisionais são executados pelo procedimento da Lei de
Alimentos (Lei 5.478/68), podendo optar pelo rito da penhora de bens (CPC, art.
732), nos moldes da execução por quantia certa contra devedor solvente ou da prisão (CPC, art. 733), em que o devedor será citado para, em três dias, pagar, provar
que pagou ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, sob pena de ser-lhe decretada
a prisão, fato que não o exime do pagamento das prestações vencidas ou vincendas.
Importante observar que, para aqueles que se encontram vinculados por
relações de parentesco não faz sentido valer-se dos alimentos provisionais, já que
podem invocar a tutela específica da Lei de Alimentos.
Quanto à união estável, necessário se faz provar a sua existência, além
dos pressupostos exigidos no artigo 1.694 do Código Civil.
Por derradeiro, os alimentos concedidos liminarmente e depois considerados, por sentença, não devidos, não podem ser devolvidos, uma vez que são
irreparáveis (irreversíveis).
Posse em nome do nascituro - O art. 2˚ do Código Civil preceitua que a
personalidade jurídica da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe
a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Essa medida não se reveste de natureza cautelar, vez que objetiva tão-somente a habilitação do nascituro no inventário em que é herdeiro, não havendo,
portanto, qualquer dependência a outro processo que possa vir a ser instaurado.
Trata-se, assim, de uma medida preventiva, que assegura direitos futuros, de natureza satisfativa, já que encerra sua finalidade em si mesma.
Provada a paternidade do nascituro, a mãe ou o curador (CC, art. 1.779),
nomeados pelo juiz, exercerá a posse sobre os direitos que pertençam a ele.
6. CONCLUSÃO
Nas relações familiares, como podemos concluir, é envolvido interesses
não só de ordem patrimonial, pois existe, entre os membros da família, um envolvimento afetivo, psicológico, espiritual, próprio da comunhão de vida estabelecida,
independente se sua origem se baseia no casamento ou na união estável. Interessam, então ao direito de família tanto os sentimentos e valores de cunho pessoal
ou material, próprios da família matrimonializada como das entidades familiares
originadas na união estável, na procriação natural ou no parentesco civil.
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Dessa forma, considerando a peculiaridade dessas relações e os graves
reflexos emocionais que os conflitos familiares podem gerar, para que seja prestada
tutela jurisdicional efetiva, exige-se, no plano processual, uma solução rápida da
lide instaurada.
Daí a importância, no âmbito das relações familiares, a aplicação da tutela de urgência, sobretudo nas disputas entre casais, especialmente no tocante à
guarda de filhos, separação de corpos, alimentos e demais situações urgentes.
Com base nisso, normalmente se obtém a tutela cautelar liminarmente
ou não, em caráter satisfativo, entendendo parte da doutrina ser inaplicável o prazo
exigido no artigo 806 do Código de Processo Civil, para intentar a ação principal.
Isto se dá em razão da urgência na resolução dos conflitos familiares, certo que a
eficácia da medida não pode ser prejudicada pelo simples decurso do prazo sem a
propositura da ação principal, dada a especial importância dos valores envolvidos.
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Os interessados em publicar os seus artigos neste periódico deverão elaborar um texto entre 08 e 15 páginas, respeitada a seguinte formatação:
a) formato A 5;
b) margens: superior 2,5cm; inferior 1,5cm; esquerda 2cm, e direita 1cm;
c) fonte Times New Roman;
d) corpo 10;
e) espaçamento normal, ou seja, 1,5.
O texto do artigo deverá seguir a seguinte estrutura: título centralizadoe
nome(s) do(s) autor(es) alinhados à direita, com os seus principais títulos acadêmicos. O resumo poderá ter um máximo de 15 linhas e as palavras-chave, de três a
seis vocábulos. A seguir, deve constar a introdução, o desenvolvimento do conteúdo e as conclusões. Ao final, eventuais notas e as referências, conforme as normas
atuais da ABNT. As notas devem constar após as conclusões e antes das referências, ou seja, as citações não deverão ser registradas em rodapé.
Satisfeitas estas exigências, os artigos poderão ser encaminhados à Coordenação do Curso, em texto impresso e em mensagem mensagem eletrônica, para a
avaliação do Conselho Editorial. Na mensagem o autor do artigo deverá autorizar a
publicação de seu texto, de acordo com a linha editorial das Faculdades Integradas
de Três Lagoas. Serão preferidos os trabalhos sobre temas atuais, inéditos e relacionados aos problemas regionais, conforme a ordem cronológica de apresentação.
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DIREITO
E SOCIEDADE
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cesar ferreira