Avaliação, Acreditação e Gestão do Ensino Superior em Angola: percepções, desafios e tendências Maria da Conceição Barbosa Rodrigues Mendes1 Universidade Katyavala Bwila [email protected] Eugénio Alves da Silva2 Universidade do Minho [email protected] Resumo Ao longo dos últimos anos, têm sido operadas mudanças substanciais no subsistema do ensino superior em Angola, fundamentadas na necessidade de se assegurar a expansão ordenada da rede de instituições de ensino superior (IES) de modo a assegurar uma distribuição geográfica mais equilibrada. Neste contexto, a avaliação institucional é aludida como mecanismo de regulação e de melhoria da qualidade institucional num panorama em que as dinâmicas institucionais são caracterizadas pela ausência de práticas estruturadas, sistemáticas e de uma cultura de (auto)avaliação. No entanto, as poucas práticas revelam que a avaliação emerge, pelo menos discursivamente, associada à regulação, à melhoria da qualidade e à acreditação das IES. Assim, pretende-se construir um quadro que permita compreender as articulações entre os actores envolvidos, identificar os significados conferidos à avaliação institucional, a partir da análise das percepções dos actores e das tendências subjacentes à legislação existente. Palavras-chave: avaliação institucional; regulação; prestação de contas; melhoria institucional; qualidade educativa. 1 Maria da Conceição Barbosa Rodrigues Mendes é Vice-Decana para a área académica na Faculdade de Economia, Professora Associada da mesma Faculdade e do Instituto Superior de Ciências da Educação da Universidade Katyavala Bwila, em Benguela, Angola e investigadora colaboradora do Centro de Investigação em Educação da Universidade do Minho em Braga, Portugal. 2 Eugénio Alves da Silva é Professor Auxiliar do Instituto de Educação da Universidade do Minho e investigador do Centro de Investigação em Educação da mesma universidade, em Braga, Portugal. 1 Introdução O actual processo de reestruturação do subsistema de ensino superior em Angola visa essencialmente regular e corrigir pontos de estrangulamento identificados, de modo a conferir maior eficácia à gestão das Instituições de Ensino Superior (IES). Para o efeito, têm sido operadas mudanças significativas ao nível da estrutura central do governo, sendo as mais recentes a criação da Secretaria de Estado para o Ensino Superior (SEES) que funcionou como órgão do Governo encarregue da concepção e coordenação da implementação das políticas do Estado para o subsistema de ensino superior, o que vigorou até Março de 2010, altura em que, por força da adequação dos órgãos centrais ao novo figurino estabelecido pela nova constituição da República, foi criado o Ministério do Ensino Superior da Ciência e Tecnologia (MESCT), cuja orgânica absorveu e acomodou a SEES como um subsector desse departamento ministerial (Decreto Legislativo Presidencial n.º 1/10, de 5 de Março). Nesse processo de mudanças substanciais na organização e estruturação do sector do ensino superior, particular atenção tem sido conferida à avaliação das IES, sendo referenciada como um instrumento que pode vir a permitir, por um lado, a realização de uma radiografia mais completa da situação actual do ensino superior em Angola e a promoção da qualidade e, por outro, servir de mecanismo de prestação de contas. Acentua-se, assim, a dimensão reguladora da avaliação na projecção da melhoria da qualidade do serviço educativo, como base para a construção da credibilidade social que se pretende para o ensino superior em Angola. 1. Avaliação e acreditação no Ensino Superior em Angola No contexto actual de desenvolvimento de Angola em geral, e do subsistema de ensino superior em particular, os termos ‘qualidade’, avaliação e credibilidade têm assumido acentuado destaque, passando a fazer parte, de forma explícita e/ou implícita, das narrativas correntes e de algumas práticas institucionais, ainda que episódicas. Do mesmo modo, acentuam-se os questionamentos à volta da qualidade dos serviços prestados pelas IES, incluindo da formação, havendo narrativas que apontam a ineficácia e ineficiência dos processos e práticas institucionais, decorrentes de diversos pontos de estrangulamento tais como: as distorções na concepção de IES, debilidades no domínio da gestão, do 2 financiamento, dos currículos, do corpo docente e do corpo discente (SEES, 2005). Assim a necessidade de melhoria