ANA LUISA ANTUNES DIAS A MULHER NA PUBLICIDADE: NOVAS REPRESENTAÇÕES E VELHAS IDEOLOGIAS MARÍLIA 2005 ANA LUISA ANTUNES DIAS A MULHER NA PUBLICIDADE: NOVAS REPRESENTAÇÕES E VELHAS IDEOLOGIAS Dissertação apresentada à Faculdade de Comunicação, Educação e Turismo da Universidade de Marilia – SP, para a obtenção do título de Mestre em Comunicação – Área de concentração: Mídia e Cultura. Orientador: Profa. Dra. Lucilene dos Santos Gonzales MARÍLIA 2005 À mulher, em suas múltiplas dimensões, por suas conquistas ao longo do tempo. AGRADECIMENTOS À vida acadêmica de minha mãe que inspirou a realização dessa pesquisa e pelas contribuições e sugestões precisas em momentos decisivos desse trabalho. À existência de meu pai e minha mãe, que tornaram possível meu desenvolvimento profissional devido às oportunidades de estudos à mim concedidas. À convivência com minha família, pelos valores construídos ao longo da vida, que jamais serão esquecidos. À memória de avós maternos, Chiquito e Luiza, pelo maravilhoso exemplo de vida. À minha avó paterna Ana, que luta pela vida. Aos meus irmãos Beatriz e Leandro, minha sobrinha Isadora, e Danilo, companheiro de todos os momentos, pelo apoio e incentivo. A todos os professores que me acompanharam durante toda minha trajetória escolar. Por fim, a todos que contribuíram para a elaboração e conclusão deste trabalho, direta ou indiretamente. RESUMO Esta pesquisa pretende investigar como a mídia impressa brasileira está utilizando a figura da mulher em suas publicidades. O estudo tem por objetivo analisar peças publicitárias da revistas Veja, Claudia, Viva Mais e Playboy, verificando a permanência dos modelos de representação feminina propostos por Vestergaard & Schroder (1996) e a existência de novas tendências dos ideais de domesticidade, da beleza e boa forma, da mulher independente e da feminilidade. Por meio de análise lingüística e semiológica, pretende-se descobrir quais recursos de persuasão e sedução estão presentes nesses anúncios e qual a ideologia subjacente a eles. Serão examinadas publicidades veiculadas em mídias impressas direcionadas a públicos de idade, sexo e classe diferentes, permitindo assim uma visão mais abrangente sobre a imagem da mulher na publicidade brasileira. Por meio deste estudo, será possível determinar se a publicidade que envolve a figura da mulher cumpre sua função social, instigando a sociedade a uma reflexão para sua melhoria ou se apenas reforça tendências ou normas de comportamento já instituídas na sociedade brasileira. Palavras-chave: publicidade, ideologia, mulher, mídia. ABSTRACT This research investigates as the Brazilian printed media is using the woman's image in their publicities. It will be analyses announcements of the magazines Claudia, Viva Mais, Veja and Playboy with the objective of verifying the permanency of models of woman’s representation developed by Vestergaard & Schroder (1996) and the existence of a new trends for the ideals of domestic woman, beauty and good shape, independent woman and feminineness. Through linguistic and semiological analysis, the intended is discovery which persuasion resources and seduction are present in those announcements and which the underlying ideology to them. That dissertation, will be reflected if the publicity that involves the woman's illustration accomplishes her social function, urging the society to a reflection for her improvement or if it just reinforces tendencies or norms of behavior instituted already in the Brazilian society. Keywords: publicity, ideology, woman, media. SUMÁRIO RESUMO 05 ABSTRACT 06 INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I – A MULHER BRASILEIRA: PERCURSOS E TRAJETÓRIAS 15 1.1. Caminhos e descaminhos 24 1.2. Recortes da construção do perfil da mulher brasileira 29 1.2.1. Revistas: criação e gênese 29 1.2.2. A representação da mulher na imprensa feminina 32 1.2.3. O olhar da revista Veja 40 CAPÍTULO II – PUBLICIDADE: BASES CONCEITUAIS 46 2.1. A mulher ideal na publicidade 50 2.1.1. O ideal de domesticidade 51 2.1.2. O ideal da beleza e da boa forma 52 2.1.3. O ideal da mulher independente 53 2.1.4. O ideal de feminilidade 54 2.2. Elementos culturais e ideológicos 55 2.2.1. Considerações sobre cultura na publicidade 56 2.2.2. Ideologia e publicidade 59 2.3. Indústria Cultural e Formas Simbólicas 2.3.1. A fantasia como ferramenta da persuasão 65 71 2.4. Os Códigos Publicitários 74 2.5. Marketing e Mulher 76 CAPÍTULO III – A MULHER NAS NOVAS TENDÊNCIAS DA PUBLICIDADE....80 3.1. Desenhos do antigo e do novo 3.1.1. O ideal de domesticidade 3.1.1.1. A nova tendência do ideal de domesticidade 3.1.2. O ideal da beleza e da boa forma 3.1.2.1. A nova tendência do ideal da beleza e da boa forma 83 83 87 91 96 3.1.3. O ideal de feminilidade.......................................................................105 3.1.3.1. A nova tendência do ideal de feminilidade...................................108 3.1.4. O ideal da mulher independente........................................................112 3.1.4.1. A nova tendência do ideal da mulher independente.....................116 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................121 REFERÊNCIAS......................................................................................... ...........125 CAPÍTULO I A MULHER BRASILEIRA: PERCURSOS E TRAJETÓRIAS A estrutura da sociedade tem, historicamente, sido construída considerando a diferença na atuação do homem e da mulher na constituição de sua formação. As raízes de tais diferenças, culturalmente estabelecidas, foram objetos de inúmeros estudos e pesquisas, ao longo de vários períodos, especialmente no século passado quando o trabalho entra como uma categoria definidora de papéis na sociedade, já então caracterizada como capitalista. A força do trabalho feminino foi, por todo o sempre, utilizada como uma força oculta, de suporte para a ação mais diretamente engajada no produção de bens, enfim, na formação econômico-social capitalista. Deste modo, a mulher tem sido impelida a buscar, constantemente, seus espaços na sociedade e muitos aspectos contribuíram para que avanços venham sendo constatados nesse processo de certo modo, evolutivo, no sentido da participação da mulher na sociedade como um todo. A condição ocupada pela mulher na sociedade decorre de resquícios estruturais do sistema capitalista de produção em que a tradição cultural da submissão da mulher aparece como um fenômeno não raramente explicitado. O confinamento às tarefas do lar, a remuneração inexistente, a maternidade como fator excludente nos processos de competitividade, enfim, um conjunto de elementos que, entre outros, poderiam sugerir discriminação e desvalorização da mulher no sistema produtivo dominante. Com essas afirmações, é possível identificar que a entrada no mercado de trabalho, o acesso aos bens e à valorização do papel da mulher na sociedade como um todo são indicativos das sensíveis mudanças que vêm atingindo pouco a pouco o universo feminino. A mulher trabalhadora, que participa do mercado tanto como produtora de mercadorias como consumidora, passa a obter um espaço impensado até algumas décadas atrás, quando não recebia a atenção e a valorização requeridas na contemporaneidade. Segundo Saffioti (1979a), por muito tempo, a mulher foi considerada menor e incapaz em todas as esferas sociais. Nos séculos XVII e XVIII, ela sempre necessitou da tutela de um homem, fosse ele marido ou não. A obediência da mulher ao marido era uma norma ditada pela tradição da época. O casamento era elemento fundamental na felicidade pessoal da mulher, que, com ele, consolidava sua posição social e garantia sua estabilidade ou prosperidade econômica. No entanto, a participação da mulher na sociedade vem modificando-se, especialmente no que se refere ao modo capitalista de produção que não faz apenas explicitar a natureza dos fatores que promovem a divisão da sociedade em classes sociais. Lança mão da tradição para justificar a marginalização efetiva ou potencial de certos setores da população do sistema produtivo de bens e serviços. Assim é que o sexo, fator de há muito selecionado como fonte de inferiorização social da mulher, passa a interferir, de modo positivo para a atualização da sociedade competitiva, na constituição das classes sociais. A elaboração social do fator natural sexo, enquanto determinação comum que é, assume, na nova sociedade, uma feição inédita e determinada pelo sistema de produção social. Aparentemente, no entanto, são as deficiências físicas e mentais dos membros da categoria sexo feminino que determinam a imperfeição das realizações empíricas das sociedades competitivas. A mulher faz, portanto, a figura do elemento obstrutor do desenvolvimento social, quando, na verdade, é a sociedade que coloca obstáculos à realização plena da mulher (SAFFIOTI, 1979a, p. 35). Com o processamento intenso da urbanização, a partir da segunda metade do século XIX, e a industrialização a vida feminina ganha novas dimensões não porque a mulher tivesse passado a desempenhar funções econômicas, mas em virtude de se terem alterado profundamente os seus papéis, no mundo econômico. O trabalho nas fábricas, nas lojas, nos escritórios rompeu o isolamento em que vivia grande parte das mulheres, alterando, pois, sua postura diante do mundo exterior. O namoro ganha, assim, feições totalmente novas. Não mais os pais acertam entre si o casamento dos filhos imaturos; são os próprios interessados que tomam a iniciativa (SAFFIOTI, 1979a, p. 179). No Brasil, mulheres das classes A, B e C têm conseguido emancipa-se economicamente na sociedade devido, em grande parte, à inclusão da mulher no mercado profissional. Entretanto, para tornar possível sua participação no mundo do trabalho, a educação torna-se elemento imprescindível na conquista de novos espaços. Segundo destaca Saffioti (1979a), esteve presente na Constituição de 1823 a primeira idéia de proporcionar instrução ao sexo feminino brasileiro. Ainda de acordo com a mesma autora, o processo crescente da necessidade de educação escolarizada juntamente com a educação doméstica para a mulher, não garantiu que a educação feminina tivesse acompanhado os níveis de escolarização do homem, nem a igualdade social dos papéis tradicionalmente atribuídos a um sexo ou a outro. Tanto que, por muitas décadas, a sociedade não reconhecia os avanços que a mulher havia obtido em relação à instrução formal. A segunda menção à instrução das mulheres no século XIX esteve na lei de 1827, convertida em projeto de ensino. Entretanto, Na verdade, a lei de 1827 constituía um verdadeiro instrumento de discriminação dos sexos. Embora fosse a primeira legislação concedendo à mulher o direito de instrução e daí constituir um marco histórico, só admitia as meninas nas escolas de primeiro grau, ou seja, nas pedagogias, reservando os níveis mais altos – liceus, ginásios e academias – para a população masculina (SAFFIOTI, 1979a, p.193). Mesmo diante dessas considerações, é inegável que a abertura dos horizontes culturais da mulher tornou-se um dos aspectos que contribuíram para a redefinição do papel feminino na sociedade brasileira. Redefinição esta que teve como aliadas, ou até mesmo contribuidoras, as primeiras manifestações feministas no Brasil. Segundo Saffioti (1979a), o feminismo no Brasil surgiu antes da I Guerra Mundial, em conseqüência da visita da Dra. Bertha Lutz a Londres em uma fase mais violenta do movimento feminista naquele país. Em sua volta ao Brasil, Bertha Lutz torna-se a primeira pregadora da emancipação da mulher, por meio da imprensa e da tribuna. Em 1919, O Conselho Feminino Internacional da Organização Internacional do Trabalho aprova, dentre outros, princípios como a igualdade de salários sem distinção de sexo para o mesmo trabalho, e a obrigação de cada Estado de organizar um serviço de fiscalização, objetivando assegurar a aplicação dos regulamentos e leis de proteção ao trabalhador. Mesmo sem a grande adesão das massas femininas, o movimento feminista brasileiro desempenhou um papel relevante no que tange ao despertar da consciência da mulher não apenas para os seus problemas, mas também para os problemas das relações integrantes do então mundo moderno. As idéias do feminismo contribuíram ainda para o avanço da mulher na área do trabalho fora do lar, da educação e das relações sociais em geral. Embora o feminismo [...] não tenha tido ampla penetração na sociedade brasileira, constituiu verdadeiro marco na história da vida de grande número de mulheres urbanas pertencentes a duas gerações, conquistando, para a mulher, direitos que lhe eram indebitamente negados enquanto personalidade humana (SAFFIOTI, 1979a, p. 281). A representação feminina nos cursos superiores até a década de 30 foi pequena. No Brasil, em sua fase pré republicana, a instrução feminina era tida como desnecessária. Em 1940, fase da República, 48,3% dos homens, com idade acima de 10 anos, sabiam ler e escrever. Considerando a mesma faixa etária para as mulheres, apenas 38% dominavam a leitura e a escrita (SAFFIOTI, 1979a). O desenvolvimento econômico da década de cinqüenta também aumentou os níveis de escolaridade feminina. No ensino elementar e no médio, o número de mulheres já estava próximo ao dos homens. A proporção de homens para mulheres com curso superior, que em 1950 era de 8,6 para 1, baixou, em 1960, para 5,6 (BASSANEZI, 1997, p. 625). Retornando à esfera do trabalho feminino, agora no século XX, e tomando como base as considerações de Saffioti (1979a), a participação da mulher na força de trabalho da nação brasileira representava apenas 15,3% em 1920. Ainda segundo a mesma autora, em 1940, esse percentual sofreu ligeira elevação crescendo para 15,9%. A participação da mulher no mercado de trabalho cresceu nos anos 50, especialmente no setor de serviços de consumo coletivo, em escritórios, no comércio ou em serviços públicos. Surgiram então mais oportunidades de emprego em profissões como a de enfermeira, professora, funcionária burocrática, médica, assistente social, vendedora, etc. que exigiam das mulheres uma certa qualificação e, em contrapartida, tornavam-se profissionais remuneradas. Essa tendência demandou uma maior escolaridade feminina e provocou, sem dúvida, mudanças no status social das mulheres (BASSANEZI, 1997, p. 624). A década de 1950 foi marcada, no Brasil, pela ascensão da classe média devido ao crescimento intenso do meio urbano e à industrialização que, por sua vez, contribuíram para o aumento das possibilidades educacionais e profissionais tanto para homens quanto para mulheres. Com o final da Segunda Guerra Mundial, idéias como democracia e participação passam a ser fortalecidas nos discursos políticos. Entretanto, apesar de tais modificações sociais terem contribuído para a diminuição das distâncias entre homens e mulheres, elas não foram suficientes para acabar com as distinções entre os papéis femininos e masculinos. Durante esse período, a “maternidade, casamento e dedicação ao lar faziam parte da essência feminina; sem história, sem possibilidades de contestação” (BASSANEZI, 1997, p. 609). Apesar de o trabalho feminino ter tido grande impulso nos anos 50, a mão de obra das mulheres ainda era vista, na época, de forma preconceituosa. Durante esse período, a maternidade e o trabalho no lar eram tidos como prioridades na vida das mulheres e por isso a idéia de incompatibilidade entre casamento e vida profissional tinha grande força no imaginário social. Na década de 50, ainda de acordo com a mesma autora, a sociedade brasileira acreditava que a participação da mulher no mercado de trabalho faria com que ela deixasse em segundo plano seus afazeres domésticos, os cuidados com o marido e sua feminilidade. Fatores esses que eram considerados ameaçadores não só da organização doméstica como também da estabilidade do matrimônio. As revistas femininas da época retratavam essas preocupações, aconselhando e apelando para que as mulheres que exerciam atividades fora do lar não se descuidassem da aparência ou da reputação pessoal e soubessem manter-se femininas. A vocação prioritária para a maternidade e a vida doméstica seriam marcas da feminilidade, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. A mulher que não seguisse seus caminhos, estaria indo contra a natureza, não poderia ser realmente feliz ou fazer com que as outras pessoas fossem felizes. Assim, desde criança, a menina deveria ser educada para ser boa mãe e dona de casa exemplar. As prendas domésticas eram consideradas imprescindíveis no currículo de qualquer moça que desejasse se casar. E o casamento, porta de entrada para a realização feminina, era tido como ‘o objetivo’ de vida de todas as jovens solteiras (BASSANEZI, 1997, p. 609). A marginalização da mulher estava presente também nas revistas femininas da época, que preconizavam às mulheres “o casamento, a maternidade e os afazeres domésticos como destino natural e inexorável” (BASSANEZZI, 1997, p. 611). As revistas que tinham como alvo o público feminino nos anos 50, classificavam as jovens em moças de família e moças levianas. Às primeiras, a moral dominante garantia o respeito social, a possibilidade de um casamento modelo e de uma vida de rainha do lar – tudo o que seria negado às levianas. Estas se permitiam ter intimidades físicas com homens; na classificação moral social estariam entre as moças de família, ou boas moças, e as prostitutas (BASSANEZI, 1997, p. 610). Em suas mensagens, a imprensa feminina da década de 50 enfatizava a repressão aos comportamentos considerados desviantes ou promíscuos. “A moral sexual dominante nos anos 50 exigia das mulheres solteiras a virtude, muitas vezes confundida com ignorância sexual e, sempre, relacionada à contenção sexual e à virgindade” (BASSANEZI, 1997, p. 612). Numa época em que não se casar representava às mulheres fracasso social, As moças não virgens, que pretendiam se casar ou pelo menos conservar o respeito social, procuravam manter sua condição em segredo. A virgindade era vista como selo de garantia de honra e pureza feminina. O valor atribuído a essas qualidades favorecia o controle social sobre a sexualidade das mulheres privilegiando, assim, uma situação de hegemonia do poder masculino nas relações estabelecidas entre homens e mulheres (BASSANEZI, 1997, p. 614). Em relação à separação dos casais, O desquite, a única possibilidade de separação oficial dos casais nos anos 50, não dissolvia os vínculos conjugais e não permitia novos casamentos [...] O divórcio, considerado por muitos um veneno para a estabilidade social por enfraquecer a instituição familiar ou servir como porta de entrada para o amor livre, só passou a fazer parte das leis brasileiras na década de setenta (BASSANEZI,1997, p. 636). Retornando à questão do trabalho feminino, embora tenha havido um certo incremento da participação feminina na população economicamente ativa, a partir dos anos 60, o índice de mulheres permanece ainda bastante baixo. Saffioti (1979a) destaca que as mulheres, com idade superior a dez anos, representavam, no período citado anteriormente, 50,5% da população brasileira. Deste contingente, segundo a mesma autora, apenas 13% das mulheres eram economicamente ativas. Em contrapartida, os homens na mesma faixa etária, representavam 36% da população economicamente ativa, alcançando quase o triplo da taxa de atividade feminina. A emancipação econômica e social da mulher brasileira das classes A, B e C tem se dado de forma gradual e, atualmente, o avanço do sexo feminino nas áreas do trabalho e da formação profissional são evidentes. Entretanto, a marginalização de seu trabalho e, conseqüentemente, da própria mulher enquanto cidadã, ainda persiste no Brasil. O país apresenta elevada taxa de utilização da mão-de-obra feminina, e grande parte dessa força de trabalho encontra-se à margem do sistema produtivo de bens e serviços. O desemprego feminino é disfarçado, pois “grande parte das mulheres desenvolvem atividades econômicas como membros não remunerados da família, não sendo, portanto, declaradas como engajadas num emprego para efeito de censo” (SAFFIOTI, 1979a, p.54) Retomando elementos históricos, que tratam da história das mulheres no Brasil, revelam que no século XIX, as mulheres eram excluídas do processo de criação cultural, [...] estavam sujeitas à autoridade/autoria masculina. Virgínia Woolf, escritora e crítica literária inglesa que viveu nas primeiras décadas do século XX, comenta que durante séculos a mulher serviu de espelho mágico dotado do poder de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural. [...] A mulher serviu também de espelho mágico entre o artista e o Desconhecido, tornando-se Musa inspiradora e criatura. Para poder tornar-se criadora, a mulher teria de matar o anjo do lar, a doce criatura que segura o espelho de aumento, e teria de enfrentar a sombra, o outro lado do anjo, o monstro da rebeldia ou da desobediência. O processo de matar o anjo refere-se à percepção das prescrições culturais e das imagens literárias que de tão ubíquas acabam também aparecendo no texto das escritoras (TELLES, 1997, p. 408). Tal compreensão tem reflexos na contemporaneidade e, segundo estudo do instituto Vox Populi, a mulher está dividida entre valores modernos e tradicionais. De um lado, ela ficou mais rigorosa na escolha do parceiro e prefere a solidão a uma má companhia. Isso é novo. Só que, ao mesmo tempo que rejeita com veemência a idéia de submissão feminina, [...] ela cultiva valores e práticas repelidas pela geração que queimou os sutiãs e culpou os homens por tudo que a incomodava em relação com o macho da espécie. [...]