da qualidade dos serviços prestados tem sido sustentada em razões internas e razões externas ao subsistema. Entre as razões internas são referenciadas, por exemplo, as baixas taxas de promoção de estudantes, sendo que apenas 5 a 20% destes atingem o último ano do curso sem reprovação e o elevado índice de abandono escolar (Nascimento, in SEES, 2005), o que representa perdas consideráveis ao longo do curso. Como razões externas são encontradas referências sobre a fraca pertinência dos cursos o que se tem reflectido na desproporção entre a quantidade de diplomados e face às demandas dos vários sectores do país em termos de quadros (idem, ibdem). É neste panorama que a concepção e a implantação de um sistema de avaliação das IES têm sido referenciadas como uma ferramenta que poderá contribuir para aferir e promover a qualidade dos serviços prestados pelas instituições de ensino superior público em Angola, bem como (re)conquistar a credibilidade desejada tanto ao nível nacional como regional e internacional. A revisão de documentos diversos sobre a educação em Angola, substancialmente a de ordem legislativa e relatórios de estudos efectuados no âmbito da avaliação, permite inferir que as preocupações sobre a qualidade, a acreditação e a avaliação do ensino superior em Angola não constituem um elemento novo. No entanto, têm adquirido maior relevância e consistência, principalmente a avaliação, nos últimos anos, figurando entre as prioridades do Governo, expressas em normativos que incorporam a intenção de se concretizar a avaliação no subsistema de ensino superior por via de um sistema que corporiza dois níveis de intervenção (nível nacional, a ser operacionalizado por estruturas integradas no órgão de tutela, especificamente o Instituto de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (INAAES) e, ao nível local, a ser accionado por cada uma das universidades e IES). As referências sobre a avaliação do sistema educativo em Angola, do qual o ensino superior é parte integrante, são encontradas de forma explícita na legislação sobre este sistema, de tal sorte que a Lei de Bases do Sistema Educativo em Angola (Lei nº 13/01, de 31 de Dezembro) estabelece que este “é objecto de avaliação contínua com incidência especial 3 sobre o desenvolvimento […], tendo em conta os aspectos educativos, pedagógicos, psicológicos, sociológicos, organizacionais, económicos e financeiros” (art. 63º). A avaliação institucional do ensino superior é também reportada nas Linhas Mestras definidas para a Melhoria da Gestão do Ensino Superior, na sua dimensão interna e externa, sendo patente a sua vinculação com a qualidade e a sua conformação num sistema que articule a avaliação interna e a externa. Nestes termos, a linha mestra aa) expressa e aponta literalmente a necessidade de “adoptar um sistema de avaliação (interna e externa) da qualidade das IES articulada com sistemas específicos de avaliação da qualidade de cada instituição de ensino …” (Resolução n.º 4/07). O Plano de Implementação das Linhas Mestras, concebido como um conjunto de acções que visam operacionalizar as linhas mestras, alude, entre os imperativos atuais “melhorar significativamente a qualidade do ensino ….; promover a investigação científica…” (Nascimento, in SEES, 2006: 7). Para o efeito, são apontadas acções orientadas para a melhoria dos recursos humanos, materiais e financeiros, bem como para a promoção da actividade académica e pedagógica como eixos que poderão assegurar uma qualidade de serviços ao nível das IES no país. A avaliação é ainda invocada como um instrumento regulador do subsistema, dado que a mesma é vista como necessária e indispensável para a “definição da situação legal de cada instituição do ensino superior, bem como de cada uma das suas unidades orgânicas e de cada um dos seus cursos” (SEES, 2006, p. 14). A questão da qualidade e sua garantia são retomadas nas designadas Normas Gerais Reguladoras do Subsistema do Ensino Superior (NGRSES), por um lado, como atribuições do Estado, já que deve assegurar condições que visam garantir “um elevado nível de qualidade nos domínios pedagógico, científico, tecnológico e cultural das instituições de ensino superior” (Decreto 90/09, de 15 de Dezembro). Por outro lado, a qualidade dos serviços prestados no ensino superior, é postulada como um dos princípios específicos, cuja definição ressalta uma perspectiva de cobertura da actuação das IES, já que, com este princípio, se pretende assegurar a observância de padrões elevados de qualidade do ensino, da investigação e da extensão universitária (Decreto nº 90/09, de 15 de Dezembro), cuja garantia é inscrita entre as atribuições do órgão de tutela. Portanto, a avaliação é associada ao controlo e garantia da qualidade educativa, salvaguardando o legítimo interesse público. 4 O MESCT, na prossecução da sua missão, deve “promover o desenvolvimento, a modernização, a qualidade, a competitividade e a avaliação do subsistema de ensino superior […]” (Decreto Presidencial n.º 70/10). Pelo acima descrito, percepciona-se que o Estado vê-se obrigado a garantir e a assegurar condições para a formação plena dos cidadãos, aliás, entre as suas tarefas figura “promover a excelência, a qualidade, a eficiência e a modernidade no desempenho dos cidadãos, das instituições e das empresas e serviços, nos diversos aspectos da vida e sectores de actividade” (Artigo 21º, Constituição da República de Angola, 2010). Aqui fica expresso o seu papel de guardião, na base do qual se assume como regulador e controlador do subsistema do ensino superior. 2. Articulações entre o Estado e as IES no campo da avaliação Convocando algumas ideias apresentadas por Ana Seixas pode-se inferir que o quadro acima descrito denuncia alguma tendência para a emergência de um Estado Avaliador, se se tiver em linha de conta o facto de se estar a desenhar “a concentração da administração central na dimensão estratégica de desenvolvimento do sistema, definindo objectivos e os critérios de qualidade do produto final […]; e a ênfase na auto-regulação das instituições” (Seixas, 2002, p. 311). Portanto, o Governo chama a si a responsabilidade de “definir e orientar a execução da política nacional do Estado sobre o ensino superior” (decreto nº 90/09, de 15 de Dezembro), cuja implementação é assegurada pelo órgão de tutela; do mesmo modo, é acentuada a necessidade das IES promoverem a sua auto-regulação, neste caso, através da avaliação interna, cujos resultados são, de certa forma, determinantes para a credibilização destas instituições. No que diz respeito à avaliação institucional, colocam-se também questões relacionadas com a autonomia das universidades. Essas questões podem ser encontradas em vários normativos, nos quais se atribui ao órgão de tutela competências como: “definir critérios gerais de avaliação do desempenho das instituições”; “criar mecanismos que assegurem a avaliação externa da qualidade dos serviços prestados […]”; “apreciar e avaliar o mérito da actividade e desempenho das instituições de ensino superior”, bem como “homologar os regimes de avaliação interna das instituições de ensino superior […]” (Decreto nº 90/09, de 15 de Dezembro). 5 Neste quadro, é estabelecido que a avaliação das IES se estrutura em avaliação interna e externa (Decreto nº 90/09, de 15 de Dezembro), assumindo-se a primeira como responsabilidade das IES, com carácter obrigatório e permanente, assente na verificação de aspectos relacionados com os cursos e com as dimensões académica e administrativa. Do mesmo modo, o Estado defende a qualidade das IES (públicas, privadas e/ou público/privadas), enquanto bem ou interesse público que, segundo House (2000), leva em consideração o que as pessoas têm em comum, enquanto membros do público, pressupondo-se a consideração daqueles interesses partilhados por todos e, consequentemente, deixando de fora aqueles que são divergentes ou particularistas. Nestes termos, a dimensão política da avaliação manifesta-se ao nível interno da organização e ao nível externo pois constitui-se como um jogo político que transcende os limites organizacionais, neste caso, da universidade, se se tiver em conta que os programas e políticas da universidade devem incorporar e são influenciados por diversos modos de interesse, entre os quais sobressai o interesse público aqui representado pelo Estado. Por aqui se percepciona que o Estado, para a maioria das suas realizações no âmbito do subsistema do ensino superior, conta com os resultados da avaliação institucional para a tomada de decisões afetas à manutenção ou não de cursos e instituições em função dos índices de qualidade apurados nos processos de avaliação. Ao Estado, dentro das suas responsabilidades e políticas educativas, é conferida legitimidade para o estabelecimento das balizas, ou seja, das