‘Um dos grandes desafios da mulher atual é ser reconhecida como competente e inteligente, mas também feminina e atraente. É uma situação nova, pois por muito tempo se atribuiu às bonitas certa futilidade e às descuidadas, uma mente privilegiada’, afirma a psicóloga Magdalena Ramos, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PINHEIRO, 2002, p. 13). 1.1. Caminhos e descaminhos No século XX, a participação da mulher na sociedade brasileira sofreu grandes transformações. Em 1932, a mulher poderia votar desde que autorizadas pelo marido ou com renda própria. E em 1934, a constituição eliminou as restrições ao voto feminino. Atualmente, as mulheres são maioria no eleitorado brasileiro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contabiliza que, em 2004, dos 121,3 milhões de eleitores, 62,2 milhões são mulheres e 59 milhões são homens. No de 1960, a sociedade a viu a pílula anticoncepcional ser popularizada no país – fator importante no planejamento familiar e mesmo na redução do número de filhos. Conforme o último recenseamento realizado no Brasil, a população do país é de 169 milhões e 800 mil aproximadamente. Desse total, mais de 86 milhões e 200 mil são mulheres, e cerca de 83 milhões e 600 mil, são homens. Hoje, as mulheres respondem por 44,9% da População Economicamente Ativa (OLIVEIRA, PINCIGHER, FERNANDES, 2004). Entretanto, esse número que representa a inserção massiva da mulher no mercado profissional, não representa o fim da desigualdade entre os sexos nesse sentido. O rendimento feminino é 71,5% do rendimento masculino, e enquanto a mulher responsável pelo domicílio ganha em média R$ 591, o homem ganha R$ 827 (MULHER...2004, p.3). Vindo ao encontro de tais considerações, a afirmação de Saffioti (1979, p. 65a) se faz atual nos dias de hoje. Segundo ela, “nem através do sindicalismo, nem através da legislação trabalhista talvez possa a mulher deixar de ser uma trabalhadora marginal nas formações econômicas-sociais capitalistas”. A ideologia patriarcal induz as mulheres a aceitarem empregos mal remunerados (SAFFIOTI, 1979b). O último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2000, revelou que do total aproximado de 44 milhões de pessoas responsáveis por domicílio no Brasil, cerca de 33 milhões são homens e pouco mais de 11 milhões são mulheres. Ou seja, elas suprem financeiramente cerca de 25% dos lares do país. Como forma de avaliar o avanço da mulher no Brasil, estudos apresentados pela revista Veja revelam indicadores dessa transformação. De acordo com a publicação, em 1970, 35,7% das mulheres trabalhavam. Em 2000, o percentual subiu para 41% (AVANÇO..., 2003, p.87). Tais indicadores são considerados significativos no conjunto de mudanças que ocorreram nos últimos anos, É cada vez maior o número de mulheres que são chefes de domicílio no país. E fica em Salvador a maior concentração delas. Quarenta e dois por cento das mulheres soteropolitanas são as responsáveis pelo ganha-pão e pelo pagamento de contas de sua família, vulgo ‘chefe de família’. Em 1992, esse índice era de 29,3%[...] Segundo o IBGE, Recife vem logo em seguida, com 37,1% das mulheres chefiando seus domicílios. A porcentagem da capital de Pernambuco também aumentou consideravelmente: em 2002, o índice era 29,8%. Dos lares de São Paulo, 32,9% são chefiados por mulheres. Dez anos antes, esse percentual era bem menor: 22,5%. (BERGAMO, 2004, p. E2) No que se refere à escolarização feminina, as mudanças também podem ser percebidas: As mulheres, que em 1991 ocupavam 51% das vagas na universidade, avançaram ainda mais e, em 2002, chegaram a se sentar em 56,5% das cadeiras de nível superior. Os números foram computados pelo Inep, o Instituto de Pesquisas Educacionais do MEC. Eram 833 mil universitárias em 91; onze anos depois, eram 1,9 milhão [...] (BERGAMO, 2004, p. E2) Outro grande triunfo da mulher brasileira aconteceu há pouquíssimo tempo, em 2003. Tal conquista refere-se às mudanças feitas no Código Civil Brasileiro, que eliminou, a partir do dia 11 de janeiro de 2003, vários dispositivos considerados “machistas” no código que vigorava desde 1916. Foram oitenta e sete anos de leis discriminatórias, que inferiorizavam e diminuíam a mulher brasileira. Essas mudanças referem-se à igualdade entre os sexos. Enquanto o Código Civil de 1916 faz referência ao ‘homem’, o código que entrou em vigor em 2003, emprega a palavra ‘pessoa’. A mudança está em conformidade com a Constituição Federal de 1988, que estabelece que ‘homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações’ (COSSO, 2003). Conforme o autor, o novo Código Civil acaba com o direito do homem de mover ação para anular o casamento se descobrir que a mulher não é virgem. Da mesma forma, o texto acaba com o dispositivo que permite aos pais utilizar a ‘desonestidade da filha que vive na casa paterna’ como motivo para deserdá-la. A possibilidade de anulação do casamento estava prevista “caso o recém-casado percebesse que a moça não era virgem e, se tivesse sido enganado, poderia contar com o Código Penal que garantia punições legais para o ‘induzimento a erro essencial’”. (BASSANEZI, 1997, p. 613), Segundo a legislação vigente até o início do de 2003, no prazo de dez dias após o matrimônio, o marido podia pedir anulação de casamento, sob o argumento de que desconhecia o fato de sua mulher não ser virgem. Com o novo código, a virgindade deixa de ser requisito para a anulação. Para o casamento, o Código Civil de 2003 estabelece que ele é a ‘comunhão plena de vida’, com direitos iguais para os cônjuges, obedecendo à regra constitucional que garante que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Enquanto o código de 1916 dispunha que o objetivo do casamento é constituir família, o novo código considera o casamento apenas como uma das formas de constituição da família. O fim do pátrio poder, o poder do pai sobre os filhos, passa a ser chamado de "poder familiar" no Código Civil de 2003. Pela lei atual, tal poder é exercido igualmente pelo pai e pela mãe. Da mesma forma, a nova legislação estabelece que o homem deixa de ser o “chefe da família”, que é dirigida pelo casal, com iguais poderes para o homem e para a mulher. No que diz respeito à separação judicial de casais, pelo novo Código Civil, a falta de amor é admitida como um dos possíveis motivos de separação. A nova legislação não estabelece punições ao cônjuge que deixou de amar. O novo código permite ainda a separação após um ano da realização do casamento. O código de 1916 permitia somente o desquite, ou seja, a separação voluntária do casal, apenas depois de dois anos. Essas disposições foram revogadas pela Lei do Divórcio, em 1977. As separações têm uma papel determinante nas mudanças da estrutura familiar brasileira, o caráter nuclear da família, isto é, casal com ou sem filhos, continua predominante, mas o ‘tamanho’ diminuiu, e cresceu o número de uniões conjugais sem vínculos legais e arranjos monoparentais – aqueles caracterizados pela presença do pai com filhos ou da mãe com filhos [...] entretanto as maiores transformações vem ocorrendo no interior do núcleo familiar, assinaladas pela alteração a posição relativa da mulher e pelos novos padrões de relacionamento entre os membros da família. Estaria havendo uma tendência à passagem de uma família hierárquica para uma família mais igualitária, tendência inicialmente mais visível nas camadas médias urbanas e, com o tempo, passando a permear também as camadas mais populares. (BERQUÓ, 2002, p. 415). Desta forma, o início do século XXI fica marcado como período de maior mudança da condição feminina no Brasil. A ascensão da mulher brasileira, que teve início no século XX, pode ser representada pelo seu ingresso no mercado de trabalho e, conseqüentemente, pelo seu investimento na formação profissional. Assim, a mulher exerce a dupla função que os mitos modernos reproduzem à ela: a de produtora e reprodutora (SAFFIOTI, 1981). E, apesar da discriminação ainda fazer parte do cotidiano das mulheres, elas já conseguiram, mesmo que de forma tímida, aumentar suas presenças em todas as esferas sociais. 1.2. Recortes da construção do perfil da mulher brasileira 1.2.1. Revistas: criação e gênese Consta em relatos da história da invenção da revista que o surgimento dos primeiros exemplares aconteceu por volta de 1800, com o Correio Braziliense e As Variedades. Ambos tratados como jornal na época, tinham mais caráter literário, mais próximos de livro do que de qualquer outra coisa, entretanto são tidos como pioneiros das revistas. No Brasil, em 1904, com a revista de cultura Kósmos, esse tipo de publicação começa a se popularizar. Nessa época, as ilustrações eram desenhos ou pinturas e o jornalismo começa a fazer parte das revistas. A fotografia torna-se, então, essencial para a reportagem. A revista O Cruzeiro, criada em 1928 foi a responsável pela consagração da reportagem nas revistas presente até os dias atuais. A revista Diretrizes, criada em 1941, deixou de circular em 1944 devido à Censura. Em 1952 surge a Manchete, revista que não privilegiava a reportagem escrita e sim a cobertura fotográfica. Essa publicação, então concorrente da Cruzeiro, circulava com caprichada impressão de cores (A REVISTA..., 2000). Em meados de 1920 as revistas masculinas ganharam espaço. Rotuladas como ‘galantes’ as publicações direcionadas ao público masculino não ousavam dizer o que eram e eram, de fato, bem comportadas. Somente no final da década de 50 surgiram as publicações com pornografia escancarada. Na década de 1960, período da revolução sexual, começam a surgir em diversas revistas os nus femininos. A revista Playboy, chega ao mercado brasileiro em 1975, ainda com o nome Homem. O título definitivo foi adotado em 1978, e em 1987 tornou-se a revista mensal de maior circulação no país (A REVISTA..., 2000). Sob o regime militar em 1967, foi lançado no país um número da revista Realidade, dedicado exclusivamente à mulher. Liberação sexual, frustração no casamento e sonhos de independência foram temas dessa publicação, que “[...] apreendida, sob a alegação de atentar contra a moral e os bons costumes” (A REVISTA..., 2000, p.57). A revista Veja, criada em 1958, teve muitas de suas edições apreendidas durante o regime militar. Em 2000, obteve o título de quarta maior revista semanal de notícias do mundo (A REVISTA..., 2000). A primeira revista direcionada exclusivamente ao público feminino surgiu no país em 1827, ‘O Espelho Diamantino – Periodico de Pollitica, Literatura, Bellas Artes, Theatro e Modas Dedicado as Senhoras Brasileiras’. A publicação chegou ao país no ano em que foi editada a primeira lei que estendia às mulheres o direito de instrução alfabetizada [c.f. p.8 e p.9]. O jornal das Senhoras, de 1852, publicava artigos com leve tendência feminista e declarava em editorial a intenção de “cooperar com todas as forças para o melhoramento social e para a emancipação social da mulher” (A REVISTA..., 2000, p. 158). Tal afirmação causou indignação da população masculina, que protestou através de cartas. Por conta disso, as autoras de textos mais inflamados deixaram de se identificar. A revista O Sexo Feminino, criada duas décadas depois, reivindicava o fim do tratamento de serva do marido às mulheres da época. O direito à participação da mulher na política foi reivindicado em 1888, pela revista A Família (A REVISTA..., 2000). Nas primeiras décadas do século XX, a imprensa feminina começa a escrever sobre cinema, esportes, moda e eventos sociais. Apesar de defender os direitos femininos, nesse período, as revistas carregavam um tom de preconceito e baseavam-se numa ótica masculina sobre o papel da mulher na sociedade. Isso porque, a maioria dos textos eram assinados por mulheres, mas escritos por homens (A REVISTA..., 2000). A modernização do país, acentuada em 1950, cria novas necessidades de consumo: a mulher passa a trabalhar fora do lar. Assim, surge Manequim, a primeiras revista de prestação de serviços que ensinava, e ensina, corte e costura. A revista Claudia, criada em 1961, é hoje uma das mais importantes revistas brasileiras destinadas à mulher. A partir de 1970, derivadas da Claudia, surgem Casa Claudia, Claudia Cozinha e diversas outras publicações semelhantes. O surgimento de novas necessidades e o desenvolvimento de produtos para atendê-las, fez com que a mulher se tornasse uma consumidora atenta e exigente e à medida que a sociedade urbana passou a adotar novos hábitos e atitudes, formas de ser, agir e pensar, as femininas ajudaram a desatar e aprofundar essas tendências. E o Brasil talvez tenha se tornado, como sua natureza curvilínea e sua arte barroca, mais feminino (A REVISTA..., 2000, p.174). 1.2.2. A representação da mulher na imprensa feminina De acordo com Buitoni (1990), no século XX, a imprensa feminina elegeu a revista como seu veículo por excelência. Segundo a autora, lazer e luxo foram associados ao conceito revista, que compreende variedade, ilustração, cor, jogo, prazer e linguagem mais pessoal. Com o desenvolvimento da indústria de cosméticos, de moda e de produtos para a família e a casa, e com o respectivo progresso da publicidade, as revistas femininas tornaram-se peças fundamentais no mercado dos países capitalistas. Hoje as revistas geralmente são fruto de uma estrutura empresarial de porte. Papel caro, impressão sofisticada, diagramação bonita e grande utilização de cores que requerem boa sustentação financeira. A revista é uma janela, uma vitrina – geralmente colorida (e aí entram os anúncios, que ajudam a compor um mundo diferente do que aparece no jornal). A publicidade nos diários está mais ligada à duração temporal do veículo, à idéias de notícia: assim os classificados, os anúncios de liquidação ou ofertas, sempre relacionados a datas bem definidas. Nas revistas, anunciam-se mercadorias visando a criação ou reforço de hábitos de consumo: a publicidade é mais atemporal (BUITONI, 1990, p.18). A autora destaca que, até a metade do século XIX, a imprensa feminina era um produto para a elite, já que somente as mulheres pertencentes à aristocracia e à burguesia eram alfabetizadas. Tal afirmação, que se refere exclusivamente às mídias direcionadas ao público feminino, pode ser encaixada para a imprensa de um modo geral. Conforme citação anterior, no século XX, a fotografia começa a ser utilizada na imprensa brasileira e o desenvolvimento das técnicas de impressão fazem da revista uma mídia cada vez mais visual. Devido ao aperfeiçoamento da tecnologia gráfica e a possibilidade de imprimir produtos cada vez mais sofisticados, com muitas fotos e cores, a revista tornou-se, ao longo do tempo, o veículo ideal para a difusão da publicidade (BUITONI, 1990). No século XIX as revistas ainda não faziam parte do mercado publicitário, foi apenas no início do século XX que a publicidade passou a aproveitar-se dos avanços técnicos da imprensa (A REVISTA..., 2000). As primeiras agências publicitárias surgiram a partir de 1910, e nesse período, a publicidade era a principal fonte de renda da mídia impressa (DE LUCA, 1999). Por volta de 1940, as revistas femininas, tornaram-se o segmento que liderava a veiculação de anúncios. Em 1950 começam a fazer parte das publicações de interesse geral (A REVISTA..., 2000). Hoje, a publicidade está consolidada em toda a mídia impressa. A partir dos anos 50, devido ao crescimento da indústria, que começava a disponibilizar no mercado produtos relacionadas à mulher e a casa, e ao fortalecimento e ampliação da classe média, a vinculação consumo/imprensa se estabeleceu de forma progressiva. Desde os anos 50 até meados de 70, a censura interna das editoras e a censura governamental permitiam avanços extremamente vagarosos no tratamento da questão sexual. Não se podia, por exemplo, nomear as partes do aparelho genital feminino, mesmo pelos nomes científicos; só era possível descrevê-los. Havia problemas para publicar desenhos, ainda que esquemáticos; fotos eram praticamente proibidas (BUITONI, 1990, p.66). Na década de 60, o sexo começa, lentamente, a se fazer presente nas revistas brasileiras. Nesse período, o tema era mencionado em poucas matérias. O início dos anos 60 marcou a incorporação da roupa masculina para a mulher, especialmente a calça comprida (CARDOSO DE MELLO & NOVAIS, 2002). Já em 1970, quando a disseminação da pílula anticoncepcional trouxe consigo uma intensa curiosidade sobre o tema, matérias relacionadas a sexo, já então associado ao consumo, se tornaram cada vez mais presentes nas publicações. “Jornais e revistas femininos funcionam como termômetro dos costumes da época. Cada novidade é imediatamente incorporada, desenvolvida e disseminada” (BUITONI, 1990, p.24). Vivendo num mundo dominado pela publicidade [que por sua vez é produzida por empresas capitalistas], a imprensa feminina se submete às leis do mercado. Segundo a autora, um exemplo da interferência das relações econômicas é a própria segmentação das revistas [para jovens, para mães de família, para mulheres mais independentes, entre outros]. A mídia dirigida ao público feminino forma uma visão mitificadora da realidade. “Conservadora, alienante, consumista, estereotipada, despolitizadora – essas são algumas das fortes críticas que são feitas à imprensa feminina” (BUITONI, 1990, p.76). A importância da exposição de tais considerações sobre a imprensa feminina neste trabalho deve-se à intenção de, no terceiro capítulo, verificar se tais afirmações são confirmadas nas peças publicitárias selecionadas para análise, peças essas já divulgadas no início deste novo século. Conforme Buitoni (1981), a evolução do capitalismo no século XIX, permitiu a existência de duas direções na imprensa feminina: a tradicional, que não admitia ações fora do lar, e que engrandeciam as virtudes domésticas; e a progressista, que defendia o direito das mulheres de ampliarem seus papéis tradicionais, dando ênfase à educação. De acordo com a autora, neste período, a mulher era representada na imprensa feminina como a mulher oásis. Ou seja, A mulher é a parte boa (ou melhor) da natureza, da arte, de virtudes. No entanto, não se fala em ser humano [...] a mulher é a qualidade das qualidades – só que as aceita tradicionalmente como femininas – um ser abstrato, incorpóreo, não personificado. Não se trata da mulher pessoa de carne e osso, e sim de uma metade ideal do gênero humano (BUITONI, 1981, p.38). No século XX, na década de 1900, houve um crescimento da popularidade das revistas. A imprensa brasileira que de modo geral, já havia ingressado na era capitalista, passou a ser composta por empresas consideradas industriais e comerciais. Durante a década de 10, a representação da mulher na imprensa feminina era a da mãe sofredora, em razão da Primeira Guerra Mundial. Apesar de o conflito não ter acontecido fisicamente no Brasil, a guerra era o principal tema dos noticiários nacionais e internacionais e aparecia em todos os jornais e revistas. A década de 20 foi marcada pelo início do culto à beleza. De acordo com Buitoni (1981), a influência da arte européia e o surgimento do Modernismo no Brasil, movimento que pregava a ruptura com os códigos literários da época e a afirmação de novos ideais estéticos (BOSI, 1994), contribuíram para a valorização da beleza e da forma feminina no país. Assim, a mulher era representada, nesse período, como a sacerdotisa da beleza. ruptura com os códigos literários da época e afirmação de novos ideais estéticos. Na década seguinte, ou seja, em 1930, a imprensa feminina passou a exprimir idéias avançadas para a época. Além de ser povoada por anúncios publicitários, as revistas começaram a abordagem de temas polêmicos, como a maternidade para as mulheres solteiras e a exibição de fotografias de carnaval. A representação de tais idéias nos veículos em questão deve-se, em parte aos direitos conquistados pelas mulheres, como o voto. A primeira metade da década de 40 foi marcada pela divulgação de lançamentos americanos de moda, beleza, ilustradas como fotos de artistas de cinema. Em sua segunda metade, a década de 40, a fotonovela dominava o mercado das mídias impressas. Os testes, publicados em revistas populares e sofisticadas, foi fator da vulgarização do psicologismo e a busca por modelos de comportamento. Conforme Buitoni (1981), a mulher celulóide era o meio de representação do feminino nesse período. A década de 50 foi marcada pelo início de um desenvolvimento maior na industrialização da imprensa brasileira, que começou a tratar mulher como público. Desta forma, a representação da mulher em 1950 era o da mulher moderninha, a mulher consumidora. A dona de casa insatisfeita era como a mulher era representada em 1960. Nesse período, a mulher já havia sido introduzida na sociedade de consumo, e os anúncios publicitários eram cada vez mais constantes nas revistas femininas. Numa análise de texto da época, Buitoni (1981) destaca que a mulher busca uma identidade própria, instigada pela construção de sua pessoa não através dos outros [marido e filhos], mas com os outros. De um modo geral, a insatisfação nos anos 60 tomava grande parte da sociedade brasileira, que em 1964 passou a ser governada pelos militares . O sentimento refletiu-se na organização de movimentos estudantis e movimentos culturais didáticos-conscientizadores, que visavam deflagrar a tomada de consciência da situação social vivida pelos analfabetos e marginalizados (HOLLANDA & GONÇALVES, 1984). Redução de investimentos, desemprego, desabastecimenTo e taxa de inflação exacerbada eram os principais problemas enfrentados pela população brasileira na década de 60 (ARRUDA & PILETTI, 1997). “Dos protestos de 1968 derivariam direta ou indiretamente outras agendas políticas – a defesa do meio ambiente, o feminismo, a promoção dos direitos das minorias, parte, enfim, os novos movimentos sociais.” (ALMEIDA & WEIS, 2002, p.405) O auge do consumo nas revistas brasileiras acontece na década de 70, período marcado por “um movimento de contestação aos valores vigentes, que eram questionados na política oficial ou mais alternativa, na literatura, na música.” (SCHWARCZ, 2002). A revistas femininas da época eram verdadeiros catálogos de mercadorias. O sexo foi o produto mais veiculado nesse período. Por isso, a mulher era representada como a liberada e a marginal (BUITONI, 1981). As representações idealizadas pela autora seguem até 1970. Neste trabalho, ao destacar as considerações anteriores, a intenção foi inserir um eixo histórico na representação da mulher pela imprensa feminina, e não determinar, de maneira profunda, todas as formas de representação que a mulher teve em toda a história. Segundo Buitoni (1990), referindo-se aos estereótipos da mulher na imprensa feminina, afirma que a mídia direcionada às mulheres não têm pretensão de modificar o mundo. O conteúdo dos veículos se baseiam no repertório de seu público e nos estereótipos reforçados pela publicidade. A autora salienta que, na imprensa feminina, a mulher está ligada aos seus papéis sociais básicos: dona-de-casa, esposa, mãe. Ou liga-se, ainda, ao papel que a autora denomina de moderninho, ou seja, a mulher liberada mas que vive em função do homem. Há poucas incursões fora desse universo, Os papéis apresentados pertencem à mulher/condição feminina, à mulher genérica, sem tempo, espaço, nem classe. É apenas uma mulher moderna, feliz em cumprir seus papéis predeterminados com a ajuda dos bens que a civilização proporciona. A mulher é pasteurizada, universalizada, em nome do consumo (BUITONI, 1981, p. 41). Assim, a mulher genérica, modelo da cultura ocidental, é utilizada nesses veículos como forma de eliminar a idéia de conflito de classes. Ou seja, a imprensa feminina vive de fomentar a ilusão de que se a leitora tiver as mesmas coisas, ou as mesmas características [beleza, juventude, etc.], que a mulher genérica tem, será igual a ela. Confirmando o uso da imagem da mulher sob a forma de estereótipos, a autora, afirma ainda, que A imprensa feminina não mostra a negra, a índia, a japonesa; não mostra a pobre nem a velha – apresenta como ideal a mulher branca, classe média para cima e jovem. A juventude é outro dos mitos modernos que foi totalmente adotado pelos veículos femininos, servindo para estimular o mercado ao exigir eterna renovação (BUITONI, 1990, p.78). Dessa forma, a imprensa feminina transforma a mulher em mito. Essa transformação, que corresponde à ideologia dominante, acaba servindo para reforçar o conceito tradicional da representação da mulher na sociedade. “O mito é um ‘reflexo’ social que inverte, pois transpõe a cultura em natureza, o social em cultural, o ideológico, o histórico, em ‘natural’ ” (BUITONI, 1981, p.6). A mulher é instada a renovar-se dia-a-dia, da cabeça aos pés. Da roupa, da maquiagem, dos cabelos, passa-se ao corpo: faça plástica, é preciso ser totalmente nova. E a moda entra até na safra de narizes esculpidos à semelhança da atriz de sucesso daquele ano. O mito da juventude, explorado até a exaustão na imprensa feminina, também se insere dentro da categoria do novo [...] O novo é a virtude máxima do objeto de consumo. A utilidade e a praticidade são virtudes secundárias. E o novo passa a ser exigido também na pessoa (BUITONI,1981, p.131). A autora conclui que a mulher, então, não pode ser bela, sensível, alegre, por si só. Ela só conseguirá determinadas qualidades se tiver determinados objetos. Ou seja, para ser, ela precisa ter. Temas tradicionais da imprensa feminina resumem-se em: moda, beleza, culinária, decoração, um conto ou fotonovela, ou seja, há a separação das qualidades ideais e das reais, feita nas mídias dirigidas à mulher. “Atualidade e imprensa feminina não mantêm laços muito estreitos [...] a atualidade passa longe da imprensa feminina. Isso acentua o seu desligamento com o mundo real e o seu caráter mais ideológico” (BUITONI, 1981, p.5). Até o papel utilizado nas revistas femininas pode servir para uma relação com o papel da mulher que elas veiculam. Em revistas mais populares, o papel de qualidade inferior é o mais empregado. Da mesma forma, em revistas dirigidas a públicos de classes sociais elevadas, fazem uso de papéis mais caros, com espessura mais grossa e aparência mais brilhante. De papel em papel, a imprensa feminina brasileira colabora para a mistificação do ser feminino, ajudando a manter padrões [...] Dos papéis usados para impressão, aos papéis atribuídos à mulher, chega-se ao papel da imprensa feminina – diluir os conflitos sociais. Um teatro, um carnaval: usa-se a fantasia, ganha-se personalidade, pensa-se que é feliz (BUITONI, 1981, p.144). Retornando às considerações anteriores, a autora afirma que a mulher branca é rótulo e marca do produto chamado imprensa feminina. Segundo ela, mesmo o Brasil sendo um país de mestiços, a mulher negra e a oriental são raramente retratadas nas revistas, e quando isso acontece, são apresentadas como representação do exótico. “A mulher brasileira mesmo não freqüenta as páginas da imprensa a ela dedicada [...]” (BUITONI, 1981, p.142). 1.2.3. O olhar da revista Veja O perfil da mulher brasileira foi definido pela revista Veja (A BRASILEIRA... 2002, p. 60) que encomendou ao Instituto Vox Populi uma pesquisa que permitisse mergulhar no universo feminino e resumir os desafios, necessidades e desejos da mulher brasileira. O levantamento, que resultou na edição Especial Mulher da revista Veja publicada em agosto de 2002, foi realizado com grupo de mulheres entre 20 e 45 anos, casadas e solteiras, de variadas classes sociais. Os resultados revelam que, apesar da grande atenção dedicada pelas mulheres à ascensão profissional, temas como a maternidade, casamento e sexo continuam sendo questões centrais em suas vidas. Sem dúvida, os resultados da pesquisa estão direcionados às mulheres das classes A e B, leitoras da revista Veja. Entretanto, o levantamento não deixa de evidenciar algumas características comuns à todas as mulheres, já que foram utilizados como fonte diversas entidades do país. A seguir, serão destacados alguns itens dessa pesquisa. Segundo o levantamento, a brasileira: • Tem expectativa de vida de 73 anos; • Mede 1,58 metro; • Pesa 61 quilos; • Usa sutiã tamanho 44; • Tem cabelos castanhos; • 44% delas têm cabelo ondulado; • 45% têm pele mista; • Perde a virgindade por volta dos 17 anos; • Durante o ato sexual, prefere ficar por cima do homem à posição “papai-e-mamãe” ; • Uma em cada quatro não sente orgasmo; • Tem, em média, três parceiros sexuais antes de se casar; • 67% se casam; • Se casa entre 20 e 24 anos; • Uma em cada quatro se divorcia; • Tem 80 relações sexuais por ano, o que equivale a uma a cada quatro dias e meio; • Tem o primeiro filho por volta dos 26 anos; • Tem, em média, dois filhos; • 27% consomem produtos diet ou light; • Não faz ginástica; • Assiste à TV durante cinco horas por dia; • 65% julgam necessário possuir casa própria antes de ter filhos; • Seis em cada dez defendem a permanência da mulher em casa se o marido tiver boa renda; • 60% defendem a produção independente de filhos; • 50% nunca fariam cirurgia plástica; • 50% não saem de casa sem maquiagem; • Das que usam tintura, sete em cada dez pintam o cabelo de loiro; • Quatro em cada dez dizem nunca estar satisfeitas com sua aparência; • 53% fazem dieta; • 45% delas apontam a igualdade de oportunidades de trabalho entre os sexos como uma das principais mudanças para melhorar sua vida no novo milênio; • 44% trabalham; • 20,4% têm onze ou mais anos de estudo, contra 17,5% dos homens; • Seis em cada dez trabalhadoras consideram sua ocupação apenas como um emprego, não como uma carreira; • Uma em cada quatro mulheres que trabalham tem entre 30 e 40 anos; • 33% possuem conta corrente bancária e 24% têm caderneta de poupança; • 73,3% das que evitam a gravidez tomam pílula; • Sete em cada dez mulheres são católicas. Duas em cada três vão a algum culto religioso pelo menos uma vez por mês; • Metade das brasileiras considera o desemprego o maior problema social do país; • 45% crêem que o Brasil vai ficar pior; • Três em cada dez mulheres nunca acessaram a internet; • Uma em cada cinco brasileiras diz já ter sofrido violência física de algum homem; • 6% já abortaram; • 5,1% delas vive sozinha; • A mulher supre financeiramente 26,7% dos lares brasileiros. Diante dos dados apresentados, a pesquisa revela que, paralelamente à revolução da mulher na sociedade, a mulher brasileira do século XXI é uma nova mulher com velhas questões. As respostas das mulheres mostram que a maternidade, o casamento e os cuidados com a aparência estão entre as maiores preocupações da brasileira. Ou seja, o levantamento revela que, apesar das grandes transformações ocorridas nos campos político e social, os temas de natureza pessoal e assuntos ligados à vida afetiva ainda têm grande importância na vida feminina. Conforme a publicação, a nova mulher, além de desejar segurança financeira e reconhecimento profissional, quer relacionamentos estáveis. Isso se confirma em uma pesquisa mais recente, também publicada pela revista Veja (MENEZES, 2004), que levantou dados sobre a vaidade e os anseios da brasileira. Realizada pelo Ibope, a pesquisa ouviu 2000 mulheres entre 18 e 49 anos, a fim de descobrir os objetivos prioritários da porção feminina do Brasil, porção essa que engloba mulheres das classes A e B, leitoras da revista. A seguir serão destacados os itens sobre o que as mulheres brasileiras declaram ver quando estão diante do espelho: • 100% uma pessoa nada sexy; • 98% uma imagem pouco bonita; • 91% uma pessoa estressada; • 90% uma pessoa religiosa; • 54% alguém que precisa de plástica; • 51% uma silhueta meio gordinha. A seguir serão evidenciadas as respostas das mulheres sobre o que elas mais desejam na vida: 1- obter sucesso profissional; 2- ver os filhos encaminhados; 3- ter mais dinheiro; 4- ter mais equilíbrio emocional; 5- viajar mais; 6- ter casa própria; 7- ter mais tempo para cuidar da aparência. Em seguida serão destacadas as respostas sobre o que as mulheres mais sonham em ter nos próximos 10 anos: 1- saúde; 2- mais tempo para a família; 3- uma vida sexual mais ativa; 4- um corpo em forma. Considerando as respostas apresentadas, conclui-se que a brasileira pertencente às classes A e B quer, primordialmente, ter sucesso profissional e colher os benefícios materiais da ascensão na carreira. Mas, ao mesmo tempo, pretende ser uma figura presente no cotidiano dos filhos e manter-se jovem, atraente e equilibrada emocionalmente. O levantamento revelou também a preocupação dessas brasileiras com a aparência e o descontentamento delas com seu corpo. De acordo com a revista, que publicou também uma pesquisa de comparação internacional, elas são as mais vaidosas do mundo. As mulheres entrevistadas declararam ainda que não se identificam com as mulheres glamurosas e de aparência perfeita que são exibidas em anúncios publicitários. Essa afirmação vem confirmar o sentimento de frustração causado pela publicidade, e revela que a mulher brasileira gostaria de se ver retratada nesse universo. Evidenciados o eixo histórico da mulher de um modo geral e os estudos já publicados sobre o tema, faz-se necessário abordar assuntos relativos à publicidade, objeto de estudo desse trabalho. CAPÍTULO II PUBLICIDADE: BASES CONCEITUAIS Exposta a história da mulher na sociedade brasileira e suas representações na imprensa feminina, neste segundo capítulo, serão apresentados os conceitos teóricos que subsidiarão as análises de publicidades na terceira parte deste trabalho. Como esta pesquisa toma como objeto de estudo publicidades, faz-se necessário diferenciá-la de propaganda para o entendimento e concepção das análises finais desta dissertação. Vestergaard & Schroder (1996) definem o texto publicitário como uma forma de comunicação de massa que tem como objetivo transmitir informação e incitar as pessoas a certos comportamentos. Ou seja, a função do texto publicitário é informar e persuadir seu público-alvo. Tal persuasão tem como fim vender um produto, ou ainda, divulgar uma idéia ou conceito. Essas finalidades nos levam à definição dos termos publicidade e propaganda que são, na maioria das vezes, empregados como sinônimos. Neste trabalho, que será baseado em análises de publicidades, torna-se necessária a delimitação de tais conceitos. De acordo com Gonzales (2003, p.27), a palavra publicidade deriva do latim publicus, que significa ato de divulgar, tornar público, vulgarizar. A palavra propaganda, por sua vez, tem origem no latim propagare, que quer dizer, propagar, multiplicar, difundir. Sant’anna (1995) acrescenta que a palavra latina propagare, que dá origem à palavra propaganda na língua portuguesa, deriva de pangere, que significa plantar, enterrar, mergulhar. Desta forma, o autor define publicidade como a forma de divulgar e tornar público um produto, um serviço ou uma empresa, e a propaganda como a propagação de princípios e teorias. A propaganda compreende a idéia de implantar, de incluir uma idéia, uma crença na mente alheia” e a publicidade tem como objetivo “despertar, na massa consumidora, o desejo pela coisa anunciada, ou criar prestígio ao anunciante (SANT’ANNA, 1995, p.75-76). Diferentemente da propaganda, que escancara a realidade e mostra seus aspectos negativos, a publicidade trabalha com a fantasia, o sonho e o desejo do receptor. “A publicidade, por princípio, pertence à indústria dos sonhos – mais do que o cinema e a televisão –, por isso, nunca apresentará a sociedade tal como ela é” (CARVALHO,1996, p.24). Segundo a autora, quando se analisa a linguagem publicitária, freqüentemente se fala em manipulação. Uma manipulação disfarçada, já que a publicidade se utiliza de recursos estilísticos e argumentativos da linguagem cotidiana, para informar, seduzir e persuadir o público-alvo. Assim, o objetivo da mensagem publicitária é tornar familiar o produto que está vendendo, ou seja, aumentar sua banalidade, e ao mesmo tempo valorizá-lo com uma certa dose de ‘diferenciação’, a fim de destacá-lo da vala comum. Acima de tudo, publicidade é discurso, linguagem, e portanto manipula símbolos para fazer a mediação entre objetos e pessoas, utilizando-se mais da linguagem do mercado que a dos objetos (CARVALHO, 1996, p.12). Ou seja, a publicidade se utiliza de “uma lógica e linguagem próprias, nas quais a sedução e a persuasão substituem a objetividade informativa” (CARVALHO, 1996, p.12). A linguagem publicitária, ainda segundo essa autora, é caracterizada pelo reforço do individualismo. Dessa maneira, a mensagem publicitária tenta persuadir o receptor a realizar uma ação predeterminada, por meio de uma linguagem autoritária que pode ser identificada pelo uso do modo verbal imperativo, ou por recursos lingüísticos [como, por exemplo, as figuras de linguagem] utilizadas para camuflar, nas linhas e entrelinhas da mensagem, uma ordem. A publicidade impõe implicitamente pela mensagem, valores, mitos e ideais. E leva o receptor a acreditar que a posse de objetos seja sinônimo de felicidade. A mensagem publicitária é composta pelos planos denotativo e o conotativo. No plano denotativo, estão inclusas as informações escritas no texto e na imagem. Ou seja, o plano denotativo tem valor informativo. No plano conotativo, há a afirmação de qualidades exclusivas do produto, bem ou serviço anunciado, que funcionam como veículo da ideologia publicitária, modelando sua psicologia e sua estética. A autora resume o significado de tais conceitos, afirmando que enquanto a denotação transmite a informação, a conotação permite várias formas de interpretação do significado. Na publicidade, a palavra deixa de ser simplesmente informativa para ser persuasiva, incisiva, clara ou dissimulada. “Seu poder não é simplesmente o de vender tal ou qual marca, mas integrar o receptor à sociedade de consumo” (CARVALHO, 1996, p.18). Com o poder de influenciar e orientar as percepções e os pensamentos, os recursos lingüísticos podem ser utilizados das mais variadas formas na publicidade. Citelli (1995) afirma que a publicidade faz uso de alguns esquemas básicos para persuadir o público-alvo, ou seja, os receptores da mensagem. São eles: os estereótipos [esquemas e fórmulas já consagradas]; a substituição de nomes [mudam-se os termos visando influenciar, de modo positivo ou negativo, certas situações]; criação de inimigos [imagináveis ou não]; apelo à autoridade [citações de especialistas que validem o que está sendo afirmado]; a afirmação [utilização da certeza, do imperativo], e por fim, a repetição [visando aceitação pela constância reiterativa]. 