linhas e orientações gerais que devem nortear e regular a avaliação das IES, situação que deve ser entendida num sentido positivo, dado que a universidade, a partir desses parâmetros, deve assumir uma prática organizacional responsável e autónoma, pautando a acção por elevados padrões de qualidade. Nesta relação do Estado com a universidade, no âmbito da avaliação, o primeiro geralmente pode assumir duas posições distintas: controlador ou supervisor. No primeiro caso, conforme explica Leite (2003, p. 66), reportando Neave e Van Vught (1994), o Estado teria a legitimidade para, de forma centralizada, estabelecer as políticas públicas de educação, os planos e a legislação complementar, no âmbito do princípio da homogeneidade legal, assumindo o controlo das IES. 6 No segundo caso, o modelo de supervisão estatal, obedece ao princípio da diversidade e da aceitação do mercado como elemento para a diversificação das instituições de ensino superior, onde o Estado exerce uma supervisão mais distanciada, estabelecendo os parâmetros da qualidade. Neste modelo, até certo ponto, a autonomia das IES é respeitada, onde o Estado incorpora a figura de Estado Avaliador, mais supervisor do que controlador, usando os resultados da avaliação para a tomada de determinadas decisões. As disposições legais sobre a avaliação acentuam a intenção de se adoptar/conceber um modelo de avaliação integrador, no qual se englobam as diversas variáveis que conformam a dinâmica organizacional das IES, o que aponta para uma perspectiva de avaliação multidimensional. Essa intenção encontra-se expressa na linha mestra aa), ao apontar a necessidade de se adoptar um sistema geral e específico de avaliação interna da qualidade da instituição que venha a incidir sobre “todos os dispositivos educativos” (Resolução n.º 4/07), entre os quais figuram a organização e gestão institucionais, o corpo docente e discente, os recursos financeiros e materiais. De um modo geral, parece-nos que existem alguns pressupostos legais orientadores sobre a avaliação, no entanto, não são encontradas evidências de instrumentos legais que, no âmbito do subsistema do ensino superior em Angola, regulamentem ou definam, em termos mais operacionais, a auto-avaliação, o que, de alguma forma, constitui limitação ao processo. Este factor é apontado como um dos constrangimentos no âmbito da generalização da avaliação interna a todas as Unidades Orgânicas (UO) da UAN, como pode ser entendido nas falas de um dos interlocutores deste estudo: […] a ausência de um sistema integrado, oficial, de garantia de qualidade dentro da universidade não permitia que todos os Decanos estivessem em consonância e considerassem a avaliação institucional como uma prioridade e obrigatoriedade. Face a essa realidade, percebe-se que, em termos de regulamentação da avaliação institucional no ensino superior em Angola, persiste um certo vazio, dado que o quadro aponta para a ausência de uma política nacional específica que diga respeito à estruturação e forma de implementação deste processo. Daqui decorre a necessidade de se acelerar a concepção e o estabelecimento de normativos que possam configurar o que poderá ser o sistema nacional de avaliação, o qual servirá de referência para a concepção dos sistemas específicos de cada uma das IES, como previsto. 7 Na generalidade, as análises acima apresentadas permitem, à partida, inferir o lugar e o papel que se reserva às IES no processo de avaliação institucional, especificamente no âmbito da auto-avaliação, cuja incidência focaliza a criação de mecanismos de avaliação do desempenho da instituição com vista à promoção da qualidade dos serviços, bem como a concepção do regime específico de avaliação interna em conformidade com o sistema geral de avaliação das IES; Nestes termos, à luz das prerrogativas no âmbito da sua autonomia científica, pedagógica e administrativa, às IES é conferido um protagonismo considerável no processo de avaliação interna, constituindo uma oportunidade para que estas assumam a titularidade deste processo. Este facto, em nosso entender, constitui um primeiro desafio, já que as IES, são colocadas numa situação que, a partida, deve servir para demonstrarem a sua capacidade para mobilizar os vários actores e capacidades internas para esta operação, isto é, a avaliação interna, com base em pressupostos científicos e técnicos adequados. É importante considerar que