2.1. A mulher ideal na publicidade Os anúncios publicitários são criados de acordo com as atitudes e os valores de seu público-alvo. Segundo Vestergaard & Schroder (1996), que se referem precisamente a publicidades anunciadas em revistas, os anúncios devem preencher a carência de identidade de cada leitor, a necessidade de cada pessoa de aderir a valores e estilos de vida que confirmem os seus e lhe permita compreender seu lugar no mundo. Esse processo é denominado pelos autores como processo de significação, no qual um certo produto se torna a expressão de determinado estilo de vida ou valor. O objetivo do processo de significação é fazer a ligação entre a identidade desejada e um produto específico, “de modo que a carência de uma identidade se transforme na carência do produto” (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996, p.74). E, para isso, a publicidade apresenta a mulher ideal. A análise realizada por Vestergaard & Schroder (1996), que enfoca anúncios publicitários veiculados em revistas inglesas, encontrou os ideais relacionados a seguir. 2.1.1. O ideal da domesticidade Vestergaard & Schroder (1996) afirmam que os anúncios destinados ao público feminino dão ênfase ao ideal de domesticidade que destaca o papel da mulher como dona-de-casa e ao papel da mulher como responsável pela alimentação e limpeza do lar. Os autores fazem referência, ainda, aos anúncios do tipo família feliz que, significam que, se a vida diária da leitora não é tão feliz e harmoniosa como aquela retratada na publicidade, a falha se deve, de certa forma, a sua incapacidade para cumprir as funções que se esperam de uma boa esposa e mãe. Desse modo, os problemas da família, muitas vezes socialmente determinados, assumem caráter individual e assim o desespero individualizado e incipiente se converte num esforço dirigido para o consumo, que se alega ser capaz de restabelecer o acordo entre a imagem ideal e a vida real (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996, p. 81). Ou seja, dessa maneira, a publicidade visa gerar um sentimento de frustração no leitor, que vai procurar suprir tal sensação adquirindo, ou melhor, comprando o produto anunciado. O objetivo da publicidade é tornar o espectador ligeiramente insatisfeito com seu atual modo de vida. Não com o modo de vida da sociedade, mas com seu próprio, enquanto nela inserido. A publicidade sugere que se ele comprar o que ela está oferecendo, sua vida se tornará melhor. Oferece-lhe uma alternativa melhorada do que ele é (BERGER, 1999, p.144). 2.1.2. O ideal da beleza e da boa forma Os referidos autores ingleses destacam ainda a presença do chamado ideal da beleza e da forma que, nos anúncios dirigidos à mulher, enfatizam sua aparência, que deve ser bela, magra e sensual. Esse ideal da beleza e da boa forma transfigurou-se na nova camisa-de-força da feminilidade, exigindo que as mulheres entrem em competição, mediante a aparência, pela atenção do marido, do namorado, do patrão e de todo espécime do sexo masculino que por acaso encontrem (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996, p.83). Complementando a idéia, Berger (1999) afirma que esse ideal é controlado pelo Olho Masculino. O autor explica: Ter nascido mulher é ter nascido, num determinado e confinado espaço, para a guarda do homem. A presença social da mulher desenvolveu-se como resultado de sua habilidade em viver sob essa tutela e dentro desse espaço delimitado. Mas isso se deu à custa de uma divisão de sua pessoa em duas. Uma mulher deve vigiar-se constantemente. Ela está quase que continuamente acompanhada pela própria imagem de si mesma [...] E assim ela passou a considerar o fiscal e o fiscalizado dentro de si como os dois elementos constitutivos, e contudo sempre distintos, de sua identidade como mulher [...] Isso poderia ser simplificado dizendo-se assim: ‘Os homens atuam e as mulheres aparecem’. Os homens olham as mulheres. As mulheres vêem-se sendo olhadas. Isso determina não só a maioria das relações entre homens e mulheres, mas ainda a relação das mulheres entre elas. O fiscal que existe dentro da mulher é masculino: a fiscalizada, feminino. Desse modo ela vira um objeto – e mais particularmente um objeto da visão: um panorama (BERGER, 1999, p. 48). Na publicidade, o ideal da beleza e da forma, proposto por Vestergaard & Schroder (1996), apresenta um ideal de beleza feminina que não é resultado de uma qualidade natural da mulher, e sim resultado do uso de cosméticos. Desta forma, a publicidade passa a idéia de que nenhuma mulher atinge esse ideal sem comprar e aplicar produtos de beleza manufaturados. 2.1.3. O ideal da mulher independente Seguindo com a enumeração dos modelos criados pelos referidos autores, destaca-se o ideal da mulher independente. Segundo eles, em anúncios publicitários, a imagem da mulher economicamente independente é quase ausente, e quando aparece, seu trabalho pertence ao cargo de maior prestígio, comparável aos dos homens. Assim, ao retratar o mundo do trabalho feminino, a publicidade iguala-o ao masculino. 2.1.4. O ideal da feminilidade Segundo Vestergaard & Schroder (1996), o ideal da feminilidade é encontrado em anúncios em que o homem é o receptor da mensagem publicitária. De acordo com esses autores, em publicidades dirigidas ao público masculino a figura da mulher dificilmente aparece, e quando isso acontece, sua imagem transcende inferioridade e dependência ao homem. “Os anúncios dirigidos aos homens tendem a retratar as mulheres sob duas formas básicas: como prostitutas e como criadas, com uma tendência a fundi-las nos devaneios masculinos” (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996, p.109). De um modo geral, a publicidade usa, de forma crescente, a sexualidade para vender um produto ou um serviço. Porém, essa sexualidade nunca é livre por ela mesma; é um símbolo de alguma coisa supostamente maior do que ela: a boa vida que permite a você comprar o que quiser. Ser capaz de comprar é o mesmo que ser sexualmente desejável; ocasionalmente, essa é a mensagem explícita da publicidade [...] Em geral, é uma mensagem implícita. Isto é, se você tem capacidade para comprar esse produto, será digno de amor. Se não puder comprá-lo, será menos querido.” (BERGER, 1999, p.146) Todos os ideais referidos anteriormente, refletem que a publicidade “não fabrica sonho. Tudo o que faz é propor a cada um de nós que ainda não somos invejáveis – mas poderíamos ser” (BERGER, 1999, p.151). Esses modelos propostos por Vestergaard & Schroder (1996) verificados na publicidade inglesa servirão como base para a análise das publicidades no capítulo terceiro deste trabalho. 2.2. Elementos culturais e ideológicos A publicidade constrói um universo imaginário em que o leitor consegue materializar desejos insatisfeitos da sua vida cotidiana. Ou seja a publicidade está fundamentada numa utopia, num desejo subconsciente de um mundo melhor. A ênfase, já estabelecida em vários estudos, dada na publicidade à relação juventude x idade madura, lazer x trabalho, beleza x feiúra, e assim por diante, não deve ser interpretada como uma exposição leal sobre o mundo do dia-a-dia, mas como uma representação simbólica da estima social dispensada aos jovens, às pessoas livres e bonitas, e como uma aspiração das pessoas quanto ao seu próprio futuro (VESTERGAARD E SCHRODER, 1996, p.135). Esses elementos permanecem latentes no universo publicitário porque estão embutidos nos valores da sociedade e seguem leais ao sistema sócio econômico vigente. Na publicidade, o contato com a consciência do leitor, com seu repertório, sua cultura e sua ideologia é essencial, primeiramente para captar sua atenção e, depois, para predispô-lo a favor do produto ou serviço anunciado. Desta forma, para entender e descobrir como a mulher vem sendo representada nas publicidades brasileiras, torna-se imprescindível a definição dos conceitos de cultura e de ideologia, mesmo que de forma simplificada, já que os termos têm diversas interpretações. 2.2.1. Considerações sobre cultura na publicidade O termo cultura foi utilizado primeiramente nos idiomas europeus e, segundo Thompson (2002), conservava o sentido original da palavra que representava o cultivo ou o cuidado de alguma coisa, como grãos e animais. O autor destaca que a partir do século XVI o sentido foi estendido da esfera agrícola para o processo do desenvolvimento humano. Assim, o conceito de cultura passou a ser ligado ao de civilização, representando “o processo de aperfeiçoamento moral e racional da sociedade, sendo a cultura a forma de avaliar o estágio de progresso e desenvolvimento de uma civilização” (TOMAZI, 1993, p.165). Para Hegel (1992), a cultura era pensada como resultado da forma de ser dos homens, e estaria relacionada com a forma que o homem tinha de compreender, representar e se relacionar com os diversos elementos que compunham [e compõem] sua existência, como o trabalho, a linguagem, a religião, as ciências, entre outros. Essa definição de cultura se aproxima mais do sentido antropológico do termo, que define o conceito como toda produção simbólica, que traz em si todas as contradições da sociedade. Em uma sociedade capitalista como a brasileira, tal produção simbólica, deve ser entendida e relacionada com as próprias relações capitalistas de produção. Relações estas, que opõem capital e trabalho/dominantes e dominados. Desta forma, a cultura está intimamente relacionada à classe dominante (VELHO, 1987). Pelas concepções antropológicas de cultura, destacam-se duas concepções para o conceito: a concepção descritiva e a concepção simbólica. Pela concepção descritiva, a cultura de um grupo ou sociedade pode ser entendida como “o conjunto de crenças, costumes, idéias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade” (THOMPSON, 2002, p.173). Pela concepção simbólica, cultura significa o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e crenças (THOMPSON, 2002, p.176) Considerando ainda a linha antropológica do termo, Chauí (1999) destaca os três sentidos da cultura: 1. criação da ordem simbólica da lei, isto é, de sistemas de interdições e obrigações, estabelecidos a partir da atribuição de valores a coisas (boas, más, perigosas, sagradas, diabólicas), a humanos e suas relações (diferença sexual e proibição do incesto, virgindade, fertilidade, puro-impuro, virilidade; diferença etária e forma de tratamento dos mais velhos e mais jovens; diferença de autoridade e formas de relação com o poder, etc.) e aos acontecimentos (significados da guerra, da peste, da fome, do nascimento, da morte, obrigação de enterrar os mortos, proibição de ver parto, etc.); 2. criação de uma ordem simbólica da linguagem, do trabalho, do espaço, do tempo, do sagrado e do profano, do visível e do invisível. Os símbolos surgem tanto para representar quanto para interpretar a realidade, dando-lhe sentido pela presença do humano no mundo; 3. conjunto de práticas, comportamentos, ações e instituições pelas quais os humanos se relacionam entre si e com a Natureza e dela se distinguem, agindo sobre ela ou através dela, modificando-a. Este conjunto funda a organização social, sua transformação e sua transmissão de geração a geração (CHAUÍ, 1999, p. 295). Diante disso, concluímos que o conceito de cultura pode ser compreendido como o entendimento do ser humano em um contexto sociocultural. Conforme a autora, cada comunidade cria a mesma cultura para todos os membros, mas, segundo ela, isso não é possível em uma sociedade dadas as diferenças das classes sociais que acabam por produzir diferentes culturas. A autora afirma ainda que é por esse motivo que a sociedade criou o fenômeno ideologia que, por sua vez, compreende o resultado da imposição da cultura dos dominantes a toda uma sociedade, como se todas as classes e grupos sociais que, embora vivendo em condições sociais diferentes, pudessem e devessem ter a mesma Cultura que os dominantes. “A ideologia é uma das maneiras pelas quais as sociedades históricas buscam oferecer a imagem de uma única Cultura e de uma única história, ocultando a divisão social interna” (CHAUÍ, 1999, p. 296). A cultura de determinado povo ou de determinado país permite que a mensagem publicitária seja interpretada de variadas e diferentes formas. A cultura tem papel importante na aceitação ou rejeição de uma mensagem publicitária. Segundo Carvalho (1996), como cada país tem a linguagem e seu modo de se comportar e de lidar com os tabus de sua sociedade, a cultura pode estabelecer tanto associações positivas quanto negativas a determinados sons, palavras, nomes, números, formas, cores e figuras. Por isso a cultura tem um papel importante e definitivo na elaboração de um anúncio publicitário. Dessa forma, conclui-se que os códigos e convenções gerados culturalmente impõem limitações de percepção aos receptores da mensagem publicitária. E que, a fim de se comunicar com o coletivo, a publicidade deve considerar a cultura de seu público-alvo. 2.2.3. A ideologia na publicidade Expostos os conceitos de cultura, que conseqüentemente nos levou a definir o termo ideologia, faz-se necessário a seguir, delimitar melhor o conceito de ideologia. O termo foi criado e utilizado pela primeira vez, no final do século XVIII, pelo filósofo francês Destutt de Tracy. De acordo com Thompson (2002), para ele [o criador do termo], a ideologia era compreendida como a ciência das idéias. Ou seja, ideologia era a primeira ciência, já que todo conhecimento científico envolveria a combinação de idéias. Desta forma, no período anteriormente citado, o conceito de ideologia era entendido como a base das outras ciências, e que, seria possível, por meio de uma análise cuidadosa das idéias e das sensações, determinar a compreensão da natureza humana e conseqüentemente possibilitar a “reestruturação da ordem social e política de acordo com as necessidades dos seres humanos” (THOMPSON, 2002, p.45). Conforme Chauí (2000), a ideologia é um fenômeno moderno, um fenômeno histórico-social decorrente do modo de produção econômico que substitui o papel que, antes, era ocupado pelos mitos e pela teologia. Na ideologia, a explicação sobre a origem dos homens, da sociedade e da política se encontra nas ações humanas, ou seja, na manifestação da consciência ou das idéias. A ideologia oferece à sociedade, que é dividida em classes sociais antagônicas e que vivem na forma de luta de classes, uma imagem que permite a identificação social por meio da unificação. A função principal da ideologia é ocultar a origem da sociedade, dissimular a presença da luta de classes, negar desigualdades sociais e oferecer a imagem ilusória da comunidade. A ideologia é um instrumento de dominação de classe, e por ser o instrumento encarregado de ocultar as divisões sociais, a ideologia deve transformar as idéias particulares da classe dominante em idéias universais que serão válidas para toda uma sociedade. A ideologia é uma ilusão. Ilusão esta que não deve ser entendida como ficção, fantasia ou falsidade, e sim como abstração e inversão [distorção] da realidade. Esta aparência social, não corresponde a algo errado ou falso, mas ao modo com que o processo social aparece na consciência da sociedade (CHAUÍ, 1994). Existem inúmeros enfoques teóricos sobre ideologia, atribuindo ao termo inúmeros significados e funções. Neste trabalho, o objetivo não é detalhar tais linhas de pensamentos e sim traçar um panorama para melhor entendê-las. Para isso, o conceito de ideologia será tratado em duas dimensões: a positiva e a negativa. No sentido positivo, o termo ideologia é entendido como “um conjunto de valores. Idéias, ideais, filosofias de uma pessoa ou grupo” (GUARESCHI, 1998, p. 91). Conforme esse autor, na concepção positiva do conceito, destacam-se Destutt de Tracy [criador do termo], Lenin e Lukács, que classificaram ideologia como as idéias de um grupo revolucionário, e Mannheim, que afirma que tudo o que o ser humano pensa é ideológico, já que é impossível não se contaminar pela situação social em que alguém nasce e vive. Ou seja, para ele, ideologia é conhecimento (MANNHEIM, 1956). Já na perspectiva negativa, o conceito de ideologia é classificado como algo constituído “pelas idéias distorcidas, enganadoras, mistificadoras; seriam as meias mentiras, algo que ajuda a obscurecer a realidade e a enganar as pessoas” (GUARESCHI, 1998, p. 91). Nessa visão, a ideologia se apresenta como algo impraticável, abstrato, ilusório e errôneo que expressa os interesses dominantes, sustentando, assim, as relações de dominação. A concepção marxista de ideologia é a que melhor caracteriza o conceito em seu aspecto negativo. Para Karl Heinrich Marx, ideologia é qualquer formulação teórica das relações sociais que não tenha por base a produção material. Em outras palavras, a ideologia para Marx é resultado da percepção incompleta do funcionamento da sociedade, o que faz com que tomemos como imprescindível uma ordem de coisas que não o é, acreditando ser original uma situação que é na verdade um efeito, uma conseqüência do estado de alienação em que se encontram os indivíduos. Só a consciência é capaz de aprender o que realmente determina a organização social e, a partir daí, de orientar a ação das pessoas (ENCICLOPÉDIA..., 2004). O conceito de ideologia foi definido por Raymond Willians, de acordo com três concepções básicas: 1.Como sistema de crenças de uma classe ou grupo social. Nessa concepção estariam incluídos os valores, idéias, e projetos de uma grupo ou classe social específico. 2.Como sistema de crenças ilusórias – o que se costuma chamar de ‘falsa consciência’. Essas crenças ilusórias, baseadas em critérios impossíveis de ser comprovados, contrastariam com o conhecimento verdadeiro ou científico. 3.Com o processo geral de produção de significados e idéias (TOMAZI, 1993, p.169). As duas primeiras concepções conotam a idéia do pensamento marxista, que compreende uma importante vertente no estudo da ideologia (WILLIANS, 1995). Depois de dividir o conceito de ideologia em duas dimensões [positiva e negativa], o termo será separado, ainda na tentativa de compreender as diversas classificações de ideologia, em outras duas dimensões: a material e a dinâmica (GUARESCHI, 1998). De acordo esse autor, a dimensão material, em que o termo é entendido como algo materializado, a ideologia se encontra corporificada na própria idéia, na forma simbólica, ou até mesmo concretizada em uma instituição, como a escola ou a família. Já na dimensão dinâmica, em que ideologia é compreendida como prática, o conceito se baseia, ainda segundo o mesmo autor, na maneira como as formas simbólicas servem para criar e manter as relações sociais entre pessoas. É nessa dimensão material, concreta, que o pensamento marxista se encaixa. De Acordo com essa concepção, ideologia é definida como as idéias da classe dominante. Para o pensador, pelo simples fato de as idéias serem da classe dominante, elas já são ideologia. Ou seja, na dimensão dinâmica, ideologia é entendida como determinada prática, determinado modo de agir, determinada maneira de se criar ou manter as relações sociais (MARX & ENGELS, 2002). O que se pode notar é que a definição de ideologia foi, é e continua sendo aprimorada. O conceito, ao longo do tempo, vem sendo revitalizado e reinterpretado por diversos autores. Neste trabalho, porém, a intenção não é expor, de forma detalhada, as inúmeras definições do conceito e as divergências e críticas envolvidas nessa discussão que persiste ainda nos dias de hoje. De qualquer modo, tomando por base as diversas concepções apresentadas, a definição a seguir, expõe, de modo simplificado, a condensação de todas as acepções anteriores. O autor destaca, resumidamente, que ideologia corresponde às idéias que os homens fazem da sociedade em que vivem. Quando elas expressam ‘corretamente’ as relações existentes, mostrando os interesses que animam as relações, podemos dizer que tais idéias, ou ideologia, se constituem num instrumento de luta de grupos sociais. Se, ao contrário disso, as idéias não corresponderem à realidade das relações de opressão existentes, podemos dizer que se trata de um ‘falsa consciência’. Nesse sentido, a ideologia atuaria como uma forma de mascaramento das reais condições de opressão, atendendo, por conseguinte, aos interesses dos grupos dominantes (TOMAZI, 1993, p. 218). Neste trabalho, parte-se do pressuposto de que a publicidade que faz uso da imagem da mulher a representa de forma ideal e não real. E, para analisar as ideologias embutidas em tais peças, o fundamento teórico será o das dimensões negativa e material do conceito. Para Vestergaard & Schroder (1996), por meio da ideologia, a publicidade expressa implicitamente as normas de comportamento que deseja. Ou seja, recomenda como incontestável uma certa norma de comportamento, convencendo o leitor de que é possível atender às suas necessidades e solucionar seus problemas mediante o consumo. A ideologia da propaganda é nefasta porque reforça as tendências que procuram tornar estática a sociedade – não no sentido de evitar o desenvolvimento de novos produtos e a criação de novas oportunidades de lazer, mas no de retardar ou impedir a revisão dos princípios básicos da ordem social, quer no nível macro (‘democracia’), quer no nível micro (papel dos sexos) (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996, p. 164). Desta forma, as convicções apresentadas como inabaláveis pela publicidade funcionam como forma de escapismo, como uma válvula de escape da realidade conflitiva. Os autores destacam que a falta de liberdade e igualdade, no sentido democrático, é compensada pela liberdade de escolha no mercado. E Berger (1999) confirma essa tendência ao afirmar que a publicidade ajuda a mascarar, a esconder e a compensar tudo o que é antidemocrático nas sociedades. Vestergaard & Schroder (1996) afirmam que há ideologias específicas da publicidade. Segundo os autores, a ideologia não se manifesta nos anúncios publicitários, de forma evidente. Objetivando a persuasão, o convencimento, a publicidade confere ao produto anunciado um valor simbólico. Esse papel é desempenhado pelos chamados complexos de significação, como a ciência, a história e a natureza, já estabelecidos como sistemas ideológicos, antes mesmo de serem adotados na publicidade. Os sistemas ideológicos ligados à consciência de mercado, e que, como foi citado anteriormente, visam a estagnação da sociedade, cumprem um papel fundamental na preservação das relações capitalistas. 2.3. Indústria Cultural e Formas Simbólicas Expostos os conceitos de cultura e ideologia, também é importante fazer algumas considerações sobre indústria cultural e formas simbólicas. Vivemos em uma sociedade capitalista. Como vimos, para melhor compreender a sociedade em que vivemos, deve-se, primeiramente, entender o conceito de ideologia. Conforme Tomazi (1993), certamente pode-se não concordar com a idéia da existência de um única ideologia, ou seja, uma ideologia dominante capaz de homogeneizar e padronizar uma sociedade. Porém, não se pode negar a existência de uma ideologia [fatalmente composta de elementos de várias ideologias] que vem caracterizar a sociedade capitalista. Tal ideologia, veiculada a todo momento nos meios de comunicação de massa, e fortemente presente no nosso cotidiano, visa, de acordo com Tomazi (1993), influenciar o comportamento de toda uma sociedade. Para ser possível refletir sobre a transmissão de tal ideologia, é preciso entender, primeiramente, o desenvolvimento da indústria cultural não só no Brasil, mas no mundo. Com o surgimento do capitalismo na Europa, a partir do século XVIII, surge também a chamada indústria cultural ou cultura de massa, como sugerem alguns autores, entre eles, Tomazi (1993). O novo modelo sócio-econômico trouxe consigo, o desenvolvimento e a industrialização das cidades, e a criação e ampliação do mercado consumidor devido ao barateamento dos produtos em razão da mecanização da indústria. Assim, as cidades passam a ser importantes pólos comerciais, sociais e culturais. A população rural se transfere do campo para a cidade, deixando a agricultura para trabalhar na indústria. Desta forma, há o estabelecimento da burguesia industrial como classe hegemônica e o crescimento da classe média. O mercado em geral, e principalmente o mercado de bens culturais [jornais, livros, peças teatrais, filmes, etc.], conquista o novo público. Diversos autores têm diferentes, e até opostas, visões sobre o conceito de indústria cultural ou cultura de massa. Conforme Tomazi (1993), o termo indústria cultural remete à idéia de produção em série desenvolvida com o surgimento do capitalismo. E o termo cultura de massa, como sinônimo de indústria cultural, nos faz imaginar uma sociedade moderna, que funciona como uma sociedade massificada, de multidões padronizadas e homogêneas. Visando entender seu papel na sociedade contemporânea, serão esboçadas a seguir algumas linhas de pensamento sobre a questão. Os teóricos Theodor Adorno e Max Horkheimer (1971) foram os criadores do termo indústria cultural. Segundo esses autores, os meios de comunicação de massa funcionavam como uma verdadeira indústria de produtos culturais, que visava, unicamente, o consumo. De acordo com os autores, a indústria cultural pretendia integrar os consumidores das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como qualquer indústria, organizada em função de um público-massa – abstrato e homogeneizado – e baseada nos princípios da lucratividade (TOMAZI, 1993, p.195). Ou seja, a reprodução de obras de arte numa escala industrial, por exemplo, não a democratizaria. Na visão de Adorno e Horkheimer (1997), simplesmente a banalizaria e descaracterizaria, fazendo com que “o público perdesse o senso crítico e se tornasse passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos meios de comunicação de massa” (TOMAZI, 1993, p.195). Em outras palavras, o único objetivo da indústria cultural é a alienação e a dependência dos homens (ADORNO & HORKHEIMER, 1997). Ao maquiar o mundo, os anúncios publicitários veiculados pelos meios de comunicação de massa acabam seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, visando o esquecimento, por parte desses consumidores, da exploração nas relações de trabalho e estimulando, assim, o imobilismo (TOMAZI, 1993). Contrariando Adorno e Horkheimer, Marshall McLuhan (1995) tinha uma visão otimista da atuação dos meios de comunicação de massa. Para ele, que estudou principalmente a televisão, os meios de comunicação de massa tinham o poder de diminuir distâncias aproximando os homens, não apenas no sentido territorial mas também no sentido social. Umberto Eco (1970) faz uma distinção entre os teóricos que se dedicam ao estudo da indústria cultural. Para ele, os autores se dividem em apocalípticos [os que criticam os meios de comunicação de massa] e integrados [aqueles que o elogiam]. Entretanto, o autor critica as duas concepções. Para ele, os apocalípticos estariam equivocados por considerarem a cultura de massa ruim devido, apenas, ao seu caráter industrial. Ele afirma que a sociedade atual é industrial e esse fato não pode ser ignorado. Sua proposta é que as questões culturais devem ser pensadas a partir dessa constatação. Já os integrados foram criticados, por esquecerem que, quase sempre, a cultura de massa é produzida por grupos de grande poder econômico, que visam, unicamente, o lucro e tentam, pelos meios de comunicação de massa, fazer a manutenção de seus próprios interesses (ECO, 1970). Assim, a cultura dominante é sempre absorvida e decodificada pela cultura dominada que, à sua maneira, irá interpretar, avaliar e comparar aquilo que recebe com o que vive em sua própria realidade (BOSI, 1992). No Brasil, assim como nos demais países capitalistas, o crescimento dos meios de comunicação de massa, devido ao grande investimento do governo e de outras instituições, significa o crescimento de seu papel no panorama cultural do país. A publicidade, por sua vez, torna-se um importante veículo para anunciantes, que além de divulgarem seus produtos, constroem uma série de modelos de comportamento social. Ou seja, a publicidade, segundo Tomazi (1993) veicula uma vida ideal, de prazer, saúde, dinheiro e felicidade familiar, para um público que, em sua maior parte, não pode conquistá-la. Entender o impacto que a indústria cultural moderna pode provocar em seu público consumidor é um desafio. As diferentes visões sobre o conceito, expostas aqui de forma simplificada, servirão como elementos de reflexão para compreendermos esta questão no que se refere a este trabalho. De acordo com Guareschi (1998), entende-se por forma simbólica o amplo espectro de ações, falas, imagens e textos, que são produzidos por pessoas e reconhecidos por elas como contendo um significado. As formas simbólicas são mediadas pelos meios de comunicação de massa, Vivemos hoje num mundo em que a circulação generalizada de formas simbólicas desempenha um papel fundamental e sempre crescente. Em todas as sociedades, a produção e a troca de formas simbólicas – expressões lingüísticas, gestos, ações, obras de arte, etc. – é, e sempre tem sido, uma característica onipresente na vida social. Mas, com a chegada das sociedades modernas, impulsionadas pelo desenvolvimento do capitalismo, no início da era moderna européia, a natureza e a abrangência da circulação de formas simbólicas assumiu um aspecto novo [...] Esses desenvolvimentos do que normalmente se chamou de meios de comunicação de massa receberam um impulso posterior com os progressos na transmissão e codificação eletrônica de formas simbólicas (THOMPSON, 2002, p.9). A seguir serão destacadas cinco características básicas das formas simbólicas: A primeira é que são sempre intencionais, querendo dizer que são sempre a expressão de um sujeito para outro. A segunda é que elas são convencionais, ou seja, a produção, a construção ou o uso delas, bem como a interpretação das mesmas, são processos que envolvem regras, códigos ou convenções. A terceira característica que elas são estruturais, isto é, exibem uma estrutura articulada e, ao fazermos a análise da estrutura, devemos investigar não somente seus elementos específicos, mas também suas inter-relações. A quarta característica é seu aspecto referencial, já que as construções representam algo, referem-se a algo, dizem algo sobre alguma coisa. A quinta e última característica é o seu aspecto contextual, pois as formas simbólicas são sempre inseridas em processos e contextos sócio-históricos específicos dentro dos quais e por meio dos quais elas são produzidas, transmitidas e recebidas (ROSO, 2002). Thompson (2002) concorda com Adorno e Horkheimer, que defendem que o desenvolvimento da comunicação de massa teve um impacto fundamental sobre a natureza da cultura e da ideologia nas sociedades modernas, e que o estudo de análise da ideologia não pode limitar-se ao estudo de doutrinas políticas, e deve ser ampliado no sentido de englobar as diferentes formas simbólicas que circulam no mundo social. 2.3.1. A fantasia como ferramenta da persuasão Abordados os conceitos de indústria cultural e de formas simbólicas, torna-se necessário destacar o papel da fantasia e do imaginário humano como ferramentas utilizadas pela publicidade que, através das formas simbólicas, visa persuadir e convencer o receptor da mensagem. Com o surgimento do capitalismo, as sociedades se tornaram, cada vez mais, consumistas. Transformando-se, assim, em sociedades de consumo. Consumo este, instigado, a todo momento, pelos meios de comunicação de massa. Marcondes Filho (1988) destaca a capacidade dos meios de comunicação de ir ao encontro das necessidades, anseios e desejos do ser humano. Para ele, a ditadura dos meios de comunicação de massa não existe. O autor explica que eles não impõem novas necessidades, apenas incidem sobre as necessidades reais não satisfeitas das pessoas. Essa incidência, visando persuadir determinado consumidor, acontece de forma sutil, sedutora e provocante. Os meios de comunicação de massa visam conquistar a consciência do ser humano através de suas próprias fantasias. Fantasia esta que, na visão psicanalítica mencionada por Marcondes Filho (1988), é um substituto da realidade, é produto de situações nas quais a realidade é a frustração de todas as satisfações reais. Assim, a fantasia se torna uma ferramenta da persuasão, e conseqüentemente, da publicidade. Sendo o capitalismo a base econômica da sociedade contemporânea, as fantasias do ser humano são realizadas pela via econômica. Ou seja, o imaginário do homem é preenchido pelo consumo e pelo enriquecimento material. Assim, na busca incessante pelo prazer e pela realização de fantasias não realizadas, o capitalismo faz com que haja uma produção crescente de canais por onde se tenta fazer escoar as aspirações coletivas (frustradas, irrealizadas, bloqueadas das mais diversas formas), por onde se dá um direcionamento às ilusões perdidas. Esses canais conduzem inevitavelmente ao consumo, à satisfação aparente de necessidades, à ilusão do desfrute e do bem-estar. Pela razão mesma de sua não-realização, esses desejos retornam sempre e voltam a reivindicar a satisfação (MARCONDES FILHO, 1988, p. 26). Ainda em relação à exploração capitalista dos desejos por meio da fantasia, o autor destaca a posição de Peter Schneider que conclui que a sustentação ideológica do sistema se dá, basicamente, através do controle e do uso regressivo da fantasia pelas unidades de reprodução simbólica. Segundo Schneider, todas as instituições civis [de forma indireta] e os meios de comunicação que veiculam sonhos, desejos e esperanças, acabam reforçando nas massas a dependência à fantasia e sustentando a busca pela satisfação de suas necessidades. As necessidades são determinadas historicamente e da sua satisfação depende o êxito das fórmulas dos conteúdos da comunicação. As chamadas ‘necessidades naturais’ são sensivelmente postas em segundo plano diante da força promocional que destaca e reforça as necessidades satisfeitas com símbolos de classes e relativas a contextos sociais determinados (MARCONDES FILHO, 1988, p. 29). Desta forma, a fantasia é aproveitada de forma manipulativa pela ordem econômica dominada pelo capital, que impõe o materialismo como necessidade primordial do ser humano. Necessidade esta que não é artificial nem inexistente. Falsa é a sua satisfação. A manipulação se dá por meio de instrumentos discretos, dispersos, camuflados de ‘liberdade’ e ‘ação’, que, não obstante, encobrem a verdadeira estrutura última da sociedade que é opressora, frustrante e altamente classista. Os métodos de dominação no presente se dão amplamente com o recurso do domínio das consciências por meio do consumo amplo e irrestrito, e o que é ainda mais grave: de pura aparências (MARCONDES FILHO, 1988, p. 34). Diante dessas considerações, nota-se a existência na sociedade contemporânea da troca simbólica, onde não há consumo de bens, e sim consumo de valores embutidos em determinado produto que comunica no meio social, uma imagem, uma aparência. Fazendo, assim, com que a produção do ilusório e do imaginário como fator de consumo imperem na produção capitalista. As filosofias do consumo e da frustração, incentivadas pelo capitalismo, estão inseridas diretamente na publicidade. Por isso, o levantamento de conceitos teóricos relacionados a esse tema é importante neste trabalho, que englobará a investigação das ferramentas de manipulação utilizadas nas mensagens publicitárias. 