a avaliação se caracteriza fundamentalmente pela participação institucional, ou seja, “A comunidade universitária deve participar institucionalmente desse processo, tanto nas discussões sobre a concepção, as finalidades e o desenho da avaliação, quanto no levantamento e organização das informações e dados quantitativos, nas pesquisas, interpretações e valorações de carácter qualitativo” (Dias Sobrinho, 2003: 47). O envolvimento e a participação dos atores ajudam a encarar a avaliação como algo útil e necessário ao mesmo tempo que gera dinâmicas de “promoção da qualidade” o que reforça publicamente a imagem de seriedade e rigor com que se constroem as narrativas de uma instituição universitária credível e socialmente útil. É imperioso que as IES angolanas construam uma imagem de credibilidade fundada em avaliações consistentes. 3. Algumas Práticas de Auto-avaliação nas IES em Angola As práticas relacionadas com a avaliação institucional no contexto das IES públicas em Angola reportam-se aos finais da década de 80 e meados da década de 90, como avaliação externa, ao passo que algumas práticas episódicas de avaliação interna se reportam ao ano de 2005. Esta última desenvolve-se por iniciativa própria num quadro de ausência de uma política nacional de avaliação, apesar de a mesma ser reconhecida e referida com certa 8 frequência nos discursos de actores institucionais (internos e externos) e em vários documentos de carácter institucional (regulamentos, planos de desenvolvimento institucional). O processo de reforma curricular cujo programa foi lançado pela UAN em 2002 accionou, de certa forma, determinados processos relacionados com a avaliação interna das suas UO que, ao mesmo tempo, foi tida como elemento promotor da referida reforma. Entre as experiências neste campo, a avaliação interna da Faculdade de Medicina da UAN inscrevese como a primeira e a mais estruturada, ao passo que, em 2008, a Escola Superior Agrária do Kuanza Sul desencadeou o seu processo de auto-avaliação, já num quadro em que a avaliação das estruturas da UAN era uma prioridade. Esta última, conforme o relatório-síntese sobre a avaliação interna (Escola Superior Agrária do Kwanza Sul, 2008), focou essencialmente a apreciação do nível de qualidade dos cursos ministrados na instituição, baseada exclusivamente nas percepções dos estudantes sobre o corpo docente e discente, as disciplinas, as infra-estruturas e os serviços prestados a estes, sendo que, na óptica dos gestores institucionais, a mesma permitiu aferir a qualidade do desempenho institucional. Segundo o relatório final de avaliação institucional da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto (2007), foram incluídas no processo de avaliação várias acções, entre as quais se destaca a avaliação e diagnóstico de carácter científico-pedagógico do curso de Licenciatura em Medicina da FMUAN, com o objectivo de “Descrever o Curso de Medicina e a Faculdade, durante o ano académico 2005/2006, em termos de estrutura, processo e resultados”, abarcando nove dimensões, como sendo: missão e objectivos, programa educacional, avaliação dos estudantes, estudantes, corpo docente, recursos educacionais, avaliação do programa, governança e administração e a renovação contínua, tendo como referencial os Standards Globais para o Desenvolvimento de Qualidade em Educação Médica Pré-Graduada da WFME (Word Federation of Medical Education). Pretendeu-se ainda com a avaliação interna criar bases para a direcção de um processo de reforma curricular bem fundamentado, consequente e relevante. 9 Para a implementação do processo de avaliação interna foi constituída uma comissão3 integrada pelos próprios actores organizacionais, com a seguinte constituição: 7 membros ligados à direcção da Faculdade, designadamente Vice Decanos e chefes de departamento, 2 docentes e 1 representante dos estudantes. Houve intenção de envolver os diversos actores organizacionais internos no processo, a julgar pela marcada tendência de se divulgar e abordar o assunto, de forma específica, em distintos fóruns institucionais, como sendo o Conselho Científico, o contacto directo com os diversos departamentos que integram a Faculdade, bem como a apresentação do projecto de avaliação interna aos actores organizacionais externos, tais como a Ordem dos Médicos, o Ministério da Saúde, e as Organizações Não Governamentais. Segundo a comissão de avaliação interna, concorreram para a implementação do processo um conjunto de factores favoráveis, do mesmo modo que exerceram efeitos adversos alguns factores considerados negativos, entre os quais se resumem os seguintes: Factores favoráveis: existência de uma liderança e estabilidade institucionais que, por um lado, através do envolvimento dos gestores institucionais, ao nível da Faculdade (Decano) e da própria Reitoria da UAN (Reitor, Pró-Reitor para a Reforma Curricular) e, por outro, a existência de um quadro legal assegurado por normativos permitiram a condução do processo e o envolvimento dos actores organizacionais no processo; gestão do projecto, a existência de um projecto de avaliação institucional e de reforma que assegurou, de certa forma, a organização, estruturação e implementação das acções de forma planificada; existência de ferramentas para a avaliação da qualidade, como sendo os normativos e instrutivos da UAN, bem como os Standards Globais da Educação Médica (definidos pela Federação Mundial de Educação Médica - WFME) trabalho em equipe, a criação oficial de uma comissão de avaliação interna, bem como de grupos de trabalho, especificamente o grupo da reforma curricular do curso de medicina e reestruturação institucional (Ordem de Serviço 09/DFM - GD/FMUAN/2008, de 22 de 3 Ordem de serviço nº 06/DFM-GD/2005, de 08 de Agosto. 10 Maio) foi tido como um ponto forte, o que pode ser entendido no quadro da legitimação da referida comissão; parcerias com outras instituições, tais como Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos, tendo conferido certa abrangência ao processo e, do mesmo modo, representado fonte de encorajamento. No entanto, neste aspecto é sublinhada a preocupação relativa a ausência de contribuições específicas sobre os documentos produzidos nesse âmbito e remetidos a esses órgãos; cooperação bilateral e multilateral com a organização mundial da saúde da região Afro, com a faculdade de Medicina do Porto e com a Federação Mundial para a Educação Médica que apoiaram o processo, fundamentalmente na adaptação e aplicação dos standards já referidos; Divulgação do processo através da apresentação de comunicações em eventos científicos nacionais e internacionais e edição e publicação de artigos no website da Faculdade; Progressão lógica do processo, ascendendo de uma avaliação interna para uma avaliação externa; Factores desfavoráveis: A falta de um orçamento específico e a inexistência de financiamento é descrito como uma das limitações ao processo de avaliação interna, dado que, esse processo pressupõe a realização de um conjunto de acções que envolvem gastos, como sendo seminários, subsídios ao pessoal directamente envolvido na materialização das acções, realização de intercâmbios. São apontados como constrangimentos derivados deste quadro as dificuldades na liquidação das despesas relacionadas com serviço se hotelaria, situação que, de certa forma, na óptica do coordenador da comissão de avaliação, inibiu a realização de outras acções; Certo distanciamento da comunidade académica, incluindo alguns actores organizacionais internos à faculdade que, em várias ocasiões, se mostrou distanciada do processo alegando a falta de conhecimento a respeito do mesmo, interpretados como formas de resistência à mudança; 11 Percepção invertida do processo, fundamentalmente em relação às necessidades de reforma curricular, manifestada em atitudes altruístas, conservadoras e de protecção de espaços de actuação, ou seja, na opinião do coordenador da comissão de avaliação, alguns docentes revelaram certa falta de compromisso em relação à definição de aspectos gerais do curso, centrando as suas atenções nas disciplinas sob sua responsabilidade, revelando ainda um forte controlo dos assuntos da sua área de especialidade, reafirmando o seu poder académico; A avaliação interna afigura-se como um embrião, que se espera vir a ser uma prática concreta e sistemática em todas as IES em Angola. Tal ainda não ocorre devido à ausência de pressupostos legais suficientes e à inexistência de uma estrutura organizacional capaz de promover uma cultura permanente de autoconhecimento e auto-regulação ao nível das IES. Isto significa que as práticas avaliativas na UAN ainda se revelam bastante delimitadas e episódicas, incipientes e mal compreendidas, circunscrevendo-se a determinadas dimensões, neste caso à avaliação (parcial) de cursos e do