4. Os Códigos Publicitários Após focalizar o papel da fantasia como ferramenta da publicidade, é fundamental expor algumas considerações de Umberto Eco (1971) sobre os códigos publicitários. A análise semiológica da comunicação visual, ou seja, das imagens veiculadas nas publicidades a serem estudadas no terceiro capítulo, será baseada nos conceitos propostos pelo autor. Conforme Eco (1971), nos códigos da persuasão não-verbal, ou seja, onde se incluem os códigos visuais da mensagem, podem-se identificar três níveis de codificação: nível icônico: a codificação dos signos icônicos não pertence ao estudo retórico da publicidade, assim como não lhe pertence, no registro verbal, o estudo sobre os valores denotativo dos vários têrmos verbais. Podemos citar por princípio que certa configuração represente um gato ou uma cadeira, sem nos perguntarmos o porquê ou o como; quando muito podemos levar em consideração determinado tipo de ícone pelo seu forte valor emotivo: estaremos então diante do que chamaremos de ‘ícone gastronômico’, que ocorre quando uma qualidade de determinado objeto (camada gelada sôbre o copo de cerveja, untuosidade de um môlho, viço da pele feminina), em sua violenta representatividade, estimula diretamente o nosso desejo ao invés de limitar-se a denotar ‘môlho’, ‘gêlo’ ou ‘maciez’. nível iconográfico: temos dois tipos de codificação. Uma do tipo ‘histórico’, em que a comunicação publicitária usa configurações que em têrmos de iconografia clássica remetem a significados convencionados (da auréola que indica santidade, a uma dada configuração que sugere a idéia de maternidade, ou ao tapa-ôlho negro que conota pirata ou aventureiro, etc.) A outra, de tipo publicitário, onde, por exemplo, a condição de manequim é conotada por um modo particular de ficar em pé com as pernas cruzadas. Isto é, o costume publicitário pôs em circulação iconogramas convencionados. nível tropológico: compreende os equivalentes visuais dos tropos verbais. O tropo pode ser inusual a assumir valor estético, ou então ser a exata tradução visual da metáfora sopitada e passada para o uso corrente, tanto que passa despercebida. Por outro lado, a linguagem publicitária introduziu tropos típicos da comunicação visual que dificilmente podem ser reportados a tropos verbais pre-existentes (ECO, 1971, p.162). Eco (1971) destaca ainda mais dois níveis que podem ser identificados na publicidade. Níveis esses, relacionados a argumentação e a relação entre o verbal e o não-verbal, ou seja, entre o texto e a imagem. O primeiro deles é o nível tópico, que compreende o setor das chamadas premissas. De acordo com o autor, neste nível é possível identificar a existência de iconogramas que conotam de antemão um campo tópico, isto é, que evocam por convenção uma premissa ou blocos de premissas de modo elíptico, como se tratasse de uma sigla convencionada (ECO, 1971, p.164). O segundo, e último, nível proposto pelo autor é o nível entimemático. Para ele, tal instância comportaria a articulação de autênticas argumentações visuais. Permitam-nos também aqui, em fase preliminar, avançar a hipótese de que a polivalência típica da imagem e a necessidade de ancorá-la no discurso verbal fazem com que a argumentação retórica propriamente dita seja orientada unicamente pelo texto verbal ou pela interação entre os registros verbal e visual. Nesse caso, os iconogramas em jôgo, assim como evocam campos tópicos, evocariam de hábito campos intimemáticos, isto é, subentenderiam argumentações já convencionadas e reevocadas por uma imagem suficientemente codificada (ECO, 1971, p.165). Na terceira parte deste trabalho, esses níveis elaborados por Eco (1971), embasarão a análise semiológica das publicidades que se utilizam da imagem da mulher nos anúncios. 2.5. A mulher e o Marketing A era da mulherização. Esse título, de uma matéria publicada em uma revista de circulação nacional, evidencia o poder do consumo feminino e destaca o empenho do mercado para criar novas estratégias de marketing que atendam a esse público. De acordo com Barletta (2003), em média, as mulheres ganham atualmente muito mais dinheiro do que ganhavam na década de 70. A introdução da mulher no mercado de trabalho fez com que ela tivesse uma ascensão em sua renda e um desnível salarial menor em relação à renda masculina. Essa penetração no mundo do trabalho fez ainda com que as mulheres ocupassem cargos com melhor remuneração que o homem e trouxe, para a mulher, a detenção da maior parte da renda familiar. No mundo todo, as mulheres controlam os gastos de consumo. Elas estão acumulando renda e ativos de investimento como nunca fizeram antes, na história. E estão expandindo sua presença na tomada de decisões nas empresas, grandes e pequenas (BARLETTA, 2003, p.48). No mundo contemporâneo, as mulheres respondem pelo consumo da maior parte de produtos. Essa tendência é global e o mercado brasileiro faz parte dessa realidade. Atualmente, no Brasil, as mulheres respondem por quase 50% da População Economicamente Ativa (OLIVEIRA, PINCIGHER, FERNANDES, 2004). Segundo esses autores, no Brasil, as mulheres compram ou influenciam na compra de: 94% dos acessórios do lar 92% dos pacotes turísticos 91% dos imóveis 88% dos planos de saúde 58% dos remédios 88% de artigos de luxo 75% dos produtos de limpeza 72% de artigo de papelaria 65% de alimentos 50% dos computadores 42% dos carros As estatísticas comprovam que a mulher é a compradora oficial do lar. E conforme Barletta (2003), os fabricantes de produtos industrializados já reconheceram que as mulheres são a essência do seu mercado. No entanto, a autora destaca que até muito recentemente, mesmo as mulheres já representando um percentual significativo de compradores, na maioria dos segmentos [automotivo, de serviços financeiros, de computadores, e de eletroeletrônicos] em geral, de 40 a 60%, a publicidade tende a ser direcionada, quase que exclusivamente, para o sexo masculino. Essa tendência será verificada no terceiro capítulo, nas análises das publicidades que se utilizam da figura da mulher. Barletta (2003) afirma que homens e mulheres funcionam de forma diferente, no aspecto das decisões de compra. Segundo ela, as mulheres têm um conjunto de prioridades, preferências e atitudes muito diferente do conjunto do homem. O processo de decisão de compra da mulher é radicalmente diferente do processo do homem. Ou seja, as mulheres respondem de forma diferente às mensagens utilizadas na publicidade e aos esforços promocionais do marketing. Isso porque as mulheres valorizam coisas que os homens não valorizam com a mesma intensidade, como por exemplo, os relacionamentos calorosos, próximos; as amigas; os homens atenciosos, que demonstrem carinho e consideração e a realização dos filhos. A autora afirma ainda que a mulher, como consumidora, exerce um efeito multiplicador. “O que elas compram, elas ‘vendem’; quando estão satisfeitas com os produtos e serviços, falam para as outras pessoas – homens e mulheres “ (BARLETTA, 2003, p.23). Efeito que torna o público feminino mais lucrativo que o masculino, Duas dimensões do processo de compra das mulheres fazem delas consumidoras mais lucrativas do que os homens, no longo prazo: fidelidade e referências. Primeiro, como as mulheres são mais exigentes na hora de fazer a compra inicial, elas deduzem o seu investimento de tempo permanecendo fiéis à marca que escolheram em ciclos subseqüentes de compra. Segundo, como o boca a boca predomina entre as mulheres, elas têm mais tendência em recomendar a outras pessoas as marcas ou vendedores que as impressionavam favoravelmente [...] (BARLETTA, 2003, p.47). Diante do fato de que a mulher realmente é o “consumidor chefe”, será examinado, no terceiro capítulo desta pesquisa, como a publicidade nacional, que faz uso da imagem da mulher, lida com esta questão nos dias de hoje. CAPÍTULO III A MULHER NAS NOVAS TENDÊNCIAS DA PUBLICIDADE Para realizar a seleção das peças publicitárias que serão estudadas neste capítulo, foi feita uma análise de todas as publicidades contidas nas publicações de maio, junho e julho de 2003 das revistas Veja, Viva Mais, Claudia e Playboy. No total, foram examinados trinta exemplares. Dentre todos esses anúncios, foram selecionadas as publicidades consideradas mais significativas em relação ao objetivo deste trabalho. Ao verificar as peças publicitárias veiculadas nessas mídias durante o período de três meses, foi possível detectar quais os produtos mais anunciados em cada revista. Os cinco anúncios mais freqüentes foram: Veja – carros (59); bancos (41); jóias (24); eletroeletrônicos (21); cervejas (19). Viva Mais – produtos de beleza e higiene pessoal (30); revistas que ensinam alguma atividade profissional (11); comidas prontas (9); eletrodomésticos e ofertas de emprego (6); telefones celulares, produtos para casa e cursos profissionalizantes (5). Claudia – produtos de beleza e higiene pessoal (53); roupas/acessórios e produtos para crianças ou bebês (14); remédios (12); produtos para casa e comida pronta (9); bancos (8). Playboy – carros (17); sapatos (12); cervejas (11); produtos de beleza e higiene pessoal (7); telefones celulares e edições especiais da Playboy (5). A verificação dos produtos mais anunciados em cada mídia permitiu constatar-se que a enumeração das publicidades veiculadas revela o perfil do público-alvo de cada revista. As publicações direcionadas às classes A e B [Veja, Claudia e Playboy] anunciam em maior escala produtos associados a status, beleza e conforto que, para serem adquiridos, necessitam que o comprador tenha uma condição financeira privilegiada. Já na publicação dirigida às classes B e C [Viva Mais], verificou-se a grande veiculação de produtos que auxiliam no desenvolvimento profissional da leitora e também de produtos para o lar, já que a revista é lida preferencialmente por donas-de-casa. Importante ressaltar que nenhum anúncio de banco ou serviço bancário foi detectado nesta publicação. Essa análise possibilitou ainda a constatação de que o tipo de papel utilizado para a impressão das revistas tem relação aos papéis, ou conjuntos de condições, atribuídos à mulher como público (BUITONI, 1981). Verificou-se que as revistas Claudia e Playboy utilizam um papel de espessura mais grossa e aparência mais brilhante que as revistas Veja e Viva Mais. Por serem publicações semanais, ambas fazem uso de um papel de qualidade inferior às das outras citadas. Notou-se que o papel utilizado para a impressão da Veja tem espessura um pouco mais grossa e aparência um pouco mais brilhante que a do papel utilizado na impressão da Viva Mais, revista de menor custo e com menor número de páginas dentre as selecionadas neste trabalho. 3.1. Desenhos do antigo e do novo na publicidade brasileira As análises das publicidades a seguir consideraram os modelos propostos por Vestergaard & Schroder (1996), relacionados no segundo capítulo deste trabalho. A partir deles, que continuam presentes na publicidade brasileira, verificaram-se novas tendências na representação da mulher. Optou-se, portanto, por seguir a seguinte metodologia na apresentação das publicidades analisadas: primeiramente, será analisada a publicidade que retrata um dos ideais proposto pelos autores Vestergaard & Schroder (1996) e Buitoni (1981); em seguida, será apresentada uma publicidade que demonstra a nova tendência desse ideal. Os anúncios seguirão a seguinte ordem de análise: primeiro será analisado o registro visual de cada uma delas, em seguida, o registro verbal e, por último, a relação entre os dois registros (ECO, 1971). 3.1.1. O ideal de domesticidade O ideal da domesticidade proposto por Vestergaard & Schroder (1996) e sua nova tendência de representação, serão evidenciados a seguir por meio das análises das publicidades do medicamento Anador, que retrata fielmente o modelo elaborado pelos autores e da empresa de alimentos Bunge, que expõe sua tendência contemporânea de representação: o homem dividindo com a mulher as funções domésticas. Na publicidade do Anador a mulher é retrata como mãe e esposa, o que representa o ideal de domesticidade. Veiculado na revista na revista Viva Mais [nº 188 / 02 de maio de 2003], o registro visual tem função emotiva. O nível icônico do anúncio é constituído da imagem da família reunida e feliz. Denotações: a família, composta pela mãe que aparece, ao fundo, sentada com um livro nas mãos observando o pai brincando com os filhos no chão da sala de sua casa. O produto é destacado no canto inferior direito da página, evidenciando as duas formas do medicamento [comprimidos e gotas]. Conotações: a publicidade do Anador se encaixa nos anúncios denominados por Vestergaard & Schroder (1996) como os do tipo ‘família feliz’ que retratam uma família completa, composta por pai e mãe jovens e casal de filhos [um menino e uma menina]. Conforme os autores, publicidades desse tipo visam transmitir à leitora que se sua vida não é tão feliz e harmoniosa como a retratada no anúncio, a falha se deve em parte, à sua incapacidade para cumprir as funções que se esperam de uma boa mãe e esposa. Frustrada, ela estará mais vulnerável e propensa a consumir determinado produto para alcançar a sensação de felicidade. O nível iconográfico do anúncio conota ainda que a família possui uma casa confortável com móveis de boa qualidade. Os componentes da família aparecem bem vestidos, o que na cultura nacional, conota uma situação financeira estável. O livro na mão da mulher sugere que ela estava lendo na sala e que, quando os filhos e o marido chegaram, essa leitura foi interrompida. O fato conota que para essa mulher a dedicação e atenção à família é o mais importante em sua vida. Na imagem da mulher um nível acima do marido e dos filhos subentende-se a antonomásia “mulher e mãe responsável pelo equilíbrio do lar”. A imagem da família nessa publicidade aparece como uma forma simbólica (THOMPSON, 2002) do modelo ideal de família. Ou seja, considerando a dimensão material de ideologia essa peça transmite a idéia de que a solução dos problemas criados pela dupla função [profissional do mercado e trabalho doméstico] exercida atualmente por grande parte das mulheres, está no consumo de mercadorias, que, de algum modo contribuem para suprir ou minimizar sua ausência no lar. Ausência essa, muitas vezes carregada de culpa quando toma como referência o modelo tradicionalista da família em que o papel principal da mulher refere-se ao cuidado com a família. Assim, a cultura capitalista da sociedade brasileira acaba conferindo ao medicamento Anador um valor simbólico que, considerando a visão negativa de Marx sobre ideologia, incita as pessoas à compra. No nível tropológico, a composição das cores no fundo branco que mesclam tonalidades de cinza, preto e laranja tem como objetivo correlacionar as cores do anúncio às cores do produto. Nessa peça, o efeito de contraste do preto e do branco visa destacar a cor laranja que é associada à energia, força e robustez (FARINA,1990). No nível tópico, a premissa dessa publicidade é: a responsabilidade de um lar feliz é da mulher, o laboratório Boehringer Ingelheim oferece-lhe Anador; concluindo, você deve comprar o produto para alcançar o ideal da família feliz, ou ainda para ser uma mãe melhor, mais presente. Registro verbal: as funções referencial e conativa podem ser detectadas no texto ‘ANADOR é o analgésico que há mais de 30 anos conquistou a confiança dos brasileiros. É tradição que passa de mãe para filho. Isso porque a substância ativa de ANADOR é uma das mais testadas no mundo, podendo ser usada inclusive para combater os sintomas da Dengue. Você toma e diz adeus para a dor. Contra dor, confie sempre em ANADOR.’ A função referencial do registro verbal também compreende a embalagem do produto, a logomarca do fabricante, o endereço e o número de contato com a empresa. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal orienta o código não-verbal [imagem da família] demonstrando a qualidade do produto através da tradição da marca e conferindo à mulher a responsabilidade pela escolha do produto que será usado por toda família. Confirma-se portanto, nesse anúncio, a existência da troca simbólica entre o que a mulher deseja para si [uma família feliz, ver os filhos encaminhados, ter mais tempo para a família – (conferir p.35) e o consumo do medicamento como a solução para essa aspiração não atendida (MARCONDES FILHO, 1988). 1. A nova tendência do ideal de domesticidade O anúncio da empresa de alimentos Bunge, veiculado na revista Veja [nº 22 / 04 de junho de 2003], evidencia a nova tendência do ideal da domesticidade, já que mostra o homem dividindo com a mulher as tarefas do lar. O registro visual desse anúncio tem função emotiva e seu nível icônico constitui-se da imagem do casal. Denotações: um homem e uma mulher na cozinha, ambos jovens, olhando para uma travessa macarrão e sorrindo. Ele, que aparece ao lado da mulher abraçando-a pela cintura, está de avental. Ela, sem avental, mexe na travessa puxando o macarrão para cima. Os produtos aparecem à frente casal na bancada da cozinha. Conotações: no nível iconográfico desse anúncio de página dupla verifica-se a imagem do jovem casal em sua cozinha. Ao fundo nota-se uma estante repleta de livros o que remete à idéia de que o casal é intelectualizado e que, provavelmente, tem curso superior completo, uma carreira profissional de sucesso e bons rendimentos financeiros. Também ao fundo aparece uma mesa posta, à luz de velas, para duas pessoas. Os utensílios domésticos retratados na peça [garfos, pratos, taças, etc] conotam, na cultura nacional, que o casal é procedente de uma família rica, remetendo, assim, aos significados de classe e elegância. O avental que o homem veste remete a idéia de que foi ele quem preparou o prato de macarrão. A mulher aparece apenas apreciando o cardápio, subentendendo a antonomásia “casal que divide as responsabilidades do lar”. Toda essa imagem retratada no anúncio da Bunge aparece como uma forma simbólica do modelo de casal ideal, transmitindo a ideologia do consumo como meio de alcançar a mesma felicidade e sucesso do casal retratado na peça (THOMPSON, 2002). No nível tropológico, as cores frias, que aparecem representadas pelo fundo acinzentado do anúncio e o cinza da camisa do homem, pelo preto do avental, pelo verde das hortaliças e da embalagem do macarrão e pelo azul do nome da marca, estão associadas a tranqüilidade, segurança e intelectualidade. Já as cores quentes aparecem representadas pelo vermelho da blusa da mulher e dos tomates, pelo amarelo da massa e pela da combinação de ambas as cores nas embalagens do macarrão, do óleo, do azeito e da margarina. As cores quentes remetem sensações de dinamismo, alegria e paixão (FARINA, 1990). No nível tópico, a premissa dessa publicidade é: a responsabilidade de uma lar feliz não é só da mulher. Se você deseja ter uma família moderna, em que as responsabilidades domésticas são divididas entre o casal, a Bunge oferece-lhe produtos alimentícios, concluindo, você deve comprar e consumir em sua casa alimentos produzidos pela Bunge. Registro verbal: a função conativa [ou apelativa] que se organiza no sentido de convencer o receptor da mensagem, pode ser detectada no texto ‘Para fazer parte dos momentos gostosos do seu dia-a-dia, a Bunge cuida de tudo, do campo até a sua mesa. Sabe como é: se você quer mesmo algo bem feito, faça você mesmo.’ e no slogan ‘Cuidando de tudo pra você, do campo até sua mesa’. A função referencial aparece no texto ‘Para produzir alimentos de qualidade, como as margarinas Delícia, Primor e Mila, os óleos Soya e Salada, as farinas de mistura Sol e Boa Sorte, as massas Petybon e os sucos All Day, a Bunge cuida desde a plantação do grão, fornecendo insumos para que o agricultor produza mais e melhor, até o processamento e a industrialização do produto que você consome e confia. Porque, para a Bunge, cuidar de cada detalhe é fundamental.’ A função referencial também pode ser detectada no nome da marca da empresa, que aparece logo abaixo do texto da página direita, e nos nomes das marcas dos produtos que aparecem em toda parte inferior da peça. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal orienta o registro visual no sentido de induzir à compra. Confirma-se portanto, a existência da troca simbólica entre o que o receptor da mensagem deseja [um lar feliz onde as tarefas domésticas são dividas] e os produtos oferecidos pela Bunge (MARCONDES FILHO, 1988). Outra nova tendência que pôde ser verificada nova no que diz respeito ao ideal de domesticidade é a representação da família sem a presença do pai. A publicidade do leite Ninho Fases [Veja, nº 20, 21 de maio de 2003] em que a mãe aparece feliz com seus três filhos é um exemplo dessa nova tendência, já que, atualmente, nem todos os pais vivem juntos ou moram na mesma casa. Essa representação vem retratar o novo modelo familiar que vem se tornando cada vez mais comum na atualidade (cf. p.19), e vai de encontro ao modelo da tão representada ‘família feliz’. Outro exemplo é o anúncio de seguro do Unibanco [Veja, nº 23, 11 de junho de 2003] que mostra um casal fazendo mudança e ambos carregam caixas de papelão, ou seja, se encontram em posição de igualdade na tarefa. 3.1.2. O ideal da beleza e da boa forma A seguir, será realizada a análise de duas publicidades: a da Vivara retrata fielmente o ideal de beleza e da boa forma proposto por Vestergaard & Schroder (1996) e Buitoni (1981), e a da Natura reflete a nova tendência desse ideal que é mulher negra como representante da beleza feminina. Publicado na revista Veja [nº 18 / 7 de maio de 2003], o anúncio da Vivara foi veiculado na semana de comemoração ao dia das mães. O registro visual, com discurso aparentemente referencial, é constituído da imagem de uma mulher que constitui, por sua vez, o nível icônico da publicidade. Denotações: uma mulher bonita [segundo códigos correntes], de silhueta magra, de aparência nórdica [loira e de olhos azuis], vestida de preto e usando jóias [brincos, colar e anel] aparece sentada com o braço apoiado na marca Vivara. Porém essa parente denotação remete ao nível iconográfico. Conotações: no nível iconográfico, são encontradas diversas conotações. A imagem da mulher loira, de olhos azuis, extremamente magra e em uma posição sedutora [com pernas e colo à mostra] remete, na cultura nacional, aos significados de elegância, status, sedução. Para divulgar o produto [jóias], o anúncio da Vivara impõe aos seus receptores um modelo inquestionável de beleza e juventude. Desta forma, conclui-se que na contemporaneidade a mulher ainda continua a ser representada como a sacerdotisa da beleza (BUITONI, 1981), que marcou os anos 20. A imagem da mulher nesse anúncio aparece como uma forma simbólica (THOMPSON, 2002) de valorização da beleza e da forma feminina. Em outras palavras, a publicidade da Vivara transmite a ideologia, em sua dimensão material descrita por Marx, do culto à beleza, definido pela cultura da sociedade capitalista. Culto esse, que pela visão negativa de Marx sobre ideologia, pretende orientar a ação das pessoas no sentido de induzir à compra. Ao impor um padrão de beleza, o anúncio faz com que o leitor se sinta frustrado e acredite que conseguirá atingir tal padrão ao adquirir o produto anunciado. Assim, a publicidade confere a esse produto um valor simbólico. No nível tropológico, predomina a função estética [ou poética] na mensagem visual: as cores frias representadas pelo preto do fundo da peça que se mistura com o vestido da modelo, pela cor roxa do colar, do anel e dos brincos e pelo azul dos olhos da mulher, conotam nobreza e sofisticação (FARINA, 1990). As cores quentes, por sua vez, o vermelho do batom da modelo e o amarelo dourado de seus cabelos, que mais chamam atenção à primeira vista, conotam o sensual e erótico, traduzem o desejo de emoções fortes (TISKI-FRANCKOWIAK, 1997) e está associada a euforia, orgulho, inveja e expectativa (FARINA, 1990). Subentende-se uma antonomásia na imagem dessa mulher: “o modelo ideal de mulher”. No nível tópico, essa antonomásia remete à seguinte premissa: essa mulher deve ser imitada, se você quer status, sofisticação, causar inveja aos outros, a Vivara oferece-lhe jóias; concluindo, você deve comprá-las para conseguir satisfação pessoal, quer oferecendo essas jóias às mães, quer comprando-as para você mesma. Como se verifica culturalmente no Brasil, muitas vezes é a própria mulher que compra seu presente, seja com seu próprio dinheiro ou com o dinheiro que os filhos ou marido lhe oferecem. Essa publicidade, portanto, se dirige principalmente às mulheres como consumidoras no Dia das Mães. Registro verbal: a função referencial predomina no título ‘Vivara’, e no subtítulo ‘11 de maio dias das mães’ e também em todas as informações sobre as lojas (localidades) e os preços dos produtos anunciados. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal [‘Vivara – 11 de maio dias das mães’ e todas as informações sobre as lojas (localidades) e os preços dos produtos anunciados] orienta o código não-verbal [imagem da mulher] sugerindo à marca status e sofisticação, que serão transferidos à mulher que usá-la. Há uma perfeita coerência entre as mensagens verbal e não-verbal. Confirma-se nesta publicidade, a existência da troca simbólica entre o que a mulher fantasia, deseja e se frustra na realidade, por meio da sedução, expressando o ideal de que a realidade não compensa. Sugere-se, então, o consumo das jóias como uma aspiração não atendida (MARCONDES FILHO, 1988). Nesse anúncio, o ideal da beleza e da boa forma (VESTERGAARD & SCHRODER, 1996) está perfeitamente representado, já que essa mulher não se assemelha, ou faz lembrar as mães reais. Ela é jovem, magra, bela, sensual, branca e de olhos e cabelos claros – características pouco comuns num país como o Brasil. Conforme destaca a pesquisa realizada pela revista Veja, que traçou o perfil da brasileira das classes A e B, grande parte das mulheres tem estatura mediana, cabelos escuros e ondulados e seu peso, normalmente, ultrapassa sua altura. Porém, outra pesquisa revelou a insatisfação da mulher com sua aparência (cf. p.35 e p. 36). 3.1.2.1- A nova tendência do ideal da beleza e da boa forma Diferentemente de expor o estereótipo da mulher branca que é rótulo e marca da imprensa feminina (BUITONI, 1981), a publicidade da Natura, publicada na revista Claudia [nº 6 / junho 2003] divulga uma nova tendência do ideal de beleza e da boa forma: a mulher negra como representante desse modelo. Vindo de encontro à afirmação de que a negra é apresentada na imprensa feminina somente como a representação do exótico (BUITONI, 1981), o anúncio da Natura confirma a tendência de que a mulher brasileira está começando a freqüentar as páginas das revistas femininas. Em suas campanhas publicitárias, a Natura procura colocar em suas peças mulheres com características mais próximas às das mulheres reais, ou seja, normalmente não usa modelos fotográficos. A mulher apresentada nesse anúncio é a atriz Thalma de Freitas. Importante ressaltar que a mulher branca também é retratada nessa publicidade, porém, em segundo plano. Mesmo sendo uma nova tendência do ideal de beleza e da boa forma, essa publicidade ainda mantém algumas características do modelo antigo, pois a beleza da mulher real, ainda está condicionada ao uso de cosméticos. Isso está evidente na composição do slogan da marca ‘bem estar bem’, que faz uso da repetição da palavra ‘bem’ como forma de enfatizar a proposta da marca que sugere que o ‘bem estar’ e o ‘estar bem’ são interdependentes, por meio do consumo de cosméticos. O registro visual da mensagem tem função predominantemente referencial. O nível icônico dessa publicidade é composto, em sua primeira página, pela imagem dos produtos, ou seja, pelos batons que aparecem na imagem de forma que é possível perceber suas várias tonalidades e como são suas embalagens. Nas páginas seguintes, o nível icônico é constituído pela imagem das mulheres e dos produtos divulgados [linha de maquiagem – batons, rímel, estojo de sombras, base e pó facial]. Denotações: em sua primeira página, o anúncio é constituído por três páginas, na primeira o receptor se depara com uma página simples composta pela imagem dos produtos [batons]. Ao virar a página, o receptor se depara com a continuação do anúncio, desta vez, em página dupla, onde o foco de atenção está na mulher negra que segura o queixo. Conotações: aparentemente, essa imagem expressa uma a nova tendência da publicidade de buscar a aproximação da mulher real com a ideal, comparando as mulheres de verdade [a consumidora] à atriz retratada na peça. Mas essa parente referencialidade da imagem de trazer a realidade à publicidade, expondo as insatisfações da mulher, é um artifício para que elas se identifiquem com a situação e usem os produtos para se tornarem únicas mesmo com seus defeitos. Essa imagem é acompanhada dos produtos [batons na primeira página e batons, rímel, estojo de sombras, base e pó facial na segunda folha]. Isso pode ser percebido no nível iconográfico do anúncio, em que a imagem da atriz destacando uma parte do corpo que ela supõe feia, porém com expressão de satisfeita remetem ao significado de auto-estima elevada e bem estar. Nessa imagem, a antonomásia “mulher real e feliz”, está representada por meio de elementos da cultura brasileira, como o cabelo afro da atriz e sua pele negra. Nessa peça subentende-se a antonomásia: “tenho defeitos mas estou feliz e satisfeita comigo mesma”. Ainda no nível tropológico, a cor vermelha do batom e da blusa da atriz destaca-se no fundo cinza e branco, conotando conquista, glória, força, ação, emoção, da mulher atual e a aproximação dela com o público-alvo do anúncio (FARINA, 1990). No nível tópico, a premissa da publicidade é: se você é uma mulher de verdade, com defeitos, mas satisfeita e feliz, a Natura oferece produtos que a tornam única com seus defeitos, compre Natura. Conforme afirmação anterior, conclui-se que a mulher ainda necessita de assessoria para esconder seus defeitos, que sua beleza ainda é resultado do uso de cosméticos e que ainda ela é cobrada pela sociedade a se apresentar como sacerdotisa da beleza de 1920, mesmo sendo tratada nesse anúncio, como consumidora, ou seja, como a mulher moderninha de 1950 (BUITONI, 1981). Registro verbal: com função emotiva e conativa, o texto que aparece abaixo do slogan do produto: ‘Toda mulher de verdade tem seus momentos de insegurança. Tem dias, por exemplo, em que a Thalma não gosta do próprio queixo. Você, provavelmente, também se incomoda com algum detalhe seu que ninguém mais percebe. Natura Unica é a nova linha de maquiagem da Natura para mulheres assim, ao mesmo tempo tão diversas e tão parecidas. Mulheres de verdade que, acima de tudo, sabem valorizar sua beleza única’ explora a emoção, os sentimentos naturais e até aspectos inconscientes [insegurança, insatisfação], que atingem diretamente a auto-percepção da mulher, fazendo com que ela se identifique com a situação relatada na peça e passe a consumir cosméticos para se sentir melhor. O slogan do produto ‘Natura Unica. Única como você’ se utiliza da repetição da palavra única como forma de intensificar e enfatizar a afirmação, predominando aí a função estática da mensagem. Tal função também está presente no slogan ‘bem estar bem’, que faz uso do ritmo, que é a alternância regular de sílabas tônicas (GONZALES, 1999), e da repetição como forma de facilitar a memorização da sentença. Com função emotiva, o segundo texto ‘Eu participo de um projeto para montar uma rádio comunitária em meu bairro. Quero ajudar a passar informação e conhecimento para as pessoas através da arte. Thalma de Freitas, Atriz e Gente Bonita de Verdade’, que aparece no canto superior esquerdo da revista, apresentado em forma testemunhal, visa comprovar que a mulher retratada na peça é uma mulher de verdade, uma profissional inserida no mercado e que tem projetos como cidadã. Esse texto complementa o primeiro no sentido de esclarecer que a atriz tem outras preocupações, além de querer se sentir mais bonita. A Natura é uma empresa que, freqüentemente, se utiliza do marketing social para agregar à sua marca valores de contribuição e incentivo a atividades relacionadas a área social do país. Outra vez, uma nova tendência do texto publicitário é explicitada nesse anúncio: o da preocupação social. A inclusão do negro na publicidade como participante da sociedade revela, além de uma nova tendência de representação, um aspecto mercadológico importante: o crescimento da raça negra como público consumidor. As referidas tendências compreendem a ideologia dessa publicidade. Ideologia de consumo que explicita o interesse mercadológico na introdução do negro como novo nicho de mercado. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o código verbal ‘A sua Consultora Natura vai ajudar você a descobrir qual o produto Natura Unica tem mais a ver com você. Faça como a Mônica. Seja você também uma consultora Natura’ e o não-verbal [imagem da mulher branca] visam tratar a mulher, alvo desse anúncio, como um ser individualizado, estabelecendo proximidade com a leitora. A função dessa mensagem é conativa, pois incita as mulheres a venderem Natura. No anúncio da Natura, apesar da existência da troca simbólica entre a idéia que a mulher faz de si e o que deseja para si, por meio da sedução, essa fantasia está mais próxima da realidade (MARCONDES FILHO, 1988). Mesmo com a sugestão do consumo de cosméticos para esconder seus defeitos, a peça confirma a existência dessa nova tendência na publicidade nacional. Durante a realização da seleção das peças que comporiam esse item do trabalho, foram encontradas diversas outras publicidades com esse caráter. Confirmando a existência de novas tendências do ideal de beleza e da boa forma, notou-se que a presença da mulher negra está mais freqüente. Apesar disso, a afirmação de Buitoni (1990) de que a negra e a oriental são raramente retratadas nas revistas, de certa forma a afirmação ainda vale na atualidade, já que a mulher oriental foi encontrada em apenas um anúncio [Senac/ Veja, nº 22, 4 junho de 2003]. A mulher negra aparece também em publicidades do Banco Real [Veja, nº 29, 23 julho de 2003]; da empresa de telefonia celular Vivo [Playboy, nº 334, maio de 2003]; da Avon, de produtos de beleza [Veja, nº 19, 14 maio de 2003]; do Senac, que divulga cursos técnicos [Veja, nº 24, 18 junho de 2003]; e da empresa química Basf [Veja, nº 18, 07 maio de 2003] que, além da mulher retrata o homem negro. O aparecimento da raça negra retrata a realidade da pesquisa Veja, que mostra que a mulher brasileira tem cabelo castanho, e 44% tem cabelo ondulado (cf. p.33). Ainda em relação à inclusão da raça negra na publicidade, verificou-se também a mistura de raças no casamento numa peça da Banco Real [Veja, nº 23, 11 de junho de 2003]. Nesse anúncio a esposa é branca e o marido é negro, o que também reflete o que acontece na realidade. Foram detectadas também mudanças no padrão de beleza dos anúncios de produtos que visam retardar o envelhecimento. As publicidades do Renew da Avon [Veja, nº 20, 21 de maio de 2003] e do Age Perfect da L’oréal [Claudia, nº 05, maio de 2003], usam imagens de mulheres mais maduras e que, diferentemente de muitos outros anúncios, apresentam algumas marcas de expressão no rosto. Essas imagens retratam as mudanças culturais da nossa sociedade, em que mulheres e homens têm expectativa de vida maior e que na faixa dos 40/50 anos estão em plena atividade profissional e social (cf. 32, em que a pesquisa mostra que a expectativa de vida das mulheres é de 73 anos). A tendência de retratar a mulher mais próxima do real pôde ser verificada ainda em uma publicidade da Loony Jeans [Claudia, nº 06, junho de 2003] que, além da atriz Daniele Winits, considerada um símbolo sexual da televisão, apresenta uma modelo gordinha. Nessa peça, a presença da mulher acima do peso, introduz elementos mais próximos da realidade da mulher consumidora, que não é tão magra quanto às modelos – conforme pesquisa Veja, a mulher brasileira mede 1,58m e pesa 61 quilos. Esse anúncio confirma que o ideal de beleza e da boa forma de Vestergaard & Schroder (1996) ainda segue presente na publicidade, porém, de maneira diferenciada da original. 1. O ideal de feminilidade Conforme Vestergaard & Schroder, o ideal da feminilidade é encontrado em anúncios em que o homem é o receptor da mensagem. A publicidade que representa fielmente o modelo proposto pelos autores foi publicada em uma revista dirigida ao público masculino, Playboy. Segundo eles, o ideal da feminilidade tende a retratar a subserviência feminina mostrando-as como prostitutas ou criadas. O anúncio da clínica de estética Le Ru [Playboy, nº 334, maio 2003] retrata a mulher como prostituta, já que ela aparece seminua com apenas as partes mais íntimas cobertas. O registro visual é constituído da imagem mulher, que visa despertar o interesse do receptor pela nudez, tem função emotiva. Essa imagem constitui o nível icônico da peça. Denotações: uma mulher bonita [segundo códigos correntes], de silhueta magra, bronzeada, aparentemente nua, cobrindo os seios com as mãos e a genitália com uma toalha. Conotações: no nível iconográfico, a imagem da mulher seminua que olha de forma convidativa ao leitor, conota sensualidade e sedução na cultura nacional. Para divulgar seus serviços, a clínica Le Ru se utiliza da figura feminina como meio de estimular o público masculino a procurar a clínica. Assim, conclui-se que, ainda na contemporaneidade, a mulher continua a ser representada como a liberada e a marginal dos anos 70 (BUITONI, 1981). Nessa publicidade a imagem da mulher aparece como uma forma simbólica (THOMPSON, 2002) de valorização da beleza feminina e da sua subserviência ao homem. Ou seja, o anúncio da Le Ru transmite, além da ideologia do culto à beleza e à forma feminina, a ideologia da mulher como objeto sexual. Objeto esse que pretende orientar a ação dos homens no sentido de procurar a clínica. Ao colocar em sua ‘vitrine’ uma mulher semi nua, a publicidade da Le Ru pretende fazer com que o leitor se sinta frustrado e fantasie que, ao procurar a clínica, ele ficará bonito e conseguirá estabelecer algum tipo de relacionamento com mulheres como a estampada no anúncio. Ou ainda, fantasiar que na própria clínica ele terá oportunidade de conhecer, contatar mulheres bonitas e sensuais, conferindo, assim, um valor simbólico ao produto anunciado [serviços estéticos]. Nesse anúncio, a mulher continua sendo representada como a que quer ser bela para o homem [cf. p.40]. Outra explicação para a utilização da mulher em uma publicidade dirigida aos homens é o serviço divulgado: estética. A cultura machista brasileira [principalmente os homens] não aceita a figura de um homem em uma clínica de estética; daí a mulher simbolizando a beleza masculina. Subentende-se, portanto, a antonomásia: “a mulher é uma objeto sexual que atrai o homem, que está a serviço do homem e sujeitas às suas vontades”. No nível tropológico, as cores frias estão representadas pelo fundo cinza e pelo azul da logomarca da clínica e pelo branco da toalha, que conotam juventude e feminilidade. Já as cores quentes estão representadas no anúncio pelo rosa presente na logomarca da empresa, que sendo a combinação das cores vermelha e branca, conota desejo, excitação, dominação e sexualidade (FARINA, 1990). No nível tópico, a premissa resume-se à seguinte: se você quer parecer bonito e sexy e atrair mulheres igualmente bonitas e sensuais, a Le Ru oferece-lhe serviços estéticos em ala separada das mulheres, já que a cultura machista tem forte presença no Brasil e muitos homens não se sentiriam a vontade em admitir que querem melhorar a aparência física contratando serviços de uma clínica de estética. Registro verbal: a função conativa compreende o título ‘Neste Clube De Mulheres Homem Também Entra*...’ e as frases ‘Resultado garantido logo na 1ª sessão, é só aqui na Le Ru.’ e ‘Sempre tem uma Le Ru pertinho de você.’ , que aparecem do lado direito do canto inferior da página. A função referencial compreende a frase ‘*Alas masculina e feminina totalmente separadas.’ e as informações sobre desconto, telefones de contato e localidades. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal, que inclui as informações sobre descontos e sobre os locais de funcionamento da clínica, orientam o código não verbal [imagem da mulher] sugerindo à empresa sensualidade, beleza e juventude, que serão transferidos a quem fizer uso de seus serviços. Confirma-se nessa publicidade, a existência da troca simbólica por meio da sedução entre o que o homem fantasia, deseja e se frustra na realidade (MARCONDES FILHO, 1988). O anúncio da Le Ru transmite a ideologia do machismo, já que o papel da mulher se projeta para o homem visando reforçar a imagem da sociedade machista em que o homem é o ser dominante. As ideologias do consumo e do mito da mulher bela e jovem também são transmitidas nessa publicidade. 1. A nova tendência do ideal de feminilidade O anúncio de página dupla do telefone móvel da Siemens [Veja, nº 27, 09 de julho de 2003] traduz a nova tendência do ideal de feminilidade já que não retrata a subserviência da mulher. Confirmando que o casamento ainda é uma instituição desejada por homens e mulheres, essa publicidade coloca a mulher na posição que seria, culturalmente, do homem [ela aparece com a mão na nádega do homem]. Denotações: um homem e uma mulher, ambos jovens. Ela aparece de perfil, vestida de noiva, e ele, vestindo um terno preto, aparece de costas. A mulher está com a mão esquerda em uma das nádegas do homem. Alguém fotografa. Também há a figura do celular divulgado no anúncio. Conotações: no nível iconográfico, a impressão que se tem é que o homem e a mulher acabam de se casar [ela está com a aliança na mão esquerda] e estão chegando ao local onde será celebrada a festa. O brinco de pérola e diamante da mulher e o estilo do vestido que usa, assim como a roupa do homem, remetem, na cultura nacional, aos significados de elegância, status e riqueza. Num momento de intimidade, a mulher pega em uma das nádegas do marido, o que conota significados de liberdade, modernidade e mudança. As vestes do casal conotam a tradição do casamento. A imagem da mulher com a mão na nádega do homem aparece nesse anúncio como a forma simbólica da inovação dos costumes e da tradição. Ou seja, a publicidade da Siemens associa a essa conotação da imagem a tradição da sua marca com a inovação e a liberdade que será transferida àquele que adquirir o produto oferecido (THOMPSON, 2002). Dessa forma, a publicidade confere ao telefone móvel um valor simbólico de inovação, fenômeno verificado na pesquisa da Veja, que mostra que elas têm, em média, três parceiros sexuais antes de se casar, gostariam de ter uma vida sexual mais ativa (cf. p.36) e 60% defendem a produção independente de filhos (cf. p.33). O que remete a antonomásia “a mulher está sendo impulsionada pelos seus desejos sem esperar a atitude do homem”. No nível tropológico, as cores frias estão representadas pelo branco do nome da marca e do vestido da mulher, o preto do terno do homem e do fundo da peça e o azul da caixa onde está inserido o texto, que conotam nobreza e sofisticação. As cores quentes estão representadas nesse anúncio pela cor vermelha da letra ‘M’ da palavra ‘Mobile’ e pelo alaranjado da faixa inserida na caixa de texto, e conotam euforia, sexualidade e prazer. O amarelo do fundo da peça remete idealismo e espontaneidade (FARINA, 1990). No nível tópico, a premissa dessa publicidade é: para você que preserva a tradição mas ao mesmo tempo quer inovação, a Siemens lhe oferece o modelo S55, um telefone celular tradicional e de última geração. Registro verbal: a função referencial predomina no título do texto ‘Siemens S55. O primeiro celular com câmera e flash.’, assim como o texto ‘Celular é pouco, ele é multimídia: envia e recebe mensagens com som, imagem e texto. Acessa e-mails e navega em alta velocidade na web. Tem fone de ouvido sem fio e tecnologia Bluetooth, viva –voz embutido e display colorido. E ainda faz fotos no escuro. Ou seja, cuidado. A noite vai estar cheia de paparazzi. Viva a inspiração’ e também no endereço eletrônico da empresa no canto superior da página direita. O subtítulo ‘Vacilou? Flash.’ tem função conativa e emotiva, pois instiga o leitor a comprar o produto pela sua versatilidade. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal tem função predominantemente estética e emotiva, no título Vacilou? Flash.’, para chamar a atenção para o código não verbal [imagem do casal]. O texto expressa as informações sobre o produto e retorna a mensagem sugerida na imagem, resultado de um flagrante. É conferido ao celular um valor simbólico, ou seja, a necessidade de obter status é concretizada no consumo de inovações tecnológicas (MARCONDES FILHO, 1988). Assim, a ideologia transmitida no anúncio é a do consumo, que relaciona o modo de ser do indivíduo à compra das classes dominantes que visam, por sua vez, preservar o sistema capitalista relacionando o ser [o que pensa de si] com o ter. 4 O ideal da mulher independente O anúncio do Unibanco [Veja, nº 30, 30 de julho de 2003] se enquadra perfeitamente na descrição do ideal da mulher independente descrito por Vestergaard & Schroder. Esses autores afirmam que, quando a imagem da mulher economicamente independente aparece na publicidade, seu trabalho pertence ao cargo de maior prestígio, comparável aos dos homens. Nessa publicidade, de página dupla, o mundo do trabalho feminino está igualado ao masculino. Com função conativa e estética, o registro visual é constituído da imagem da mulher segurando uma tabela de tarifas bancárias e do homem medindo essa tabela. Tal imagem constitui, portanto, o nível icônico do anúncio. Denotações: um homem e uma mulher, ambos aparentando mais de 35 anos. Ele aparece vestindo um terno cinza e ela também veste um terno cinza, de modelo mais afeminado. A mulher apresenta a tabela para o leitor e o homem mede o quadro de tarifas bancárias com uma fita métrica nas mãos. Essa imagem remete a significados conotativos. Conotações: no nível iconográfico a imagem da mulher com um traje masculinizado, ou melhor, que praticamente se iguala ao do homem, conota a idéia de que ela, assim como o homem é dona ou administradora de uma empresa. A aparência jovem e sofisticados dois remete, na cultura nacional, aos significados de sucesso, riqueza e status, mas também de preocupação com a boa aplicação de seu dinheiro [por isso a fita métrica]. A imagem do homem e da mulher aparecem no anúncio como uma forma simbólica de valorização do sucesso profissional, que por sua vez, trazem riqueza e status. Em outras palavras, a publicidade do Unibanco transmite a ideologia da valorização dos papéis desempenhados pelos altos executivos que compõem a sociedade capitalista. Valorização essa que pretende induzir o público-alvo a se igualar com os personagens do anúncio e adquirir os serviços oferecidos pelo banco. Subentende-se nesse anúncio a antonomásia: “a mulher só alcança o sucesso profissional como executiva”. No nível tropológico, as cores frias, que estão representadas pelo cinza das roupas do casal e do fundo da peça e pelo preto que funciona como uma moldura do anúncio, remetem a significados de seriedade, profissionalismo e solidez [do banco e também do status dos personagens]. O vermelho do número que compõe o slogan da empresa ‘O Único 30 horas com você’ e o quadro de tarifas, assim como o amarelo, representam as cores quentes e conotam significados de força, ação, agressividade e idealismo (FARINA, 1990). No que se refere às figuras de linguagem, a presença do paralelismo sintático pode ser notado nessa parte do texto: ‘...Se sua empresa usar os serviços de cobrança, desconto de títulos ou folha de pagamento Unibanco, ela vai pagar cada vez menos tarifa. Se usar os serviços da internet, vai pagar menos tarifa. E é claro, se sua empresa investir no Unibanco, vai pagar menos tarifa...’ . A construção das frases se utiliza da combinação de palavras em estrutura sintática repetidas ao longo do texto. São elas: ‘se sua empresa’ e ‘pagar menos tarifa’. A premissa dessa publicidade, que compreende o nível tópico, é a seguinte: se você é um administrador de empresas, com sucesso profissional, o Unibanco lhe oferece seus serviços bancários para você alcançar seus objetivos. Registro verbal: as funções conativa e referencial estão presentes no título ‘Quanto sua empresa quer pagar de tarifa? Nada? Tudo bem.’ e no texto destacado na parte superior da página direita da peça: ‘CONTA SOB MEDIDA. Quanto mais a sua empresa usar o Unibanco, menos tarifa ela vai pagar. Nenhum banco tem nada parecido. Se sua empresa usar os serviços de cobrança, desconto de títulos ou folha de pagamento Unibanco, ela vai pagar cada vez menos tarifa. Se usar os serviços da internet, vai pagar menos tarifa. E é claro, se sua empresa investir no Unibanco, vai pagar menos tarifa. Podendo facilmente chegar a zero. Se a sua empresa já é cliente Unibanco, ela já está participando automaticamente da conta Sob Medida’. ‘Se ainda não é, ligue para 0800 788 182 ou acesse www.unibanco.com.br e abra sua conta PJ.’ Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal [‘CONTA SOB MEDIDA’] orienta o registro visual [imagem do homem com a fita métrica] conferindo ao serviço Unibanco características que manterão sucesso profissional e riqueza aos seus clientes. Confirma-se, então, a existência da troca simbólica entre o que os empresários desejam e o que o banco oferece. Essa representação da mulher, porém, é fantasiosa, pois na pesquisa da Veja, seis em cada dez mulheres defendem a permanência da mulher em casa se o marido tiver boa renda; 45% defendem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho; seis em cada dez consideram sua ocupação profissional como um emprego e não como uma profissão (cf. p.33 e p.34). 1. A nova tendência do ideal da mulher independente Contrariando a regra estabelecida por Vestergaard & Schroder para o ideal da mulher independente, retratada apenas no cargo de maior prestígio e igualada ao homem, o anúncio do Banco do Brasil [Veja, nº 29, 23 de julho de 2003] apresenta, em destaque, uma mulher negra como representante da nova tendência desse modelo. Denotações: com funções estética e referencial, em primeiro plano aparece uma mulher negra, em uma oficina de artesanato, fabricando um peça em argila. Ela olha sorridente para o receptor. Ao fundo nota-se a presença de uma segunda mulher, branca, que conversa com um homem negro. Eles também desenvolvem alguma atividade artesanal e todos estão vestidos com aventais e usam roupas nas mesmas cores dentro da bandeira do Brasil. Conotações: no nível iconográfico, a imagem da mulher negra conota que ela é uma mulher independente financeiramente, ou seja, que ela trabalha e ganha seu próprio dinheiro com as peças artesanais que fabrica. Como o alvo da publicidade são donos de empresa, entende-se que a mulher negra é a dona da empresa retratada, expressando uma nova tendência do ideal da mulher independente, porém que foge ao padrão da alta executiva. Outro fator importante nessa definição é o fato de retratar a trabalhadora com uma mulher negra e não com uma mulher branca, o que traz à publicidade, de um modo geral, o início da inclusão do negro como representante desse ideal. Ao fundo, a mulher branca e o homem negro trabalham e conversam animadamente, ela aparece sorrindo, o que remete à satisfação com o trabalho desempenhado. A imagem da mulher em primeiro plano, assim como o homem e a mulher que fazem parte do plano seguinte, aparecem como uma forma simbólica (THOMPSON, 2002) da harmonia no trabalho e da prosperidade financeira. Assim, esse valor simbólico conferido à empresa transmite a ideologia do sucesso profissional, almejado pela maioria dos componentes da sociedade. Ou seja, se o administrador contratar os serviços oferecidos pelo banco ele alcançará sua plenitude financeira. Nessa publicidade subentende-se a antonomásia “a mulher de sucesso em outra profissão que não seja a de alta executiva”. O tecido do avental da mulher negra é xadrez azul claro e sua blusa é amarela. O avental da mulher branca é amarelo, sua camisa é azul escuro e sua calça branca. O homem negro veste calça e avental azuis escuros e camiseta branca. Todo os utensílios de trabalhos da ‘cena’ acompanham as mesmas cores e tonalidades, que são as mesmas cores do logotipo do Banco do Brasil. No nível tropológico, verifica-se que as cores do anúncio são, além das cores do Banco do Brasil, as cores da bandeira do Brasil. As cores frias aparecem representadas pelo azul e pelo verde que remetem a significados de confiança, amizade, bem-estar e saúde. E as cores quentes aparecem representadas pelo amarelo que conota sentimentos de conforto, gozo e idealismo. O branco, por sua vez, remete aos sentimentos de ordem e estabilidade (FARINA, 1990). A imagem do trabalho expressa metonimicamente uma parte da bandeira brasileira, ou seja, uma parte do Brasil. Registro verbal: com funções referencial e estética, o título ‘Quem faz o Brasil crescer tem o apoio do Banco do Brasil.’ ; o subtítulo ‘O tempo todo com sua empresa.’ oferecem informação sobre o serviço em linguagem ritmada. O texto informa sobre o serviço mais detalhadamente, número de contato telefônico e página na internet. Relação entre os dois registros: no nível entimemático, o registro verbal orienta o código não verbal [imagem] transferindo aos serviços do banco qualidades como estabilidade financeira e sucesso na profissão que, por sua vez, serão transferidas à quem adquirir tais serviços. Assim, conclui-se, que ao sugerir o consumo dos serviços oferecidos, há uma troca simbólica entre o que é desejado pelo receptor e o que o banco oferece (MARCONDES FILHO, 1988). Essa realidade da mulher trabalhadora aparece nas pesquisas da Veja que mostram a mulher como provedora financeira da família em 26,7% dos lares brasileiros (cf. p.34) e o que elas mais desejam na vida é obter sucesso profissional [1º lugar], ter mais dinheiro [2º lugar], viajar mais [3º lugar], ter casa própria [4º lugar]. Durante a realização da seleção da peças que fariam parte desse trabalho, outros exemplos de novas tendências do ideal da mulher independente foram verificados. Um deles é o anúncio dos cartões de alimentação Ticket [Veja, nº 18, 07 de maio de 2003] que mostra mulheres e homens, que mesmo em posições diferentes de hierarquia ou diferentes profissões, os retrata de forma igualitária, fora dos cargos executivos. Nesse anúncio, eles aparecem todos com roupas similares e da mesma cor e todos no mesmo plano. Outra novidade foi encontrada numa publicidade de serviços do Banco do Brasil [Playboy, nº 336, julho de 2003] que tem como figura uma mulher. O interessante nesse caso, é que se trata de um anúncio dirigido ao público feminino veiculado em uma revista onde os leitores do sexo masculino compreendem 79%. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após as análises, verificou-se que a imagem da mulher segue novas tendências de representação na publicidade brasileira. No que se refere ao ideal de domesticidade, conclui-se que na atualidade, ele permanece na publicidade retratando a mulher como a responsável pela felicidade e equilíbrio da família. Porém, há uma nova tendência de representar a mulher nesse modelo: o homem começa a assumir papéis no casamento e na sociedade antes exclusivos do sexo feminino – cozinhar, cuidar dos filhos – dividindo, assim, as responsabilidades com a mulher. O ideal da beleza e da boa forma ainda permanece: a mulher representada como a eterna jovem e bela. Entretanto, a inclusão da mulher negra em posição social igual à da branca, da mulher mais velha, da de meia idade, da oriental e da gordinha refletem uma nova tendência. O ideal da feminilidade também segue presente na publicidade das revistas brasileiras: a mulher ainda é a prostituta ou a crida do homem. Mas, hoje, os anúncios começam a evidenciar a mulher liberada sexualmente, que toma atitudes em relação ao sexo e relacionamento, o que era permitido tradicionalmente só aos homens. A mulher independente, na sua forma ideal, continua sendo retratada nos anúncios como aquela que imita o trabalho executivo masculino. Porém, a publicidade começa a mostrar a mulher que desempenha uma profissão mais próxima das suas características [e se sente feliz por isso], fugindo ao padrão da alta executiva que imita o homem – por exemplo: trabalhos artesanais e cargos comuns, ou seja, não executivos. Dentre todas as revistas, verificou-se que a Veja é a publicação que mais retrata essas novas tendências, apesar de apresentar a coexistência dos ideais. Esse fato deve-se ao nível de instrução do público da Veja que, por ser intelectualizado e ter um grau de escolarização elevado, busca na publicidade a reprodução de figuras e situações mais próximas da realidade. Nesse sentido, a publicidade cumpre o seu papel social: o da informação. Constatou-se nesta pesquisa que, assim como há uma mulher com velhas questões, a representação da mulher na publicidade brasileira segue novas tendências embutidas em velhas ideologias. Mesmo nas publicidades que retratam a nova mulher, há: – a valorização da beleza feminina; – a responsabilidade pelo equilíbrio do lar, da família, ou filhos ou marido; – a busca pelo sucesso profissional; – a obrigação da sensualidade, para seduzir o homem. Ideologias que sempre convergem para uma sociedade tradicionalista, machista, em que a mulher não é aceita como é naturalmente, necessitando do uso de cosméticos, de produtos, para cumprir com perfeição seus papéis de mãe, de esposa, e ainda ser sedutora para o homem. Ideologias que mascaram interesses de grupo dominantes, a quem não pretende contestar a realidade e sim preservar as relações capitalistas, transmitindo ideologias de consumo, refletidas na valorização da beleza feminina, na tradição da mulher como responsável pela felicidade da família e no sucesso profissional em que a mulher imita o trabalho masculino – reflexos da sociedade machista. Assim, à publicidade subjaz ainda a fantasia e o ideal, mas, a boa notícia, ou a grande descoberta, é que tem procurado uma maior proximidade com a realidade, que não cessa de mudar. Esse real, porém, aparece por troca simbólica, embora não predomine na maioria dos anúncios. É claro que a realidade nunca estará tal como ela é, já que as pessoas precisam satisfazer suas fantasias e sonhos. Diante dessas considerações, conclui-se que apesar de muitos modelos e estereótipos permanecerem presentes na publicidade brasileira, ela está caminhando para uma mudança na representação feminina. Mudança que reflete os movimentos e tendências da sociedade e que apontam para uma nova mulher com velhas questões. Isso confirma o papel da publicidade que não pretende instituir novos comportamentos, e sim retratar aqueles já instituídos.