desempenho dos professores. Considerações finais O processo de estruturação de um sistema de avaliação institucional do ensino superior em Angola emerge com características que apontam para a configuração de um processo instituído ao nível central, com abrangência nacional, acentuando-se uma natureza de controlo e regulação das instituições, por parte do Estado, conformando um quadro que tende para o estabelecimento de uma certa uniformidade, em termos de princípios e linhas gerais de avaliação das IES. Para além do respaldo legal que confere ao órgão de tutela competências de regulação, a avaliação tende a converter-se no palco onde os poderes da tutela se confrontam com os legítimos poderes decorrentes da autonomia das IES pelo que a gestão universitária poderá vir a ser marcada, em grande parte, pela capacidade de negociação destas no sentido de não perderem totalmente a titularidade da avaliação, salvaguardando assim a possibilidade de estabelecerem agendas próprias segundo os seus Planos de Desenvolvimento Institucional. Isto é, a avaliação institucional deve emergir da necessidade de aferir os índices de concretização dos objetivos e metas definidos nesses Planos, gerando informação sobre a qualidade do seu desempenho, mais do que das imposições da tutela. 12 Legitimado pelo papel reitor, o Estado absorve um conjunto de competências na fase inicial de estruturação do sistema de avaliação institucional, no âmbito da promoção da autoavaliação, através da definição dos princípios e linhas orientadoras, bem como da homologação do regime de auto-avaliação que se venha a instituir. Partindo do pressuposto de que os estudos revelaram a marcada dissociação entre as funções substantivas da universidade e a pouca relevância de uma cultura de avaliação institucional, os principais desafios direcionam-se para os seguintes aspectos-chave: a) Configuração de um sistema de avaliação interna, com carácter mais democrático e inovador, baseado numa adequação entre os objetivos da avaliação e os objetos a avaliar, segundo uma abordagem avaliativa que contemple as especificidades do trinómio ensinoinvestigação-extensão e que se consubstancie num adequado processo prévio de formação dos agentes avaliadores; b) Concepção/adaptação de modelos ou padrões de avaliação que privilegiem a contextualização, em conformidade com a realidade e condições específicas de cada instituição e, simultaneamente, segundo o princípio da integração nacional, regional e internacional. Significa que o sistema de avaliação interna deve conformar-se às especificidades organizacionais sem excluir os padrões de referência do sistema ‘nacional’, regional e internacional de avaliação, para salvaguardar a afirmação das universidades e demais IES angolanas nos planos nacional, regional e internacional; c) Criação de condições humanas, organizativas e financeiras para viabilizar um processo de avaliação credível que possa fornecer um retrato institucional o mais objectivo e completo, numa lógica de desenvolvimento e melhoria, constituindo-se numa condição essencial para a credibilização social da própria universidade. É preciso que a avaliação institucional cumpra, para além das suas funções simbólica, de controlo social, relacionada com a selecção dos indivíduos, e de legitimação política (Afonso, 1998), uma função estratégica de desenvolvimento profissional e organizacional, o que exige maior sustentação teórica e política, para lhe conferir qualidade. Isso inclui a formação adequada dos agentes envolvidos, uma vez que esta é uma condição essencial para conferir legitimidade e seriedade à avaliação e um fator que em muito influi na institucionalização de uma cultura de avaliação. 13 Referências Bibliográficas Afonso, A. J. (1998). Políticas Educativas e Avaliação Educacional. Braga: Universidade do Minho. Angola. Decreto Legislativo Presidencial n.º 1/10, de 5 de Março. Publicado no Diário da República I Série, Nº 42 – Aprova a organização e funcionamento dos órgãos essenciais auxiliares do Presidente da República. Angola. Decreto Presidencial nº 70/10, de 19 de Maio. Publicado no Diário da República I Série, Nº 93 – Aprova o Estatuto Orgânico do MESCT. Assembleia Nacional (2010). Constituição da República de Angola. Publicada no Diário da República I Série, Nº 23, de 5 de Fevereiro. Decreto nº 90/09, de 15 de Dezembro. 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